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História da formação docente no Brasil VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 1 HISTÓRIA DA FORMAÇÃO DOCENTE NO BRASIL

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HISTÓRIA DA FORMAÇÃODOCENTE NO BRASIL

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SUMÁRIO

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INTRODUÇÃO

Constata-se um crescimento significativo do número de estudos, cursos, pesquisase publicações que abordam a atividade lúdica e suas possibilidades como recurso pedagógico.Por outro lado, verifica-se também que, no interior das instituições educacionais, são lentos osavanços na incorporação da brincadeira como um valioso meio de aprendizagem e desenvolvimento.A brincadeira tem sido utilizada, simplesmente, como um momento de relaxamento, descanso edesgaste de energia excedente das crianças. Utilizar a brincadeira como recurso pedagógico,segundo Lima (2003b), exige do educador fundamentação teórico-prática, clareza de princípios ede finalidades. Avanços na superação da dicotomia entre o brincar e o aprender podem ocorrer,quando o professor se apropriar de subsídios teóricos que consigam convencê-lo e sensibilizá-losobre a importância dessa atividade para a aprendizagem e para o desenvolvimento da criança.

A BRINCADEIRA COMO ATIVIDADE PRINCIPAL NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Estudos que pretendem discutir o emprego da brincadeira como recurso pedagógicodevem primeiro se posicionar sobre o papel e a função da Educação Infantil, no contexto históricoatual. Apoiado em Leontiev (1978), ressalto que, na sociedade contemporânea, a Educação Infantilcumpre um papel essencial no processo de formação das gerações mais novas. A espécie humana,diferentemente de outras espécies, não fixa biologicamente as aquisições sociais historicamenteconstruídas, nem consegue transmiti-las por herança genética; depende da mediação que se dá,principalmente, na transmissão pela geração mais antiga da produção cultural alcançada à geraçãomais nova. O homem não nasce com suas capacidades humanas, mas as adquire no interior daspráticas sociais, em estreita relação e comunicação com as outras pessoas (processo interpsíquico)e que permitem a internalização da produção cultural e social para o plano individual (processointrapsíquico). As interferências adequadas, significativas e diversificadas produzem aaprendizagem, ampliam os conhecimentos e desenvolvem capacidades, que possibilitam à criançaa tomada de consciência de si, dos outros e do mundo.

Elkonin (1987) aponta alguns pressupostos que precisam ser considerados, noprocesso de educação da criança; inicialmente, o processo educacional deve se balizar pela buscada coincidência da periodização pedagógica com a periodização do desenvolvimento psíquico;precisa ainda considerar as características gerais do período de desenvolvimento; levar em conta

A BRINCADEIRA COMO ATIVIDADEPRINCIPAL PARA A CRIANÇA

LIMA, José Milton. Faculdade de Ciências e Tecnologia – FCT/UNESP

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as particularidades individuais de desenvolvimento e as condições de vida e educação, nas quaisa criança está inserida; por fim, explorar a atividade principal de cada um dos períodos dedesenvolvimento. A soma desses fatores propiciará o máximo de emprego das potencialidades dacriança, na promoção do seu desenvolvimento completo e multilateral.

O processo de desenvolvimento infantil caracteriza-se pelo aparecimento de estágios,com uma certa seqüência, e neles várias atividades influenciam o desenvolvimento da criança.Dentre as atividades, um tipo específico, em especial, se sobressai e é denominado pela TeoriaHistórico-Cultural, como “atividade principal”.

Leontiev (VYGOTSKY et al., 1988, p.64-65) define a atividade principal como umtipo de atividade que se destaca, entre outras, num determinado estágio, por exercer uma maiorinfluência no desenvolvimento psicológico e na formação da personalidade da criança. Três atributosbásicos caracterizam a atividade principal: primeiro, esse tipo de atividade é responsável pelasprincipais mudanças psicológicas na personalidade infantil; segundo, as influências da atividadeprincipal reorganizam e dão aos processos psíquicos um outro formato; e, por último, a atividadeprincipal de um período serve de base para o surgimento de um outro tipo de atividade, dominanteno período seguinte.

Os fatores que determinam o surgimento da atividade principal nos diferentes estágiossão as condições concretas de vida da criança, que alteram o lugar que ela ocupa no sistema derelações sociais e provocam novas expectativas no adulto. De acordo com Elkonin (1987) e Venguer(1986), no período do nascimento aos sete anos, a vida e as condições de existência da criançasofrem mudanças bruscas e três tipos de atividade principal aparecem e precisam seradequadamente exploradas pelos educadores. A primeira atividade principal surge no período delactância, etapa que se estende do nascimento até o primeiro ano de vida, e se caracteriza pelarelação emocional estabelecida entre o adulto e a criança. A garantia de existência da criança, porintermédio da relação afetiva e emocional, do contato físico, da alimentação, dos cuidados higiênicos,da comunicação, das brincadeiras, do apoio e das condições dadas pelo adulto, torna-se a basepara o desenvolvimento dos equipamentos sensoriais. Esse processo é resultante da maturação edeterminado pela influência social. O adulto exerce um papel central, ao criar as condiçõesnecessárias, muitas vezes até de forma não consciente, para que a criança possa desenvolver eaperfeiçoar a apreensão, a direção psíquica dos movimentos e a percepção visual.

Por volta de um ano de idade, a relação entre criança e adulto é substancialmentealterada. A estreita interação estabelecida, no período de lactância, despertou novas necessidadesna criança. O mundo dos objetos, que ela conheceu a partir do processo de comunicação com oadulto, atraiu a sua atenção e promoveu o surgimento de um novo tipo de atividade principal. Onovo tipo de atividade principal que surge determina importantes alterações psicológicas na criança.Ao atuar com os objetos, a criança não se isola, mas, sob a influência do adulto, conhece, observa,imita, experimenta e manipula os objetos. Segundo Elkonin (1998, p.221), num primeiro momento,a criança internaliza os esquemas gerais de manipulação, depois amplia a sua compreensãosobre a designação dos objetos no contexto social e aprimora as suas operações, que no início sãosoltas, à forma física do objeto e às condições de execução.

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A relação que a criança estabelece com os objetos não se restringe à exploração eà experimentação, mas criam as condições e as premissas para o surgimento da brincadeira.Considerando as suas condições de vida, a criança evolui, progressivamente, no domínio e narealização de ações com os objetos. No decorrer desse processo, aparecem dois tipos detransferência dos objetos. Em alguns casos, afirma Elkonin (1998, 223-225), a criança transfere aação aprendida com objetos para outras situações diferentes. Como exemplo, o autor destaca: “acriança aprendeu a pentear com um pente a própria cabeça, e passa em seguida a pentear aboneca, o cavalo de papelão, o urso de pelúcia (...)”. Em outros casos, faz a mesma ação, porémsubstitui o pente por um outro objeto qualquer, uma régua ou um pedaço de pau. A menina pegaum palito de fósforo sobre a mesa e o utiliza para pentear o cabelo da sua boneca. Verifica-se que,no primeiro tipo de substituição, ocorreu a generalização da ação, no segundo, houve a separaçãodo objeto do esquema de ação. Para a criança, inicialmente, o que interessa é substituir um objetopelo outro; não se preocupa se existe qualquer semelhança com o objeto autêntico: cor, tamanho,forma, textura. Tais atividades são denominadas de atividades lúdicas iniciais e representam atosque a criança observa no mundo adulto: pentear, dar comida, lavar, dirigir, costurar, construir,entre outros.

A evolução dessas atividades lúdicas iniciais vai acontecer por volta dos dois anose meio a três anos, e o que vai determiná-la é o surgimento dos primeiros indícios de papéis. Acriança vai percebendo a semelhança da sua atividade com a do adulto e começa a exercer papéissugeridos por este e por outros personagens que assimila. No fim da infância inicial, por volta dostrês anos, a relação com os objetos deixa de ser a atividade principal e dá origem às brincadeirasde faz de conta ou de papéis. Nesse novo tipo de atividade, a lógica das atividades não está presaaos objetos, mas reflete a lógica das ações reais das pessoas.

Elkonin (1998, p.403-406) destaca que não é a ampliação dos círculos de objetoscom os quais a criança atua que vai determinar o aparecimento da brincadeira, mas sim o mundo“novo” que a criança descobre, no início do período pré-escolar. Antes, esse mundo humanoestava escondido atrás do mundo objetivo; o homem estava encoberto pelos objetos. Nessa novaetapa, a criança enxerga o adulto e toma suas atividades, funções e relações como modelos. Osobjetos, que antes determinavam as ações das crianças, agora passam a ser um meio para queela represente o mundo adulto.

A sensação de vivenciar papéis é carregada de emoção e faz com que a criança seconverta alegremente em adulto, assuma o seu papel e busque uma identificação com este. Pode-se constatar que esse tipo de brincadeira, destaca Elkonin, não opera com a esfera das necessidadesdo mundo infantil, mas com a crescente consciência que a criança adquire do lugar limitado queocupa, no sistema de relações dos adultos. Tais fatores operam um impacto emocional, criam anecessidade e motivam a criança a adentrar na vida dos adultos, apreender as suas funçõessociais e os sentidos da atividade humana. Outras atividades, com certeza, colaboram para oaparecimento dessas necessidades, afirma Elkonin (1998, p.406), mas nenhuma se equipara àbrincadeira, pela forte carga emotiva que desperta na criança, ao levá-la a tomar consciência dasfunções e do significado da vida adulta.

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O espaço da brincadeira só é possível em função de um processo novo que surgena criança, a imaginação. Ela é uma forma especificamente humana de atividade consciente,inexistente nos períodos anteriores da criança e nos animais. Esclarece Leontiev (1988, p.127)que não é a situação imaginária que determina a ação da criança, na brincadeira, mas pelocontrário “são as condições da ação que a tornam necessária e dão origem a ela”. Venguer (1986,p.133) afirma que é na atividade lúdica que se evidencia de forma mais clara a função simbólicada consciência. A criança realiza uma ação e pressupõe outra, utiliza um objeto e leva em contaoutro, isto é, realiza uma ação com caráter simbólico.

A brincadeira, realizada no mundo imaginário, é um tipo de ação livre, não produtiva,pois a criança pode escolher objetos e utilizar diferentes modos de operação. O alvo, segundoLeontiev (1988, p.123), não está preso ao resultado, mas, sim, ao processo, ao conteúdo daprópria atividade. Quando o objetivo dessa atividade se modifica e o resultado se torna o alvoprincipal, essa atividade deixa de ser brincadeira.

A brincadeira, conforme foi destacado, é uma forma de expressão e apropriação domundo das relações, das atividades e dos papéis dos adultos. A criança, por intermédio dasatividades lúdicas, atua, mesmo que simbolicamente, nas diferentes esferas humanas, reelaborandosentimentos, conhecimentos, significados e atitudes. Quando brinca, enfatiza Vygotsky (1991), acriança parece mais madura do que é, na realidade, pois se infiltra, mesmo que simbolicamente,no mundo adulto que cada vez mais se abre para ela e lida com os mais diversos temas. Abrincadeira é fonte privilegiada de desenvolvimento proximal e colabora para que a criança assimilee estruture novas aprendizagens, avançando no seu estágio de desenvolvimento.

A BRINCADEIRA COMO FONTE DE DESENVOLVIMENTO PROXIMAL

Vygotsky (1991, p.97) define zona de desenvolvimento proximal (ZDP), relacionandoa distância entre o patamar de “desenvolvimento real”, que se caracteriza pela capacidade de osujeito agir, resolver problemas de forma independente, sem nenhum apoio ou orientação, e onível de “desenvolvimento potencial”, assinalado pela necessidade do sujeito de ajuda e colaboraçãode um adulto e ou de um companheiro mais experiente, que podem orientá-lo na realização ou nasolução de problemas.

A aprendizagem se situa precisamente nesta zona, e corresponde ao que, emprincípio, a criança é capaz de fazer ou conhecer unicamente com a orientação de seus semelhantes(crianças e adultos). Logo que se estabiliza a aprendizagem, a criança adquire independência etorna-se capaz de fazer ou conhecer por si só, atinge novamente o estágio de desenvolvimentoreal, abrindo margens para interferências e influências mais complexas. As atividades lúdicas,segundo Vygotsky, são fontes de desenvolvimento proximal, pois, a criança, quando brinca,demonstra e assume um comportamento mais desenvolvido do que aquele que tem na vida real.As atividades lúdicas oportunizam situações de atuação coletiva, possibilitam imitações decomportamentos mais avançado de um semelhante, exercício de funções e papéis para os quaisela ainda não está apta, o conhecimento e o contato com objetos reais e com aqueles criados para

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atender aos seus desejos de experimentação. (VYGOTSKY, 1991, p.97). O professor podedesenvolver, por meio da brincadeira, conhecimentos, habilidades, funções e comportamentosque estão latentes ou em estado de formação na criança.

Venguer (1986, p.142) afirma que a brincadeira é uma influência constante nodesenvolvimento das diversas faculdades humanas da criança, entre outras, o pensamento, aimaginação, a atenção, a concentração, a memória, a socialização, a linguagem, a personalidade,o domínio da vontade, a motricidade, preparando a criança para atividades lúdicas mais complexase para as obrigações sociais.

No que se refere ao desenvolvimento do pensamento, o autor destaca que as criaçõese as ações, nas situações lúdicas, fazem com que a criança aprenda a agir substituindo os objetose significados e relacionando-os com as exigências da proposta lúdica. O objeto substituto seconverte em apoio para o pensamento e, a partir das ações realizadas com ele, a criança aprendea pensar acerca do objeto real. Gradualmente, as ações lúdicas apoiadas nos objetos vão seabreviando e a criança aprende a pensar e atuar com esses, no plano intelectual. Desse modo, abrincadeira contribui, em grande medida, para que a criança evolua ao pensamento no plano darepresentação. A criança, nos jogos infantis, aprende a substituir os objetos e as ações, assumindodiferentes papéis que servem de base para o desenvolvimento da imaginação. No decorrer do seudesenvolvimento, a criança compreende, no pensamento, os objetos e as ações que realiza comeles e, a partir dessa competência, reelabora na sua imaginação novas situações.

De acordo com Venguer (1986, p.141-142), a atividade lúdica exerce grandeinfluência na formação dos processos psíquicos voluntários, pois a criança necessita desenvolver,ao brincar, a concentração, a atenção e a memória voluntária. As situações de brincadeira exigemuma maior concentração e o autor afirma, fundamentado em experimentos, que a criança chega autilizar a memória, de forma mais eficaz, nessas situações, do que nas condições de experiênciaem laboratório. O objetivo na atividade lúdica é consciente e as exigências de concentração ememorização apresentam-se na brincadeira de maneira precoce e mais fácil para a criança.Situações experimentais demonstram que, quando uma criança participa da atividade lúdica, nãoprestando a devida atenção e não recordando as condições propostas e definidas, as outras criançasperdem o interesse em brincar com ela. As necessidades de comunicação e de estímulo emocionalmotivam a criança a se manter concentrada e promover memorizações orientadas a um fimdeterminado.

As experiências coletivas nas interações lúdicas estão, especialmente, determinadassobre a base de uma propriedade particular de pensamento, que leva a criança a desdobrar-separa se colocar no ponto de vista do outro, buscar consenso, fazer acordos, atuar de forma opostae complementar, antecipar condutas futuras e, a partir dessas exigências, estruturar o própriocomportamento e considerar o outro nas suas ações. A brincadeira exerce, de acordo com Venguer(1986, p.143), uma grande influência no desenvolvimento da personalidade, pois, ao praticá-la, acriança passa a conhecer as condutas, os papéis sociais e as interações dos adultos, e esseconhecimento serve de modelo, de referencial para a sua própria conduta, promovendo as qualidadesindispensáveis para o estabelecimento das interações atuais e futuras com seus semelhantes.

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As brincadeiras, segundo Venguer (1986, p.134-135), retratam a variada realidadeque cerca as crianças. Os argumentos vivenciados e os conteúdos da atividade lúdica são retiradosdas diversas atividades humanas, entre outras, de trabalho, de lazer, das relações interpessoais,dos objetos e dos fatos relevantes da época em que vivem. Quanto mais a criança amplia osconhecimentos da realidade com a qual se defronta, mais ricos e variados são os argumentos e osconteúdos usados nas brincadeiras. O desenvolvimento do argumento e do conteúdo das atividadeslúdicas reflete a maneira pela qual a criança vai penetrando, cada vez mais profundamente, navida dos adultos que a rodeiam.

A brincadeira também contribui de maneira significativa para o desenvolvimento dalinguagem, pois requer da criança um determinado nível de desenvolvimento de comunicaçãoverbal. Nas situações lúdicas, as crianças são instigadas a expressar suas vontades e suas intenções,de forma compreensível. As necessidades de comunicação e de se fazer compreender impulsionamo exercício, o aperfeiçoamento e o desenvolvimento coerente da linguagem. Quanto mais a criançase desenvolve, nesse aspecto, mais possibilidades têm de estender e enriquecer os temas e osconteúdos das suas brincadeiras.

As mudanças quantitativas e qualitativas da motricidade infantil não ocorrem deforma isolada, mas também estão inseridas nesse contexto mais amplo de educação e sãodeterminadas pelas tarefas propostas e pelos motivos que impulsionam a criança a agir, no contextosocial e histórico no qual está inserida. O objetivo principal do desenvolvimento e da educação domovimento, na perspectiva de Zaporózhets (1987, p.71-73), é a diversificação, ampliação e ocontrole consciente de diferentes capacidades motoras, subordinando-as à vontade do sujeito etransformando-as em meios para responder às exigências do contexto sociocultural. Na brincadeirado período pré-escolar, acontece, em grande medida, o desenvolvimento da motricidade da criança.Os motivos presentes nesse tipo de atividade criam na criança estímulos intensos que a impulsionama realizar determinados movimentos, gerando condições e situações que deixam um marco pecu-liar em todo o aspecto motor do pré-escolar. A influência da brincadeira contribui, principalmente,na estruturação do aspecto geral do movimento e na forma expressiva de sua realização. Zaporózhetz(1987, p. 82) enxerga a atividade lúdica como um valioso recurso que permite a exercitação e aestruturação das novas conquistas motoras, possibilitando, posteriormente, a sua utilização pelacriança na solução de atividades práticas, com desenvoltura e sem maiores problemas.

Uma outra importante tarefa a ser assumida na educação das crianças, na idadepré-escolar, é a preparação para o estudo sistemático e para o trabalho produtivo. Essas atividades,em suas formas desenvolvidas, segundo Venguer (1986, p.143), deveriam estar fora do marcopré-escolar. A preparação da criança ocorre, fundamentalmente, através da brincadeira e dos tiposde atividades produtivas (atividades artísticas e de construção). Nas atividades lúdicas, aparecemas primeiras formas de concordância, de planejamento, distribuição das ações e os hábitos deações conjuntas. Nas atividades produtivas, por sua vez, as crianças aprendem a buscar umresultado produtivo e pré-fixado; além disso, controlam, comparam e avaliam o seu trabalho.Pesquisas realizadas, afirma o autor, demonstraram que, quando crianças pré-escolares sepropunham realizar as mesmas tarefas em forma de trabalho e de brincadeira, eram estas últimas

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que mais se pareciam com o verdadeiro trabalho. O importante não era que as crianças alcançassemgrandes resultados, nas ações laborais infantis, mas sim que as identificassem precisamentecomo laborais, aspecto que contribui para o desenvolvimento psíquico geral e as prepara para avida adulta futura.

No período pré-escolar, a realidade que cerca a criança se abre cada vez mais paraela, ampliando seus horizontes e conhecimentos. As condições concretas histórico-sociais imprimemnecessidades e motivos novos e fazem com que a brincadeira, que exerceu um papel decisivo nodesenvolvimento infantil e preparou a criança para novas exigências sociais, ceda o seu lugar a umoutro tipo de atividade principal: as obrigações sociais.

O surgimento da nova atividade principal, caracterizada pelas obrigações sociais,tem como causa principal a entrada da criança na escola, dando origem a uma série de modificaçõesna sua vida. O lugar que a criança ocupa no mundo adulto é modificado e alterado, em razão daampliação do seu sistema de relações sociais; suas obrigações não se restringem apenas aos paise professores, mas são obrigações mais amplas, de caráter social. A forma de a criança ser tratadatambém é alterada e novos deveres são impostos e cobrados. Essas mudanças dão origem anovos motivos e necessidades, ampliando a capacidade da criança de se relacionar e de se apropriarda realidade. Cabe destacar que a mudança na atividade principal não elimina a importância daatividade lúdica, no desenvolvimento da criança, pois a entrada no período escolar coincide com aevolução na maneira de a criança jogar. A brincadeira, atividade principal no período pré-escolar,caracterizada pelo predomínio da imaginação sobre a regra, no final do período pré-escolar evoluipara o predomínio da regra sobre a imaginação, transformando-se em jogo de regras.

O jogo de regras, pelas suas características de atividade social, que exige atuaçãocomplementar entre os participantes e regras explícitas, é bem mais complexo, requerendo dacriança as capacidades desenvolvidas no período pré-escolar e, ao mesmo tempo, transformando-se num espaço fértil para a aprendizagem e desenvolvimento de outras capacidades, fundamentaisnesse estágio de desenvolvimento infantil. No espaço do jogo, a criança tem oportunidade dedesenvolver capacidades e atitudes essenciais para responder às novas expectativas e exigênciassociais, entre outras, a capacidade de comunicação e organização, o domínio da vontade, aparticipação em trabalhos coletivos, a persistência na superação de obstáculos, a autonomia eindependência, movimentos mais complexos, a obediência e a consciência da possibilidade demudança de acordos estabelecidos. A brincadeira evolui para o jogo de regras, porém não tira onível de importância desse tipo de atividade no desenvolvimento da criança e também não alteraa principal característica das atividades lúdicas, que é a predominância do processo sobre o produto.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Segundo Lima (2003a), a brincadeira na Educação Infantil, em grande parte, éconcebida numa perspectiva biológica, natural. As crianças são levadas para espaços, entre outros,tanques de areia, quiosques, brinquedotecas, árvores, quadras, parques infantis e ficam “soltas”

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para brincar. O professor cuida das crianças, nesses espaços, sem, todavia, comprometer-se comas atividades que estão sendo realizadas. Não está atento ou preocupado em compreender osargumentos, os conteúdos das atividades, nem em propor sugestões, intervir ou usar esse espaçode maneira diversificada e complementar às outras atividades pedagógicas. O brincar, nessecontexto, é concebido como “recreação”, lugar para a criança gastar a energia excedente, ouainda, um meio para tapar os “buracos” que surgem, no processo de organização da rotina escolar.

Instituições infantis também têm cometido equívocos, ao tentar implementar asatividades lúdicas, no contexto educacional. Algumas utilizam-se da brincadeira como um atrativo,um chamariz. No início dos anos letivos, as crianças usufruem de um tempo maior para brincar,em um período de adaptação; depois, essas atividades são secundarizadas e o investimento, naformação da criança, volta-se quase que exclusivamente para as competências lingüísticas elógico-matemáticas. Outras, no entanto, têm utilizado a brincadeira como um engodo, uma atraçãopara prender a atenção das crianças nos conteúdos escolares. A brincadeira e o jogo sãotransformados em recurso para as aprendizagens de conteúdos de outras áreas. O professordefine os meios, os conteúdos e os objetivos da atividade e a criança executa, apresentando parao professor o resultado. A atividade que tem como característica o produto predominando sobre oprocesso não se configura como jogo ou brincadeira. Nas atividades lúdicas, o processo devepredominar sobre o produto, a criança está livre para escolher os meios, os objetivos e os materiaisnecessários para brincar. Tal ressalva, porém, não impede a utilização de brincadeiras, dentro dasala de aula; objetiva apenas alertar o educador, destacando que, tanto dentro da sala de aula,como nos espaços externos, as características essenciais das atividades lúdicas devem sergarantidas.

No espaço lúdico, de forma imaginativa, espontânea e criativa, as crianças estabilizamaquilo que já sabem e reelaboram conhecimentos, sentimentos, valores. A escola também contribuinesse processo, ao valorizar as atividades lúdicas e ao promover, junto às crianças, aprendizagenssignificativas nas diferentes áreas, entre outras: a Literatura Infantil, a Arte, a História, a Geografia,a Matemática, a Leitura e a Escrita.

Por outro lado, a criança, quando brinca ou joga, desenvolve conhecimentos,habilidades, atitudes e competências, destaque para o pensamento, a imaginação, a vontade, amemória, a concentração, a atenção, a linguagem, a comunicação, os valores, a orientação espaço-temporal, a auto-estima, a motricidade, que a preparam para o estudo e para o mundo do trabalho.

Posso afirmar, tomando como referência os autores da Teoria Histórico-Cultural,comoVygotsky, Venguer, Leontiev e Elkonin, que a secundarização da brincadeira, na Educação Infantil,concebida por esses autores como atividade principal, reduz as condições e as oportunidades deaprendizagem e de desenvolvimento da criança. Não procurar compreender o que a criança trazpara o mundo lúdico e o quanto esse espaço é rico para o desenvolvimento multilateral do educandoé uma atitude que não se pode conceber mais, nas instituições educacionais e na prática educativados professores da Educação Infantil, considerando os prejuízos que tal opção pode provocar, naformação e no desenvolvimento da criança.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

ELKONIN, D.B. Sobre el problema de la periodización del desarrollo psíquico en la infancia. In: LaPsicología evolutiva y Pedagogía en la URSS. Moscou: Editorial Progresso, 1987. p. 104-124.

______. Psicologia do jogo. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

LEONTIEV, A. O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Livros Horizonte, 1978.

LIMA, J.M. O jogar e o aprender no contexto educacional: uma falsa dicotomia. 2003. Tese(Doutorado em Educação) – Faculdade de Filosofia e Ciências – UNESP de Marília, 2003a.

LIMA, J. M. A importância do jogo e da brincadeira para o desenvolvimento das múltiplas inteligênciasda criança. In: Atuação de Professores: propostas para ação reflexiva no ensino fundamental – 1ªed. Araraquara: JM Editora, 2003b.

VENGUER, L. Temas de Psicología Pre-escolar. Havana: Pueblo y Educación, 1986.

VYGOTSKY, L.S. A formação social da mente. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

VYGOTSKY, L.S.; LURIA, A. R.; LEONTIEV, A. N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem.4.ed. São Paulo: Ícone: EDUSP, 1988.

ZAPORÓZETS, A. Estudio psicológico del desarrollo de la motricidad en el niño preescolar. LaPsicología Evolutiva Y Pedagógica En La URSS. Antología. URSS: Editora Progreso, 1987, p.71-82.

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Em 23 de dezembro de 2005, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional(Lei nº 9.394/96 - LDB) irá completar 9 anos de vigência. Ao completar quase uma década deexistência, nos sentimos estimulados a realizar uma discussão sobre a questão da formaçãodocente em seu contexto.

Entendemos que ao realizar uma discussão sofre a formação docente no contextoda LDB, a principal lei que rege a educação brasileira, explicitando as possíveis conseqüências esua aplicação na realidade educacional brasileira, elucidando suas coerências e/ou incoerências,frente às necessidades educacionais brasileiras, assim como, analisando as perspectivas queessa lei ainda suscita, estaremos dando a nossa contribuição à transformação da realidadeeducacional do país.

As discussões sobre a elaboração de uma nova Lei de Diretrizes e Bases daEducação Nacional para o Brasil duraram aproximadamente oito anos. Não é a primeira vez nahistória da educação brasileira que a elaboração da chamada “constituição do ensino” demoratanto tempo. A primeira Lei de Diretrizes e Bases, pela qual a educação brasileira foi regida atédezembro de 1996, teve sua versão inicial enviada ao Congresso Nacional em 1948, somentesendo promulgada treze anos depois, em 1961, pelo então presidente João Goulart (Lei nº 4.024/61).

Com o golpe militar perpetrado em 1964, a Lei nº 4.024/61 foi sendo,progressivamente, modificada. Os governos militares pós-64, colocaram para o país novas leiseducacionais. As principais foram: a Reforma Universitária (Lei nº 5.540/68), a Reforma do Ensinode 1º e 2º graus (Lei nº 5.692/71) e a Lei nº 7.044/82, que determinava o fim da obrigatoriedade doensino profissionalizante no 2º grau, introduzido pela Lei nº 5.692/71, reconhecendo assim,oficialmente, o fracasso da política educacional empreendida pelo regime ditatorial militar.

A posse, em 15 de março de 1985, de um governo civil, não só encerra a ditaduramilitar, como permite, dois anos depois, a convocação de um Congresso Nacional Constituinte,que escreverá uma nova Constituição brasileira, a qual veio a ser promulgada em 5 de outubro de1988. Como ocorre com tantos outros temas, a existência de uma nova Constituição brasileirapermitiu o prosseguimento das discussões sobre os temas educacionais, com vistas à elaboraçãode uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

No mês de dezembro daquele mesmo ano (1988), o deputado Otávio Elísio (PSBD-MG) foi encarregado de apresentar à Câmara dos Deputados uma primeira proposta do projeto delei para a nova LDB, o qual recebeu o número 1.158-A/88. Ao deputado Jorge Hage (PSDB-MG),

A FORMAÇÃO DOCENTE NO CONTEXTO DALEGISLAÇÃO EDUCACIONAL BRASILEIRA ATUAL

BRANDÃO, Carlos da Fonseca (UNESP - Assis)

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relator da Comissão de Educação, Cultura e Desporto da Câmara dos Deputados, coube aapresentação de um substitutivo àquela proposta. As discussões sobre a proposta original e osubstitutivo prolongaram-se até 1990, quando terminou aquele mandato legislativo (1987-1990).

No mandato legislativo seguinte (1991-1994), o caminhar das discussões, envolvendogrande parte dos setores sociais organizados, ligados à educação, da sociedade civil (instituiçõescientíficas e acadêmicas, instituições estudantis, movimentos sociais, sindicatos de professores,de trabalhadores em educação, de donos de escolas, entidades de classe, etc.), conduziu, demaneira relativamente consensual, ao projeto substitutivo do deputado Jorge Hage, o qual,incorporou, de 1988 até 1993, dezenas de outros projetos e emendas.

Tendo sua aprovação final, em sessão plenária da Câmara dos Deputados, ocorridaem 13 de maio de 1993, o passo seguinte foi encaminhar o projeto aprovado para o SenadoFederal. A aprovação final desse projeto (que era o substitutivo proposto pelo deputado JorgeHage) não se deu sem grandes percalços. Entre maio de 1992 e fevereiro de 1993, o entãosenador Darcy Ribeiro (PDT-RJ), por exemplo, apoiado pelas forças políticas majoritárias queapoiavam o então governo Fernando Collor de Melo, tentou uma manobra regimental no SenadoFederal, que possibilitaria que uma nova proposta de LDB, de sua autoria, fosse primeiramenteanalisada, desprezando o processo de discussão havido até então.

Fracassada essa e outras tentativas de interrupção das discussões do projeto deLDB aprovado pela Câmara dos Deputados, coube ao então senador Cid Sabóia de Carvalho,relatar esse projeto junto à Comissão de Constituição e Justiça do Senado, o que o fez de maneiracoerente com as discussões até então empreendidas pelos deputados e pelos representantes dasociedade civil ligados à questão educacional.

Porém, até o final daquele mandato legislativo (1990-1994), o projeto de LDB oriundoda Câmara dos Deputados, não logrou aprovação. Assim, em 1995, começou um novo mandatolegislativo (1995-1998). Quase ao meio do ano de 1995, o Ministério da Educação envia um novoprojeto de LDB, assinado, formalmente, pelo senador Darcy Ribeiro. Tal projeto substitutivo,desfigurava o projeto original, debatido há vários anos por todos os setores interessados na educaçãobrasileira, e aprovado pela Câmara dos Deputados.

Coagidos pela forte pressão exercida pelo governo, que detinha o apoio declaradode mais de 60 entre os 81 senadores (e queria ver o seu projeto aprovado, ao invés do projetoaprovado pela Câmara dos Deputados), e constrangidos pelo fato do senador Darcy Ribeiro seencontrar, naquele momento, gravemente doente (vindo a falecer poucos meses mais tarde), ossenadores resolveram discutir as duas propostas ao mesmo tempo, contrariando o próprio regimentointerno do Senado Federal.

O mal-estar e o constrangimento causados pelas atitudes do governo (forte pressãosobre os senadores) e do senador Darcy Ribeiro (subscrição de um projeto do governo, apesar deser um senador da bancada de oposição), fizeram com que o mencionado senador apresentassesucessivas versões de “seu” projeto, nas quais procurava incorporar, cada vez mais, emendas quediminuíssem as resistências provocadas pela utilização dessa manobra regimental, por meio desse

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contorcionismo político explícito.Além das contundentes críticas sobre a forma irregular de como o projeto de LDB

do governo ingressou na pauta de discussões do Senado Federal, os defensores do projeto deLDB aprovado pela Câmara dos Deputados, que teve como um dos seus mais árduos defensoreso professor Florestan Fernandes, sempre coerente com suas posições históricas em defesa daeducação pública, universal e gratuita, argumentaram, por sua vez, que o projeto do governopossuía caráter genérico, centralizador e privatista.

Como era de se esperar, dada a sua folgada maioria parlamentar no Senado Fed-eral, alguns meses mais tarde, o governo conseguiu arquivar a proposta de LDB vinda da Câmarados Deputados. Assim, no mês de janeiro de 1996, o governo conseguiu aprovar o seu projeto deLDB nessa casa legislativa, com poucas alterações significativas.

O próximo passo foi o retorno de tal projeto à Câmara dos Deputados, onde foirelatado pelo então deputado José Jorge (PFL-PE), sendo votado e aprovado em 17 de dezembrode 1996, com pequenas alterações que não afetaram o espírito geral do projeto anteriormenteprovado pelo Senado Federal.

Como a Câmara dos Deputados não alterou significativamente o projeto vindo doSenado Federal, o mesmo foi sancionado sem vetos, pelo então Presidente da República, FernandoHenrique Cardoso, transformando-o na Lei nº 9.394/96, em 20 de dezembro de 1996, publicadono Diário Oficial da União em 23 de dezembro de 1996, quando efetivamente passou a vigorar.

Especificamente, a questão da formação docente é explicitada pela LDB em seucapítulo 6, intitulado DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO, composto pelos artigos 61 a 67.

O Art. 61 da LDB menciona, em seu caput, que os profissionais da EDUCAÇÃO noBrasil devem ser formados de forma adequada, tanto para o atendimento dos “diferentes níveis emodalidades de ensino” como para considerar as diversas “características de cada fase dodesenvolvimento do educando”. Seus 02 (dois) incisos explicitam os fundamentos dessa formação,quais sejam, a “associação entre teorias e práticas, inclusive mediante a capacitação em serviço”(inciso I) e o “aproveitamento da formação e experiências anteriores em instituições de ensino eoutras atividades” (inciso II).

Vemos, como pontos principais nesses fundamentos, a valorização das “experiênciasanteriores” dos docentes, nas suas diversas atividades, e as possibilidades de “capacitação emserviço”, idéias pouco valorizadas na legislação educacional anterior. O outro aspecto tambémimportante, a “associação entre teorias e práticas”, sem dúvida é uma condição sine qua non naformação de profissionais para quaisquer áreas, em especial para a Educação, pois espera-se queessas atividades sejam indissociáveis.

Já o Art. 62 da LDB tem gerado muita polêmica. Apesar de ser claro ao explicitarque, para o “exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensinofundamental” exige-se a “formação mínima (...) oferecida em nível médio, na modalidade Normal”,sua interpretação tem sido muito confusa. Ou seja, qualquer docente já atuante na educaçãoinfantil e/ou nas séries iniciais do ensino fundamental não precisa vir a freqüentar, obrigatoriamente,qualquer curso de nível superior, a não ser por vontade própria. Entendemos que qualquer

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interpretação diferente desta, por exemplo a de que a LDB exige que todos os professores sejamobrigados a concluir um curso superior, num determinado prazo, é uma interpretação no mínimoequivocada.

Acontece que, segundo o Parágrafo 4º do Art. 87 dessa mesma LDB (TÍTULO IX -DAS DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS), “Até o fim da Década da Educação somente serãoadmitidos professores habilitados em nível superior ou formados por treinamento em serviço”,redação essa que tem sido interpretada, de forma capciosa ou não, para fazer crer que osprofissionais já atuantes na educação infantil e nas séries iniciais do ensino fundamental teriamque ter formação de nível superior, causando a confusão que mencionamos anteriormente. Porém,independentemente do conteúdo desse parágrafo, que analisaremos no momento oportuno, cabelembrar que as disposições constantes da parte do texto legal denominada Disposições Transitórias,portanto não definitivas, não se sobrepõem aos conteúdos que constam do corpo do mesmo textolegal (nesse caso, o Art. 62 dessa LDB), a não ser se esses conteúdos tivessem sido revogadospor meio de uma outra Lei Federal, o que não aconteceu.

É sempre lícito e louvável defender uma melhoria na qualidade e no nível de formaçãoprofissional dos docentes de todas as escolas brasileiras. O que não se pode fazer é, na falta demelhores argumentos, inclusive pedagógicos, creditar à LDB, disposições que ela não expressa.

Apenas citada no Art. 62, a figura dos “institutos superiores de educação” é explicitadanesse Art. 63 da LDB, como um novo tipo de instituição de ensino responsável pela formação dosprofissionais da EDUCAÇÃO no Brasil, fato esse que também tem causado bastante polêmica.Tais “institutos superiores de educação” deverão oferecer: “cursos formadores de profissionaispara a educação básica, inclusive o curso normal superior, destinado à formação de docentes paraa educação infantil e para as primeiras séries do ensino fundamental” (inciso I), “programas deformação pedagógica para portadores de diplomas de educação superior que queiram se dedicarà educação básica” (inciso II) e “programas de educação continuada para os profissionais deeducação dos diversos níveis” (inciso III).

Não consideramos que as possibilidades expressas pelos incisos II e III, sobretudoas desse último, sejam muito problemáticas, apesar do fato de que as mesmas poderiam seratribuições dos cursos de graduação em Pedagogia já existentes, e ressalvada a eventual ocorrênciade “programas de formação pedagógica para portadores de diplomas de educação superior”qualitativamente insuficientes, aqueles do tipo que, no jargão da área, são pejorativamente chamadosde “banho pedagógico”, no caso das possibilidades colocadas pelo inciso II. Mas, consideramosmuito problemática a função atribuída aos “institutos superiores de educação” pelo inciso I desseArt. 63.

Entendemos que o objeto de estudo e os conteúdos a serem ministrados por um“curso normal superior”, previsto pelo inciso I, já fazem parte da modalidade Normal, oferecida emnível médio, ou já fazem parte dos cursos de graduação em Pedagogia, portanto, não existe umaterceira opção, porque não foram descobertos novos conteúdos em EDUCAÇÃO que não possamser ministrados por esses cursos já existentes, assim como também ainda não foi descoberto umnovo objeto de estudo que justificasse, do ponto de vista epistemológico, a criação desse “curso

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normal superior”.Assim, se o “curso normal superior” formar “profissionais para a educação básica” e

os cursos de graduação em Pedagogia formarem apenas especialistas em EDUCAÇÃO, aconseqüência mais imediata será o fechamento gradual da modalidade Normal oferecida em nívelmédio por inanição, ou seja, por falta de “demanda”. Outra conseqüência possível, em termos defutura atuação profissional, é que, na prática, tanto os egressos do “cursos normal superior”, quantoos egressos dos cursos de graduação em Pedagogia, serão professores na educação básica. Parase chegar a esse resultado, como diz o ditado popular, “não seria preciso, novamente, inventar aroda”.

A presença do “curso normal superior” na LDB é mais um exemplo da forma comofoi elaborada essa lei, qual seja, dentro de gabinetes (no caso, do Ministério da Educação, cumprindoas orientações emanadas do Banco Mundial para os países em desenvolvimento), por alguns“especialistas”, sem discussão com a sociedade civil, representada, nesse caso, por entidades deprofissionais da área da EDUCAÇÃO (dirigentes, docentes e funcionários técnico-administrativos).

Já o Art. 64 da LDB é tão explícito quanto o Art. 62, já analisado. Nesse Art. 64, ficaclaro que a exigência de curso de graduação em Pedagogia, ou de cursos de pós-graduação emEDUCAÇÃO, refere-se, única e exclusivamente, à “formação de profissionais de educação paraadministração, planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional para a educaçãobásica”, os chamados “especialistas”.

Não se pode confundir essa exigência específica, na formação dos chamados“especialistas”, com a exigência ilegal de que todos os docentes que atuam, por vontade própria,e que queiram continuar atuando, apenas no “exercício do magistério na educação infantil e nasquatro primeiras séries do ensino fundamental”, e que para tanto possuem a “formação mínima”necessária, “oferecida em nível médio, na modalidade Normal”, sejam obrigados a fazer qualquertipo de curso superior, sob o argumento inverídico de que a LDB “manda” que assim seja.

O Art. 65 da LDB, por sua vez, ao instituir um mínimo de 300 (trezentas) horas paraa prática de ensino, fez com que, na grade curricular de todos os cursos de licenciatura, o contatodos alunos desses cursos com a realidade dos ensinos fundamental e médio fosse antecipado, nomínimo, em um ano. Por exemplo, o aluno que, anteriormente, iniciava a prática de ensino noúltimo ano de seu curso de licenciatura, passou a iniciar essa prática de ensino no penúltimo anode seu curso de licenciatura.

Se, por um lado, essa antecipação pode ser vista como positiva, no sentido de que,ao iniciarem, mais cedo, o convívio com a realidade educacional, os alunos podem aprendermelhor sobre as relações entre teorias e práticas pedagógicas, e terão mais tempo para discutirtodos os aspectos que envolvem a prática de ensino; por outro lado, esse aluno, necessariamente,no momento inicial dessa prática de ensino, possuirá menos conhecimentos (conteúdos teóricos)pedagógicos, já que cursou, até esse momento, um número menor de disciplinas.

O Art. 66, assim como seu Parágrafo único, não apresentam, no nosso entendimento,maiores problemas. Acreditamos que o único reparo a fazer, seria trocar a palavra “prioritariamente”pela palavra “obrigatoriamente”, o que resultaria, a curtíssimo prazo e com absoluta certeza, numa

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significativa elevação da qualidade do ensino, especialmente em inúmeras instituições privadasde ensino superior. Mas é oportuno lembrar, novamente, a utilização de “dois pesos e duas medidas”,pois durante a tramitação do projeto original de LDB na Câmara dos Deputados, no início dos anos90, esse projeto foi acusado de “detalhista”, por conter dispositivos muito mais importantes do queeste, por exemplo, os que determinavam o número de alunos por salas de aula.

As disposições delineadas nos 06 (seis) incisos que compõem o Art. 67 da LDB, secumpridas integralmente, poderão significar uma efetiva “valorização dos profissionais da educação”.Para que se tenha uma idéia de sua importância, se os sistemas de ensino (no caso, públicos)cumprirem esses incisos, por exemplo, impede-se a indicação política (inciso I) e garante-se oaperfeiçoamento continuado (incisos II, IV e V) dos profissionais em educação. Afora isso, é precisoreconhecer que todos esses incisos contemplam lutas históricas dos setores sociais organizadosna área da EDUCAÇÃO. O problema é o elevado grau de subjetividade com que são interpretadasalgumas dessas disposições, por exemplo, o “piso salarial profissional” (inciso III) e as “condiçõesadequadas de trabalho” (inciso VI).

A ausência de maior explicitação de como seria composto esse “piso salarialprofissional” ou as incomensuráveis interpretações do que significam tais “condições adequadasde trabalho”, fazem com que esses incisos tenham poucos efeitos práticos na valorização dosprofissionais em EDUCAÇÃO. Isso cria sérios obstáculos na hora de responsabilizar o PoderPúblico pela ausência de um “piso salarial profissional” e pela falta de “condições adequadas detrabalho”, na medida em que tais expressões têm sido interpretadas de forma extremamentesubjetiva, pois cada pessoa pode interpretá-las de maneira diferenciada. Não por outro motivo, oprojeto original de LDB (que tramitou na Câmara dos Deputados, no início dos anos 90) previa, porexemplo, “piso salarial nacionalmente unificado”.

Cabe reafirmar que, no nosso entendimento, o Art. 67, incluindo seu Parágrafoúnico, apresenta medidas objetivas e corretas, por esse motivo já havíamos mencionado antesque, se cumpridas integralmente, as disposições contidas nesse Art. 67 da LDB poderão significaruma efetiva “valorização dos profissionais da educação”. Do ponto de vista formal, para além dasconsiderações já feitas, um reparo seria muito importante, explicitar claramente que o Art. 67 éextensivo ao ensino privado, evitando qualquer dúvida, sincera ou oportunista.

Por fim, gostaríamos de analisar o $ 4º do Art. 87 da LDB, que, como já dissemosanteriormente, tem causado muita polêmica, talvez por interpretações equivocadas. Segundo esseparágrafo, até “o fim da Década da Educação”, portanto até o fim de 2007 (visto que essa “Décadada Educação” teve início em dezembro de 1997, um ano após a publicação dessa LDB, comodetermina o caput desse Art. 87), “somente serão admitidos professores habilitados em nívelsuperior ou formados por treinamento em serviço”.

As interpretações equivocadas a que nos referimos anteriormente dizem respeito àcrença de que, até o final de 2007, indiscriminadamente, todos os professores sem curso superior,obrigatoriamente teriam que cursá-los, caso contrário correriam o risco de não poder lecionar naeducação infantil (creches e pré-escolas) e nos quatro primeiros anos do ensino fundamental. Oprimeiro equívoco refere-se aos docentes já admitidos, que não podem ser demitidos por esse

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motivo, pois têm direitos adquiridos. O segundo equívoco diz respeito ao fato de que, até o final de2001, só não poderão lecionar nos citados nível educacional e séries, se as instituições – públicasou privadas – só admitirem docentes com formação em nível superior, por qualquer outro motivoque não seja por exigência legal. Um possível terceiro equívoco refere-se ao fato de eventualmenteconcordar-se com a afirmação de que o “treinamento em serviço” possa “formar alguém”, quetalvez possa “adestrar pessoas”.

Para todos os efeitos, do ponto de vista legal, no caso dos docentes na educaçãoinfantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a formação mínima exigida é a “oferecidaem nível médio, na modalidade Normal”, como dispõe o Art. 62 (TÍTULO VI – DOSPROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO) dessa LDB. Seria juridicamente incoerente que o dispostoem um parágrafo de um artigo do TÍTULO IX (DAS DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS) sesobrepusesse ao disposto em um artigo de um TÍTULO específico, no caso, o TÍTULO VI (DOSPROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO) dessa própria LDB.

Assim, para os professores da educação infantil e dos quatro primeiros anos doensino fundamental não se aplica o disposto nesse $ 4º do Art. 87 da LDB, o que poderia nos levara concluir que esse artigo é inócuo, pois para lecionar nos quatro anos finais do ensino fundamen-tal e nos demais outros níveis educacionais há muito exige-se formação em cursos de nível supe-rior. Mas cabe aqui uma advertência, pois apesar de toda a polêmica já causada, esse $ 4º do Art.87 da LDB apresenta uma característica bastante interessante, que é a de apontar horizontes,nesse caso, a de prognosticar que a formação de professores para o exercício do magistério emtodos os níveis e modalidades educacionais deva ocorrer nos cursos de nível superior, aliás, essaé uma reivindicação já histórica dos setores sociais organizados na área da EDUCAÇÃO.

Por outro lado, questionamos: o que ocorrerá após dezembro de 2007, quando este$ 4º do Art. 87 perder a sua validade? Afora o fato de termos ou não “professores habilitados emnível superior”, sem dúvida continuará prevalecendo o Art. 62 da LDB, a não ser que este sejarevogado ou que os conteúdos expressos no $ 4º do Art. 87 sejam reintroduzidos pelos legisladores,por meio de algum dispositivo legal.

Acreditamos que todos os professores que ainda não tiveram a oportunidade defreqüentar um curso superior, assim que lhes forem dadas as condições necessárias, o farão.Porém, como já discutimos antes, as interpretações equivocadas do $ 4º do Art. 87 têm causadoalguns constrangimentos que consideramos, no mínimo, ilegais. Por exemplo, ameaçar comdemissão os professores de educação infantil e das quatro primeiras séries do ensino fundamen-tal, alegando que a formação em nível superior se trata de uma determinação imposta pela LDB.Outro exemplo, não menos preocupante, é valer-se dessa mesma alegação para introduzir pretensos“cursos de formação de professores”, modulares, aligeirados e à distância, como já mencionamosanteriormente.

Concluindo, entendemos que a nova LDB até valoriza a questão da formaçãodocente no conjunto de suas determinações, porém, o projeto anterior era muito melhor. De qualquermaneira, temos que trabalhar à luz da legislação vigente. Pois então, que façamos isso valorizandosempre a formação adequada, não aligeirada, do profissional docente.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRANDÃO, C. F. LDB passo a passo: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº9.394/96), comentada e interpretada, artigo por artigo. São Paulo: Avercamp, 2003.

BRASIL, Constituição da República Federativa do. Brasília: Senado Federal, 1988.

______. República Federativa do. Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para AssuntosJurídicos. Lei nº 9.394/96.

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Esse estudo se baseia em dados de uma pesquisa de doutorado sobre a formaçãooferecida pela Escola Normal de São Carlos, apresentada por mim à Universidade Federal de SãoCarlos, Estado de São Paulo, em 1997. O estudo procura recuperar, entre outras coisas, a históriada formação docente no Brasil, no caso, recuperar a história da formação docente em São Carlosbaseando-se na categoria trabalho como princípio educativo e sua influência na sociedade daépoca.

A contribuição desse estudo para a História da Educação no Brasil e maisprecisamente para a História da Formação docente no Brasil deve-se ao fato que o Curso Normalera hegemônico nesse período e a Escola Normal era a instituição mas importante dessa época.Analisá-los e compreendê-los equivale ao esforço de compreender a formação docente nessemomento histórico. Além disso, procurei também ter contribuído para a discussão da complexavinculação entre educação e trabalho.

A relação entre educação e trabalho é um tema que suscita estudos, discussões ereflexões em todos estudiosos e pesquisadores interessados e voltados à educação. Os estudosrealizados pelo interesse por esse tema mostram que a categoria de reflexão trabalho, historicamenteinfluiu fortemente na configuração do processo de ensino-aprendizagem e nos contornos específicosdas unidades sociais de ensino. Portanto, esse trabalho representa um esforço intelectual decompreender as relações contraditórias, muitas vezes quase imperceptíveis entre educação etrabalho, sendo a categoria de mediação trabalho o fundamento desse esforço reflexivo.

A pesquisa vai de 1911 até 1940. Esse período foi escolhido pois 1911 é o ano quea Escola foi fundada tendo atingido nos anos seguintes o seu apogeu cultural e social; emcontrapartida, finda-se nos anos 40, pelo menos no âmbito da legislação, esse anos marcam odeclínio do prestígio social e cultural do Curso Normal, tendendo esse a ocupar um espaço depreparação didático-pedagógica.

Realizei a pesquisa utilizando os estudos de Bourdieu e colaboradores, a legislaçãovigente, bem como documentos, livros, jornais, revistas da época. Para identificar o habitus quequeria produzir-se nas alunas entrevistei normalistas desse período.

Para identificar cada normalista adotei nomes fictícios, seguidos da profissão dochefe da família e da mãe, caso ela trabalhasse. Foram entrevistadas dez normalistas formadaspelo antigo Curso Normal de São Carlos.

A Formação no Curso Normal: a excelência em distinçãoO maior acontecimento no campo educacional que transformou a cidade de São

Carlos em um centro irradiador de cultura foi a criação da Escola Normal Secundária, com seudistintivo Curso Normal para as mulheres de “boas famílias” da região.

CURSO NORMAL: A FORMAÇÃO TOTAL

MUZZETI, Luci Regina (FCL/UNESP/CAr)

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Como se sabe, as Escolas Normais eram instituições típicas da Primeira República,pois a meta dos Republicanos era transformar a massa amorfa da população, que era compostapor mestiços, ex-escravos, imigrantes, em um povo ordeiro e organizado, em cidadãos, e paraisso eles contavam com o ensino primário. Daí a preocupação com as Escolas Normais e com osGrupos Escolares (Nosella; Buffa, 1996).

Nessa época, o Governo Estadual estava empenhado em melhorar a situação doensino, criando escolas complementares que dotariam os municípios de um número razoável deprofessores.

Surgiu daí o empenho das autoridades políticas são-carlenses, apoiadasprincipalmente pelos fazendeiros, pleiteando a instalação de uma Escola Complementar na cidade.

A criação da Escola Normal em São Carlos não foi uma tarefa simples, masrepresentou um grande e ambicioso esforço político.

O Doutor Carlos Botelho, que representava a liderança política são-carlense e eraSecretário da Agricultura e Obras Públicas, antecipando-se à promulgação da Lei da criação daEscola, determinou, em 1908, a construção do prédio onde se instalaria a Escola que mais tardereceberia o nome de Escola Complementar “Conde do Pinhal”. Nesse momento o Governo doEstado já pensava na remodelação das Escolas Complementares que, realmente, pelo Decreto2025 de março de 1911 foram transformadas em Escolas Normais Primárias. Por essa razão epor desavenças políticas o Governo Estadual achou que não seria oportuna, naquele momento, acriação de uma Escola Complementar na cidade.

Durante muitos meses o prédio permaneceu desocupado. Portanto, estava SãoCarlos com um prédio ocioso, enquanto novas mudanças aconteciam na política.

Assumiram a liderança política municipal local os Salles que recorreram ao Dr.Pádua Salles, líder político em São Paulo, que vindo a São Carlos, prometeu não mais umasimples Escola Complementar como almejavam os Botelhos, mas uma Escola Profissional nosmoldes daquela construída em Buenos Aires.

Foi providenciada a vinda a São Carlos do ex-Inspetor Geral do Ensino, o ProfessorJoão Lourenço Rodrigues, com a importante tarefa de examinar as instalações e verificar apossibilidade de serem aproveitadas para a criação da Escola Profissional. O Professor JoãoLourenço Rodrigues não foi favorável à instalação da Escola Profissional, alegando que o prédionão era adequado e exigia reformas que não seriam realizadas pelo Governo.

O fato, na verdade, era que a criação da Escola Profissional não atendia aos anseiosda elite política local constituída principalmente pelos fazendeiros de café e profissionais liberaisligados aos interesses da monocultura cafeeira. Soma-se a isso que as instalações da EscolaProfissional também não atendiam às necessidades das manufaturas criadas pela iniciativaparticular de imigrantes europeus saídos da lavoura (Neves, 1991, p.4).

Diante disso, o Professor João Lourenço Rodrigues sugeriu a instalação de umadas três Escolas Normais já criadas pela Lei no 88 de 8 de setembro de 1892 (apenas uma tinhasido instalada em Itapetininga), em detrimento da instalação da Escola Profissional. Assim, oProfessor João Lourenço Rodrigues recorreu ao influente jornalista Manoel de Mattos Azevedo

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para que ele encabeçasse um abaixo-assinado. O abaixo-assinado com cerca de trezentasassinaturas foi encaminhado ao Governo aproveitando a época eleitoral. Assim, pelo Decreto Leino 1998 de 4 de fevereiro de 1911, de conformidade com a Lei Orçamentária no 1245 de 30 dedezembro de 1910, foi fundada a Escola Normal Secundária de São Carlos (Pirolla, 1988).

A Escola Normal provisoriamente foi instalada no prédio da rua José Bonifácioonde deveria funcionar a Escola Complementar. Esse prédio foi julgado inadequado para o seufuncionamento. As autoridades políticas almejavam a construção de um prédio adequado e dignode sua importância, para onde ela deveria ser transferida. Assim, em 18 de setembro de 1913, foilançada, solenemente, a pedra fundamental do monumental e majestoso edifício, inauguradosolenemente em 18 de novembro de 1916.

O prédio da Escola Normal foi projetado pelo arquiteto alemão Rosencrantz, aconstrução coube ao engenheiro Doutor Raul Porto e ao mestre de obras Senhor Torello Dinucci.

O prédio é de estilo eclético, com elementos neoclássicos e de art-nouveau. Éimportante ressaltar que nessa época a construção de escolas, fóruns, etc. deveria seguir umprojeto padrão instituído pelo Governo (Nosella; Buffa, 1996).

O majestoso edifício da Escola Normal localizado na Avenida São Carlos é divididoem dois pavimentos: no térreo estão o hall, a diretoria, a secretaria, a biblioteca, o anfiteatro e assalas de aulas que no início eram repartidas em duas alas, a feminina e a masculina. O acesso aotérreo se faz através de uma imponente escadaria em granito, com 6 metros de largura. No porãoestão os laboratórios, as salas especiais para educação física, trabalhos manuais e pintura. Hátambém duas escadarias menores que eram utilizadas separadamente por moças e rapazes nasaída e entrada da escola. O corpo central do edifício constituído pela escadaria, hall, anfiteatro,diretoria, secretaria, biblioteca e sala dos professores era proibido aos alunos a não ser em ocasiõesespeciais como festividades ou com anuência dos professores. Desse corpo central saem duasalas simétricas, com duas entradas, naquela época autônomas, uma para as alunas, e outra paraos alunos. À porta de cada ala havia um inspetor ou inspetora que deveriam verificar ocomportamento e o uniforme dos alunos na entrada para as aulas (Nosella; Buffa, 1996).

É interessante notar que algumas das normalistas formadas nos anos 40 afirmamque ainda nesses anos os rapazes entravam e saíam por uma porta e as meninas por outra. Alémdisso algumas delas afirmam também que os rapazes não permaneciam com elas no mesmolocal na hora do intervalo das aulas.

O acabamento do prédio da Escola Normal foi feito com material importado, como:piso de cerâmica francesa, lustres de cristal de Bacarat, mármore italiano, mobiliário inglês eaustríaco (Nosella; Buffa, 1996).

As salas de aula do lado direito de quem entra pela porta principal tinham piasdecoradas, as salas especiais e os laboratórios continham inúmeros aparelhos de procedênciaeuropéia, e a biblioteca era dotada de coleções de livros franceses e nacionais.

Era uma Escola construída pela elite cafeeira, pelos fazendeiros e, sem dúvidanenhuma, era o edifício mais importante e majestoso da cidade.

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No início o corpo docente da Escola Normal era dividido em lentes e professores:denominavam-se lentes os catedráticos de Ciências, Letras e Línguas, eram cargos vitalíciosnomeados mediante concursos públicos. Por sua vez denominavam-se apenas professores osque ministravam matérias auxiliares como Desenho, Música, Ginástica e Trabalhos Manuais,num regime de contrato. Os primeiros, ou seja, os catedráticos, formavam a “Congregação daEscola - estrutura e nomenclatura próprias de uma faculdade” (Nosella; Buffa, 1996, p.50).

Era considerada uma faculdade, devido ao seu grande prestígio e estrutura, eratida como a precursora das Faculdades de Filosofia. Era muito comum a presença de médicos,advogados e engenheiros no corpo docente da Escola, fato que contribuía muito para aumentar oseu prestígio e tornar o Curso cada vez mais distintivo.

Transformou a cidade de São Carlos num dos principais centros educacionais doEstado, atraindo estudantes de toda a redondeza e formando a elite intelectual principalmentefeminina da cidade.

A clientela inicial da Escola Normal era formada majoritariamente por mulheres.Essas mulheres, em geral, pertenciam a grupos socialmente privilegiados, eram filhas de grandesfazendeiros e de grandes comerciantes.

Não há dúvida de que a Escola Normal era a instituição educacional mais importantee prestigiada da cidade. Sua função era formar as moças provindas de meios privilegiados. Assim,era a excelência escolar de São Carlos e de todo o interior do Estado, pois, como já dito, não sórecebia uma clientela provinda de meios privilegiados como também oferecia uma formaçãodiferenciada, um ensino rigoroso que privilegiava os conteúdos que visavam a dar à sua clientelauma cultura geral, distintiva. Conseqüentemente as avaliações realizadas ao longo do Curso eramexigentes e rigorosas.

Com a queda da bolsa de Nova York por volta de 1929, deu-se a crise da burguesiaagrária, dos fazendeiros de café e, conseqüentemente, começou a haver um deslocamento dapopulação da zona rural para a cidade, acelerando, desse modo, o processo de urbanização.

A partir dos anos 30, acentuou-se o processo de urbanização e houve uma expansãorespeitável da indústria. Tais acontecimentos causaram modificações na sociedade brasileiramudando sua feição e, é claro, causando modificações na Escola Normal, modificações essasexpressas no Decreto no 5884 de 21 de abril de 1933 que instituía o Código de Educação doEstado de São Paulo. Nesse Código de 1933 o Curso Normal passava a se denominar Curso deFormação Profissional para Professores, passando a ocupar um lugar secundário tanto no âmbitoda legislação como também no âmbito científico, pois acentuava na formação dada pelo CursoNormal a preparação didático-pedagógica (Nosella; Buffa, 1996, p.15).

A partir dos anos 40, acentuou-se o processo de industrialização na cidade de sãoCarlos, provocando a mudança acentuada da população rural para a cidade, causando,conseqüentemente, um enorme crescimento da população urbana. No âmbito escolar talcrescimento causou o aumento do número de escolas, expansão das matrículas no ensino médioe primário, etc.

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Em 1946, com as Leis Orgânicas do Ensino, surgidas no ministério Capanema,deu-se uma centralização no ensino e com a Lei Orgânica do Ensino Primário e Normal passou aexistir uma legislação Federal instituindo diretrizes para todo o País, cabendo aos Estados odireito de adaptar as determinações às diferenças e necessidades regionais e administrar o ensino,respeitando o espírito da lei. É também em 1946, através dessa Lei, entre outras coisas, que sedeu a regularização do Curso Normal no Brasil. É ainda nesse ano também e por essa Lei que aEscola Normal de são Carlos foi transformada em Instituto de Educação.

Outro fato importante foi, que as mudanças realizadas nos anos 40 na EscolaNormal, principalmente com a Lei Orgânica de 1946, coincidiram com o final do regime ditatorialem 1945 e com o início do processo de democratização do país (Almeida, 1991, p.170).

As Escolas Normais do Estado passaram, em 1947, com o Decreto no 17 698 queaprovou a consolidação das Leis do Ensino, a ministrar um curso de Formação Profissional doProfessor que teria a duração de dois anos. Além disso deveria haver um curso Pré-Normal,criado pelo Decreto-Lei no 14 002 de 25 de março de 1944, para substituir o 5o ano do ginásio.Esse Curso Pré-Normal, criado, por sua vez, para servir de ligação com o Curso Normal, eraconstituído por disciplinas de cultura geral, extinguindo-se em 1956 (Almeida, 1991, p.164).

É importante sublinhar que nos anos 40 o Curso Normal da cidade de São Carloscontinuou a ser freqüentado majoritariamente por mulheres, pois foi realizado um levantamentoda relação do número total de concluintes pelo Curso Normal e o número de concluintescorrespondente a cada um dos gêneros, o que pode ser observado no quadro que segue:

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O levantamento revelou que, de 1940 a 1949 formaram-se, nesse Curso, quinhentaspessoas, entre as quais havia setenta e nove homens e quatrocentas e vinte e uma mulheres. Nãohá dúvida, assim, de que o Curso Normal era freqüentado predominantemente por mulheres.Essas mulheres por sua vez, pelo menos até os anos 40, eram, na sua maioria, provindas demeios privilegiados como se poderia ilustrar com vários depoimentos. Aqui nos limitamos a citardepoimentos de duas normalistas.

“As alunas da minha roda são a Geraldina Fernandes, EdnaCovenhoto, Lélia que hoje é a minha cunhada, Lúcia Helena Wernekque hoje também é a minha cunhada, Leda Bauer, Wanda Bauer,Beatriz Helena Ferreira, Rosa Maria Ferreira, Leonette Zambel, CidaZambel. E tinha também muitas alunas de fora, de Descalvado, deBrotas, Tamoio, moças das fazendas (filhas de fazendeiros) quevinham estudar, porque o Instituto era o centro da educação de todoo interior do Estado. Eram pessoas de muito boas famílias, faziamparte de um grupo social elevado, todas elas freqüentavam o SãoCarlos Clube que era um clube fechado” (Virgínia, filha deempresário).“Elas (alunas) eram de famílias tradicionais de classe média-alta,hoje houve uma democratização no ensino, naquele tempo não tinha.Estudava na Escola Normal a Norma Schiavone, Neli Pozzi, MariaAlice Vaz, eu, Neuza Massei, Maria Tereza Camargo, tinha filhas deprofessores, a Maria Tereza Camargo era sobrinha do Senhor Aristeuque era o bibliotecário que era professor, a Maria Silvia que veio defora. Todas pertenciam a grupos sócio-econômicos elevados,nivelados, de boas famílias, porque naquele tempo ser professor eraum valor que hoje não é...” (Elvira, filha de fazendeiro).

Ao menos até os anos 40, o Curso Normal oferecia um ensino rigoroso, comavaliações rigorosas, exigentes e os conteúdos privilegiados no Curso visavam a dotar essasmulheres de uma educação erudita. O Curso também, ao menos até essa época (anos 40), eraum Curso muito prestigiado, fato que pode ser ilustrado por mais esses depoimentos:

“(O Curso) era muito, muito prestigiado e concorrido. As pessoasque se formavam na Escola Normal tinham um grande prestígioaqui e em outros lugares” (Otília, filha de advogado).

“(O Curso) era demais de prestigiado e concorrido. A Escola Normalera a primeira do interior do Estado de São Paulo, uma beleza deEscola. Aliás, eu acho bonita até hoje” (Helena, filha de dentista).

Constatei também que essas normalistas acreditavam que as atividades culturaisoferecidas pelo Curso Normal contribuíram para sua formação e que essas atividades culturaisoferecidas pela Escola eram um complemento, uma continuação da educação familiar.

“Eu acredito que sim, que essas atividades contribuíram para minhaformação, a sociedade era outra. Então, além das coisas da Escolaexistiam muitas reuniões de família, todas as famílias proporcionavamreuniões, encontros de ir tocar..., de aprender violão, eu tambémcheguei a aprender um pouco de violão. A sociedade girava em tornode reuniões mais do que hoje em dia, eu acredito que hoje nãotenha. E a Escola era um complemento, fazia parte daquilo e você iaseguindo normalmente” (Helena, filha de dentista).

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Através do depoimento da filha do dentista pude observar que o Curso Normalcultivava em suas alunas a linguagem escrita e privilegiava os escritores clássicos da LínguaPortuguesa visando a desenvolver, ampliar o capital cultural das alunas. Observei também, atravésdo depoimento da filha do advogado, que todos os professores do Curso Normal cultivavam alinguagem escrita correta nas normalistas:

“Em Português, nós tínhamos duas partes: uma parte era de umponto de gramática como, por exemplo, a função do que, e nóstínhamos o ponto sobre o que. Aí a gente tinha que dizer tudo sobreo que; a outra era escrita que de maneira geral, ele (professor) davaum tema para você dissertar” (Helena, filha de dentista).

“Em Pedagogia, em Prática de Ensino principalmente, a professoracorrigia tudo, a parte oral e a parte escrita, não podia ter erros dePortuguês e todos os professores corrigiam o português, o portuguêsera corrigido em todas as matérias. Já estava implícito isso e todoseles eram exigentes” (Otília, filha de advogado).

Observei ainda que os comportamentos, as disposições cultivadas no Curso Normalem suas alunas eram aquelas já valorizadas no interior de suas famílias (polidez, obediência,pouca ousadia, etc.), ou seja, fazia parte do habitus familiar delas e visavam criar nas mulheresidentidades consideradas adequadas para elas na época.

“Hoje em dia vocês perguntam isso (como as alunas do Curso Nor-mal deveriam se portar, se vestir), porque hoje é diferente. Naqueletempo, a gente já tinha um certo hábito, não tinha nada deextravagante, quer dizer, que não é como hoje em dia que vocêanda com uma saia aqui ou ali. Naquele tempo, isso era padronizado,todo mundo se vestia direito, normal, não tinha muita exibição, nadadisso” (Helena, filha de dentista).

“As normas eram rígidas, as portas ficavam abertas, ninguém tinhao direito de se levantar das carteiras e sair pela porta para ir aobanheiro, alguma necessidade assim a pessoa pedia autorização.Mas, todo mundo procurava não pedir porque tinha intervalo. De 50em 50 minutos tinha um intervalo de 10 minutos. Ninguém tinha odireito de se levantar, de ir falar com a colega da outra carteira, devirar para trás, nada disso. A disciplina era mais ou menos rígida. Sea gente falasse com uma pessoa e o professor visse...” (Otília, filhade advogado).

“Ah! Não se falava alto durante uma aula a menos que o professorchamasse e pedisse para que falasse, ninguém dava palpite extra,nada disso. Eles eram respeitados. Hoje em dia eu acho que osalunos levantam e saem no meio da aula, eu desconfio. E fumam!Então, era bem diferente” (Helena, filha de dentista).

“Eles (professores) exigiam o comportamento, a pessoa tinha quese comportar, prestasse atenção ou não, tinha que se comportar, ese a gente não estivesse se comportando ele (professor) fazia umapergunta” (Otília, filha de advogado).

A pesquisa revelou ainda, que o Curso Normal vivia e reproduzia um habitus culturalmarcado por uma profunda ruptura com o trabalho, não apenas com o trabalho produtivo braçal,

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mas até mesmo com o próprio trabalho intelectual correspondente à profissão para o qualformalmente preparava, ou seja, o Curso Normal, ao menos até os anos 40, enquanto tendência,a despeito de preparar a professora primária, dissimuladamente, valorizava mais a cultura geral etradicional como ornamento das mulheres das elites, uma vez que, essas mulheres após aconclusão do Curso Normal, a maioria delas casou-se e não exerceu a profissão de professoraprimária.

O depoimento da filha do dentista, ilustra tal questão:

... “a moça na sociedade naquele tempo, porque eu me formei em1949, sua função era se casar, não era comum uma moça continuaros estudos ou trabalhar. Pois, quando ela terminava o Curso Normaljá estava namorando, ia se casar, poucas que saíram e foram estudar.Todas seguiam professoras ou não seguiam, não faziam outro curso,paravam. Então, quer dizer, que o Curso Normal na cidade do inte-rior era o máximo que tinha. Tanto que eram poucas as cidades dointerior que tinham uma Escola Normal. E quando uma moça vinhacompletar os estudos era com o Curso Normal. E quando uma moçaconcluía o Curso Normal, já estava namorando firme, ia se casar e amaioria não trabalhava nem antes e muito menos depois docasamento, era sempre assim...” (Isadora, filha de dentista).

Como se viu, o estudo revelou, entre outras coisas, que o Curso Normal privilegiavaa cultura geral, dirigida principalmente às mulheres das classes privilegiadas em detrimento daformação do professor(a) ou do seu engajamento no magistério. Esse Curso possuía tambémuma profunda ruptura com o trabalho e com o trabalho intelectual, pois com o “álibi” da formaçãode professores, dissimuladamente, valorizava a cultura geral, como ornamento, principalmente,das mulheres das camadas privilegiadas. Portanto, o Curso Normal particularmente na PrimeiraRepública secundarizou o objetivo proclamado pelo Estado: formação de professores e priorizou aprodução e reprodução de uma cultura geral dirigida às camadas privilegiadas.

Por fim, pode-se afirmar que, ao menos até os anos 40, a Escola Normal de SãoCarlos continuou sendo um importante centro irradiador de cultura de todo o Estado e sua funçãoera formar, educar as moças oriundas principalmente das classes médias e dos meios privilegiados,dotando-as de um habitus, ou seja, dotando-as de um sistema de disposição altamente distintivo,distinguido-as das demais moças de outras frações de classe.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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PIROLLA, M.C.G. Memórias do Instituto: 1911-1976. São Carlos: Camargo Artes Gráficas, 1988.TANURI, L.M. O Ensino Normal no Estado de São Paulo: 1890-1930. São Paulo: Faculdade deEducação/USP, 1979. (Série Estudos e Documentos, 16).

TRUZZI, O.M.S. Café e indústria: São Carlos 1850-1950. São Carlos: Arquivo de HistóriaContemporânea UFSCar, 1986.

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INTRODUÇÃO

Esta pesquisa foi realizada no Mestrado em Educação da Universidade Católica deSantos, por meio de sua linha de pesquisa “Formação do Educador: dimensão político-pedagógica”,no Grupo de Pesquisa “III MILÊNIO – Políticas Públicas de Formação do Educador: Universidade,Conhecimento e Pesquisa”.

Parte-se do pressuposto de que o professor de Matemática deve ser o protagonista,pois centra em si o desenvolvimento dos conteúdos e tem desenvolvido uma determinada práticaem suas aulas que colabora em muito para o distanciamento dos alunos, diminuindo o interessepelo estudo e pela produção nessa área.

“O que é Matemática e forma de ensiná-la, são elementos que irãocompor o conhecimento em movimento chamado de EducaçãoMatemática, bom exemplo do que é um conceito movimento...Istoé, a Educação Matemática tem respondido às questões: O queensinar? Por que ensinar? Como ensinar? Na medida em que têmficado mais claros os processos de aprendizagem, as razões sociaisdo que se aprende e o quanto o aprendido pode gerar novosconhecimentos sobre as leis gerais da natureza (quantificando,geometrizando, logicando etc.).” (Moura, 2004)

A reflexão de Moura (2004) indica a forte mudança que está acontecendo e quepoderá trazer um grande impulso para a melhora das relações entre o professor, o aluno e oconhecimento matemático que transversaliza, na verdade, todo o conhecimento humano.

Ao se desenvolver a atenção para o como se estabelece o aprendizado, do que eledepende, e que a intencionalidade determina, em muito, as nossas subordinações em atender adeterminados objetivos, estaremos nos aproximando da observação a respeito das razões sociaisque estabelecemos em nossa prática pedagógica. Portanto, quem se preocupa com o ensino-aprendizagem não poderá mais ficar alheio à importância da construção do conhecimento

EDUCAÇÃO MATEMÁTICA: (RE)VISITANDO AHISTÓRIA MATEMÁTICA MODERNA E SUA

INFLUÊNCIA NA FORMAÇÃO DOCENTE

CAMPOS, Dráuzio Costa Pires de; LUCCHESI, Martha Abrahão Saad(Universidade Católica de Santos)

O homem não é o centro estático domundo como ele se julgou durante muitotempo; mas eixo e flecha da Evolução –

o que é muito mais belo.

Pierre Teilhard Chardin

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matemático junto com o desenvolvimento e percepção dos processos de aprendizagem e domundo social, cultural, espaço no qual fazemos nossa intervenção.

Reforçamos essa observação buscando apoio nas idéias apresentadas por (Moura,2004): “Ao ensinar Matemática, fazemô-lo (ou deveríamos fazê-lo) com um objetivo determinado.Isto exige a intencionalidade por parte do educador”.

Em seu desenvolvimento, o professor de Matemática sofre a influência dos Cursosde Engenharias, dos Cursos preparatórios para os Militares e do Positivismo, fatores que odistanciam, até hoje, do cotidiano e das expectativas do aluno. Ao se estabelecer tal situação, oprofessor imbuído da importância do conhecimento a ser apresentado, o faz de maneira a reproduzi-lo fielmente, sem nenhuma possível interferência ou transversalidade com o cotidiano.

Precisamos estar atentos e conhecer como se desenvolveram e foram seconsolidando a Matemática e as Ciências no Brasil. Tal processo não se estabeleceu separado doque acontecia e acontece no mundo. As relações políticas e econômicas, principalmente,determinam como os países irão se relacionar; assim, a política educacional atende também aessa necessidade.

Os professores têm à sua frente, se conscientes, uma possível participação noauxílio da construção da cidadania; dessa forma, não se pode exercer a docência somente comuma visão conteúdista.

Entendemos que toda a consistência da Matemática, além de resolver problemasespecíficos, deve atender ao desenvolvimento de cada um, alunos e professores.

Ao apresentar a Matemática como um componente da História, mostrar-se-á queela foi construída em razão das necessidades humanas, muitas vezes da empiria e, outras, porsua aplicação na ciência e na tecnologia, para atender e melhorar o nível de vida e o confortohumano.

Portanto, contextualizar hoje, buscando suas origens e os porquês de ser assim,somente colaborará para o seu desenvolvimento, aceitação e adesão de novos estudantes a essaimportante ciência.

Para iluminar as relações autoritárias existentes entre professores e alunos nadisciplina, (re)visita-se a História da Matemática no Brasil, apontando o crescimento de situaçõespolíticas e econômicas que definem essas relações.

ObjetivosO objetivo geral se colocou de forma imperiosa: a priori, é necessário compreender

o fenômeno a ser estudado, ou seja, entender como e o porquê da ocorrência do fenômeno,independentemente de tentar “categorizar” alguns comportamentos. Para tanto, foi necessáriobuscar na história os fundamentos da questão.

A partir dessa compreensão, e embasado em observações cotidianas há muitorealizadas, o próximo objetivo foi verificar que possíveis reflexões – enunciadas pelos sujeitos dapesquisa – caberiam para auxiliar na construção de uma prática para o professor, que transformasseessa relação em situações respeitosamente solidárias.

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METODOLOGIA

Este estudo faz uso de quatro tipos de documentos: 1) textos da área de Matemáticapara definição do conceito das Ciências e da Matemática; 2) estudos da Sociedade Brasileira deEducação Matemática; 3) entrevistas com professores de Matemática; e 4) textos da História daMatemática, com propostas, intenções – claras e ocultas – para a continuidade do processomilitar que lhe deu origem.

O investigador que trabalha com pesquisa qualitativa faz questão de verificar asdiferentes perspectivas, e de maneira adequada, para que possa perceber realmente o significadodo processo sobre o qual e no qual está estudando. Há necessidade de questionar, continuamente,os participantes do processo de investigação, na verdade, os sujeitos da pesquisa na qual oinvestigador tem parte atuante.

“A pesquisa tem dimensão social. O pesquisador realiza um mergulhona corrente da vida em sociedade, com suas competições, interessese ambições, ao lado da busca do conhecimento científico. (...) Avisão de mundo, os pontos de partida, os fundamentos paracompreensão do mundo, enfim, os pressupostos que orientam ospensamentos do pesquisador norteiam os rumos e a abordagem dapesquisa”. (Lucchesi, 1999, p. 35-37)

É esclarecedora essa postura enunciada por Lucchesi (1999), que fundamentatambém a opção pela pesquisa qualitativa, pois, ao se apoiar no mundo em que se desenvolvemos motivos da pesquisa, evidencia a importância da postura interdisciplinar.

O que se apresenta nesta pesquisa é o resultado de observações, reflexões einterlocuções, em que se busca abordar a enunciação do poder na relação que o professor deMatemática mantém em sala de aula.

Após uma visita à História da Matemática no Brasil, seguida de uma interlocuçãocom teorias referentes ao tema, passou-se à interlocução com os sujeitos da pesquisa – osprofessores –, realizada mediante entrevistas, sempre buscando colher elementos que permitissema análise das práticas no cotidiano escolar.

Alguns professores foram selecionados e cinco deles aderiram à proposta dapesquisa. Duas professoras trabalham com o Ensino Fundamental, outra professora trabalha como Ensino Médio e Superior, e dois professores trabalham com o Ensino Médio e Superior. Paraeste trabalho, selecionou-se parte da entrevista com uma professora, como amostra representativada influência da História da Matemática na relação ensino/aprendizagem.

(RE)VISITANDO A HISTÓRIA DA MATEMÁTICA

A Academia Real Militar, criada em 4 de dezembro de 1810, nacidade do Rio de Janeiro, foi a primeira instituição onde seestabeleceu um curso no qual se atendessem as Ciências e a

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Matemática. “O curso de Sciencias Mathemáticas de Sciencias deObservação no qual era estudado ‘por exemplo’ Physica, Chymica,Mineralogia, Metallurgia e Historia Natural e das Sciencias Militares.”(Castro, 1992, p. 24)

Como antes de 1934 não havia no país outra instituição para o ensino de Matemáticasuperior, esta incumbência ficou com as escolas do Exército e da Marinha, e coube às de Engenhariao papel de manter e divulgar os estudos desta disciplina durante mais de cem anos, atenuando,assim, a falta deles. Vale destacar o importante papel desempenhado pelas Escolas de Engenharia,pois, apesar do distanciamento da pesquisa e do estudo da Matemática, foram elas que mais seaproximaram desse trabalho.

Progressivamente, após a criação da Academia Real Militar da Corte do Rio deJaneiro em 1810, o ensino de Matemática Superior foi se instituindo, partindo do primeiro estatuto;com suas reformas e mudanças sucessivas, a academia deu origem às escolas nas quais seensinou sistematicamente Matemática Superior no Brasil.

A UNIVERSIDADE NO BRASIL – A INTRODUÇÃO DA MATEMÁTICA NO ENSINOSUPERIOR

A universidade é o locus onde se mantém, se produz e se transforma oconhecimento. O país demorou aproximadamente quatrocentos anos para ter a sua, e somenteem 1934, com a criação da USP, é que esse sonho se realiza; portanto, temos aproximadamenteoitenta anos de experiência de universidade em nosso país. Lucchesi (2002) faz suas consideraçõesa respeito: “deve mudar e contribuir para a mudança de seu entorno, para não ficar alienada edistante das aspirações da comunidade”.

Pensando em relação à comunidade acadêmica, bem como à sociedade na qualestá inserida, é na universidade que se produz a maioria das mudanças intelectuais e culturais;portanto, mesmo com um atraso de quatrocentos anos, a produção em nosso país, embora nãoseja grande se comparada à de outros países, é digna de elogios, considerando-se que, na maioriadas vezes, é pela pesquisa individual dentro da academia que se consegue realizar algo, pois nãoexiste uma política educacional que invista em pesquisa.

Desde o século XVI, aconteceram muitas tentativas para se criaruma universidade no país, e nessa longa trajetória não houve, até acriação da USP em 1934, nenhuma preocupação que tivesse seconcretizado para instalar um curso de ensino da Matemática Supe-rior. Em 1820, portanto no Brasil império, José Bonifácio de Andradee Silva elaborara um projeto para a criação de uma universidade emSão Paulo. O projeto, que não foi aprovado pelas autoridadescompetentes, visava a criação de vários cursos na universidade edava ênfase às ciências, inclusive a Matemática (Silva, 1992, p.69).

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Em 1842, acontece mais uma tentativa de criação de uma universidade no Brasil,a qual teria como modelo a Universidade de Coimbra, e nela previa-se uma Faculdade de Ciênciase de Matemática. Até a criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade deSão Paulo, a Matemática Superior, em nosso país, continuava a ser ministrada nas Escolas deEngenharia. Com a criação dessa faculdade, em 1934, com a Escola de Ciências da Universidadedo Distrito Federal (1935) e, mais tarde, em 1939, com a Faculdade Nacional de Filosofia daUniversidade do Brasil, inicia-se a implantação de centros de pesquisa na área de Ciências e deMatemática.

Com a Matemática não foi diferente, pois sua produção inicial, além de pouca,estava ligada aos interesses econômicos e às necessidades tecnológicas da época. Somentecom a criação da USP é que podemos pensar em produção de conhecimento sistematizado cominteresse para a pesquisa; mas vale lembrar que, até a década de 1960, esta preocupação aindanão incluía o trabalho a ser desenvolvido pelas licenciaturas, ou seja, não existia uma preocupaçãocom o tratamento a ser dado ao conhecimento, relacionado ao ensino e à aprendizagem,especialmente da Matemática.

Aos poucos, no Brasil, tem-se a preocupação com o ensino das Ciências e daMatemática, pois a necessidade da produção industrial, das aplicações da tecnologia e o confrontoentre aquilo que temos, o que somos capazes de produzir e o que precisamos fazer para obteresta produção científica, forçam-nos a quebrar a tradição herdada ou, em última análise, a iniciara produção de uma tradição científica.

A comunidade européia, no início do século XIX, já tratava com rigor os estudosMatemáticos e não somente o cálculo, o que é de extrema importância para os fundamentos daanálise moderna.

Reforçamos que nenhuma destas idéias, teorias e técnicas matemáticas eramtrabalhadas no Brasil. Enquanto na Europa já tinham sido pesquisadas e ensinadas largamentenas escolas, desde a segunda metade do século XIX, no Brasil isso só acontece no final dasegunda década do século XX. Vale ressaltar que Otto de Alencar Silva e Manoel Amoroso Costadesenvolviam tais idéias em conferências e cursos.

A década de 1930 é considerada, pelos pesquisadores em Históriada Matemática no Brasil, um marco na formação de uma escolaMatemática brasileira. “No cotidiano da universidade emergente (edaquelas que nem ousam pensar em emergir), ainda se nota aausência do debate, da reflexão e da criação de novos saberes,embora haja questionamento e insatisfação com o modelo que aindavige” (Lucchesi, 2002, p. 53).

Nesse período se instala, certamente, o embrião da necessidade e, ao mesmotempo, o fortalecimento do estudo da Matemática, bem como a preocupação com o ensino e aoficialização desse ensino para aqueles que mais se interessariam pela docência.

Até a década de 1960, houve pouca ação governamental e das universidades nessesentido. Em verdade, o marco inicial, que traz para o país o processo que instala toda a preocupação

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com a pesquisa, com o estudo e que mais tarde apresenta a mesma preocupação com aslicenciaturas, está na construção da nossa primeira universidade.

Entendemos que a necessidade de apropriação de conhecimentos específicos eratão grande e necessária que um grande investimento deveria ser feito nessa aquisição; portanto,como ensinar, como aprender e as preocupações com o profissional, que deveriam estar presentesneste ato, não cabiam nesse momento, o que nos indica que a tradição não incluía o debate, areflexão e a criação de novos saberes. Dessa forma, tinham que direcionar toda a preocupação etempo de estudo para a aquisição do conhecimento específico da Matemática, principalmentetendo em vista o atraso que tínhamos em relação a outros países.

Portanto, inicia-se a busca pelo conhecimento fora do país, para que possamos teras informações necessárias ao progresso e ao desenvolvimento.

Podemos entender a chegada desses matemáticos ao Brasil como uma quebradaquilo que estava acontecendo na produção de ciência, pois, mesmo que ela não existisse nopaís, vale a reflexão das mudanças nas regras que governavam a prática anterior e mesmo havendoresistência à presença desta nova informação da Matemática, ela produz uma mudança radical.

Coube ao professor Theodoro Ramos, quando se transferiu paraSão Paulo, introduzir em suas aulas na Escola Politécnica algunsdos novos conceitos da análise Matemática moderna, bem comoimpulsionar o ambiente matemático naquela cidade. O governadorArmando Salles de Oliveira, com o propósito de contratar bonsprofessores estrangeiros para a recém criada universidade,comissionou o Prof. Theodoro Ramos para viajar ao exterior, e com“ liberdade de escolha”, contratar os melhores mestres queestivessem disponíveis para compor o corpo docente da Faculdadede Filosofia, Ciências e Letras da USP (Silva, 1992, p. 79).

Teodoro Ramos é convidado para lecionar Matemática Superior em São Paulo,mas recusa tal convite e sugere ao governo que contrate professores estrangeiros. É por suamediação que se realiza a contratação de Luigi Fantáppie.

Em 1934, Fantáppie chega ao Brasil e, em 1936, Giacomo Albanese. Em 1930, ogoverno italiano tinha um grande projeto - “O sonho da grande Itália”: Mussolini pretendia criar umimpério cultural no Brasil. Desse modo, o objetivo mais importante era estabelecer uma situaçãopropícia e treinar a nova geração brasileira.

Os matemáticos italianos promoveram e estimularam a pesquisa em São Paulo,incentivaram discussões nos cursos e seminários e conseguiram, na Itália, bolsas de estudo parabrasileiros; contudo, permaneceram no Brasil por um curto período, retornando para a Itália em1939, em decorrência das alterações políticas do período de guerra.

Foi relevante o trabalho desenvolvido quanto ao conteúdo específico. Desde osprofessores italianos, isso foi uma constante, ou seja, o aprimoramento e o desenvolvimento naaquisição de contribuições novas na pesquisa da Matemática. No entanto, constatou-se umdesprestígio com respeito à área da Educação Matemática. Não era uma preocupação naquelaépoca, pois na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP havia um olhar de menor

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importância sobre as questões pedagógicas, fazendo com que se reforçasse o isolamento daslicenciaturas em suas especificidades, distanciando cada vez mais toda e qualquer preocupaçãodelas com as questões da educação, especialmente a da Matemática.

Apesar da competência desses matemáticos, eles não trouxeram para a USP asprincipais linhas de pesquisa Matemática da época. No entanto, Fantáppie e Albanese foram deextrema importância, dadas as nossas condições científicas e necessidades. Impulsionaram oensino, o desenvolvimento e o direcionamento da Matemática Superior em nosso país, a partir deSão Paulo.

Em 1945, o conhecido matemático português Antônio Aniceto Monteiro veio darum grande impulso aos estudos matemáticos na Faculdade Nacional de Filosofia, onde exerceugrande influência. Em agosto de 1945, Paulo de Assis Ribeiro criou na Fundação Getúlio Vargas(Rio de Janeiro) um “Núcleo Técnico-Científico de Matemática” sob a direção de Lélio Gama.Nesse mesmo ano, foi fundada a “Sociedade de Matemática de São Paulo”, da qual Omar Catundafoi o primeiro presidente.

AMOSTRA REPRESENTATIVA: ENTREVISTA COM UMA PROFESSORA

A professora Paula trabalha há 33 anos em escolas de Ensino Médio e Superior.Sempre trabalhou no magistério. Ela é licenciada em Matemática e mestre em EducaçãoMatemática.

“Acho que o período da Matemática Moderna que influencia até hojeo ensino da Matemática, teve o seu lado bom, mas criou ranços quea gente traz até hoje no ensino da Matemática, que é o formalismo,que é uma preocupação teórica com as Funções Matemáticas eque impede que o professor visualize o quanto que isto poderiacolaborar com a Matemática, é voltado ... respeitando, vamos dizerassim, respeitando a parte formal; mas sem que ela fosse o primeiroplano do ensino e trabalhando mais com o cotidiano, com o dia-a-dia, com as verdadeiras necessidades que nós temos hoje.” (ProfªPaula)

A origem do termo Matemática Moderna é pertinente (...) Sua principal mensagemera que o ensino da Matemática tinha malogrado porque o currículo tradicional oferecia Matemáticaantiquada, ou seja, a Matemática criada antes de 1700. Contudo, a Comissão alegava que devíamoslargar a matéria tradicional em favor de campos novos como o da Álgebra Abstrata, o da Topologia,o da Lógica Simbólica, o da teoria estabelecida e a Álgebra de Boole. O “slogan” da reformapassou a ser “Matemática Moderna” (Kline, 1973, p. 34).

“Eu acho que sim; eu acho que isso afeta inclusive ainda o currículoque é dado para a formação de professores que acaba ficando voltadoainda dentro dessa, dessa perspectiva da Matemática Moderna queainda não conseguiu, vamos dizer assim, ser abandonada totalmente.Eu mesma tenho esse ranço... Eu tenho esse ranço da MatemáticaModerna; eu ainda estou presa a um formalismo que venho tentandome libertar de um tempo para cá, mas é uma, vamos dizer assim, éuma exigência que eu tenho de que as coisas sejam bem

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formalizadas, bem... Ah! São bem formalizadas mesmo, em termosde Matemática; só que você pode fazer isso de uma maneira mais,vamos dizer, mais suave; não entrar nesse formalismo de chofre,como várias vezes eu entrei dentro da Álgebra, dentro da própriaAnálise... Você pode trabalhar com as noções e deixar que esteformalismo venha devagar.” (Profª Paula)

A professora Paula, ao apontar a influência do formalismo excessivo oriundo daMatemática Moderna, indica no curso superior o que também acontece com o Ensino Básico,pois a linguagem utilizada usualmente com as crianças e os jovens estaria numa relação deformalismo fundamentada na Matemática Moderna. Ao apresentar os exercícios, as demonstrações,o desenvolvimento desta disciplina, incorpora-se uma linguagem não usual ao aluno, mas que oprofessor adquiriu ao longo de sua vida profissional, após um longo período de estudo.

Ao longo da história da Matemática vai se evidenciando o quanto ela é necessáriae importante. Tanto que, hoje, ela é aplicada em todos os setores do conhecimento. Em razão deseu desenvolvimento e de suas aplicações, escapa ao leigo que uma conquista, um avançodependem de situações que outros criaram, estimularam ou solicitaram.

Tal modo de construção se baseou nas expectativas e necessidades em um contextoe isso não é mostrado aos jovens. Ou seja, conhecer o processo histórico da construção doconhecimento matemático é de extrema importância, pois, assim, o aluno e mesmo o professorpassam a conhecer, a entender como tal conhecimento e situação da vida, da ciência, da tecnologiaocorreram, e qual a razão desse conhecimento ter sido “criado”.

Devemos entender que o processo de construção do formalismo matemático ocorreudurante muitos anos, quase sempre associado a resoluções de problemas simples ou sofisticados.No entanto, a Matemática desenvolvida na escola é uma apresentação da aquisição feita pelahumanidade, mas não se contextualiza a razão do conhecimento e não se buscam situações eprocedimentos pedagógicos adequados para promovê-lo e aplicá-lo. A maioria dos professores,simplesmente, apresenta o conteúdo de forma resumida, faz exercícios e os cobra na “prova”.

Dessa forma, o pensamento de saber quem é que detém o conhecimento que nãoé compreensível para a maioria dos alunos reforça progressivamente a idéia de que o acesso àMatemática é para poucos. Constrói-se um mundo à parte, habitado por poucos que, por algumasrazões, inclusive a de gostar, se dedicam a estudar e a ensinar Matemática.

A abstração, a lógica, a indução, a construção de mundos mais complexos ficamdistantes dos alunos, pois os procedimentos pedagógicos e o próprio conhecimento matemáticodão ao professor o direito a determinado tipo de avaliações que asseguram a perpetuidade de talrelação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo da História, o desenvolvimento da Matemática sempre dependeu de suasaplicações e nunca o valor posto foi o dela própria. Verificamos essa assertiva quando o

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conhecimento matemático vai passando de um nível de não Ciência, quando se iguala à astrologia,até as suas aplicações tecnológicas, que foram se desenvolvendo ao longo dos séculos.

No entanto, no decorrer desse mesmo desenvolvimento, vai-se percebendo comoferramenta primordial para a execução de pesquisas em todos os âmbitos, passando, por exemplo,pela necessidade de construção de estradas, por aplicações de caráter militar e, atualmente, nãohá uma área na qual a Matemática não esteja presente.

Na área da Educação, nas aulas desta disciplina, o pensamento que permaneceufoi o de que o conteúdo em si está totalmente pronto e, portanto, nada há a ser feito; este trabalhoreputa que tal postura decorre da forte influência positivista.

Mesmo com a fundação da Universidade de São Paulo e com a Faculdade deFilosofia, o estudo da Matemática continuava meramente teórico, voltado para a qualificação dobacharelado. Somente em 1964, com a criação das licenciaturas, é que as preocupaçõessistemáticas com o ensino começam a se manifestar. Contudo, até hoje, poucas mudançasocorreram, pois ela se fechou para preservar o corpo do seu conhecimento, uma constante aolongo de sua história.

No campo da licenciatura, os professores manifestam um rigor, uma preocupaçãocom a exatidão Matemática, em detrimento do aluno, que deve nos trazer o sentido da busca daliberdade e da esperança. Trata-se de realizar práticas e oferecer conhecimentos que favoreçama humanização dos alunos, em primeiro lugar. A funcionalidade do que tem sido ministrado e,principalmente, a forma “autoritária” como os conteúdos têm sido dados, não tem conseguidofazer da ciência Matemática um instrumento a ser apropriado para uma vida mais consciente emais digna.

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Os Parques Infantis, instituições de atendimento à infância da cidade de São Paulo,foram inspirados nos ideais do escolanovismo e, em 1935, com Fábio Prado na Prefeitura e oescritor Mário de Andrade à frente do Departamento de Cultura, representaram um exemplo doconceito de que o trabalho com as crianças não deve ser exclusivamente assistencial, mas tambémde cunho educativo e cultural, pois o educar relaciona-se intimamente com o recrear e o assistir.Para concretizar essa teoria, os Parques tiveram um quadro de funcionários com médicos, dentistas,educadoras sanitárias, educadoras musicais, instrutoras de Educação Física e recreacionistas.

A seleção do quadro de funcionários deveria contemplar os ideais dos Parques. Asobservações do prefeito Fábio Prado fornecem subsídios para pensar como eram escolhidas aseducadoras no início dos Parques Infantis:

Escolhidas cuidadosamente, as instrutoras, todas elas com doisdiplomas – o de Escola Normal e o de um outro curso daUniversidade – todas elas indicadas pelo Instituto de Educação,escolha feita exclusivamente pelo critério de competências,capacidade e tendência para um serviço dessa categoria (Prado inDepartamento Municipal de Cultura de São Paulo, 1936).

Ressalte-se: as instrutoras seriam indicadas pelo Instituto de Educação e deveriamter dois diplomas. Vale lembrar que para se trabalhar na escola primária o diploma da EscolaNormal era suficiente. Todavia a instrutora do Parque Infantil, ao menos num primeiro período,especificamente na gestão de Mário de Andrade (1935-1937), tinha que possuir dois certificados,o que poderia implicar mais rigor na seleção e preparo para a função. Isso denotava a preocupaçãocom a qualidade educativa que seria desenvolvida nos Parques, fato que se contrapõe às teoriasque limitavam os Parques à ação assistencialista.

Foram nomeados para o trabalho nos Parques Infantis: o Dr. Nicanor de Miranda(chefe da Divisão de Educação e Recreio) e a professora Maria Aparecida Junqueira Duarte(administradora dos Parques Infantis), além das instrutoras: Elza de Moraes Barros, Suzanna deAbreu, Ida J. Kuester, Margarida Gonçalves Dente, Lavinia da Costa Villela, Sarah Ramos, MariaEstásia Ortiz, Marina J. Xavier (instrutora substituta) e Sibila J. Kuester (instrutora substituta) edo Médico Rubens Cordeiro Leite (Revista do Arquivo Municipal – RAM - , XII, 1935, p 241-244).

HISTÓRIA DA FORMAÇÃO DOCENTE:AS EDUCADORAS DOS PARQUES INFANTIS

EM SÃO PAULO (1935-1955)

SANTOS, Maria Walburga dos (SME/SP)

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Cogitou-se o nome da professora Alice Meireles Reis, professora do Jardim daInfância e do Curso Normal da Escola Caetano de Campos para o cargo de chefe da Divisão deEducação e Recreio, tendo ela, todavia, rejeitado o convite. Possivelmente por razões políticas.

Percorrendo atos de nomeação e provimento de cargos (767 e 861) e emlevantamento realizado junto aos arquivos da Escola Caetano de Campos, tem-se:

NOMEADAS DE PARQUE INFANTIL – FORMAÇÃO

Fonte: Instituto Pedagógico de São Paulo – Curso Normal – Registro de diplomasde habilitação. Livros: 19 (1931 – 1934) e 20 ( 1933 – 1935)

Infelizmente, não foi possível preencher o quadro por completo, pela insuficiênciade documentação, mas destaque-se que quatro delas formaram-se pela Escola Normal Caetanode Campos entre 1931 e 1933. No período de origem dos Parques Infantis e nas duas décadasseguintes vários educadores de reconhecimento público passaram pela Escola Caetano de Campos.Em 1939, constam de sua lista de funcionários:

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FUNCIONÁRIOS

Fonte: Álbum Escola Normal Modelo Caetano de Campos – 1939 – Arquivo Históricoda Escola Caetano de Campos.

Dentre os educadores de 1939, destacam-se as professoras Alice Meireles Reis,Carolina Ribeiro e Heloisa Prestes Monsoni1 como influentes no cenário da educação infantil e,certamente, com extensão aos Parques Infantis. Todavia, outros educadores ajudaram a comporo pensamento educacional da Caetano de Campos e dos Parques Infantis, como Fernando deAzevedo e Noemy Silveira2. Para esse estudo específico, interessam sobretudo Fernando deAzevedo e Alice Meireles Reis.

Fernando de Azevedo, um do expoentes do Manifesto dos Pioneiros da EducaçãoNova, foi diretor da Escola Caetano de Campos e teve grande participação, segundo Paulo Duarte,na elaboração do plano que deu origem aos Parques Infantis. Basta lembrar que sugeriu o nomeda primeira indicada a exercer o cargo de instrutora nos Parques Infantis, Elza Moraes de Barros.A influência de Fernando de Azevedo na formação de professores e nas questões relacionadas aoensino infantil torna-se mais evidente considerando as observações de Kishimoto:

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A identidade de princípios leva Fernando de Azevedo a adotar ametodologia de Decroly, dos centros de interesse, no Programa deJardim de Infância da Reforma de 1927, no Rio de Janeiro e tambémno código de Educação que reestrutura a educação política,incluindo o nível denominado Pré-Primário no sistema de ensino.Outro escolanovista que subsidia propostas de Fernando deAzevedo é o autor do método de projetos, Kilpatrick (...) ancoradona idéia de desenvolver a inteligência por meio de resolução deproblemas da vida real. Esse método ganha espaço ao lado doscentros de interesse e outras propostas globalizadoras dametodologia de ensino sugerida por Fernando Azevedo para a pré-escola (Kishimoto, 1988: 119).

Kishimoto aponta as bases teóricas da Educação Infantil no período (anterior aoManifesto e ao Parque Infantil, porém prenúncio de ambos) e elas estão calcadas na proposta deAzevedo. Para concluir, a autora cita:

Apesar da nítida preferência, no plano metodológico, pelos centrosde interesses de Decroly e projetos de Kilpatrick, Fernando deAzevedo segue a tendência universal de misturar propostas dediferentes autores, desde que apresentem certa unidade teórica.Assim, prevalece a utilização de alguns materiais pedagógicos deMontessori e também de Froebel, na composição do programa deReforma do Distrito Federal (op. cit.: 120).

Essa mescla de propostas também será observada na prática dos Parques Infantis.A reflexão é que essas teorias, de certa forma, compuseram o ideário de formação do CursoNormal e seus ecos reverberaram por essas instituições – talvez sem explicitar nominalmenteteóricos como Decroly, Kilpatrick ou Froebel – mas com os ares de mudança advindos da Reformado Ensino do Distrito Federal (1927), do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932) e doCódigo de Educação (1933), que propuseram um olhar para a educação da infância.

Para compreender um pouco da teoria pedagógica que embasava o desenvolvimentodos Parques Infantis, realizou-se levantamento do que se acreditava que um educador deveriadominar, em termos de conceitos, para pleitear uma vaga nessas instituições:

PROGRAMA DE CONCURSO PARA INSTRUTOR – PARTE ESCRITA

O moderno conceito de educação física. A educação física e a ação física, mentale social do indivíduo.

As bases funcionais da educação física. A educação física e a sociedade moderna.

Estudo dos métodos. Jahn, Ling e Amoros. O método francês.

Educação física da infância. Funcionamento fisiológico. A sedentariedade e ainfância.

Psicologia aplicada. Leis do aprendizado.

Os jogos. Efeitos psico-fisiológicos.

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A estafa. Sintomas. Quais os meios mais aconselháveis para evitar a estafa nacriança e no pré-adolescente.

A ginástica ortopédica, corretiva ou terapêutica. Valor e objetivos. Aplicação aosParques Infantis.

As atividades físicas no curriculum da recreação. A que princípios deve obedecer aprogramação das atividades físicas num Parque Infantil?

Fichas de aproveitamento. Elaboração. Controle. A ficha como elemento para apesquisa social.

Fonte: Revista do Arquivo Municipal XXX, 1936.

O jogo, dirigido ou não, era o aspecto mais relevante do Parque Infantil, comomostram o item 6 do programa de concurso para instrutor (Os jogos – efeitos psico-fisiológicos) emais cinco destaques do quadro de funções propostas às educadoras pelo ato 767/1935 e ratificadospelo ato 861 do mesmo ano:

· Atrair as crianças para os brinquedos próprios à sua idade, desviando-as detodos aqueles que sejam contra-indicados;

· Orientar as atividades recreativas da criança, velando por ela sem lhe perturbarou ameaçar a liberdade e espontaneidade no brinquedo;

· Ensinar a prática de jogos infantis, participando com as crianças das atividadeslúdicas ou recreativas;

· Propagar a prática de brinquedos e jogos nacionais, cuja tradição as criançasjá perderam ou tendem dia a dia a perder;

· Promover a prática de todos os jogos que, pela experiência universal, foremdignos de serem incorporados ao patrimônio dos inspirados nas tradições locais ou nacionais;

Pensando nas intenções previstas para o desempenho das educadoras e naformação que elas tinham em sua origem, a questão dos jogos para crianças deve ser olhadamais de perto. Tendo por base a Escola Caetano de Campos, pode-se dizer que as idéias deFroebel, Agazzi, Decroly e Montessori norteavam o trabalho teórico com as futuras professoras. Onome de Froebel foi destacado em algumas entrevistas (constantes de dissertação de mestradode minha autoria) com professoras aposentadas de Parques Infantis e consta que Alice MeirelesReis introduziu várias mudanças em sua sala de aula, pensando a estrutura (espaço) e jogos.

A ligação da professora Alice com os Parques Infantis não foi abortada diante desua recusa em assumir o cargo de chefia ocupado, então, pelo professor Nicanor de Miranda.Como era reconhecida na rede pelo trabalho desenvolvido no Jardim da Infância da Escola Caetanode Campos e no curso da Escola Normal, era requisitada para desenvolver atividades junto a

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outros grupos de assistência e educação infantil, notadamente em instituições de cunho católico.Além disso, esteve presente em ocasiões em que era necessário emitir pareceres sobre a educaçãoda infância, como na reportagem Melhorar os Parques Infantis para que se tornem Centros deEducação Integral :

O senhor Israel Alves dos Santos, diretor geral do Departamentode Educação visitou ontem à tarde em companhia do PrefeitoPrestes Maia e a convite deste, os Parques Infantis D. Pedro II e ode Villa Romana (...) Faziam parte da comitiva também os senhoresNicanor de Miranda, diretor da Divisão de Educação e Recreio doDepartamento de Cultura da Prefeitura Municipal e a professoraAlice Meireles Reis, diretora do Jardim da Infância da Escola Nor-mal Caetano de Campos (Diário de São Paulo, 21/08/1943).

Percebe-se que a professora Alice Meireles Reis tinha uma posição de destaque nocenário da educação infantil em São Paulo a ponto de acompanhar autoridades e, possivelmente,avaliar a questão dos parques a fim de firmar o referido convênio. Voltando para sua influênciapedagógica, explicita-se sua ação metodológica como indica Kishimoto:

Um dos empreendimentos efetuados por aquela educadora (AliceMeireles Reis) refere-se a utilização do método das irmãs Rosa eCarolina Agazzi, as quais elaboraram um sistema de trabalhoapropriado a crianças de 03 a 06 anos de idade (...) com a intençãode adaptar o método froebeliano (...)Alice critica o material montessoriano, como recurso didático quepropicia interesse passageiro, atribuindo às formas rígidas egeométricas a ausência de um conjunto agradável, capaz de atrair ointeresse das crianças. Desse modo, ao adotar alguns jogosmontessorianos, como os encaixes, Alice substitui as formasgeométricas por outras, configurando flores e animais ou introduz aatividade de abotoar o avental do colega e amarrar os cordões dossapatos no lugar dos bastidores montessorianos com cordões oubotões.Dentro dessa perspectiva de usar material mais significativo paraas crianças, o belga Decroly é outro educador que influencia ostrabalhos da professora Reis (Kishimoto 1988: 122-123).

O trabalho com jogos, com material diversificado (incluindo sucata e folhas secas),os centros de interesse e olhar e escuta atentos às crianças são marcas das atividades da professorano Jardim da Infância. Mesmo utilizando a base froebeliana no que diz respeito ao desenvolvimentodos jogos, a professora Alice demonstra-se insatisfeita com a tradicional metodologia froebelianaque persiste por mais de 20 anos, entra em contato com obras importadas e elabora novas propostasmetodológica, que discute com Lourenço Filho e Noemy Silveira (Kishimoto, 1988:122).

A PROFESSORA CAROLINA RIBEIRO TAMBÉM DÁ ÊNFASE AO PAPEL DOJOGO:

A criança não pode passar sem o brinquedo. Esta é uma atividade essencialmenteinfantil, que não se encontra senão raramente no adulto, pois tende a diminuir e a transformar-secom a idade. Na infância, entretanto, absorve por si só quase toda a atividade do indivíduo, pois,mesmo qualquer trabalho, a criança transformar em jogo ou brinquedo (Ribeiro, 1943: 242).

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A utilização do brinquedo, do jogo é a prática mais efetiva do Parque Infantil. Deacordo com o ato 861, as funções das instrutoras estariam ligadas ao desenvolvimento de jogos ebrincadeiras e deveriam, entre outros aspectos: atrair as crianças para brincar, orientar as atividadesrecreativas mas sem prejudicar a espontaneidade da criança.

A espontaneidade da criança como princípio, e o jogo como prática, eramdeterminantes do caráter dos Parques Infantis. Segundo a análise do programa de concurso parainstrutores, temos como prova prática a realização de vários tipos de exercícios físicos – correçãopostural, respiração etc. - para os candidatos às vagas. Contudo, o que mais chama a atençãonesse item é que o programa ainda solicita, como parte integrante e obrigatória de cada ponto: adramatização de um tema nacional (crianças de 4 a 9 anos) e uma aula de livre escolha docandidato com dois jogos (crianças de 4 a 9 anos) (Programa de Concurso para Instrutor, 1936:255).

Se pensarmos no Programa como base do que se poderia efetivar nos parques, aexigência de prova prática, onde o candidato deveria realizar exercícios ou propor jogos, denota apreocupação não apenas com o conhecimento da teoria, mas na devida aplicação, ou seja, acoerência entre teoria e prática demonstra, mais uma vez, a preocupação com a qualidade doseducadores que atuariam nesses Parques Infantis.

Dos dez tópicos do programa de Psicologia Infantil e Pedagogia Aplicada, setereferiam-se claramente aos jogos:

· O jogo e o brinquedo. Teoria da distração e teoria da energia supérflua. (Schiller-Spencer).

· Concepção genético-funcional do jogo. O jogo como estimulante do crescimento.Teoria da compensação ou do exercício complementar: Nashuebung.

· Teoria catártica (Carr). O jogo e as tendências anti-sociais na infância e naadolescência.

· O jogo é uma livre persecução de fins fetícios (Claparède). Funções secundáriasdo jogo. Relações com a arte, a política, a religião.

· Jogo e trabalho. Caracteres distintivos. Relações.

· Das várias classificação dos jogos (Gross, Claparéde). O critério fisiológico.Crítica das varias classificações (Programa de Concurso para Educador, 1936: 255-257).

Ora, a preocupação com os jogos nesse programa busca várias referências edemarca a idéia de que o jogo funcionava como eixo do processo educativo dos parques que,dessa maneira, assumem definitivamente um papel de não escolarização, mas de sociabilidade,lealdade e amizade, como Paulo Duarte nos aponta:

O êxito dos Parques Infantis foi uma coisa entusiasmante (...) Aeducação da criança, de modo insensível, incutindo-lhe o sentimentode camaradagem, da sociabilidade, da lealdade e da amizade, por

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meio de atividades lúdicas, como os brinquedos tradicionais dofolclore nacional ( in FARIA, 1995: 127).

Esse aspecto da sociabilidade, da lealdade e da amizade que proporcionava aanálise de Duarte a respeito dos Parques Infantis, novamente remete a Froebel:

(...) O jogo constitui o mais alto grau de desenvolvimento da criançadurante essa época (...) é a manifestação espontânea do interno,imediatamente provocada por uma necessidade do próprio interior(...). A criança que joga tranqüilamente, com espontânea atividade,resistindo à fadiga, chegará a ser certamente um homem tambémativo, resistente (...) Como tenho dito, não se deve considerar osjogos infantis como coisa frívola e sem interesse, tem também seuaspecto sério e sua profunda significação (Froebel, 1913: 57).

Froebel não é citado nominalmente no programa. Mas considera-se que sua teoriapermeie a constituição ideológica educativa dos Parques Infantis, já que teóricos escolanovistascomo Lourenço Filho, Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo partilhavam idéias que, como jávimos, alicerçavam os Parques Infantis e consideravam a educação da criança pequena comonecessária, base do sistema escolar, não apenas voltada à higiene, mas diferenciada da escolapadrão, como nos mostra Teixeira:

O problema da criança pré-escolar é visto apenas sob o ângulo dasaúde física, transformando-se em problema “pediátrico” e não“pedológico”, que aspectos importantes para a educação da criançapré-escolar como crescimento, desenvolvimento e formação dehábitos permanecem estritamente ligados á saúde física, e não secuida de facetas pedagógicas como habilidades mentais,socialização e importância dos brinquedos (Apud Kishimoto, 1988:146).

Alertando para a importância das facetas pedagógicas, como habilidades mentais,socialização e importância dos brinquedos, Teixeira remete a princípios que deveriam integrar odia-a-dia do pré-escolar e já faziam parte do ideário educacional brasileiro desde 1882, comoesclarece o Parecer de Rui Barbosa:

Tal lição dos fatos e dos mestres, curvando-se a ela, não menosque aos ditames da boa razão, ante o qual os mesmos motivos queexigem para o professor primário uma educação profissional,impõem ao magistério dos jardins Froebel uma preparaçãorigorosamente técnica – e cedendo assim à autoridade irresistívelda tendência e da observação geral, que agregamos à Escola Nor-mal de Mulheres, um curso distinto com seu Kindergarten modelo(Apud Pinazza, 1997: 127).

As idéias de Froebel, portanto, há tempos vinham sendo desenvolvidas nos cursosde formação para professores. Resta-nos saber se a prática refletia esse pensamento.

Continuando a análise do programa de concurso para instrutores de 1936, cabemencionar que música, bailado, dança e tradições folclóricas também estavam presentes, indicando

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a preocupação com a diversidade cultural nos Parques e mais uma vez revelando que seusinstrutores deveriam possuir uma formação sólida para preencher os requisitos propostos. Alémdesses, nota-se ainda o aspecto higiênico bem presente no cotidiano dos Parques e que deveriaser observado pelos funcionários que lidavam diretamente com as crianças.

Em síntese, conclui-se pelos dados pesquisados que a formação do educador dosParques Infantis não destoava do cenário da educação nacional, onde havia o predomínio deteorias e práticas com fundamento na Escola Nova, destacando o jogo como a principal estratégiade ação para a educação das crianças nesses espaços, defendendo a construção de uma educaçãocompleta, contemplando assistência, cultura, recreação e aprendizagem.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FARIA, Ana Lúcia Goulart de. Educação Pré Escolar e Cultura. São Paulo: Cortez, 2002.

FROEBEL, Friederich. La Educación del Hombre. Traducción del alemán por Luis de Zuluetta, s/l, Daniels Jorro Editor, 1913.

KISHIMOTO, Tizuko Morchida. A Pré Escola em São Paulo (1877 a 1940), São Paulo: Loyola,1988.

PINAZZA, Mônica Apezzatto. A Pré-Escola Paulista à Luz das Idéias de Pestalozzi e Froebel:memória reconstruída a partir de periódicos oficiais. Tese de Doutorado, FEUSP, 1997.

RIBEIRO, Carolina. O Ensino através da História. São Paulo, Gráfica Municipal. Separata dovolume IV centenário da fundação da Cidade de São Paulo.

SANTOS, Maria Walburga dos. Educadoras de Parques Infantis em São Paulo: aspectos de suaformação e prática entre 1935 e 1955. Dissertação de Mestrado, FEUSP, 2005.

DOCUMENTOS CONSULTADOS:

ATO n. 767, de 09 de janeiro de 1935. Cria o Serviço Municipal de Jogos e de Recreio paracrianças. Revista do Arquivo Municipal de São Paulo, v. X, 1935.

ATO n. 861, de 30 de janeiro de 1935. Providencia o Provimento de cargos do Departamento deCultura e de Recreação. Revista do Arquivo Municipal de São Paulo, v. XII, 1935

PRADO, Fábio. A Administração de Fábio Prado na Prefeitura de São Paulo através de entrevistaao jornal O Estado de São Paulo em março de 1936. Coleção do Departamento Municipal deCultura.

PROGRAMA do Concurso para Instrutor. Revista do Arquivo Municipal, Publicação do Departamentode Cultura. V. XXX, setembro, 1936.

NOTAS

1 Em alguns textos, consta o sobrenome Monzone. Era sorocabana e professora de Psicologia da Caetano de Campos. Foi entrevistada,como também a professora Alice Meireles Reis, pela professora Tizuko Morchida Kishimoto quando da composição da tese de doutorado“A Pré-Escola em São Paulo (1877-1940).2 Ambos estão em foto avulsa do Arquivo da Escola Normal Caetano de Campos identificando professores e alunos datada de 1931. Namesma foto, no grupo de alunos, está Elza Moraes de Barros, primeira educadora indicada ao cargo de instrutora do Parques Infantis.

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O século XIX foi o período que advogou a democratização do ensino primário nospaíses mais desenvolvidos e conseqüente implantação das escolas normais necessárias para aformação de docentes. Essas idéias foram transplantadas para o Brasil no início da organizaçãodo ensino primário.

As escolas de formação de professores, no Brasil, tiveram uma história de extinçãoe criação. Em algumas Províncias só adquiriram estabilidade a partir de 1870 em conseqüênciada consolidação das idéias liberais de democratização e obrigatoriedade do ensino primário e deliberdade de ensino.

Algumas Províncias criaram escolas normais a partir do Ato Adicional de 12/08/1834, lei esta que descentralizou o ensino, conferindo às Províncias diversas atribuições, sendouma delas a de legislar sobre a educação. Assim, foram criadas Escolas Normais no Rio deJaneiro (1825), Minas Gerais (1840), Bahia (1836) mas, instalada só em 1841 e em São Pauloem 1846 somente para o sexo masculino.

O Poder Geral, durante o Regime Imperial, deteve o monopólio do ensino superiorem todo o país e ocupou-se do ensino de todos os graus apenas na Capital do Império, deixandoo ensino normal, popular e primário relegado às Províncias, que tentavam organizá-lo mas, devidoa falta de recursos, era precária em todos os sentidos.

Para se ter uma idéia da situação da formação de professores no país pode-seanalisar a problemática da Escola Normal Paulista, criada em 1846. Organizada com inspiraçãonos moldes das Escolas Normais Francesa de forma simplificada; o curso era de dois anos comum currículo quase idêntico ao das escolas primárias elementares acrescido da matéria de Lógicae de uma rudimentar formação pedagógica.

Para ingressar no curso normal o candidato tinha apenas que comprovar que tinha16 anos, que sabia ler e escrever; isto se comprovava através de um exame. Portanto, o cursonormal era a nível primário, com grandes limitações de conteúdo e ocorria o mesmo com asoutras três instituições destinadas a formação de professores do país, que eram no Rio de Janeiro,Minas e Bahia.

A organização didática do curso era rudimentar e as condiçõesmateriais da escola – instalada numa única sala do edifício contíguoà Catedral da Sé – eram as mais deficientes possíveis. Puramenteteórica, destinada a alunos que apenas sabiam ler e escrever, comum curso de dois anos, e, o que é pior, com aulas diárias de apenasuma hora, com um único professor para todas as matérias, seu nívelfoi baixíssimo, sua expressão e influência praticamente nulas.(TANURI, 1979:16).

INTRODUÇÃO À HISTÓRIA DAFORMAÇÃO DE PROFESSORES

PINTO, Aparecida Marcianinha - Universidade Estadual de Maringá – PPE

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O próprio Inspetor Geral da Instrução Pública, Diogo de Mendonça Pinto, nosRelatórios sobre a situação educacional (após 1852) mostrava a intolerância da Escola Normaldevido a sua péssima organização e falta de recursos: apenas um professor para todas as matériasdo currículo, não havia aulas práticas, nem ensino de didática e não se procurava verificar avocação dos inscritos em relação ao curso que faziam.

Em 1864 a Assembléia Legislativa aprovou um projeto de lei de reforma da instruçãopública satisfazendo algumas das exigências em relação ao Ensino Normal, sendo uma delas adistribuição do currículo em duas cadeiras, cada uma a cargo de um professor: haveria aulaspráticas nas salas de primário e no currículo foi acrescido matérias do ensino primário superior.Porém, o Presidente da Província vetou o projeto, argumentando que o mesmo onerava os cofrespúblicos.

A Escola Normal caminhou para a decadência. Como não havia ingresso de alunostodos os anos formava-se uma turma de dois em dois anos, que, após nove anos de funcionamentoformou apenas dezoito alunos (18), dos quais somente onze (11), foram nomeados professores.Até a extinção, em 1867, a Escola Normal Paulista formou quarenta (40) alunos.

No Relatório de 1864, Diogo de Mendonça Pinto afirma que os estudos realizadosna Escola Normal restringiam-se à leitura de clássicos e análise gramatical e a mesma setransformara num refúgio para quem não queria servir o exército ou alistar-se na Guarda Nacional.

Quando da instalação da Escola Normal estabeleceu-se que apenas seus egressostinham o direito de lecionar nas escolas de primeiras letras; posteriormente, esse privilégio foirevogado na medida em que se estabeleceu que o candidato que prestasse o concurso, que fosseaprovado e exercesse satisfatoriamente a profissão por dois anos ele teria o provimento vitalício.

Após essa medida muitos alunos abandonaram o curso normal, prestaram osexames e exerciam o magistério; e assim, também as candidatas a professoras prestavam osexames; para o sexo feminino as escolas primárias eram em número reduzido devido a não sevalorizar a educação intelectual da mulher, bem como a suposição de que sua instrução deveriaser inferior a do sexo masculino, o que foi estabelecido na Lei n.º 34, de 16/03/1846, que excluíaconteúdos de geometria e a parte de proporções em aritmética do currículo das escolas primáriasfemininas, os quais eram ministrados aos alunos do sexo masculino.

A Lei de 1846 procurou “facilitar” os exames às candidatas ao magistério primário,estabelecendo a realização dos exames nas cidades distantes da Capital, perante a Inspetoria deEnsino; entretanto, o pagamento eqüivalia a dois terços do salário e era provisório. Em 1847, umano após a criação da Escola Normal masculina, criou-se um estabelecimento igual para o sexofeminino, mas apenas destinado às órfãs: o Seminário das Educandas de São Paulo. Dessaforma o poder público procurava solucionar dois problemas: fornecer a mão-de-obra para as escolasprimárias e encaminhar as órfãs que chegavam à idade adulta.

Para atingir seus objetivos o Regulamento do referido Seminário estabelecia queas cadeiras do magistério primário que vagassem seriam providas, independente do concursoestabelecido por Lei, pelas órfãs que não fossem pedidas em casamento ou que não quisessemtrabalhar como criadas em casa de família.

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Com a extinção da Escola Normal masculina e a desatenção dos poderes provinciais,em 1856, suprime-se a Escola Normal do Seminário das Educandas. Inexistindo as instituiçõesformadoras de professores o corpo docente era garantido através dos exames, o qual era econômicopara os cofres provinciais prejudicando o estabelecimento definitivo das Escolas Normais.

Limitados apenas às matérias do ensino primário e aos “métodosprincipais de ensino”, submetidos à forte pressão partidária quepropiciava uma política de protecionismo, desprovidos de rigor, emvirtude da insuficiência de candidatos, os exames – realizados emconcursos públicos – só puderam carrear para o magistério primário,via de regra, um pessoal de baixo nível cultural e exíguas habilitações.(TANURI, 1979:12).

Além de que,

Os concursos de ordinário consistem num exame quase sempublicidade;(...), ninguém comparece a presenciá-los; o candidatonão tem já mais competidor, propõe-se a contender por um lugarque ninguém lhe disputa. Em regra ele lê correntemente, escrevecom maior ou menor apuro caligráfico, efetua as quatro operaçõesfundamentais da aritmética, às vezes com dificuldade e alguns erros;a parte teórica não é devidamente aprofundada. Em religião recitade cor as orações principais da Igreja; responde a uma ou outrapergunta, sem contudo dar provas de que cabalmente compreendeos princípios e a doutrina. (relatório do Inspetor Geral da InstruçãoPública Diogo de Mendonça Pinto, citado por TANURI, 1979:21).

Entretanto, este era o professor que supriria as necessidades da Província até1874: os professores do Palácio; assim chamados por prestarem o concurso numa das salas doPalácio do Governo.

Se a situação do ensino normal era caótica a do ensino primário e secundário nãoera muito diferente. O primário limitava-se ao ensino de primeiras letras, com deficiência qualitativae quantitativa, ministrado em conjunto para crianças de várias faixas etárias em classesmultiseriadas. O secundário, quase inexistente, limitava-se a aulas avulsas de humanidades,havendo também colégios, escolas e aulas de iniciativa particular, acessíveis apenas à elite,devido a sua função preparatória para ingresso no grau superior, o qual não tinha sistematizaçãoe continuidade.

Em 1865 São Paulo contava com 153 escolas primárias públicas masculinas e4979 alunos matriculados; 101 escolas para o sexo feminino e 2294 alunas matriculadas. Osecundário contava com 08 aulas públicas e 129 matrículas e a iniciativa particular ofertava 40aulas.

Só a partir de 1870, com o início do chamado período da ilustração brasileira,transformações de ordem ideológica, cultural e política ocasionariam profundas repercussões nosetor educacional bem como a queda da monarquia. No plano ideológico a difusão das filosofiascientificistas e liberais dá uma nova visão sobre a questão educacional. A crença de que um paísé o que sua educação o faz ser, passou a fazer parte do pensamento dos homens dos diferentes

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partidos e diferentes posições ideológicas e a difusão do ensino ou luzes era encarada comocondição indispensável ao desenvolvimento social e econômico da nação.

As reivindicações tomam corpo em torno de questões como a obrigatoriedade dainstrução elementar, a liberdade do ensino em todos os níveis e a cooperação dos Poderes Geraisno âmbito da instrução primária e secundária nas Províncias, bem como a reivindicação porescolas normais, a qual começa a obter algum êxito. Assim, já no Relatório de 1883, o Ministro doImpério registra a existência de 22 escolas normais, com um nível e organização melhores que asanteriores, entretanto, não atingia o nível do ensino secundário.

Vários projetos propunham a idéia da ação central criar ou manter estabelecimentosde ensino, ou na forma de concessão de auxílio, como se propôs na Reforma Leôncio Carvalho de18/04/1879, que autorizava o Governo a subsidiar escolas normais nas Províncias, o qual nãochegou a ser executado; o de Almeida Oliveira de 18/09/1882, o de Rui Barbosa de 12/09/1882e Cunha Leitão de 24/08/1886, concediam ao Poder Central a faculdade de subsidiar escolasnormais nas Províncias, porém, nenhum obteve êxito.

Esses projetos evidenciam a importância que davam à escola normal nodesenvolvimento quantitativo e qualitativo do ensino primário e ocorria quando acreditavam nopoder da instrução e preocupavam-se com a sua difusão e o seu aperfeiçoamento para quepudessem corresponder às expectativas e esperanças que nela depositavam, para o que quasetodas as Províncias se empenharam.

O movimento a favor da disseminação do ensino foi propício também ao movimentoem prol da liberdade de ensino, iniciado nas Províncias na década de sessenta, época da ascensãodo Partido Liberal ao poder; pretendia-se liberar o ensino privado devido às insuficiências doscofres públicos e no que tange às condições estabelecidas para o exercício do magistério e àfiscalização oficial a que estava submetido legalmente.

A Lei de 1868 não restringiu-se apenas a liberdade de ensino. Esta Lei desoficializouo ensino secundário, deixando-o ao encargo exclusivo da iniciativa particular; esta ainda determinavaa supressão das cadeiras públicas de ensino secundário tão logo ficassem vagas as que tivessemprovidas.

O currículo foi acrescido de outras matérias, o qual devia servir de base para aorganização dos concursos e os candidatos deviam freqüentar as aulas práticas por três meses.Em 1876, começou a funcionar a seção feminina, instalada no Seminário da Glória; ambos oscursos possuíam apenas duas cadeiras, ou seja, dois professores, os quais podiam lecionar nosdois cursos.

Em 1877 o curso sofre alterações curriculares; o mesmo é dividido em quatrocadeiras, cada uma a cargo de um professor; essas foram as principais alterações que o cursoteve as quais abriram caminho para reformas posteriores, restringindo aos poucos a área deconhecimento que o professor deveria abranger em suas atividades docentes.

Junto ao curso normal foram instaladas duas salas de primeiras letras, onde osalunos fariam a parte prática do curso. A Lei, de 1876, ainda permitia que as pessoas quepossuíssem um título de habilitação reconhecido por lei requeressem exame na escola normal

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sem frequentá-la; se obtivessem aprovação plena teriam as regalias de uma pessoa diplomada.Esta era uma forma de continuidade dos chamados exames, agora realizados dentro da própriaescola e reflete o movimento em favor da liberdade de freqüência, o qual intensificava-se no país,principalmente em relação ao ensino superior.

A Reforma Leôncio de Carvalho, de 1878, já instituía o regime de freqüência livre eexames vagos, adotados pelo Colégio Pedro II e Faculdade do Império. A Escola Normal de SãoPaulo, em 1880, o instituiu de forma generalizada para todo e qualquer aluno de seuestabelecimento, independente da habilitação que possuísse.

A partir desse mesmo ano, 1880, a Escola Normal passou a ser denominada EscolaNormal da Praça da República. Sofreu modificações incluindo estudos científicos e mais umacadeira. Portanto, contava agora com cinco cadeiras, cada qual a cargo de um professor. Oscandidatos à matrícula deviam ter documento que comprovasse a obtenção do grau secundário,seja nas escolas oficiais do Império ou no curso preparatório da escola normal e o curso passou aser de três anos.

O currículo tinha matérias que não faziam parte do ensino das escolas de primeirasletras, o que demonstra que já se percebia a necessidade do nível de capacitação que o professordeveria ter, ou seja, modifica-se a idéia de que o conhecimento do professor deve restringir-se aoconteúdo ministrado na escola primária. Contudo,

Na verdade, a longa tradição do sistema de concurso de provas,para preenchimento das cadeiras de ensino primário, encontrava-seno regime de freqüência livre e exames vagos uma variante aprejudicar a realização de um preparo regular do professorado.Cumpre notar, entretanto, que o Regulamento da Escola Normalgarantia, aos normalistas, provimento nas cadeiras vagas,independente de concurso, enquanto houvesse na Provínciaprofessores não diplomados pela Escola Normal. (TANURI, 1979:36).

Logo as falhas fizeram-se notar e a Congregação da Escola Normal reivindicavajunto ao Governo da Província mudanças em seu Regulamento como: melhor distribuição dasdisciplinas nos anos do curso, fim do sistema de classes mistas, dos exames vagos e supressãoda aceitação pela escola de aprovações obtidas em outros estabelecimentos de ensino.

EM 1886 O DIRETOR DA ESCOLA NORMAL CLAMAVA:

Sendo a missão da Escola Normal formar professores, isto é, ensinar a ensinar,não se compreende que tenham valor exames feitos para fim muito diverso – como são os doschamados preparatórios – nem mesmo exame vago com dispensa do curso normal. O professorsó pode se formar fazendo um estudo especial e aprofundado das matérias que tem de ensinar,dando sempre a esse estudo uma feição prática de transmissão de conhecimentos adquiridos,por meio dos exercícios nas escolas primárias anexas chamadas de preparação, e isso somentese pode realizar mediante um curso regular e metódico. (Relatório do Diretor da Escola Normal,José Estácio Corrêa de Sá e Benevides, citado por TANURI, 1979:37).

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As reformas reivindicadas só serão alcançadas com a reforma da instrução públicade 1887, quando suprime-se os exames vagos e extraordinários que muito contribuíram pordescaracterizar a Escola Normal como escola profissional e introduz-se a exigência do cursocompleto para obtenção da carta de normalista, porém, os professores que já exerciam a profissãoainda tinham o direito de prestar só os exames.

A reforma de 1887 dividiu o ensino primário em três graus, porém, o diplomado naEscola Normal tinha prioridade para prover o 1.º apenas; assim, só na ausência do professorformado se aceitaram os leigos; o 2.º e 3.º Graus, de nível mais complexo, seria provido poraqueles que se julgassem capazes, o que demonstra que o nível de conhecimento atingido peloprofessor primário na Escola Normal era insuficiente para que tivesse a responsabilidade delecionar em salas do primário superior.

Esta era a Escola Normal do final do Império: de nível inferior ao secundário daépoca, três anos de duração, era, portanto, não mais que uma escola primária superior. Umainstituição que nascia para o sexo feminino, pois, durante 20 anos de funcionamento, destinava-se ao sexo masculino, e, quando ofertada para o sexo oposto, diplomou apenas uma turma deprofessoras.

NO FINAL DA MONARQUIA DELINEOU-SE A PARTICIPAÇÃO QUE A MULHERTERIA NO ENSINO BRASILEIRO:

A idéia de que a educação da infância deveria ser-lhe atribuída,uma vez que era o prolongamento de seu papel de mãe e da atividadeeducadora que já exercia no lar, principiava a infiltrar-se entre ospensadores e políticos. De um lado, o magistério era a única profissãoque conciliava as funções domésticas da mulher, tradicionalmentecultivadas, os preconceitos sociais que bloqueavam a suaprofissionalização, com o movimento em favor da ilustração damesma, já iniciado nos anos setenta. De outra parte, o magistériofeminino apresentava-se como solução para o problema de mão-de-obra para a escola primária, pouco procurada pelo elementomasculino em vista da reduzida remuneração. (TANURI, 1979:41).

O ensino evoluiu lentamente; as escolas surgem em um período em que sedisseminava pelo país os ideais liberais, a defesa da propriedade, da igualdade e expansão doensino elementar, o que torna necessária a preocupação com a formação de professores. Mas,por muito tempo, a formação oferecida aos professores foi a de curto prazo.

AS TENDÊNCIAS EDUCACIONAIS, DE 1890 A 1930, PODEM SER RESUMIDASCOMO:

Um ensino profissional incipiente e sem obedecer a um plano comum, um ensinoprimário relativamente desenvolvido, um curso secundário direcionado para o ensino superior eum curso normal que começava a se desenvolver num contexto educacional de descentralização

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administrativa e política. Como era de se esperar, a educação não apresenta objetivo e conteúdonacionais. (PEREIRA & LISBOA, 1986, P. 60).

As escolas normais só conseguiram se desenvolver a após 1930. Até 1930 foramapenas experiências que não deram resultados positivos. Este percurso inconstante da formaçãodocente no país trouxe sérias complicações para a formação de professores no país.

REFERÊNCIAS

BARRIGUELLI, José Cláudio. O pensamento político da classe dominante paulista: 1873 - 1928.São Carlos, Arquivo de História Contemporânea. UFSCAR, 1986.

LUZ, Nícia Vilela. A luta pela industrialização no Brasil: 1808 a 1930. São Paulo: alfa – ômega,1975.

PEREIRA, M. C. S. C & LISBOA, L. M. A . Escola normal, hoje? In: FUNDAÇÃO CENAFOR.Escola normal, hoje? São Paulo: CENAFOR, 1986.

TANURI, Leonor Maria. O Ensino Normal no Estado de São Paulo.(1890 – 1930). São Paulo:USP; 1979.

VIZENTINI, Paulo G. F. Os liberais e a crise da República Velha. São Paulo: Brasiliense; 1983.

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Nossa pesquisa teve como objeto de estudo a vida profissional dos professores-alunos inseridos no Projeto Institucional UNESP/Pedagogia Cidadã pertencentes ao Pólo de Francaem parceria com as secretarias da educação de municípios do Estado de São Paulo.

Partimos da investigação da memória escrita dos professores-alunos, como elementoessencial na construção de sua história tanto profissional quanto pessoal, resgatando os percursose as diferentes experiências como educadores e sua relação no processo formativo desenvolvidopelo projeto Pedagogia Cidadã.

Sob a coordenação de nosso Pólo (UNESP de Franca), estiveram durante os anosde 2003, 2004 e 2005 vinculadas (3) três prefeituras, Mogi-Mirim (duas turmas), Jardinópolis eIndaiatuba reunindo 176 professores em formação, divididos em 4 salas. Estes professores atuavamna rede municipal de ensino na Educação Infantil (0 a 6 anos) e nas séries iniciais do EnsinoFundamental em diferentes escolas, EMEIs, e EMEFs. Não tendo ainda a formação em Pedagogia,os alunos-professores buscaram no programa qualificar-se devidamente, ampliando sua formaçãoteórica e prática ao mesmo tempo em que estavam em pleno exercício profissional. Cabe ressaltarque um dos pontos fundamentais do projeto, ao inserir profissionais em exercício, foi ofereceruma formação baseada na reflexão constante e no conhecimento construído a partir da prática.

No decorrer de sua formação no Projeto um longo caminho foi percorrido, tanto noaspecto de formação acadêmica, quanto profissional e pessoal. Sua vivência no Projeto é importantenão apenas para avaliar a relevância do programa, mas fundamentalmente o complexo universoque envolve a formação do professor no Brasil.

Levamos em conta, que diferentemente dos cursos tradicionais nossos alunos eramtodos profissionais da educação, em pleno exercício, o que lhes aferiu um contexto crítico vinculadoà prática e a vivência no âmbito da educação.

Buscamos investigar a trajetória profissional destes professores desde o início desua ação profissional, contemplando sua experiência na pedagogia cidadã até o momento final desua formação junto ao programa. O registro escrito de suas memórias possibilitou analisar suasrespectivas histórias de vida, suas experiências educacionais e profissionais, as mudanças ocorridasno decorrer do curso, as transformações no processo de aquisição de conhecimento, reflexão edifusão destes no dia a dia da docência.

MEMÓRIA DE PROFESSORES: UM ESTUDO DAHISTÓRIA DE VIDA PROFISSIONAL DE ALUNOS

DO PROGRAMA PEDAGOGIA CIDADÃ

MARTINO, Vânia de Fátima(Faculdade de História, Direito e Serviço Social - UNESP – Campus de Franca)

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Nosso estudo desenvolveu-se a partir de uma pesquisa qualitativa, embora contassecom dados delimitados referente ao número de professores e suas atividades de memória. Ospontos significativos apontados no transcorrer da investigação foram sendo levantados duranteseu percurso, mediante aos elementos contidos nas próprias memórias, tanto quanto a formação,a prática docente ou a relação destes elementos com a vida dos educadores.

Partimos do discurso apresentado nos textos escritos pelos professores,respectivamente denominados por nós, de memórias e concebidos exclusivamente para estainvestigação. Desta forma, três momentos de reflexão foram propostos. Neles as professorasconstruíram três memórias diferentes.

É importante explicar que as siglas referentes ao nome dos professores são fictícias,visando resguardar a identidade dos mesmos na pesquisa.

A primeira diz respeito ao período de outubro de 2002 a outubro de 2003, final doprimeiro ano de inclusão no Projeto Pedagogia Cidadã. Um outro relato foi elaborado pelosprofessores durante o Caderno de Formação de ensino de História, cujos temas propiciavam umaanálise do tema em questão. Ao final do curso os alunos professores elaboraram um relato amploa respeito do curso avaliando-o em seus diversos aspectos, ao mesmo tempo em que construíamuma narrativa de experiência enquanto alunos e professores. Estes textos foram o subsídio finalda pesquisa.

1 DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA

Resgatar a história de vida dos professores é para nós elemento fundamental nacompreensão do contexto histórico em que projetos e programas de formação de professores noBrasil tem ocorrido nos últimos anos. Por outro lado, trazer para a análise a memória desteseducadores dá-nos oportunidade de visualizar mais profundamente o complexo universo em queconstroem sua identidade, enquanto educadores e cidadãos.

O conceito de memória concebido para este estudo pode ser visto comocompreensão de idéia referente aos processos que constituem as identidades pessoais, coletivasou profissionais dos indivíduos. Diferentemente da história, cujo epicentro constitui-se em umaorganização de conhecimento acerca do homem em sua relação com o espaço e o tempo demaneira dialética, a memória utiliza-se do presente para transporta-se ao passado. Talvez sejaesta sua maior riqueza. O indivíduo na ação de reconstituição de sua história busca na memóriafonte fundamental para resgatar sua trajetória, suas marcas, sua identidade e sua singularidade.

Assim sendo, faz parte do universo da História o estudo e o resgate da memóriados diferentes indivíduos nos diferentes tempos, a expressão verdadeiramente significativa deseu caminho pela história.

A memória permite a relação do corpo presente com o passado e,ao mesmo tempo, interfere no processo ”atual” das representações.Pela memória, o passado não só vem à tona das águas presentes,misturando-se com as percepções imediatas, como tambémempurra, “desloca” estas últimas, ocupando o espaço todo da

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consciência. A memória aparece como força subjetiva ao mesmotempo profunda e ativa, latente e penetrante, oculta e invasora (...)Na maior parte das vezes, lembrar não é reviver, mas refazer,reconstruir, repensar, com imagens e idéias de hoje, as experiênciasdo passado. A memória não é sonho, é trabalho. Se assim é, deve-se duvidar da sobrevivência do passado, “tal como foi”, e que sedaria no inconsciente de cada sujeito (BOSI, 2001, p. 46 e 55)1.

A História enquanto ciência e objeto de investigação forneceu-nos um suporte parao entendimento das “histórias de vida” dos indivíduos da pesquisa, contemplando sua trajetória,contextualizando e proporcionando uma análise que leve em conta o tempo e a trajetória doprofissional em uma relação dinâmica.

A memória, como propriedade de conservar certas informações,remete-nos em um primeiro lugar a um conjunto de funçõespsíquicas, graças às quais o homem pode atualizar impressões ouinformações passadas, ou que ele representa como passadas (LEGOFF, 1996, p. 423)2.

Na primeira parte da pesquisa partimos do discurso construído pelos professoresno início de 2004, designado por nós, de memória e concebido excepcionalmente para estainvestigação. Objetivando compor um corpo teórico e analítico coeso, procuramos outros trabalhosque abordassem histórias de vida e memórias de professores no Brasil, podendo assim, ampliarnosso entendimento do objeto de estudo.

As memórias apresentadas pelos professores nesta primeira etapa permitiram nãoapenas a análise de sua história pessoal, mas fundamentalmente do caminhar acadêmico dosprofessores que estava em construção.

No momento em que a educação e principalmente o papel do professor são alvo deinúmeras análises, a análise deste material foi fundamental na compreensão dos contextos queenvolvem a formação dos indivíduos em sociedade.

As nossas narrações abertas são um convite para a presença deoutras narrações. Reescrevemos a história e a política da educaçãoà luz das reflexões sobre a própria experiência vivida, desejandonelas inscrever as pulsações dos educadores, as versões as nossaslutas, tantas vezes silenciadas. Recolocamos o legado querecebemos do passado como herança grávida de futuros, assimmesmo no plural, onde a dignidade de ensinar e do saber não estejamsacrificadas pelas opressões, mesmo aquelas mais sutis e miúdas,que perversamente nos afligem e sacrificam nossa tão arranhadaliberdade (LINHARES & NUNES, 2000, p. 08)3.

Desta maneira, neste primeiro momento pedimos aos professores-alunos queelaborassem uma atividade de memória cujo enfoque fosse sua história pessoal profissional.Nesta atividade os professores ficaram livres para narrar o que julgavam significativo em suaexperiência pessoal e profissional.

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1.1 AS PRIMEIRAS MEMÓRIAS

As histórias colhidas nesta fase são riquíssimas, talvez por se tratar de uma primeiraexperiência de construção de memórias por parte dos professores. Após a leitura selecionamostrechos e falas que fossem significativas ao nosso trabalho sabendo que seria impossível reproduzi-las em sua totalidade, dado a quantidade e complexidade do material.

Observamos que os textos construídos pelas professoras eram uma junção defatos pessoais, familiares e ao mesmo tempo profissionais. De maneira geral, não havia umaseparação entre experiências vividas fora e dentro do âmbito educacional. Os professoresmesclaram momentos vividos desde a infância até os dias atuais, de forma aparentementedesconexa se levarmos em conta a cronologia. Por outro lado, a conexão entre estes fatos e suaslembranças fazia sentido aos indivíduos que a relatam.

A lembrança é uma imagem construída pelos materiais que estão,agora, à nossa disposição, no conjunto de representação que povoamnossa consciência atual. Por mais nítida que nos pareça a lembrançade um fato antigo, ela não é a mesma imagem que experimentamosna infância, porque nós não somos os mesmo de então e porquenossa percepção alterou-se e, com ela, nossas idéias, nossos juízosde realidade e de valor. O simples fato de lembrar o passado, nopresente, exclui a identidade entre as imagens de um e de outro, epropõe a sua diferença em termos de ponto de vista (BOSI, 2001, p.46 e 55)4.

Os textos evidenciaram uma coerência com o objetivo pretendido, ou seja, “contar”como estes professores adentraram o universo da docência. As histórias vão se “desenrolando”em contextos dinâmicos, reflexivos, envolvendo sentimentos, ações, agentes externos, personagensde seu cotidiano, como um verdadeiro cenário de vida.

O sonho de ser educadora creio que já nasceu comigo, pois quandonasci, meu avô, segundo minha mãe me presenteou com uma boinaazul que guardo carinhosamente até hoje e que era usada pelosalunos do Colégio Sagrado Coração e Jesus, onde tive o privilégiode morar e lá cursar o tão sonhado magistério (V. A. B.,JARDINÓPOLIS, 2003)5.Estou aqui parada em frente ao papel para rascunhar minhasmemórias, sobre minha escolarização e me pego refletindo e sorrindoao lembrar o quão delicioso era aquele tempo, o quanto eu era felize não sabia.(...) Lembro do primeiro dia de aula, minha mãe meconduziu pela rua lateral de minha casa, uma subida, e depois medisse para seguir aquela rua reta até o fim que eu iria chegar naescola, também recomendou que eu olhasse bem as ruas antes deatravessar. Todos os medos passei neste dia, medo por estar sozinha,medo dos muros tão altos (o que teria atrás deles?), medo das ruas,das outras crianças, dos cachorros que perambulavam como eu,medo de não conseguir chegar na escola e quando chegasse, paraonde iria? Tudo passou, cheguei e gostei; aí! Como gostei! (A. C. F.,MOGI-MIRIM, 2003)6.

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Em seus escritos os professores apresentam diferentes experiências, complexas edistintas em sua particularidade, todavia possuidoras de similaridade quando falamos de educadorese suas vivências cotidianas.

Nesta etapa observamos a existência de um maior conteúdo pessoal do queprofissional. Isto nos pareceu justificável, na medida em que um estava diretamente relacionadocom o outro. É impossível conceber a história dos educadores, sem levar em conta sua históriapessoal, visto que estas trajetórias são complexos contextos na construção de sua identidadecomo indivíduo, fazendo de sua prática profissional uma extensão de sua vida pessoal e vice-versa.

Um dos nossos primeiros olhares foi para a questão da escolha profissional e daformação em educação. Em muitas das histórias os professores não apontavam para profissãoque hoje ocupam. Tendo em vista as condições financeiras ou as restrições feitas pela própriafamília, quanto a deslocamento ou escolha de outra profissão, eles se tornaram professores.Todavia, nos escritos que refletiam esta condição, os professores descreveram que o exercícioprofissional tornou-se prazeroso e realizador, tanto no período em que cursaram o magistério,quanto nos anos em que atuaram como educadores.

Ingressei no Magistério por falta de oportunidade de freqüentar outrocurso, na época meus pais não permitiam que viajasse para estudare também não tinha condições financeiras para pagar uma escola eo que minha cidade oferecia era o curso de magistério. (..) Nenhumeducador entra na profissão por mera coincidência, sou testemunhadisso, não pensei em exercer a profissão de educador, porém depoisque ingressei, a abracei com tanto amor e dedicação que hoje nãosei não ser educadora (S. A. C., JARDINÓPOLIS, 2003)7.Na realidade quando comecei a estudar nunca pensei em sereducadora, pelo contrário queria ser médica. Fiz o curso primário eo fundamental em uma escola estadual. Quando terminei o EnsinoFundamental meu pais não tinham condições de me pagar umaescola, tive que optar por uma das que havia em minha cidade.Magistério foi minha escolha, confesso que não gostei, mas nodecorrer do curso, nos estágios, fui mudando meus pensamentos epassei a gostar de ensinar, ou melhor, educar as crianças (J. H.,INDAIATUBA, 2003)8.

Nota-se, nestes trechos, a ausência de ressentimentos por parte dos professoresapresentando uma conotação positiva. Há também uma “aceitação” quanto à própria condição naqual se encontravam e que de maneira alguma os levou a um percurso decepcionante. Osprofessores afirmam em sua totalidade, que após terem vencido as dificuldades iniciais, nãoapenas se adaptaram ao trabalho, mas, sobretudo passaram a gostar do que faziam, dando umimportante significado a sua atual docência. Assim o passado toma um novo significado, aointerferir positivamente no momento atual.

Quando comecei a lecionar o primeiro contato com as crianças meassustou, pois, minha primeira sala era uma classe especial eproblemática. Foi gratificante quando terminou o ano e vi os resultadospositivos que nós, eu e os alunos, tínhamos conquistado. A partirdaí, tive a certeza de que estava “no lugar certo” e passei a exerceressa “profissão” com dedicação e amor (R. M. L. MOGI-MIRIM,2003)9.

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Estas narrativas indicam que a prática cria novos contornos no universo profissional,vivenciada através do contato com os alunos, do cotidiano na escola, da experiência em torno darealidade escolar e das necessidades existentes. Muitos professores assinalam as dificuldadesenfrentadas como o “eixo propulsor” no encontro da realização profissional. Frente aos desafiosapresentados, muitos se viram obrigados a se inteirarem mais dos conteúdos, propondo ações,realizando projetos que viessem de encontro às necessidades dos alunos e da própria escola.Estes momentos são significativos no processo de amadurecimento profissional e de realizaçãodocente. As dificuldades exigem um empenho novo, um desafio que ao ser vencida, trás à tona acapacidade de educar e construir saberes novos.

Comecei a trabalhar em uma creche com crianças de 2 a 4 anos. Noprimeiro impacto achei horrível, as crianças choravam muito,babavam e faziam cocô. Por ser uma creche de periferia, são criançascarentes de amor, carinho, de comida, passei a olhá-las de outromodo, com um olhar fraterno. Hoje não sei ficar sem trabalhar comas crianças pequenas, peguei amor pelo meu serviço (C. A. R., MOGI-MIRIM, 2003)10.

Ainda quanto à escolha pela educação, diversos professores indicam que omagistério foi sua primeira escolha e muitas vezes seu objetivo profissional. Embora tivessemuma clara noção das dificuldades a serem enfrentadas, o desejo de tornarem-se educadoresesteve presente em todos os momentos de sua formação. Os textos trazem ricas histórias deconvivência dos professores com seus formadores, dos “sonhos” alimentados desde a infânciaque se concretizaram com o passar dos anos.

O início de meu trabalho como educadora foi a realização de umsonho que cultivava desde muito pequena. Mas nem por isso foi uminício fácil, mesmo com toda empolgação que marca essesmomentos (T. M. M., JARDINÓPOLIS, 2003)11.

Encontramos também uma série de relatos de experiências vivenciadas junto aosalunos e as escolas em que trabalharam e trabalham. Estas vivências expõem momentos em queos professores atuaram de forma diferenciada no que diz respeito ao ensino, a convivência emsala, ao relacionamento professor-aluno, a busca de aprimoramento e engajamento na esferaeducacional.

Paralelamente, os professores não tiveram restrições a exporem suas inseguranças,seus temores, suas dificuldades, da mesma forma em que relatam seus sucessos e realizações.Outrossim, fica evidenciado que o ponto fundamental destes discursos é o empenho e oengajamento enquanto educadores. Toda a “fala” dos professores é permeada por uma preocupaçãoem levar a educação aos alunos, garantindo qualidade, inclusão e comprometimento pessoal eprofissional.

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1.2 MEMÓRIAS E HISTÓRIA

Em um segundo momento, estudamos a atividade realizada pelos professores juntoao Caderno de Formação de Ensino de História. O título da atividade era: Memória de Professoresde História e tinha como objetivo:

... estimular a reflexão dos alunos da Pedagogia Cidadã sobre suatrajetória na aquisição de conhecimento histórico na sua vida esco-lar e, a partir dela, avaliar criticamente o ensino/aprendizagem daHistória no Ensino Fundamental, abrindo assim perspectivas para arenovação da prática docente. (DAVID, C. M. & MALATIAN, T., 2004,p. 07)12.

Nesta fase os professores deveriam relacionar conteúdos e práticas com os contextoshistóricos vividos em diferentes épocas, estabelecendo conexões entre a história de sua vida, ahistória da educação e a história da sociedade. Embora o enfoque central tenha sido o ensino dehistória, a nós interessou analisar de que forma os professores pautavam fatos e acontecimentosde suas vidas pessoais, profissionais aos ocorrido no âmbito da história da educação e da própriasociedade, priorizando ou tornando alguns mais significativos e relevantes no momento dareconstrução narrativa.

Levando em conta que os professores estavam há mais de um ano no curso,pudemos observar os processos e contextos históricos que permeavam sua trajetória pessoal eprofissional. As histórias construídas apontaram passagens significativas de sua formação, aomesmo tempo em que relembravam momentos da história da educação e do país.

Nasci na época da ditadura militar, não havendo liberdade deexpressão. Havia muita repressão, embora não se falasse muito sobreisto e eu não entendia muito sobre este assunto. Conforme fui cre-scendo, fui percebendo as desigualdades sociais, culturais efinanceiras (B. J. L., INDAIATUBA, 2004)13.Na época de meus avós, na década de 30, Getúlio Vargas assumea presidência do Brasil. O presidente indicava preocupação com aEducação e o objetivo era formar uma elite mais ampla,intelectualmente mais bem preparada. Criou-se então o Ministérioda Saúde e Educação em 1930, Francisco Campos estabeleceu oensino em dois ciclos, a freqüência obrigatória e a exigência de di-ploma de nível secundário para o ingresso no ensino superior. Noplano do ensino superior, o governo procurou criar condições para oaparecimento de universidade dedicada tanto ao ensino, quanto àpesquisa. Dentro deste espírito, que nasceu, por exemplo, aUniversidade de São Paulo (USP) em 1934 (E. M. S., MOGI-MIRIM,2004)14.

Embora muitos dos fatos apontados antecedam o nascimento dos professores, háuma preocupação com o contexto histórico em que sua história de vida é inserida, resgatandonão apenas suas origens, mas os contextos educacionais no qual o país esteve inserido. O focodestas narrativas não é mais apenas sua história de vida, pessoal e profissional, desconectada douniverso em que viveu ou ainda vive. O olhar das professoras é dirigido para uma realidade mais

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ampla na qual a educação ocupa um lugar significativo, da mesma forma que os acontecimentoshistóricos, do qual eles mesmos são agentes e sujeitos.

Nesta atividade os professores repensaram repensar sua inserção na sociedadeenquanto sujeito ativo de sua história, ao inserir nela personagens de seu cotidiano, como pais,amigos, filhos ao mesmo tempo em que discutiam acontecimentos históricos importantes emudanças nos rumos educacionais. Embora os acontecimentos e transformações no campoeducacional tenham sido apontados, não verificamos nenhuma referência a práticas pedagógicasvivenciadas ao longo de sua docência contextualizadas com sua história de vida e mesmo dopaís. Os professores, como dissemos anteriormente traçam relações entre os contextos históricose educacionais, todavia não analisam particularmente e especificamente seu papel neste contextoenquanto educadores. Esta relação só será tratadas em um outro momento, nas Memórias/Depoimentos, realizadas ao final de fevereiro de 2005, quando novamente se utilizaram dasmemórias pessoais para avaliar sua inserção no curso de pedagogia e, portanto sua relação coma construção do saber e de uma nova prática pedagógica.

1.3 MEMÓRIAS/DEPOIMENTOS

Próximo ao final do curso, em janeiro de 2005, foi solicitado aos professores queconstruíssem uma memória/depoimento que considerasse aspectos pessoais, mas principalmenteprofissionais avaliando toda sua formação no decorrer do curso. Estes depoimentos/memóriassão relativamente curtos, sucintos, tendo como objeto a trajetória profissional do professor antese após o Projeto Pedagogia Cidadã.

As narrativas comprovaram as informações obtidas no início do curso e durante omesmo, com relação ao perfil profissional do professor-aluno, ou seja, os professores da PedagogiaCidadã não teriam condições, seja pessoal ou financeira para fazer um curso “tradicional” depedagogia. Os inúmeros percalços vividos afastaram-no de qualquer curso de graduação,capacitação desde sua formação no Magistério.

Por estarem afastados, na maioria das vezes, por um longo período da “escola”,apresentavam inseguranças, apreensões quanto ao novo curso e seu desempenho. Enquantoprofissionais na ativa, tinham um horário de trabalho bastante intenso, visto que a separação dosfamiliares aparece na maioria dos relatos como um grande problema a ser resolvido.

Por outro lado, a consciência profissional da necessidade de melhor formaçãotambém é um fator presente nos relatos destes professores. Neste sentido, os escritos dos alunosmesclam-se entre momentos de apreensão e entusiasmo frente aos novos desafios e empreitadas.

No início, ao ficar sabendo que iria fazer uma faculdade, fiquei muitofeliz, pois sempre quis fazer, mais nunca consegui. Parecia um sonho,e lá estava eu prestando o meu vestibular. O caminho que percorrinão foi muito fácil, sobretudo no início, pois tenho minha família e acada dia que saía de casa meus filhos não queriam que eu fosse,nem meu marido. Foi uma luta. Com o passar dos dias tudo foi seencaixando, as crianças se acostumaram com a idéia e o meu maridotambém. Passou um ano e eu comecei a trabalhar o dia inteiro,

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assim, passava o dia inteiro longe da minha família e a noite também.Minha vida virou um terremoto. O caminho parecia estar maiscomplicado, mas tudo ia dando certo, pois estava fazendo algo quesempre sonhei (P. O. R., MOGI-MIRIM, 2005)15.Inicialmente, meu interesse de ingressar no curso era obter ocertificado e o acréscimo de 30% no salário. Não tinha expectativaalguma em relação ao curso, principalmente devido ao seu molde:livros. Achava uma chatice ler, ler e ler. Até que certa vez a profa.disse que a leitura era primordial para a aquisição de saber científico.Então cheguei a uma conclusão: Não sabia ler. Não sabia queexistiam diversas visões diante de uma só situação. Comecei a tomargosto pela leitura e aprendi durante o curso até mesmo a citar autorescom cujas idéias me identifico... Aprendi a ouvir, respeitar opiniõesdiferentes das minhas e que o mundo não girava ao meu redor.Comecei a estabelecer relação entre passado, presente e futuro denossa história como brasileiros e até mesmo como pessoas eprofissionais da educação (G. E. S., INDAIATUBA, 2005)16.

Nos trechos acima notamos que a questão da auto-estima do professor éfundamental e foi fator preponderante nos meses em que esteve no curso. Não apenas no que dizrespeito às competências para realizá-lo, mas a que seriam construídas visando sua atuaçãoprofissional e o trabalho em sala de aula. Não era suficiente apreender, construir conhecimento,mas fundamentalmente sentir-se competente e reconhecido pelos colegas e familiares. Asdificuldades com relação aos conteúdos curriculares e as leituras dos textos do programa apontadasno início do curso, foram ao longo do tempo sanadas. Os professores adquiriram segurança ecrítica, tanto para estudar, mas principalmente para se lançarem em novas empreitadas.

Minha perspectiva ao concluir o curso é de prosseguir aos estudos enão parar, já que vi que sou capaz e tenho potencial, graças a Deus.Fazer pós e que sabe mestrado ou doutorado (L. Z. B., INDAIATUBA,2005)17.Depois do início do curso passei a ver meu trabalho diferente, comeceia avaliar meus atos e fazer mudanças... tudo o que aprendemosdeve ser utilizado em nossa vida cotidiana; não podemos agir hojecomo foi ontem, pois hoje já sabemos algo que não sabíamos ontem(N. V. C., MOGI-MIRIM, 2005)18.

Ressaltamos, através da leitura de suas memória, que os saberes adquiridos pelosprofessores, bem como a consciência de uma melhor formação, transformou-se em açõescotidianas em sociedade e no âmbito escolar.

Paralelamente, a respeitabilidade adquirida junto aos colegas de trabalho, acomunidade e seus familiares imprimiram novos contornos ao seu papel de educador, masprincipalmente em sua auto-estima, impulsionando a abertura de novos horizontes e novaspossibilidades. Este depoimento final leva-nos a constatar que o professor, embora inserido emum contexto individual, construiu um olhar mais amplo quanto sua inclusão na sociedade e nomundo. Sua formação é crítica na medida em que ao olhar-se, avaliando-se, é capaz de fazê-locom relação ao mundo que o cerca. Talvez este seja um dos elementos mais importantes naformação dos educadores.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo das memórias dos educadores possibilitou o resgate dos percursos e dasdiferentes experiências destes professores, apontando para diferentes aspectos de sua história devida, seja pessoal, profissional ou como alunos da graduação.

Em suas ricas memórias remontamos parte de sua experiência pessoal, de suaescolha enquanto educadores, dos percalços vividos, de suas apreensões e realizações. Foi possíveldetectar um amadurecimento tanto intelectual e profissional, quanto pessoal, tendo como resultadosua valorização enquanto educadores.

Concomitantemente, a história forneceu-nos um recorte epistemológico paravisualizar a trajetória de vida destes educadores, suas lembranças como referência e análise,como suporte para um entendimento mais amplo, ou seja, o campo da educação.

Através desta pesquisa, foi possível enquanto docente de um curso de licenciaturarefletir criticamente a respeito do trabalho que realizamos de formação de educadores, imprimindoum novo olhar e uma nova perspectiva a nossa prática cotidiana.

NOTAS

1BOSI, Ecléa. Memória e sociedade. Lembranças de velhos. 9º.ed. São Paulo: Companhia das Letras, p. 46 e 55, 2001.2LE GOFF, Jacques. A História e Memória. Campinas: UNICAMP, p. 423, 1996.3LINHARES, Célia & NUNES, Clarice. Trajetórias de Magistério: Memórias e Lutas pela Reinvenção da Escola Pública. Rio de Janeiro:Quartet, p. 08, 2000. (Educação e sociedade).4 BOSI, Ecléa. Memória e sociedade. Lembranças de velhos. 9º.ed. São Paulo: Companhia das Letras, p. 55, 2001.5 V. A. B. Memórias de educador. JARDINÓPOLIS-SP, 2003. Manuscrito concedido à Profa. Vânia Martino.6 A. C. F. Memórias de educador. MOGI-MIRIM, 2003. Manuscrito concedido à Profa. Vânia Martino.7 S. A. C. Memórias de educador. JARDINÓPOLIS, 2003. Manuscrito concedido à Profa. Vânia Martino.8 J. H. Memórias de educador. INDAIATUBA, 2003. Manuscrito concedido à Profa. Vânia Martino.9 R. M. L. Memórias de educador. MOGI-MIRIM, 2003. Manuscrito concedido à Profa. Vânia Martino.10 C. A. R. Memórias de educador. MOGI-MIRIM, 2003. Manuscrito concedido à Profa. Vânia Martino.11 T. M. M. Memórias de educador. JARDINÓPOLIS, 2003. Manuscrito concedido à Profa. Vânia Martino.12 DAVID, C. M. & MALATIAN, T. Pedagogia Cidadã: Cadernos de Formação: Ensino de História. São Paulo: UNESP, 2004, p. 7.13 B. J. L. Memórias de educador. INDAIATUBA, 2004. Manuscrito concedido à Profa. Vânia Martino.14 E. M. S., Memórias de educador. MOGI-MIRIM, 2004. Manuscrito concedido à Profa. Vânia Martino.15 P. O. R., Memórias de educador. MOGI-MIRIM, 2005. Manuscrito concedido à Profa. Vânia Martino.16 G. E. S., Memórias de educador. INDAIATUBA, 2005. Manuscrito concedido à Profa. Vânia Martino.17 L. Z. B., Memórias de educador. INDAIATUBA, 2005. Manuscrito concedido à Profa. Vânia Martino.18 N. V. C., Memórias de educador. MOGI-MIRIM, 2005. Manuscrito concedido à Profa. Vânia Martino.

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O artigo aqui apresentado insere-se no quadro das investigações sobre a produção e circulação

de saberes que sustentam a profissionalidade docente, no intuito de colaborar para a construção

de uma história de leituras para professores. Nessa perspectiva, tem-se como objeto de estudo os

manuais pedagógicos, que são livros escritos como apoio às aulas de disciplinas ministradas em

Escolas Normais e diretamente relacionadas a questões de educação, a saber, a Pedagogia, a

Didática, a Metodologia e a Prática de Ensino. O corpus de análise é constituído por títulos

brasileiros, localizados em acervos da cidade de São Paulo e publicados entre os anos 1950 e

1971, quando os antigos manuais pedagógicos transformam-se progressivamente nos “modernos

livros didáticos”, em decorrência da modernização do setor editorial (Gatti Jr, 1998) e também

das mudanças visualizadas no conteúdo dessas publicações, motivadas pela extinção da Escola

Normal e criação da Habilitação Específica para o Magistério, a H.E.M., por meio da LDB nº

5692/71.

O período delimitado para este trabalho corresponde a um momento no qual os manuais

pedagógicos passam a privilegiar os aspectos relativos ao planejamento, aos métodos e às técnicas

de ensino, direcionando o trabalho dos professores para questões referentes à organização interna

da sala de aula. De fato, em estudos já levados a efeito acerca desse material, foi possível constatar

que a preocupação com os modos de ensinar era inédita – ou pelo menos não tão evidente – até

por volta dos anos 1940. Quando os manuais pedagógicos começam a ser publicados no país,

em finais do século XIX, atentam sobretudo para temas ligados à organização da escola e do

trabalho do professor. Nos anos 1920, quando está muito inspirado pelo movimento escolanovista,

esse tipo de livro dedica a maior parte de suas páginas aos estudos acerca da criança e do aluno.

Nos anos 50, conforme assinala-se anteriormente, as publicações começam a ressaltar temas

ligados ao planejamento e à metodologia de ensino. Essa tendência é notável já nos títulos das

obras, que são apresentadas na listagem abaixo, organizada segundo os nomes de seus escritores:

ANDRADE, Benedito de. Pedagogia e didática modernas. SP: Atlas, 1969.

ARCHÊRO JR., Aquiles. Lições de pedagogia (rigorosamente de acordo com o programa oficial

das Escolas Normais 1º ano). SP: Brasil Ed., 1955.

MODOS DE ENSINAR NOS MANUAIS DAESCOLA NORMAL (1950 A 1971)

SILVA, Vivian Batista da (Faculdade de Educação da USP)

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CAMPOS, Ismael de Franca. Diretrizes de didática e educação. RJ: AGIR, 1967.

D´ÁVILA, Antônio. Pedagogia – teoria e prática (de acordo com o programa do curso normal e

com as diretrizes do ensino primário). SP: Cia Editora Nacional, 1954.

__________ Práticas escolares (3 volumes). SP: Acadêmica, 1940 - 1967.

FIGUEIREDO, Ruy S.. Ensino: sua técnica – sua arte. RJ: Ed. Lidador, 1967.

FONTOURA, Afro do Amaral. Didática geral. RJ: Aurora, 1965.

__________ Metodologia do ensino primário (contendo a matéria dos 2º e 3º anos do curso normal).

RJ: Aurora, 1955.

__________ Prática de ensino. RJ: Aurora , 1967.

GONÇALVES, Romanda e outras. Manual de pedagogia moderna. RJ / SP: Livraria Freitas

Bastos, 1959.

GRISI, Rafael. Didática Mínima. SP: Editora do Brasil, 1956.

LEZAN, Leonor. Como “dar” aulas. PA /SP: Tabajara, 1969.

LIMA, Angelina de. Metodologia e prática moderna de ensino. SP: Formar, 1964.

MARCOZZI, Alayde Madeira e outras. Ensinando à criança: guia para o professor primário. RJ:

Ao Livro Técnico, 1970.

MATTOS, Luíz Alves de. A linguagem didática no ensino moderno. RJ: Aurora, 1960.

__________ Os objetivos e o planejamento do ensino. RJ: Aurora, 1957.

__________ O quadro negro e sua utilização no ensino. RJ: Aurora, 1954.

__________ Sumário de didática geral. RJ: Aurora, 1964.

MENEZES, Djacir. Pedagogia. PA: Livraria do Globo, 1935.

NÉRICI, Imídeo Giuseppe. Introdução à didática geral. RJ: Fundo de Cultura, 1960.

OLIVEIRA, Alaíde L. de. Nova didática. RJ: FENAME, Edições Tempo Brasileiro, 1978.

PENTAGNA, Romanda Gonçalves. Didática geral – de acôrdo com os programas oficiais de 1ª e

2ª séries do curso normal das escolas do estado do Rio de Janeiro. RJ / SP: Livraria Freitas

Bastos, 1964.

PENTEADO JR., Onofre de Arruda. Didática geral – para uso das faculdades de Filosofia e das

Escolas Normais. SP: Obelisco, 1965.

QUEIRÓS, Brisolva de Brito e outras. Prática do ensino primário: diário de atividades da

professoranda para uso das Escolas Normais e institutos de educação. RJ: Conquista, 1954.

REIS, Amadice Amaral dos e outras. Introdução à prática de ensino – 1ª série normal. RJ: Ao

Livro Técnico, 1964.

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SANTOS, Theobaldo M. Manual do professor primário – o professor, a escola, o aluno, os métodos,

as medidas, as instalações. SP: Cia Editora Nacional, 1966.

__________ Métodos e técnicas do estudo e da cultura: ler, escrever, conversar, estudar, adquirir

cultura. SP: Cia Editora Nacional, 1957.

__________ Noções de didática geral – para uso das Escolas Normais, institutos de educação e

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O exame dos títulos acima discriminados permite conhecer os modos pelos quais a cultura

profissional docente (Perrenoud, 1993) tem sido produzida e posta a circular. Ora, os manuais

pedagógicos instauram maneiras de conceber e viver o magistério, muito presentes desde a

formação inicial desse grupo. Esses textos visam a se constituir justamente num primeiro contato

dos normalistas com os estudos da área ou, em outras palavras, com os saberes educacionais.

De acordo com os próprios escritores, a utilidade desses impressos consiste em apresentar uma

síntese de diversas obras utilizadas no campo educacional, produzida por diversos nomes e

relacionada a diferentes áreas do conhecimento – filosofia, biologia, psicologia, história, para citar

apenas alguns exemplos.

Como se procurará mostrar a seguir, o que constitui o conteúdo dos manuais são

apropriações – entendidas aqui no sentido sugerido por Roger Chartier – que seus autores, enquanto

leitores – ou, como sugere Bourdieu, como lectores – fazem de algumas idéias. E, muito

provavelmente, essa leitura articula modos específicos de percepção e ação docente. No período

compreendido entre 1950 e 1971, as maneiras de conceber o ofício dos professores poderiam ser

resumidas ao ato de planejar e usar métodos e técnicas de ensino. O texto que se segue é

justamente um esforço para evidenciar tal processo.

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História da formação docente no Brasil

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Os manuais pedagógicos e suas fontes

Num texto intitulado Leitura, leitores, letrados, literatura, Bourdieu (1990) chama a atenção

para a diferença entre o “lector”, aquele que segundo a tradição medieval interpreta um discurso

anterior, e o “auctor”, responsável pela elaboração de uma obra original. Tal distinção é

especialmente importante na análise dos manuais pedagógicos, cujos escritores apresentaram

ao seu público a síntese de uma ampla literatura, produzida por diversos nomes e relacionada a

diferentes ramos de estudo. Assim, os saberes contidos nos manuais constituíram-se a partir da

explicação que os seus autores, enquanto leitores, fizeram de algumas idéias. Muito provavelmente

essa interpretação direcionou o entendimento que os normalistas tiveram da bibliografia citada. O

presente trabalho pode, portanto, ser útil para uma história da produção e transmissão da cultura

profissional do professorado, pois os livros aqui examinados permitem conhecer modos pelos

quais determinados conhecimentos foram reunidos em textos aparentemente coerentes e unificados.

Os manuais fizeram uma determinada apropriação das fontes que utilizaram. Os avanços

da psicologia, da sociologia, da filosofia, da pedagogia, da história, entre outras áreas mencionadas

nessas obras, passaram de uma lógica científica (ou pelo menos esse foi o estatuto a elas delegado)

a uma perspectiva de interpretação que permitisse compreender as contribuições desses

conhecimentos para a vida escolar. Dessa forma, a literatura em pauta definiu-se pela alusão a

autores e títulos consagrados e os seus conteúdos, como sugere Bourdieu (1990), corresponderam

a um universo de referências “que são indissoluvelmente diferenças e reverências, distanciamentos

e atenções” (1990, p.145). Convém, então, atentar para a transposição realizada, processo no

qual foram construídos saberes que pudessem orientar o professor em suas práticas cotidianas

ou, como diria Rafael Grisi em seu manual intitulado Didática Mínima (1956), “fazer a Pedagogia

‘descer do céu à terra’”, a partir de duas espécies de operações: primeiramente, uma relativa à

adequação de informações dos vários campos (psicologia, sociologia...) para explicar fatos do

cotidiano escolar e um outro tipo de apropriação usada para justificar recomendações sobre como

os docentes deveriam proceder no exercício do magistério.

O exame proposto nesta parte do trabalho corresponde a um esforço de conhecer

especificidades dos processos de apropriação de uma bibliografia no espaço profissional dos

educadores. É necessário, então, esclarecer que tal conceito aparece aqui tal como entende

Roger Chartier (1991), referindo-se à liberdade ao mesmo tempo criadora e regulada dos leitores,

bem como às múltiplas interpretações às quais um pensamento é suscetível. De fato, pesquisadores

como Catani (2000) têm assinalado a relevância dessas idéias para o desenvolvimento de estudos

empreendidos pelo próprio autor a respeito da história da leitura e das edições na França e

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reconhecem as contribuições desses postulados para a compreensão dos modos de produção e

circulação de saberes pedagógicos. No caso da investigação aqui proposta, as hipóteses de

Chartier conduzem a indagar acerca dos usos que os escritores dos manuais fizeram do que

leram, buscando apreender as práticas envolvidas na síntese e divulgação da literatura por eles

mencionada.

Importa assinalar as particularidades das relações entre o contexto de produção da literatura

citada e os saberes pragmáticos contidos nos livros especializados, buscando-se conhecer o

processo de passagem de um para o outro. Quais obras e autores foram usados nos manuais

pedagógicos brasileiros entre 1950 e 1971? As referências foram sempre as mesmas ao longo do

tempo? Quais interpretações são feitas nos manuais a partir dessas citações? Tais interrogações

visam a mostrar como os escritores dos manuais permitiram o acesso dos professores a

determinados conhecimentos. Para responder a tais interrogações, foi construído um Banco de

Dados, no qual estão registrados e contabilizados os nomes citados nos manuais. Assim, cada

menção a autor e livros foi sistematizada e alguns dos resultados desse trabalho serão analisados

a seguir.

Esse instrumento de trabalho permite afirmar, dentro dos limites impostos ao presente

artigo, que com a proliferação de manuais de metodologia e prática de ensino nos anos 50, os

nomes consagrados do movimento escolanovista, já muito usados nos manuais das décadas de

20, 30 e 40, continuavam a ser utilizados, como foi o caso de John Dewey (154 vezes mencionado

nos textos dos manuais publicados nos anos 50), Ovídio Decroly (81 vezes), Edouard Claparède

(86 vezes), Johann Heinrich Pestalozzi (67 vezes), Jean Jacques Rousseau (67 vezes), Georg

Kerschensteiner (62 vezes), Johann Friedrich Herbart (54 vezes), Maria Montessori (50 vezes),

Friedrich Wilhelm August Fröebel (42 vezes), Juan Amós Comenio (41 vezes), Edward Lee

Thorndike (35 vezes), Herbert Spencer (32 vezes), Adolf Rude (44 vezes) e Adolph Ferriére (23

vezes), para citar apenas alguns dos principais exemplos. Mas, diferentemente do que se verificou

até então, passaram a ser citados também autores de manuais de didática, pedagogia, psicologia

educacional, sociologia educacional, filosofia da educação, dentre outras disciplinas dos currículos

de cursos de formação docente. Foi o caso de Aguayo y Sánchez (181 vezes), Everardo Backheuser

(95 vezes), Theobaldo Miranda Santos (43 vezes), Antônio D´Ávila (62 vezes) e Lourenço Filho

(58 vezes).

Essa tendência em utilizar autores de manuais prosseguiu, acentuando-se entre 1960 e

1971, momento em que as produções atentavam predominantemente para metodologias e técnicas

didáticas. Embora Dewey (citado 230 vezes nas páginas dos livros então publicados), Decroly

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História da formação docente no Brasil

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(113 vezes), Rousseau (83 vezes), Pestalozzi (82 vezes), Claparède (129 vezes), Montessori (93

vezes), Thorndike (88 vezes) e Kerschensteiner (74 vezes) tenham sido referências relacionadas

ao movimento da Escola Nova e ainda muito presentes, o destaque a autores que escreveram

“sínteses” do pensamento educacional aumentou. Exemplos importantes foram os de Aguayo

(240 vezes), Afro do Amaral Fontoura (172 vezes), Theobaldo Miranda Santos (76 vezes), Diego

González (87 vezes), Lorenzo Luzuriaga (72 vezes), Luiz Alves de Mattos (91 vezes), Antônio

D´Ávila (75 vezes), Lourenço Filho (66 vezes), Everardo Backheuser (44 vezes), Onofre Penteado

Jr (21 vezes), Imídeo Giuseppe Nérici (17 vezes) e Benedito de Andrade (11 vezes).

Mesmo quando atentamos para a apropriação de um autor específico no decorrer do tempo,

é possível depreender os múltiplos usos que são feitos de suas idéias nos manuais pedagógicos.

John Dewey – teórico norte-americano que se torna referência para falar dos ideais democráticos

– é um bom exemplo. Entre 1930 e 1971, conforme mostramos em estudo anterior (Silva, 2001),

este foi o autor mais citado nos manuais brasileiros, totalizando um total de 596 citações (ao seu

nome e ao conjunto de suas obras). O nosso argumento principal é o de que os manuais

compartilham de uma lógica de exaltação desse autor, embora as leituras realizadas sobre sua

obra tenham se transformado, passando da ênfase nas finalidades de uma organização escolar

tido como “renovada” para a exposição de argumentos que justificavam a descrição de técnicas e

métodos de ensino a serem empregados pelos professores no exercício do magistério. De fato, a

partir dos anos 1950 houve o aparecimento e proliferação de títulos acerca da metodologia e

prática de ensino, indicando uma maior preocupação com o espaço restrito das salas de aula. De

modo geral, os livros ofereceram um conjunto de sugestões para organizar de modo racional e

eficiente as atividades de ensino. Isso estava relacionado com a implementação de doutrinas

políticas em nível internacional, visando à reconstrução do mundo por meio de uma “nova”

mentalidade racionalizadora.

A esse respeito, Marcus Cunha (1999) lembra os esforços em se constituir um sistema de

ensino cientificamente organizado e racionalizado, mediante a adoção de meios instrucionais

tidos como mais modernos. Tratava-se de uma “tradição tecnicista”, cujas raízes podem ser

identificadas a partir da década de 20, quando da propaganda do escolanovismo e de iniciativas

de aplicação de conhecimentos produzidos pela ciência no meio escolar, com a racionalização

das práticas pedagógicas. Sobretudo depois dos anos 50, o discurso educacional gestado no

âmbito da UNESCO chamou a atenção para a necessidade de remodelar a escola por meio da

utilização de recursos técnicos colocados à disposição pelos cientistas, dentre os quais estavam

os mecanismos da administração empresarial. No Brasil, especificamente, passou a se enfatizada

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a necessidade de planejamento de todas as atividades escolares, viabilizada com a obtenção de

informações sobre a realidade social, política, cultural e educacional do país. Nesse sentido, os

“Centros de Pesquisa do INEP (1955) representaram a melhor tradução do ideário racionalizador,

científico e moderno, essência do ideário desenvolvimentista que imperou no governo Kubitschek”

(Cunha, 1999, p.41) e os manuais pedagógicos, por sua vez, também evidenciaram a preocupação

em descrever, de forma clara e concisa, um conjunto de sugestões para organizar de modo

racional e eficiente as atividades escolares.

Com relação à divulgação das idéias de Dewey, é necessário assinalar inicialmente o fato

de que, a partir de então, ele deixou de ser o nome mais mencionado nas páginas dos manuais.

Embora esse teórico norte-americano tenha sido o mais utilizado considerando-se todo o período

aqui estudado (1930 a 1971), depois de 1946, o autor mais citado passou a ser Aguayo, escritor

de Didática da Escola Nova, texto originalmente escrito em espanhol e que apareceu como a obra

mais utilizada desde finais dos anos 40 até 1971. Dados os limites do presente trabalho, aqui

cabe apenas lembrar o fato de Aguayo ter sido um educador cubano que atuou em cursos de

formação docente e à reorganização das escolas populares, no sentido de imprimir a elas uma

direção renovadora. No Diccionario de pedagogia dirigido por Luis Sarto (1972), esse autor é

apresentado como uma ilustre figura contemporânea do campo educacional, devendo-se a ele a

fundação de um laboratório para o estudo sobre a criança na Universidade de Havana, onde,

inclusive, havia se formado pedagogo.

Retomando alguns excertos ilustrativos da apropriação do pensamento deweyano nesse

momento, é possível recorrer às declarações constantes em Introdução à pedagogia moderna

(1955), no qual Theobaldo Miranda Santos teceu elogios a John Dewey no capítulo intitulado “A

educação e o pragmatismo”. O escritor declarou que se trata de uma “figura sugestiva e poderosa

[...] que mais profundamente tem influenciado as doutrinas e os métodos da chamada educação

renovada” (Santos, 1955, p.54-55, grifos nossos). Sobre o sentido dos postulados desse autor, o

escritor do manual esclareceu que:

“O papel da inteligência é essencialmente pragmático e o valor do conhecimento

puramente instrumental, pois nada mais representa do que instrumento ou meio para a

realização de certos fins práticos. Assim, não cabe à inteligência dizer o que são as

coisas mas apenas mostrar em que elas nos são úteis e como nos podem servir”

(Santos, 1955, p.56, grifos do autor).

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História da formação docente no Brasil

VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO

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Perspectiva semelhante foi especialmente evidenciada no capítulo “Utilização do manual”

apresentado em Didática mínima, no qual o autor refletiu sobre a prática de “fazer, do manual

adotado, a única fonte de consulta dos alunos ou, de qualquer modo, dar a entender à classe que

o domínio do texto do manual constitui, só por si, aprendizado suficiente” (Grisi, 1956, p.34). Tal

como se afirmou, o texto escolar deveria ser banido das escolas e substituído pela adoção de

revistas e jornais infantis, pois estes, ao contrário dos manuais, poderiam despertar os interesse

dos alunos. Fundamentando seu argumento, Rafael Grisi traduziu e transcreveu um trecho de

Democracy and education, no qual Dewey afirmaria, num tom irônico, “que o lema de certos

autores de livros didáticos é: pouco importa o que se escreva para uso das crianças na escola,

contanto que elas detestem a leitura” (Grisi, 1956, p.36). Desse modo, foram comumente

selecionadas formulações referentes aos modos mais adequados de conduzir o ensino. O que

mais se divulgou foi a aplicabilidade da filosofia deweyana na definição das práticas pedagógicas

e de alternativas para a eficiência no âmbito escolar.

Esse tipo de apropriação configurou-se de maneira semelhante nos livros de pedagogia,

didática, metodologia e prática de ensino publicados entre 1960 e 1971. Nesse momento, o

“tecnicismo” tinha um lugar central no discurso e na pesquisa educacionais. Tratava-se de uma

“renovação radical e capilar da pedagogia”, atenta sobretudo às questões de instrução (Cambi,

1999). No caso brasileiro, essa tendência estava relacionada com a “política desenvolvimentista”

do Regime Militar, quando houve um crescimento industrial intenso e a entrada significativa de

empresas estrangeiras no país (Cunha, 1985). Com relação aos manuais utilizados na formação

de professores, os saberes especializados configuraram-se principalmente pela seleção de recursos

técnicos desenvolvidos pela ciência e adequados ao domínio pedagógico.

Nessa perspectiva, Democracia e educação foi utilizada, por exemplo, com o intuito de

atestar a importância dos meios intuitivos no processo de aprendizagem. Foi assim que Luís

Alves de Mattos, em seu A linguagem didática no ensino moderno, transcreveu o seguinte excerto:

“Nada se objeta a que as informações (no ensino) sejam expressaspor palavras; toda a comunicação opera-se necessariamente pormeio de palavras... O ouvido é órgão para a aquisição da experiência,do mesmo modo que a vista ou a mão. Tanto influem no resultadode nossas ações as coisas afastadas no espaço e no tempo (masque chegam até nós pela palavra ou pela leitura), como as quepodemos cheirar e manejar. Se elas nos interessam realmente, todaa exposição (escrita ou oral), que nos auxilie no trato com as coisasa que elas se referem, torna-se elemento de nossa experiênciapessoal. Entra ela naturalmente em alguma questão em que oeducando está interessado? Ajusta-se ela aos conhecimentos maisdiretos do educando, de modo a aumentar-lhes a eficácia eaprofundar-lhes a significação? Se satisfizer a estes dois requisitos,será educativa” (1960, p.52).

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Embora tenha reproduzido uma parte relativamente extensa de Democracia e educação

(edição publicada pela Companhia Editora Nacional e datada de 1936, como foi indicado no

manual), o escritor não desenvolveu maiores reflexões sobre a citação, destacando apenas o

fato de se tratar de um depoimento “valioso e insuspeito, visto ser ele [John Dewey] o grande

paladino do ensino ativo contra os excessos do verbalismo” (Mattos, 1960, p.52, grifos nossos).

Ainda com uma finalidade ilustrativa, seria interessante retomar outra citação dessa mesma

obra que apareceu num texto de Didática geral assinado por Penteado Júnior, na parte relativa à

“matéria do ponto de vista do aprendiz”. Segundo o excerto, o “problema do ensino consiste em

conservar a experiência do estudante movendo-se na direção daquilo que o adulto formado já

conhece. Por isso é necessário que o mestre conheça ao mesmo tempo a matéria e as

necessidades e capacidades características do estudante” (1965, p.80). Tal como no exemplo

anterior, o escritor não teceu apreciações sobre os trechos transcritos, expondo apenas as palavras

do autor utilizado com relação a maneiras tidas como “ideais” para se conduzir o trabalho docente.

Com a retomada de tais exemplos o objetivo foi evidenciar diferentes tipos de apropriação

do pensamento de John Dewey nos manuais pedagógicos brasileiros publicados entre 1930 e

1971. Assim, é possível notar que, ao longo do tempo, as leituras sobre a obra desse filósofo

articularam-se num primeiro momento aos objetivos propostos pelo movimento de renovação

escolar, passando, em seguida, a enfatizar os modos pelos quais a obra do referido autor poderia

indicar técnicas e metodologias de ensino a serem empregadas pelos professores no exercício do

magistério. Foi nessa perspectiva que Amaral Fontoura assinalou em seu Didática geral: “Dewey

como filósofo da educação não nos interessa aqui. Como grande reformador dos métodos da

educação, sim.” (1965, p.237, grifos nossos). Evidentemente, foram analisados apenas alguns

comentários exemplares referentes ao nome mais mencionado na bibliografia examinada, o que

obriga a chamar a atenção para perspectivas de continuidade das investigações acerca das

formas pelas quais os manuais divulgaram as idéias de vários autores, participando da construção

e circulação do discurso pedagógico. O texto a seguir é uma reflexão sobre os tipos de referências

encontradas nas páginas dos manuais, visando a identificar aspectos acerca da formação e

atuação dos autores desses livros e que, de alguma forma, influenciaram a apropriação realizada

da bibliografia incorporada aos seus escritos.

O movimento acima descrito é muito importante para conhecer em quais fontes os manuais

pedagógicos pautam-se para construir seus textos que, no caso, estruturam-se para dar conta

dos modos pelos quais os professores devem ordenar seu ofício. Com o passar dos anos, as

referências usadas correspondem cada vez mais a manuais que, por sua vez, procuram sintetizar

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História da formação docente no Brasil

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ideias correntes no campo educacional para orientar os normalistas, por meio de uma leitura

sintética e mais facilitada possível, em suas atividades pedagógicas. Conforme temos assinalado

reiteradas vezes, ao privilegiarem as metodologias e técnicas de ensino, esses livros acabam por

sugerir que a “boa” prática docente é aquela mais atenta ao espaço restrito das salas de aula e do

esforço em encontrar os caminhos mais eficazes para o ensino.

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Segundo Silva (1991) durante o regime ditatorial (1964 a 1985) e após, com aredemocratização política, no Brasil as estratégias e manobras para a coisificação do professorincluíam denegrir a imagem do educador e minar sua força ante a sociedade.

De 1964 a 1985 o Brasil passou por um de seus piores momentos. Fomos refénsde um governo ditatorial implacável e doloroso para com seus opositores. Aliás, em outros momentosde nossa história, já havíamos vivido governos de ditadura.

Tal como nesses períodos anteriores, no período de 1964 a 1985, inúmerospersonagens conhecidos ou anônimos foram presos ou exilados ou “desapareceram” sem quenunca soubéssemos o que aconteceu com eles.

A Segunda República estende-se de 1945 até o golpe militar de 1964. Caracteriza-se pela consolidação do populismo nacionalista, fortalecimento dos partidos políticos de caráternacional e grande efervescência social. A indústria, que caminhava a passos lentos, começaexpandir-se rapidamente, sobretudo a metalurgia e a automobilística.

Neste cenário histórico-político os movimentos de cultura e educação populardesenvolveram-se: a) em locais onde o movimento popular venceu pelo voto (Recife-Pernambucoe Natal-Rio Grande do Norte); b) em instituições atentas às mudanças sociais, tais como parte daIgreja Católica (Inicialmente a Ação Católica que criou grupos, entre outros, Juventude EstudantilCatólica – JEC, Juventude Operária Católica - JOC e Juventude Universitária Católica - JUC; apartir do final dos anos 60, com a Teologia da Libertação e a criação das Comunidades Eclesiaisde Base - CEBs) e a União Nacional dos Estudantes – UNE.

No Recife, o Movimento de Cultura Popular – MCP, estruturou-se no governo doprefeito Miguel Arraes, tendo início em maio de 1960. No MCP, Paulo Freire,quando Diretor daDivisão de Pesquisa e Coordenador do Projeto de Educação de Adultos, promoveu sua primeiraaplicação do método Paulo Freire em 1962, a qual teve lugar no Centro de Cultura Dona Olegarinha,no Poço da Panela, Recife. Outras aplicações do método foram feitas em João Pessoa (CEPLAR)e na Universidade do Recife (Serviço de Extensão Cultural). Segundo Góes (2002), nessa visãofreireana, o povo deixa de ser objeto e passa a ser sujeito.

A Secretaria Municipal de Natal (Rio Grande do Norte), em fevereiro de 1961,proporciona a Campanha “De Pé no Chão Também se Aprende a Ler” (esse projeto havia sidoproposto de campanha eleitoral do candidato de campanha eleitoral do candidato Djalma Maranhão).

O Movimento de Educação de Base – MEB - surgiu em 21 de março de 1961, nogoverno do então Presidente da República, Jânio Quadros (decreto 50370), como um movimento

OS REFLEXOS DA POLÍTICA EDUCACIONALBRASILEIRA NO PERÍODO DE 1964-1985 SOBRE

A PRÁTICA DOCENTE ATUAL (2005).

ZULIANI, Renata Duarte

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ligado à Igreja Católica que utilizava o rádio como principal veículo (foi o único movimento deeducação e cultura popular que sobreviveu ao golpe)

O Centro Popular de Cultura – CPC - órgão cultural da UNE, produziu teatro,literatura, música e cinema. A partir de 1963 ampliou seus trabalhos e alfabetizava as classessubordinadas, realizando assim um trabalho mais permanente e sistemático.

Desde a Constituição outorgada por Getúlio Vargas em 1934 já estava prevista aelaboração de uma Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, mas foi a Constituição Fed-eral de 1946 (no retorno à democracia republicana) que determinou a sua elaboração; em 1948, oentão Ministro da Educação Clemente Mariani apresentou um projeto de lei ao Congresso que iriacausar grandes e polêmicas discussões até ser aprovada e depois de sua aprovação também.

No final do mandato de Juscelino Kubitschek (1956-1961) a discussão sobre a LDB(Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) atingiu todas as camadas sociais, órgãoseducacionais, sindicais, estudantis, a imprensa e até nos comícios.

A Lei, se aprovada, alteraria regulamentações estabelecidas por Gustavo Capanemaque, após uma longa gestão no Ministério da Educação, de 1934 a 1945, fora eleito deputadofederal, dando início ao que seria uma longa carreira parlamentar. A presença de Capanema noCongresso impediu o prosseguimento das discussões, razão pela qual mais de uma década (13anos) se estenderia desde a apresentação do projeto da Lei de Diretrizes e Bases ao Legislativoaté sua aprovação final em dezembro de 1961.

No final dos anos 50, quando o debate se reacendeu, de um lado estavam oseducadores comprometidos com os ideais da Escola Nova, fortalecidos pela presença ativa emilitante de Darcy Ribeiro; de outro lado, os defensores da rede privada de ensino, defendiam queas famílias deviam ser livres para escolherem qual tipo de ensino queriam para seus filhos.

O manifesto dos educadores “Mais uma vez convocados” reafirmação do “Mani-festo dos Pioneiros da Educação Nova”, de 1932, veio à luz em 1°ð de julho de 1959. Redigidonovamente por Fernando de Azevedo, contou com 189 assinaturas, dentre as quais as de AnísioTeixeira, Florestan Fernandes, Caio Prado Júnior, Sérgio Buarque de Holanda, Fernando HenriqueCardoso, Darcy Ribeiro, Álvaro Vieira Pinto.

Os “escola-novistas” acabariam por ver suas teses derrotadas ao ser aprovada a Leide Diretrizes e Bases da Educação Nacional em 1961, já no governo João Goulart. O art. 95 da Lei4.024 previa que a União dispensaria sua cooperação financeira ao ensino sob a forma de subvençãoe financiamento a estabelecimentos mantidos pelos estados, municípios e “particulares”, para acompra, construção ou reforma de prédios escolares, instalações e equipamentos. O país, naépoca, não tinha recursos para estender a rede oficial de ensino, que marginalizava quase 50% dapopulação em idade escolar. Deliberou-se pela expansão da rede privada, mas a extensão dosbenefícios da educação não alcançou o conjunto da população mais carente.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, promulgada em dezembro de1961, acaba dando ganho de causa à emenda de Carlos Lacerda, segundo a qual deveria ser

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assegurado às famílias o direito de escolherem a melhor escola para seus filhos, fosse pública ouparticular. Nessa perspectiva, a União deveria dar subvenção e financiamento não apenas aosestabelecimentos das redes públicas estaduais e municipais, mas também àqueles mantidos pelainiciativa privada, para compra, construção ou reforma de prédios escolares, instalações eequipamentos.

Em outubro de 1962 foi homologado o 1º Plano Nacional de Educação, elaboradopelo Conselho Federal de Educação e tendo como relator o professor Anísio Teixeira. O Planocriou o Fundo Nacional de Educação e previu a aplicação de 12% da receita de impostos da Uniãoà constituição desse Fundo, cujos recursos seriam destinados, em iguais proporções, ao ensinoprimário, médio e superior. Embora estivesse prevista constitucionalmente, a aplicação dessemontante só aconteceu, de fato, durante a gestão de Darcy Ribeiro. O Plano previa, ainda, aalfabetização, até 1970, de todas as crianças, adolescentes e jovens entre sete e 23 anos. Parafazer frente a essa meta, o ministério elaborou o Plano Trienal de Educação, que deveria constardo planejamento geral do governo para o período de 1963 a 1965, e previa a aplicação de recursosnos três níveis de ensino em montantes mais substanciais do que aqueles garantidos pela legislação– 12% da receita tributária em 1963, 15% em 1964 e 20% em 1965. A saída de Darcy Ribeiro doMinistério, em janeiro de 1963, para assumir a chefia do Gabinete Civil da Presidência da República,interrompeu o planejamento esboçado nos intensos cinco meses em que ocupou a pasta.

Após a renúncia de Jânio Quadros, ocorrida em 25 de agosto de 1961, os trêsMinistros Militares (Exército, Aeronáutica e Marinha) manifestaram-se contra a posse de JoãoGoulart, então Vice-Presidente do Brasil, eleito pelo voto direto do povo, devido a suas posiçõespolíticas, consideradas de esquerda.

Imediatamente, o governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, apoiado pelocomandante do III Exército, José Machado Lopes, formou a Cadeia da Legalidade, dispondo-se alutar pela posse do vice-presidente. Esta posição contou com o apoio de vários oficiais-generaisque serviam em outros pontos do país. O impasse foi superado com a adoção provisória dosistema parlamentarista, com o qual João Goulart iniciou seu governo, em 7 de setembro de 1961.

Esses eventos, entre outros precipitaram a deflagração do movimento golpista,iniciado em Minas Gerais na madrugada de 31 de março de 1964. Goulart foi sucessivamenteinstado por seus principais chefes militares quer a ordenar o ataque aos revoltosos, quer a extinguiro CGT, rompendo com a esquerda. Como Goulart recusou-se a assumir essas duas linhas deação, em poucas horas viu-se sem alternativa a não ser deixar o governo.

Nos primeiros dias após o golpe, uma violenta repressão atingiu os setorespoliticamente mais mobilizados à esquerda no espectro político, como a União Nacional dosEstudantes (UNE), a Confederação Geral dos Trabalhadores, as Ligas Camponesas e gruposcatólicos como a Juventude Universitária Católica (JUC) e a Ação Popular (AP).

Depois do golpe de 1964 muito educadores passaram a ser perseguidos em funçãode posicionamentos ideológicos. Muito foram calados para sempre, alguns outros se exilaram,outros se recolheram à vida privada e outros, demitidos, trocaram de função.

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O Regime instalado a partir de abril de 1964 espelhou na educação o caráter anti-democrático de sua proposta ideológica de governo, agravando-se a partir de dezembro de 1968,com a edição do Ato Institucional nº 5 (AI-5): professores foram presos e demitidos; universidadesforam invadidas; estudantes foram presos, feridos, nos confronto com a polícia, e alguns forammortos; os estudantes foram calados e a União Nacional dos Estudantes proibida de funcionar; emfevereiro de 1969, o Decreto-Lei 477 censurou a relação administrativa e pedagógica nas escolas(em todos os níveis e em sala de aula). ; o Ministro da Justiça declarou que “estudantes têm queestudar” e “não podem fazer baderna”. Esta era a prática do Regime. A repressão e a torturafizeram parte deste período e foram utilizadas contra todos os cidadãos brasileiros.

O MEC – Ministério da Educação e Cultura e a Agency for International Develop-ment (AID) dos Estados Unidos da América, cuja sigla ficou conhecida como USAID, assinaramconvênios de assistência técnica e cooperação financeira.

Os acordos MEC-USAID situaram o problema educacional na estrutura geral dedominação estabelecida desde 1964 e deram um sentido objetivo e prático a esta estrutura,fundamentando as bases das reformas da política educacional. Os protestos provocados pelaassinatura dos acordos determinaram a formação da Comissão Meira Matos, que deveria atuarcomo interventora nos focos da crise estudantil e propor medidas de reforma educacional(ROMANELLI, 1978). No entanto, o relatório Meira Matos apenas reforçou os caminhos sugeridospelos acordos MEC-USAID.

Segundo ROMANELLI (1978), a estratégia da USAID consistia na compartimentaçãodos estudos da realidade e na elaboração de um esquema de influência que operasse de formapermanente, via o desenvolvimento de programas que desencadeassem outros. Para cada objetivo,a USAID propunha programas especiais. No entanto, seus pressupostos destacavam a centralidadeda questão da reformulação das Universidades, estabelecendo uma dependência direta dasinstituições dos países subdesenvolvidos às instituições americanas de ensino superior.

Os acordos, assinados entre 1964 e 1968, merecem destaque pela sua abrangência,atingindo todo o sistema de ensino, e em todos os aspectos: níveis, ramos, funcionamento econtrole do conteúdo, começando exatamente pelo Ensino Superior (Lei Federal 5.540/ 68).

Ainda que a Comissão Meira Matos e o Grupo de Trabalho da Reforma Universitáriatenham sido criados posteriormente, para fazer o levantamento da crise e intervir nas Universidades,os Acordos MEC-USAID já haviam estabelecido todo o sistema educacional, e o trabalho dascomissões, ainda que com algumas divergências, nada mais fizeram que sacramentar a políticaeducacional estabelecida.

Não só o ensino superior foi atingido por tais acordos, como também os demaisníveis de ensino no Brasil. Para erradicar o analfabetismo foi criado o Movimento Brasileiro deAlfabetização - MOBRAL. Aproveitando-se, em sua didática, no expurgado Método Paulo Freire, oMOBRAL propunha erradicar o analfabetismo no Brasil, mas não conseguiu. E entre denúncias decorrupção foi extinto.

O Movimento Brasileiro de Alfabetização - o MOBRAL surgiu como um

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prosseguimento das campanhas de alfabetização de adultos iniciadas com Lourenço Filho. Sóque com um cunho ideológico totalmente diferente do que vinha sendo feito até então. Apesar dostextos oficiais negarem, sabemos que a primordial preocupação do MOBRAL era tão somentefazer com que os seus alunos aprendessem a ler e a escrever, tornarem-se eleitores, sem umapreocupação maior com a formação social, profissional e existencial dos que estavam sendo“alfabetizados”.

É no período mais cruel da ditadura, conhecido também como “Anos de chumbo”,quando qualquer expressão popular contrária aos interesses do governo era abafada pela censuraou muitas vezes pela violência física, prisão e morte, que foi instituída a Lei Federal 5692/ 71,mantendo as finalidades da educação da LDB nº 4024/61, mas alterando os objetivos e a estruturada antiga escola primária e secundária (ginásio e colégio), criando em seu lugar, a escola de 1ºgrau com oito anos e a de 2º grau, com três ou quatro anos, dependendo do Curso.

A característica mais marcante dessa Lei 5692/71 foi à profissionalização obrigatóriaem nível de 2º grau. Dentro do espírito dos “slogans” propostos pelo governo, como “Brasil grande”,“ame-o ou deixe-o”, “milagre econômico” etc, planejava-se fazer com que a educação contribuísse,de forma decisiva, para o aumento da produção brasileira, numa tentativa de melhorar a qualificaçãoda mão de obra, de um lado e de outro, de esvaziar a demanda para o ensino superior.

Embora a finalidade da educação brasileira proposta pela LDB 4024/61 fossesocial, a partir da LF 5692/71, a educação passa a concentrar seus objetivos na visão econômicada educação, como instrumento de desenvolvimento econômico, porém, fragmentando a formaçãodo jovem em dois ramos: para o ensino técnico-profissional (classe operária) e para o ensinosuperior (classe média, média-alta).

Com o fim do Governo da Ditadura (1985), a eleição indireta de Tancredo Neves,seu falecimento e a posse de José Sarney, teve início a Assembléia Constituinte para elaboraçãode nova carta constitucional para o país. Os educadores mobilizados por uma nova proposta deEducação, realizaram em Campinas, no ano de 1978. A partir de 1980 tiveram início as ConferênciasBrasileiras de Educação - CEBs, realizadas a cada dois anos e se transformaram no “principalevento educacional do país” (Ghiraldelli Jr., 1990, p.229).

Na IV CBE, em Goiânia, ano de 1986, foi importante o documento elaborado peloseducadores – A Carta de Goiânia, sobre a proposta de uma nova LDB, cujo projeto inicial foielaborado pelo professor dr. Dermeval Saviani e colocado em discussão com os demais educadoresdo país. O Projeto de Lei da nova LDB foi encaminhado à Câmara Federal, pelo Deputado OctávioElísio em 1988, após a promulgação da Constituição Federal.

Após várias discussões foi aprovado pela Câmara Federal em 1993 e encaminhadoao Senado. Lá permaneceu até que em final de 1995, início de 1996, o senador Darcy Ribeiro,relator do “Projeto da Câmara” propôs seu arquivamento. Em seguida, apresentou um substitutivoque foi aprovado pelo Senado em fevereiro de 1996 e encaminhado à Câmara Federal. Finalmente,foi aprovado pela Câmara Federal e encaminhado ao sr. Presidente da República, Fernando HenriqueCardoso, para sancionar a Lei que tomou o nº de 9394, de dezembro de 1996 e foi denominada por

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ele “Lei Darcy Ribeiro” em homenagem ao seu idealizador que havia morrido alguns meses antes.Quais as ações realizadas durante o período (1964-1985) referente à educação e

que ainda hoje continuam sendo aplicadas? Quais os motivos?Que dizer de escolas que nos dias de hoje (2005) já estão colocando câmera de

televisão em cada sala de aula, em princípio, como motivo de segurança, mas na verdade, comocontrole, policiamento e modo de punição de alunos e até professores? Como fica a realização dosdireitos individuais e sociais garantidos pela Constituição Federal de 1988 (artigo 5º, incisos II, III,IV, V, IX, X; artigo 6º, artigo 205º e 206º); a aplicação desses artigos no Estatuto da Criança e doAdolescente (ECA) de 1990, bem como, na nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional(LDB), Lei 9.9394/96, de dezembro de 1996? Câmera de televisão em sala de aula seria hoje oretorno sofisticado das práticas impostas pelo Decreto-Lei 477 de 1969?

Pesquisa em andamento.

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“Não temos senão pedir um pouco de atenção para a modestaeducadora paulista, tão duramente tratada. É ela força máxima queimpulsiona o complicado maquinismo da instrução pública. Mas,tão sobrecarregada de deveres, tão premiada por feitores. Muitasvezes brutais, já está ela perdendo o ânimo para o trabalho racional.Transformada em máquina, trabalha como máquina, e essetrabalho é contraprudente. Libertai-a das normas rígidas deprogramas forçados e extensos, não de acordo com asnecessidades regionais. Deixai-a agir mais livremente. Seja elamenos escrava; tenha um pouco mais de autonomia em sua classeou escola, e vereis o seu interesse pelo ensino. Tenha livre direitode debates, possa fazer demonstrações de sua experiência e serásurpreendente o seu trabalho (...) é muito comum, uma professorapública, escrava de horário severo, que perderá o ponto pelo atrasode minutos (Dora Lice, 1927, p. 3-4, p. 192, grifos nossos).

O trecho do romance intitulado O calvário de uma professora (1927), escolhidopara iniciar esse texto remonta aos anos finais do século XIX e iniciais do século XX, período aoqual serão dedicadas as reflexões que aqui se apresentam. A escolha de tal excerto, no qualconsta o desabafo da professora Hermengarda, protagonista do romance, é pertinente uma vezque remete à problemática que nos interessa: as relações entre identidade docente e asconfigurações do tempo escolar. Ao mencionar que fora transformada em máquina e devia termais autonomia em sua classe ou escola, a professora faz menção às mudanças que vinhamsendo incorporadas na organização do cotidiano escolar, em virtude da reestruturação do sistemade ensino público primário. Entre essas transformações pode-se destacar as relações com o tempo,expressas na redefinição dos modos de se dividir os tempos de aula e na maior rigidez em relaçãoaos horários e ao calendário, cada vez mais ordenados e, especialmente a inserção de váriasdatas que deviam ser festejadas e comemoradas. Somado a tais orientações no que concerne àorganização do tempo, é notável um aumento do controle em relação ao trabalho dos professores,transformados praticamente em escravos, como denuncia a professora do romance. Assim, altera-se o modo que eles se percebem, as representações acerca de si e da profissão bem como asrepresentações sociais sobre sua função.

O modelo de escola primária, cujas influências são notadas até hoje, se configurounos últimos anos do século XIX, do qual destacam-se os grupos escolares (escolas graduadas),criados em São Paulo em 1893, considerados os responsáveis por consolidar as pretensões demodernidade difundidas desde meados do século XIX. A forma escolar almejada e gradativamenteconcretizada incluía uma hierarquia bastante acentuada, na qual os professores eram as figuras

TEMPOS DE COMEMORAR: DOS MODOSDE FESTEJAR NAS ESCOLAS PRIMÁRIASPAULISTAS E A QUESTÃO DA IDENTIDADE

DOS PROFESSORES (1890-1930)

CÂNDIDO, Renata Marcílio 1; GALLEGO, Rita de Cassia 2 (FEUSP/UPM)

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que menos tinham poder de decisão, embora nos discursos oficiais tomassem evidência no projetode educação nacional3, que incluía o intuito de civilizar o povo brasileiro. Além dos inspetores cujocargo observa-se desde o início do século XIX, cria-se o cargo do diretor no interior da escolaprimária, exceto naquelas em que ainda predominava um só professor (escolas isoladas), o quevisava a contribuir para maior eficácia no controle dos trabalhos dos professores, já que aquele eraconsiderado representante direto do Estado no interior da escola. Cabe lembrar que a escolaprimária, até esse período, consistia num espaço não arquitetado para ser escola onde se reuniamcrianças de diferentes idades sob os cuidados de um só professor, que era responsável tambémpor trabalhos de secretaria (registro de matrículas, por exemplo), portaria (abertura e fechamentoda escola), entre outros. Portanto, pode-se calcular o que significou para os professores deixaruma escola com tais características e ingressar em escolas onde tudo passa a ser minimamenteprevisto e controlado, há mais professores, espaços pensados em função das atividades a seremrealizadas4 etc.

Ao apresentar tais considerações quer se evidenciar que a dimensão tempo integrae influencia a construção/constituição da identidade docente. Hermengarda, por exemplo, aorelatar as alterações notadas na prática docente, de certa forma, compara-as com condiçõesanteriores de trabalho, as quais vinham sofrendo modificações. Acredita-se que ao ter que incorporarao seu trabalho, ou seja, ao seu modo de viver e compreender a profissão docente, elementosdiversos daqueles que já se faziam presentes, a identidade docente sofre alterações. A necessidadede aproximar a questão dos tempos de festejar à identidade dos professores deve-se ao fato de seobservar que ao haver reestruturações no modo de comemorar, enfatiza-se a necessidade dosprofessores mudarem suas práticas, adequarem-nas às mudanças, o que implica em propostasdiferentes de atuações, modos outros de ser professor. Dessa forma, ao tratarmos da questão daidentidade docente, percebe-se que para sua constituição tanto coletiva quanto individual concorremelementos da história de um modo mais amplo, da história da escola ou cultura escolar, além dashistórias individuais5.

No quadro de mudança empreendido nos tempos da escola no referido períododestacam-se as propostas de utilização do dia de aula. Entre as atividades que assumem umpapel central no interior do calendário e dos dias letivos encontram-se as festas. Ao se tratar dasfestas nesse período deve-se considerar uma primeira distinção: festas cívicas, festas de inauguraçãodos grupos escolares, de encerramento do ano letivo quando se realizavam os exames e entregavamprêmios aos melhores alunos além daquelas que se caracterizaram como escolares, como aFesta das Aves e das Árvores. Tais reformulações exigiram dos professores o cumprimento detarefas que até então não se faziam presentes no cotidiano das escolas. Assim, a proposta de serprofessor integra as maneiras ideais de festejar, celebrar e comemorar. Considerando-se as festasescolares, nota-se que em diferentes períodos esperam-se atitudes diversas dos professores. Nosprimeiros anos do regime republicano, aos quais dedicamos nossas reflexões, as festas cívicasestavam intimamente relacionadas com o ideário político e possuíam como uma das suas principaisfunções disseminar os valores do novo regime que se instaurava, a exemplo das festas da Bandeirae da Proclamação da República, já nas décadas que se seguem percebe-se que estas festas

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passam a ter sua função contestada por alguns educadores. Nota-se que ora devem assumir umcaráter exaustivo, grandioso, que extrapole os espaços da sala de aula e da própria escola (atémeados da década de 10) ora devem se limitar à sala de aula e ocupar menos tempo possível.

Detendo-nos às relações sobre a identidade e à incorporação de novos elementosna cultura escolar, é imprescindível observar que há diferenças entre os níveis do ensino uma vezque embora haja questões em comum, quase sempre no que concerne aos itens do calendário,há especificidades que devem ser levadas em conta, como o modo de divisão das aulas, aespecialidade por componente disciplinar (não presente no ensino primário), o que implica emformas certas vezes distintas de se constituir a identidade, embora oficialmente parece haver umdiscurso massificador. Tendo em vista as particularidades mencionadas, nessa oportunidadetrataremos especificamente do ensino primário paulista.

As reflexões foram tecidas a partir de algumas leituras principais. Sobre a questãoda identidade e formação docente foram imprescindíveis as discussões de Martin Lawn (2000).De acordo com esse autor, a identidade é construída a partir de referências advindas do Estadonuma tentativa de controlar o trabalho docente. Já no que diz respeito à questão das festas,constitui-se referência primordial o trabalho de Moyses Kuhlmann Jr. (2001) As grandes festasdidáticas: a educação brasileira e as exposições internacionais (1862-1922). Neste trabalho,Kuhlmann (2001) mostra como as Exposições Internacionais no período de 1862 a 1922contribuíram para prestigiar a educação como signo de modernidade, bem como para difundir umconjunto de propostas nesta área (principalmente materiais didáticos e métodos pedagógicos paradiferentes instituições de ensino), pois estas “reservaram espaços privilegiados à educação erepresentaram momentos significativos para a sua história” (p. 09).

Tendo em vista que as considerações aqui apresentadas são fruto de investigaçõesda área da história da educação, deve-se salientar que o corpus documental do qual depreenderam-se as análises foi composto por fontes de revistas pedagógicas publicadas em São Paulo, a saber:A Escola Pública (1895-1897), Revista de Ensino (1902-1919), Revista Escolar (1925-1927) eEducação (1927-1929), bem como relatórios dos inspetores escolares. Trata-se nas linhas quese seguem considerações sobre as relações entre tempo e identidade no interior da escola primáriano período já especificado, dando especial atenção aos momentos das comemorações escolarese as formas pelas quais estes eventos contribuíram para a (re)configuração de uma identidadedocente.

Festejar, celebrar, comemorar e a necessidadedo cumprimento das orientações oficiais

A organização das escolas de massas em diversos países do Ocidente empreendidaem meados do século XIX integra ao planejamento estatal a produção de uma identidade fidedignados professores. O aumento do número de escolas abriga um maior número de professores e, porsua vez, a necessidade de critérios para seleção e dispositivos de controle do seu trabalho,consistindo o tempo um desses dispositivos, a exemplo dos programas enviados às escolas a

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serem cumpridos pelos professores nos dias comuns de aulas e também nas datas festivas.Para Martin Lawn (2000), as alterações na identidade são manobradas pelo Estado,

através do discurso, “traduzindo-se num método sofisticado de controle e numa forma eficaz degerir a mudança” (p. 69). Lawn (2000) associa a identidade dos professores à identidade nacionalo que é frutífero para se compreender determinadas fases de desenvolvimento do ensino público eestatal, em qualquer nação. O Estado cria uma versão “utilizável” de um projeto de educaçãonacional.

Geralmente, os professores assumem um lugar de destaque quando existe, decerta forma, o que Lawn (2000) chama de pânico moral acerca da sociedade e das suas crianças.Nesse caso, quase sempre a identidade docente aparece como inadequada e é urgente a alteração.Sem dúvida, a identidade dos professores, assim como observa Lawn (2000), tem constituídouma parte importante da gestão do sistema educativo, sendo um item sempre presente nasdescrições oficiais, nos artigos sobre mudança na educação e nos relatórios produzidos.

Conforme o mesmo autor, o Estado produz a identidade dos professores medianteseus regulamentos, discursos públicos, programas de formação, intervenções, entre outras medidas.A produção da identidade através do discurso não só explica, mas constrói o sistema uma vezque, segundo Lawn (2000), essa simboliza o sistema e a nação que o criou. É muito comumatrelar-se as expectativas em relação a identidade docente aos objetivos econômicos ou sociais,definidos pelo Estado.

A tentativa de manipulação da identidade dos professores interessa por diversosmotivos: o Estado engendra um projeto educativo para nação, assim a identidade docente deverefletir a expectativa do Estado; há diferentes maneiras de gerir os professores numa democraciae o estabelecimento da identidade é uma delas; tendo em vista que a identidade é flexível, podeser sutilmente manipulada para priorizar certos aspectos ao invés de outros, de acordo com ascircunstâncias. Tenta-se modificar a identidade dos professores não só se há pânico no controleda educação como também quando se pretende reestruturá-la (Lawn, 2000, p. 71).

Quando se pensa na realidade brasileira, é evidente esse esforço estatal de se fixara identidade. A tentativa de se fixar ou corrigir a identidade ocorre, de acordo com Lawn (2000),mediante aos apelos a função social. Para esse autor, “é provável que as mudanças na representaçãodo que é um professor, em diferentes períodos-chave”, do século XX, demonstrem “as alteraçõesnas identidades estáveis, produzindo assim um sinal indubitável da reestruturação do trabalho”(Lawn, 2000, p. 72). A afirmação do mesmo autor, que considera que os professores, “servos doEstado”, a linha de frente de um Estado eficaz, sendo esses os mais importantes nessa empreitadaé bastante significativa quanto tratamos da questão do tempo.

Segundo Nóvoa, a identidade não consiste num dado adquirido, não é umapropriedade tampouco um produto, ao contrário, “é um lugar de lutas e de conflitos, é um espaçode construção de maneiras de ser e estar na profissão” (1992, p. 16). Portanto, é mais prudente,para o mesmo autor, falar em processo identitário, destacando a mescla dinâmica que caracterizao modo como cada um se sente e se diz professor. Tal construção consiste num processo complexopelo qual cada um se apropria do sentido da sua história pessoal e profissional, por isso necessita

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de tempo para refazer identidades, para acomodar inovações, para assimilar mudanças.Os discursos oficiais expressos nos relatórios de inspetores ou periódicos

educacionais, por exemplo, eram imbuídos de qualidades a serem observadas em suas práticas(pontualidade, cumprimento das obrigações, respeitar o tempo destinado a cada atividade, disciplinaetc.). Na verdade, o Estado recorre a uma série de referências acerca do tipo de professor, querseja em relação as suas qualidades morais e sociais quer seja sobre suas virtudes e capacidades,que atende ao projeto de educação vislumbrado. Sendo assim, as festas constituem-se importantesmomentos nos quais o Estado, ao determinar seus conteúdos e datas a serem comemoradas,pode disseminar seu ideal de cidadão não só para a população que assistia tal solenidade, mastambém para os alunos e professores que participavam de todo o processo de organização damesma.

Conforme salienta Souza (2000), as festividades escolares procuravam constituirum novo universo simbólico capaz de atribuir legitimidade ao novo regime político que se instaurava.“O forte apelo aos valores cívicos e o culto aos símbolos nacionais aparecem, portanto como umaforma de restabelecer a unidade e a integração social ameaçada” (p.178). Nesse momento, aescola pública se fundava não só como o lugar onde se ensinavam e se aprendiam os valorescívicos, mas como instituição guardiã desses valores, cuja ação moral e pedagógica deveria seestender para toda a sociedade (idem).

“A Revista de Ensino, dando, hoje, notícia da imponente festarealizada em Guaratinguetá, por ocasião da inauguração da escolacomplementar daquela cidade, fá-lo cheia de satisfação, comocostuma a ter, sempre que se trata de assuntos como esse, em quecada vez mais se evidencia a verdade de que a instrução entre nós,ainda continua progredindo e se aperfeiçoando – caminho dumauspicioso porvir para o Estado de São Paulo” (Revista de Ensino,Junho de 1904, p.162).

As inaugurações de escolas, os aniversários das instituições de ensino, a finalizaçãodas reformas dos prédios ou mudança dos edifícios para outros considerados mais apropriadostambém eram consideradas ocasiões especiais que deveriam ser comemoradas pelos alunos eprofessores e registradas nos periódicos como representativas do avanço no âmbito do sistemaeducacional. Os festejos escolares além de divulgarem os avanços, expressos através de númerosde edifícios construídos ou reformados, também visavam estimular nas crianças e no povo uminteresse pela escola. Este era o caso das festas de encerramento do ano letivo, nas quais seprocedia a entrega dos certificados, dos prêmios aos melhores alunos, o discurso da autoridadeescolar e a exposição dos objetos confeccionados pelos alunos na disciplina Trabalhos Manuais.

O conteúdo da educação cívica deveria ser ministrado num dia letivo, por isso arecomendação vigente na época era a de que as datas nacionais fossem comemoradas nas escolassempre na véspera do dia indicado. Além disso, o dia nacional deveria ser consagradoexclusivamente às festas oficiais e às festas do povo, das quais as crianças teriam o dever departicipar. A determinação da véspera do dia indicado para a comemoração do festejo foi objeto demuita controvérsia como se pôde constatar nos artigos publicados nos periódicos da época, depois

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desta primeira determinação surgiu outra que indicava o próprio dia do feriado como o maisapropriado para os festejos escolares, entretanto, muitos professores não compareciam nestasdatas alegando que não eram pagos para isto (Anuário do Ensino do Estado de São Paulo,1917).

De acordo com Cardim (1916), a uniformidade na escolha das datas que deveriamser celebradas nas diferentes escolas só foi alcançada quando estas foram regulamentadas porOscar Thompson na década de 1910, pois até então, segundo este autor, ainda existia uma confusãoentre as escolas sobre a escolha das datas que deveriam figurar no calendário escolar comodignas de solenidade. Em seu livro As Comemorações Cívicas e As Festas Escolares, Cardim(1916) cita como exemplo de organização dos festejos escolares a Escola Modelo “Caetano deCampos”. Nesta escola, as comemorações cívicas eram organizadas da seguinte maneira: o pro-fessor reunia seus melhores alunos para decorar a sala, dando-lhe um aspecto festivo, além dissoele deveria preparar um programa a ser executado no dia da festa, que estaria dividido em duaspartes:

“a primeira é iniciada por uma explicação clara e precisa do professor sobre a data,seguindo-se a esta lição uma seção cívica composta de trechos alusivos, poesias, pequenosdiscursos, monólogos, diálogos, comédias, intercalando-se esses trabalhos de declamação comhinos e cantos patrióticos; a segunda parte é preenchida por um trabalho escrito, em papel próprio,tendo uma gravura que sintetiza a festa. Os alunos, conforme a classe em que se acham, copiamtrechos, escrevem ditados, fazem composições livres sobre o assunto da data nacional” (Cardim,1916, p. 5).

Este exemplo, segundo o autor, deveria ser seguido por todos os estabelecimentosde ensino.

Entretanto, as festas escolares eram vistas com ressalvas por alguns educadoresdo período. Apesar de serem minoria, suas opiniões ficaram registradas em artigos publicados naRevista de Ensino, na Revista Escolar e nos Anuários de Ensino do Estado de São Paulo.No primeiro artigo, J. L. Rodrigues ao expressar suas opiniões sobre os exames, as exposições eas festas, explica que as comemorações escolares já não se revestiam do caráter educativo quefoi tão enfatizado nas primeiras décadas do século XX e seus ensaios acabavam por prejudicar oensino, tomando um grande tempo dos alunos e distraindo sua atenção dos estudos. Na segundacitação, publicada em artigo da Revista Escolar de 1925, J. V explica que as escolas deveriamevitar o hábito de realizar pomposas solenidades para receber seus visitantes, sendo assim, oautor sugere, em caso de visitas, uma ligeira sessão cívico-músico-literária, aproveitando-se paraeste fim os hinos, poesias e outros, ensinados aos alunos nas horas de música, canto, educaçãocívica e linguagem oral:

“(...) As melhores festas escolares são aquelas que se organizam deum momento para o outro, sem grandes preparativos, lançando mãodas contribuições que possam fornecer as aulas de declamação,música e ginástica” (Revista de Ensino, outubro de 1904, p.386).“A escola é uma grande oficina; os professores-mestres; os alunos –operários. Assim como se dá nas fábricas, deve ser a escola mostradaaos visitantes no seu funcionamento normal. Nada de festas, adredepreparadas, a não ser em casos especialíssimos (...) É inútil, é preju-

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dicial mesmo, a realização de pomposas solenidades celebradasnas escolas, por ocasião de visitas” (Revista Escolar, fevereiro de1925, nº 2, p.104).

Theodoro de Morais também apresenta, em seu relatório enviado ao Inspetor deEnsino em 1910-1911, as festas escolares como uma das principais causas “perturbadoras dadisciplina escolar”. As outras causas estariam relacionadas com a atitude do próprio professor quedistraído com a atribuição das notas, não presta devida atenção aos alunos; com a falta de atividadespara as crianças ou as atividades demasiadamente longas; a falta de preparo do mestre, que nãoconsegue preparar as aulas adequadamente; os alunos matriculados com idade inferior a seteanos de idade nas classes de primeiro ano; o partidarismo do professor e, com relação as festas,Morais afirma que:

“Muito nociva à disciplina interna e externa da escola é a contribuiçãode dinheiro que os alunos façam para as festas, poliantéias, etc.Seria para desejar que ela de todo se extinguisse.A escola pública é gratuita. Ela não pode aceitar do aluno quantia deespécie alguma.Para as festas tragam as crianças flores, quando possam, e acooperação de seu trabalho espontâneo para o embelezamentodas classes” (Anuário do Ensino do Estado de São Paulo, 1910-1911, p.22).

Mais uma vez, os professores eram postos frente a novas exigências perante ofestejar, agora com cautela, menos glamour, menor dispêndio de tempo. Percebe-se que o profes-sor é submetido a normas, exigências e há uma tentativa de conformar suas práticas. A partir daindicação das práticas ideais, expressam-se elementos que devem compor sua identidade ecaracterísticas que devem integrar suas ações e fazeres.

Tanto Lawn (2000) quanto Nóvoa (1992) atentam para a existência de marcossignificativos na construção da identidade docente referentes aos seus países. Ao tomarmos otempo enquanto elemento que integra a identidade docente, não é ilegítimo observar que a existênciade mudanças como comemorações festivas na escola, como se trata neste texto, impõe redefiniçõesnos modos de se entender a função e papel dos professores e solicita-se dos professores práticase ações compatíveis com tal expectativa.

A fixação de uma identidade para os professores, através dos discursos eregulamentações, funciona como uma forma profícua de se estruturar ou reestruturar o trabalho.O fato de existirem professores que não se adequam às identidades oficiais causa pânico a quemdirige a nação e o ensino por mais que se saiba das subversões. Há um esforço notável paracircunscrever as práticas no interior das escolas haja vista a quantidade de prescrições voltadasaos professores. O esforço de que o saber de referência explicitado nos discursos seja incorporadonas práticas parece desconsiderar que os professores constróem o seu modo de organizar asaulas, de se movimentar na sala, de se dirigir aos alunos, de utilizar os meios pedagógicos etc.mediante uma série de elementos, não só o discurso oficial.

Embora as reflexões apresentadas tenham se ancorado nos séculos passados, é

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pertinente chamar a atenção para um movimento peculiar notado hoje em relação a identidadedocente. Se até então se forjava uma identidade dos professores primários pautada numa práticaquase que restrita a sala de aula, em meados dos anos 90 há um esforço contido nos documentoslegais para delinear um professor que tenha um poder mais acentuado sobre a organização daescola e sua política. Especificamente em relação ao tempo, há uma forte pressão para que ostempos de aprendizagem sejam flexibilizados, a divisão do tempo de aula não seja tão fragmentadae, portanto, os professores são chamados a ter uma outra atuação, as características valorizadasdiferem daquelas enaltecidas outrora. Esse movimento em relação à identidade docente é expressivode como há oscilações na constituição dessa...

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

CARDIM, Carlos A. Gomes. As comemorações cívicas e as Festas Escolares. São Paulo: AugustoSiqueira & C., 1916, 122 p.

CARVALHO, Marta Maria Chagas de. A Escola e a República. São Paulo: Brasiliense: 1989.

GALLEGO, Rita de Cassia. Uso(s) do tempo: a organização das atividades de professores e alunosnas escolas primárias paulistas (1890-1929). Dissertação de Mestrado: Faculdade de Educaçãoda USP, 2003.

KUHLMANN, Moysés. As grandes festas didáticas: a educação brasileira e as exposiçõesinternacionais (1862-1922). Bragança Paulista: Editora da Universidade São Francisco, 2001,262p.

LAWN, Martin. Os professores e a fabricação de identidades. In: NÓVOA, António & SCHRIEWER,Jürgen. A difusão mundial da escola: alunos, professores, currículo, pedagogia. Lisboa: Educa,2000.

NÓVOA, António. Os professores e as histórias da sua vida. In: NÓVOA, António (org.). Vidas deProfessores. Porto: Porto, 1992.

SOUZA, Rosa Fátima de. “Rituais escolares: liturgia cívica e glorificação da memória (aproximaçõeshistóricas)”. In: PORTO, SANCHEZ TEIXEIRA, FERREIRA SANTOS & BANDEIRA (orgs.).Tessituras do Imaginário: cultura & educação. Cuiabá: Edunic/CICE/FEUSP, 2000, p. 173-184.

NOTAS

1 Mestranda do Programa de Pós-graduação da Faculdade de Educação da USP, cuja pesquisa dedica-se ao estudo das festas escolarescomo elemento constituinte da cultura escolar no primeiro período republicano. A pesquisa conta atualmente com auxílio financeiro daCAPES.2 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da USP e professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie.As pesquisas já desenvolvidas no mestrado e que tem continuidade no doutorado tem como objeto de estudo o tempo escolar. Emboraa questão das festas escolares não tenha assumido um caráter central nas discussões efetivadas na dissertação, foi fruto de discussões(ver Gallego, 2003).3 Tendo em vista que nem sempre é possível generalizar as reflexões para um âmbito nacional, nessa oportunidade privilegiaremos oestado de São Paulo, ao qual temos dedicado estudos.4 Vale observar que o modelo de escola de um só professor perpetuou por muito tempo, pois embora houvesse esforços para generalizaros grupos escolares, por muitos motivos, em muitos lugares a população ainda era atendida em espaços precários e por um só professor.5 Entende-se cultura escolar segundo a concepção de Dominique Julia (2002, p. 10): “um conjunto de normas que definem conhecimentosa ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e incorporação dessescomportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas (finalidades religiosas, sociopolíticasou simplesmente de socialização). Normas e práticas não podem ser analisadas sem se levar em conta o corpo profissional dos agentesque são chamados a obedecer a essas ordens e, portanto, a utilizar dispositivos pedagógicos encarregados de facilitar sua aplicação, asaber, os professores primários e os demais professores” (grifos do autor).

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RELATOS DE

EXPERIÊNCIAS

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1. INTRODUÇÃO

Não há como separar a história da arte brasileira da história do ensino de arte.Certamente evidencia-se a especificidade de cada uma, como área de estudo e com objetivospróprios. Porém, a intersecção entre elas é o homem, como produtor de signos e significados, naarte, na história e na cultura. A arte que se quer para a escola não pode ser diferente da artepraticada fora dela. A Arte-educação deve estar em sintonia com a produção artística e cultural,para formar leitores e fruidores de arte. O objetivo maior do ensino de arte deve ser a própria arteenquanto linguagem original do ser humano capaz de construir relações dialéticas entre o ensino,a pesquisa e o objeto de arte.

Segundo Ferraz e Fusari (1999) para que exista a construção de práticas do ensinode arte que garantam: conhecimentos estéticos, artísticos e o diálogo com as necessidades einteresses dos alunos e de sua comunidade, há a necessidade que o educador cultive a consciênciahistórica e a reflexão crítica, para imbricar a prática na teoria, isto é, conhecer arte e saber ensinararte.

Portanto, este trabalho procura estabelecer relações no âmbito educacional e artísticoao plano sócio-cultural. Para entender aspectos do ensino de arte, como a cópia de modelos e odesenho geométrico tão arraigados em nossas escolas.

Além disso, essa proposta sugere um recorte sobre os seguintes fatos históricos:_ O início da arte educação no Rio de Janeiro e em São Paulo no século XIX e suas

idéias norteadoras._ Como a Belle Époque francesa influenciou os costumes, a arte, a cultura e a

educação brasileira. O gosto francês como símbolo de modernidade e de civilidade.Assim, o ensino de arte nas duas cidades e a influência dos ideais franceses são o

foco deste trabalho. No Rio de Janeiro, com a formação da Academia Imperial de Belas Artes em1826, prevalecerá o método de ensino e a arte Neoclássica, que retomava os ideais greco-romanose renascentistas. Enquanto em São Paulo em 1873, a província aos poucos se transformará emmetrópole, financiada pela sociedade cafeeira e o Liceu de Artes e Ofícios como a principal instituiçãode ensino desse período, com um ensino que objetivava a formação de mão de obra para aindústria.

A discussão e a pesquisa sobre o século XIX são importantes para entendermoscomo se deu a urbanização das nossas metrópoles, a formação de um eixo cultural Rio-São

O ENSINO DE ARTE NO IMPÉRIOE NA REPÚBLICA DO BRASIL

FILHO, Antonio Costa Andrade (Universidade Presbiteriana Mackenzie); O STORI,Noberto (Co-autor, Professor Doutor da Unesp e da universidade Presbiteriana

Mackenzie)

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Paulo, o contexto das idéias que contribuíram para o ensino de arte no Império e na República.Para Barbosa (1989, p 9), ‘A falta de conhecimento sobre o passado está levando

os arte educadores brasileiros a valorizarem excessivamente o “novo”.’Assim, estudar osdeterminantes sócio-culturais ajudam a compreender a história do ensino de arte e suas vertentes.Logo, para construir um novo paradigma educacional em arte e desmistificar alguns aspectos, oualguns vícios, será necessário que os professores compreendam, discutam e estudem a históriadesse ensino, como um possível meio para refletir sobre suas práticas pedagógicas, com clarezaa cerca dos métodos e conteúdos artísticos a serem escolhidos.

2 CONTEXTUALIZACÃO

2.1 O Neoclássico em Portugal e no BrasilA introdução do Neoclassicismo em Portugal coincide com a gestão do Ministro

Real Sebastião José de Carvalho e Melo (1699-1782), Marquês de Pombal, precursor de umasérie de reformas político sociais para dar mais poderes ao rei.

O Neoclássico português é singular em relação ao original francês que possuíauma burguesia revolucionária almejando o poder político. Os fidalgos lusitanos pertenciam à altaburocracia e eram leais ao Absolutismo1. 2Além disso, o Neoclássico francês era a arte dossimpatizantes do Iluminismo3 e da Revolução Francesa de 1789. Assim, Portugal se apropriouapenas da tendência estética sem maiores aprofundamentos.

No Brasil, o nome de Antonio de Araújo de Azevedo (1754-1817), Conde da Barca,aparece não apenas como figura típica da elite intelectual da época, mas também por ter sido oresponsável pela vinda dos artistas franceses, chefiados pelo museólogo e crítico de arte JoaquimLebreton (1760-1819). O Objetivo do Conde era montar uma academia de arte na colônia paraatender a demanda da corte portuguesa recém chegada ao país, sua implementação oficial sóocorreu em 1826. Sobre a acepção do termo “Academia”, muito usado na escola Neoclássica,Osinsky, explica:

O termo academia tem sua origem na Grécia antiga, denominando um parquesituado no local que teria pertencido ao herói Academus. Esse parque era freqüentemente utilizadopor Platão e outros filósofos {...}. No princípio do renascimento, o nome “academia” foi, na Itália,indistintamente empregado às diversas associações de sábios, literatos e eruditos, bem como aosestabelecimentos docentes de diversas áreas ( 2001, p. 31).

Assim, as academias não deixam de existir no Barroco e Rococó. Essas instituiçõesse ocuparam da formação de artistas e da educação em arte, o seu auge está relacionado com oNeoclássico francês, que resgatou os ideais da arte greco-romana e renascentista.2.2. A Belle Époque com sotaque

O sotaque é uma característica cultural de uma determinada região e estáimpregnado de conhecimento, atitude e originalidade. Porém, refiro-me ao sotaque como umametáfora ao que aconteceu no Brasil em relação à Belle Époque. A tentativa de incorporar uma

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idéia, signo de modernidade, sem a preocupação de se estabelecer um diálogo com a realidadenacional do século XIX. Esse fato gerou problemas culturais e sócio econômicos, ao invés determos uma solução que modernizasse o país, tivemos a circulação de idéias e linguagens queapenas substituíam as nossas e não ajudavam a criar uma identidade brasileira.

Em 1871, após a guerra franco-prussiana, que levou ao cerco de Paris, o governodo Imperador Napoleão III (1808-1873) promoveu a recuperação econômica. Por volta de 1890, oautomóvel, o telefone, o gramofone, o avião, e o cinema contribuíram para um novo “estado deespírito”, uma nova alegria de viver (joie de vivre), nascia a Belle Époque, em uma cidade luminosa,modelo para a Europa e o mundo. O Art Noveau4 era o estilo artístico que surgia na arquitetura enos objetos, extremamente ornamental e inspirado em formas da natureza.

Paris se transforma na cidade mais imponente da Europa. Georges-EugéneHaussmann (1809-1891), político e administrador foi o encarregado de remodelar a cidade, cuidandodos planejamentos durante dezessete anos com a aprovação de Napoleão III e dos melhoresarquitetos e engenheiros. Haussmann planejou uma nova cidade, melhorando os parques parisiensese criando outros, construindo vários edifícios públicos. A cidade com ruas estreitas da era medi-eval foi reestruturada com grandes avenidas geometrizadas e os boulevares.

Esse período se prolongará até a primeira guerra mundial, em 1914, colocando fima tudo aquilo em que se apoiara a sociedade da Belle Époque: prosperidade, alegria de viver,valores familiares e religiosos, idéias filosóficas, concepções artísticas, ou sejam, os valoressocioculturais burgueses.

Mas a Belle Époque, com sotaque brasileiro, situa-se entre 1889 a data daproclamação da República até 1922 com o Modernismo. A urbanização das nossas metrópolestem uma forte influência da concepção de Haussmann, ou seja, de cidade moderna com amplosespaços e prédios imponentes.

No Rio de Janeiro, durante o governo de Rodrigues Alves (1848-1919), muda oaspecto provinciano da cidade, foram construídos um porto novo e a grande avenida Central, hojeconhecida como Avenida Rio Branco. Alargaram-se as praças e os prédios antigos foram derrubados.A proposta de modernização e reurbanização tinham o seguinte slogan: “O Rio civiliza-se”, isto é,tentava igualar-se a Paris. Todavia, essas obras acarretaram uma série de problemas sociais erevoltas, como a Revolta da Vacina em 19045 e a população carente foi expulsa dos cortiços eobrigada a morar nos morros, fora do entorno da cidade.

São Paulo começa a despontar como metrópole, com a República inicia-se oprocesso de industrialização e urbanização, apoiado pelos barões do café. Tudo o que era educadoe culturalmente prestigiado, tinha o sotaque francês. A Belle Époque teve uma característicaregional, mas que não se diferenciava muito do que acontecia no Rio de Janeiro. A Arquitetura damoda era o Ecletismo, uma mistura de vários estilos: greco-romano, gótico, românico, renascentistae mourisco, com linhas que combinavam a austeridade, a clareza com elementos decorativos.Assim, foram construídos o Teatro Municipal de São Paulo (1903-1911), como réplica menor doÓpera de Paris, o Palácio dos Campos Elíseos (1896) e vários prédios de mesma importância eimponência no interior do estado, como em Franca, São Carlos, Ribeirão Preto, etc.

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3 AS ORIGENS DA ARTE EDUCACÃO NO BRASIL

3.1 O ensino de arte na Academia Imperial de Belas ArtesNo início da Colonização, a arte e o ensino de arte foram trazidos pelos jesuítas. Os

primeiros artistas eram autodidatas e pertenciam ao clero em sua maioria. Sem preparo técnicoadequado ou qualquer base cultural, esses artistas copiavam estampas européias de gravurasreligiosas.

Da segunda metade do século XVI até o século XIX, a arte na colônia era praticadapor negros e mulatos e ensinada de pai para filho ou de mestre para aprendiz.

Essa situação permaneceu até 1800, com a “Aula Régia” 6 de Manuel Dias deOliveira (1764-1837), pintor gravador e escultor, nomeado por Dom João VI ( 1767-1826), torna-se o primeiro professor público brasileiro a ministrar aulas de nu com modelo vivo. Para o meioartístico brasileiro, Manuel Dias de Oliveira, representa uma inovação, pois sinaliza o término daépoca em que os artistas se educavam no interior de ateliês de escultores e ourives. Logo,reconhecia-se o papel fundamental do desenho e adotava-se a postura artística da tradição clássicaeuropéia.

Em 1816, a Missão Artística Francesa impõe a substituição do Barroco peloNeoclássico.Barbosa, esclarece:

Aqui chegando, a Missão Francesa já encontrou uma arte distinta dos origináriosmodelos portugueses e obras de artistas humildes. Enfim uma arte de traços originais que podemosdesignar como Barroco brasileiro. Nossos artistas, todos de origem popular, mestiços em suamaioria, eram vistos pelas camadas superiores como simples artesãos, mas não só quebraram auniformidade do barroco de importação, jesuítico, apresentado contribuição renovadora, comorealizaram uma arte que já poderíamos considerar como brasileira. (1994, p19).

Assim, a concepção de arte popular é substituída pela arte burguesa. Pela primeiravez tínhamos um estilo artístico em sintonia com o que estava acontecendo na Europa. Porém, oprestígio da academia era tão intenso que nossa pintura ganhava na técnica, mas perdia emespontaneidade.

Nessa época, a atividade artística não era incluída nas escolas públicas elementares.O ensino de arte era exclusividade da Academia Imperial de Belas Artes. A metodologia do ensinode arte tinha como fundamento principal o desenho, primeiramente de partes do corpo humano enum estágio posterior a observação de bustos de gesso para os exercícios de luz e sombra. Aprática com os pincéis acontecia numa etapa mais avançada, começando com a cópia de umdetalhe de algum mestre da pintura e depois com os estudos compositivos a tinta até a produçãode uma pintura do início ao fim, em que se retiravam todos os vestígios de imperfeição.

Para estabelecer uma correlação entre o ensino acadêmico no Brasil e na França,Wick, (1989 apud DULCE OSINSKY, 2001, P. 38)7, descreve como era o ensino na Academia deParis:

Primeiramente, o estudante desenhava a partir de outros desenhos, depois a partirde modelos em gesso e, finalmente, de modelos vivos. Do ponto de vista estético, a Antiguidade,

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Rafael e Poussin serviam como exemplos e eram obrigatórios. [...] Os temas que podiam sertratados estavam claramente hierarquizados: num nível mais inferior estavam as naturezas mortase as paisagens, seguidas pelas representações de animais e de formas humanas: no topo de talhierarquia encontravam-se as representações de temas históricos, mitológicos e alegóricos.

Diante disso, percebemos que o Academismo brasileiro apenas perpetuou os moldeseuropeus de ensino sem qualquer adaptação com a nossa cultura.

Assim, a Academia Imperial de Belas Artes formou vários de nossos artistas doséculo XIX, como por exemplo: Pedro Américo ( 1843-1905), Vítor Meireles (1832-1903), AlmeidaJúnior (1850-1899) e Belmiro de Almeida (1858-1935).

3.2 O Liceu de Artes e Ofícios de São PauloDesde 1870 configurou-se um período de grandes transformações culturais com a

industrialização caminhando a passos largos, neste contexto o ensino de arte assume um novopapel, formar mão de obra.

Com a República foi possível um rompimento gradual com o padrão da arteconvencional feita para documentar e ilustrar os acontecimentos da corte. A Academia agora sechama Escola Nacional de Belas Artes.

Com a queda da monarquia e a ascensão da República, a mentalidade política,influenciada pelo Liberalismo americano8 e o Positivismo francês9, fazem com que novas leiseducacionais sejam votadas, favorecendo a inclusão do desenho geométrico no currículo. Tantopara atender a industrialização quanto para desenvolver a racionalidade.

No Brasil, a exploração do desenho técnico dá início a um conflito entre as belasartes e as artes industriais. Que podem ser representados pelo direcionamento dado ao ensino dearte nas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo. A escola carioca valorizava o lado artístico, aexpressão, a arte pela arte, o desejo, a idealização de uma sociedade burguesa. Os paulistasprivilegiavam o ensino técnico científico, voltado para o cotidiano e formação profissional.

Fundada em 1873, a Sociedade Propagadora da Instituição Popular, em 1882,passa-se a chamar Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo. O objetivo da instituição era ministrargratuitamente ao povo os conhecimentos das artes e ofícios, formando artesãos e trabalhadorespara as oficinas, o comércio e a lavoura. No currículo do Liceu eram estudadas as seguintesdisciplinas: a aritmética, a álgebra, a geometria descritiva, a zoologia, a física e suas aplicações,a mecânica e suas aplicações, o desenho linear, o desenho de figura, o desenho geométrico, odesenho de arquitetura, a caligrafia, a gravura, a escultura de ornatos, a pintura e a estatuária.

A maioria dos professores eram artesãos italianos que dominavam os estilos europeusda moda. O Liceu formou profissionais para trabalhar nas construções dos casarões da AvenidaPaulista e na produção de mobiliários de madeira e estofados luxuosos.

Em 1895, o arquiteto e engenheiro Ramos de Azevedo (1851-1928) assume a direçãogeral do Liceu. A instituição amplia suas classes de primeiras letras, além da língua portuguesa eda aritmética são introduzidas noções de álgebra, de geometria e de contabilidade. Sobretudoampliava-se o curso secundário, criava-se um curso de artes e ofícios, que incluía classes dedesenho com aplicação às artes e á indústria, classes de modelagem em barro e gesso, classes

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de pintura e instrução profissional com aplicação em marcenaria e carpintaria, talhe de ornamentaçãoem madeira, solda e curvamento de ferro para aplicação em caldeiraria e serralheria. A pretensãode Ramos de Azevedo era criar as bases para a futura “Escola de Belas Artes de São Paulo”.

Esse período foi marcado pela importância atribuída ao desenho na educação popular,feita pelos liberais, que entendiam o desenho como a matéria mais importante da escola primáriae secundária. Assim o ensino de arte na Belle Époque paulista tem uma orientação tecnicista.

Além disso, o Liceu ajudou a formar artistas do grupo Santa Helena10 oriundos daclasse trabalhadora e filhos de imigrantes italianos, espanhóis e portugueses. Este grupo era formadopor Clóvis Graciano (1907-1988), Alfredo Volpi (1896-1988), Aldo Bonadei (1906-1974), ReboloGonzales (1902-1980), Mario Zaninni (1907-1971) e Fúlvio Pennachi (1905-1992). A propostadesses pintores era pintar as paisagens urbanas de São Paulo de uma forma mais simples esolene diferente do que fizeram outros modernistas que tinham uma influência direta doExpressionismo e do Cubismo, como Tarsila do Amaral (1886-1973) e Anita Malfatti (1896-1964).

4- CONSIDERAÇÕES FINAIS

Compreender as origens do ensino de arte no Brasil e o seu contexto histórico foi oponto de partida deste artigo. Algumas práticas na história da arte educação foram supervalorizadas,como o desenho geométrico e a cópia de modelos, em detrimento dos conteúdos e objetivos daprópria arte, questionar a respeito de conteúdos válidos para formar alunos críticos, fruidores econhecedores de arte, pode ser um início para grandes mudanças no ensino de arte no Brasil. Osprofessores de arte, sem conhecer essas origens valorizam qualquer novidade, sem entender quala proposta e o seu contexto, muitas idéias são simplesmente passadas adiante, não havendopreocupação com a realidade do aluno. O que permanece muitas vezes é o fazer pelo fazer, semoferecer uma experiência estética ou a aquisição de novos conhecimentos. Assim a aula de artese transforma em aula de desenho, ou uma atividade sem qualquer significado ou fundamentaçãoteórica.

A falta de conhecimento histórico, a cerca da cultura e das experiências estéticasda humanidade, fazem com que o ensino de arte seja ineficiente na escola pública e particular. Aimplantação de qualquer mudança no ensino de arte deve se preocupar com as relaçõessocioculturais e as condições propícias para a aprendizagem contextualizada.

Portanto, o percurso da arte educação com qualidade, começa pelo professorreflexivo e sensível para dialogar com as linguagens, a história da arte e do ensino. Este profissionaldeve ter segurança ao escolher conteúdos e objetivos artísticos bem definidos em suas propostas,afinados com as realidades das diferentes comunidades.

5- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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CHIARELLI, Tadeu. Arte internacional brasileira.São Paulo: Lemos Editorial, 1999.

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ZANINI, Walter (org.) História Geral da arte no Brasil. São Paulo: Instituto Walter Moreira Salles,1983. 2 v., il.

NOTAS1 Forma de governo adotada durante os séculos XVI, XVII e XVIII, por grandes potências européias. O absolutismo é um tipo de monarquiahereditária, em que o rei tem poderes absolutos. AZEVEDO. Antonio Carlos do Amaral. Dicionário de nomes, termos e conceitos históricos.Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.2

3 Corrente filosófica. Literária e política do séc. XVIII, que visava combater o absolutismo, considerando a razão como único meio para seatingir a sabedoria. IBDEN (1)4 Estilo decorativo, principalmente em decoração de livros, decoração de interiores e arquitetura, que se propagou na Europa nas décadasde 1890 e 1900. LAMBERT, Rosemary. História da Arte da Universidade de Cambridge: A arte do século XX. São Paulo: Zahar Editores,1981.5 O médico e sanitarista Osvaldo Cruz (1872-1917), criou um programa de vacinação em massa que causou a revolta da população pelafalta de conscientização sobre o programa de imunização. ANDRADE, Mario de, Namoros com a medicina. 3 ed. São Paulo:MartinsFontes, 1972.6 Aula “Régia”, era a denominação para a aula pública de desenho e figura, que funcionava como uma escola destinada a artífices epintores, porém, ainda muito distante da Academia Neoclássica. Arte no Brasil, v. 1. São Paulo: Abril Cultural, 1979.7 WICK, Rainer. Pedagogia da Bauhaus. São Paulo: Martins Fontes, 1989)8 Termo pertinente à doutrina que defende a liberdade individual no campo econômico e político. IBDEN (1)9 Conjunto de idéias e princípios filosóficos, políticos e religiosos elaborados pelo francês Augusto Conte (1798-1857). IBDEM(1).10 Nome de um edifício que se localiza na praça da Sé, centro de São Paulo, onde os artistas se encontravam.MANGE, Marilyn Diggs.Arte Brasileira para crianças. São Paulo: Martins Fontes, 1988.