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História Da Língua Portuguesa - Isamael de Lima Coutinho (Marly)

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História Da Língua Portuguesa - Isamael de Lima Coutinho (Marly)

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    no solo coiiquist;ido, para denioiistrnr o seli csloro no sentido da civili- zao do povo vciicido.

    Com rclaSo a Porlugal, diz Leite de Vasconcelos que szo abundarites tais obras e moniimciitos: "cni Brcara, um Lemplo foiitariiio c-inscri~es Iatiiias; ciii Cuiiiiibrigii (Coiidcis:~), iiiiir;illi;i~, riios:iiciis c csc i i l~oi . ;~~; riii Collipo (Leiria), tamb6iii mosaicos, iim clelcs coiiservado iio ;\luscii Etiio- lgico.. ., outro levado para lora de Portugal; em Schllabis (SaiitnrCm), esculturas e iiiscrics; em Olisippu, notcia de uin teatro e de duas terinas; em bora, um belo templo, que um dos monumentos mais notveis da Pennsula naquela poca, um arco, c muitssimos objetos no hIiiscu Eborense; em P a z Jul ia (Beja), outro arco, c alm disso capitfiis, ceriiiica, inscries no AIuseu Alunicipal; em Ossonoba (Faro), umas notveis termas que o vandalismo dos visitantes vai porm destruiiido; eni Balsa (Tavira), esculturas, lpides epigrlicas, cei.&imica, vidros e broiizes" ( I ) .

    A ltima iiotcia acerca da esistiiciii das lnguas iiidgeiias da Pe- nnsula -nos transmilida por Tcito, nos seus preciosos Anais. Narra este historiador que, no sculo I d.C., certo campoiis da Tarraconcrise acusado da morte de um pretor, respondeu, na Irigua prpria, recusando-se a confessar os seus cmplices: "em alla voz, clamou, no idioma plrio, que em vo era inlerrogado" ($1. .

    O lalim que se vulgarizou no territtio ibrico foi o do povo inculto, o sermo uulgaris, plebeius ou rusiicus, de que nos do notcia os gramticoa latinos.

    A outra modalidade, denominada sermo urbanus, erudilus ou perpoli-!LU,em que escreveram suas obras imortais Ccero, Csar, \'erglio, Ho-rcio e Ovdio, foi a tambm conhecida, sim, mas nas escolas, o que atestado pela existncia de alguns clebres escritores hispanicos, como Sneca, I~larcial, Lucapo C Quintiliaho ('1. hIais tarde so os coiiveritos ou mosteiros que guardam as tradies da boa Iatinidade.

    Instrumento dirio de comunicao entre indivduos que habitam um vasto solo, uma lngua falada no pode ficar estacioiiria. E: a lio que nos d a experincia. hlais rpidas eo as modificaes a que est sujeita, se variam as condies ambientes.

    (1) Li* de Fil. Porl., ps. 353.35%. (2) Ann., IV, 45. (3) Alm ~ G Smodalidades acima apontadas. h6 ainda o bairo lalim e o lalim br-

    bzm. Diz-se bairo lalim a lngua em que escreviam as sutis obras os doutos da Idade Mdia. h l i m bhrbaro, o idioma mtmpiado em que os Labclijes redigiam os documentos plblims. Estende-se 0 perodo do uso deste latim, em I'ortugal, do sculo 1X a6 XII. a fase pmto-histrica do portugub.

    H I S T ~ R I ADA L ~NGUAPORTUGUESA

    Foi o que sucedeu com o lalim laiado pelo povo. Transplantado para a Hispnia, no demorou muito que se inodii-

    7,casse na boca dos habitantes da terra. E a sua evoluo j sc ia proces- . sando normalmente, quando elcmeritos estroiilios a vieram perturbar.

    72. que, no sculo V, os bLi.baros invadiram a Pennsula. Ernm povos de origem germnica c acliavam-se localizados nas costas do co, exceo dos alanoos, vindos do oriente, que pouca inllunciii eram. Compreendiam virias ~ a e s , cada uma com o seu dialeto

    rticular: undalos, suevos, zisigodos. Os primeiros dentre estes, cliegados ao territrio ibrico, loram os

    dalos, que se fixaram n a GalEcia e na BCtica, a qual de seu nome sc

    , rebelado contra o poder imperial, passaram ob o comando de Genserico (429), Alrica, onde fundaram uma

    t a monarquia, que floresceu durante um sculo. Depois dos vndalos, surgiram os suevos, que se estabeleceram na

    Galcia e na Lusitnia. Por habitar a regio, onde mais tarde se desen- a nao portuguesa, merece este povo brbaro especial considera-

    na hist6ria da nossa lngua.

    S mais tarde que apareceram os visigodos ou gados do ocidenle,

    t' Estes absorveram os suevos sculo VI) e erigiram o mais forte e du-

    radouro reino brbaro, de que se tem mernhia, na regio aqum-pirenaica, escolhendo para capital Toledo.

    Povos rudes, afeitos aos exerccios guerreiros, os germanos, embora vencedores, no tiveram dvida em admitir a civilizao romana e, com ?' ela, o prprio lalim, j sensivelmente alterado.

    Fcil concluir que no pequenas foram as translormaes a que o sujeitaram, adotando-o por lngua prpria.

    A isso acresce a supresso das escolas e o desaparecimento da nobreza romana, em cujo seio se cultivavam os primores da linguagem.

    "Estancados assim, diz Carneiro Ribeiro, os mananciais donde ver- tiam os tesouros preciosos, com que se enriqueciam as cincias, as artes e as letras, a lngua, to slida e custosamente implantada na Pennsula, foi-se ainda mais abastardando e corrompendo" (1).

  • Da dominao germnica, quase tiicentenria, h vestgios indelveis em mais de duzentas palavras, que ficaram incorporadas ao nosso patri- m8nio lxico. SZo voc~bulos reterentes aos seus usos e costumes. na maioria designativos de armas. vesles, insfgnias guerreiras, etc. Alguns tambm se conservaram na onomstica.

    73.. No sculo VIII, surgem os hrabes, que aps avassalarem 'todo o norte da Alrica, comandados por Trique e Irusa, atravessam as Colunas de HBrcules, hoje estreito de Gibraltar (Djebal Tarik, montanha de T-rique), e precipitam-se sobre o solo peninsular.

    Este, pela sua situao geogrfica privilegiada, na extremidade ocidental da Europa, prximo da frica, estava destinado, por sua natu- reza, a ser o primeiro ponto europeu atingido pela invasIo muulmana.

    O combate das hostes invasoras com os uisigodos verilicou-se s margens do Rio Crssus ou Guadalete, no ano de 711. Nele foi vencido o ltimo rei godo, Rodrigo. ficando os rnouros sentiores absolutos do grande reino visigtico.

    Embora fatores vrios como a raa, a lngua, a religio e os costumes extremassem vcncidos e vencedores, muitos Iiispano-godos, seduzidos pela civilizaZo rabe, adotaram os costumes e, com eles, no raro a pr6pria lngua rabe, esquecendo o romance que falavam. S5o os morabes.

    inister assinalar que eram os rabes portadores de uma civilizao incomparavelmente superior da Pennsula. Os califas protegiam as artes e as letras. A cincia estava muito difundida entre eles. A medi- cina, a filosofia, a matemtica, a Iiistria, contavam com grandes cultores. Foram dois cientistas rabes, Avicena e Averrobs, que vulgarizaram a doutrina de Aristteles na Europa, traduzindo-lhe& as obras e comentan- do-as. Em seus palicios, os califas organizavam valiosas bibliotecas.

    Durante o seu domnio no territrio ibrico, floresceram tambm a agricultura, o com8rcio e a indstria. Plantas desconliecidas na Europa foram por eles transportadas do Oriente e a aclimatadas. Ricas tapea- rias e os objetos de adorno mais requintados enfeitavam os palbcios dos calias. O luio invadiu a alta socieddde. Depois extravasou-se pelas outras camadas sociais. Crdova se transformou no centro mais impor- tante da civilizao islmica.

    Como lngua oficial, adotou-seo rabe, mas o povo subjugado conti- 0 nuou a Ialar o romance, ou spja, O ialim vulgar modificado.

    Apesar de serem 08 rabes tolerantes, uma parte da populao crist, no querendo submeter-se ao seu domnio, clicfiada pelo nobre Peligio,

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    54 GRAMTICA HISTRLCA DAH ~ S T ~ R ~ AL ~ N G U APORTUGUESA 55

    I reiugiou-se nas montanlias das Astiirias, que se tornaram desde ento o baluarte da reconquista. I I Os seus sucessores ioram abatendo a pouco e pouco o poder do Islame,

    I at que, em 1492, as armas vitoriosas dos reis catlicos Fernando e Isabel, apoderando-se dc Granada, ltimo reduto moiiro, puseram fim para sem- pre doniiiino semtica ria Espanlia.

    A inllu2iicia do idioma ralie no foi to grande, como era de esperar, apesar do seu longo uso a par do romance. Exerceu-se quase exclusiva- mente no domriio do vocabulrio.

    Os ternios desta pro?edncia, incorporados ao lxico peninsular, so quase todos nomes de planlas, inslrumenlos, qflcios, medidas, etc. Eo pequeno tambni foi o contingente de vocbulos com que o rabe contri- buiu para n geogralia regional.

    74. Durante a dominaso muulmana, costumavam os cristos organizar cruzadas, com o fim de libertarem o tbrritltio ibrico. Para maior estmulo, os papas concediam-llies as mesmas indulgncias que aos que iam combater no Oriente pela conquista ou defesa dos Sanlos Lugares.

    I Graas eficincia dessas cruzadas que se constituram os reinos de Leo, Caslela e Arago, com terrenos conquistados aos mouros.

    Entre os lidalgos que foram Peniisuln ajudar a comliatcr os rabes, deve-se ressaltar a pessoa de D. Henrique, conde de Borgonlia.

    (3. To assinalados servisos prestou causa da coroa e da religio neste particul;ir, que D. Afonso VI, rei de Leso e Castela, em siiial de gra- tido, Ilie deu em casamento sua Iillia natural D. Tnrejn e Ilie fez oiitorga

    ! AO do Condado Porlucalense ( 0 , territrio desmembrado da Galiza, compreen- nd ido , a princpio, entre o Rlinlio e o Vouga. A partir de 1095, os dom-

    r\ nios do coiide D. IIeiiriqiie se esteiirleni do RIiiilio ao Tejo (2). A nacioiinlidade portuguesa. porm, s6 comea com D. AIonso Hen-

    riqucs, lillio do precedente, que, depois da liatallia de Ourique (1139), sacudiu a suserania de Castela e se fez proclamar rei de Portugal, em 1143.

    O lalar da faixa ocidental da IIispSiiiu sempre se distiiiguiu do inlar I ou faIares das outras regies.

    No desarrazoado afirmar que o tratameiito dilerente que teve o Iatim nessa regiiio, ao menos quanto parte setentrioiinl e central, se jus-

    (1) O adjetivo porlucalcn~ese origina de Porlucale, nomc da mais importante pa-voa$o que licava junto no rio Doum.

    (2) Ver Alexandre IIerculano. Hirl. de Por!., vol. I, p. 191;Jonquini Fcrreirr, Hiil. dc Porl., p. 58.

    tifica, por ter sido o territrio ocupado pelos celtas e suevos, e haver cons-

    titudo um leiido, que mais tarde se tornou independente.

    a constituir-se, ao norte. o dialeto ga1e:iano

    provavelmente outro, inado de palavras

    rabes, do qiial nenlium documcnto possumos, a no ser escassos indica-

    quistas, o ga1e:iano ou galaico-porlugus estendeu-se pro- meridional, absorvendo o romance que a

    icando-se com ele, e penetrou no Ai:arve,.no reinado de

    endricia poltica de Portugal, deveria necessariamente ' resultar , o que de leito resultou, - a diferenciao entre o porlugus e o

    i?. princpio pequena, foi-se acentuando no correr do tempo, at que

    ou idioma completamente aut8nomo do galego.

    Em documentos do lalim brbaro do seulo IX, j se encontram algu-

    mas formas vulgares vernculas. Isto nos leva a crer que o poilugiis,

    nte, o galcgo-porlugus, j existia nesse tempo. No

    lo S I 1 rliic aparecem textos inteiramente nele re:

    A criazo dos Esludos Gerais ou Universidade, em 1290, contribu)~

    que, de par com as cincias, se desenvolvessem tam-

    .

    A primeira forma literria cultivada a poesia. So os cantores proveii;iis quti desperliim nos portugueses o gosto da trova. As compo-

    cllam-se nos ~ ~ ~ ~ i ~ ~ ~ O prprio D. Dciiis, com o seu exemplo, incita os mais tmidos no

    No sculo >;V, fazem-se muitas tradut;es dc obras latirias. francesas

    e cspanliolas. D. Duarte coiisagra, iio seu Leal Consellieiro, um captulo

    i arte dc bem traduzir em veriiculi~. ou mcll~or, para usar dc suar priprias

    liem turiiur :il;:i Iiitura 6 riossa liiiguagcm" (1). 76. O sculo XJ'1 apresiritn-se romu u verdadeiro sculo dc ouro

    da literatura portuguesa.

    l? que aparecem riele os rniiiores esi:ritorcs que Portugal tcrn pussiiido

    Os vrir~s giicros literrios cricontriim ciitzo culti,rcs, dcsvrludissiirios.

    Surgi: t;irnl~&m a gramtica disciplinaiido a 1rigu;i.

    11) Li.ri1 Curii., p. 317.

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    Basta citar, na hislria Joo de Barros, Diogo do Couto e Damio de Gis; na lragdia, Antnio Ferreira; na comdia, o mesmo Ferreira, S de Miranda, Jorge de Vasconcelos e o imortal Cames; nos auios, Gil Vicente, Antnio Ribeiro Chiado e Aiitnio Prestes; nas uiagens, Ferno Mendes Pinto; em assuntos morais e piedosos, Ir. Amador Arrais, ir. Heitor Pinto e Ir. Tome de Jesus; no romance, Bernardirn Ribeiro e Francisco de Morais; na gramtica, Ferno de Oliveira e o j citado Joo de Barros; na poesia flrica, S de Miranda, mencionado acima, Bernardim Ribeiro e Diogo Bernardes; na poesia pica, o maior gnio da nacionalidade por- tuguesa -Lus de Cames, e Jernimo Crte Real.

    A Renascena, que dera frutos opimos por toda parte, acorda as ener- gias latentes da raa lusa, abrindo a Portugal o caminho glorioso das letras e dos mares. E, em qualquer dos dois domnios, o pequeno Portugal foi verdadeiramente grande.

    Com os descobrimentos martimos, comea, para a lngua portuguesa, a sua fase de expanso. Espalha-se pelas lhas do Atlntico. atinge as costas da Asia e da &rica, e chega, nas veleiras naus de Cabral. Terra de Santa Cruz.

    0 que mais se de,ve admirar em tudo isso o enorme poder de resis- tncia .que o idioma tem demonstrado.

    "Vigorosa lngua, exclama Leite de Vasconeelos, que no decurso de cinco sculos tem resistido, mais ou menos, ao embate de outras, e sen-ido para exprimir as crenas, as' paixes, as idias das mais deseiicontradas naes da terra!" (1).

    77.' Leite .de Vasconcelos divide a histria da lngua portuguesa em trs grandes pocas: pr-hislrica, prolo-hislric'a e histrica (2).

    78. A pr-hislrica eomes com as origens da Ingua. e se prolonga at o: sculo IX, em que surgem os primeiros documentos latino-portu- guses. reduzido o. material liiigiistiio desta poca, constante de es- cassas inscries. S6 por corijetura que se pode Iorniar uma idia do romance ento falado.

    79. A prolo-hislrica estende-se do sculo IS ao XII. Os textos, que ento aparecem. so todos redigidos em latim brbaro., Neles, porm, de quando em quando, se encontram palavras portuguesas, o que prova evidncia que o dialeto galaico-portugus j existia nesse tempo.

    .(I) Lk. de Pil. Porl.. p. 20. (2) Ibid.. p. 130-133.

    HISTRIA DA L ~ N C U APORTUGUESA

    80. A hislrica inicia-se no seulo XII , em que os textos ou documen- cem inteiramente redigidos em portugus. Anteriormente, a

    lngua era apenas falada. ' 81. A poca hislrica comporta uma diviso em duas fases: a arcaica

    X I I ao &VI) e a moderna (do sculo XVI para c). , Quase no limiar da poca moderna, como a extrem-Ia da arcaica.

    rrio de maior importncia a publicao dos Lusladas (1572) por Lus de Cames. Constitui esta obra a verdadeira epopia nacional portuguesa. Nela se acliam retratados o esprito de aventura, a resisincia no sofrimento, as qualidades guerreiras, o herosmo, numa palavra, todaa as grandes virtudes da nao portuguesa. No Vasco da Gama o heri do poema (1): A descoberta do caminho martimo para a fndia foi apenas o pretexto para Cames escrever o seu imortal poema. O assunto a histria de Portugal, rica de episdios e de lances dramticos. O seu 'heri 6 o prplio povo portugus.

    . .

    usa mim Epilnil Dim. (J'er'Inlrod. s "0s Lnsisds", p. XII, nota 1):