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MARIA LUISA DE ANDRADE FREITAS HIERARQUIA DE PESSOA EM AGUARANI: CONSIDERAÇÕES A PARTIR DA MORFOLOGIA DISTRIBUÍDA Dissertação apresentada ao Instituto de Estudos da Linguagem, da Universidade Estadual de Campinas, para obtenção do Título de Mestre em Lingüística. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria Filomena Spatti Sandalo Campinas 2011

HIERARQUIA DE PESSOA EM A GUARANI - amerindias.github.io · Ao meu marido querido, Frederico Coutinho, por ser meu apoio, meu rumo, minha casa. Pela paciência, carinho e amizade

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MARIA LUISA DE ANDRADE FREITAS

HIERARQUIA DE PESSOA EM AVÁ GUARANI:

CONSIDERAÇÕES A PARTIR DA MORFOLOGIA DISTRIBUÍDA

Dissertação apresentada ao Instituto de Estudos da

Linguagem, da Universidade Estadual de Campinas, para

obtenção do Título de Mestre em Lingüística.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria Filomena Spatti Sandalo

Campinas

2011

ii

iii

iv

v

Às minhas Marias.

Ao meu Antônio.

Ao meu Frederico.

vi

vii

AGRADECIMENTOS

Agradeço aos Avá Guarani, pela generosidade com que me receberam nas

comunidades de Fortuna e Akaraymi. Agradeço, especialmente, aos meus amigos

Alba Duarte (e toda família), Antonio Vargas e Irma (e as crianças), pela amizade,

hospitalidade e acolhimento. Agradeço também à família Sosa pela gentileza e

disponibilidade com que me apresentaram sua comunidade e sua cultura. Agradeço,

ainda, a Fernando Sales e Antonia Duarte (Akaraymi) pela colaboração com a

pesquisa.

Agradeço à minha orientadora, professora Filomena Sandalo, pela orientação segura

e competente deste trabalho. Pelo exemplo (de pessoa, de professora e de

pesquisadora) e por me ajudar a lançar novos olhares sobre o modo de fazer

pesquisa. Agradeço também pela gentileza, disponibilidade, amizade e pelo

acolhimento na Unicamp.

Agradeço aos professores Juanito Avelar e Sonia Cyrino pelas orientações e

valiosas sugestões dadas no exame de qualificação.

Agradeço às professoras Bruna Franchetto e Sonia Cyrino pela participação na

banca de defesa desta dissertação, pela leitura cuidadosa, pelos comentários e

pelas sugestões importantes.

Agradeço à CAPES pela concessão da bolsa de Mestrado, que possibilitou o

desenvolvimento desta pesquisa.

viii

Agradeço ao professor Fábio Bonfim Duarte que foi meu orientador durante toda a

graduação. Agradeço pela amizade, por ter me iniciado no estudo das línguas

indígenas e por ter sido o grande incentivador da minha formação como lingüista.

Agradeço aos colegas e professores do Curso de Formação Intercultural de

Educadores Indígenas (FIEI), da Faculdade de Educação da UFMG, pela

oportunidade de aprendizado e pela experiência vivenciada. Agradeço,

especialmente, às minhas coordenadoras, as professoras Lúcia Helena Alvarez,

Maria Inês de Almeida e Márcia Spyer.

Agradeço aos queridos amigos Luis D’Afonseca e Renata Vasconcellos (pela

amizade e pelo acolhimento em Campinas); Natália Salgado Bueno e Rogério

Barbosa (pelo papel fundamental que desempenharam no meu rito de passagem);

Angela Chagas (por tudo! o que seria de mim sem ela?); Eva-Maria Rößler (pela

amizade, pelas boas discussões teóricas -ou não- e por toda ajuda!); Antonio Almir

Silva (pelas boas risadas e pela ótima companhia); Isabel Lüscher, Bernardo Silveira

e Julia Goyatá (por serem minha família mineira na Paulicéia).

Agradeço aos professores e funcionários do Instituto de Estudos da linguagem da

Unicamp pela competência e dedicação. Agradeço, especialmente, aos professores

Angel Corbera, Bernadete Abaurre, Lucy Seki e Sonia Cyrino.

Agradeço aos professores e amigos do Paraguai pela recepção gentil e pelo apoio,

em especial: Iván Vera, Jan David Hauck, Warren Thompson, Enrique Gaska,

Bartolomeu Melià, Hedy Penner e José Daniel Ozuna.

ix

Finalmente, agradeço:

À minha mãe querida, Sandra Maria de Andrade Freitas, por ter me apontado

opções e respeitado minhas escolhas. Pela compreensão, pela torcida e por toda

reza. Por seu espírito artístico e por ter me ensinado o caminho das “letras”.

Ao meu pai querido, Antônio Eustáquio de Freitas, pelo exemplo de disciplina, pela

autoridade amorosa e pela confiança. Por ser um porto seguro. Por ter uma fé

admirável na vida e nas pessoas.

Às minhas queridas irmãs, Júlia Maria e Maria Carolina, por serem dois opostos

totalmente complementares e por terem sido minha primeira escola. Por nossas

conversas, risadas. Pela amizade. Pela compreensão sem julgamentos.

Ao meu marido querido, Frederico Coutinho, por ser meu apoio, meu rumo, minha

casa. Pela paciência, carinho e amizade. Pelo incentivo. Por toda ajuda técnica

(especialmente com Excel e com SPSS). Pela confiança. E por me ensinar todos os

dias uma coisa diferente.

x

xi

No que o homem se torne coisal – corrompem-se nele

Os veios comuns do entendimento.

Um subtexto se aloja.

Instala-se uma agramaticalidade quase insana, que

empoema o sentido das palavras.

Aflora uma linguagem de defloramentos, um

inauguramento de falas.

Coisa tão velha como andar a pé

Esses vareios do dizer.

O guardador de águas, Manoel de Barros.

xii

xiii

RESUMO

Esta dissertação descreve e analisa processos morfológicos e sintáticos relacionados ao

fenômeno da hierarquia de pessoa presente na língua Avá Guarani (Família Tupi-Guarani /

Tronco Tupi), a partir do quadro teórico da Gramática Gerativa e, em especial, a partir da

Morfologia Distribuída (HALLE; MARANTZ, 1993; HALLE, 1997 e MARANTZ, 1997).

Hierarquia de pessoa é um padrão morfossintático encontrado em diversas línguas do

mundo, no qual a categoria de pessoa (se primeira, segunda ou terceira) dos argumentos

nucleares interage com fenômenos morfológicos e sintáticos. Neste estudo, atestaremos que

o Avá é uma língua que exibe um padrão de hierarquia de pessoa (1 > 2 > 3), que afeta o

sistema de concordância da língua, ou seja, a seleção do argumento que será marcado nos

verbos transitivos está condicionada à pessoa que figura na posição de sujeito e de objeto.

Esta relação entre a hierarquia de pessoa e o sistema de concordância é tradicionalmente

descrita para as línguas Tupi-Guarani. Este trabalho evidencia, contudo, que o fenômeno da

hierarquia de pessoa apresenta implicações também na ordem sintática da língua Avá

Guarani. Tendo em vista uma interface entre a Sintaxe e a Morfologia, esta dissertação

apresenta dois principais momentos de análise: com relação aos aspectos sintáticos,

argumentaremos, a partir de Jelinek e Carnie (2003), que existe uma notável relação entre o

fenômeno da hierarquia de pessoa e o deslocamento sintático do objeto nesta língua.

Mostraremos, ainda, que esta relação traz evidências para a noção de inversão

morfossintática (Cf. PAYNE, 1994b). Acerca dos aspectos morfológicos, aventaremos a

proposta, a partir do quadro teórico da Morfologia Distribuída, de que a estrutura hierárquica

gerada pela sintaxe é interpretada e modificada pelo componente morfológico, na medida

em que este realiza operações pós-sintáticas, e atribui traços fonológicos aos traços

abstratos manipulados pela sintaxe.

PALAVRAS-CHAVE: Avá; hierarquia de pessoa; Morfologia Distribuída; sintaxe; morfologia.

xiv

xv

ABSTRACT

This master thesis describes and analyses morphological and syntactic processes related to

person hierarchy in the Ava-Guaraní language (Tupi-Guaraní language family / Tupi stock).

The work employs a general Generative framework, guided in particular by the principles of

Distributed Morphology (HALLE; MARANTZ, 1993; HALLE, 1997; MARANTZ, 1997). Person

hierarchy is a morphosyntactic grammar pattern where the arguments person category (if 1st,

2nd or 3rd) interacts with morphological and syntactic phenomena. Systems like these have

been found in several languages, and they are featured in descriptions of most members of

the Tupi-Guarani language family. The purpose of this research is to discuss in greater detail

the exact patterns displayed by the Avá-Guaraní 1 > 2 > 3 system. Thus, this work

demonstrates that the argument marked on transitive verbs can be either Subject or Object

(external or internal), depending on the involved person-number features. In addition to

analyzing the interaction of person hierarchy and agreement, it is possible to demonstrate

that the hierarchy also triggers a syntactic order change in Avá-Guaraní.

As discussion of a grammatical interface, this thesis elaborates two analytical steps: At a

syntactic level, it establishes a remarkable relationship between person hierarchy

phenomena and the syntactic object displacement following the approach of Jelinek e Carnie

(2003). Additionally, it is demonstrated that this relationship provides evidence for the

morphosyntactic notion of inversion (Cf. PAYNE, 1994b). In a subsequent section, taking into

account insights of the Distributed Morphology framework, the analysis suggests that the

hierarchical structure generated by syntax is interpreted and modified by the morphological

component, insofar as it performs post-syntactic operations and implements phonological

content to the abstract features manipulated by syntax.

KEYWORDS: Avá; person hierarchy; Distributed Morphology; syntax; morphology.

xvi

xvii

LISTA DE TABELAS

Tabela 01: Comunidades Avá no Paraguai

Tabela 02: Subconjunto I da família Tupi-Guarani

Tabela 03: Principais línguas faladas pelos povos Tupi-Guarani no Paraguai

Tabela 04: Consoantes

Tabela 05: Vogais

Tabela 06: Marcadores de pessoa em Avá

Tabela 07: Funções dos marcadores de pessoa

Tabela 08: Prefixos relacionais

Tabela 09: Clíticos do espanhol

Tabela 10: Codificação dos argumentos nucleares de verbos transitivos em Avá

Tabela 11: Prefixos Relacionais

xviii

xix

ABREVIATURAS UTILIZADAS

1S Primeira pessoa singular

1INCL Primeira pessoa plural inclusiva

1EXCL Primeira pessoa plural exclusiva

2S Segunda pessoa singular

2PL Segunda pessoa plural

3 Terceira pessoa

A Sujeito transitivo

[A] Traço Autor

AspP Aspect phrase

C Consoante

ACUS Acusativo

ADV Advérbio

DAT Dativo

DET Determinante

DP Determiner phrase

F Feminino

GP Guarani Paraguaio

LF Logical Form

M Masculino

MD Morfologia Distribuída

NOM Nominativo

NP noun phrase

O Objeto

[P] Traço Participante

PASS Passado

PAS Passiva

PF Phonetic form

POSP Posposição

PL Plural

PTG Proto-Tupi-Guarani

REFL Reflexivo

REL Relacional

S Sujeito intransitivo

SG Singular

SPA Antipassiva espúria

T Tense

TH Tema

TP Tense phrase

v Núcleo funcional v

V Vogal

VP Verb phrase

xx

xxi

SUMÁRIO

I. Introdução ........................................................................................................ 1

1. Comentários Introdutórios ............................................................................... 1

2. Os Avá do Paraguai ......................................................................................... 6

2.1. A língua Avá e a família Tupi-Guarani no Paraguai ................................ 12

3. Os dados ....................................................................................................... 17

3.1. A coleta de dados ................................................................................... 17

3.2. Os informantes ........................................................................................ 19

3.3. Organização dos dados .......................................................................... 19

II. Hierarquia de pessoa em Avá: Descrição e aspectos sintáticos.................... 23

1. Comentários Introdutórios ............................................................................. 23

2. Concordância transitiva em Avá .................................................................... 30

2.1. Os Marcadores de Pessoa ...................................................................... 33

2.2. Os prefixos relacionais ............................................................................ 37

3. Ordem dos Constituintes ............................................................................... 38

4. Argumentos vs. Adjuntos ................................................................................ 46

xxii

5. Aspectos sintáticos das hierarquias argumentais .......................................... 49

5.1. Jelinek e Carnie (2003) .............................................................................. 50

5.2. Hierarquia de pessoa em Avá: proposta sintática de análise..................... 57

III. Pressupostos teóricos ................................................................................... 67

1. A Morfologia Distribuída ................................................................................... 67

1.1. A arquitetura de gramática na MD ............................................................. 69

1.2. Propriedades da MD ............................................................................... 76

2. Operações Pós-Sintáticas ............................................................................. 77

2.1. Concatenação Morfológica...................................................................... 80

2.2. Fusão ...................................................................................................... 83

2.3. Fissão ..................................................................................................... 87

2.4. Empobrecimento ..................................................................................... 89

3. Noyer (1992) .................................................................................................. 95

3.1. Filtros morfossintáticos ........................................................................... 96

3.2. Hierarquia de traços ................................................................................ 99

3.3. Teoria acerca dos traços de pessoa ..................................................... 102

3.4. Hierarquia de pessoa universal? ........................................................... 106

xxiii

3.5. E as línguas 2 >1? ................................................................................ 108

IV. Concordância em Avá: Aspectos morfológicos ........................................... 111

1. Comentários introdutórios ............................................................................ 111

2. Hierarquia de pessoa em Avá: breve sumário ............................................. 113

3. Operações Pós-Sintáticas ........................................................................... 116

3.1. Abaixamento e Fusão ........................................................................... 117

3.2. Inserção Vocabular e os Itens Vocabulares em [T, Asp] ....................... 122

3.3. Inserção Vocabular em v ...................................................................... 129

4. 1A , 2O em Avá: aspectos sintáticos e morfológicos ................................... 132

4.1. A Inserção Vocabular no núcleo [T, Asp] empobrecido ........................ 150

5. Considerações Finais .................................................................................. 162

V. Conclusões .................................................................................................. 167

Referências Bibliográficas .................................................................................. 173

1

I. INTRODUÇÃO

1. COMENTÁRIOS INTRODUTÓRIOS

A presente dissertação aborda, a partir do quadro teórico da Gramática

Gerativa e, em especial, a partir da Morfologia Distribuída (HALLE; MARANTZ, 1993;

HALLE, 1997 e MARANTZ, 1997), uma questão clássica no estudo das línguas da

família Tupi-Guarani: a hierarquia de pessoa (RODRIGUES, 1953, 1984/85;

JENSEN, 1990; PAYNE, 1994; SEKI, 1990, 2000; MARTINS, 2003; CARDOSO,

2008; VELAZQUEZ-CASTILLO, 2008). Hierarquia de pessoa1 é um padrão

morfossintático encontrado em diversas línguas do mundo (SILVERSTEIN, 1976;

ZWICKY, 1977; DIXON, 1994), no qual a categoria de pessoa (se primeira, segunda

ou terceira) dos argumentos nucleares interage com fenômenos morfológicos como,

por exemplo, a seleção do argumento a ser marcado no verbo transitivo; e sintáticos

(Cf. JELINEK; CARNIE, 2003), como caso (cisões ergativas), object shift, marcação

1 Jelinek e Carnie (2003) evidenciam que existem nas línguas do mundo diversos tipos de hierarquias

argumentais, que podem ser baseadas em definitude, animacidade, pessoa, etc.

2

diferencial de objeto, alternâncias de voz (direta vs. inversa; ativa vs. antipassiva),

entre outros.

Do ponto de vista da lingüística tipológica, as hierarquias nominais (Cf.

DIXON, 1994) são abordadas por meio de uma escala de marcação: 1° pessoa > 2°

pessoa > 3°pessoa > nomes próprios > nomes comuns. Esta escala determina quais

participantes devem, prototipicamente, desempenhar o papel de sujeito (agente), e

quais devem desempenhar o papel de objeto (paciente). Quando um participante

atua em um papel não esperado, i.e., o argumento mais alto na hierarquia é objeto

e/ou o argumento mais baixo na hierarquia é o sujeito, isto será morfologicamente

marcado.

Neste estudo, cujo foco principal de investigação serão as sentenças

transitivas, abordaremos processos morfológicos e sintáticos relacionados ao

fenômeno da hierarquia de pessoa em Avá Guarani (doravante Avá), a partir do

quadro teórico da Gramática Gerativa e, em especial, a partir da Morfologia

Distribuída (HALLE; MARANTZ, 1993; HALLE, 1997 e MARANTZ, 1997).

Primeiramente, em uma descrição detalhada, atestaremos que o Avá é

uma língua que exibe um padrão de hierarquia de pessoa (1 > 2 > 3) que afeta o

sistema de concordância da língua, ou seja, a seleção do argumento que será

marcado por concordância, nos verbos transitivos, está condicionada à pessoa que

figura na posição de sujeito e de objeto. Assim sendo, existem na língua séries

3

distintas de concordância, tratadas na literatura como cross-referencing (Cf.

JENSEN, 1990), que indicam, no núcleo do predicado, o argumento mais alto na

hierarquia: a Série I é utilizada quando Sujeito > Objeto; e a Série II é usada nos

contextos em que Objeto > Sujeito. Esta relação entre a hierarquia de pessoa e o

sistema de concordância é tradicionalmente descrita para as línguas Tupi-Guarani,

como nos trabalhos de Rodrigues (1990); Seki (1990, 2000); Leite (1990); Jensen

(1990); Harrison (1994); Payne (1994b); Martins (2003); Cardoso (2008); Velázquez-

Castillo (2008); entre outros.

O presente trabalho mostra, entretanto, de maneira inaugural, que o

fenômeno da hierarquia de pessoa em Avá apresenta implicações na ordem sintática

da língua. A partir de testes com advérbios, evidenciaremos que objetos de primeira

ou segunda pessoa (i.e. 1O ou 2O) devem preceder o verbo, gerando a ordem OV.

Por outro lado, objetos de terceira pessoa (i.e. 3O) permanecem na posição pós-

verbal, na ordem VO. A influência da hierarquia de pessoa sobre a ordem dos

constituintes foi notada e discutida anteriormente, no Brasil, para a língua Kadiwéu

(Família Guaikuru), por Sandalo (2008, 2011) e por Nevins e Sandalo (2010). Os

mesmos fatos relativos à ordem sintática, apontados pelos autores para o Kadiwéu,

são observáveis em Avá.

Discutiremos, também, os aspectos sintáticos e morfológicos presentes

nas construções nas quais o sujeito é de primeira pessoa e o objeto é de segunda,

4

em Avá. Estes aspectos trarão evidências adicionais para a proposta de que existe

uma estreita relação entre a categoria de pessoa dos argumentos nucleares e os

fenômenos sintáticos. Mostraremos, ainda, que esta relação é observável em

diversas línguas e, inclusive, nos distintos sistemas de caso e concordância.

Outra inovação trazida por este trabalho, em relação aos trabalhos

anteriores a respeito de línguas Tupi-Guarani, é o fato de propormos uma

interpretação para o padrão de hierarquia de pessoa em Avá a partir do quadro

teórico da Morfologia Distribuída (HALLE; MARANTZ, 1993, 1994; HALLE, 1997 e

MARANTZ, 1997). Desse modo, iremos defender a hipótese de que a hierarquia de

pessoa pode ser compreendida como um epifenômeno de interface entre a Sintaxe e

a Morfologia, uma vez que esta se relaciona tanto aos movimentos e à manipulação

de complexos de traços ocorridos na sintaxe, quanto às regras aplicadas no

componente fonológico, específicas de cada língua.

Assim sendo, esta dissertação apresenta dois principais momentos de

análise: os aspectos sintáticos e os aspectos morfológicos relacionados à hierarquia

de pessoa presente em Avá. Com relação aos aspectos sintáticos, argumentaremos,

a partir de Jelinek e Carnie (2003), que existe uma notável relação entre o fenômeno

da hierarquia de pessoa e o deslocamento sintático do objeto nesta língua.

Mostraremos, ainda, que esta relação traz evidências para a noção de inversão

morfossintática (Cf. PAYNE, 1994b).

5

Acerca dos aspectos morfológicos, aventaremos, a partir do quadro

teórico da Morfologia Distribuída, a proposta de que a estrutura hierárquica gerada

pela sintaxe é interpretada e modificada pelo componente morfológico, na medida

em que este realiza operações pós-sintáticas, e atribui traços fonológicos aos traços

abstratos manipulados pela sintaxe.

Esta dissertação está organizada da seguinte maneira: nesta Introdução,

traremos informações sobre o grupo Avá do Paraguai, com um breve percurso

histórico, localização das comunidades indígenas no Paraguai e dados

demográficos. Abordaremos, também, a classificação de Rodrigues (1984/85), que

identifica esta língua como pertencente à família lingüística Tupi-Guarani (Tronco

Tupi), e discutiremos brevemente a situação atual desta família lingüística no

Paraguai. Apresentaremos, ainda, a metodologia usada na coleta de dados, bem

como a organização destes no texto.

No Capítulo II, iremos descrever detalhadamente o funcionamento do

sistema de concordância, evidenciando os condicionamentos morfossintáticos

desencadeados pela hierarquia de pessoa presente na língua Avá, como a escolha

do argumento a ser marcado no verbo transitivo. Mostraremos, assim, a distribuição

dos marcadores de pessoa e dos prefixos relacionais responsáveis pela codificação

dos argumentos nucleares no predicado verbal. Discutiremos, ainda, os testes com

advérbios realizados, que nos permitiu identificar uma mudança na ordem sintática

6

da língua, condicionada pela hierarquia de pessoa. Em seguida, a partir da proposta

de Jelinek e Carnie (2003), aventaremos uma hipótese sintática de interpretação do

fenômeno da hierarquia de pessoa presente em Avá.

No Capítulo III, apresentaremos os pressupostos teóricos fundamentais da

Morfologia Distribuída, no que concerne a arquitetura de gramática e as suas

principais propriedades. Abordaremos também o modelo proposto por Noyer (1992)

relativo à constituição de filtros morfossintáticos. Estes conceitos serão fundamentais

para a análise aqui proposta.

Finalmente, no Capítulo IV, aventaremos, à luz da Morfologia Distribuída,

uma proposta teórica de análise dos dados que compreende a hierarquia de pessoa

como resultado de uma interação entre a Sintaxe e a Morfologia, na medida em que

a estrutura hierárquica, gerada pelo componente sintático, é interpretada e

modificada pelo componente morfológico.

2. OS AVÁ DO PARAGUAI

Os Avá são 13.430 pessoas (CENSO NACIONAL INDÍGENA apud

MELIÀ, 2002) que vivem em 122 comunidades, nos departamentos2 Canindeyú, Alto

2 O Paraguai é uma república presidencialista que, administrativamente, divide-se em 17

departamentos e uma capital.

7

Paraná, San Pedro e Amambay, na região oriental do Paraguai. Segundo Chase-

Sardi (1992), os Avá foram denominados de Chiripá por Metraux (1948), de Chiripá

Guarani ou Avá-Katu-Ete por Susnik (1961) e de Avá-Katu-Ete por Bartolomé (1977).

Chase-Sardi (1992) explica que, conforme Nimuendaju (1987), os Guarani para

designar sua nação ou povo empregam o termo Ñandeva, quando a pessoa com

quem se fala pertence ao mesmo grupo, e Oreva, quando o interlocutor pertence a

outro grupo. Ambos os termos significam “nossa gente”, o último exclui a pessoa

com quem se fala e o primeiro a inclui. Schaden (1974 apud CHASE-SARDI, 1992),

seguindo a posição de Nimuendaju, afirma que Ñandeva é a autodenominação de

todos os Guarani e que, no entanto, é a única autodenominação das comunidades

que falam o dialeto registrado por Nimuendaju com o nome de Apapokuva.

Chase-Sardi (1992) aponta que alguns autores tomaram a denominação

de parcialidades como sendo aquela de toda a etnia: Ava-Katu-Ete é a

autodenominação daqueles que são do norte; Ava-Ete seria a autodenominação

usada por aqueles que vivem no oeste; os do sul são denominados Yvypotygua,

habitantes da flor da terra ou de onde floresce a terra; e os que são do leste, ponto

cardeal mais importante para os Avá, são denominados de Ñanderovaigua. Assim,

Chase-Sardi (1992) esclarece que tanto Nimuendaju (1987) quanto Schaden (1974)

teriam razão em assegurar que Ñandeva é a autodenominação de todos, tendo em

conta que só há denominações para as parcialidades que viviam nestas quatro

8

grandes zonas. Entretanto, o autor afirma que adota o termo Avá em virtude deste

povo se apresentar como tal desde as investigações de Cadogan (1959) e que, além

disso, este nome tem sido usado tanto na bibliografia antropológica dos últimos

anos, como por todas as instituições indigenistas que trabalham com eles. Nesse

sentido, seguindo estes argumentos de Chase-Sardi (1992) e por termos tido contato

com as comunidades que usavam esta autodenominação, nesta dissertação também

adotaremos o nome Avá para nos referirmos a este povo.

Zanardini e Biedermann (2006) apontam que os Avá (Cf. CADOGAN,

1959) são o povo mais “paraguaizados”, devido a sua maneira de falar o Guarani,

seus rasgos fisionômicos, a sua indumentária, aos trabalhos que realizam e a

maneira pela qual se relacionam com a sociedade paraguaia. São vários os motivos

históricos que operaram mudanças significativas no modo de vida tradicional dos

Avá. Zanardini e Biedermann (2006) relatam que os grupos Avá que vivem na região

de Canindeyú e Alto Paraná foram obrigados a trabalhar nas plantações de erva

mate da Industrial Paraguaya S.A., a partir do final do século XIX. Além disso, os

espaços habitados por esse povo começaram a sofrer grande devastação, na

década de 60, o que obrigou os Avá a buscarem alternativas ao seu modo de

subsistência tradicional. Outros fatores importantes que contribuíram

substancialmente na alteração do ambiente tradicional desta etnia foram: a

construção da rota Coronel Oviedo – Rio Paraná; a fundação de Ciudad del Este; a

9

construção da Ponte da Amizade entre Brasil e Paraguai; e a construção da

Hidroelétrica de Itaipu. Estes fatores geraram largos conflitos por disputa de terras e

aceleraram o contato deste povo com o entorno, tanto com paraguaios, quanto com

outros grupos indígenas, como os Mbyá e os Pai Tavyterã. Este processo, segundo

os autores, produz variações culturais importantes, introduzindo mudanças na

transmissão de conhecimentos tradicionais, na cultura material e nos hábitos de vida

deste povo. Sobre estas mudanças, Súsnik (1961 apud CHASE-SARDI, 1992, p. 30)

ressalta as seguintes questões:

Los Chiripá representan, hasta hoy, el grupo guaraní actual más aculturado.

El ambiente vecinal y el debilitamiento numérico circunstancian siempre un

ojopara (mestizamiento) con los Mbyá e con los Pai . Este moderno cruce es

interesante, por algunos aspectos psico-mentales tradicionales: muchas

tradiciones mitológicas y mágicas se transmiten por intermedio de los

chamanes, que no son Chiripá propiamente dichos, induciendo a

variaciones considerables y a cierto relajamiento del valor social de las

tradiciones entre la joven generación. Por otra parte, la rápida

transculturación, en aspectos de la cultura material, produce conflictos

socio-culturales considerables, siendo manifiesta la tendencia de

individualizaciones familiares, agrupaciones locales y uniones comunales

por conveniencia.

Após a década de 60, tem-se registrado um crescimento demográfico

significativo entre os Avá. Zanardini e Biedermann (2006) evidenciam que Súsnik

(1961) enumerava 2.000 pessoas; Chase-Sardi (1972) estima uma população de

2.825 pessoas. O Censo do INDI (Instituto Paraguayo del Indígena) de 1981

10

apontava 4.500 pessoas enumeradas e 5.175 pessoas como um total estimado;

Chase-Sardi (1990) realizou uma estimação demográfica que situava a população

em 8.315 pessoas, vivendo em 35 comunidades. O Censo de 1992 registrou 6.918

habitantes de 34 comunidades da etnia. Em 1995, o FEPI (Foro de Entidades

Privadas Indigenistas) estimou 8.602 pessoas. E, em 2002, o Censo Nacional

Indígena registrou 13.430 pessoas, distribuídas em 122 comunidades.

Na Tabela 01, a seguir, apresentamos as 122 comunidades Avá

existentes nos departamentos Canindeyú, Alto Paraná, San Pedro e Amambay, na

região oriental do Paraguai.

11

Tabela 01: Comunidades Avá no Paraguai

1. Pindoty 42. Santa Ana 82. Tekoha Ka'aguy Poty Kamba

2. Guarani-Paso Historia Comunidad43. Ka'aty Miri - San Francisco 83. Kaninde

3. Santa Carolina - Avariju 44. Okara Poty - Rio Verde 84. Mba'e Katu

4. Itanarami 45. Parakau keha 85. Mytuy

5. Ita Poty 46. Yvu Porã 86. Nueva Esperanza

6. Mbói Jagua 47. Tahekyi- San Luis 87. Paso Real

7. Paso Jovái - Horqueta 48. Yvoty Hu 88. Pindoju - Maracana

8. Mi-Tekoha Katu 49. Arroyo Moroti 89. Tajy Poty

9. Felicidad 50. Y'upa 90. Takua Miri

10.Ynambu Ygua 51. Tekoha Porã 91. Teko Joja - Cuatro Bocas

11. Arrotugue 52. ka'aguy Poty -Romerokue 92.Yapay

12. Bajada Guasu 53. Tajy Poty 93. Tuna Poty

13. Guavira 54. Tekoha Miri 94. Veraro

14. Arroyo Mokõi 55. Ka'a Poty 95. Y Akãju

15. San Juan 56. Ka'aguy Roky 96. Y Apy Piro'y

16. Britez Kue - 4 de Octubre 57. Ka'aguy Yvate 97. Y Hovy

17. Ko'e Poty 58. Ka'aty Miri - Formosa 98. Ysakã - Rio Verde

18. Yvu Poñy 59. Mbokaja'i Ypytu 99. Ykua Viju

19. Kuruperamí 60. Y Porã Poty 100. Tekoha ka'a Poty

20. Siete Monte 61. Uruku Poty 101. Kilómetro 15

21. Jeroky 62. Tekoha Pyahu 102. Estancia Nueva Esperanza

22. 1º de Marzo 63. Takuaju Poty 103. Curuguaty Urbano

23. Agua'e 64. Carioca 104. Guyraju Miri

24. Fortuna 65. Guyra keha 105. Tres Nacientes

25. Y Akã Poty - Jukeri 66. Yvy Parana Yrembe'yre - 106. Takuapu

26. Y Apy - Santa Isabel Puerto Adela 107. Tekoha Poty Vera

27. Ko'e Poty Pyahu 67. Arroz Tygue 108. Jejyty Miri

28. Jukyry 68. Cerro Pytã 109. Takuara'i

29. Ko'eju 69. Cerro Campin 110. Yvy Pyahu

30. kapi'ivary - Yaryty Miri 70. Ñu'i 111. Y apo

31. Arroyo Guasu 71. Tekoha Poty Pyahu - Mil 112. Ygary Poty

32. Aldea Chopa Kue 72. Tatu Kue 113. 12 de Junio

33. Aldea Azul 73. Yvyapy Katu - Potrerito 114. Ka'aguy Porã Poty

34. Aldea Piliko Kue 74. Cerro Verde - Cruce 115. Nueva Estrella

35. Aldea Caaguazu 75. Yvyrarovana 116. San Antonio

36. Aldea Centro 76. Cristo Rey 117. Takua Poty

37. Itavo Guarani 77. Tekoha Ryapu - Laguna Hovy 118. Y Ryapu

38. Mariscal Lopez - Celeste 78. Arroyo Piro'y 119. Yva Poty

39. Ypety - Paso Cadena 79. Isla Jovái 120. Ytu

40. Akaray Mi 80. Itaymi 121. Lagunita

41. Kirito 81. Kapi'itindy - Ka'aguy Poty 122. Tekoha Yvy Poty Fonte: Zanardini e Biedermann (2006).

12

2.1. A LÍNGUA AVÁ E A FAMÍLIA TUPI-GUARANI NO PARAGUAI

A língua Avá pertence, segundo Rodrigues (1984/85), ao subconjunto I da

família Tupi-Guarani e, conseqüentemente, ao tronco Tupi. Segundo o autor, as

principais características deste subgrupo em relação ao Proto-Tupi-Guarani

(doravante PTG) são as seguintes:

01. CARACTERÍSTICAS DO SUBCONJUNTO I EM RELAÇÃO AO PTG:

a. Perda das consoantes finais;

b. Conservação de *tx ou sua mudança em ts ou s;

c. Mudança de *ts em h ou zero;

d. Mudança de *pw em kw ou k;

e. Mudança de *pj em tx ou x.

Rodrigues (1984/85) aponta que neste subgrupo há uma língua

documentada há mais de 350 anos que é o Guarani Antigo da Província de Guairá

(MONTOYA, 1639, 1640 apud RODRIGUES, 1984/85) e que, das diversas

variedades do Guarani Moderno, o candidato mais provável de ser descendente

deste dialeto antigo parece ser o Ñandeva (Avá, Txiripá, Apapokúva). Cadogan

(1959 apud CHASE-SARDI, 1992, p. 23) também acredita que o dialeto falado pelos

Avá é o mais próximo daquele registrado pelo Padre Antonio Ruiz de Montoya. As

13

demais línguas que compõem este subconjunto são apresentadas na Tabela 02 a

seguir.

Tabela 02: Subconjunto I da família Tupi-Guarani

1. Guarani Antigo 6. Guarani Paraguaio

2. Mbyá 7. Guayakí (Aché)

3. Xetá 8. Tapieté

4. Ñandeva (Txiripá) 9. Chiriguano (Ava)

5. Kaiwá (Kayová, Pãi) 10. Izoceño (Chané)

Línguas e/ou Dialetos

Fonte: Rodrigues (1984/85).

No Paraguai, são faladas sete das dez línguas pertencentes ao

Subconjunto I da família Tupi-Guarani3: Guarani Paraguaio, Aché (Guayaki), Avá

(Ava-Katu-Ete, Chiripá, Ñandeva), Mbyá, Pai Tavyterã (Kayowá), Ñandeva (Tapieté),

Guarani Ocidental (Chiriguano). É interessante ressaltar que o Guarani Paraguaio

(doravante GP) se configura como idioma oficial no país ao lado do espanhol.

Conforme Melià (2002), as etnias Aché, Avá, Mbyá e Pa i Tavyterã se situam na

região oriental do Paraguai e as etnias Ñandeva e Guarani Ocidental se localizam,

respectivamente, no centro e no extremo noroeste do Chaco Paraguaio, próximo à

fronteira com a Bolívia.

3 Apresentamos as denominações tal como são usadas no Paraguai pelas etnias e pelos órgãos

indigenistas responsáveis e nos parênteses indicamos as denominações alternativas.

14

Zanardini e Biedermann (2006) apontam que os Aché apresentam uma

população de 1.190 pessoas, distribuídas em 6 comunidades, na região dos

departamentos Canindeyú, Alto Paraná, Caazapá e Caaguazú. Os Ocidentais são

2.155 pessoas, que vivem em 7 comunidades, no departamento Boquerón no Chaco

Paraguaio. Os Mbyá apresentam a população de 14.324 pessoas e vivem em 134

comunidades, nos departamentos Itapúa, Caazapá, Guairá, San Pedro e Alto

Paraguay. Os Ñandeva são 1.984 pessoas que vivem em 9 comunidades no

departamento Boquerón. Os Pa i Tavyterã são 13.132 pessoas, que vivem em 55

comunidades, nos departamentos Amambay, Canindeyú, San Pedro e Concepción.

A situação lingüística da família Tupi-Guarani no Paraguai não apresenta

um cenário muito positivo uma vez que todos os dialetos indígenas apresentam, em

diferentes graus, riscos de extinção, evidenciando um processo de mudança

lingüística radical em direção aos idiomas oficiais, em especial, em direção ao GP.

Os dados da Tabela 03 a seguir, apresentados por Melià (2002), evidenciam esta

realidade.

Tabela 03: Principais línguas faladas pelos povos Tupi-Guarani no Paraguai

N % N % N %

Aché 1190 911 76,55 739 62,10 339 28,48

Avá-Guarani 13430 6308 46,96 9061 67,46 2842 21,26

Mbyá 14324 10.016 69,92 7915 55,25 1329 9,28

Pãi-Tavyterã 13132 6364 48,46 9289 70,73 482 3,67

Ocidental 2155 574 26,63 1724 80,00 1396 64,77

Ñandeva 1984 1550 78,12 1419 71,52 715 36,03

Fonte: Dirección General de Estadistica, Encuestas y Censos/Comisión Nacional de Bilinguismo. In: Melià, 2002

Língua Própria Guarani Paraguaio EspanholTotal

15

Como é possível verificarmos na Tabela 03, o GP é amplamente falado

(entre 55 e 80%) nas seis etnias. Já o espanhol é utilizado em menor escala por

essas populações. Com isso, podemos depreender que é realmente o GP a língua

oficial mais disseminada entre os falantes destes dialetos indígenas minoritários. Em

relação ao Avá, especificamente, Chase-Sardi (1992) alerta que é evidente que este

grupo adotou uma grande porcentagem de elementos sincréticos e que o GP ha

deturpado su idioma original (Ibidem, p. 24), acrescentando que:

Incluso los más renombrados sacerdotes, en sus porai, en sus canto-

oraciones, suelen matizar las casi inentendibles oraciones del guaraní

arcaico, con las del moderno, agregando, casi siempre, como ya lo hiciera

notar Cadogan, la frase: He’i haicha karaikuera, como dicen los blancos, o

He’i haicha paraguajokuera, como dicen los paraguayos. En cuanto a la

forma y fluidez con que hablan el guaraní paraguayo, según asevera

Cadogan, lo puedo asegurar solamente de los hombres adultos que van a la

changa y de los niños, de ambos sexos, que han pasado por la escuela.

Pues las mujeres y los niños, cuyas comunidades carecen de enseñanza

primaria, siguen hablando el guaraní con un destacado acento cortante, y el

chicheo fuerte y no suave, como en el guaraní paraguayo.

Como havíamos mencionado no histórico sobre o povo Avá, a relação que

este grupo mantém com a sociedade paraguaia é bastante próxima e há hoje,

inclusive, um alto índice de pessoas multilíngües, que falam além do Avá, o GP, o

espanhol e o português. Além disso, como já apontado por Chase-Sardi (1992), é

possível perceber o conhecimento e uso do GP e do espanhol por parte das

16

gerações mais jovens (até 20 anos), em virtude do aumento de escolarização4 nas

comunidades. Assim, acreditamos que, ao menos nas duas comunidades em que

trabalhamos, o uso do Avá sem tanta influência do GP se restringe a um grupo de

falantes, numa faixa etária acima de 50 anos, que não receberam educação escolar.

4 A Constituição Nacional da República do Paraguai, promulgada no dia 20 de junho de 1992,

apresenta um capítulo específico sobre os direitos dos povos indígenas (Capítulo V – De los Pueblos

Indígenas) e outros artigos relacionados a este tema. Esta Constituição reconhece a existência legal

dos povos indígenas e garante o direito à preservação e desenvolvimento da identidade étnica em

seu respectivo habitat. Com relação à educação, a Constituição prevê que o Estado deverá assegurar

a toda população do país o acesso à educação. Garante, ainda, a instalação de instituições escolares

específicas e diferenciadas e o uso de pedagogias indígenas. O Estado deve respeitar as orientações

educativas dos povos indígenas e lhes oferecer meios para seu desenvolvimento (Cf. DGEEI/MEC,

2009. Disponível em: http://www.mec.gov.py/cmsmec/?page_id=33301).

Entretanto, com relação ao uso da língua materna dos indígenas na escola, a Constituição, no Artigo

77 do Capítulo VII – De la Educación e de la Cultura, afirma que:

La enseñanza en los comienzos del proceso escolar se realizará en la

lengua oficial materna del educando. Se instruirá asimismo en el

conocimiento y en el empleo de ambos idiomas oficiales de la República. En

el caso de las minorías étnicas cuya lengua materna no sea el guaraní, se

podrá elegir uno de los dos idiomas oficiales (CONSTITUICIÓN NACIONAL,

1992. Disponível em: <http://www.constitution.org/cons/paraguay.htm>.

17

3. OS DADOS

Nesta seção, apresentaremos brevemente a metodologia usada na coleta

dos dados que serão discutidos neste trabalho e traremos informações gerais sobre

os informantes com os quais trabalhamos. Abordaremos, também, a organização

dos dados, bem como a ortografia utilizada no processo de transcrição.

3.1. A COLETA DE DADOS

Os dados que serão apresentados nesta dissertação foram coletados nos

meses de abril e maio de 2010, nas comunidades Avá de Akaraymi e Fortuna,

localizadas nos departamentos de Alto Paraná e Canindeyú, respectivamente, no

Paraguai. Para realizarmos a coleta de dados, aplicamos três questionários em

espanhol, compostos por sentenças-testes, que buscavam averiguar os

condicionamentos morfossintáticos relativos a três principais temas:

02. TEMAS ABORDADOS NOS QUESTIONÁRIOS DE INVESTIGAÇÃO:

a. Distribuição dos marcadores pessoais e dos prefixos relacionais nos

predicados verbais.

b. Movimento de objeto.

c. Argumentos vs. Adjuntos.

18

O primeiro questionário, que versava sobre o tema 2.a., era composto por

paradigmas de conjugação verbal, com verbos transitivos e intransitivos, nestes

atentando para a distinção entre verbos inergativos, inacusativos e estativos. O

segundo questionário, que pretendia verificar a questão de movimento de objeto, era

composto por testes com advérbios. O terceiro questionário, que buscava esclarecer

a distinção entre argumentos e adjuntos, era composto por testes com passivas.

A partir destes questionários-base, pedimos aos informantes que

emitissem julgamentos de gramaticalidade sobre determinadas sentenças-testes,

como mostra o exemplo a seguir com o advérbio aguyjema “sempre”. O símbolo (*)

indica que a sentença é agramatical.

Exemplo 01. SENTENÇA-TESTE: “TU SEMPRE ME VÊS”.

a. nde aguyjema che=r-echa

2S ADV 1S-REL-ver

b. nde che aguyjema che=r-echa

c. nde chevy aguyjema che=r-echa

d.* nde che aguyjema r-echa

19

Além destes dados coletados em nossa pesquisa de campo, poderemos

lançar mão de dados publicados na literatura. Estes dados serão devidamente

indicados e referenciados no corpo do texto.

3.2. OS INFORMANTES

Nas duas comunidades nas quais estivemos, trabalhamos com um total

de seis informantes, sendo três homens, com idades de 29, 30 e 49 anos, e três

mulheres com idades de 37, 51 e 72 anos. Salvo a informante de 72 anos que é

falante monolíngüe de Avá, todos os outros são falantes fluentes do GP e do

espanhol. Para realizarmos a elicitação dos dados com a informante monolíngüe,

contamos com a colaboração de seu filho, outro de nossos informantes. Os demais

informantes foram questionados em espanhol.

3.3. ORGANIZAÇÃO DOS DADOS

Os dados estarão numerados no corpo do texto de maneira continua,

independentemente do capítulo. Eventualmente, pares de dados semelhantes

poderão ser diferenciados por letras, associadas a um mesmo número de

identificação do dado (por exemplo, 01.a, 01.b.). Na transcrição dos dados,

20

usaremos a ortografia Guarani oficial5 usada no Paraguai, conforme apresentamos a

seguir.

03. ALFABETO GUARANI (ACHEGETY):

a – ã – ch – e – ẽ – g – ĝ – h – i – ĩ – j – k – l – m – mb – n – nd – ng – nt – ñ – o – õ – p

– r – rr – s – t – u – ũ – v – y – ỹ – '

Algumas observações sobre esta ortografia:

O alfabeto é composto por 33 letras, sendo 12 vogais e 21 consoantes.

Com relação às consoantes, são 13 consoantes orais (ch, g, h, j, k, l, p, r, rr, s,

t, v, '), 4 consoantes nasais (m, n, ñ, g ) e 4 consoantes pré-nasalizadas (mb,

nd, ng, nt).

Com relação às vogais, são 6 vogais orais (a, e, i, o, u, y) e 6 vogais nasais (ã,

e , i, o, u, y)

As letras l e rr são usadas apenas em empréstimos do espanhol, uma vez que

não constituem fones do Guarani.

Estas letras representam os seguintes fones:

5 Informações disponíveis em: http://www.datamex.com.py/guarani/neetekuaa/el_abecedario.html

21

Tabela 04: Consoantes

ch – [S, tS]; r – [R]; n – [n];

g – [g]; rr – [r]; ñ – [];

h – [h]; s – [s]; g – [N];

j – [dZ]; t – [t]; mb – [<b];

k – [k]; v – [v]; nt – [<t];

l – [l]; ’ – [/]; nd – [<d];

p – [p]; m – [m]; ng – [<g].

Tabela 05: Vogais

a – [a]; ã – [a];

e – [e,E]; e – [e,E];

i – [i]; i – [i ];

o – [o, ]; o – [o, ];

u – [u]; u – [u];

y – []; y – [].

22

23

II. HIERARQUIA DE PESSOA EM AVÁ:

DESCRIÇÃO E ASPECTOS SINTÁTICOS

1. COMENTÁRIOS INTRODUTÓRIOS

As línguas da família Tupi-Guarani apresentam, conforme mencionamos

anteriormente, um padrão de hierarquia de pessoa que apresenta uma estreita

relação com os sistemas de concordância destas línguas, como mostram inúmeros

trabalhos, dentre eles, destacamos os de Rodrigues (1990); Seki (1990, 2000); Leite

(1990); Jensen (1990); Harrison (1994); Payne (1994b); Martins (2003); Cardoso

(2008); Velázquez-Castillo (2008).

Os sistemas de concordância, nas línguas desta família, são compostos

por séries de concordância, tratadas por Jensen (1990) como cross-referencing6, que

6 PTG Cross-Referencing affixes (JENSEN, 1990)

SET 1 SET 2

1SG a- če (r-)

1PL.EXCL oro- ore (r-)

1PL.INCL ja- jane (r-)

2SG ere- ne (r-)

2PL pe- pe (n-)

3 o- i-, c-

24

assinalam, no núcleo do predicado verbal, o argumento mais alto na hierarquia (1>

2> 3). Assim, a Série I é usada para codificar o sujeito, quando A > O; e a Série II é

utilizada para assinalar o objeto, quando O > A. Estas séries são também descritas

(JENSEN, 1990; SEKI, 1990, DIXON, 1994) como responsáveis por uma cisão na

codificação do único argumento de verbos intransitivos7: o sujeito S de verbos

intransitivos ativos é codificado por meio dos prefixos da Série I; por outro lado, o

sujeito S de verbos intransitivos estativos é assinalado por meio da Série II, como

mostram os exemplos abaixo do Tupinambá (JENSEN, 1990, p. 117).

Exemplo 02.

VERBO TRANSITIVO

a. a-i-nupã

1SG-REL-bater

“Eu bato nele”.

b. syé nupã

1sg- bater

“(ele/ela/eles/você(s)) Me bate”.

7 Bittner e Hale (1996) apontam que muitas línguas, pertencentes a distintos sistemas de caso,

apresentam intransitividade cindida.

25

Exemplo 03.

VERBO INTRANSITIVO

a. a-só

1SG-ir

“Eu vou/fui”.

b. syé katu

1SG bom

“Eu sou bom”.

Além destas séries de marcadores de pessoa, outra característica dos

sistemas de concordância das línguas Tupi-Guarani (Cf. RODRIGUES, 1984/85,

SEKI, 1990, 2000; CABRAL, 2001; DUARTE, 2005) é a existência de prefixos

denominados relacionais ({r-} e seus alomorfes)8 que figuram no núcleo de

predicados (verbais, nominais e posposicionais), assinalando a relação de

concordância que este estabelece com seu complemento.

Payne (1994b) lança a proposta de que estes prefixos relacionais

associados aos marcadores de pessoa seriam responsáveis pela codificação de um

8 Prefixos relacionais do Guajajara (HARRISON, 1986 apud PAYNE, 1994b):

{r-} padrão.

{n-} depois de pe- (2PL) e wa- (3PL) .

{Ø-} com raízes que iniciam com C.

{t-} forma irregular para 3ª pessoa.

{h-} em muitas raízes que iniciam com V.

26

sistema inverso nas línguas da família Tupi-Guarani. Para a autora (Ibidem, p.316),

em termos semântico-pragmáticos, é possível se referir a uma ação entre os

participantes de uma hierarquia nominal como ocorrendo em uma direção “direta ou”

“inversa”. Quando a ação acontece como esperada, em uma direção

informacionalmente natural de um participante A mais tópico, em direção ao

participante P menos tópico (i.e., A = Sujeito; P = Objeto)9, obtemos a situação

“direta”. Quando, entretanto, a situação é reversa ou neutra em relação à hierarquia,

ou seja, o participante P é relativamente mais tópico que o normal (P = Sujeito), esta

pode ser referida como “inversa”.

Payne (1994b) discute que todas as línguas apresentam algum

mecanismo para expressar situações informacionalmente inversas como, por

exemplo, uma canônica passiva. Uma maneira alternativa de expressar uma cena

informacionalmente marcada seria por meio de uma construção

morfossintaticamente inversa. Nesta construção existe um mecanismo formal de

marcação que indica a crescente topicalidade do participante P. Contudo,

diferentemente da passiva, a sentença inversa permanece transitiva e a identidade

do agente não é necessariamente suprimida.

9 Payne (1994b) afirma usar os termos A (sujeito transitivo), S (sujeito intransitivo) e P (objeto) no

sentido de Dixon (1979) e Comrie (1978).

27

Desse modo, a proposta sugerida por Payne (1994b) é a de que existe um

sistema inverso nas línguas Tupi-Guarani evidenciado pela associação entre as

séries de marcadores de pessoa e os prefixos relacionais, sendo estes últimos

assumidos como marcadores da chamada inversão da hierarquia. A autora ressalta,

ainda, que a noção de inversão é dependente de sua ocorrência nas sentenças

transitivas. No entanto, a morfologia assumida como inversa (Série II/r) ocorre

também com intrasitivas estativas, NPs possuídos, sintagmas posposicionais,

construções com oblíquo topicalizado e em algumas sentenças subordinadas. Para

Payne (1994b), a distribuição da Série II/r- pode ser motivada pelo fato de que todas

as construções nas quais estes prefixos ocorrem são orientadas para P ou, ao

menos, não orientadas para A.

Martins (2003), ao discutir a possibilidade de o Mbyá Guarani ter um

sistema inverso como sugerido por Payne (1994b), afirma que “se entendido como

uma inversão inerente de topicalidade (1> 2 > 3), a qual deve ser codificada por um

sistema de concordância pessoal que contrasta participantes ativos e inativos, o

sistema inverso pode ser identificado no Mbyá (Ibidem, p.78)”. Entretanto, a autora

questiona que a morfossintaxe dita inversa, como proposto por Payne (1994b),

também ocorre em construções genitivas, sentenças intransitivas inativas e em

sintagmas posposicionais.

28

Velázquez-Castillo (2008) discute que a proposta de Payne (1994b) de um

sistema inverso baseado na transitividade não se sustentaria em virtude da grande

variedade de contextos em que a morfologia dita inversa ocorre e, especialmente, o

prefixo {r-}. Para a autora, se a categoria de inversão existir em Guarani Paraguaio

seria de maneira coberta, uma vez que não há formas exclusivas na língua que

atuem nesta função. Assim, segundo Velázquez-Castillo (2008), uma análise

estritamente inversa dos prefixos relacionais, baseada nas relações de transitividade,

privilegiaria um contexto em detrimento de outros. Para a autora, todas as

ocorrências de {r-} podem ser motivadas pela análise relacional: tanto {r-} quanto {h-}

indicam o grau de conexão entre predicado-argumento, {r-} reservado para situações

em que a conexão é estreita e {h-} para as situações em que esta conexão não é tão

próxima.

Tomando por base os dados que iremos discutir, neste capítulo, relativos

à ordem sintática, e os trabalhos de Jelinek e Carnie (2003) e de Sandalo (2008,

2011), mostraremos que, em Avá, a noção de inversão, conforme proposta por

Payne (1994b), pode ser reinterpretada em termos de movimento sintático. Assim

sendo, argumentaremos nesta dissertação, que uma análise da chamada inversão

das hierarquias argumentais associada aos fenômenos sintáticos (Cf. JELINEK;

CARNIE, 2003; SANDALO, 2008, 2011) apresenta maior abrangência explicativa,

tanto com relação ao número de línguas que a evidenciam, quanto ao número de

29

fenômenos sintáticos decorrentes desta associação, como caso, object shift,

marcação diferencial de objeto, alternâncias de voz (direta vs. inversa; ativa vs.

antipassiva), entre outros.

Mostraremos, ainda, que as situações nas quais o sujeito é de primeira

pessoa e o objeto é de segunda pessoa (i.e. 1A, 2O) apresentam, em Avá,

características sintáticas e morfológicas particulares, que as diferenciam das

construções em que há um argumento de terceira pessoa envolvido. Estes dados da

língua Avá trarão evidências adicionais para a compreensão da estreita relação que

se estabelece entre os fenômenos sintático-morfológicos e a categoria de pessoa

dos argumentos nucleares.

Este capítulo está organizado da seguinte maneira: na seção 2,

apresentaremos uma descrição detalhada do sistema de concordância da língua

Avá, em consonância com as descrições a cerca de outras línguas Tupi-Guarani; na

seção 3, discutiremos a questão inovadora trazida por este trabalho, relativa à ordem

dos constituintes da língua e sua relação com a hierarquia de pessoa; na seção 4,

abordaremos uma distinção entre argumentos e adjuntos, a partir de testes

realizados com estruturas passivas; e, finalmente, na seção 5, apresentaremos a

proposta de Jelinek e Carnie (2003) sobre os aspectos sintáticos envolvidos nas

hierarquias argumentais e aventaremos, a partir desta proposta, uma hipótese

sintática de interpretação da inversão da hierarquia de pessoa em Avá.

30

2. CONCORDÂNCIA TRANSITIVA EM AVÁ

O Avá, assim como as demais línguas da família Tupi-Guarani

(RODRIGUES, 1990; SEKI, 1990, 2000; LEITE, 1990; JENSEN, 1990; HARRISON,

1994; PAYNE, 1994b; entre outros), exibe um padrão de hierarquia de pessoa (1 > 2

> 3) que afeta o sistema de concordância da língua, ou seja, a seleção do argumento

que será marcado nos verbos transitivos está condicionada à pessoa que figura na

posição de sujeito e de objeto. Assim, o sujeito será marcado, por meio da Série I de

prefixos, se este for de primeira ou segunda pessoa e o objeto de terceira pessoa

(i.e. 1A ou 2A e 3O), ou se o sujeito e o objeto forem duas terceiras pessoas (i.e. 3A,

3O), como mostram os exemplos a seguir.

Exemplo 04.

1A ou 2A e 3O.

a. che a-h-echa jagua pe

1S 1S-REL-ver cachorro POSP

“Eu vejo o cachorro”.

b. nde re-h-echa jagua pe

2S 2S-REL-ver cachorro POSP

“Tu vês o cachorro”

31

Exemplo 05.

3A e 3O.

a. pe kuña o-h-echa chu-pe

DET mulher 3S-REL-ver 3S-POSP

“A mulher o vê”.

Por outro lado, o objeto é marcado no predicado verbal, por meio da Série

II, se este for de primeira ou segunda pessoa e o sujeito for uma terceira pessoa (i.e.

1O ou 2O e 3A) ou quando o sujeito é de segunda pessoa e o objeto de primeira

pessoa (i.e. 2A e 1O), como evidenciam os exemplos abaixo.

Exemplo 06.

1O ou 2O e 3A.

a. pe kuña che=r-echa kuri

DET mulher 1S-REL-ver PASS

“A mulher me viu”.

b. pe kuña nde=r-echa

DET mulher 2S-REL-ver

“A mulher te vê”.

32

Exemplo 07.

2A e 1O.

a. nde che=r-echa kuri

2S 1S-REL-ver PASS

“Tu me viste”.

Finalmente, quando o sujeito é de primeira pessoa e o objeto de segunda

(i.e. 1A e 2O), ocorre no predicado verbal uma terceira série de prefixos: a Série III10,

de prefixos portmanteau11. Esta série é descrita (JENSEN, 1990, SEKI) como

responsável pela codificação simultânea de sujeito e o objeto no verbo transitivo, em

sentenças independentes, no contexto em que A é primeira pessoa

(independentemente do número) e O é segunda pessoa, singular ou plural, como

mostramos no exemplo 08 abaixo.

10 Esta série é numerada por Jensen (1990) como Série IV, em virtude de algumas línguas Tupi-

Guarani exibirem outra série de prefixos co-referenciais, a qual é numerada pela autora como Série

III.

11 Os prefixos {ro-} e {po-} são considerados portmanteau porque codificam, simultaneamente, um

sujeito de primeira pessoa e o objeto de segunda pessoa. Esta característica pode ser evidenciada

pela alomorfia existente entre estes prefixos, que é condicionada pelo traço de [PLURAL] do objeto.

33

Exemplo 08.

1A e 2O.

a. che ro-h-echa

1s 1S/2S-REL-ver

“Eu te vejo”

b. che po-h-echa

1s 1S/2PL-REL-ver

“Eu vos vejo”

2.1. OS MARCADORES DE PESSOA

Conforme apresentamos na seção anterior, existem na língua Avá

marcadores de pessoa que assinalam a relação de concordância entre o predicado

verbal e os argumentos nucleares. Estes marcadores de pessoa das Séries I, II e III

são apresentados na Tabela 06 a seguir.

Tabela 06: Marcadores de pessoa em Avá

Série I Série II Série III

1 a- che-

2 re- ne- ro-

3 o- i-

1 INCL ja- ñane-

1EXCL ro- ore-

2 pe- pene- po-

3 o- i-

SG

PL

34

Como discutimos nos exemplos 04 e 05, os marcadores da Série I

assinalam o sujeito transitivo, nos contextos em que o objeto é de terceira pessoa

(i.e. 1A ou 2A e 3O; ou 3A e 3O). Esta série também codifica o sujeito em verbos

intransitivos ativos12 (SEKI, 1990), conforme mostramos nos exemplos em 09.

Exemplo 09.

VERBO INTRANSITIVO ATIVO.

a. che a-ke

1S 1S-dormir

“Eu durmo.”

b. nde re-ke

2S 2S-dormir

“Tu dormes.”

c. ha’e o-ke

3S 3S-dormir

“Ele dorme.”

d. ñande ja-ke

1INCL 1INCL-dormir

“Nós dormimos.”

12 A questão da cisão na codificação dos sujeitos intransitivos não está em foco neste trabalho. Sobre

esta discussão veja Rodrigues (1953); Seki (1990); Dixon (1994).

35

e. ore ro-ke

1EXCL 1EXCL-dormir

“Nós dormimos.”

f. pee pe-ke

2PL 2PL-dormir

“Vós dormis.”

g. ha’e kuera o-ke

3PL 3PL-dormir

“Eles dormem.”

Por outro lado, conforme apresentamos nos exemplos 06 e 07, a Série II

indica, no predicado verbal transitivo, o objeto de primeira ou segunda pessoa (i.e.

3A e 1O ou 2O; ou 2A e 1O). Além disso, esta série é responsável pela codificação

do sujeito em verbos intransitivos estativos (SEKI, 1990), como mostram os

exemplos em 10.

Exemplo 10.

VERBO INTRASITIVO ESTATIVO.

a. che che=kane’õ

1S 1S-estar cansado

“Eu estou cansado.”

b. nde ne=kane’õ

2S 2S-estar cansado

“Tu estás cansado.”

36

c. ha’e i=kane’õ

1S 3S-estar cansado

“Ele está cansado.”

d. ñande ñane=kane’õ

1INCL 1INCL-estar cansado

“Nós estamos cansados.”

e. ore ore=kane’õ

1EXCL 1EXCL-estar cansado

“Nós estamos cansados.”

f. pee pene=kane’õ

2PL 2PL-estar cansado

“Vós estais cansados.”

g. ha’e kuera i=kane’õ

3PL 3-estar cansado

“Eles estão cansados.”

Já a Série III, conforme mostramos no exemplo 08, ocorre somente em

predicados verbais transitivos e codifica simultaneamente o sujeito e o objeto, nos

contextos em que o sujeito é de primeira pessoa e o objeto de segunda pessoa,

singular ou plural (i.e. 1A e 2OSG/PL). Estas informações relativas à atuação dos

marcadores pessoais da língua Avá são sumarizadas na Tabela 07 abaixo.

37

Tabela 07: Funções dos marcadores de pessoa

Marcadores de Pessoa Funções

Codifica:

Sujeito transitivo, quando 1A ou 2A e 3O; ou quando 3A e 3O.

Sujeito intrasitivo, quando o verbo é ativo.

Codifica:

Sujeito transitivo, quando 3A, 1O ou 2O; ou quando 2A e 1O.

Sujeito intrasitivo, quando o verbo é estativo.

Codifica:

Sujeito e objeto, simultaneamente, quando 1A e 2O.

Série I

Série II

Série III

2.2. OS PREFIXOS RELACIONAIS

É possível percebermos nos exemplos de 04 a 08 que, além dos

marcadores de pessoa, existem outros prefixos que figuram no predicado verbal

transitivo. A literatura acerca das línguas da família Tupi-Guarani (RODRIGUES,

1953, 1984/85; SEKI, 1990, 2000; CABRAL, 2001) considera que estes prefixos,

denominados relacionais, indicam o grau de conexão (Cf. VELÁZQUEZ-CASTILLO,

2008) existente na relação gramatical que se estabelece entre o núcleo de um

predicado (nominal, posposicional e verbal) e o seu complemento. Assim, os prefixos

{ø ~ r-} indicariam no núcleo do sintagma a adjacência do complemento, enquanto {i-

~ h-} assinalariam a não-adjacência do complemento (Cf. DUARTE, 2005).

Em Avá, notamos que estes prefixos apresentam uma alomorfia

condicionada tanto pelo segmento inicial da raiz (se vogal ou consoante), quanto

38

pela categoria de pessoa do objeto. Assim, quando o objeto é [+PARTICIPANTE] (Cf.

FARKAS, 1990), ou seja, se este é uma primeira ou uma segunda pessoa, os

prefixos {ø ~ r-} são utilizados; por outro lado, se o objeto é [-PARTICIPANTE], i.e., uma

terceira pessoa, os prefixos {i- ~ h-} serão acionados. Os prefixos relacionais em Avá

são apresentados na Tabela 08 abaixo, e a seguir, trazemos exemplos de sentenças

transitivas nas quais estes prefixos relacionais estão presentes.

Tabela 08: Prefixos relacionais

[+PART] [-PART]

Raiz iniciada por Consoante Ø- i-

Raiz iniciada por Vogal r- h-

Exemplo 11.

a. che a-i-nupã jagua

1S 1S-REL-bater cachorro

“Eu bato no cachorro”.

b. kuña che=Ø-nupã

mulher 1S-REL-bater

“A mulher me bate”.

3. ORDEM DOS CONSTITUINTES

39

Como mostramos na seção anterior, em Avá e nas demais línguas da

família Tupi-Guarani (RODRIGUES, 1990; SEKI, 1990, 2000; LEITE, 1990; JENSEN,

1990; HARRISON, 1994; PAYNE, 1994; entre outros), a hierarquia de pessoa afeta o

sistema de concordância. Nesta seção, evidenciaremos, contudo, que a hierarquia

de pessoa presente em Avá afeta também a ordem sintática da língua. A nossa

intenção é, a partir de conceitos e testes da Gramática Gerativa, evidenciar novos

fatos que contribuirão para um novo entendimento do fenômeno da hierarquia de

pessoa nesta língua. Estes fatos poderão, ainda, apontar possibilidades de análise e

caminhos de investigação para outras línguas da família Tupi-Guarani.

Esta relação entre a ordem sintática e a hierarquia de pessoa é

evidenciada, anteriormente no Brasil, por Sandalo (2008, 2011) para a língua

Kadiwéu. A autora mostra que objetos de primeira e segunda pessoa devem

preceder o verbo, ao passo que, objetos de terceira pessoa permanecem na posição

pós-verbal. Esta relação pode ser associada, então, segundo a autora, ao Mapping

Principle de Diesing (1992) assumido por Jelinek e Carnie (2003). Este princípio

estabelece, conforme veremos em detalhe na seção 5 deste Capítulo, que o efeito

das hierarquias argumentais emerge de uma correspondência formalmente

codificada entre a estrutura sintática e a estrutura semântica. Estes fatos notados por

Sandalo (2008, 2011) são muito semelhantes àqueles que discutiremos, em seguida,

com relação ao Avá.

40

Em Avá, argumentos internos de primeira ou segunda pessoa (i.e. 1O ou

2O) devem preceder o verbo, gerando a ordem OV. Por outro lado, argumentos

internos de terceira pessoa (i.e. 3O) permanecem na posição pós-verbal, na ordem

VO. A hipótese aqui levantada é a de que o objeto sofre deslocamento sintático para

a posição pré-verbal.

Assim, para verificarmos esta distinção entre as ordens VO e OV,

realizamos testes com advérbios, assumindo a proposta de Pollock (1989) de que

certos advérbios são adjungidos ao VP. Assim, todos os elementos que precedem

os advérbios estariam fora do VP e todos os elementos que seguem o advérbio

estariam dentro do VP. Exemplos destes testes com os advérbios koãy “já” e

aguyjema “sempre” são apresentados a seguir.

Exemplo 12

3A, 1O.

a. ha’i che koãy che=r-echa

mulher 1S ADV 1S -REL-ver

“A mulher já me viu”.

b. ha’i che aguyjema che=r-echa

mulher 1S ADV 1S -REL-ver

“A mulher sempre me vê”.

c. ha’i ñande koãy ñande=r-echa

41

mulher 1INCL ADV 1INCL -REL-ver

“A mulher já nos viu”.

d. ha’i ore aguyjema ore=r-echa

mulher 1EXCL ADV 1EXCL -REL-ver

“A mulher sempre nos vê”.

Exemplo 13.

3A, 2O.

a. ha’i nde koãy nde=r-echa

mulher 2S ADV 2S -REL-ver

“A mulher já te viu”.

b. ha’i nde aguyjema nde=r-echa

mulher 2S ADV 2S-REL-ver

“A mulher sempre te vê”.

Exemplo 14.

2A, 1O.

a. nde che koãy che-r-echa

2S 1S ADV 1S-REL-ver

“Tu já me viste”

b. nde che aguyjema che=r-echa

2S 1S ADV 1S-REL-ver

“Tu sempre me vês”

42

Exemplo 15.

3A, 3O.

a. ha’i aguyjema o-h-echa i-chupe

mulher ADV 1S-REL-ver REL-3-POSP

“A mulher sempre o vê”.

Nos exemplos de 12 a 15, percebemos que o advérbio pode ser

posicionado entre o objeto pré-verbal e o verbo. Isto é uma evidência para

argumentarmos a favor da hipótese de que, na língua Avá, há uma posição pré-

verbal que aloca o objeto deslocado, quer dizer, a inversão na hierarquia (1 > 2 >3)

desencadeia o movimento do objeto para uma posição externa a vP, uma vez que se

esta posição fosse um outro especificador de vP, não encontraríamos um advérbio

interveniente nesta posição. Assim, quando o sujeito é de terceira pessoa e o objeto

de primeira ou segunda pessoa , ou quando o sujeito é de segunda pessoa e o

objeto de primeira, o objeto não pode ficar in situ, interno ao VP, na posição pós-

verbal. Ele deve se mover para uma posição externa ao vP, gerando a ordem SOV.

Desse modo, evidenciamos que a língua Avá apresenta claramente um

reflexo sintático desencadeado pela hierarquia de pessoa. Esta relação entre a

ordem sintática e a categoria de pessoa dos argumentos traz fortes evidências para

43

a proposta de Jelinek e Carnie (2003), conforme discutiremos, em detalhe, na seção

5 deste Capítulo.

Esta evidência sintática da hierarquia de pessoa, notada neste trabalho,

apresenta, ainda, outra importante implicação, relacionada ao estatuto dos

marcadores de pessoa e, em especial, acerca da Série II. Esta série é

tradicionalmente descrita como sendo composta por pronominais cliticizados de

estatuto argumental (Cf. RODRIGUES, 1984/85; 1990, SEKI, 1990, 2000; MARTINS,

2003; CARDOSO, 2008).

Entretanto, tomando por base estes testes com advérbios que realizamos,

é possível argumentarmos que, na língua Avá, a Série II de clíticos configura

concordância e não pronomes pessoais (Cf. RODRIGUES, 1984/85; SEKI, 2000;

MARTINS, 2003; CARDOSO, 2008), em virtude de comprovarmos a realização de

um argumento pronominal em uma posição externa a vP, como vemos em 16.

Exemplo 16.

3A e 1O.

a. ha’i che koãy che=ø-nupã

mulher 1S ADV 1S -REL-bater

“A mulher já me bateu”.

44

Finalmente, uma questão interessante se relaciona ao fato de que objetos

de segunda pessoa não precisam necessariamente se mover para uma posição pré-

verbal, nos contextos em que os sujeitos são de primeira pessoa e os prefixos

portmanteau da Série III são acionados, como mostram os exemplos abaixo.

Exemplo 17.

1A e 2O.

a. che ndevy ro-h-echa

1S 2s-POSP 1S/2S-REL-ver

"Eu te vejo”.

b. che ro-h-echa ndevy

1S 1S/2S-REL-ver 2s-POSP

"Eu te vejo”.

Exemplo 18.

1A e 2O.

a. che aguyjema ro-h-echa ndevy

1S ADV 1S/2S-REL-ver 2s-POSP

"Eu sempre te vejo”.

b. che ndevy aguyjema ro-h-echa

1S 2s-POSP ADV 1S/2S-REL-ver

"Eu sempre te vejo”.

45

Exemplo 19.

1A, 2OPL.

a. che peeme po-h-echa

1S 2PL-POSP 1S/2PL-REL-ver

"Eu vos vejo”.

b. che po-h-echa peeme

1S 1S/2PL-REL-ver 2PL-POSP

"Eu vos vejo”.

Como é possível verificarmos nos exemplos de 17 a 19, existem quatro

características notáveis nestas construções, que envolvem um sujeito de primeira e

um objeto de segunda pessoa, que as distinguem das demais construções

apresentadas: (i) a ordem sintática; o objeto pode ser realizado tanto pré quanto pós-

verbal; (ii) as marcas -vy e -me13 no objeto singular e plural, respectivamente; (iii) a

série III de concordância, que é específica para este contexto de 1A, 2O; e (iv) o

prefixo relacional; o {h-} é acionado, embora o objeto seja [+PARTICIPANTE].

Estas construções apresentam, desse modo, aspectos sintáticos e

morfológicos particulares/únicos. A hipótese que iremos sugerir, neste trabalho,

compreende estes aspectos como resultantes de uma interação entre a categoria de

13 Com os verbos echa “ver” e nupã “bater”, o objeto, quando fonologicamente realizado, figurava

obrigatoriamente com as marcas –vy e –me. Esta investigação, contudo, deverá ser ampliada

posteriormente para outros verbos da língua.

46

pessoa dos argumentos nucleares e os componentes sintático e morfológico,

conforme discutiremos, em detalhe, no Capítulo IV desta dissertação.

4. ARGUMENTOS VS. ADJUNTOS

Resta agora tratar do constituinte pós-verbal. Seria um argumento in situ

realmente? Nas sentenças transitivas da língua Avá, notamos que o argumento

interno de terceira pessoa pode vir ou não acompanhado por um elemento pe,

tratado como posposição por Martins (2003) e como marca de caso acusativo por

Cardoso (2008), como mostram os exemplos a seguir.

Exemplo 20.

a. che a-h-echa jagua pe

1S 1S-REL-ver cachorro POSP

“Eu vejo o cachorro”.

b. che a-h-echa jagua

1S 1S-REL-ver cachorro

“Eu vejo o cachorro”.

47

Para averiguarmos se o DP que aparece acompanhado deste elemento

seria realmente um argumento e não um PP não-argumental, realizamos o teste da

passiva, uma vez que somente um argumento interno de um verbo poderia figurar

como sujeito gramatical em uma passiva. Com este teste foi possível certificarmos

que os DPs que aparecem seguidos pelo elemento pe14 são realmente argumentos

nucleares do verbo. Exemplos de estruturas passivas são apresentados abaixo.

Exemplo 21.

a. che a-h-echa jagua

1S 1S- REL-ver cachorro

“Eu vejo o cachorro”.

b. jagua o-je-h-echa

cachorro 3SG-REFL/PAS-ver

“Cachorro foi visto”.

Exemplo 22.

a. che a- ’u so’o

1S 1S- comer carne

“Eu como carne”.

14 Sobre o estatuto do elemento pe no Guarani Paraguaio veja Cory (2009).

48

b. so’o o-je-’u

carne 3SG-REFL/PAS-comer

“Carne foi comida”.

Cabe, ainda, destacar que em Avá a forma passiva apresenta uma

estrutura homófona à forma reflexiva, o que pode tornar as sentenças ambíguas, no

contexto em que o sujeito passivo/reflexivo é [+HUMANO], como vemos no exemplo

abaixo.

Exemplo 23.

a. Pedro o-je-juka

Pedro 3SG-REFL/PAS-matar

“Pedro foi morto (matado).”

“Pedro se matou.”

Com relação às construções nas quais 1A e 2O, mostramos que uma das

características notáveis, que as diferencia de outras construções, é a presença da

marca –vy no objeto singular15. No intuito de verificarmos se o pronome

15 O Avá é uma língua pro-drop, assim, o objeto não precisa ser fonologicamente realizado. Contudo,

conforme mencionamos (veja nota de rodapé 12), na construção 1A, 2O, o objeto quando realizado

deve vir acompanhado das marcas –vy (objeto singular) e –me (objeto plural).

49

acompanhado desta marca codificava um argumento nuclear, i.e., se a sentença era

transitiva, aplicamos também nesta situação o teste da passiva, conforme

mostramos no exemplo abaixo.

Exemplo 24.

a. che ndevy ro-h-echa

1S 2s-POSP 1S/2S-REL-ver

"Eu te vejo”.

b. nde re-je-h-echa

2S 2S- REFL/PAS-REL-ver

"Tu foste visto”.

Conforme verificamos com este teste, a sentença em 24.a é transitiva em

virtude de permitir passivização. Além disso, em 24.b, é possível notarmos que os

marcadores da Série III não são permitidos na passiva, uma vez que esta estrutura é

intransitiva.

5. ASPECTOS SINTÁTICOS DAS HIERARQUIAS ARGUMENTAIS

Nesta seção, discutiremos a proposta de Jelinek e Carnie (2003) relativa a

uma interpretação sintática do fenômeno das hierarquias argumentais e

50

aventaremos, a partir desta proposta, uma hipótese sintática de análise para o

padrão de hierarquia de pessoa presente em Avá. Argumentaremos, assim, que a

inversão na hierarquia de pessoa, como proposto por Payne (1994b), pode ser

reinterpretada em termos de movimento sintático.

5.1. JELINEK E CARNIE (2003)

Jelinek e Carnie (2003) discutem que hierarquias argumentais descrevem

situações nas quais o fenômeno sintático interage, de maneiras distintas, com

argumentos de diferentes tipos. O efeito destas hierarquias argumentais (Cf.

JELINEK, 1993; MEINUNGER, 1999; ISAAK, 2000 apud JELINEK; CARNIE, 2003)

emerge de uma correspondência formalmente codificada entre a estrutura sintática e

a estrutura semântica.

Existem nas línguas do mundo diferentes tipos de hierarquias

argumentais, que podem ser baseadas em pessoa, definitude, animacidade, etc.

Embora haja esta diversidade, as hierarquias argumentais apresentam, conforme os

autores, as seguintes propriedades comuns:

51

04. PROPRIEDADES DAS HIERARQUIAS ARGUMENTAIS (Cf. JELINEK; CARNIE, 2003,

p.266)

a. Existe uma classificação dos argumentos de acordo com uma escala de

pressuposição16. Quer dizer, argumentos que são mais locais, mais específicos,

mais definidos e/ou mais animados são pressupostos pelos falantes no

discurso. Estes elementos excedem em hierarquia (outrank) elementos não-

locais, não-específicos, menos animados, etc. Na hierarquia, estes elementos

são mais declarados do que pressupostos.

b. Existem manifestações sintáticas desta hierarquia, tais como, caso e/ou

alternâncias de vozes. Nestas situações, os argumentos que ocupam as

posições de sujeito e de objeto são ordenados de acordo com esta escala de

pressuposição.

Tendo em vista estas características das hierarquias argumentais, os

autores assumem a proposta de “Mapping Principle” de Diesing (1992 apud

JELINEK; CARNIE, 2003), que sugere a existência de um mapeamento direto entre

o constituinte sintático (em algum nível de representação) e as estruturas

semânticas. Este Princípio de Mapeamento é tomado pelos autores como sendo o

16 Tradução nossa para: scale of presuppositionality (Cf. JELINEK; CARNIE, 2003, p. 266).

52

principal meio pelo qual a gramática codifica uma escala de pressuposição. Assim

sendo, uma noção crucial nesta proposta é a de que não importa quais traços são

pressupostos pelos usos de uma determinada língua, mas sim que existe uma

correspondência previsível entre o status de informação estrutural e a realização

sintática dos argumentos.

Para Diesing (1992 apud JELINEK; CARNIE, 2003), uma sentença está

dividida em três partes: (i) um quantificador, que aponta o número de participantes

da ação ou estado; (ii) um restritor, que declara a informação pressuposta sobre os

participantes; esta parte equivale ao TP ou IP; e (iii) um escopo nuclear,

correspondente ao VP, que afirma o que é verdadeiro sobre as entidades e fornece

nova informação à sentença. Uma representação desta divisão é apresentada em

05.

53

05. THE MAPPING PRINCIPLE (Cf. DIESING, 1992 apud JELINEK; CARNIE, 2003,

p.266)

a. (Quantificador x,y [Restritor (x,y) [Escopo Nuclear (x,y)])

Every person loves cookies

b. TP

Restrictive clause

VP

Nuclear scope

Em um nível mais formal, somente variáveis são permitidas no escopo

nuclear. Variáveis podem ser de dois tipos: (i) vestígios de NPs que se moveram

para fora de VP; (ii) NPs não-quantificados, não-pressupostos. Em termos de

sintaxe, isto significa que NPs quantificados (como os específicos ou definidos) não

podem permanecer internos ao VP, eles devem se mover para criar uma variável,

assim, somente NPs não-pressupostos (i.e., não-específicos ou indefinidos) podem

figurar no escopo nuclear. Um efeito gerado por este movimento se relaciona ao fato

de que elementos mais altos na hierarquia relacional correspondem aos elementos

que ocupam posições relativamente mais altas na árvore sintática.

54

Os autores assumem uma versão particular deste princípio de

mapeamento em associação com a noção de fases de Carnie (no prelo apud

JELINEK; CARNIE, 2003)17. Para Carnie, diferentemente de Chomsky (2001a apud

JELINEK; CARNIE, 2003), as fases consistem em: (i) um elemento predicativo (v ou

V); (ii) um único argumento (NP); (iii) um operador temporal que localiza o predicado

e o argumento no tempo e no espaço (Asp ou T).

Para uma sentença transitiva simples, então, a primeira fase é composta

por um predicado lexical, que expressa um estado ou evento (V), pelo argumento

interno, e pelo núcleo Asp, como mostra a estrutura em 06.

17 Publicado posteriormente em: CARNIE, A.; BARSS, A. Phases and nominal

Interpretation, Research in Language 4, p. 127-132. 2006.

55

06. FASE 1: SENTENÇA TRANSITIVA SIMPLES (Cf. JELINEK; CARNIE, 2003, p. 269)

AspP

V

Asp'

V

Asp VP

V

V O

A segunda fase, em uma sentença transitiva simples, contém o argumento

externo introduzindo o predicado leve (v), o NP sujeito e núcleo T, como mostra a

estrutura em 07.

07. FASE 2: SENTENÇA TRANSITIVA SIMPLES (Cf. JELINEK; CARNIE, 2003, p. 269)

TP

V

T’

V

T vP

V

S v’

V

v ...

Quando a sentença é bitransitiva com a presença de um argumento ALVO,

existe uma terceira fase, rotulada pelos autores como EndP. Esta fase é

56

correspondente ao vP mais baixo que introduz o argumento alvo/fonte (Cf. Larson,

1988), como mostramos nas estruturas em 08 e 09.

08. FASE 1: SENTENÇA BITRANSITIVA (Cf. JELINEK; CARNIE, 2003, p. 279)

EndP

V

End'

V

End VP

V Escopo Nuclear

V ALVO

09. FASE 2: SENTENÇA BITRANSITIVA (Cf. JELINEK; CARNIE, 2003, p. 280)

AspP

V

Asp’

V

Asp vP

V

TEMA v'

V

v EndP

V

ALVO ...

57

Como é possível observamos em 08, argumento ALVO sendo pressuposto

não permanece no escopo nuclear, uma vez que não constitui uma variável. Desse

modo, este sobe para a posição de especificador de EndP. Entretanto, a projeção

EndP não é capaz de licenciar Caso a este argumento ALVO. Assim, como vemos em

09, este argumento para receber Caso se move para a posição Spec-AspP, na fase

mais alta. O acesso à Fase 2 somente é permitido ao argumento ALVO em virtude de

seu posicionamento em Spec-EndP, i.e., na borda da Fase 1. Nas situações em que

o argumento ALVO não é pressuposto, este permanece interno ao escopo nuclear e é

marcado com Caso inerente, já que não está acessível para a próxima fase.

5.2. HIERARQUIA DE PESSOA EM AVÁ: PROPOSTA SINTÁTICA DE ANÁLISE

Conforme apresentamos na discussão dos dados, em Avá, argumentos

internos de primeira ou segunda pessoa (i.e. 1O ou 2O) devem preceder o verbo,

gerando a ordem OV. Por outro lado, argumentos internos de terceira pessoa (i.e.

3O) permanecem na posição pós-verbal, na ordem VO. A partir dos testes

realizados, percebemos que os advérbios koãy “já” e aguyjema “sempre” estão

posicionados entre o objeto pré-verbal e o verbo. Isto é uma evidência a favor da

hipótese defendida neste trabalho de que há, na língua Avá, uma posição pré-verbal

que aloca o objeto deslocado.

58

Nesse sentido, é possível também argumentarmos que a hierarquia de

pessoa presente em Avá gera reflexos sintáticos nesta língua, uma vez que

averiguamos um deslocamento argumental desencadeado por esta. Quer dizer, a

inversão na hierarquia de pessoa (i.e. O > A) promove o movimento do objeto para

uma posição pré-verbal, externa a vP, uma vez que se esta posição fosse um outro

especificador de vP, não encontraríamos um advérbio interveniente entre o objeto

deslocado e o verbo.

Conforme mencionamos, Jelinek e Carnie (2003) discutem que uma das

características das hierarquias argumentais é o fato de haver, nestes fenômenos,

uma classificação dos argumentos de acordo com uma escala de pressuposição. Isto

significa que argumentos que são mais locais, mais específicos, mais definidos e/ou

mais animados são pressupostos pelos falantes no discurso. Estes argumentos

figuram em posições hierárquicas mais altas em relação aos argumentos não-locais,

não-específicos e/ou menos animados, que são elementos mais declarados do que

pressupostos.

No que concerne a categoria de pessoa, responsável pela hierarquia

argumental presente em Avá, é importante salientarmos que existe uma noção

fundamental de que a primeira e a segunda pessoa apresentam um status diferencial

59

em relação à terceira18. Esta noção é amplamente discutida em diversos trabalhos,

como nos de Benveniste (1966/1991), Hockett (1966), Ingram (1978), Zwick (1977),

Moravcsik (1978), Farkas (1990); entre outros. Nestes trabalhos, foram propostas

algumas conceituações e distinções importantes como, por exemplo, local vs. não-

local (Cf. HOCKETT, 1966); participante vs. não-participante (Cf. FARKAS, 1990).

Estas distinções estabelecem um agrupamento natural (Cf. MORAVCSIK, 1978)

entre a primeira e a segunda pessoa (argumentos locais, participantes) em oposição

a terceira pessoa (argumento não-local, não-participante).

Segundo Benveniste (1966/1991), a forma dita como terceira pessoa é,

propriamente, a não-pessoa, uma vez que esta comporta uma indicação de

enunciado sobre alguém ou alguma coisa, mas não se refere a uma pessoa

específica. Para o autor, a terceira pessoa é excetuada da relação pela qual “eu” e

“tu” se especificam.

Assim sendo, o conceito de pressuposição proposto por Jelinek e Carnie

(2003) pode ser relacionado às distinções propostas pelos autores supracitados,

quer dizer, os argumentos de primeira e segunda pessoa são pressupostos em

virtude de serem argumentos locais, participantes; ao passo que, argumentos de

terceira pessoa são não-pressupostos, uma vez que estes são argumentos não-

18 Sobre uma representação formal da categoria de pessoa veja Harley e Ritter (2002); Nevins (2007).

60

locais, não-participantes. Estes conceitos, que associam a primeira e a segunda em

oposição a terceira pessoa, são fundamentais para compreendermos o

comportamento sintático dos argumentos envolvidos em hierarquias de pessoa,

como averiguamos em Avá.

Desse modo, a hipótese aqui defendida, seguindo a proposta de Jelinek e

Carnie (2003), sugere que o deslocamento sintático sofrido pelo objeto de primeira

ou segunda pessoa em Avá é motivado pelo fato destes argumentos serem mais

pressupostos (i.e. locais, participantes) e, por isso, não podem permanecer internos

ao escopo nuclear (VP), uma vez que não constituem uma variável permitida nesta

posição. Conforme mostram Jelinek e Carnie (2003), somente NPs não-

pressupostos (como os não-específicos ou indefinidos) ou vestígios de NPs

pressupostos, que se moveram para fora de VP, podem figurar no escopo nuclear.

A partir dos testes com advérbios, argumentamos a favor da hipótese de

que o objeto sofre deslocamento sintático para uma posição externa a vP, em virtude

de assumirmos (Cf. POLLOCK, 1989) que alguns advérbios são adjungidos ao VP,

assim, todos os elementos que precedem os advérbios estariam fora do VP e todos

os elementos que seguem o advérbio estariam dentro do VP.

61

Propomos, então, que esta posição pré-verbal que aloca o objeto

deslocado é o especificador de uma projeção funcional AspP19 (JELINEK; CARNIE,

2003; SANDALO, 2008; 2011), conforme mostramos na estrutura sintática em 10.

Esta projeção funcional é compreendida, nesta proposta, como responsável pela

checagem de traços de pressuposição dos NPs que figuram na posição de

argumento interno.

19 Assumimos nesta proposta o rótulo AspP, proposto por Jelinek e Carnie (2003), para esta projeção

funcional acima de vP para qual os NPs pressupostos se movem. Este rótulo, entretanto, a nosso ver,

não implica que esta projeção seja aspectual em Avá. Compreendemos esta projeção como

responsável pela checagem de traços de pressuposição.

62

10. ESTRUTURA TRANSITIVA: MOVIMENTO DOS ARGUMENTOS

TP

V

suj T’

V

T AspP

V

obj Asp’

V

Asp vP

V

(adv) vP

V

suj v'

V

v VP

V

V obj

Como é possível verificarmos em 10, o sujeito na posição de argumento

externo se move para Spec-TP para checar Caso Nominativo, licenciado pelo núcleo

T. O objeto, por sua vez, na posição de argumento interno, checa seu Caso

Acusativo, licenciado por V, e se move para Spec-AspP para gerar uma variável

permitida no escopo nuclear, i.e., o vestígio do NP que se moveu para fora de VP

(Cf. JELINEK; CARNIE, 2003).

63

O movimento de ambos os argumentos, para as posições Spec-TP e

Spec-AspP, gera uma configuração na qual há duas posições, em um TP expandido,

que desencadeiam concordância. O argumento posicionado no especificador mais

próximo ao complexo v-VP será responsável pelo controle da concordância no

núcleo do predicado verbal. Assim, quando o objeto de primeira ou segunda pessoa

se desloca para a posição Spec-AspP, este controlará a concordância, i.e., ocorrerá

implementação dos marcadores de pessoa da Série II. Por outro lado, se o objeto é

de terceira pessoa, permanecendo in situ, a concordância será controlada pelo

argumento que figura na posição de Spec-TP, desse modo, serão realizados os

marcadores de pessoa da Série I.

Contudo, quando o objeto é de segunda pessoa e o sujeito é de primeira,

ocorre uma situação em que ambos os argumentos estão ativos para concordância,

o que é evidenciado pela implementação dos prefixos portmanteau da Série III e, em

especial, pelo prefixo {po-} que concorda com o traço [+PL] do objeto. A hipótese que

defenderemos é a de a primeira pessoa, em virtude de ser muito marcada, bane a

ocorrência de outro argumento [PARTICIPANTE] em um mesmo domínio de

concordância (TP expandido). Assim, embora o objeto esteja posicionado em um

especificador mais próximo ao complexo v-VP (Spec-AspP), este não será

responsável isoladamente pelo controle da concordância, mas esta ocorrerá em

associação com o sujeito 1A, posicionado em Spec-TP. A noção fundamental aqui

64

sugerida é a de que o argumento posicionado em um especificador mais próximo

controla a concordância, exceto quando o argumento posicionado no especificador

mais distante é de primeira pessoa. Quer dizer, a primeira pessoa, sendo muito

marcada, não pode ser apagada, esta deve ser realizada por concordância no

núcleo do predicado verbal, mesmo quando existe outro argumento posicionado em

um especificador mais próximo ao complexo v-VP. Estas questões serão abordadas

detidamente no Capítulo IV desta dissertação.

Em suma, o deslocamento do sujeito e do objeto gera uma configuração

na qual há duas posições, em um TP expandido, que desencadeiam concordância:

Spec-TP e Spec-AspP. Existe, entretanto, uma única posição prefixal para a

realização de concordância. Dessa maneira, defenderemos a hipótese de que a

estrutura gerada pela sintaxe, ao ser interpretada pelo componente morfológico, será

submetida às operações pós-sintáticas de Abaixamento (Lowering, cf. EMBICK;

NOYER, 2001), Fusão (Fusion, cf. HALLE; MARANTZ, 1993) e Empobrecimento

(Impoverishment, cf. BONET, 1991; HALLE; MARANTZ, 1993, 1994), por motivos

de implementação. Estas operações serão discutidas em detalhe no Capítulo IV

desta dissertação.

Tendo em vista as discussões que traçamos até aqui, é possível

concluirmos que a hierarquia de pessoa presente em Avá gera reflexos sintáticos

nesta língua. Evidenciamos, desse modo, a partir da proposta de Jelinek e Carnie

65

(2003), que a noção de inversão (Cf. PAYNE, 1994b) pode ser reinterpretada para a

língua Avá em termos de movimento sintático.

66

67

III. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

1. A MORFOLOGIA DISTRIBUÍDA

A Morfologia Distribuída (doravante MD), desenvolvimento recente da

Gramática Gerativa, é uma proposta teórica que busca refletir (Cf. EMBICK; HALLE,

2004) sobre a relação entre os processos de formação das palavras e os

componentes da competência gramatical: a sintaxe, a semântica e a fonologia. A MD

surgiu no início da década de 90 com os trabalhos inaugurais de Halle e Marantz

(1993); Halle (1997) e Marantz (1997). Embick e Halle (2004) argumentam que, no

modelo de gramática adotado nesta proposta, se assume que cada palavra é

formada por operações sintáticas e que a sintaxe consiste em um conjunto de regras

que geram estruturas sintáticas que estão sujeitas a outras operações nos níveis de

interface PF e LF20. Assim, nesta abordagem sintática de morfologia, alguns

20 Conforme Chomsky (1995, p.21), a proposta da Extended Standard Theory (EST) é de que a

arquitetura das línguas promove uma variedade de sistemas simbólicos (níveis de representação),

incluindo o nível da Forma Fonética (PF), o nível da Forma Lógica (LF), e o nível da Estrutura-D (DS),

que relaciona o sistema computacional e o léxico. Estes níveis de representação não são

relacionados diretamente, mas suas relações são mediadas por um nível intermediário, a Estrutura-S

68

aspectos da formação das palavras são atribuídos a operações sintáticas, como

movimentos de núcleos21 que ocorrem na sintaxe propriamente, enquanto outros

aspectos são relacionados a operações que acontecem no componente pós-

sintático, i.e., na Morfologia (Cf. NOYER, 1992). Sobre esta proposta da MD, Halle e

Marantz (1993, p.111) afirmam que:

We have called our approach Distributed Morphology to highlight the fact

that the machinery of what has been called morphology is not concentrated

in a single component of grammar, but rather is distributed among several

different components.

(SS). Adotando esta visão, os objetos simbólicos, denominados de structural descriptions (SD) são

seqüências (π, λ, δ, σ), onde π e λ são representações nos níveis de interface externos PF e LF,

respectivamente; δ está na interface interna entre o sistema computacional e o léxico, e σ é derivativo.

Estas relações entre os níveis de interface podem ser observadas no esquema abaixo.

(1) D-Structure < --- Lexicon

?

PF < --- S-Structure

?

LF

21 Tradução nossa para: head movement (Cf. EMBICK; HALLE, 2004, p.4).

69

1.1. A ARQUITETURA DE GRAMÁTICA NA MD

A arquitetura de gramática proposta pela MD não inclui um Léxico, como

proposto nos modelos lexicalistas da Gramática Gerativa. No entanto, este modelo

não exclui a necessidade de listar certos tipos de informação, mas, apresenta

significativas diferenças em relação à organização e à estrutura interna das listas

propostas. Nesse sentido, Harley e Noyer (1999, p.3) apontam que:

There is no Lexicon in DM in the sense familiar from generative grammar of the

1970s and 1980s. In other words, DM unequivocally rejects the Lexicalist Hypothesis.

The jobs assigned to the Lexicon component in earlier theories are distributed

through various other components.

A MD explode o léxico (Cf. MARANTZ, 1997) e inclui três listas

distribuídas que seriam acessadas no processamento mental da linguagem: a lista

dos Morfemas; a lista do Vocabulário e a lista da Enciclopédia. Os conteúdos destas

listas serão discutidos na seqüência.

Embick e Halle (2004) evidenciam que em MD o termo morfema se refere

às unidades que estão sujeitas às operações sintáticas, ou seja, morfemas são os

nódulos terminais das estruturas arbóreas, formados por complexo de traços, que

podem ser de dois tipos: fonéticos/fonológicos e gramaticais/sintático-semântico.

Dessa maneira, os morfemas são divididos em duas grandes classes:

70

11. MORFEMAS:

a. MORFEMAS ABSTRATOS: compostos por traços sem informação sobre o

conteúdo fonético-fonológico, como [PASS] ou [PL], ou traços que figuram no

nódulo D do determinante.

b. RAÍZES: são seqüências de complexos traços fonéticos e, em alguns casos,

traços diacríticos não fonéticos. As raízes não possuem traços gramaticais

(sintático-semânticos). (Cf. EMBICK; HALLE, 2004, p.6)

Um pressuposto fundamental para a MD (Cf. CHOMSKY, 1970;

MARANTZ, 1997 apud EMBICK; HALLE, 2004) é o de que as Raízes não

apresentam categoria gramatical, quer dizer, categorias gramaticais tradicionais

como nome e verbo são rótulos que se referem a estruturas sintáticas nas quais uma

Raiz é combinada a um núcleo funcional que define sua categoria. Harley e Noyer

(1999, p.7)22 esclarecem que:

Specifically, the different ‘parts of speech’ can be defined as a single l-

morpheme, or Root (to adopt the terminology of Pesetsky 1995), in certain

local relations with category defining f-morphemes. For example, a ‘noun’ or

22 Harley e Noyer (1998a) propõem uma alternativa para a distinção entre concreto e abstrato, sugerindo que os

morfemas são de dois tipos: os morfemas-f e os morfemas-l, o que corresponde basicamente à divisão

convencional entre categorias funcionais e lexicais. Os morfemas-f seriam aqueles cujos conteúdos determinam

expressões fonológicas únicas e são definidos por traços sintáticos e semânticos disponíveis na Gramática

Universal. Já os morfemas-l são preenchidos por Itens Vocabulares que denotam um conceito específico de uma

língua.

71

a ‘nominalization’ is a Root whose nearest c-commanding f-morpheme (or

licenser) is a Determiner, a ‘verb’ is a Root whose nearest c-commanding f-

morphemes are v, Aspect and Tense; without Tense such a Root is simply a

‘participle’ (Embick 1997, Harley and Noyer 1998b). Thus, the same

Vocabulary Item may appear in different morphological categories depending

on the syntactic context that the item’s l-morpheme (or Root) appears in. For

example, the Vocabulary Item destroy is realized as a ‘noun’ destruct-(ion)

when its nearest licenser is a Determiner, but the same Vocabulary Item is

realized as a ‘participle’ destroy-(ing) when its nearest licensers are Aspect

and v; if Tense appears immediately above Aspect, then the ‘participle’

becomes a ‘verb’ such as destroy-(s).

Conforme apontamos anteriormente, em uma derivação sintática, os

núcleos funcionais não apresentam informação fonético-fonológica, assim, (Cf.

EMBICK; HALLE, 2004) uma das funções da Morfologia é fornecer traços

fonológicos aos morfemas abstratos. Este mecanismo de suprimento é denominado

de Inserção Vocabular e Vocabulário é a lista de expoentes fonológicos de diferentes

morfemas abstratos. E mais, cada par contendo um expoente fonológico com o

conteúdo gramatical sobre o contexto no qual este expoente deve ser inserido é

denominado Item Vocabular. Estes Itens Vocabulares são, na realidade, regras que

adicionam conteúdo fonológico aos nódulos compostos por traços abstratos.

Um exemplo de um Item Vocabular fornecido por Embick e Halle (2004)

se relaciona à formação do plural dos nomes em inglês. A Inserção Vocabular

fornece traços fonológicos ao morfema abstrato [pl], combinado com nomes na

72

sintaxe. O expoente fonológico regular de plural em inglês é /-z/ e este é expresso

formalmente pelo Item Vocabular em 12.

12. ITEM VOCABULAR:

[pl] ↔ /-z/

Dessa maneira, quando esta regra é aplicada a [pl] gera o efeito de

adicionar /-z/ a este nódulo. Uma questão importante com relação à Inserção

Vocabular é o fato de que o Item Vocabular mais especificado será aplicado, em um

determinado nódulo, em detrimento dos competidores menos especificados. Os

princípios que governam a aplicação de Itens Vocabulares são formalizados (Cf.

HALLE, 1997 apud EMBICK; HALLE, 2004) nos seguintes termos:

Subset Principle: The phonological exponent of a Vocabulary Item is inserted

into a position if the item matches all or a subset of the features specified in

the terminal morpheme. Insertion does not take place if the Vocabulary Item

contains features not present in the morpheme. Where several Vocabulary

Items meet the conditions for insertion, the item matching the greatest

number of features specified in the terminal morpheme must be chosen.

Assim, no Item em 12, é possível notar que o traço [pl] para ‘plural’ em

inglês apresenta também os expoentes –Ø (como em moose-Ø) e -en (como em ox-

en). Como o traço [pl] está no mesmo constituinte da Raiz quando a Inserção

Vocabular ocorre, a identidade dessa Raiz pode imprimir uma condição contextual à

73

escolha do expoente para o nódulo de [pl]. O efeito resultante desta condição é

denominado de alomorfia contextual e formalmente representado por condições

adicionais de Inserção, conforme mostramos em 13. Em seguida, apresentamos a

estrutura sintática proposta por Embick e Halle (2004) para a representação do

nódulo de Plural.

13. ALOMORFIA CONTEXTUAL:

[pl] ↔ /-z/

[pl] ↔ -en / { , , ...}__

[pl] ↔ -Ø / { , , ...}__

14. ESTRUTURA PARA PLURAL:

#

V

n #[pl]

V

n

Tendo em vista os princípios que regem a Inserção Vocabular, vemos que

os Item Vocabulares em 13 estão competindo pela Inserção no nódulo #[pl] e

somente um único Item Vocabular pode inserir um expoente nesta posição. Assim,

quando temos condições adicionais para a Inserção, como as identidades das

74

raízes, o plural default ou regular /-z/ não pode ser inserido, porque existem outros

Itens Vocabulares mais especificados.

Como havíamos mencionado, em MD, os Morfemas e o Vocabulário são

duas das três listas acessadas durante o processamento da linguagem. A terceira

lista proposta, denominada Enciclopédia, se relaciona ao fato de que alguns

aspectos, do que se entende como ‘significado’, não são previsíveis e por isso

necessitam ser listados. Embick e Halle (2004) mostram que, por exemplo, o fato da

Raiz ter relação com felis catus e não com canis lupus deve ser listado. Dessa

forma, as interpretações que não são previsíveis e as interpretações idiomáticas, que

são encontradas com objetos construídos sintaticamente, devem ser codificadas na

gramática. Este tipo de informação está contido na Enciclopédia. Em 15,

apresentamos (Cf. EMBICK; HALLE, 2004) um sumário das listas e, em 16, uma

representação esquemática da estrutura de gramática proposta pela MD.

15. LISTAS:

a. MORFEMAS: a lista contendo as Raízes e os Morfemas Abstratos.

b. VOCABULÁRIO: a lista dos Itens Vocabulares, que são as regras que fornecem

conteúdo fonológico aos morfemas abstratos.

75

c. ENCICLOPÉDIA: A lista de informação semântica que deve ser listada, tanto as

propriedades das Raízes quanto objetos sintaticamente construídos

(expressões idiomáticas).

16. ESTRUTURA DA GRAMÁTICA PROPOSTA PELA MD (CF. EMBICK; HALLE, 2004)

LISTAS ACESSADAS ESTÁGIOS DA DERIVAÇÃO

Terminais sintáticos Derivação Sintática

(Spell out)

Vocabulário

PF LF

Enciclopédia (Interpretação)

76

1.2. PROPRIEDADES DA MD

A MD apresenta três características que (Cf. HALLE; MARANTZ, 1994) a

diferenciam de outras abordagens:

17. PROPRIEDADES DA MD:

a. INSERÇÃO TARDIA (Late Insertion): Esta propriedade se refere a hipótese de que

os Terminais Sintáticos são complexos de traços sintáticos e semânticos sem

informações fonológicas e que seus traços fonológicos são fornecidos somente

na Inserção Vocabular, após a sintaxe.

b. SUBESPECIFICAÇÃO (Underspecification): Os Itens Vocabulares são

caracteristicamente subespecificados, em relação aos traços dos nódulos nos

quais estes são inseridos. Assim, é comum existir muitos Itens acessíveis para

Inserção em um dado terminal, por isso, o Item Vocabular mais especificado

será inserido.

c. ESTRUTURA SINTÁTICA HIERÁRQUICA (Syntactic Hierarquical Structure All the Way

Down): Os terminais sintáticos nos quais os Itens Vocabulares são inseridos

estão organizados em estruturas hierárquicas determinadas por princípios e

77

operações da sintaxe. Estas estruturas hierárquicas da sintaxe podem ser

modificadas no componente PF por operações morfológicas que, no entanto,

devem respeitar as condições de localidade sintáticas, atentando para o

requerimento de que a interação entre os constituintes aconteça em uma

relação de regência ou de adjacência estrutural. Dessa maneira, esta

propriedade da MD se relaciona ao fato de que as operações sintáticas e

morfológicas devem respeitar a mesma estrutura de constituintes.

2. OPERAÇÕES PÓS-SINTÁTICAS

Na arquitetura de gramática proposta pela MD (Cf. EMBICK; HALLE,

2004), se assume que a sintaxe gera estruturas hierárquicas que são interpretadas e

modificadas em PF, nos processos de Inserção Vocabular e de linearização. A

Inserção Vocabular, como apontamos na seção 1.1., é o processo no qual os

morfemas abstratos são providos de traços fonológicos. A linearização, por outro

lado, é uma operação binária, representada pelo operador (*), que estabelece a

ordem linear das estruturas hierárquicas geradas pela sintaxe. Dada uma estrutura

formada por núcleos funcionais [X Y], a linearização desta é definida como em 18.

78

18. LINEARIZAÇÃO:

LIN [x y] > (x * y) ou (y * x)

De acordo com Embick e Halle (2004), a linearização pode ser aplicada

tanto antes quanto após a Inserção Vocabular: no primeiro caso, a linearização é

aplicada aos morfemas abstratos; e no último caso, aos expoentes fonológicos.

Estas possibilidades são sumarizadas em 19.

19. POSSIBILIDADES DE LINEARIZAÇÃO:

a. LINEARIZAÇÃO DE MORFEMAS ABSTRATOS: É aplicada antes da Inserção Vocabular

e determinada pelas propriedades dos traços abstratos, e não pelas

propriedades dos expoentes fonológicos.

b. LINEARIZAÇÃO DE PARTES FONOLÓGICAS: É aplicada após a Inserção Vocabular,

assim, suas propriedades são determinadas pelos expoentes fonológicos.

A proposta sugerida pela MD (Cf. EMBICK; HALLE, 2004) é de que os

processos de Inserção Vocabular e linearização, embora apresentem requerimentos

particulares nas diversas línguas, são aplicados em PF em todas as línguas do

mundo. Há situações, ainda, referidas na literatura como mismatches (Cf. HALLE;

79

MARANTZ, 1993; EMBICK; HALLE, 2004) entre a sintaxe e a morfologia, em que a

relação entre estes componentes não é tão direta, em virtude de outras regras de PF

atuarem, produzindo estruturas morfológicas diferentes das estruturas sintáticas das

quais foram derivadas. No entanto, estas operações não abandonam a premissa

central da teoria de que a estrutura sintática e a estrutura morfológica são, no caso

default, a mesma e estas regras aplicadas em PF são reajustamentos mínimos

motivados por requerimentos particulares das línguas. Dessa forma, diferentemente

da sintaxe que é um sistema gerativo, PF é um componente interpretativo, cujas

regras não são aplicadas livremente, mas desencadeadas por requerimentos

específicos que devem ser aprendidos pelos falantes das línguas particulares.

Outras operações de PF trabalhadas na literatura são: Concatenação

Morfológica (Morphological Merger, cf. MARANTZ, 1984, 1988; BOBALJIK, 1994;

EMBICK; NOYER, 2001), Fusão (Fusion, cf. HALLE; MARANTZ, 1993), Fissão

(Fission, cf. NOYER, 1992, 1997; HALLE, 1997) e Empobrecimento

(Impoverishment, cf. BONET, 1991; HALLE; MARANTZ, 1993, 1994). Estas

operações serão discutidas nas seções que se seguem.

80

2.1. CONCATENAÇÃO MORFOLÓGICA

A Concatenação Morfológica, proposta inicialmente por Marantz (1984), e

desenvolvida em trabalhos subseqüentes (MARANTZ, 1988; BOBALJIK, 1994;

EMBICK; NOYER, 2001), estava relacionada (Cf. HARLEY; NOYER, 1999)

originalmente, aos princípios de boa formação entre os níveis de representação na

sintaxe. Em Marantz (1988 apud HARLEY; NOYER, 1999), esta operação foi

formalizada da seguinte maneira:

Morphological Merger: At any level of syntactic analysis (D-structure, S-

structure, Phonological Structure), a relation between X and Y may be

replaced by (expressed by) the affixation of the lexical head of X to the

lexical head of Y.

Embick e Noyer (2001), ampliando estas noções iniciais, discutem que as

propriedades de localidade de uma operação de Concatenação são determinadas

pelo estágio na derivação em que a operação acontece: a Concatenação que ocorre

antes da Inserção Vocabular, nas estruturas hierárquicas, difere daquele que ocorre

após a Inserção Vocabular/Linearização. A primeira, denominada Abaixamento

(Lowering), envolve adjunção de núcleo para núcleo, e em virtude destes núcleos

não serem necessariamente adjacentes, esta operação tem um caráter não-local,

não-adjacente. Para a segunda, denominada Deslocamento Local (Local

Dislocation), a relação relevante para afixação não é hierárquica, mas as de

81

precedência linear e adjacência. Em 20, apresentamos uma estrutura em que o

núcleo X é movido por Abaixamento a Y, núcleo de seu complemento, e em 21,

mostramos uma representação esquemática da realização de Deslocamento Local.

20. ABAIXAMENTO DE X° A Y° (Cf. Ibidem, p. 561):

[XP X°... [YP ... Y° ... ]] > [ XP ... [YP ... [Y° Y°+ X°] ...]]

21. DESLOCAMENTO LOCAL (Cf. Ibidem, p. 563)23:

[X * [ Z * Y]] > [[ Z° Z + X ] * Y]

A primeira hipótese que os autores desenvolvem, relacionada ao

Deslocamento Local, sugere que, se uma operação de movimento é sensível às

propriedades providas pela Inserção Vocabular, esta será necessariamente aplicada

aos elementos adjacentes. Um exemplo que os autores discutem é a formação dos

comparativos e superlativos em Inglês, em que há uma condição prosódica sobre o

hospedeiro: o morfema comparativo/superlativo somente pode ser combinado a um

adjetivo de uma sílaba métrica. A informação necessária para o processo ocorrer é

específica ao Vocabulário e, além disso, em virtude das estruturas serem

linearizadas por Inserção Vocabular (Cf. EMBICK; NOYER, 2001), o morfema de

23 A notação a * b é usada para identificar o requerimento de que a deve preceder linearmente e ser

adjacente a b (Cf. EMBICK; NOYER, 2001).

82

comparativo/superlativo não pode figurar no adjetivo quando há um advérbio

interveniente.

A segunda hipótese, denominada de Late Lowering Hypothesis, assume

que todo Abaixamento na Morfologia segue todos os movimentos ocorridos na

sintaxe e não pode remover um ambiente criado por movimento sintático. Quer dizer,

o Abaixamento opera somente na estrutura que está no output da sintaxe, i.e., a

estrutura resultante, depois que todas as operações sintáticas ocorreram. O exemplo

que os autores analisam se relaciona ao Abaixamento de T para v em inglês (Ibidem,

p. 567), que não pode ser aplicado quando o vP está localizado em uma posição

mais alta que T:

Exemplo 25.

a. Mary said she would quietly play her trumpet, and [vP quietly play her trumpet]1

she did t 1.

b. *Mary said she would quietly play her trumpet, and [vP quietly play-ed2 her

trumpet]1 she t 2 t 1.

No exemplo apresentado em 25.a., o vP posicionado a frente impossibilita

o Abaixamento pós-sintático de T para v; e 25.b. mostra o que resultaria se o

Abaixamento pudesse preceder o vP. A predição dos autores seria a de que

83

nenhuma língua permitiria o Abaixamento de um núcleo Y a um XP que, de maneira

subseqüente, se mova para acima de Y.

2.2. FUSÃO

Halle e Marantz (1993) propõem uma distinção entre Concatenação e

Fusão: a Concatenação, sendo um movimento de núcleo para núcleo, une nódulos

terminais sob um nódulo categorial de um núcleo, mas mantém dois nódulos

independentes neste nódulo categorial. Então, na Inserção Vocabular, dois Itens

Vocabulares são inseridos sob este núcleo derivado, um para cada nódulo terminal

que passou pela operação de Concatenação. Por outro lado, a operação

denominada Fusão toma dois nódulos terminais que são irmãos sob um único nódulo

categorial e os funde em um único nódulo terminal. Assim, somente um Item

Vocabular pode ser inserido e este deve apresentar um subconjunto de traços

morfossintáticos do nódulo fundido, incluindo os traços de ambos os nódulos

presentes no input. Então, diferentemente da Concatenação, a Fusão reduz o

número de morfemas independentes em uma árvore sintática, como mostra a

formalização em 22 (Cf. EMBICK; HALLE, 2004).

84

22. FUSÃO:

Xi [α] Xj [β] > X [α,β]

Embick; Halle (2004, p. 54) apresentam exemplos da concordância do

Latim que ilustram esta regra relacionada à operação de Fusão. O presente do

Indicativo ativo e passivo do verbo latino laudō “elogiar” são mostrados nos exemplos

26 e 27 abaixo.

Exemplo 26. PRESENTE DO INDICATIVO ATIVO

laud-ō “eu elogio”

laud-ā-s “tu elogias”

laud-a-t “ele/ela elogia”

laud-ā-mus “nós elogiamos”

lau-ā-tis “vós elogiais”

laud-a-nt “eles elogiam”

Exemplo 27: PRESENTE PASSIVO

laud-or “eu sou elogiado”

laud-ā-ris “tu és elogiado”

laud-a-tur “ele/ela é elogiado”

laud-ā-mur “nós somos elogiados”

lau-ā-minī “vós sois elogiados”

laud-a-ntur “eles são elogiados”

85

Nestes exemplos, é possível notar que existem muitos componentes

comuns nas terminações nas duas vozes, e há um componente –r nas formas de

AGR passivas, em adição aos expoentes de pessoa/número encontrados nas formas

ativas. Segundo os autores, estes componentes comuns sugerem que, no caso das

passivas, a Inserção consiste de um componente AGR em adição ao componente

passivo –r, como mostra a estrutura em 23.

23. COMPONENTE AGR:

AGR

V

AGR voz

# #

1S Pas

-o -r

Este padrão, no qual as formas de AGR passivas estão relacionadas às

formas de AGR ativas, apresenta uma exceção: na forma 2PL, não há relação entre

a forma passiva –minī e a forma ativa –tis. Este fato pode ser compreendido em

termos de uma regra de Fusão, que une os nódulos discretos AGR e Voz em um

único nódulo possível para a Inserção Vocabular, como podemos visualizar as

estruturas em 24.

86

24. FUSÃO:

a. INPUT b. OUTPUT

AGR AGR/VOZ

V #

AGR voz 2PL

# # Pas

2PL Pas

A Inserção no único nódulo em 24.b. é realizada por um único Item

Vocabular que se refere, ao mesmo tempo, aos traços de 2PL e [Pas]. Este Item

bloqueia a Inserção dos Itens regulares para 2PL (com o expoente –tis) e para [Pas]

(com o expoente –r). Dessa forma, o processo de Fusão é acionado quando dois

morfemas abstratos, motivados morfossintaticamente, são realizados como um único

nódulo sob condições específicas.

Uma questão importante é que a operação de Fusão não pode combinar

um morfema abstrato e uma Raiz: essa operação só poderá ser identificada quando

um único expoente se realiza na posição de dois outros expoentes esperados. Em

outras palavras, Fusão realiza a aplicação de tipos específicos de Itens Vocabulares

e, uma vez que as Raízes não estão sujeitas à Inserção Vocabular, não há

possibilidade de se identificar uma fusão entre uma Raiz e um núcleo funcional.

87

2.3. FISSÃO

A operação de Fissão foi proposta, inicialmente, por Noyer (1992, 1997

apud HARLEY; NOYER, 1999) para dar conta de situações nas quais um único

morfema pode corresponder a mais de um Item Vocabular. Em situações regulares,

um único Item Vocabular pode ser inserido em um dado morfema, no entanto,

quando a Fissão ocorre, a Inserção Vocabular não é finalizada até que um único

Item Vocabular seja inserido. Ou seja, os Itens Vocabulares são aplicados ao irmão

do morfema fissionado até que todos os Itens Vocabulares possíveis sejam

inseridos, ou todos os traços de um morfema tenham sido descarregados24. Um

traço é descarregado quando a Inserção de um dado Item Vocabular é condicionada

por sua presença. Noyer (1997) argumenta que os traços que condicionam a

Inserção de um dado Item Vocabular podem ser de dois tipos: traços expressos

primariamente ou secundariamente. Somente traços expressos primariamente são

descarregados pela Inserção do Item Vocabular.

Um exemplo desta distinção apresentado por Harley e Noyer (1999) se

refere aos prefixos de conjugação em Tamazight Berber, nos quais o morfema de

24 Tradução nossa para discharded (Cf. HARLEY; NOYER, 1999, p.18).

88

AGR pode figurar como um, dois ou três Itens Vocabulares separados, que podem

ocorrer como prefixo ou sufixo, conforme apresentamos nos exemplos em 28.

Exemplo 28.

a. CONJUGAÇÃO DO VERBO DAWA ‘CURAR’ EM TAMAZIGHT BERBER:

SINGULAR PLURAL

3M i-dawa dawa-n

3F t-dawa dawa-n-t

2M t-dawa-d t-dawa-m

2F t-dawa-d t-dawa-n-t

1 dawa-ɣ n-dawa

b. ITENS VOCABULARES

/n-/ < > 1 PL

/-ɣ/ < > 1

/t-/ < > 2

/t-/ < > 3 SG F

/-m/ < > PL M (2)

/i-/ < > SG M

/-d/ < > SG (2)

/-n/ < > PL

/-t/ < > F

Em 28.b., os Itens Vocabulares, que apresentam traços indicados nos

parênteses, somente poderão ser inseridos se o traço entre parênteses tiver sido

descarregado. Por exemplo, -m pode ser inserido somente se t- ‘2’ for descarregado

89

primeiramente. Dessa forma, os parênteses são usados para denotar os traços que

são expressos secundariamente por um Item Vocabular, enquanto os traços que não

estão indicados entre parênteses são aqueles expressos primariamente. Desse

modo, no morfema fissionado, os Itens Vocabulares não irão competir por uma única

posição de expoente, ao contrário, uma posição adicional é automaticamente

disponibilizada sempre que um Item Vocabular for inserido.

2.4. EMPOBRECIMENTO

Bonet (1991 apud EMBICK; HALLE, 2004) propôs que existem regras que

apagam traços sob condições específicas e as denominou de regras de

Empobrecimento (Impoverisment rules), para enfatizar o fato de que estas

simplificam, i.e., empobrecem o complexo de traços. Por meio do apagamento de

traços antes da Inserção Vocabular, estas regras de empobrecimento apresentam o

efeito de estender o número de casos nos quais um Item menos especificado será

inserido.

Halle e Marantz (1994) apresentam uma ilustração de Empobrecimento

considerando dois Itens Vocabulares de uma categoria X em uma dada língua, como

mostramos em 25.a a seguir. Estes Itens competem pela Inserção em um nódulo da

categoria X, em 25.b., e a competição é ganha pelo Item A em virtude de este

90

apresentar um subconjunto de traços no nódulo de X maior do que o Item B. Em

seguida, os autores sugerem que esta língua estaria sujeita a uma regra de

empobrecimento, apresentada em 25.c., que apaga o traço F2 em um nódulo da

categoria X, se este é seguido pela categoria Y. Os efeitos do Empobrecimento de

25.c. são apresentados em 25.d. Como o traço F2 foi apagado, o Item A não pode

mais ser inserido em um nódulo de X que contém os traços F1, F2, F3, assim, o Item

B mais geral e menos restrito será inserido para expressar o complexo de traços F1,

F2, F3, sob X que é operativo na sintaxe.

25. EMPOBRECIMENTO

a. Categoria X

Item A: [F1, F2] ↔ PA

Item B: [F1] ↔ PB

b. X

#

[F1, F2, F3]

c. F2 > Ø X Y

#

[ __ ]

d. X Y

#

[F1, F2, F3]

91

Halle e Marantz (1994) caracterizam estes aspectos, que resultam de

Empobrecimento, como “retreat to the general case” (Ibidem, p. 278), no qual um

Item mais especificado perde para um Item menos especificado. Assim, como é

possível verificarmos em 25, o Item A mais especificado perde para o Item B menos

especificado quando o traço F2 é apagado por Empobrecimento no nódulo X,

localizado antes do nódulo Y.

Um exemplo familiar de Empobrecimento (Cf. HALLE; MARANTZ, 1994;

BONET, 1995; EMBICK; HALLE, 2004) é encontrado no caso do “spurious se” em

espanhol, na situação em que os clíticos dativo e acusativo co-ocorrem em uma

mesma sentença simples. Quando o clítico dativo aparece isolado, ele se realiza

como le(s), conforme podemos observar no exemplo 29.

Exemplo 29.

A Pedro, le dieron el premio ayer.

PREP Pedro 3.DAT dar-3PL DET prêmio ADV

Por outro lado, quando o clítico dativo está acompanhado por um clítico

acusativo, neste caso lo, a forma dativa se realiza como se, como vemos em 30.

92

Exemplo 30.

A Pedro, el premio se lo dieron.

PREP Pedro DET prêmio 3.DAT 3.ACUS dar-3PL

Casos deste tipo mostram o que Bonet (1995 apud EMBICK; HALLE,

2004) denomina de opacidade: a forma de um clítico que se realiza em conjunção

com outros clíticos difere da forma que este apresenta isoladamente. Além disso,

uma questão importante para a autora é a de que o aparecimento da forma se não é

arbitrária, uma vez que este clítico é encontrado nos demais ambiente25 em

espanhol. Observemos o quadro de clíticos do espanhol apresentado na Tabela 09 a

seguir.

Tabela 09: Clíticos do espanhol

2ª Pessoa 1ª Pessoa

Masc. Fem. M/F M/F

acus.sg. l-o l-a t-e m-e

acus.pl. l-o-s l-a-s Ø-o-s n-o-s

dat.sg. l-e l-e t-e m-e

dat.pl l-e-s l-e-s Ø-o-s n-o-s

refl. (sg/pl) s-e s-e (como acima) (como acima)

3ª Pessoa

Fonte: Embick e Halle (2004).

A segmentação na Tabela 09 reflete a análise de Harris (1995 apud

EMBICK; HALLE, 2004) de que os clíticos no espanhol, assim como os nomes,

25 Tradução nossa para elsewhere (Cf. EMBICK; HALLE, 2004, p. 61)

93

apresentam uma vogal temática. Esta vogal se realiza na posição tema TH, um

nódulo agregado aos nomes em PF de acordo com os requerimentos de boa

formação específicos das línguas. Com adição do núcleo # para número, a estrutura

dos clíticos na qual a Inserção Vocabular ocorre é apresentada em 26.

26. ESTRUTURA DOS CLÍTICOS EM ESPANHOL (Cf. EMBICK; HALLE, 2004, p. 61)

VV

D #

VV

D TH

Para as consoantes encontradas no sistema de clíticos, que são os

expoentes que figuram no núcleo D, Halle e Marantz (1994) propõem os seguintes

Itens Vocabulares:

27. ITENS VOCABULARES:

1 ↔ n/___# [pl]

2 ↔ Ø/___# [pl]

1 ↔ m

2 ↔ t

Caso ↔ l

↔ s

94

Um aspecto importante deste sistema, na perspectiva do fenômeno de

spurious se, se relaciona ao fato do expoente s- ser inserido por qualquer outro Item

Vocabular nos demais ambientes. Assim, a regra de empobrecimento que opera no

ambiente de spurious se é apresentada em 28.

28. REGRA DE EMPOBRECIMENTO

[DATIVO] > Ø/___ [ACUSATIVO]

Esta regra apaga o traço [DATIVO] do clítico antes da Inserção Vocabular,

desse modo, os Itens Vocabulares que se referem aos traços de Caso não podem

ser inseridos no nódulo empobrecido. Quer dizer, o Item Vocabular que normalmente

insere l- no nódulo que apresenta o traço [DATIVO] não pode ser aplicado e, como

resultado, o Item Vocabular default insere s- neste nódulo.

Embick e Halle (2004) ressaltam que estas regras de Empobrecimento

possibilitam o apagamento de traços, mas não permitem mudar ou introduzir novos

traços. Nesse sentido, estas regras são uma maneira de se estabelecer certos

sincretismos, por meio da eliminação de traços dos nódulos muito especificados,

alimentando, assim, a aplicação de Itens Vocabulares menos especificados.

95

3. NOYER (1992)

O modelo assumido por Noyer (1992) promove uma distinção entre

morfologia derivacional e flexional: morfologia derivacional consiste em um conjunto

de regras e princípios que operam sobre as raízes e sobre os afixos derivacionais na

construção de átomos das estruturas sintáticas, denominados de X°s; por outro lado,

a morfologia flexional é um conjunto de regras e princípios que suprem os X°s de

conteúdo fonológico cuja realização é sensível a processos sintáticos, como

agreement (relação sintática de indexação), concord (relação sintática de cópia),

marcação de caso (realização morfológica de relações sintáticas), incorporação

(movimento de X°). Estes processos são localizados no mapeamento para PF, no

componente pós-sintático denominado Morfologia. Nesse sentido, Noyer (1992)

afirma que o modelo assumido por ele se enquadra na vertente Lexicalista Fraca

(MARANTZ,1991,1992; HALLE, 1989a, 1990, 1992 apud NOYER, 1992) na qual se

entende que nem todos os processos de formação das palavras ocorrem antes da

sintaxe.

96

3.1. FILTROS MORFOSSINTÁTICOS

Noyer (1992) aponta que cada língua deve possuir um conjunto de traços

morfossintáticos, como pessoa, número e gênero (seja gramatical ou baseado em

diferenças sexuais), da mesma maneira que cada língua deve escolher um conjunto

de traços fonológicos universais na definição do alfabeto lexical de seus segmentos.

Desse modo, o autor propõe uma teoria de filtros morfossintáticos baseada na

proposta de Calabrese (1988,1992 apud NOYER, 1992) relativa à composição de um

alfabeto fonológico.

A proposta de Calabrese (1988, 1992 apud NOYER, 1992) seria a de que

a Gramática Universal estabelece listas de traços e complexos de traços,

organizadas em hierarquias de acordo com suas complexidades. Assim, as

hierarquias seriam restrições de co-ocorrência destas listas de traços, portanto,

funcionariam como filtros. Por exemplo, Calabrese (1992 apud NOYER, 1992)

mostra que nenhuma língua distingue [ATR] para vogais altas a menos que distinga

este traço para as vogais médias, assim como, nenhuma língua diferencia [ATR]

para vogais baixas a menos que o faça para as vogais não-baixas. Desse modo, o

autor propõe a seguinte hierarquia apresentada em 29 a seguir.

97

29. HIERARQUIA DO TRAÇO [ATR] (Cf. CALABRESE, 1992, p. 14 apud NOYER,

1992)

*[- ATR, - alto]

#

*[- ATR, + alto]

!

*[+ ATR, +baixo]

Ao converter estas idéias para morfossintaxe, Noyer (1992) assume que

existe um conjunto universal de traços morfossintáticos, ao menos para pessoa,

número e traços de gênero. Deste conjunto universal de traços, alguns podem estar

ativos e outros inativos nos diversos sistemas morfossintáticos. Com relação aos

traços ativos, nem todos estarão subdivididos da mesma maneira nas línguas,

gerando um efeito de lacunas nos sistemas flexionais. Estas lacunas podem ser

compreendidas por meio dos filtros morfossintáticos. Noyer (1992) apresenta um

exemplo dos prefixos presentes na conjugação do Imperfeito do Indicativo do Árabe,

como mostramos no exemplo 31, a seguir, e em 30, apresentamos alguns fatos

perceptíveis no paradigma abaixo.

98

Exemplo 31. PREFIXOS DO ÁRABE (IMPERFEITO DO INDICATIVO): k t b “escrever”

SINGULAR DUAL PLURAL

y-aktub-u y-aktub-aani y-aktub-uuna 3M

t-aktub-u t-akttub-aani y-aktub-na 3F

t-aktub-u t-aktub-aani t-aktub-uuna 2M

t-aktub-iina * t-aktub-na 2F

/-aktub-u * n-aktub-u 1

30. CARACTERÍSTICAS DO PARADIGMA APRESENTADO NO EXEMPLO 31:

a. Não há distinção de gênero na 1ª pessoa.

b. Não há número dual na 1ª pessoa.

c. Não há distinção de gênero na 2ª pessoa dual.

d. Não há 1ª pessoa inclusiva vs. exclusiva.

e. A 3ª F a 2ª M são as mesmas no singular e no dual.

f. Gênero: feminino e masculino, mas nunca neutro.

Noyer (1992) discute que algumas das características em 30 decorrem da

seleção de traços ativos e outras da existência de filtros. Assim, em 30.f., o fato do

Árabe não apresentar um gênero neutro explícito se relaciona à escolha de traços

ativos que combinam lexicalmente para formar os núcleos de argumentos e de

concordância na sintaxe. Por outro lado, o fato de gênero e do número dual não

classificarem todas as categorias permite que as generalizações 30.a-d. sejam mais

bem expressas como filtros:

99

31. FILTROS:

a. *[1 F] ↔ Nenhuma 1ª pessoa feminina

b. *[1 DUAL] ↔ Nenhuma 1ª pessoa dual

c. *[2 DUAL F] ↔ Nenhuma 2ª pessoa dual feminina

d. *[1 2] ↔ Nenhuma 1ª pessoa inclusiva

3.2. HIERARQUIA DE TRAÇOS

O filtro proposto em 31.a. denota que os traços [ 1 ] e [ F ] não podem

ocorrer como partes de um mesmo nódulo, assim, como resultado, na realização

morfológica da 1ª pessoa feminina em árabe, há o apagamento do traço [ F ] e não

do traço [ 1 ], uma vez que esta não é homófona à 3ª pessoa feminina, como seria

esperado caso o traço [ 1 ] fosse deletado. Este apagamento pode ser representado

pela regra em 32.

32. REGRA DE APAGAMENTO:

F > Ø / 1

No entanto, Noyer (1992) adverte que esta regra é muito poderosa para

expressar este tipo de ambigüidade sistemática, já que facilmente poderia denotar a

relação oposta, produzindo incorretamente uma 1ª pessoa feminina homófona à 3ª

100

pessoa feminina, o que não é verdade para o Árabe. Este reverso da regra 32 é

apresentado em 33 abaixo.

33. REGRA REVERSA:

1> Ø / F

Ao invés de regras deste tipo, Noyer (1992) propõe que os traços que

compõem um filtro não estão simplesmente ordenados, mas formam uma estrutura

hierárquica. Assim, se 1 > F nesta hierarquia, por princípio, quando o filtro *[1F] é

ativado na Morfologia, o traço [ F ], e não o traço [ 1 ], será apagado. Além disso, o

autor assume que estas hierarquias podem ser representadas por diagramas

arbóreos e os apagamentos de traços morfossintáticos são relacionado ao Delinking

de representações autossegmentais, como proposto por Bonet (1991 apud NOYER,

1992):

34. APAGAMENTO DO TRAÇO [ F ]:

AGR

1

F

101

Dessa maneira, os filtros propostos em 31 são representados por

geometrias de traços que indicam o traço a ser apagado por uma relação de

dependência na árvore, como mostramos em 35.

35. ESTRUTURAS ARBÓREAS DOS FILTROS APRESENTADOS EM 31:

a. AGR b. AGR c. AGR d. AGR

1 1 2 1

F PL PL 2

DUAL DUAL

F

Tendo em vista estes filtros, Noyer (1992) propõe hierarquia de traços

conforme mostramos em 36, e em 37, apresentamos a formalização proposta pelo

autor para a hipótese da hierarquia de traços.

36. HIERARQUIA DE TRAÇOS:

1 > 2 > PL > DUAL > F

102

37. A HIPÓTESE DA HIERARQUIA DE TRAÇOS (Ibidem, p.94):

Existe uma hierarquia universal de traços morfossintáticos. Se F e G são traços

morfossintáticos e F é mais alto que G na hierarquia, então:

a. Se *[αF,βG] está ativo na Morfologia, então [αF,βG] será empobrecido para

[αF].

b. Se existem duas regras de spell-out, uma se refere a F e a outra a G, que

separam ou sobrepõem descrições estruturais (SDs), a regra que se relaciona a F

deverá ser aplicada primeiro.

3.3. TEORIA ACERCA DOS TRAÇOS DE PESSOA

Noyer (1992) aponta que qualquer teoria acerca dos traços de pessoa-

número deve atentar para três objetivos: o primeiro é predizer quais são as

possibilidades das categorias de pessoa-número na linguagem humana; o segundo

é mostrar como as categorias de pessoa-número são representadas e interpretadas

nos diferentes níveis da gramática; e o terceiro objetivo seria estabelecer uma

avaliação métrica na qual certas categorias e inventários são entendidos como

complexos, enquanto outros são considerados simples do ponto de vista da

aquisição de linguagem.

103

Noyer (1992) pontua que a interpretação dos traços de pessoa deve

reconhecer certos papéis discursivos como primitivos: os marcadores dêiticos e a

localização do ato de fala com relação ao lugar, ao tempo e aos participantes. Assim,

a primeira distinção, no caso dos traços de pessoa, seria entre participantes e não-

participantes do ato de fala:

38. TRAÇOS DE PESSOA:

a. Participantes – falante ou ouvinte26.

Não-participantes – nem falante, nem ouvinte.

b. 1 = falante.

2 = ouvinte.

3 = nem falante, nem ouvinte.

Noyer (1992) mostra que os papéis discursivos em 38.b apresentam a

possibilidade de formar sete subconjuntos, como mostramos em 39.

39. SUBCONJUNTOS POSSÍVEIS:

a. {1}

b. {2}

c. {3}

d. {1, 2}

26 Tradução nossa para speaker e hearer (Cf. NOYER, 1992, p. 146)

104

e. {1, 3}

f. {2, 3}

g. {1, 2, 3}

No entanto, as línguas naturais não utilizam estas sete possibilidades de

distinção, mas apresentam uma divisão máxima de quatro categorias de pessoa

como apresentamos em 40.

40. CATEGORIAS DE PESSOA:

a. {1} ou {1, 3} – 1ª pessoa (exclusiva)

b. {1, 2} ou {1, 2, 3} – 1ª pessoa (inclusiva)

c. {2} ou {2, 3} – 2ª pessoa

d. {3} – 3ª pessoa

O autor aponta, ainda, que estas quatro categorias podem ser

representadas usando-se parênteses para indicar o papel discursivo opcional em

cada categoria.

41. CATEGORIAS DE PESSOA:

a. {1, (3)} – 1ª pessoa (exclusiva)

b. {1, 2, (3)} – 1ª pessoa (inclusiva)

c. {2, (3)} – 2ª pessoa

d. {3} – 3ª pessoa

105

Desta constatação, Noyer (1992) sugere duas generalizações:

42. GENERALIZAÇÕES:

a. GENERALIZAÇÃO I: nenhuma categoria de pessoa especialmente exclui

{3}.

b. GENERALIZAÇÃO II: a menos que {3} seja o único papel permitido (= 3ª

pessoa), {3} é opcional.

c. GENERALIZAÇÃO II (revisada): somente argumentos que excluem

participantes podem requerer {3}.

Desse modo, a 3ª pessoa pode ser entendida de duas maneiras: esta

pode ser definida como uma categoria que é especificamente não-participante (a

não-pessoa, Cf. BENVENISTE, 1956; 1972 apud NOYER, 1992) ou como a

categoria que requer {3}, quer dizer, a categoria [+3]. Assim, seguindo Farkas (1990),

o autor assume que 3ª pessoa é definida como [-participante], excluindo os papéis

{1, 2}, ou seja, a categoria [+3] por excelência.

106

3.4. HIERARQUIA DE PESSOA UNIVERSAL?

Nem todas as línguas do mundo apresentam as quatro distinções

apresentadas em 31, por exemplo, a distinção inclusiva/exclusiva não é encontrada

nas famílias lingüísticas Indo-Européias e Semíticas, assim, os argumentos de 1ª

pessoa nestas línguas apresentam os papéis discursivos: {1, (2), (3)}. Além disso,

como evidenciado por Zwicky (1977), é significante que nenhuma língua do mundo

apresente o sincretismo funcional do tipo *{(1), 2, (3)} “syou”. Esta categoria “syou”,

que é o sincretismo entre a 1ª inclusiva e a 2ª pessoa, exige ao menos um

destinatário, e pode incluir outros, inclusive, o falante. “Syou” passa pela

Generalização I porque não exclui {3} e passa pela Generalização II porque não

requer {3}. Desse modo, para excluir esta categoria, Noyer (1992) estabelece uma

terceira generalização:

43. GENERALIZAÇÕES:

GENERALIZAÇÃO III: o papel {1} não pode nunca ser opcional.

Zwicky (1977) sugere, ainda, que existe uma Hierarquia de Pessoa

Universal (HPU), conforme apresentamos em 44.

107

44. HIERARQUIA DE PESSOA UNIVERSAL:

1 > 2 > 3

De maneira correlata, Noyer (1992) propõe que o papel {3} é opcional a

menos que este seja o único papel requerido; o papel {2} somente é opcional se o

papel {1} é obrigatório; e o papel {1} nunca é opcional. Assim, o autor estabelece

uma quarta generalização:

45. GENERALIZAÇÕES:

GENERALIZAÇÃO IV: um papel pode ser opcional somente se outro papel mais

alto na hierarquia é requerido.

Como havíamos apontado anteriormente, Noyer (1992) sugere que

categorias morfossintáticas muito especificadas são empobrecidas na Morfologia por

meio de filtros específicos das línguas. Retomando a Hipótese da Hierarquia de

Traços, o autor assinala que os filtros devem ser combinados com as hierarquias de

traços para se estabelecer qual traço será apagado. Assim, uma simples hierarquia é

postulada:

46. HIERARQUIA DE PESSOA (Cf. NOYER, 1992, p. 154)

I > you

108

Desse modo, em virtude da hierarquia em 46, uma categoria como “syou”

não permite empobrecimento, uma vez que esta categoria somente poderia ser

derivada pelo apagamento de [± I], na presença de [+you], por meio do filtro *[αI,

+you]. Este apagamento, então, não poderia ocorrer já que o mecanismo de

apagamento obedece à hierarquia de traços.

3.5. E AS LÍNGUAS 2 >1?

Nevins e Sandalo (2010) discutem a realização da concordância de sujeito

e objeto em Kadiwéu em uma única posição prefixal e mostram que esta língua exibe

um efeito de “segunda pessoa sobre a primeira” na morfologia de concordância. Os

autores argumentam que este fato poderia inicialmente desafiar a noção de uma

hierarquia universal de pessoa. Entretanto, Nevins e Sandalo (2010) evidenciam que,

considerando tanto os fatos internos do Kadiwéu quanto padrões similares de outras

línguas (como, por exemplo, o Georgiano), a primeira pessoa é realmente especial.

Desse modo, se a primeira pessoa desaparece na presença de uma segunda

pessoa objeto, isto se deve a uma regra morfológica de apagamento: o traço de

[+AUTOR], que é mais marcado, é apagado quando existem dois argumentos

[+PARTICIPANTE].

109

Os autores defendem, ainda, a proposta de que é insuficiente uma

explicação para este padrão 2 > 1 do Kadiwéu baseada na hierarquia, uma vez que

as pessoas 1SG, 1PL e 2 não podem ser ranqueadas em uma hierarquia consistente

nesta língua, já que 1SG > 2 > 1PL com objetos, mas 2 > 1SG = 1PL com sujeitos.

Este comportamento diferencial da 1SG e da 1PL, além da interação entre sujeito vs.

objeto, sugere uma complicada hierarquia de pessoa + número. Para os autores, a

generalização mais simples para este caso pode ser encontrada nas propriedades

dos próprios afixos. A decisão do vencedor em cada combinação é, parcialmente,

efeito de uma interface entre a forma e os traços morfossintáticos dos afixos.

Assim, a análise proposta de Nevins e Sandalo (2010) para este padrão 2

> 1 se relaciona ao inventário de expoentes em Kadiwéu, associada à restrição de

Coherence (Cf. TROMMER, 2008 apud NEVINS; SANDALO, 2010), que bane co-

indexações distintas adjacentes nas formas de concordância, quer dizer, esta

restrição elimina dois afixos de concordância adjacentes (dois afixos de pessoa, ou

dois afixos de número) com índices de referência argumental i e j, em que i ≠ j. Esta

restrição esclarece a interação entre o padrão de concordância da segunda pessoa e

o padrão de concordância portmanteau (pessoa + número) encontrado na primeira

pessoa plural.

110

111

IV. CONCORDÂNCIA EM AVÁ:

ASPECTOS MORFOLÓGICOS

1. COMENTÁRIOS INTRODUTÓRIOS

A partir do quadro teórico da MD, é possível argumentarmos que a

estrutura hierárquica gerada pela sintaxe é interpretada e modificada pela

Morfologia, na medida em que esta atribui material fonológico aos morfemas

abstratos por meio da Inserção Vocabular e opera regras morfológicas específicas

da língua Avá. Neste Capítulo, iremos tratar das operações pós-sintáticas e dos

mecanismos de realização da concordância implementados no componente pós-

sintático. Tomando por base os dados apresentados no Capítulo II e as questões

teóricas discutidas no Capítulo III, a proposta de análise que iremos aventar aqui tem

por intuito esclarecer os seguintes questionamentos:

i. Quais são os condicionamentos morfossintáticos presentes na alomorfia entre

os marcadores pessoais das Séries I e II? Com qual núcleo funcional estes

marcadores estabelecem concordância?

112

ii. Qual o estatuto dos prefixos portmanteau da Série III? Com qual núcleo

funcional estes prefixos estabelecem concordância? Como esta concordância

é implementada pela Morfologia?

iii. Qual a função dos prefixos {r- ~ Ø-} e {h- ~ i-}? Com qual núcleo funcional

estes prefixos estabelecem concordância?

A proposta teórica sugerida, neste Capítulo, terá como foco as sentenças

transitivas, uma vez que estas apresentam, como discutimos anteriormente, reflexos

morfológicos e sintáticos ocasionados pela hierarquia de pessoa operante em Avá.

Este capítulo está organizado da seguinte maneira: na Seção 2,

apresentaremos um breve sumário das informações apontadas no Capítulo II, com

relação aos aspectos morfológicos e sintáticos desencadeados pela hierarquia de

pessoa presente na língua Avá. Na Seção 3, trataremos das operações pós-

sintáticas de Abaixamento e Fusão, realizadas na Morfologia; e abordaremos os

mecanismos de Inserção Vocabular referentes à implementação dos marcadores

pessoais das Séries I e II. Na seção 4, examinaremos os aspectos sintáticos e

morfológicos envolvidos na construção 1A, 2O, em Avá, enfocando o mapeamento

desta estrutura para o componente morfológico, bem como as regras de

113

empobrecimento e a Inserção Vocabular dos marcadores da Série III. Finalmente, na

seção 5, apontaremos as considerações finais, retomando as principais questões

discutidas neste Capítulo.

2. HIERARQUIA DE PESSOA EM AVÁ: BREVE SUMÁRIO

No Capítulo II desta dissertação, mostramos que a hierarquia de pessoa

afeta o sistema de concordância da língua Avá, assim, a seleção do argumento que

será assinalado nos verbos transitivos está relacionada à pessoa que figura na

posição de sujeito e de objeto.

Desse modo, o sujeito será marcado no verbo transitivo, por meio da Série

I de prefixos, se este for de primeira ou segunda pessoa e o objeto de terceira

pessoa (i.e. 1A ou 2A e 3O), ou se o sujeito e o objeto forem duas terceiras pessoas

(i.e. 3A e 3O).

Por outro lado, o objeto é marcado no predicado verbal, por meio da Série

II, se este for de primeira ou segunda pessoa e o sujeito for uma terceira pessoa (i.e.

1O ou 2O e 3A), ou quando o sujeito é de segunda pessoa e o objeto de primeira

pessoa (i.e. 2A e 1O).

Finalmente, quando o sujeito é de primeira pessoa e o objeto de segunda

(i.e. 1A e 2O), o sujeito e o objeto são marcados simultaneamente por meio da Série

114

III, de prefixos portmanteau. Este sistema de concordância é sintetizado na Tabela

10 abaixo.

Tabela 10: Codificação dos argumentos nucleares de verbos transitivos em Avá

A O Desdobramentos

3 1 Somente O é marcado (Série II/r-).

3 2 Somente O é marcado (Série II/r-).

2 1 Somente O é marcado (Série II/r-).

1 2 Prefixos portemanteau são usados (Série III/h-).

1 3 Somente A é marcado (Série I/h-).

2 3 Somente A é marcado (Série I/h-).

3 3 Somente A é marcado (Série I/h-).

Com relação aos marcadores de pessoa, mostramos que estes, além de

exibirem uma alomorfia condicionada pela hierarquia de pessoa nos verbos

transitivos, atuam em uma cisão na codificação do único argumento de verbos

intransitivos, uma vez que a Série I assinala o sujeito intransitivo de verbos [+ATIVOS]

e a Série II indica o sujeito intransitivo de verbos [-ATIVOS].

Sobre os prefixos relacionais, indicamos que estes figuram no núcleo do

predicado verbal assinalando a relação gramatical que este estabelece com seu

complemento, i.e., com o objeto. Os prefixos relacionais apresentam uma alomorfia

condicionada tanto pelo segmento inicial da raiz verbal quanto pelo traço

[αPARTICIPANTE] do objeto.

Acerca da ordem sintática, mostramos neste trabalho, que esta também

está condicionada à hierarquia de pessoa operante em Avá. A partir de testes com

115

advérbios, evidenciamos que objetos de primeira ou segunda pessoa devem

preceder o verbo, gerando a ordem OV; ao passo que, objetos de terceira pessoa

permanecem na posição pós-verbal, na ordem VO. A hipótese que levantamos, a

partir da proposta de Jelinek e Carnie (2003), seria a de que os objetos, quando

pressupostos (i.e. 1O ou 2O), sofrem deslocamento sintático para uma posição mais

alta na derivação sintática, externa ao complexo v-VP. Propusemos que esta posição

é o especificador de uma projeção funcional AspP, responsável pela checagem de

traços de pressuposição dos NPs que figuram na posição de argumento interno.

Desse modo, sugerimos que o sujeito na posição de argumento externo

se move para Spec-TP para checar caso nominativo, licenciado pelo núcleo T. O

objeto, por sua vez, na posição de argumento interno, checa seu caso acusativo,

licenciado por V, e se move para Spec-AspP para gerar uma variável permitida no

escopo nuclear, i.e., o vestígio do NP pressuposto que se moveu para fora de VP

(Cf. JELINEK; CARNIE, 2003).

Este deslocamento de ambos os argumentos gera uma configuração na

qual há duas posições, em um TP expandido, que desencadeiam concordância:

Spec-TP e Spec-AspP. Existe, entretanto, uma única posição para a realização de

concordância. Desse modo, a hipótese que aqui defendemos é a de que a

Morfologia implementa as operações pós-sintáticas de Abaixamento (Lowering, cf.

EMBICK; NOYER, 2001) e Fusão (Fusion, cf. HALLE; MARANTZ, 1993), que irá unir

116

os dois núcleos de concordância T e Asp em um único nódulo categorial [T,Asp].

Este nódulo fundido será o ambiente no qual serão implementadas as regras de

Empobrecimento (Impoverishment, cf. BONET, 1991; HALLE; MARANTZ, 1993,

1994) e a Inserção Vocabular dos marcadores das Séries I, II e III. Estas operações

serão discutidas detidamente na próxima seção.

3. OPERAÇÕES PÓS-SINTÁTICAS

Conforme apontamos, a hipótese que aventamos nesta dissertação, a

partir da MD, é a de que a estrutura hierárquica gerada pelo componente sintático é

interpretada e modificada pelo componente morfológico, na medida em que este

executa operações pós-sintáticas e atribui traços fonológicos aos traços abstratos

manipulados pela sintaxe, por meio da Inserção Vocabular.

Segundo Embick e Halle (2004), as operações pós-sintáticas não

abandonam a premissa central da teoria de que a estrutura sintática e a estrutura

morfológica são, no caso default, a mesma e estas regras aplicadas no componente

morfológico são reajustamentos mínimos motivados por requerimentos particulares

das línguas. Dessa forma, diferentemente da sintaxe que é um sistema gerativo, PF

117

é um componente interpretativo, cujas regras são desencadeadas por requerimentos

específicos, que devem ser aprendidos pelos falantes das línguas particulares.

Com relação ao componente sintático, argumentamos que o

deslocamento sintático sofrido pelo objeto para a posição de Spec-AspP e o

movimento do sujeito para Spec-TP geram uma configuração na qual existem duas

posições, em um TP expandido, que desencadeiam concordância: uma no núcleo T

e outra no núcleo Asp. Contudo, existe na língua uma única posição prefixal, no

núcleo do predicado verbal, para realização desta concordância, i.e., para

implementação dos marcadores de pessoa das Séries I, II e III. Sendo assim, a

hipótese que defendemos é a de que Morfologia executa operações pós-sintáticas

com intuito de unir estes núcleos de concordância T e Asp, permitindo a realização

da Inserção Vocabular. Estas operações são discutidas, em detalhe, na próxima

subseção.

3.1. ABAIXAMENTO E FUSÃO

A primeira operação aplicada pela Morfologia é um tipo de Concatenação

(Merger, cf. EMBICK; NOYER, 2001), que envolve adjunção de núcleo para núcleo e

118

ocorre antes da Inserção Vocabular, denominada de Abaixamento27 (EMBICK;

NOYER, 2001). Nesta operação, o núcleo T sofre movimento morfológico

descendente até o núcleo Asp da projeção funcional AspP, como mostra a estrutura

em 46.

47. ABAIXAMENTO DE T ATÉ ASP:

TP

V

suj T’

V

T AspP

V

obj Asp’

V

T + Asp ...

Como vemos em 47, o núcleo T desce da posição em que foi gerado em

TP e se adjunge ao núcleo Asp na projeção AspP. Em seguida, estes núcleos, que

se encontram adjacentes, serão submetidos a uma segunda operação: a Fusão

27 A evidência para a proposta de Abaixamento se relaciona tanto ao caráter afixal dos marcadores de

pessoa e quanto ao posicionamento do verbo em relação ao advérbio. Conforme discutimos no

Capítulo II desta dissertação, mostramos a partir dos testes realizados que o verbo segue o advérbio.

Isto indica que o verbo não se move para fora do vP. Desse modo, propomos que a realização da

concordância se dá no componente pós-sintático.

119

(HALLE; MARANTZ, 1993). Esta operação fundirá estes dois nódulos terminais T e

Asp, que são irmãos sob um único nódulo categorial, em um único nódulo terminal

[T, Asp], como mostram as estruturas em 48.

48. FUSÃO DE T E ASP EM ASP:

a. INPUT b. OUTPUT

ASP T, ASP

V #

T Asp [αA,βP]A

# # [αA,βP]O

[αA,βP]A [αA,βP]O 28

A evidência para a proposta de que a Morfologia implementa uma

operação de fusão dos núcleos T e Asp se deve ao fato de que, embora haja um

único nódulo para concordância, existe uma alomorfia entre as séries de

concordância I e II, que são realizadas em uma única posição prefixal. Esta alomorfia

reflete uma relação de concordância que o complexo v-VP estabelece com o

especificador mais próximo: a série II é acionada no contexto em que há

deslocamento do objeto 1O/2O para a posição de Spec-Asp; e a Série I é utilizada

28 Estes traços de pessoa presentes nos nódulos T e Asp serão discutidos na seção 3.2., deste

Capítulo.

120

na situação em que somente o sujeito se move para Spec-TP, para checar caso

nominativo.

Outra evidência, que corrobora a hipótese de que há na sintaxe duas

posições que desencadeiam concordância e que o componente morfológico realiza a

Fusão destas duas posições, se relaciona ao fato de existir na língua Avá prefixos

portmanteau, de concordância simultânea com sujeito e objeto. A questão destes

prefixos da Série III será discutida, em detalhe, na subseção 4.1.

Finalmente, o componente morfológico opera um último movimento

morfológico descendente por Abaixamento, no qual o nódulo fundido [T, Asp]

descerá até v, local no qual ocorrerá a Inserção Vocabular, como mostra a estrutura

em 49.

49. ABAIXAMENTO DE [T, ASP] ATÉ V:

AspP

V

obj Asp’

V

[T, Asp] vP

V

suj v'

[T, Asp] + v ...

121

Nesta situação, representada pela estrutura em 48, não haverá a

realização de Fusão entre os núcleos [T, Asp] e v, uma vez que existem duas

posições prefixais independentes para realização de concordância: o núcleo fundido

[T, Asp], no qual ocorre a Inserção dos marcadores de pessoa das Séries I, II e III; e

o núcleo v, no qual são implementados os prefixos relacionais, como mostram os

exemplos a seguir.

Exemplo 32.

a. a-h-echa “eu vejo”

b. che-r-echa “me vê”

c. ro-h-echa “te vejo”

Como é possível verificarmos nos exemplos em 32, os núcleos [T, Asp] e

v são irmãos sob o nódulo categorial v, i.e., permanecem adjacentes sem,

entretanto, se unirem em um único nódulo, uma vez que dois Itens Vocabulares

distintos são acionados inserindo dois expoentes fonológicos diferentes. Este núcleo

complexo em v, como vemos na estrutura em 50, será o domínio local para a

realização da Inserção Vocabular e das regras de Empobrecimento.

122

50. NÚCLEO V

V

[Asp,T]° v°

Com relação ao núcleo V lexical, a hipótese que assumimos é a de que

este sobe até o núcleo v (leve) ainda na sintaxe, formando o complexo [v° +V°].

Tendo em vista o posicionamento pré-verbal do advérbio, conforme averiguamos nos

testes realizados, é possível argumentarmos que o verbo não se move para fora do

vP.

3.2. INSERÇÃO VOCABULAR E OS ITENS VOCABULARES EM [T, ASP]

Um pressuposto importante para a MD é o de que, em uma derivação

sintática, os núcleos funcionais não apresentam informação fonético-fonológica,

assim, (Cf. EMBICK; HALLE, 2004) uma das funções da Morfologia é fornecer traços

fonológicos aos morfemas abstratos manipulados pela sintaxe. Este mecanismo de

suprimento é denominado de Inserção Vocabular.

Nesta seção, iremos retomar, brevemente, os movimentos argumentais e

os mecanismos de concordância ocorridos na sintaxe e discutiremos o processo de

realização desta concordância implementado pelo componente morfológico, por meio

123

da Inserção Vocabular. Trataremos, aqui, especificamente, da realização dos

marcadores de pessoa das Séries I e II. A realização da Série III, de prefixos

portmanteau, será discutida na subseção 4.1 deste Capítulo.

Conforme apresentamos, existe uma alomorfia entre os marcadores das

Séries I e II condicionada pela pessoa que figura na posição de sujeito e de objeto.

Tendo em vista o quadro da MD, propomos que estes marcadores de pessoa são

parte do inventário de expoentes fonológicos inseridos no nódulo fundido [T, Asp] de

concordância em v e os morfemas abstratos presentes neste nódulo de

concordância são compostos por complexos de traços de pessoa (HALLE, 1997),

conforme mostramos em 51.

51. TRAÇOS DE PESSOA (HALLE, 1997):

a. [+AUTOR, +PARTICIPANTE]29 = {1}

b. [- AUTOR, +PARTICIPANTE] = {2}

c. [- AUTOR, - PARTICIPANTE] = {3}

Halle (1997) mostra que, dados os traços que compõem o paradigma em

51, seria esperada a existência de uma quarta pessoa [+AUTOR, - PARTICIPANTE]. O

autor pontua que, de fato, esta pessoa pode ser encontrada em algumas línguas

como o Walbiri (HALE, 1973 apud HALLE, 1997), nas quais a quarta pessoa

29 Doravante: [αA, αP].

124

apresenta o referente “eu e alguém mais, mas não você”. Esta quarta pessoa se

difere das outras pessoas por não apresentar a forma singular, uma vez que,

segundo Halle (1997), esta composição [+AUTOR, - PARTICIPANTE] não poderia ser

realizada por uma única pessoa. Também em Avá, esta quarta pessoa pode ser

encontrada na primeira pessoa plural exclusiva {ore}, e será fundamental para

discutirmos o estatuto dos prefixos portmanteau, na subseção 4.1.

Tendo em vista a operação de Fusão ocorrida, somente um Item

Vocabular pode ser inserido (Cf. HALLE; MARANTZ, 1993) e este deve apresentar

um subconjunto de traços morfossintáticos do nódulo fundido, incluindo os traços de

ambos os nódulos presentes no input.

A hipótese que defendemos aqui é a de que o argumento posicionado no

especificador mais próximo ao complexo v-VP será responsável pelo controle da

concordância. Desse modo, se o objeto é de primeira ou segunda pessoa, este

sofrerá deslocamento sintático para uma posição externa a VP. Conforme

assumimos, esta posição é o especificador de uma projeção AspP, em um domínio

imediatamente acima do complexo v-VP, como mostra a estrutura em 52.

125

52. DESLOCAMENTO DOS ARGUMENTOS:

TP

V

suj T’

V

T AspP

V

obj Asp’

V

Asp vP

V

(adv) vP

V

suj v'

V

v VP

V

V obj

Na estrutura sintática em 52, percebemos que o objeto, quando

pressuposto, i.e., 1O/2O, se move para Spec-AspP. Neste contexto, então, o objeto

será responsável pelo controle da concordância no núcleo do predicado verbal, já

que este argumento está posicionado no especificador mais próximo ao complexo v-

VP.

126

A proposta que aventamos é a de que o núcleo de concordância fundido

[T, Asp] apresentará, nesta situação, depois de ocorridas as operações pós-

sintáticas, um complexo de traços de pessoa [αA, βP], referente ao objeto. No

momento em que o componente morfológico realiza a Inserção Vocabular, os

expoentes fonológicos da Série II serão inseridos neste núcleo de concordância [T,

Asp] em v, uma vez que estes expoentes da Série II são marcas de concordância

com o objeto, ou seja, apresentam um conjunto de traços morfossintáticos relevantes

para este contexto de Inserção. Apresentamos, a seguir, os Itens Vocabulares que

inserem expoentes neste contexto.

53. ITENS VOCABULARES EM [T, ASP] REFERENTES AO OBJETO:

a. /che-/↔ [+A, +P]O

b. /ne-/↔ [-A, +P]O

c. /i-/↔ [±PL] /__ [-A, -P]O

d. /ñane-/↔ [+PL] /__ [+A, +P]O

e. /ore-/↔ [+PL] /__ [+A, -P]O

f. /pene-/↔ [+PL] /__ [-A, +P]O

Por outro lado, se o objeto é não-pressuposto, i.e., 3O, este permanecerá

in situ, interno ao VP, como vemos em 54.

127

54. OBJETO IN SITU:

TP

V

suj T’

V

T AspP

V

Asp’

V

Asp vP

V

(adv) vP

V

suj v'

V

v VP

V

V obj

Na estrutura sintática em 54, existe uma única posição em TP ativa

para concordância. Desse modo, o sujeito posicionado em Spec-TP será

responsável pelo controle da concordância no núcleo V. De maneira análoga à

análise sugerida acima, neste contexto, propomos que o núcleo de concordância [T,

Asp], resultante das operações pós-sintáticas, apresentará, no componente

morfológico, um complexo de traços de pessoa [αA, βP], referente ao sujeito.

128

Nesta situação, a Morfologia realizará a Inserção Vocabular, no núcleo

fundido [T, Asp], dos expoentes fonológicos da Série I, que são marcas de

concordância com o sujeito. Os Itens Vocabulares que inserem expoentes neste

contexto são apresentados em 55.

55. ITENS VOCABULARES EM [T, ASP] REFERENTES AO SUJEITO:

a. /a-/↔ [+A, +P]A

b. /re-/↔ [-A, +P]A

c. /o-/↔ [±PL] /__ [-A, -P]A

d. /ja-/↔ [+PL] /__ [+A, +P]A

e. /ro-/↔ [+PL] /__ [+A, -P]A

f. /pe-/↔ [-A, +P]A

Em suma, a Morfologia modifica o output da sintaxe, por meio das

operações de Abaixamento e de Fusão, e atribui conteúdo fonológico aos traços

abstratos manipulados pelas operações ocorridas na sintaxe. Esta codificação

realizada pela Morfologia explica a alomorfia existente entre as séries de

concordância, uma vez que a Inserção de expoentes das Séries I e II está

condicionada ao feixe de traços presente no nódulo fundido de concordância [T,

Asp] em v.

129

Desse modo, os marcadores da Série I serão inseridos quando o

complexo de traços de pessoa em [T, Asp] se refere ao sujeito, no contexto em que

há somente uma posição, em TP, ativa para concordância. Por outro lado, os

marcadores da Série II serão inseridos em [T, Asp], quando os traços de pessoa

presentes neste núcleo se referem ao objeto. Esta situação é decorrente do

movimento do objeto para Spec-AspP. De acordo com o que argumentamos, esta

posição controla a concordância no núcleo do predicado verbal, em virtude de ser o

especificador mais próximo ao complexo v-VP.

3.3. INSERÇÃO VOCABULAR EM v

Conforme apresentamos, existem outros prefixos denominados relacionais

{r- ~ Ø-} e {h- ~ i-} (GREGÓRES; SUÁREZ, 1967; MONSERRAT, 1976;

RODRIGUES, 1984/85; SEKI, 1990, 2000), que figuram no núcleo do predicado

assinalando uma relação de concordância que este estabelece com o seu

complemento. Propomos, neste trabalho, que estes prefixos são expoentes

fonológicos inseridos em v e o morfema abstrato presente neste nódulo é composto

pelos traços [αPARTICIPANTE]. Em outras palavras, os prefixos relacionais são o spell

out do núcleo v, resultantes de uma relação de concordância que o núcleo V lexical

130

estabelece com o argumento interno. Este argumento pode apresentar valores

positivos ou negativos para o traço [PARTICIPANTE].

Tomando por base os traços binários de pessoa, propostos por Halle

(1997), podemos assinalar que os argumentos internos que apresentam os traços

[+A, +P] ou [-A, +P] desencadeiam o uso dos prefixos {r- ~ Ø-}. Por outro lado,

argumentos internos compostos pelos traços [-A, -P], desencadeiam a

implementação dos prefixos {h- ~ i-}. Esta alomorfia existente entre os prefixos

relacionais, sumarizada na Tabela 08, é retomada a seguir na Tabela 11.

Tabela 11: Prefixos Relacionais

[+P] [-P]

Raiz iniciada por Consoante Ø- i-

Raiz iniciada por Vogal r- h-

Apresentamos, a seguir, os Itens Vocabulares que inserem expoentes no

núcleo v.

56. ITENS VOCABULARES EM V:

a. /r-/ ↔ [αA, +P]O /__ { }

b. /Ø-/ ↔ [αA, +P]O /__ { }

c. /h-/ ↔ [αA, -P]O /__ { }

d. /i-/ ↔ [αA, -P]O /__ { }

131

Nos Itens Vocabulares em 56, é possível verificarmos que o traço

[PARTICIPANTE] é determinante na seleção dos Itens a serem inseridos. Além disso, a

realização de traços fonológicos aos traços abstratos de [αA, βP]O, do núcleo de

concordância em v, atenta para uma condição adicional de Inserção que é a

identidade da Raiz. Ou seja, como os traços de pessoa estão no mesmo constituinte

da Raiz quando a Inserção Vocabular ocorre, o segmento inicial dessa Raiz, se vogal

ou consoante, imprime uma condição contextual à escolha do expoente para o

nódulo de [αA, βP]O.

Nesta dissertação, não assumiremos que estes prefixos relacionais

podem ser entendidos como marcadores inversos, nos termos propostos por Payne

(1994b), em virtude do variado número de contextos morfossintáticos (construções

genitivas, sentenças intransitivas inativas e sintagmas posposicionais) em que estes

prefixos ocorrem como foi sinalizado por Martins (2003) e por Velázquez-Castillo

(2008). Estes contextos não estão em foco neste trabalho e por isso mesmo, não

foram investigados com rigor necessário.

Argumentamos que existe, em Avá, uma evidência sintática da chamada

inversão da hierarquia de pessoa que é o deslocamento do objeto para uma posição

externa a vP, como evidenciamos nos testes com advérbios, apresentados no

Capítulo II. Desse modo, nesta proposta, os prefixos relacionais serão tratados como

marcas de concordância em v com o argumento interno [αPARTICIPANTE].

132

4. 1A, 2O EM AVÁ: ASPECTOS SINTÁTICOS E MORFOLÓGICOS

No Capítulo II desta dissertação, mostramos que a construção 1A, 2O, em

Avá, apresenta características particulares que a diferenciam das demais

combinações de pessoa dos argumentos nucleares, nos verbos transitivos. Estas

características são: (i) a ordem sintática (o objeto pode figurar tanto pré como pós-

verbal); (ii) as marcas –vy e –me obrigatórias no objeto singular e plural,

respectivamente; (iii) a Série III de concordância, que é específica para este contexto

de 1A e 2OSG/PL; e (iv) o prefixo relacional acionado é o {h-}, embora o objeto seja

[+PARTICIPANTE].

Estas características sintáticas e morfológicas se assemelham a certos

fenômenos sintáticos comumente encontrados em línguas ergativas, como

antipassivas, antipassiva espúria, foco de objeto e foco de sujeito. Esta semelhança

se deve, principalmente, a dois aspectos: (i) a influência da categoria de pessoa dos

argumentos nucleares sobre estes fenômenos sintáticos; e (ii) o aparecimento de

concordância espúria30 no núcleo do predicado verbal.

30 Em determinados fenômenos sintáticos, como antipassiva espúria, foco de sujeito e foco de objeto,

é recorrente o aparecimento de concordância excêntrica no núcleo do predicado verbal como, por

exemplo, concordância intransitiva em construções transitivas; e/ou concordância intransitiva

controlada pelo sujeito ergativo. Sobre concordância espúria veja Hale e Storto (1997); Storto (1999);

Hale (2002); Bobaljik e Branigan (2006).

133

Abordaremos, a seguir, três trabalhos trazem conceitos fundamentais para

a análise que proporemos acerca da construção 1A, 2O em Avá: Storto (1999), sobre

concordância excêntrica nas construções de foco de objeto em Karitiana; Nevins e

Sandalo (2010), sobre a obrigatória antipassivização com argumento ALVO {1} em

Kadiwéu; e Bobaljik e Braningan (2006), sobre o fenômeno da antipassiva espúria

em Chukchi.

Storto (1999) aponta que em Karitiana (Família Arikém) existe uma

construção que envolve movimento do objeto para a posição inicial da sentença,

tanto na matriz como em sentenças subordinadas não-declarativas. Esta construção

é marcada pela presença do prefixo {ti-} e ocorre em três ambientes sintáticos: (i)

quando o objeto é focado; (ii) em sentenças relativas nas quais o núcleo é o objeto;

(iii) quando existe movimento-wh do objeto.

Uma questão interessante relacionada ao foco de objeto em Karitiana é o

surgimento de um padrão excêntrico de concordância, no qual o verbo concorda com

o sujeito ergativo, ao contrário do que seria esperado, uma vez que estas sentenças

são transitivas, como mostram os exemplos a seguir.

Exemplo 33.

a. ‘Ep aj-ti-pasagngã-t ajxa

trees 2pl-OFC-count-nfut 2pl

“Trees, you-pl are counting”.

134

b. ‘Ep i-ti-pasagngã-t João

trees 3-OFC-count-nfut João

“Trees, João is counting”.

Storto (1999) assinala que este padrão de concordância é realmente

excêntrico em virtude de serem transitivas estas sentenças, quer dizer, se estas

sentenças fossem intransitivas, com o objeto oblíquo não marcado (i.e. antipassivas),

a concordância com o sujeito não seria excepcional. Contudo, em Karitiana, os

objetos oblíquos são tipicamente marcados pelo sufixo {-ty}, além disso, o objeto,

nas construções com foco, não pode ser omitido, o que indica que estas construções

são realmente transitivas.

Nevins e Sandalo (2010) mostram que em Kadiwéu ocorre uma

antipassivização obrigatória do objeto direto quando o argumento ALVO é uma

primeira pessoa. Antipassiva é uma estrutura em que ocorre, conforme os autores, a

lateral ‘demotion’of the Direct Object into a vP adjoined PP (Ibidem, p. 19), como

mostra a estrutura abaixo.

135

57. ESTRUTURA ANTIPASSIVA EM KADIWÉU (Ibidem, p. 20)

vP

vP PP

V !

DP v’P Displaced-DO

! V

Agent v ApplP

!

v -ta-

Os autores apontam que a antipassivização em Kadiwéu apresenta uma

variedade de usos como, por exemplo, indicar ações não realizadas, conotando uma

leitura irrealis do evento. Um destaque é o uso puramente formal da antipassiva, não

apresentando, portanto, conseqüências interpretativas: a obrigatória antipassivização

do objeto direto quando o objeto indireto é {1}, como mostram os exemplos abaixo.

Exemplo 34.

a. *iqeen- i- ta- i- wa

introduce- Pl- Appl- 1Obj- Inv2

“He introduces them to me”. (Ibidem, p. 21)

136

b. n- iqeen- i- ta- i- wa

AP- introduce- Pl- Appl- 1Obj- Inv2

“He introduces them to me”. (Ibidem, p. 21)

Sumarizando, o argumento ALVO {1} engatilha antipassivização do

argumento TEMA em Kadiwéu. Os autores capturam esta restrição da seguinte

maneira:

58. RESTRIÇÃO:

*[1IO XDO]ApplP

A restrição em 12 é uma evidência, conforme Nevins e Sandalo (2010),

de que a primeira pessoa é marcada em Kadiwéu, por isso não pode figurar em um

mesmo ambiente com outros DPs. Este filtro se relaciona, ainda, segundo os

autores, aos efeitos de Pessoa-Caso que, sintaticamente, banem certas

combinações de argumentos no mesmo domínio de ApplP (Cf. NEVINS, 2007).

Bobaljik e Braningan (2006) discutem fatos semelhantes a estes do

Kadiwéu em Chukchi (Chukotko-Kamchatkan), língua ergativa falada no norte da

Rússia. Os autores mostram que esta língua apresenta dois tipos de voz antipassiva:

uma canônica e outra espúria. Na antipassiva (canônica), o objeto direto é expresso

como oblíquo. Isto significa que esta construção é formalmente intransitiva, tanto em

137

marcação de caso quanto nas propriedades de concordância, como mostram os

exemplos em 35.

Exemplo 35.

a. /aacek-a kimit/-n ne-n/etet-n

youth-ERG load-ABS 3PL.SUB-carry-3SG.OBJ

‘(The) young men carried away the load’ (Ibidem, p.4)

b. /aacek-t ne-n/etet-/et kimit/-e

youth-PL(ABS) 3PL.SUB-carry-3SG.OBJ load-INSTR

‘(The) young men carried away the load’ (Ibidem, p.4)

Entretanto, existem determinadas combinações de pessoa-número, nas

quais o objeto é mais alto que o sujeito na hierarquia, que não são expressas da

maneira esperada. Nestas combinações (*3SG > 1SG; *2 > 1), a morfologia

antipassiva é usada no verbo, embora a sentença permaneça transitiva, i.e., o

sistema de marcação de caso ergativo-absolutivo é mantido. Esta construção é

rotulada por Hale (2002 apud BOBALJIK; BRANIGAN, 2006) como antipassiva

espúria (doravante SPA), em virtude da morfologia antipassiva, ainda que

obrigatória, não apresentar efeitos na sintaxe ou na semântica destas construções,

como é possível verificarmos no exemplo a seguir.

138

Exemplo 36.

a. -nan m Ø-ine-/u-/i

he-ERG I (ABS) 3SG.SUB-AP-see-3SG.SUBJ

‘He saw me.’ (Ibidem, p.6)

A análise de Bobaljik e Braningan (2006)31 para as construções de SPA,

em Chukchi, parte da premissa de que o núcleo v nesta língua não é capaz de

checar/licenciar caso absolutivo ao argumento interno. Assim, sujeito e objeto se

movem para o domínio de T para checarem seus traços de caso. Os autores

argumentam, dessa maneira, que um único núcleo pode checar caso estrutural32 de

dois argumentos, se for necessário por convergência.

31 Os autores assumem nesta proposta que a morfologia é pós-sintática nos termos propostos pela

Morfologia Distribuída (Halle; Marantz, 1993).

32 Os autores apresentam evidências de que, nesta língua, o caso ergativo é estrutural (e não

inerente), checado pelo núcleo T, como mostram as seguintes afirmações:

For Chukchi, at least, arguments in favour of treating the ergative as a

structural case come from the fact that the ergative argument is an intimate

part of the agreement system, and from evidence that the ergative is not tied

to thematic roles or lexical properties of verb roots (contrast Quirky Case in

Icelandic). Case in Chukchi is controlled by transitivity, not by theta-roles,

and the external argument is a full participant in the system of case

alternations in verbal diathesis in the language (see especially, Nedjalkov,

1976). Thus, agents in Chukchi (unlike Basque and Hindi) are obligatorily

absolutive (not ergative) when there is no object requiring structural

case. This can be seen in unergatives (Polinsky, 1990), antipassives,

unspecified object verbs such as eat, and noun-incorporation structures.

139

Na sentença antipassiva, que é uma intransitiva derivada, existe somente

uma instância de checagem de caso em T, desse modo, o objeto não deixa o

domínio de v-VP. Na SPA, entretanto, que é uma transitiva normal, o objeto se move

para T para receber caso. Como os autores pontuaram, a SAP é obrigatória em

determinadas construções inversas, nas quais o objeto é mais alto que o sujeito na

hierarquia de pessoa-número. Assim, quando estes dois argumentos estão em uma

relação de checagem com o mesmo núcleo funcional, ocorrerá, no mapeamento

para o componente morfológico, o apagamento de traços de um dos argumentos,

especificamente, do argumento mais baixo, i.e., do objeto.

Este apagamento dos traços do objeto em T, na Morfologia, prevê a

ativação dos traços do objeto na cópia que figura em uma posição mais baixa na

cadeia33. Isto possibilita que o vP seja interpretado como antipassivo, quer dizer,

com o objeto interno ao complexo v-VP. Assim sendo, a morfologia antipassiva

espúria é implementada neste contexto transitivo.

Additionally, non-agent subjects such as (instruments, experiencers,

causers, etc.) productively alternate in case, being marked ergative when

they end up as the subject of a transitive clause. (Ibidem, p. 13)

33 Bobaljik e Braningan (2006, p.8) apontam que:

Now, recent work in the syntax of chains has shown that the automatic

consequence of the deletion of a higher copy in a chain is the exceptional

activation of a lower copy. This results, for example, in arguments appearing

to be pronounced in unexpectedly low positions, in response to morpho-

phonological conditions on the high position.

140

Conforme mostramos, em Avá, as construções 1A, 2O apresentam

aspectos particulares que as diferenciam das demais construções nas quais um

argumento de terceira pessoa (i.e. 3A/O) está envolvido. A hipótese que iremos aqui

sugerir compreende estes aspectos como resultantes de uma interação entre a

categoria de pessoa dos argumentos nucleares e os fenômenos gerativos e

interpretativos dos componentes sintático e morfológico, respectivamente.

Tendo em vista os trabalhos supracitados, defendemos a proposta de que

na construção 1A, 2O, em Avá, existe uma restrição34 de pessoa que bane a

ocorrência do argumento interno 2O no mesmo domínio de concordância (TP

expandido) do argumento externo 1A, como mostra a estrutura a seguir.

34 Existem diversos trabalhos, dentro da teoria sintática, que abordam as restrições de Pessoa-Caso

(Person-Case Constraints - PCC), como os de Bonet (1991, 1995); Anagnostopoulou (2003, 2005);

Adger; Harbour (2006); Nevins (2007); entre outros. Estas restrições banem sintaticamente

determinadas combinações de argumentos em um mesmo domínio de checagem; por exemplo, em

Catalão e no Grego Moderno (Cf. BONET, 1991; NEVINS, 2007) não são permitidos dois argumentos

[+1]/[+2] nos verbos ditransitivos.

141

59. ESTRUTURA DA CONSTRUÇÃO 1A, 2O:

TP

V

[1A] T’

V

T AspP

V

[2O] Asp’

V

Asp ...

Esta restrição pode ser capturada da seguinte maneira:

60. RESTRIÇÃO:

*[1A 2O]TP

Partindo da proposta de Bobaljik e Braningan (2006), propomos que esta

estrutura, gerada pela sintaxe, ao ser mapeada para o componente morfológico será

submetida às regras de Empobrecimento (BONET, 1991; HALLE; MARANTZ, 1993,

1994), que irão apagar parte dos traços-φ do argumento mais baixo, i.e., do objeto.

Bobaljik e Branigan (2006) notam que a operação de apagamento se

aplica somente aos traços de concordância e não ao real objeto (DP/pronome), o

qual participa normalmente da sintaxe, inclusive na marcação de caso. Desse modo,

142

sugerimos a hipótese de que, em Avá, o objeto 2O checa seu caso acusativo,

licenciado pelo núcleo V, e se move para Spec-AspP para checar traços de

pressuposição. Nesta posição, este argumento torna-se ativo para concordância.

Entretanto, em virtude da presença do sujeito 1A na posição de Spec-TP e da

restrição *[1A 2O]TP, o objeto terá seus traços de pessoa apagados no nódulo de

concordância, no mapeamento para o componente morfológico, por meio de uma

regra de empobrecimento específica da língua Avá.

Com relação à ordem sintática e a possibilidade de realização do objeto

tanto pré como pós-verbal, apontamos, por hora, descritivamente, que ambas as

posições, em uma cadeia de cópia, podem realizar-se em Avá, contudo, em

distribuição complementar. As possibilidades de PF outputs são sumarizadas a

seguir.

61. PF OUTPUTS:

S V

a. che ro-h-echa

S O V

b. che ndevy ro-h-echa

S V O

c. che ro-h-echa ndevy

143

S V

d. che po-h-echa

S V OPL

e. che po-h-echa peeme

S OPL V

f. che peeme po-h-echa

Como notamos em 61, existem duas questões relevantes associadas à

ordem sintática destas construções: (i) o objeto não precisa necessariamente ser

realizado; (ii) se o objeto se realiza, este deve vir acompanhado, obrigatoriamente,

das marcas –vy (objeto singular) e –me (objeto plural)35. Estas questões, entretanto,

deverão ser melhor investigadas em trabalhos futuros.

Em suma, existe uma notável influência da categoria de pessoa sobre

este fenômeno sintático. Esta influência nos permite estabelecer um paralelo entre a

construção 1A, 2O, em Avá, e determinados fenômenos sintáticos, comumente

encontrados em línguas ergativas, como antipassivas (NEVINS; SANDALO, 2010) e

antipassiva espúria (HALE, 2002; BOBALJIK; BRANIGAN; 2006), entre outros.

35 Em Guarani Paraguaio, a marca -ve (ndéve), que corresponde a este elemento –vy, é tratada como

posposição “a ti” (GUASCH; MELIÀ, 2005). Rodrigues (1990) interpreta as marcas –βe (eneβe) e –me

(pe/eme), em Tupinambá, como marcas de caso dativo.

144

Tomando por base estas considerações, propusemos que na construção

1A, 2O, em Avá, existe uma restrição de pessoa que bane a ocorrência do

argumento interno 2O, i.e., outro argumento [PARTICIPANTE], no mesmo domínio de

concordância (TP expandido) do argumento externo 1A.

Desse modo, sugerimos a hipótese de que o objeto 2O checa seu caso

acusativo, licenciado pelo núcleo V, e se move para Spec-AspP para checar traços

de pressuposição. Nesta posição, este argumento torna-se ativo para concordância.

Entretanto, em virtude da presença do sujeito 1A na posição de Spec-TP e da

restrição *[1A 2O]TP, o objeto terá parte de seus traços-φ apagados (Cf. BOBALJIK;

BRANIGAN, 2006), no mapeamento para o componente morfológico.

Isto significa que, nesta situação, existem duas posições em TP ativas

para concordância: Spec-TP e Spec-AspP. Assim sendo, na morfologia, em virtude

da operação de fusão, o núcleo fundido de concordância [T,Asp] será composto por

feixes de traços de ambos os argumentos, como mostram as estruturas em 62.

145

62. FUSÃO DE T E ASP EM ASP:

a. INPUT b. OUTPUT

ASP T, ASP

V #

T Asp [+A,+P]A

# # [-A,+P]O

[+A,+P]A [-A,+P]O

Contudo, em virtude da restrição de pessoa *[1A 2O]TP, o objeto terá parte

de seus traços de pessoa apagados, na Morfologia, por meio de uma regra de

Empobrecimento (BONET, 1991; HALLE; MARANTZ, 1993, 1994), específica da

língua Avá. Dessa maneira, o objeto não será responsável isoladamente pelo

controle da concordância, embora esteja posicionado em Spec-AspP, i.e., o

especificador mais próximo ao complexo v-VP. A concordância, nesta situação, se

dará em associação com o argumento externo, posicionado em Spec-TP. Quer dizer,

ambos os argumentos serão responsáveis, conjuntamente, pelo controle da

concordância.

A evidência para esta proposta se relaciona à realização dos prefixos

portmanteau, da Série III, que são marcas de concordância simultânea com sujeito e

objeto. Estes prefixos são utilizados especificamente neste contexto em que 1A, 2O,

conforme discutiremos detidamente na próxima seção.

146

A noção fundamental aqui defendida é a de que a primeira pessoa é

marcada em Avá. Isto gera, neste contexto, duas principais conseqüências: (i) o

sujeito de primeira pessoa bane a ocorrência de outro argumento [PARTICIPANTE] em

um mesmo domínio de concordância; e (ii) a primeira pessoa não pode ser apagada,

i.e., esta deve ser realizada por concordância, no núcleo do predicado verbal,

mesmo quando existe outro argumento posicionado em um especificador mais

próximo ao complexo v-VP.

Aqui, cabe-nos retomar a discussão proposta por Noyer (1992) com

relação aos filtros morfossintáticos e à hipótese da hierarquia de traços, repetida

abaixo em 63.

63. A HIPÓTESE DA HIERARQUIA DE TRAÇOS (NOYER, 1992, p.94):

Existe uma hierarquia universal de traços morfossintáticos. Se F e G são

traços morfossintáticos e F é mais alto que G na hierarquia, então:

a. Se *[αF,βG] está ativo na Morfologia, então [αF,βG] será empobrecido

para [αF].

b. Se existem duas regras de spell-out, uma se refere a F e a outra a G,

que separam ou sobrepõem descrições estruturais (SDs), a regra que

se relaciona a F deverá ser aplicada primeiro.

147

A partir destas noções, é possível propormos um filtro morfossintático que

implementa, no componente morfológico, a restrição de pessoa *[1A 2O]TP. Este

filtro atua no sentido de empobrecer, ou seja, de apagar o traço [PARTICIPANTE] do

feixe de traços referente ao objeto. Apresentamos, em 64, o filtro morfossintático

proposto; e em 65, representamos, em uma geometria de traços (Cf. NOYER, 1992),

o traço que será apagado pela regra de Empobrecimento aplicada em PF.

64. FILTRO MORFOSSINTÁTICO:

*[αA, βP]O

65. REGRA DE EMPOBRECIMENTO:

AGR

A

P

Seguindo a proposta de Noyer (1992), argumentamos que o filtro *[αA,

βP]O está ativo na Morfologia e A > P, então, o feixe de traços [αA, βP]O será

empobrecido para [αA]O, como mostra a geometria em 65. Representamos, a seguir,

o mecanismo de Empobrecimento do nódulo [T, Asp].

148

66. EMPOBRECIMENTO DO NÚCLEO T, ASP:

a. Situação 1: 1A, 2O.

INPUT OUTPUT

T, ASP FILTRO T, ASP

*[αA, βP]O

[+A,+P] A [+A,+P]A

[-A,+P]O [-A]O

b. Situação 2: 1A, 2OPL.

INPUT OUTPUT

T, ASP FILTRO T, ASP

*[αA, βP]O

[+A,+P] A [+A,+P]A

[-A,+P, PL]O [-A, PL]O

Existem duas motivações para propormos este filtro morfossintático, a

primeira delas se relaciona ao fato da primeira pessoa e, por conseguinte, o traço

[AUTOR], apresentar, em Avá, um status diferencial, especial, em relação às outras

pessoas. Este caráter diferencial da primeira pessoa, em Avá, pode ser notado na

restrição *[1A 2O]TP, que bane a ocorrência de outro argumento [PARTICIPANTE], no

contexto em que 1A.

149

Esta questão parece estar associada a um universal lingüístico de que a

primeira pessoa é, realmente, a mais marcada. Esta característica da primeira

pessoa pode ser capturada, tanto em termos de uma hierarquia universal de pessoa

(ZWICKY, 1977), na qual 1 > 2 > 3, quanto nos termos propostos por Noyer (1992), I

> you.

Parece ser consensual a noção de que a primeira pessoa é

universalmente mais marcada, em relação às outras pessoas, embora as línguas

possam se diferenciar no que compete aos mecanismos de implementação desta

marcação, conforme apontamos em relação ao Kadiwéu (NEVINS; SANDALO,

2010), que exibe um efeito de “segunda pessoa sobre a primeira” na morfologia de

concordância.

A segunda motivação para a proposta do filtro morfossintático*[αA, βP]O,

está associada à restrição sintática que bane a ocorrência de um argumento interno

2O no mesmo domínio de concordância do argumento externo 1A. Esta restrição

sugere a impossibilidade de ocorrência de outro argumento [+PARTICIPANTE] no

mesmo domínio do sujeito [+A,+P]. Isto aponta para a necessidade de apagamento

do traço [PARTICIPANTE] do objeto. Ou seja, tendo em vista a restrição *[1A 2O]TP, o

traço de pessoa do objeto que deve ser, necessariamente, apagado é o de

[PARTICIPANTE].

150

Além disso, como mostra a estrutura em 65.b., o traço de número do

objeto permanece ativo no núcleo [T, Asp], sendo responsável, inclusive, pela

alomorfia entre os prefixos {ro-} e {po-}. Isto indica que somente parte dos traços-φ

do objeto foi apagada no componente morfológico.

Existem, ainda, duas outras evidências do apagamento do traço

[PARTICIPANTE] do objeto: a Inserção do prefixo {ro-}, que é o mesmo expoente

fonológico usado para codificar o sujeito de primeira pessoa plural exclusiva; e o

prefixo relacional {h-}, acionado neste contexto. Estas evidências serão discutidas,

em detalhe, na próxima subseção.

4.1. A INSERÇÃO VOCABULAR NO NÚCLEO [T, ASP] EMPOBRECIDO

Na seção anterior, discutimos que na construção 1A, 2O, em Avá, existe

uma restrição de pessoa *[1A 2O]TP que bane a ocorrência de um argumento interno

2O no mesmo domínio de concordância do argumento externo 1A. Desse modo,

propusemos que, no mapeamento para o componente morfológico, haverá o

apagamento do traço [PARTICIPANTE] do objeto, por meio do filtro morfossintático *[αA,

βP]O. Nesta subseção, trataremos do mecanismo de Inserção Vocabular e dos Itens

151

Vocabulares que inserem os expoentes fonológicos da Série III, de prefixos

portmanteau, neste contexto em particular.

Conforme apresentamos, os marcadores da Série III codificam,

simultaneamente, no núcleo do predicado verbal, sujeito de primeira pessoa e o

objeto de segunda pessoa singular ou plural. Dessa maneira, estes marcadores

apresentam uma alomorfia condicionada pelo traço [PL] do objeto, como mostram os

exemplos a seguir.

Exemplo 37.

a. che ro-h-aihu

1s 1S/2S-REL-amar

“Eu te amo”.

b. che po-i-nupã

1s 1S/2PL-REL-bater

“Eu vos bato”.

Estes prefixos {ro-} e {po-} são compreendidos, nesta proposta, como

expoentes fonológicos inseridos no nódulo de concordância empobrecido [T, Asp],

pelos seguintes Itens Vocabulares.

152

67. ITENS VOCABULARES QUE INSEREM UM EXPOENTE FONOLÓGICO NO NÓDULO

EMPOBRECIDO [T, ASP]:

a. /ro-/↔ [+A,+P]A

[-A]O

b. /po-/↔ [+A,+P]A

[-A, PL]O

Este mecanismo de Inserção Vocabular é, particularmente, interessante

em diversos aspectos. Primeiramente, uma característica notável se relaciona ao

fato do núcleo [T, Asp] apresentar, nesta situação, feixes de traços de ambos os

argumentos. Isto permite caracterizar os expoentes {ro-} e {po-} como prefixos

portmanteau de pessoa, e no caso de {po-}, portmanteau de pessoa-número.

O segundo aspecto interessante se relaciona ao Empobrecimento do

núcleo [T, Asp], em virtude do apagamento do traço [PARTICIPANTE] do objeto. Como

argumentamos, este núcleo fundido é submetido ao filtro morfossintático *[αA, βP]O,

no componente morfológico, para satisfazer a restrição *[1A 2O]TP, que bane a

ocorrência de um argumento [PARTICIPANTE] no mesmo domínio de concordância do

sujeito 1A.

153

O terceiro aspecto relevante é, conforme mencionamos, a alomorfia

existente entre os expoentes {ro-} e {po-}, condicionada pelo traço [PL] do objeto.

Aqui, gostaríamos de destacar um fato bastante relevante acerca do expoente {ro-},

que irá corroborar a hipótese de que, ocorre na Morfologia, apagamento do traço

[PARTICIPANTE] do objeto: o expoente {ro-}, usado neste contexto como portmanteau,

é o mesmo expoente da Série I, que codifica o sujeito de primeira pessoa plural

exclusiva, como mostram os exemplos a seguir.

Exemplo 38.

a. che ro-i-nupã

1s 1S/2S-REL-bater

“Eu te bati”

b. ore ro-h-echa jagua

1EXCL 1EXCL- REL-ver cachorro

“Nós (excl.) vemos o cachorro.”

Como havíamos apontado, Halle (1997) sugere que algumas línguas

apresentam uma quarta pessoa, composta pelo feixe de traços [+AUTOR, -

PARTICIPANTE]. Segundo o autor, esta quarta pessoa apresenta, nestas línguas, o

referente “eu e alguém mais, mas não você”. Desse modo, a quarta pessoa pode ser

localizada na primeira pessoa plural exclusiva, i.e., {1,3}. Estas noções são

154

fundamentais para compreendermos a Inserção Vocabular do expoente {ro-} neste

contexto como portmanteau.

A proposta que aventamos é a de que, neste contexto de Inserção, o

componente morfológico interpreta o complexo de traços presente no nódulo

empobrecido [T, Asp], como sendo esta quarta pessoa descrita por Halle (1997),

pelos seguintes motivos: (i), o complexo de traços em [T, Asp] é composto por feixes

de traços de dois argumentos; isto satisfaz a premissa (Cf. HALLE, 1997) de que a

composição [+AUTOR, - PARTICIPANTE] não poderia ser realizada por uma única

pessoa; (ii) o traço [PARTICIPANTE] do objeto foi apagado, por meio do filtro

morfossintático *[αA, βP]O; desse modo, a ausência do traço [PARTICIPANTE] significa

a exclusão da segunda pessoa, ou seja, o complexo de traços presentes em [T, Asp]

é interpretado como {1,3}.

Em virtude destes dois motivos, a Morfologia promove a Inserção

Vocabular do expoente fonológico {ro-} neste contexto, uma vez que interpreta os

traços presentes em [T, Asp] como sendo aqueles que compõem a quarta pessoa,

i.e., a primeira pessoa exclusiva plural, [+AUTOR, - PARTICIPANTE].

Rodrigues (1990) mostra que, em Tupinambá, a forma verbal para

primeira pessoa plural inclusiva {ya-} é usada também no contexto de terceira

pessoa, como mostram os exemplos a seguir.

155

Exemplo 39.

a. pirá ya-y-psk

fish 1.IN- REL-catch

“We (incl.) caught fish”. (RODRIGUES, 1990, p. 393)

b. moyá kuyá ya-y-su/ú

cobra mulher 1.IN?- REL-bit

“A snake bit the woman”. (RODRIGUES, 1990, p. 393)

Contudo, a forma verbal, interpretada pelos missionários como terceira

pessoa {o-}, também é usada nos contextos que incluem o falante (speaker), como

mostram os exemplos a seguir.

Exemplo 40.

a. kunumi pirá o-y-psk

boy fish 3-REL-catch

“The boy caught fish”. (RODRIGUES, 1990, p. 393)

b. asé pirá o-y-psk

we.all fish 3-REL-catch

“We (all) caught fish”. (RODRIGUES, 1990, p. 393)

Rodrigues (1990) sugere que o sistema de referência pessoal do

Tupinambá é caracterizado por um conjunto de traços que inclui o contraste entre o

falante e o ouvinte em um parâmetro, e a focalização da terceira pessoa em outro

156

parâmetro. Para o autor, o processo de focalizar uma pessoa em um discurso implica

em selecionar esta pessoa de um dado conjunto pragmático; este conjunto pode

incluir outros elementos que são deixados, entretanto, fora do foco.

O contraste entre o falante (speaker) e o ouvinte (hearer), por exemplo,

pode ser salientado ou neutralizado por meio de foco. O contraste é salientado

quando o falante ou o ouvinte são focalizados, de maneira mutuamente excludente;

como evidenciam as seguintes combinações36 de elementos pessoais: {1}, {1 3}, {2},

{2 3}. Por outro lado, o contraste é neutralizado quando tanto falante quanto ouvinte

são focalizados, conjuntamente, como nas combinações {1 2} e {1 2 3}; ou quando

ambos são deixados fora do foco, como na combinação {3}.

Com relação às construções apresentadas em 39.b. e 40.a., que

envolvem dois argumentos de terceira pessoa, Rodrigues (1990) propõe que a

36 Rodrigues (1990, p. 395) aponta que existem sete combinações básicas de elementos pessoais:

{1} – Somente o falante está em foco.

{2} – Somente o ouvinte está em foco.

{3} – Somente a terceira pessoa está em foco.

{1, 2} – Somente o falante e o ouvinte estão em foco.

{1, 3} – Somente o falante e a terceira pessoa estão em foco.

{2, 3} – Somente o ouvinte e a terceira pessoa estão em foco.

{1, 2, 3} – O falante, o ouvinte e a terceira pessoa estão em foco.

157

distribuição dos marcadores ya-/o-, nos verbos transitivos, se relaciona a foco: se o

sujeito, i.e., o agente, está em foco, este é marcado no verbo por {o-}; se, entretanto,

o objeto, i.e., o paciente, está em foco, o sujeito é marcado por {ya-}.

Desse modo, o autor conclui que, em Tupinambá, o marcador {o-} significa

que a terceira pessoa está em foco, e que não existe nenhum contraste entre o

falante e o ouvinte, quer dizer, este marcador significa {(you, I and he)+f}, bem como

{he+f}. De maneira análoga, o marcador {ya-} denota que a terceira pessoa está fora

do foco, e que não existe nenhum contraste entre o falante e o ouvinte, ou seja, este

marcador significa {(you and I)+f and he-f }.

Esta análise proposta por Rodrigues (1990) para o Tupinambá é

particularmente interessante porque aponta para a possibilidade de uma língua Tupi-

Guarani apresentar foco de sujeito; e evidencia a ocorrência do marcador de primeira

pessoa plural inclusiva {1,2}, atuando como [-FOCO], em construções que envolvem

duas terceiras pessoas.

Estas discussões apontadas por Rodrigues (1990) colaboram para a

compreensão dos aspectos morfológicos presentes na construção 1A, 2O, em Avá.

Conforme argumentamos, o prefixo {ro-} atua tanto como primeira pessoa plural

exclusiva, quanto como portmanteau, no contexto em que o sujeito é de primeira

pessoa e o objeto é de segunda pessoa. Seguindo as noções propostas por

Rodrigues (1990), é possível aventarmos que, nas duas ocorrências do prefixo {-ro},

158

este focaliza a primeira pessoa, na medida em que estabelece um contraste entre {1}

e {2}. Quer dizer, a combinação {1,3}, que compõem este marcador, exclui a

segunda pessoa do foco.

Nesse sentido, é possível retomarmos o paralelo que propomos entre a

construção 1A, 2O, em Avá, e os fenômenos sintáticos de antipassiva espúria, foco

de objeto, etc., comumente encontrados em línguas ergativas. Conforme

argumentamos, existem duas características comuns a estas construções: (i) a

influência da categoria de pessoa dos argumentos nucleares sobre estes fenômenos

sintáticos; e (ii) o aparecimento de concordância espúria no núcleo do predicado

verbal.

Esta segunda característica pode ser relacionada ao estatuto do prefixo

{ro-} discutido nesta seção. Quer dizer, o expoente {ro-}37, usado como portmanteau,

pode ser considerado um caso de concordância espúria, uma vez que este é o

mesmo expoente usado como sujeito de primeira pessoa plural exclusiva. Assim, {ro-

} é uma marca de concordância com sujeito, porém, um sujeito espúrio, no sentido

em que este é composto por feixes de traços de dois argumentos {1,3}, excluindo o

argumento [PARTICIPANTE] de sua combinação. E, ainda, esta concordância pode ser

considerada espúria uma vez que esta é, essencialmente, um reflexo morfológico,

37 Para Cardoso (2008), o prefixo {ro-}, em Kaiowá, é marca de concordância ergativa.

159

ocasionado pelas operações realizadas na Morfologia, por motivos de Inserção

Vocabular.

Em suma, propomos que o marcador {-ro} é o expoente fonológico que

corresponde à quarta pessoa [+AUTOR, - PARTICIPANTE] (Cf. HALLE, 1997). Este

expoente é inserido em dois contextos: (i) quando o nódulo [T, Asp] apresenta o feixe

de traços [+A, -P]A, referente ao sujeito de primeira pessoa plural exclusiva; (ii)

quando o nódulo [T, Asp], composto por feixes de traços de ambos os argumentos,

sofre o apagamento do traço [PARTICIPANTE] do objeto. Neste contexto, o prefixo {ro-}

pode ser compreendido como concordância espúria de primeira pessoa, uma vez

que este emerge como um reflexo morfológico, resultado das operações realizadas

pelo componente morfológico.

Com relação ao marcador {po-}, propomos que este é um portmanteau de

pessoa-número, uma vez que o traço [PL] do objeto é determinante para a Inserção

deste expoente fonológico no nódulo [T, Asp] empobrecido. Conforme mencionamos,

este nódulo [T, Asp] é composto pelo complexo de traços [[+A,+P]A, [-A, PL]O]T,ASP.

Desse modo, este marcador codifica, essencialmente, o traço de pessoa do sujeito e

o traço de número do objeto.

Finalmente, é importante assinalarmos que a relação entre os expoentes

portmanteau e os prefixos relacionais, que são os expoentes fonológicos inseridos

160

no nódulo de concordância em v, trazem evidências adicionais para a proposta de

que o traço [PARTICIPANTE] do objeto foi apagado no componente morfológico.

Conforme argumentamos neste Capítulo, os prefixos {h- ~ i-} são marcas

de concordância com o argumento interno [αA, -P], ao passo que os prefixos {r- ~ Ø-}

são marcas de concordância com o argumento interno [αA, +P]. Nas situações em

que os expoentes {ro-} e {po-} são inseridos, os prefixos relacionais acionados são o

{h- ~ i-} e não o {r- ~ Ø-}, como seria esperado, uma vez que o argumento interno é

[-A, +P].

Contudo, conforme propusemos, em virtude do filtro morfossintático *[αA,

βP], o traço [βP] do objeto é apagado por meio de uma regra de Empobrecimento de

PF. Desse modo, no momento em que a Inserção Vocabular ocorre e a Morfologia

interpreta a ausência do traço [PARTICIPANTE] do objeto, os expoentes selecionados

são o {h- ~ i-}, que apresentam valores negativos para o traço [P], como mostram os

exemplos a seguir.

Exemplo 41.

a. che ro-h-echa

1s 1S/2S-REL-ver

“Eu te vejo”.

161

b. che po-i-nupã

1s 1S/2PL-REL-bater

“Eu vos bato”.

Esta Inserção dos expoentes fonológicos {h- ~ i-}, que decorre da

aplicação das regras de Empobrecimento, pode ser relacionada à situação

caracterizada por Halle e Marantz (1994) como “retreat to the general case” (Ibidem,

p. 278), na qual um Item mais especificado perde para um Item menos especificado.

Quer dizer, dado o apagamento do traço [PARTICIPANTE] do objeto, os Itens

Vocabulares que inserem os expoentes {r- ~ ø} que são mais especificados, i.e.,

apresentam valores positivos de [A] e [P], perdem para os Itens que inserem os

expoentes {h- ~ i-}, que são menos especificados. Desse modo, como apontam

Embick e Halle (2004), estas regras de Empobrecimento são uma maneira de se

estabelecer certos sincretismos, por meio da eliminação de traços dos nódulos muito

especificados, alimentando, assim, a aplicação de Itens Vocabulares menos

especificados.

162

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo em vista as discussões que traçamos neste Capítulo, podemos

responder as questões que propusemos na seção 1:

i. Quais são os condicionamentos morfossintáticos presentes na alomorfia entre os

marcadores pessoais das Séries I e II? Com qual núcleo funcional estes

marcadores estabelecem concordância?

A alomorfia existente entre os marcadores de pessoa das Séries I e II

pode ser associada à proposta de que marcadores são expoentes fonológicos

inseridos em um único nódulo de concordância em v. O movimento dos argumentos

interno e externo, para as posições de Spec-AspP e Spec-TP, respectivamente, gera

uma configuração em que há duas posições que desencadeiam concordância. No

entanto, existe somente uma única posição prefixal para a realização de

concordância. Assim, argumentamos que ocorre na Morfologia a operação de

Abaixamento, na qual o núcleo T desce até o núcleo Asp. Em seguida, o

componente morfológico executa uma operação de Fusão, que une dois nódulos

terminais, que são irmãos sob um único nódulo categorial, em um único nódulo

163

terminal. Este núcleo fundido [T, Asp] desce novamente por Abaixamento até v, local

no qual ocorrerão as regras de Empobrecimento e a Inserção Vocabular.

Propusemos, também, que o argumento posicionado no especificador

mais próximo ao complexo v-VP será responsável pelo controle da concordância.

Desse modo, os marcadores da Série I serão inseridos quando o complexo de traços

de pessoa em [T, Asp] se refere ao sujeito, no contexto em que há somente uma

posição de concordância em TP. Por outro lado, os marcadores da Série II serão

inseridos em [T, Asp], quando os traços de pessoa presentes neste núcleo se

referem ao objeto. Esta situação é decorrente do movimento do objeto para Spec-

AspP. De acordo com o que argumentamos, esta posição controla a concordância no

núcleo do predicado verbal, em virtude de ser o especificador mais próximo ao

complexo v-VP

ii. Qual o estatuto dos prefixos portmanteau da Série III? Com qual núcleo funcional

estes prefixos estabelecem concordância? Como esta concordância é

implementada pela Morfologia?

Os prefixos portmanteau são assumidos, nesta proposta, como sendo os

expoentes fonológicos inseridos no nódulo empobrecido [T, Asp], resultante das

operações pós-sintáticas realizadas no componente morfológico. Estes prefixos

164

ocorrem na construção 1A, 2O e são marcas de concordância simultânea com

sujeito e objeto. Conforme propusemos, nesta construção existe uma restrição de

pessoa que bane a ocorrência do argumento interno 2O, i.e., outro argumento

[PARTICIPANTE], no mesmo domínio de concordância (TP expandido) do argumento

externo 1A.

Desse modo, sugerimos a hipótese de que o objeto 2O checa seu caso

acusativo, licenciado pelo núcleo V, e se move para Spec-AspP para checar traços

de pressuposição. Nesta posição, este argumento torna-se ativo para concordância.

Entretanto, em virtude da presença do sujeito 1A na posição de Spec-TP e da

restrição *[1A 2O]TP, o objeto terá parte de seus traços-φ apagados (Cf. BOBALJIK;

BRANIGAN, 2006), no mapeamento para o componente morfológico. Sugerimos,

assim, a existência do filtro morfossintático *[αA, βP], que apaga o traço [βP] do

objeto.

Tendo em vista o apagamento do traço [PARTICIPANTE] do objeto, o

componente morfológico interpreta o complexo de traços presente no nódulo

empobrecido [T, Asp], como sendo a quarta pessoa descrita por Halle (1997):

[+AUTOR, -PARTICIPANTE], i.e., {1, 3}. Sendo assim, a Morfologia realizará a Inserção

Vocabular do expoente fonológico {ro-} neste contexto, que é o mesmo expoente

usado para codificar o sujeito de primeira pessoa plural exclusiva. Esta Inserção

permite que o expoente {ro-}, usado como portmanteau, seja compreendido como

165

um caso de concordância espúria, uma vez que este emerge como um reflexo

morfológico, ocasionado pelas operações realizadas na Morfologia, por motivos de

Inserção Vocabular.

Finalmente, assinalamos que uma evidência adicional do apagamento do

traço [PARTICIPANTE], no contexto de Inserção de prefixos portmanteau, é o fato de

que os prefixos relacionais inseridos, no nódulo de concordância gerado em v, são o

{h- ~ i-}, que são expoentes menos especificados e assumidos como sendo

concordância com argumentos [-P].

iii. Qual a função dos prefixos relacionais {r- ~ Ø-} e {h- ~ i-}? Com qual núcleo

funcional estes prefixos estabelecem concordância?

Os prefixos relacionais {r- ~ Ø-} e {h- ~ i-} são expoentes fonológicos

inseridos em v, assinalando a concordância que este núcleo V lexical estabelece

com o argumento interno. Estes prefixos apresentam uma alomorfia condicionada

pelos traços de pessoa presentes no argumento interno, i.e. [αP], e pelo segmento

inicial da Raiz, se vogal ou consoante.

166

167

V. CONCLUSÕES

Esta dissertação discutiu os aspectos morfológicos e sintáticos

relacionados à hierarquia de pessoa presente na língua Avá. Mostramos que em

Avá, a hierarquia de pessoa 1 > 2 > 3 gera reflexos no sistema de concordância da

língua. Isto significa que a seleção do argumento que será marcado nos verbos

transitivos está condicionada à pessoa que figura na posição de sujeito e de objeto.

Desse modo, existem na língua três séries de concordância: a Série I é

utilizada para assinalar o sujeito, se este for de primeira ou segunda pessoa e o

objeto de terceira pessoa (i.e. 1A ou 2A e 3O), ou se o sujeito e o objeto forem duas

terceiras pessoas (i.e. 3A e 3O); a Série II codifica o objeto, se este for de primeira

ou segunda pessoa e o sujeito for uma terceira pessoa (i.e. 1O ou 2O e 3A), ou

quando o sujeito é de segunda pessoa e o objeto de primeira pessoa (i.e. 2A e 1O);

e a Série III, que codifica simultaneamente sujeito e objeto, quando o sujeito é de

primeira pessoa e o objeto de segunda (i.e. 1A e 2O). Estas séries atuam, ainda, em

uma cisão na codificação do único argumento de verbos intransitivos: Série I

assinala o sujeito intransitivo de verbos ativos e a Série II indica o sujeito intransitivo

de verbos estativos.

168

Além destas três séries de concordância, existem ainda prefixos

denominados relacionais que figuram no núcleo do predicado assinalando a

concordância que este estabelece com seu complemento. Estes prefixos apresentam

uma alomorfia condicionada tanto pelo segmento inicial da raiz, se vogal ou

consoante, quanto pelo traço [PARTICIPANTE] do objeto.

Este trabalho mostrou, também, que a hierarquia de pessoa em Avá afeta

a ordem dos constituintes da língua. A partir de testes com advérbios, evidenciamos

que objetos de primeira e segunda pessoa devem preceder o verbo, gerando a

ordem OV, ao passo que, objetos de terceira pessoa permanecem na posição pós-

verbal, na ordem VO.

A partir destes dados e dos trabalhos de Jelinek e Carnie (2003) e de

Sandalo (2008; 2011) argumentamos que o deslocamento do objeto em Avá pode

ser compreendido como um reflexo sintático ocasionado pela hierarquia de pessoa.

Sugerimos, desse modo, que a noção de inversão morfossintática, proposta por

Payne (1994b), pode ser reinterpretada em termos de movimento sintático.

Defendemos, assim, a hipótese de que argumentos internos de primeira e

segunda pessoa sofrem deslocamento sintático para uma posição pré-verbal,

externa a vP. Este movimento sofrido pelo objeto de primeira ou segunda pessoa em

Avá é motivado pelo fato destes argumentos serem mais pressupostos (i.e. locais,

169

participantes) e, por isso, não podem permanecer internos ao escopo nuclear (VP),

uma vez que não constituem uma variável permitida nesta posição.

Propusemos, então, que esta posição pré-verbal que aloca o objeto

deslocado é o especificador de uma projeção funcional AspP (JELINEK; CARNIE,

2003; SANDALO, 2008; 2011), responsável pela checagem de traços de

pressuposição dos NPs que figuram na posição de argumento interno.

Tendo em vista, principalmente, o quadro teórico da MD, buscamos

discutir neste trabalho que a hierarquia de pessoa é um epifenômeno de interface

entre a Sintaxe e a Morfologia, uma vez que esta se relaciona tanto às manipulações

de traços e aos movimentos ocorridos na Sintaxe, quanto aos mecanismos de

implementação e às regras aplicadas em PF específicas de cada língua.

Desse modo, com relação aos aspectos morfológicos envolvidos na

hierarquia de pessoa em Avá, sugerimos que a estrutura hierárquica gerada pela

sintaxe é interpretada e modificada pelo componente morfológico, na medida em que

este atribui traços fonológicos aos traços abstratos manipulados pela Sintaxe e opera

regras morfológicas específicas da língua Avá.

Argumentamos, então, que o movimento de ambos os argumentos, para

as posições Spec-TP e Spec-AspP, gera uma configuração em que há duas

posições, em um expandido TP, que desencadeiam concordância. Contudo, existe

somente uma única posição para realização desta concordância. Esta estrutura, ao

170

ser interpretada pela Morfologia, é submetida às operações de Abaixamento, na qual

o núcleo T desce até o núcleo Asp em AspP; e de Fusão, que une os núcleos T e

Asp em um único núcleo [T, Asp].

Propusemos, ainda, que o argumento posicionado no especificador mais

próximo ao complexo v-VP é responsável pelo controle da concordância. Assim,

componente morfológico realizará a Inserção Vocabular dos expoentes fonológicos

das Séries I ou II, dependendo se os traços de pessoa presentes no nódulo [T, Asp]

se referem ao sujeito ou ao objeto.

Discutimos, finalmente, os aspectos morfológicos e sintáticos envolvidos

na construção 1A, 2O, em Avá. Assinalamos que esta construção se assemelha a

determinados fenômenos sintáticos comumente encontrados nas línguas ergativas,

como antipassivas, antipassiva espúria, foco de sujeito e foco de objeto (HALE;

STORTO, 1997; STORTO, 1999; HALE, 2002; BOBALJIK; BRANIGAN, 2006,

NEVINS; SANDALO, 2010). Relacionamos esta semelhança se deve a dois

principais aspectos: (i) a influência da categoria de pessoa dos argumentos

nucleares sobre estes fenômenos sintáticos; e (ii) o aparecimento de concordância

espúria no núcleo do predicado verbal.

Tendo em vista este paralelo, buscamos evidenciar que a relação entre os

fenômenos sintáticos e a categoria de pessoa dos argumentos nucleares pode ser

171

localizada em diversas línguas e, inclusive, nos distintos sistemas de caso e

concordância (ergativo-absolutivo, nominativo-acusativo e ergativo cindido).

Propusemos, então, que a construção 1A e 2O, em Avá, exibe uma

restrição de pessoa que bane a ocorrência do argumento interno 2O no mesmo

domínio de concordância (TP expandido) do argumento externo 1A. Argumentamos,

assim, que esta estrutura, gerada pela sintaxe, ao ser mapeada para o componente

morfológico é submetida às regras de Empobrecimento (BONET, 1991; HALLE;

MARANTZ, 1993, 1994), que irão apagar parte dos traços-φ do argumento mais

baixo, i.e., do objeto. Este Empobrecimento do nódulo [T, Asp] é realizado por meio

do filtro morfossintático *[αA, βP], que apaga o traço [PARTICIPANTE] do objeto.

Tendo em vista o apagamento do traço [PARTICIPANTE] do objeto, o

componente morfológico implementa a Inserção Vocabular do expoente fonológico

{ro-} neste contexto, que é o mesmo expoente usado para codificar o sujeito de

primeira pessoa plural exclusiva. Esta Inserção permite que o expoente {ro-}, usado

como portmanteau, seja compreendido como um caso de concordância espúria, uma

vez que este emerge como um reflexo morfológico, ocasionado pelas operações

realizadas na Morfologia, por motivos de Inserção Vocabular.

172

173

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