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MATERIAL DIDÁTICO HISTÓRIA DA REFORMA PSIQUIÁTRICA UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES CREDENCIADA JUNTO AO MEC PELA PORTARIA Nº 1.282 DO DIA 26/10/2010 Impressão e Editoração 0800 283 8380 www.ucamprominas.com.br

HISTÓRIA DA REFORMA PSIQUIÁTRICAportaladm.portalucamprominas.com.br/_arqmaterialdidatico/... · Veremos ao longo dessa apostila a evolução das pesquisas de alguns ícones da Psiquiatria,

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MATERIAL DIDÁTICO

HISTÓRIA DA REFORMA PSIQUIÁTRICA

U N I V E R S I DA D E

CANDIDO MENDES

CREDENCIADA JUNTO AO MEC PELA PORTARIA Nº 1.282 DO DIA 26/10/2010

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SUMÁRIO

UNIDADE 1 - INTRODUÇÃO ............................................................................................................................ 3

UNIDADE 2 - ÍCONES DAS CIÊNCIAS DA MENTE ..................................................................................... 5

UNIDADE 3 - EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PSIQUIATRIA E SAÚDE MENTAL ................................. 21

UNIDADE 4 - A REFORMA PSIQUIÁTRICA E OS DISCURSOS CONTEMPORÂNEOS DA SAÚDE

MENTAL ............................................................................................................................................................. 30

REFERÊNCIAS .................................................................................................................................................. 45

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UNIDADE 1 - INTRODUÇÃO

A reforma psiquiátrica ou antimanicomial ou, ainda, antipsiquiatria implica na

mudança e implementação de determinados valores éticos, de compromissos

profissionais, acadêmicos, políticos e de gestão que se antagonizam a perspectivas

anteriores que serviam a outros princípios filosóficos, de perversão e acomodação

política e naturalmente na lógica da centralização do capital privado (STOCKINGER,

2007).

Essa reforma começa em 1961, na Itália, liderada por Franco Basaglia, com

as influências da psicoterapia institucional e da comunidade terapêutica e a

transformação do hospital psiquiátrico de Gorizia com a qual se buscava a

separação da internação manicomial.

Nos EUA, o processo de desospitalização significou o fechamento dos

hospitais psiquiátricos, objetivando reduzir despesas do Estado, sem ter a

contrapartida adequada da criação de serviços comunitários, configurando-se no

fenômeno “os loucos na rua”.

No Brasil, o modelo clínico expandiu-se e contou com importante impulso

durante o processo de industrialização nos anos 70, quando ocorreu uma grande

expansão da indústria farmacêutica e de equipamentos médico-hospitalares.

Chama-se a atenção para o fato de que enquanto o mundo voltava-se para a

desospitalização, o Brasil, sob o cenário do golpe militar, investia na extensão dos

cuidados psiquiátricos através do aumento de leitos e da multiplicação da rede

privada contratada (KANTORSKI, 2001).

A superação do modelo manicomial encontra ressonância nas políticas de

saúde do Brasil que tiveram um marco teórico e político na 8ª Conferência Nacional

de Saúde (1986), na 1ª Conferência Nacional de Saúde Mental (1987), na 2ª

Conferência Nacional de Saúde Mental (1992), culminando na 3ª Conferência

Nacional de Saúde Mental (2001).

Observa-se, na reforma psiquiátrica brasileira, nas últimas décadas,

intercalação de períodos de intensificação das discussões e de surgimento de novos

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serviços e programas, com períodos em que ocorreu uma lentificação do processo.

Historicamente, podemos situar as décadas de 1980 e 1990 como marcos

significativos nas discussões pela re-estruturação da assistência psiquiátrica no país

(HIRDES, 2009).

Veremos ao longo dessa apostila a evolução das pesquisas de alguns ícones

da Psiquiatria, ressaltando que até o século XIX não havia um pensamento médico-

científico sistematizado sobre a doença mental, e o louco não era assumido pela

medicina como doente sob responsabilidade de seu campo de ação. Nos grandes

asilos para alienados juntavam-se toda sorte de indivíduos pertencentes às minorias

que representavam diversos problemas sociais, desde mendigos e delinquentes a

prostitutas e loucos de rua.

Se considerarmos as bases do pensamento científico sobre o qual a

psiquiatria do século XIX apoiou-se, veremos que o trabalho de Pinel e seus

seguidores representou uma verdadeira revolução de ideias (PACHECO, 2003).

Enfim nosso objetivo nesta apostila será:

Conhecer os ícones que construíram a história da psiquiatria;

Descrever os fatos mais importantes da história da Psiquiatria e da Saúde

Mental;

Analisar a reforma psiquiátrica e os discursos contemporâneos da Saúde

Mental;

Refletir criticamente a reforma da Saúde Mental no Brasil.

Salientamos que este trabalho é uma compilação de escritos que

consideramos importantes para compor o curso de Gestão em Saúde Mental e que

lacunas podem eventualmente surgir. Assim deixamos ao final uma lista de

referências consultadas e utilizadas onde poderão aprofundar os estudos.

Boa leitura a todos!

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UNIDADE 2 - ÍCONES DAS CIÊNCIAS DA MENTE

Não temos como falar em reforma psiquiátrica sem promover uma

retrospectiva histórica da desatenção ou exclusão dos portadores de doenças

mentais. E evidentemente, falar de médicos e pesquisadores que deram sua

contribuição para o estudo da ciência do comportamento.

Carlos Batista Lopes (2001) em um artigo intitulado “Desafios Éticos atuais da

Psiquiatria” nos leva a refletir em uma consideração muito pertinente que justifica

esse capítulo.

É bem verdade que pouquíssima gente sabe quais eram as concepções, por

exemplo, de Pinel sobre as doenças mentais ou, menos ainda, quais eram os

tratamentos por ele prescritos (ouve-se falar em Pinel numa alusão aos loucos ou ao

lugar destinado a eles). Trata-se de um conhecimento restrito aos historiadores e

aos médicos dotados de especial curiosidade.

Todos sabem que ele foi um dos primeiros – ou pelo menos dos mais

importantes – a considerar que os psicóticos e os neuróticos eram pessoas

acometidas por doenças. Em suma, sua grande contribuição está em ter dado

dignidade humana aos doentes e à doença mental, em reconhecer seres humanos

no que antes eram supostas “feras” ou “simuladores” indecentes. Ao retirarem a

doença mental do campo da condenação pela moral oficial para inseri-la no campo

da medicina, conferiram novo patamar moral aos pacientes e à ciência.

Sendo assim tentaremos mostrar um pouco da história desses pesquisadores

que vieram ao longo dos séculos construindo o novo modelo de entendimento que

temos hoje na saúde mental.

A história de cada um tem detalhes que não conseguiríamos expor a todos,

portanto, se ficarem lacunas sugerimos que sejam curiosos, pesquisadores e

aprofundem para sanar suas dúvidas.

Jean-Étienne Dominique Esquirol (1772 – 1840) foi o precursor da

psiquiatria científica proposta por Pinel. É reconhecido entre os grandes clássicos da

psiquiatria francesa da primeira metade do século XIX, considerado representante

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da psiquiatria alienista francesa e que ajudou a consolidar a ideia de loucura como

doença.

Esquirol posiciona-se como um dos marcos na fundação do pensamento

psicopatológico contemporâneo. Desenvolveu um trabalho de continuação da obra

de Pinel, como um de seus mais talentosos discípulos, e marcou sua atuação pela

utilização sistemática da observação que lhe permitiu grande aprofundamento do

trabalho clínico e uma delimitação precisa de quadros nosográficos da nascente

psiquiatria contemporânea (PACHECO, 2003).

É o estudioso que diferenciou demência (doença mental) e amência

(deficiência mental), nas palavras dele, o primeiro é louco, o segundo é idiota. É

com Esquirol que a idiotia deixa de ser considerada uma doença e o critério para

avaliá-la passa ser o rendimento educacional. O médico, em consequência, perde a

palavra final no que diz respeito à deficiência mental, abrindo as portas dessa nova

área de estudo ao pedagogo.

Se considerarmos as bases do pensamento científico sobre o qual a

psiquiatria do século XIX apoiou-se, veremos que o trabalho de Pinel e seus

seguidores representou uma verdadeira revolução de ideias.

Apesar de a loucura ter sido efetivamente considerada pertencente ao campo

da medicina desde o final do século XVII, ainda não havia modelos ou definições

claras, tampouco sistematizações nosográficas que pudessem caracterizar

diferentes espécies clínicas do vasto gênero “loucura”. Eram muito grandes as

variações entre os padrões que definiam os transtornos psíquicos: não se tinha uma

visão abrangente e as descrições limitavam-se a algumas particularidades de

sintomas (PACHECO, 2003).

A transformação metodológica introduzida por Pinel e Esquirol, fundamentada

na observação clínica sistemática e na delimitação de categorias psicopatológicas

estáveis, inscreve-se historicamente em um momento em que a medicina tinha a

clara preocupação de diferenciar-se da filosofia, da psicologia e da religião, cujos

objetos de conhecimento transcendem o corpo ou a matéria, indagando sobre temas

espirituais, lógico-discursivos e/ou ético-estéticos. As ciências médicas buscavam,

então, firmar seus princípios baseados em critérios objetivos e com nítida

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aproximação dos métodos das ciências naturais. O diagnóstico médico não podia,

portanto, prender-se na observação do comportamento, para não sofrer a

indesejável interferência de dados subjetivos (ALVAREZ, 2010).

Firmava-se a concepção de “doença mental” como uma decorrência de

distúrbios orgânicos provindos de disfunções de estruturas orgânicas, ou ainda de

lesões anatômicas ou funcionais do encéfalo, e que se refletiam no comportamento

sob a forma de sintomas.

Contudo, a preocupação de Pinel e, em seguida, de Esquirol era menos a de

construir uma teoria biológica da loucura do que conhecer e bem delimitar suas

apresentações clínicas.

Pinel introduziu a concepção da loucura como consequência das paixões

exacerbadas, e o louco como vítima de uma desorganização das funções mentais

superiores do sistema nervoso central, ou seja, das funções intelectuais,

pressuposto que deu nova direção à psiquiatria do final do século XVIII e início do

século XIX.

Este grande alienista francês impôs em seu trabalho uma preocupação com a

classificação nosográfica e, em sua clínica, uma prática inovadora: a observação

empírica sistemática e o tratamento moral. Ao considerar o indivíduo alienado como

doente mental, vítima de disfunções psíquicas, Pinel deu a eles o direito de serem

ouvidos e conferiu à medicina a necessidade de entendê-los e tratá-los humana e

respeitosamente. Foi, portanto, um dos primeiros médicos psiquiatras a conceder o

estatuto de dignidade aos loucos, diferenciando-os dos bandidos e dos criminosos

comuns, e transformando com essa abordagem, o conceito de instituição para

doentes mentais.

Quanto à etiologia, Pinel reconhece as causas hereditárias como

responsáveis pela doença, mas ressalta a influência essencial de outros fatores não

hereditários, como os acontecimentos externos e as emoções violentas,

determinando o quadro mórbido. Focalizou sua atenção sobre a mania ou delírio

total, que considerou como a forma mais típica e mais comum de loucura. Esquirol,

em seguida, por sua visão ampla e seu comprometimento com o trabalho clínico,

imprimiu mudanças expressivas na psiquiatria de sua época, prosseguindo e

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aprofundando o trabalho de Pinel. Mesmo conservando o pressuposto das causas

físicas e morais atuando simultaneamente na determinação da doença mental,

Esquirol representou um avanço expressivo no plano teórico ao propor nova

sistematização nosográfica, a partir de uma análise fina e de uma diferenciação mais

detalhada das síndromes psicopatológicas (ALVAREZ, 2010).

No campo mais específico do saber e da prática psiquiátrica, Esquirol também

produziu uma mudança importante ao rever o conceito de melancolia depois de

pesquisá-la e descrevê-la longamente.

Ordenou então sua classificação nosográfica, diferenciando quatro grupos

principais de doenças mentais, por meio dos quais procurou separar as perturbações

de fundo claramente orgânico das perturbações de natureza psíquica, consideradas

disfunções mentais:

Idiotia: que pode ser congênita ou adquirida, mas constitui uma categoria

bastante diferenciada das que agrupam os problemas propriamente

psíquicos.

Demência: na forma aguda, passível de cura, e na forma crônica,

praticamente incurável.

Mania: que se refere ao delírio total com exaltação. Seria uma alteração

generalizada das funções mentais, como a inteligência, percepção, volição,

atenção.

Monomanias: que agrupa todas as perturbações mentais que trazem

prejuízos psíquicos apenas parciais, conservando perfeitas outras funções

intelectuais.

O delírio é parcial e pode ter uma forma alegre ou uma forma triste.

Aqui se encontra a contribuição mais original e também mais controvertida de

Esquirol: a separação da melancolia, da antiga classificação de Pinel, em duas

categorias diferentes – a mania e a lipemania, umas das formas de monomania.

Esse termo foi escolhido por ele com o objetivo de resolver as ambiguidades

e confusões que a palavra melancolia comportava.

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A lipemania consistiria num delírio intelectual, de natureza depressiva,

situado em primeiro plano e que acabaria por afetar toda a vida do paciente

incapacitando-o para as mais simples atividades. Esta designação não permanece,

todavia, muito tempo na nosografia psiquiátrica: o termo melancolia volta a ser

utilizado numa categorização reformulada.

No que se refere à terapêutica, Esquirol deu continuidade à prática de um tipo

de tratamento diferenciado: o tratamento moral iniciado por Pinel. Esta abordagem

estruturou-se em decorrência dos pressupostos teóricos a respeito da loucura que,

deixando de ser exclusivamente organicista, passou a considerar o aspecto

psicológico como fundamental na determinação da doença. As experiências vividas

pelo paciente adquirem assim um novo valor como dados a serem observados e

considerados no conhecimento de suas funções mentais. A compreensão dessas

funções mentais já não se dá pela noção de sistemas gerais de explicação causal e,

dessa forma, se o adoecer é parte da experiência sensorial do sujeito, a loucura

pode ser um estado reversível.

Esquirol situou-se nesses princípios para melhor sistematizar o conhecimento

e a prática psiquiátrica de sua época. Endossou a ideia de que as paixões

exacerbadas poderiam desencadear as grandes perturbações mentais e considerou

também que os procedimentos terapêuticos capazes de apaziguá-las seriam um

meio de reconduzir o doente a encontrar a coerência entre a realidade percebida

pelos sentidos e as funções mentais, pelas suas ideias, raciocínios, julgamentos.

O tratamento moral tinha, portanto, um sentido educativo que envolvia

aspectos ambientais e sociais. No entanto, a ideia de que através dos métodos

psicológicos seria possível corrigir erros na lógica de pensamento e raciocínio

daqueles que se afastavam da norma admitida como correta, implica uma questão

ética que podia facilmente justificar condutas arbitrárias ou coercitivas.

E nesse sentido Esquirol teve uma postura de autoritarismo, segundo o olhar

de hoje, ao pressupor que a conduta terapêutica, para se opor às ideias delirantes,

não podia usar apenas a compreensão, a persuasão e os conselhos lógicos, mas

deveria introduzir diversas formas de “choque” que perturbassem emocionalmente o

paciente para fazê-lo adotar uma ideia oposta à de sua lógica delirante.

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Nesse momento da história da psiquiatria, o louco ainda não era efetivamente

ouvido em seu sofrimento. O delírio era considerado apenas como uma forma

patológica de juízo distorcido, e o tratamento moral consistiria em um esforço de

confrontação do sujeito com seu erro, de modo a reabilitá-lo ao convívio social

(PACHECO, 2003).

A história do pensamento sobre a loucura e seu tratamento encontra um

ponto referencial em Esquirol. Ele defende a ideia de que a relação com o médico

desempenha um papel importante na cura, e nessa mudança de concepção vai

fundamentando a noção de que a liberdade do sujeito é vista como condição

necessária ao aparecimento de sua verdade de louco, como descreve FOUCAULT

(1995). A psiquiatria não poderia, portanto, a seu ver, estar ligada à filosofia ou à

religião, mas sim lançar-se em busca de um método próprio sem, no entanto, pautar

a compreensão dos transtornos psíquicos apenas pelas causas orgânicas

(PACHECO 2003).

Uma geração de especialistas em doenças mentais, liderada por Jean

Etienne Dominique Esquirol (1772-1840), foi educada em La Salpêtrière e

disseminou as ideias de Pinel pela Europa. Esquirol sucedeu a Pinel na Salpêtrière

(COBRA, 2003).

Philippe Pinel (1765-1826), francês, médico pioneiro no tratamento dos

doentes mentais. Seu interesse pela psiquiatria inicia somente aos 40 anos de idade

quando se preocupou em socorrer um amigo, vítima de psicose maníaca aguda.

Pinel, no entanto, foi o primeiro a distinguir vários tipos de psicose e a

descrever as alucinações, o absentismo, e uma série de outros sintomas. Para o seu

tempo, sua obra Nosographie Philosophique ou Méthode de l'analyse appliquée à la

médecine (“Classificação filosófica das doenças ou método de análise aplicado à

medicina”), de 1798; continha descrições precisas e simples de várias doenças

mentais, com o conceito novo de que a cada doença era “um todo indivisível do

começo ao fim, um conjunto regular de sintomas característicos”.

Pinel aboliu tratamentos como sangria, purgações, e vesicatórios, em favor de

uma terapia que incluía contato próximo e amigável com o paciente, discussão de

dificuldades pessoais, e um programa de atividades dirigidas. Preocupava-se

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também em que o pessoal auxiliar recebesse treinamento adequado e que a

administração das instituições fosse competente (COBRA, 2003).

Ele percebeu que havia sempre traços de razão no alienado, capaz de

permitir uma terapia pelo diálogo. Salienta o interesse de um tratamento humano

para os doentes mentais e insiste nas relações deste com o meio familiar e com os

outros doentes, e no papel do médico na administração hospitalar para cortar o

círculo infernal que leva à perpetuação e ao agravamento da doença mental. Para

ele o tratamento medicamentoso era secundário, uma atitude que lhe vinha

certamente de observar a ineficácia da farmacologia de seu tempo (CHERUBINI,

2006).

Sem dúvida, foi um revolucionário no método de tratamento dos doentes

mentais. Para a França Revolucionária, era de profundo interesse que seus

cientistas sobressaíssem e Pinel se constituiu, na área da medicina e da psicologia,

em um dos seus principais expoentes. Seus escritos privilegiam o refinamento

literário, característico da Europa do séc. XVIII e início do séc. XIX, onde,

predominaram as concepções de humanismo e liberalismo, de forte influência

Iluminista.

Pinel elevou a categoria dos doentes, antes tratados como criminosos ou

endemoniados, à condição de “homo paciens” e a doença mental, como o resultado

de uma exposição excessiva à estresses sociais e psicológicos, e, em certa medida,

a danos hereditários, sendo que tais enfermidades decorreriam de alterações

patológicas no cérebro. Com isso baniu tratamentos antigos tais como sangrias,

vômitos, purgações e ventosas, preferindo terapias que incluíssem a aproximação e

o contato amigável com o paciente, proporcionando-lhes, ainda, um programa de

atividades ocupacionais, onde o tratamento digno e respeitoso foi a tônica.

O século XVII na Europa foi aquele em que reinou, de forma absoluta, a

razão, emanada do pensamento de Descartes e entronizada pelos Iluministas. Desta

forte tradição, originou o pensamento de Philippe Pinel, para o qual o psíquico se

tornou matéria de conhecimento objetivo e quantitativo.

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Pinel foi o primeiro a elaborar uma classificação para as doenças mentais,

fato este que constituiu extraordinário avanço da psiquiatria. Utilizou como principal

método a observação e a análise de seus pacientes.

Em sua primeira obra Nosographie philosophique (1798) destinada à

classificação das doenças, distinguiu várias psicoses e descreveu, dentre outros

fenômenos, alucinações, isolamentos, e uma variedade de outros sintomas, o que

lhe rendeu grande projeção. Seu principal livro, um dos clássicos da psiquiatria,

Traité médico-philosophique sur l'aliénation mentale ou la manie (1801), discutiu sua

abordagem psicologicamente orientada (COBRA, 2003).

Pode-se dizer que Philippe Pinel se distinguiu pelas inovações que introduziu.

Sua orientação foi visivelmente psicológica, suas ideias características de sua

época, do Iluminismo e das tendências promovidas pela Revolução Francesa:

igualdade, liberdade e fraternidade.

A Psicologia, tendo em vista o momento em que as ciências físico-químicas e

biológicas monopolizavam as atenções, adotou, com a contribuição de Pinel, um

modelo de cientificidade, inspirado no marco referencial Galileico-Baconiano, uma

nova epistemologia e uma nova visão do homem que, em determinadas

circunstâncias da vida e de sua conflitualidade, expressa o sofrimento humano

através da mente e da alma.

Foi dessa forma, e somente dessa forma, que a psicologia, na metade do

século XIX, aprendeu a considerar o seu material de estudo como parte da natureza,

e a tentar explicá-lo em termos naturais, ou seja, a psicologia tornou-se capaz de se

constituir uma ciência, tanto na matéria como no método, faltando pouco para passar

a ser experimental tarefa empreendida por Wundt, em Leipzig, ao criar o primeiro

laboratório de psicologia (ALVAREZ, 2010).

Assim, por qualquer lado que se olhe a vida e a obra desse extraordinário

psiquiatra-psicólogo, vamos encontrar sempre a marca de alguém que revolucionou

a concepção de loucura de um tempo e promoveu um caminho de humanização e

de libertação para o enfermo mental.

O moderno movimento de humanização dos manicômios, a que estão

engajados os organismos de ponta da evolução social, não podem esquecer, na sua

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trajetória de luta, que o seu representante primeiro, foi, sem sombra de dúvida,

Philippe Pinel (ALVAREZ, 2010).

Pierre Janet (1859 – 1947) foi um dos pilares das Ciências Mentais do século

XIX e XX.

Em sua monumental Histoire de la découverte de l'inconscient (1970), Henri

Ellenberger sustenta que Pierre Janet teria sido o primeiro, cronologicamente, a

propor um novo sistema de psiquiatria dinâmica destinado a substituir aqueles do

século XIX, herdeiros das teorias sobre o magnetismo animal, das descobertas dos

hipnotizadores, da sugestão, dos combates entre as tradições iluministas e

românticas e, finalmente, do tratamento moral.

Do ponto de vista terapêutico, Janet propunha o uso da hipnose e da

sugestão para obter um efeito catártico das ideias e representações separadas da

personalidade em função de traumas e de vivências pessoais não suficientemente

elaboradas. Nesse contexto, sua proposta de uma “análise psicológica” sistemática,

realizada em um contexto de intimidade com o paciente, com atenção rigorosa nas

palavras efetivamente pronunciadas e buscando restituir detalhadamente os

antecedentes pessoais e a história da doença, constituía ao mesmo tempo um

elemento importante da pesquisa psicopatológica e uma dimensão decisiva para a

instituição da terapêutica psicológica (PEREIRA, 2008).

O legado de Janet nos campos da análise psicológica, da teoria

psicopatológica da histeria e de outros estados, como a “psicastenia” e a angústia, e

da abordagem psicoterapêutica das neuroses é da maior importância, influenciando

diretamente toda uma geração de psicólogos e psicopatólogos pela interrogação do

papel do eu, e de sua unidade apenas aparente, na constituição da personalidade e

de suas perturbações.

Janet configurou os principais elementos da Psicologia Clínica e da

Psiquiatria Dinâmica. “L´Automatisme Psychologique”, é a obra no qual os

conteúdos não foram esgotados numa só livro, sendo que é o prefácio de uma obra

imensa, “uma das mais vastas sínteses que jamais foi produzida pelo espírito

humano sobre o espírito humano” expressão usada por H. F. Ellenberger, psiquiatra

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canadense que nunca parou de escrever e de promover o pensamento de Pierre

Janet.

Com Janet, Charcot, Freud e outros autores da época apareceram novas

terminologias centradas na neurose, na paranóia, na histeria etc., com a expansão

progressiva dos estudos mentais novos conceitos foram introduzidos como, por

exemplo, em 1911 criou o termo esquizofrenia para substituir o de demência

precoce.

Aconteceu assim a construção clássica da clínica psiquiátrica-psicanalítica

contemporânea de um lado, e a área da psicopatologia com o estudo das psicoses

(esquizofrenia, paranóia, maniaco-depressiva) e das neuroses.

A psicose servia para designar a loucura em geral, e as neuroses as doenças

ditas “nervosas”.

A psiquiatria com abertura feita por Janet, do homem deficiente, expandiu os

seus domínios, enfatizando a grande difusão da depressão. Janet definiu e utilizou

amplamente os conceitos voltados ao estudo do automatismo psicológico nos

estados de sonambulismo (THEOPHILO, 2010).

Carl Gustav Jung (1875 – 1961), suíço, médico, afirmava que existem em

nossa mente quatro funções essenciais que são básicas: a percepção, o

pensamento, o sentimento e a intuição.

O pensamento é a manifestação da vontade que faz o indivíduo discernir.

Mas nem todos estão preparados para o discernimento, que resulta de um processo

atávico, em que etapa a etapa o indivíduo vai logrando patamares de observação,

de percepção e intuição e logra da facilidade de apresentar as vontades

mnemônicas reprodutivas. O pensamento é o atributo que torna a criatura humana

um ser estrutural e real.

Considerado o clínico das psicoses, particularmente, da esquizofrenia. Jung

aos 32 anos publicou sua importante e capital obra chamada “Psicologia da

demência precoce” (1907) e um dos seus últimos trabalhos foi a apreciação de seus

textos sobre a esquizofrenia (1957) quando contava com 82 anos de idade. São

textos que agrupam observação clínica e experimentação e onde se defende, pela

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primeira vez, a tese de que todos os sintomas psicóticos podem ser compreendidos

psicologicamente.

Jung enquanto psiquiatra apresenta três aspectos fundamentais:

A busca incessante de uma etiologia psicológica para as psicoses e seus

sintomas.

A importância das fantasias nas produções delirantes e alucinações.

A relevância das funções do ego com as imagens no sujeito psicótico.

Sigmund Freud (1856 – 1939), pai da Psicanálise, seus estudos foram os

pioneiros acerca do inconsciente humano e suas motivações. Ele, durante muito

tempo (de fins do século XIX até início do século XX), trabalhou na elaboração da

psicanálise.

A psicanálise é um método de tratamento para perturbações ou distúrbios

nervosos ou psíquicos, ou seja, provenientes da psique; bastante diferente da

hipnose ou do método catártico. A terapêutica pela catarse hipnótica deu excelentes

resultados, não obstante as inevitáveis relações que se estabeleciam entre médico e

paciente. Posteriores investigações levaram Freud a modificar essa técnica,

substituindo a hipnose por um método de livre associação de ideias (psicanálise).

O método psicanalítico de Sigmund Freud, consistia em estabelecer relações

entre tudo aquilo que o paciente lhe mostrava, desde conversas, comentários feitos

por ele, até os mais diversos sinais dados do inconsciente.

O psicanalista deveria “quebrar” os vínculos, os tratos que fazemos ao nos

comunicarmos uns com os outros. Ele não poderia ficar sentado ouvindo e

compreendendo apenas aquilo que o seu paciente queria dizer conscientemente,

mas perceber as entrelinhas daquilo que ele o diz. É o que se chama de quebra do

acordo consensual. Há uma ruptura de campo, pois o analista não se restringe

somente aos assuntos específicos, e sim ao todo, ao sentido geral.

A psicanálise se apoia sobre três pilares: a censura, o conteúdo psíquico

dos instintos sexuais e o mecanismo de transferência. A censura é representada

pelo superego, que inibe os instintos inconscientes para que eles não sejam

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exteriorizados. Nem sempre isso ocorre, pode ser que eles burlem a censura, por

um processo de disfarce, manifestando-se assim com sintomas neuróticos. Existem

diversas formas de exteriorizarmos nossos instintos inconscientes: os atos falhos,

que podem revelar os segredos mais íntimos e os sonhos. Os atos falhos são ações

inconscientes que estão em nosso cotidiano; são coisas que dizemos ou fazemos

que um dia tenhamos reprimido.

Freud interessou-se inicialmente pela histeria e, tendo como método a

hipnose, estudou pessoas que apresentavam esse quadro. Mais tarde, com

interesses pelo inconsciente e pulsões, entre outros, foi influenciado por Charcot e

Leibniz, abandonando a hipnose em favor da associação livre e da interpretação dos

sonhos. Estes elementos tornaram-se as bases da psicanálise. Freud, além de ter

sido um grande cientista e escritor (Recebeu o Prêmio Goethe em 1930), possui o

título, assim como Darwin e Copérnico, de ter realizado uma revolução no âmbito

humano: a ideia de que somos movidos pelo inconsciente.

Atualmente muitas críticas têm sido feitas ao método psicanalítico, porém, por

mais que a ciência moderna avance, muitos dos conceitos estruturadores da psique

humana e os resultados obtidos pela aplicação do método continuam melhorando a

qualidade de vida de muitas pessoas. Nota-se que a revolução promovida por Freud

abriu caminhos para estudos que antigamente se encontravam em um plano

imaginário. A criação de um método clínico a serviço do diagnóstico e tratamento de

doenças da psique é um fato sem igual em toda a história da ciência. Porém é de se

constatar certamente que em muitos escritos de Montaigne e de Pascal a ideia da

autoanálise já era usada para explicar problemas subjetivos usando a lógica vigente,

transformando os problemas do ser e de seu inconsciente em desafios universais,

com os quais todos os homens se deparam.

Uma das mais severas críticas sofridas pelo método psicanalítico foi feita pelo

filósofo da ciência Karl Popper. Segundo ele, a psicanálise é pseudociência, pois

uma teoria seria científica apenas se pudesse ser falseável pelos fatos.

Um exemplo é a teoria freudiana do “Complexo de Édipo”. Freud afirmava que

esse complexo era universal, mas com que base de dados chegou a essa

conclusão? Na época da formulação da psicanálise, a sua “amostra” era bastante

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limitada; parte dela vinha de sua experiência subjetiva (a sua “auto-análise”

precedendo a publicação de A Interpretação dos Sonhos) e da sua prática clínica,

feita na maioria das vezes com pacientes burgueses de uma Áustria vitoriana. Ou

seja: uma amostra retirada de contextos bem específicos e que não podem

fundamentar a universalidade pretendida pelo autor.

Karl Theodor Jaspers (1883 – 1969), filósofo e psiquiatra alemão,

considerado um dos mais importantes do existencialismo germânico e em cuja obra

tratou essencialmente sobre o tema da preocupação do homem com sua própria

existência. Filho de um jurista e de mãe de origem rural, foi educado no Alten

Gymnasiums, em Oldenburg, e entrou na Universität Heidelberg (1902) onde

estudou direito e medicina e se estabeleceu como médico no hospital psiquiátrico da

universidade (1909) e depois (1913) tornou-se professor de psicologia da Faculdade

de Filosofia dessa instituição. Na clínica psiquiátrica da universidade local firmou sua

reputação ao aplicar à prática clínica os métodos da fenomenologia: investigação e

descrição dos fenômenos tal como a consciência os percebe, excluindo toda

teorização sobre sua causa. Nesta temática publicou Allgemeine Psychopathologie

(1913) e Psychologie der Weltanschauungen (1919), livros que prenunciavam sua

futura fundamentação filosófica. Influenciado pelo seu conhecimento em

psicopatologia e um pouco pelas doutrinas de Kierkegaard e Nietzsche, nas duas

décadas seguintes dedicou-se a elaborar suas ideias que, junto com as de seu

compatriota Martin Heidegger, formariam a base do existencialismo alemão.

Por questões políticas, afastou-se de Heidegger quando este se filiou ao

partido nazista e, posteriormente (1937), foi demitido do cargo de professor de

filosofia na universidade. Mesmo assim, recusou (1942) uma autorização para deixar

o país sem sua mulher, de origem judia. Finda a II Guerra, recuperou seu cargo de

professor na Universidade de Heidelberg (1945) e três anos depois (1948) transferiu-

se para a Universidade de Basiléia, na Suíça, onde viveu pelo resto de sua vida.

Morreu em Basiléia, três dias depois de completar 86 anos, deixando uma obra de

trinta livros publicados, entre eles Existenzphilosophie (1938), onde cunhou o termo

existência para designar a experiência indefinida entre liberdade e possibilidade, e

Die grossen Philosophen (1957), onde tratou sobre até que ponto o pensamento

passado pode ser inteligível.

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Michel Foucault (1926 – 1984), francês, psicólogo e psicopatologista de

formação. Ao escrever a obra “História da Loucura”, procurou mostrar como o

conceito de loucura mudou através dos tempos, desde a era medieval quando os

loucos vagavam livres pela sociedade – já que havia uma sacralização da loucura –

até os tempos modernos em que os loucos passaram a ser confinados ou tratados, a

partir de uma visão psiquiátrica. Quando foi lançado em 1961, o livro transformou

Foucault num líder intelectual na França, ao lado dos então emergentes Derrida e

Barthes.

Segundo Foucault (1995), a loucura não está somente ligada às

assombrações e aos mistérios do mundo, mas ao próprio homem, às suas

fraquezas, às suas ilusões e a seus sonhos, representando um sutil relacionamento

que o homem mantém consigo mesmo. Aqui, portanto, a loucura não diz respeito à

verdade do mundo, mas ao homem e à verdade que ele distingue de si mesmo.

Franco Basaglia (1924 – 1980) colocou a doença mental entre parênteses a

fim de dar voz, sem interpretar, e fazer emergir novos sujeitos no palco da história –

os pacientes, os familiares, os não especialistas. Para ele a relação terapêutica

devia instaurar-se dentro de um espaço no qual toda resposta pré-fabricada e todo

preconceito ficassem entre parênteses: somente assim seria possível ir ao encontro

do doente num plano de liberdade (AMARANTE, 2005).

Basaglia tem uma participação fundamental na história da Reforma

Psiquiátrica Brasileira. Com suas visitas ao Brasil pôde, com a clareza que lhe era

própria, demonstrar o absurdo dos hospitais psiquiátricos, ao lado de explicitar em

nome de que estavam organizados: da repressão às classes dominadas. A

colocação em debate do ambiente hospitalar, nos seus mínimos detalhes, com o

lema “crear condiciones para permitir aflorar las necessidades reales de los usuarios

del servicio [...]” foi a marca histórica do trabalho de Basaglia (PINTO, 2004).

Em 1968 ele estabelece um ponto de ruptura com a psiquiatria asilar,

posicionando-se claramente contra as práticas repressivas e mortificadoras da

ordem médica no trato das pessoas acometidas pelo sofrimento psíquico. Em suas

palavras:

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Para começar, torna-se necessário negar tudo o que está à nossa volta: a doença, o nosso mandato social, a nossa função. Negamos, assim, tudo que possa dar um sentido predefinido à nossa conduta. Ao mesmo tempo em que negamos nosso mandato social, negamos a rotulação do doente como irrecuperável e, ao mesmo tempo, nossa função de simples carcereiros, tutores da tranquilidade da sociedade; negando a irrecuperabilidade do doente negamos sua conotação psiquiátrica; negando sua conotação psiquiátrica negamos sua doença como definição científica; negando a sua doença, despsiquiatrizamos nosso trabalho, recomeçando-o em um território ainda virgem, por cultivar. (Ao ser perguntado pelo ponto de partida do seu posicionamento) Partiu-se do encontro com a realidade do manicômio, que, sendo opressiva, é trágica. Não era possível que centenas de homens vivessem em condições desumanas somente por serem doentes. Não era possível que nós, na qualidade de psiquiatras, fôssemos os artífices e os cúmplices de uma tal situação. O doente mental é “doente”, sobretudo por ser um excluído, um abandonado por todos; porque é uma pessoa sem direitos e em relação a quem pode-se tudo. Por isso negamos dialeticamente nosso mandato social, que exigia que considerássemos o doente como um não homem, e, ao negá-lo, negamos a visão do doente como um não homem. Do ponto de vista prático, negamos a desumanização do doente como resultado último da doença, atribuindo o grau de destruição à violência do asilo, da instituição, de suas mortificações, desmandos e imposições, que derivam da violência, dos abusos e das mortificações que são o esteio de nosso sistema social. Tudo isso foi possível porque a ciência, sempre a serviço da classe dominante, decidira que o doente mental era um indivíduo incompreensível e, como tal, perigoso e imprevisível, impondo-lhe, como única alternativa, a morte civil (BASAGLIA, 1985, p. 29).

Franco Basaglia mostrou, com sua articulação entre as práticas de Saúde

Mental e a política, que a psiquiatria sempre esteve a serviço dos poderes

dominantes. Pretendeu revelar que o campo da saúde mental é eminentemente

político. Esse desvelamento tornou-se fator básico para os avanços, sem o qual o

risco permanente de estarmos a serviço das forças da alienação não pode ser

criticado.

Ele apontou o caminho que a mudança no modo de organizar os sistemas de

saúde deveriam tomar, politizou a discussão em Saúde, especialmente em Saúde

Mental. Ele mostra que a psiquiatria só havia, até então, proposto soluções

negativas para o problema do sofrimento mental. Recortando um aspecto do homem

que sofre, reduzindo toda a complexidade da vida a dados psicopatológicos, a

psiquiatria tornou-se parte do aparelho de exclusão. Ao ter essa função, a psiquiatria

se incumbia de escamotear as contradições sociais que produzem as injustiças, o

sofrimento, a miséria.

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As contribuições de Basaglia foram muitas. Ele adverte, também, que o

trabalho deve ter os dois aspectos: o científico e o político.

Como diz Pinto (2004), se transportarmos para os nossos dias o que Basaglia

diz é que não há “soluções” definitivas em Saúde Mental, mas sim mudanças nas

práticas que levam, cada vez mais, a lançar a discussão e as ações na direção da

vida concreta das pessoas envolvidas. E, também, que a sociedade seja provocada

a se colocar a mesma questão: o que é o sofrimento mental? Quem são as pessoas

que sofrem? Quais as condições sociais que favorecem a saúde mental e as que a

prejudicam?

Resumindo, podemos relacionar Jung à Psicologia analítica; Esquirol à

Psicopatologia descritiva; Pierre Janet à Dissociação; Philippe Pinel ao Tratamento

Psiquiátrico; Karl Jaspers à Fenomenologia; Sigmund Freud à Psicanálise e Franco

Basaglia à Antipsiquiatria.

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UNIDADE 3 - EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PSIQUIATRIA E SAÚDE

MENTAL

Dois fatos marcaram o surgimento dos primeiros trabalhos ligados à

Psiquiatria no Brasil: a mudança da corte portuguesa para o Rio de Janeiro, em

1808, e a criação do primeiro jornal de Medicina do país.

A corte trouxe com ela o médico cirurgião José Correia Picanço (1745-1823),

o qual iniciou um curso médico no Hospital Real Militar, no mesmo local onde fora

construído, posteriormente, o edifício da tradicional Escola de Medicina da Bahia. No

mesmo ano, um curso de Medicina também fora criado no Rio de Janeiro

(ORNELLAS, 1997).

O primeiro jornal de Medicina, fundado por José Francisco Xavier Sigaud

(1796-1856), de título “O propagador de ciências médicas” ou “Anais de Medicina,

Cirurgia e Farmácia”, teve papel decisivo no desenvolvimento da cultura médica do

país. Possibilitou a reunião de profissionais da Medicina, contribuindo para o

nascimento da “Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro” (SANTOS, 2008).

Segundo Ornellas (1997) nas reuniões da Sociedade de Medicina do Rio de

Janeiro foi sugerida a criação de uma casa de saúde ou hospício para abrigar os

loucos trancados nos quartos de suas famílias, os que andavam livremente pela

cidade e os que habitavam o Hospital da Santa Casa de Misericórdia. Era intenção

da sociedade daquela época organizar, disciplinar e normalizar a cidade em busca

de salubridade.

Atendendo os apelos, o Imperador Pedro II fundou um hospital de alienados,

o Hospício Pedro II, ainda como anexo do Hospital da Santa Casa de Misericórdia.

Antes mesmo do início das obras do hospital, no terreno da Praia Vermelha, foram

enviados para uma casa reformada e adaptada, nas localidades da construção,

todos os doentes da Santa Casa. José Martins da Cruz Jobim tornou-se responsável

pela casa e é considerado o primeiro médico de doentes mentais do país.

O Hospício Pedro II foi inaugurado em 5 de dezembro de 1852, e foi, em sua

época, considerado o mais belo edifício da América do Sul. O fato de estar

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subordinado à Santa Casa fez com que dela ainda dependesse sua administração,

mesmo em sede distinta. Ficou muito tempo fora do alcance da administração

pública, assemelhando-se, nesse período, mais a um convento que a um hospital. O

domínio das freiras era absoluto. Diretor e médicos ficavam restritos às informações

que elas lhes ministravam (ORNELLAS, 1997).

O funcionamento de um hospício guiava-se pelos princípios do isolamento,

vigilância, distribuição e organização do tempo dos internos, com vistas à repressão,

controle e individualização. As intervenções dos psiquiatras sofreram grande

influência das ideias de Philippe Pinel (1745 —1826), médico francês e pai da

Psiquiatria, que propunha afastar o louco do que era considerada a fonte de suas

loucuras, ou seja, a família, a sociedade e seus hábitos.

Somente a partir de 1884, com a instalação das cátedras de Psiquiatria nas

Faculdades de Medicina da Bahia e do Rio de Janeiro, o estudo das doenças

mentais passou a constituir um ramo à parte da patologia interna, não mais unido a

outras enfermidades.

A psiquiatria nasceu dentro dos asilos e da necessidade de abrigar, proteger,

cuidar, investigar, diagnosticar e tratar os indivíduos que da loucura fossem

acometidos. Fica bastante claro que os loucos existiam antes do que os psiquiatras,

e que a loucura representa um tremendo desafio para todos interessados em

estudá-la. A loucura é um desafio que muitas outras áreas do conhecimento se

associam neste processo de investigação dos seus segredos: filósofos, sociólogos,

antropólogos, neurocientistas, psicofarmacologistas.

O Instituto de Psiquiatria do Brasil foi criado em 1938, pelo decreto-lei 591,

que o transferia para a Universidade do Brasil. Sua origem histórica, entretanto,

encontra-se no Instituto de Psicopatologia, fundado em 1893, como o Pavilhão de

Observação do primeiro hospício brasileiro. O hospício, criado por decreto imperial

de 1841, foi inaugurado em 1852, com o nome de Hospício de Pedro II, numa clara

deferência ao imperador. Sua fundação inspirava-se na experiência francesa, na

qual a origem histórica da psiquiatria era um corolário da constituição do asilo,

disputado inicialmente pelas instâncias médicas e religiosas (VENÂNCIO, 2003).

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No entanto, segundo Teixeira (2000), os contextos específicos nos quais se

deu o surgimento do asilo apontam para diferenças significativas. No caso da

França, esteve respaldado no projeto liberal-burguês instaurado com a Revolução

Francesa, valendo-se mais intensamente da contribuição dos médicos para a

formulação e implantação de uma política assistencial pública que respondesse à

problemática da exclusão e inclusão social de diferentes segmentos da população.

Já no caso do Brasil, a criação do asilo foi expressão do regime monárquico

centralizador, gerado a partir de um consenso de elites (TEIXEIRA, 2000, p. 85). A

ascensão da classe médica e de suas propostas seria limitada pela afirmação e

sustentação de um poder central monárquico, que tinha a instituição religiosa como

importante aliada. O tema da inclusão social se colocava dominantemente sob a

rubrica da caridade aos desvalidos, em vez de enfatizar um novo contrato social.

Sobre a relação entre ciência e assistência psiquiátrica, Venâncio (2003)

assinala que quando da criação e inauguração do hospício (1841 e 1852), a ciência

psiquiátrica brasileira ainda não se constituíra enquanto tal. Isso só iria ocorrer

paulatinamente, a partir de um alargamento do campo de possibilidades de

participação da medicina nos projetos relativos à assistência à população. Conforme

Russo (1993), nos anos 1830, a Câmara Municipal do Rio de Janeiro promulgou um

código de posturas estabelecendo uma legislação sanitária municipal. Foi nessa

época que surgiram os primeiros protestos médicos contra a situação dos loucos

internados na Santa Casa do Rio de Janeiro, vindos de membros da Sociedade de

Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro. Criada em 1829, “tratava-se de uma

sociedade de medicina social com influência notável da medicina francesa,

defendendo medidas de higiene pública. Como fundadores encontram-se dois

médicos franceses — Jean Maurice Fraive e Xavier Sigaud — e associados

brasileiros — José da Cruz Jobim e Joaquim Cândido Soares de Meirelles —, que

haviam se formado em escolas francesas” (TEIXEIRA, 1997, p. 50).

Em 1882 a lei n. 3.141 determinava que se realizasse concurso público para a

cátedra de psiquiatria na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, sendo aprovado

e empossado no ano seguinte o prof. João Carlos Teixeira Brandão (1854-1921).

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Em 1887, pouco antes do advento da República, Teixeira Brandão tornava-se

também diretor do hospício, permanecendo no cargo por dez anos.

É possível, portanto, afirmar que a medicina legal foi praticamente o berço da

psiquiatria brasileira. Esta raiz comum que une as duas especialidades não é de

modo algum fortuita. As relações de proximidade e conflito entre a medicina legal e a

psiquiatria demonstram de forma exemplar a importância do discurso médico em

geral, e do psiquiátrico em particular, na definição das questões políticas

fundamentais para a nova sociedade que emergia (RUSSO, 1993, p. 9).

Em 1893, 41 anos após a inauguração do hospício, foi criado o Pavilhão de

Observação. Isso ocorreu em concomitância a uma série de medidas da

administração de Teixeira Brandão, professor catedrático de clínica psiquiátrica,

diretor do hospício e também diretor do novo serviço. Segundo Teixeira (1999), no

ano anterior ao surgimento do pavilhão, o decreto n. 896 de 29 de junho de 1892

instituía dois tipos de pacientes: os pensionistas e os gratuitos. Em seguida, o

decreto n. 1.559 de 7 de outubro de 1893 — que também ampliava o número de

médicos no hospício e incluía os cargos de oftalmologista e diretor sanitário —

fundava o Pavilhão de Observação, um serviço de avaliação preliminar dos

pacientes que se apresentavam para serem internados (VENÂNCIO, 2003).

O pavilhão objetivava acolher os pacientes com atendimento gratuito,

suspeitos de alienação mental, que ali chegavam por meio das autoridades públicas.

Estava exclusivamente destinado à clínica psiquiátrica e de moléstias mentais da

Faculdade de Medicina. “O professor de clínica psiquiátrica era pago pela

Assistência a Alienados, e devia residir numa casa vizinha ao hospício, com a

incumbência de atender aos doentes do pavilhão a qualquer hora que fosse

solicitado” (TEIXEIRA, 1999, pp. 222-3). Ao menos desde 1896 procedia-se a

anotações em livros de observações clínicas dos pacientes desse pavilhão.

Posteriormente, seguindo a Lei de Assistência aos Alienados de 1903, tais

observações passaram a ser formalizadas “num registro de internação, que exigia a

anexação de todos os dados pessoais, descrição fisionômica e sinais característicos,

além de fotografia do “suspeito de alienação”.

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A relação entre ciência e assistência se reorganizou logo no início do século

XX. Em 1903, Juliano Moreira foi nomeado para a direção do hospício. A direção do

hospício deixava assim de ser exercida pelo professor catedrático de psiquiatria da

Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Essa separação de funções produzia,

aparentemente, uma imagem de ruptura entre ciência e assistência pública. No

entanto, ela fortaleceu a preeminência das diretrizes da política assistencial, em

detrimento da produção de uma ciência psiquiátrica brasileira academicamente

autônoma (VENÂNCIO, 2003).

Do ponto de vista da política assistencial, a nomeação de Juliano Moreira

para a direção do hospital de alienados e as reformas que lá empreendeu,

coadunavam-se com todo um processo de reorganização espacial. Inseria-se no

esforço de saneamento e assistência à saúde que a cidade do Rio de Janeiro vivia

durante a administração do prefeito Pereira Passos e a gestão de Oswaldo Cruz

como diretor geral de Saúde Pública (PORTOCARRERO, 2002).

Nos anos 1920 e 1930, o ideário psiquiátrico preventivista seria fortemente

sustentado pela Liga Brasileira de Higiene Mental, com os psiquiatras identificando-

se cada vez mais como higienistas, ao mesmo tempo que concediam um sentido

específico à higiene mental. Inicialmente considerada uma aplicação do

conhecimento psiquiátrico, ela foi alçada à condição de teoria geral, fundada na ideia

de eugenia1, que devia conter e orientar a prática psiquiátrica (COSTA, 1981, p. 79).

Nesse sentido, a política assistencial fundada na ideia de higiene mental

ensejava a criação de campanhas, serviços abertos, ambulatórios, de modo a dar

conta de sua entrada e permanência na sociedade. Segundo Cunha (1986 apud

Venâncio, 2003), havia nesse período um abandono da defesa do grande hospício

como modelo assistencial, embora possamos constatar sua permanência como lugar

de degradação. Assim, ainda que caótico, o modelo assistencial asilar não foi

extinto. Ao contrário, o asilo parecia permanecer como elemento importante para,

também em seu interior, alojar a população-alvo da política de higiene mental. Ele

passava a ser ampliado numérica e conceitualmente, como demonstrava a

1 Ciência que estuda as condições mais propícias à reprodução e melhoramento genético da espécie

humana (FERREIRA, 2004).

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crescente inauguração dessas estruturas institucionais e a incorporação em seu

campo semântico da figura dos asilos-colônias.

Medeiros (1977) lembra que nos anos 1912 a 1920 foram criadas a Colônia

de Engenho de Dentro, a Colônia de Jacarepaguá e o Manicômio Judiciário, e até

fins dos anos 1930, difundiu-se o modelo asilar com a construção de novos

pavilhões nas colônias já inauguradas. Em 1934, terminava a construção do

Pavilhão Rodrigues Caldas, com capacidade para 120 doentes, posteriormente

incorporado ao Instituto de Psiquiatria da Universidade do Brasil.

A Colônia de Psicopatas do Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro, deve ser

ressaltada como marcante, já que foi uma das primeiras referências da perspectiva

psicoterápica no Brasil, num momento em que os métodos psiquiátricos mostravam-

se dominantes (SANTOS, 2008).

A “Liga Brasileira de Higiene Mental” foi fundada em 1923, por Riedel, com o

objetivo de prestar assistência ao doente mental. Esse objetivo inicial, entretanto, foi

sendo alterado e as metas da liga passaram a enfatizar a profilaxia e a educação de

indivíduos, transferindo a preocupação da cura para prevenção, o que teria sido um

avanço não fosse essa preocupação pautada nas ideológicas eugênicas.

Sob essa perspectiva, a Psiquiatria pretendia exercer controle sob as

problemáticas pelo ordenamento do espaço urbano. Tinha autoridade para punir e

banir os desajustados. Buscaram combater o alcoolismo, o jogo, a prostituição e o

crime. A doença mental era sinônimo de criminalidade, fazendo-se assim o

pareamento entre louco e periculosidade, sempre com base na teoria da

degenerescência (ORNELLAS, 1997).

No que se refere à formação psiquiátrica, portanto, até meados da década de

1930, os psiquiatras produziram e reproduziram seu saber a partir das sociedades

científicas e do hospício. Na condição de especialidade médica, a formação do

psiquiatra estava bastante atrelada à prática desenvolvida na instituição, e foi no

hospício que a Faculdade de Medicina buscou psiquiatras para o ensino no espaço

acadêmico. Desse processo decorreram dois movimentos. Em primeiro lugar, o fato

de o ensino ser feito a partir do hospício levava o modelo assistencial asilar vigente

para dentro do locus acadêmico, reproduzindo-o, sem tomá-lo como objeto de

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reflexão. Em segundo lugar, observava-se uma marginalização social da psiquiatria

no âmbito do conhecimento médico. “Médico de doidos, a respeito de quem se

admitia nada fazer e nada saber” (Medeiros, 1977, p. 82). Essa marginalização

social pode ter sido, inclusive, uma das marcas a motivar o discurso acadêmico

psiquiátrico a ser tão enfático e afirmativo de sua cientificidade, procurando valorizar

o psiquiatra e seu conhecimento (VENÂNCIO, 2003).

A falta de recursos eficazes para o tratamento dos doentes, e a pobreza de

sua clientela, determinou a progressiva deterioração e declínio dos hospícios, ainda

que o aumento da população enferma exigisse a expansão do sistema (ORNELLAS,

1997).

Ainda entre os anos 1920 e 1930, deu-se o primeiro esforço de reforma do

modelo psiquiátrico: Juliano Moreira e Ulisses Pernambucano foram os primeiros

artífices. Ulisses diferenciou os serviços de psicóticos agudos dos crônicos, instituiu

um serviço aberto para tratamento em regime de pensão livre, criou um sistema de

educação especial e um serviço de saúde mental.

À medida que a falta de remédios específicos para os enfermos psiquiátricos

continuava, o processo de degradação da assistência psiquiátrica pública no Brasil,

tal como no resto do mundo, se aprofundava. A degradação só poderia ser detida

com a descoberta de fármacos psicotrópicos, que possibilitaram o efetivo

enfrentamento das enfermidades mentais. Foi a revolução psicofarmacológica. À

penicilina, que tratava efetivamente a sífilis, acrescentaram-se os neurolépticos e os

antidepressivos, que transformavam os portadores das grandes psicoses em

pacientes ambulatoriais (ORNELLAS, 1997).

Mas tal avanço implicou outro problema: a assistência psiquiátrica pública se

dividiu em duas: a assistência patrocinada pelo Estado e aquela mantida pela

previdência social pública, que se multiplicou movida única ou predominantemente

pela busca de lucro. O doente mental se transformou em uma fonte inesgotável de

lucro para empresários que viviam dessa condição.

No plano da assistência pública direta, a tônica do enfrentamento desse

problema residiu na tentativa de ambulatorização do tratamento. O Serviço Nacional

de Doenças Mentais, desde a primeira gestão, do Professor Jurandyr Manfredini,

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encetou outra tentativa de reforma, elegendo como principal meta a substituição da

hospitalização pela assistência ambulatorial (ORNELLAS, 1997).

A Internação Psiquiátrica no Brasil produziu seus efeitos: no fim da década de

50, os Hospícios estavam com lotação muito acima da sua capacidade, como por

exemplo, o Juqueri, em São Paulo, com quase 15 mil pessoas, ou o São Pedro, em

Porto Alegre, com 3.200 internos, quando as vagas eram 1.700 (PINTO, 2004).

Foi no quadro descrito acima que, em 1944, foi trabalhar no então chamado

Centro Psiquiátrico Nacional do Rio de Janeiro, a psiquiatra Nise da Silveira.

Encontrou como práticas dominantes o eletrochoque, o coma insulínico e a

lobotomia. Nise da Silveira conhecia a obra de Carl Gustav Jung, o que proporcionou

que levantasse questões incômodas para a época e ainda para os dias em que

vivemos: os sintomas e as produções do inconsciente das pessoas com diagnósticos

de psicose fazem sentido, caso se queira prestar atenção. De posse dessa

compreensão e de um profundo interesse pela pessoa a ser tratada, Nise organizou,

em 1946, o Serviço de Terapêutica Ocupacional no referido Hospício.

Utilizando técnicas de pintura, modelagem e xilogravura, Nise proporcionou

aos internos um oásis de humanidade e criatividade em meio à destruição do

ambiente hospitalar. Mostrou, com repercussão internacional, tendo como base as

obras que os pacientes criavam, que os métodos tradicionais da psiquiatria

caracterizavam uma violência aniquiladora. Em meio à incompreensão e falta de

recursos, continuou com seu trabalho, já um verdadeiro movimento, com diversos

colaboradores. Viu surgir, dentre os internados, artistas cujas obras estão entre as

mais importantes do século XX no Brasil, como as de Fernando Diniz e Carlos

Pertuis.

Nise da Silveira não teve, no seu tempo de atuação, ação no sentido de

mudanças amplas na organização da Assistência à Saúde Mental. A época estava

ainda longe disso. Mas, com seu trabalho que indica a aproximação pessoal e

artística com as pessoas com diagnósticos de psicose, revolucionou, pelo exemplo,

pelas publicações e pela organização do Museu de Imagens do Inconsciente, a face

da Saúde Mental no Brasil. Hoje, o antigo “Hospício de Pedro II” tem o nome de

“Instituto Municipal de Assistência à Saúde Nise da Silveira”.

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Nos anos 1950 e 1960, esses recursos se multiplicaram, principalmente em

unidades sanitárias e anexos de hospitais psiquiátricos públicos. A principal crítica a

esse sistema era a manutenção da segregação do enfermo e da enfermidade

psiquiátrica, além dos cuidadores da rede de assistência. Os Colóquios de

Psiquiatria Assistencial e Preventiva que se davam nos congressos da Associação

Brasileira de Psiquiatria (ABP) e da Sociedade de Neurologia, Psiquiatria e Higiene

Mental do Brasil testemunharam esse esforço, que não foi adiante porque o Estado

Brasileiro era privatista nessa área.

Por isso, na assistência previdenciária, o processo correu na direção oposta:

a hospitalização foi priorizada unicamente porque era mais lucrativa para quem a

promovia. Esse fato se refletiu na assistência pública direta, uma vez que se

transformou em paradigma terapêutico na consciência social e na ideologia de

muitos terapeutas. Deu-se também o fenômeno de transferência de pacientes

desospitalizados na rede pública para serem internados em serviços credenciados

pela previdência social pública. Essa situação foi muito agravada pela instituição da

ditadura militar e pelo avanço ideológico neoliberalista (ORNELLAS, 1997).

Paulo Amarante situa o “Início do movimento da reforma psiquiátrica” entre os

anos de 1978 e 1980. No seu modo de ver, “[...] o movimento da reforma psiquiátrica

brasileira tem como estopim o episódio que fica conhecido como a Crise da

DINSAM” (Divisão Nacional de Saúde Mental). (AMARANTE, 1995, p. 51). Em abril

de 1978, um episódio de denúncia de falta de condições humanas e de trabalho, no

então já denominado Centro Psiquiátrico Pedro II, o velho hospício do Engenho de

Dentro, resultou em apoios políticos e notícias na imprensa. Os principais pontos de

denúncia e reivindicação eram: péssimas condições de trabalho, falta de garantias

trabalhistas, ameaças a profissionais e pacientes, agressões, estupros, trabalho

escravo.

Com a derrocada da ditadura, criaram-se condições para uma reação mais

eficaz. Era o início da Reforma Psiquiátrica no Brasil.

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UNIDADE 4 - A REFORMA PSIQUIÁTRICA E OS

DISCURSOS CONTEMPORÂNEOS DA SAÚDE MENTAL

A saúde mental brasileira nas décadas de 1979 a 1999, passou por

transformações através de avanços que constituíram e constituem o processo

contemporâneo desta prática.

No âmbito social e político, Santos (1997) atesta um estado pós-moderno dos

acontecimentos através dos denominados Novos Movimentos Sociais (NMSs),

presentes em todo o mundo, principalmente nas décadas de 70 e 80, de forma mais

ou menos intensa conforme o estágio de desenvolvimento econômico local.

Os NMSs são os movimentos tipicamente pós-industriais que denunciam as

formas de opressão cotidianas contidas na violência, na poluição, no sexismo, no

racismo e no produtivismo, dentre outras formas de exclusão. Para Santos (1997, p.

258), os NMSs trazem como “novidade maior tanto uma crítica da regulação social

capitalista como uma crítica da emancipação social socialista tal como foi defendida

pelo marxismo”.

Assim denunciando ‘com uma radicalidade sem precedentes os excessos de

regulação da modernidade’ e contribuindo para a construção, no dizer deste autor,

de uma equação que comungue simultaneamente ‘subjetividade, cidadania e

emancipação’.

Nesse contexto, a América Latina destacava-se dos demais países periféricos

e semiperiféricos com relação a atuação dos NMSs, sendo que aqui estes

movimentos eram peculiarmente ‘nutridos por inúmeras energias’ que compilavam

desde reivindicações pós-materialistas a lutas por condições básicas de

sobrevivência, diferentemente do que se passava nos países centrais onde os

movimentos eram ‘puros’ ou bem definidos.

Com relação ao Brasil particularmente, lembrando que estávamos no

momento político de luta pela transição democrática pós-ditadura e esse movimento,

os NMSs tiveram um notável florescimento.

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Vale situar esse momento crucial para a transformação da sociedade

brasileira, denominado por Sader (1990) como entre o velho e o novo. O ponto de

partida da transição hoje é claro: uma ditadura militar permeada por uma ideologia

de segurança nacional favorável ao grande capital monopolista e financeiro nacional

e internacional (GUIMARÃES et al, 2001).

Assim finalizamos a década de 70 e adentramos a década de 80 com um

Brasil efervescente, manifestadas as contradições e reduzido o poder ditatorial das

elites dirigentes. A sociedade civil despertava de um pesadelo que durara vinte e um

anos e havia muito o que ser questionado. Emergindo denúncias e indignação

acerca da questão psiquiátrica no âmbito da saúde.

O ponto culminante dentro do novo modelo emergente é a

DESINSTITUCIONALIZAÇÃO.

As condições (ou a falta de) da assistência à Saúde Mental eram semelhantes

em todo o país. Com a mobilização no Rio de Janeiro, confluíram para o V

Congresso Brasileiro de Psiquiatria, em Camboriú, em outubro de 1978, os

movimentos que já estavam em andamento em diversos estados. Realizado pela

conservadora Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), o Congresso teve seu

desenvolvimento politizado pela presença dos militantes do MTSM que, através da

federada baiana da ABP, a Associação Psiquiátrica da Bahia, conseguiram marcar

posição na plenária final e aprovar resoluções que foram tiradas nas reuniões

paralelas ao evento. A privatização na área da saúde é denunciada, bem como a

ausência de discussão pública a respeito dos rumos da assistência à saúde. A

universidade é criticada pela sua adesão à lógica do mercado. A prática psiquiátrica

em vigor é apontada como instrumento “de controle e reprodução das desigualdades

sociais” (AMARANTE, 1995, p. 54). No campo político amplo, a plenária também se

manifestou, com a bandeira de luta pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita.

Numa demonstração da fertilidade do momento, ainda em outubro de 1978

realizou-se, no Rio de Janeiro, o I Congresso Brasileiro de Psicanálise de Grupos e

Instituições, que lançava a instituição de formação em psicanálise, terapia de grupo

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e analistas institucionais, o Instituto Brasileiro de Psicanálise, Grupos e Instituições

(IBRAPSI). Nele estiveram presentes Basaglia, Guattari, Robert Castel, Goffman e

outros nomes representantes do pensamento crítico da área. (AMARANTE, 1995, p.

55). Revestido de uma aura de grande produção, o Congresso movimentou ainda

mais o ambiente.

Logo a seguir, em janeiro de 1979, acontece em São Paulo o I Encontro

Nacional dos Trabalhadores em Saúde Mental. É o movimento tomando corpo,

aprofundando suas discussões, organizando-se de modo autônomo. Nessa altura

dos acontecimentos, o que estava sendo colocado pelo MTSM, em resumo, era:

A crítica ao modelo asilar em psiquiatria.

Pressão por solução política para a questão da orientação da assistência à

saúde mental.

O movimento faz parte dos setores da sociedade que lutam pelas liberdades

democráticas, pela Anistia, pela livre organização de trabalhadores e

estudantes (AMARANTE, 1995, p. 55).

Apesar da grande repercussão, entre os profissionais de Saúde Mental, do

que estava acontecendo com a mobilização em torno no MTSM, a grande imprensa

mantinha-se, em geral, distante do que havia por detrás dos muros dos hospícios.

A censura à imprensa permanecia em vigor e era difícil vencer a barreira do

silêncio. Este quadro mudou durante e após o III Congresso Mineiro de Psiquiatria,

realizado em Belo Horizonte, em novembro de 1979. O Congresso foi organizado

pela Associação Mineira de Psiquiatria, que já se colocava em adesão ao MTSM

(CAMARANTE, 1995, p. 55).

Durante o evento, Basaglia foi visitar o grande hospício de Barbacena, sobre

os quais recaíam denúncias assustadoras de maus tratos, inclusive a respeito de

venda de cadáveres de pacientes para faculdades de medicina. O relato

emocionado de Basaglia, em palestra do Congresso, repercutiu na imprensa e

durante muitos dias foi para os grandes jornais do país a situação dos hospitais

psiquiátricos. Foi preciso um visitante estrangeiro, para romper o bloqueio e expor o

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que estava escondido pelos muros dos hospícios, pela censura e pela conivência

(PINTO, 2004).

Em 1979, o Brasil recebeu a visita do psiquiatra italiano Franco Basaglia, cujo discurso sobre a desinstitucionalização do aparato psiquiátrico repercutiu no meio social e político que passava por contestações e desejos de mudança em uma sociedade que vivenciava um processo de abertura após anos de regime militar ditatorial. Surge o Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental –até então um NMS – que fortalecido pela sociedade civil organizada e pelas primeiras experiências de desinstitucionalização, destacadamente a experiência santista, culmina em 1989 com o movimento de Reforma Psiquiátrica, a criação do Projeto de Lei n. 3.657 de autoria do deputado federal Paulo Delgado (PTMG) – que dispõe sobre a superação do manicômio e a construção de assistência substitutiva – e com a Luta Antimanicomial (AMARANTE E TORRE, 2001).

Em janeiro de 1999, o referido projeto foi aprovado no Senado, passou por

nova votação na Câmara. Em abril de 2001 foi aprovado e sancionado pelo

Presidente da República, tornando-se lei.

A partir da segunda metade dos anos 80, no Brasil, o movimento de

transformação no campo da saúde mental passou por importantes mudanças,

caracterizadas pelo surgimento de novos serviços num contexto histórico, político e

conceitual emergente. A realização de duas Conferências Nacionais de Saúde

Mental em 1987 e 1992, somada à inscrição da proposta do Sistema Único de

Saúde (SUS) na Carta Constitucional de 1988, abriram novos caminhos para a

saúde pública no Brasil da “redemocratização”. Junto a esses movimentos,

profissionais da saúde mental, articulados por todo o país em torno do lema “Por

uma sociedade sem manicômios” (adotado no II Congresso Nacional de

Trabalhadores de Saúde Mental em dezembro de 1987), foram promovidas

discussões e produzidas uma série de novas experiências em suas intervenções

junto à loucura e ao sofrimento psíquico (AMARANTE E TORRE, 2001).

Dentre estas novas experiências, destacam-se a criação do Centro de

Atenção Psicossocial (CAPS) Prof. Luis da Rocha Cerqueira, em março de 1987 em

São Paulo, e do primeiro Núcleo de Atenção Psicossocial (NAPS) em Santos, no

bojo das transformações mais gerais ocorridas naquele município no âmbito da

saúde mental, após a histórica intervenção na Clínica Anchieta em 03 de maio de

1989.

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Em termos históricos, foi só a partir da década de 80 que o movimento pela

Reforma Psiquiátrica no Brasil ganhou importância, tanto política como social. Para a

sua implementação foi preciso inventar novos locais, instrumentos técnicos e

terapêuticos, como também novos modos sociais de estabelecer relações com a

loucura.

O Programa de Reorientação da Assistência Psiquiátrica no âmbito da

Previdência Social que foi elaborado em 1982, mostra que desse texto constam as

seguintes diretrizes para um novo modelo assistencial:

1. Ser predominantemente extra-hospitalar,

2. Ser exercida por equipe multidisciplinar,

3. Deve incluir-se numa estratégia de atenção primaria de saúde, ou seja:

-ser regionalizada.

-integrar-se a rede de serviços básicos de saúde da área programática.

-integrar ao sistema [...] recursos não estritamente psiquiátricos (generalistas

treinados, por exemplo).

-promover ações de prevenção e promoção de saúde mental.

-[...] disciplinar os mecanismos de encaminhamento, em uma estratégia global

que se pode definir como a de evitar que o caos ou problemas sociais sejam

erroneamente rotulados e tratados como doenças mentais.

4. Utilizar recursos [...] intermediários entre o ambulatório e a internação integral,

como hospital-dia, hospital-noite, pré-internação, pensão e oficina protegidas.

5. Restringir a internação aos casos estritamente necessários.

6. Promover a implantação progressiva de pequenas unidades psiquiátricas em

hospitais gerais (DELGADO 1987, p. 182).

Podemos observar que nesses seis itens está contida grande parte das

orientações que norteiam a Reforma Psiquiátrica até hoje. Existe uma ênfase na

atuação da Saúde Mental nos serviços básicos de saúde, apenas sendo necessário

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que se note, mais uma vez, ainda no registro restrito da psiquiatria. Mas está

colocada a diretriz: “incluir-se numa estratégia de atenção primária de saúde”.

Nos anos 90, assistimos à criação e à consolidação de propostas como

Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS),

Lares Abrigados, etc., embora desde a década de 80 algumas experiências já

estivessem sendo desenvolvidas (VENÂNCIO, 1990). O desafio atual parece ser

efetivar as propostas da Reforma Psiquiátrica no sentido de implementar novos

dispositivos, embora os hospitais tradicionais ainda absorvam a maior parte das

verbas destinadas ao atendimento em psiquiatria.

Tendo em vista a reforma da assistência psiquiátrica e a mudança do

paradigma asilar/hospitalocêntrico de tratamento, o campo da atenção psicossocial

na última década foi gradativamente delineando-se como um espaço marcado pela

diversidade de linhas teóricas, de propostas terapêuticas e de objetivos. Contudo,

ainda são escassos os estudos que priorizam a avaliação dos serviços substitutivos,

tanto em relação à qualidade, quanto ao acompanhamento dos resultados que

permitam auxiliar nas mudanças estratégicas. Buscando fornecer elementos para o

debate sobre os desafios e possibilidades que caracterizam o campo da avaliação

de políticas, programas e serviços de saúde, enfatizando as especificidades da área

de Saúde Mental (ALMEIDA E ESCOREL, 2001).

Falando um pouco e especificamente sobre as Conferências de Saúde e

Saúde Mental...

Em março de 1986, acontece a Oitava Conferência Nacional de Saúde, o

passo decisivo para as mudanças na área da Saúde no país. Além de reafirmar os

princípios para um sistema de saúde público, universal, equânime, descentralizado e

com controle da sociedade, a sua organização trouxe para a cena a discussão e

decisão institucional sobre a necessidade de participação, na formulação e avaliação

das políticas de saúde, dos movimentos populares, sindicatos, associações de

moradores e de usuários, as igrejas, as associações profissionais, enfim, a

sociedade organizada. (AMARANTE, 1995, p 70).

Dando partida para a efetivação de uma das decisões da Oitava Conferência

Nacional de Saúde, a realização de conferências específicas, dentre as quais a de

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Saúde Mental, a diretoria do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio

de Janeiro toma a iniciativa de organizar o I Encontro de Saúde Mental do Estado do

Rio de Janeiro, que se realiza em outubro de 1986, uma espécie de pré-conferência

estadual.

A I Conferência Estadual de Saúde Mental do Estado do Rio de Janeiro

ocorreu em março de 1987, já com a participação de delegações do movimento

social e de entidades de profissionais. A convocação dessa conferência deu-se sem

o aval do Ministério da Saúde, que adiava a decisão de realizar a Conferência

Nacional de Saúde Mental temendo o avanço da renovação que julgava radical.

Nota-se uma luta de posições, com o movimento pressionando agora com eventos

amplos, de repercussão nacional, inclusive Conferências Estaduais e Municipais.

O tema central da I Conferência Estadual de Saúde Mental do Estado do Rio

de Janeiro foi “a política nacional de saúde mental na reforma sanitária”

(AMARANTE, 1995, p. 73), repercutindo, assim, no setor, o que estava em pauta

após a Oitava Conferência Nacional de Saúde. Houve grande participação de

usuários e familiares, com alguns sendo eleitos como delegados à Conferência

Nacional de Saúde Mental.

As conclusões da I Conferência Estadual de Saúde Mental do Estado do Rio

de Janeiro reconhecem que “[...] a doença mental é fruto do processo de

marginalização e exclusão social”. (AMARANTE, 1995, p. 73). Polêmica em todos os

sentidos, essa afirmação é positiva por um lado, pois aponta para as determinações

sociais do sofrimento mental, politizando a questão. Por outro lado, reafirma o

duvidoso conceito de “doença mental” e pode sugerir que, ao serem resolvidas a

exclusão e a marginalização, a tal “doença mental” desapareceria. Mas as

conclusões que a Conferência tira do tema são pertinentes e atuais, como a

necessidade do “resgate da cidadania”.

A Conferência segue em suas conclusões, apontando para o direito do

cidadão ao acesso irrestrito a todos os recursos para tratamento disponíveis, o que

hoje está como uma das prioridades da orientação na área. Novamente o movimento

insere os temas das equipes multidisciplinares, das condições de trabalho para as

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equipes, a necessidade de participação da comunidade e da sociedade organizada

na elaboração e controle das políticas públicas AMARANTE, 1995, p. 74).

Na área mais ampla, da Política Nacional de Saúde Mental, as conclusões

são as seguintes:

[...] considera-se que a saúde é resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho não alienado, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra, e acesso a serviços de saúde. Reforça-se a necessidade de inserção, nos programas informativo-pedagógicos, de medidas que visem a promoção da saúde em geral. Quanto ao modelo assistencial, pretende-se a reversão da tendência hospitalocêntrica, por meio de atendimentos alternativos em saúde mental, tais como leitos psiquiátricos em hospitais gerais, hospital-dia, hospital-noite, pré-internações, lares protegidos, etc. Propõe-se ainda, a redução progressiva dos leitos manicomiais públicos e o não credenciamento de leitos privados, a hierarquização da rede assistencial e a expansão da rede ambulatorial, descentralizando e melhor capacitando tecnicamente, objetivando, assim, um poder de resolutividade mais eficiente (AMARANTE, 1995, p. 74).

O documento mostra a continuidade do movimento de mudanças na Saúde

Mental e a crescente ampliação do leque de propostas, já então com

responsabilidades de organização dos serviços. Notamos que ainda não aparece

nada em relação aos trabalhos que inserem ações de saúde mental na comunidade.

Após a avaliação regional e nacional do movimento ter sido realizada em abril

de 1987, no II Encontro de Coordenadores de Saúde Mental da Região Sudeste, em

Barbacena, Minas Gerais, acontece a I Conferência Nacional de Saúde Mental, em

junho de 1987, com a participação de 176 delegados eleitos nas pré-conferências

estaduais. (AMARANTE, 1995, p. 75). É interessante acompanhar o aumento do

número de delegados nas próximas Conferências, indicativo da crescente

representatividade.

A I Conferência Nacional de Saúde Mental realiza-se em clima de aberto

conflito político, pois a Divisão Nacional de Saúde Mental, órgão do Ministério da

Saúde encarregado da Política de Saúde Mental e a Associação Brasileira de

Psiquiatria - suposta representante dos psiquiatras - organizadoras do evento,

ameaçam abandoná-lo ao verem rejeitada pela plenária inicial o regulamento da

Conferência, visto que este a pretendia um encontro meramente técnico

(AMARANTE, 1995, p. 80). Nesse momento, as correntes em disputa dentro do

movimento de transformação da Saúde Mental unem-se, tendo estado em atrito

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devido à referida diferença de posição quanto ao modo de encaminhar as

mudanças, principalmente no que tange à ocupação do Aparelho de Estado.

Na I Conferência Nacional de Saúde Mental já aparece uma referência a

trabalhos ou ações de saúde mental na comunidade, com a recomendação de que

“[...] o Estado reconheça os espaços não profissionais criados pelas comunidades

visando à promoção da saúde mental” (AMARANTE, 1995, p. 75).

Foram as seguintes as principais recomendações da I Conferência Nacional

de Saúde Mental:

[...] a orientação de que os trabalhadores de saúde mental realizem esforços em conjunto com a sociedade civil, com o intuito não só de redirecionar as suas práticas (de lutar por melhores condições institucionais), mas também de combater a psiquiatrização do social, democratizando instituições e unidades de saúde; [...] a necessidade de participação da população, tanto na elaboração e implementação, quanto no nível decisório das políticas de saúde mental, e que o Estado reconheça os espaços não profissionais criados pelas comunidades visando a promoção da saúde mental; [...] a priorização de investimentos nos serviços extra-hospitalates e multiprofissionais como oposição à tendência hospitalocêntrica (AMARANTE, 1995, p. 75).

Conforme pensamento de Pinto (2004), para além do fato de ser contraditório

pedir que o Estado reconheça espaços que se pretendem autônomos, ressalte-se

que algo já surge em uma reunião importante, de caráter nacional e de formulação

de Políticas de Saúde Mental, que aponta para a comunidade como sede de

transformações.

Quanto aos fatos políticos do movimento, Amarante (1995) descreve como

histórico esse momento, devido a três fatores, além da aliança entre novos e antigos

militantes:

A renovação teórica e política do MTSM,

O início de um processo de distanciamento entre o Movimento e o Estado,

A aproximação do MTSM com as entidades de usuários e familiares

(AMARANTE, 1995, p. 80).

Dentro da discussão acima, o MTSM avalia, durante a I Conferência Nacional

de Saúde Mental, que é preciso ter como estratégia principal “o desatrelamento do

aparelho do Estado, buscando formas independentes de organização e voltando-se

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[...] para a intervenção na sociedade” (AMARANTE, 1995, p. 80). Assim, o lema “Por

uma Sociedade sem Manicômios” aponta para uma intervenção/provocação no

âmbito sócio-cultural, ao colocar no horizonte possível uma “utopia que pode

demarcar um campo para a crítica das propostas assistenciais em voga”

(AMARANTE, 1995, p. 80).

No modo de ver de Amarante, a Reforma Psiquiátrica Brasileira toma, com as

novas decisões, o rumo da desinstitucionalização. Alcança, também, um patamar

mais amplo com as mudanças operadas nos campos técnico-assistencial, político-

jurídico, teórico-conceitual e sociocultural. A influência de Basaglia torna-se

predominante agora, com a “desinstitucionalização em sua dimensão mais

propriamente antimanicomial” (AMARANTE, 1995, p. 76 e 79).

Enfim, a década de 90 foi marcada pela atuação institucional, nos níveis

federal, estadual e municipal, de milhares de profissionais de Saúde Mental que

adotaram o ideário da Reforma Psiquiátrica. Os profissionais, usuários e familiares,

nos estados e municípios, fizeram surgir e se firmar os Programas de Saúde Mental.

Os concursos públicos, aos poucos, passaram a inserir temas da Reforma

Psiquiátrica, tendo, com isso, começado a afetar a formação, divulgado os conceitos

e levado, para a prática, profissionais ao menos informados a respeito do que se

pretende de avanço na área. A criatividade nos serviços tem produzido diversificação

e multiplicação das ações em Saúde Mental (PINTO, 2004).

Uma mostra da atração que tem exercido a Reforma Psiquiátrica é a

importante produção acadêmica sobre o tema, não só de textos sobre a Reforma em

si, mas muitos abordando a clínica, a política e uma grande diversidade de aspectos

singulares. Por outro lado, a tendência à repetição do modelo que se quer substituir

está sempre presente, com alguns serviços burocratizando-se e perdendo a

potencialidade transformadora (PINTO, 2004).

A Reforma Psiquiátrica começou como um movimento e pretende continuar a

sê-lo, está evoluindo favoravelmente. Mas, no dia a dia, as tentativas de mudança

esbarram com problemas que tornam lentas as modificações. Os entraves são de

diversas ordens: falta de politização e de capacitação de profissionais, com adesão

consciente ou não ao modelo manicomial; choque com interesses políticos locais;

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inércia administrativo-burocrática; baixa capacitação dos novos gestores; falta de

compreensão das administrações para a questão da Saúde Mental; dificuldades nas

políticas públicas necessariamente parceiras da Saúde Mental e, talvez,

principalmente, os problemas ligados ao financiamento do Sistema Único de Saúde.

No plano da legislação, durante a década de 90, alguns estados editaram

suas leis da Reforma Psiquiátrica, adiantando-se à legislação nacional, em lenta

tramitação. No Ministério da Saúde, as portarias contemplaram a eterna e difícil

tarefa de regulamentar e fiscalizar os Hospitais Psiquiátricos, a assistência

farmacêutica, o financiamento do Serviço Residencial Terapêutico, este último já no

ano 2000 (PINTO, 2004).

DISCURSOS CONTEMPORÂNEOS DA SAÚDE MENTAL

Segundo Effting (2006) os discursos da Saúde Mental tiveram em sua

modernidade uma tríplice estratégia discursiva e prática que tem muito pouco a ver

com as necessidades das pessoas que nós atendemos e muito a ver com interesses

de grupos; com interesses corporativos dos diversos tipos de profissionais que

trabalham na área.

Na perspectiva de entendermos a relação que a terapia ocupacional

estabelece hoje com a área da Saúde Mental e fazermos um paralelo entre elas,

valemo-nos da categorização feita por Costa (1987), dos discursos contemporâneos

desta área como um dos parâmetros para entendermos tais relações.

DISCURSO ORGANICISTA

O organicismo, primeiro dos discursos modernos, ganhou louros que poderia

dividir muito bem com inúmeras outras doutrinas psiquiátricas. Aparentemente,

surge como o mais conservador, o mais reacionário, o mais massacrante.

Estrutura-se no modelo médico buscando as explicações para as doenças

mentais na perspectiva do corpo-cadáver ou fisiopatológico.

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Fazendo um paralelo à Terapia Ocupacional, neste tipo de discurso

poderíamos encaixar os modelos desta área que também correspondem a esta

mesma lógica, ou seja, a lógica positivista e mecânica de concepção e de

intervenção no real.

O discurso organicista tem como local de sua produção o asilo, procura seguir

a regra ou pelo menos a tradição científica do pensamento médico, e tem como

objetivo o corpo sem vida, o cadáver. Fazem-se dissecações, abrem-se cérebros

para ver exatamente o que se passa lá dentro.

Os modelos deste conhecimento, todos sabem, é o velho sonho da medicina

mental de encontrar na clínica, elementos fisiopatológicos como da afasia. Esse

discurso continua hoje no abuso e na impunidade com que se despejam toneladas

de antipsicóticos que ajudam a manter a ordem do espaço de segregação asilar

(COSTA, 1987).

A Terapia Ocupacional usa atividades dirigidas contra o sintoma. Estas são

classificadas como estruturadas (com regras bem definidas) e livres. As sessões são

planejadas, cuidando dos aspectos físicos para que não haja interferência externa.

Os materiais deverão estar em ordem de uso e o paciente necessita de instrução e

esta deve ser dita de modo claro e objetivo pelo Terapeuta.

As atividades também são classificadas e agrupadas conforme a

característica física dos materiais empregados, a maneira predominante de realizá-la

e a função psicológica preponderantemente requisitada naquela ação.

Os atendimentos geralmente são individuais ou em pequenos grupos, e os

registros e as avaliações seguem roteiro criterioso e previamente elaborado,

utilizados como instrumentos para a análise quantitativa posterior da qual se

estabelecerá a direção das próximas sessões.

DISCURSO PREVENTIVISTA

Neste discurso as explicações das doenças mentais se localizam na massa

social. Em última instância é dirigido ao aparelho do Estado a fim de obter seu

reconhecimento sobre a importância social da psiquiatria.

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O preventivista focalizava pessoas que acometidas pelo estresse e cansaço

do dia a dia passavam a apresentar comportamentos não habituais se tornando

muitas vezes impacientes e agressivas e por esse motivo eram tratadas como

loucas, então se usava o método de prevenção de uma possível doença mental com

o uso de tratamento medicamentoso e até o isolamento do individuo, pois se

considerava que essas pessoas constituíam um perigo a sociedade.

A terapia ocupacional utilizava as atividades como forma de desviar

pensamentos mórbidos ou perniciosos da mente dos desocupados. A teoria e a

prática que davam conta deste problema era a prevenção. A palavra prevenção

assume a dimensão de “prevenir-se contra, de quem se evitar”.

As atividades eram voltadas para o social do indivíduo, para que ele

desviasse seus pensamentos negativos fazendo com que o a Terapia Ocupacional

fosse empregada somente para “ocupar” o indivíduo sempre que considerados como

uma ameaça a sociedade.

A atenção individualizada neste caso, não é privilegiada, uma vez que as

ações terapêuticas se dirigem para o social.

DISCURSO PSICOTERÁPICO

Este discurso está associado aos discursos da fase de industrialização do

Ocidente, quando a valorização do sujeito individual se sobrepõe aos demais valores

sociais de épocas precedentes. O local privilegiado de sai produção são os

consultórios particulares.

O psicoterápico visa atingir a família, a classe média e a definição de seu

perfil social, reproduzindo assim uma normalização e uma moralização das camadas

urbanas em seus setores mais abastados. Aos pobres, a prevenção; aos ricos ou

remediados, a psicoterapia. Nos manuais psicoterápicos da época, o que se vê é um

misto de vagos princípios cristãos postos a serviço do individualismo burguês mais

descarado.

São vários os modelos da terapia ocupacional que se encaixam nesta

perspectiva. Encontramos modelos que se fundamentam na perspectiva

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funcionalista e sistêmica, na psicanálise, na psicodinâmica, no psicodrama, na

terapia centrada na pessoa, no gestalt, no comportamentalismo, numa mistura disso

tudo, em abordagens ora mais holísticas, ora mais mecanicista.

O modelo de abordagem holística é baseado na inter-relação dos fenômenos,

onde tudo tem a ver com tudo, não só no ser humano, mas em todo universo, num

entrelaçamento que une tudo a tudo. O foco destes modelos é a pessoa, a finalidade

é a prevenção, recuperação e amenização de patologias agudas ou crônicas,

havendo possibilidade de internações breves para alcance de uma melhor qualidade

de vida pessoal, familiar e social.

Há também a abordagem mecanicista, composta de várias partes menores

que se unem e se entrelaçam. Para entender o funcionamento da máquina, é

preciso desmontá-la ou dividi-la em suas partes. Isto é, fragmentar para conhecer. A

influência deste paradigma foi e tem sido constante em praticamente todas as

ciências do mundo moderno e, em medicina, favoreceu o conhecimento do corpo

humano pelo estudo sistemático de seus componentes e de sua fisiologia, o que

possibilitou um avanço significativo no desvendamento da fisiopatologia e,

consequentemente, na prevenção, diagnóstico e tratamento das doenças

(EFFETING, 2006).

Neste discurso o uso de atividades como medida psicoterápica requer o

conhecimento dos fenômenos do inconsciente, da natureza e do significado dos

símbolos e da psicodinâmica individual e a capacidade de integrar tal conhecimento

na experiência terapêutica para um paciente.

É certo que os discursos contemporâneos da saúde mental tiveram grande

importância para a psiquiatria, embora cada um deles tivesse uma abordagem

diferente todos foram de grande utilidade na época. Ficou claro que os discursos

nem sempre foram aplicados de forma correta visando a saúde e bem estar do

indivíduo, motivo pelo qual a psiquiatria enfrentou e até hoje enfrenta sérios

problemas e ainda carrega as marcas dos erros passados (MEDEIROS, 1994).

Merece atenção a relação de poder, analisada por Foucault (disciplina,

controle, exclusão) que sempre está sendo requisitada ao aparelho de atendimento

em Saúde Mental, e a crítica diária é a tarefa básica, para evitar a repetição de

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velhas submissões ou a criação de novas. E qualquer profissional de saúde pode

exercer o papel repressor.

Para que possamos ter uma avaliação clara do alcance e pretensão do que

está colocado como metas e diretrizes atuais da Reforma Psiquiátrica no Brasil, bem

como do ponto de questionamento que alcançam as práticas comunitárias, vejamos

o texto de Paulo Amarante a respeito de Foucault:

O objeto de estudo de Foucault em História da Loucura é precisamente a rede de relações entre práticas, saberes e discursos que vêm fundar a psiquiatria. Os dispositivos disciplinares da prática médica psiquiátrica permitem um mascaramento da experiência trágica e cósmica da loucura, através de uma consciência crítica. Esta obra aponta para uma desnaturalização e desconstrução do caminho aprisionador da modernidade sobre a loucura, qual seja, aquele que submeteu a experiência radicalmente singular do enlouquecer a classificações e terapêuticas ditas científicas: submissão da singularidade à norma da razão e da verdade do olhar psiquiátrico, rede de biopoderes e disciplinas que conformam o controle social do louco (AMARANTE, 1995, p. 24).

O texto mostra o que está sendo tocado com as práticas de

desinstitucionalização e as ações comunitárias de Saúde Mental: estamos mexendo

no imaginário a respeito do louco, com séculos de duração. De saída, estamos

tentando transgredir a lógica das relações de poder que imperam na área da Saúde.

Estamos, também, querendo devolver a experiência da loucura para o campo do

trágico, cujo conceito Nietzsche tão bem definiu, além de apontar a vivência de

horror que desperta nos menos habituados. Com isso, podemos compreender as

resistências que as práticas citadas despertam e a potencialidade de transformação

social que representam (PINTO, 2004).

Muitos profissionais de Saúde Mental tiveram suas possibilidades de prática

com as pessoas com diagnóstico psiquiátrico de psicose. O que precisamos buscar

hoje é nào aceitar a captura por modelos teóricos adaptadores, mas estimular a

singularização e a problematização cada vez mais ampla do emergente: família,

serviços de saúde, redes de vizinhança, movimentos sociais. Enfim: inventar

possibilidade.

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