Historia e Cultura AfroBrasileira Na Escola

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    HISTRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA NA ESCOLA: LEI 10.639/03

    Manoel Messias de Souza1

    Maria de Fatima de Jesus2

    Tatiane dos Santos Cruz3

    RESUMO

    O presente artigo tem por objetivo discutir questes relacionadas insero do ensino daHistria e Cultura Afro-Brasileira, ressaltando a importncia e a necessidade daaplicabilidade da temtica em sala de aula, alertando sobre a sua importncia noprocesso ensino-aprendizagem. Para tanto optamos pela pesquisa documental e

    bibliogrfica, bem como uma interveno pedaggica realizada em sala de aula.Procuramos mostrar a real aplicao e implicao da Lei 10.639/03 no contexto escolarvalorizando a diversidade cultural presente na formao da sociedade brasileira, no intuitode resgatar a cidadania e identidade da populao negra do Brasil.

    Palavras-chave: Lei 10.639/03. Educao. Histria e Cultura Afro-Brasileira.

    ABSTRACTThis article aims to discuss issues related to inclusion of the teaching of history and Afro-Brazilian worship, emphasizing the importance and necessity of the applicability of thesubject in the classroom, warning of its importance in the teaching-learning process.Therefore we chose the desk research and literature, as well as a pedagogical interventionperformed in the classroom. We show the actual implementation of Law 10.639/03 andinvolvement in the school context valuing the cultural diversity present in the formation ofBrazilian society, in order to rescue the citizenship and identity of the black population ofBrazil.

    Keywords: Law 10.639/03. Education. History and Afro-Brazilian Culture.

    1 Especialista em Tecnologias em Ensino a Distncia pela Universidade Cidade de So Paulo (2011).Graduado em Pedagogia Licenciatura pela Faculdade Amadeus (2010). Graduado em Tecnologia emInformtica e Gesto da Informao pela Universidade Tiradentes (2008). Atualmente 1 Sargento daPolcia Militar de Sergipe. E-mail: [email protected] Ps-Graduanda em Gesto Escolar e Pedagogia Empresarial pela Faculdade Amadeus. Graduada em

    Pedagogia Licenciatura pela Faculdade Amadeus (2010). Atualmente exerce a funo de Educadora Social.Email: [email protected] em Pedagogia Licenciatura pela Faculdade Amadeus (2010). Atualmente exerce a funo deAuxiliar de Cartrio da Justia Eleitoral de Sergipe. E-mail: [email protected].

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    1 INTRODUO

    O negro chegou ao Brasil predestinado unicamente para servir, sem ter em troca

    qualquer lucro, afastados da famlia, do seu pas, da cultura, crenas e valores que osmoldava. Mesmo diante de tantas fragilidades, os negros no se entregaram

    passivamente forma de dominao a que foram submetidos, lutando de diversas

    maneiras para conseguir livrar-se da dominao escravocrata e da aculturao.

    A resistncia do negro fez com que, aos poucos, a cultura europeia, disseminada

    no Brasil, fosse envolvida pela cultura africana. Atravs da sua luta em defesa de sua

    cultura, o negro foi contribuindo de maneira significativa para construo da pluralidade

    cultural existente no Brasil. Entretanto, por dcadas, a sua condio de negro o deixou

    margem da sociedade, sem perspectiva de vida.

    Sendo os estabelecimentos de ensino multiculturais e raciais, acredita-se que

    diante de currculos e propostas pedaggicas que valorizem a aprendizagem da histria

    de povos de todo o mundo e da cultura que cerca a sociedade, ter-se- uma sociedade

    mais justa, igualitria e comprometida com a disseminao das suas razes culturais.

    Assim, a Lei n 10.639/03 vem como uma forma de garantir que tais instrumentos de

    aprendizagem sejam disponibilizados para milhes de estudantes brasileiros, buscando

    superar a valorizao da diversidade cultural como mero folclore, tentando art icular essa

    valorizao com o desafio s desigualdades e a construo das diferenas a elas

    associadas (CANEN, 2004 apudVALENTIN e BACKES, 2008, p.3).

    Ressaltando a importncia da Lei 10.639/03, no ano de 2004 o Conselho Nacional

    da Educao (CNE) elaborou as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educao das

    Relaes tnico-Raciais e para o Ensino de Histria e Cultura Afro-Brasileira e Africana.

    Cabendo, assim, aos Estados e seus respectivos municpios, atravs do Conselho de

    Educao, fiscalizar para que este direito no seja negado aos cidados em processo

    educativo formal.

    Diante da importncia da presena afro-brasileira no cenrio nacional e de se ter

    estudos que abordem a Lei 10.639/03, apresentamos como objetivo deste trabalho

    mostrar a importncia da insero da Histria e Cultura Afro-Brasileira no contexto

    escolar, considerando o que estabelece a Lei 10.639/03, que tornou obrigatrio o ensino

    da Histria e Cultura Afro-Brasileira nos estabelecimentos de Ensino Fundamental e

    Mdio, da rede pblica e particular. Refletindo assim, a importncia da aplicabilidade da

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    referida Lei em comunidades de forte influncia afro-brasileira, contribuindo, desta forma,

    para alertar sobre sua aplicao no processo ensino-aprendizagem.

    Com a publicao da referida Lei, que alterou a Lei 9.394/96, houve necessidade

    de conhecer e mostrar a importncia da Cultura Afro-Brasileira na formao da cultura dopovo brasileiro, buscando eliminar os fatores de excluso no intuito de descolonizarmos

    nossas mentes a fim de alcanarmos [...] um nvelmuito mais elevado de conscincia

    social e histrica (PEREIRA, 2004. n.p.). Costa e Dutra (2009, p.1) dizem que:

    Descolonizar o saber o primeiro passo na luta do preconceito racial. Aeducao tem fundamental importncia nesta luta, pois se acredita que oespao escolar seja responsvel por boa parte da formao pessoal dosindivduos sendo assim um ambiente fundamental para separao das

    desigualdades raciais e superao do racismo.

    Para tanto se fez necessrio indagarmos de que forma as relaes socioculturais,

    econmicas, bem como os recursos de ensino utilizados contribuem para a aplicao da

    Lei 10.639/03 no espao escolar, verificando a existncia de uma integrao entre

    comunidades afro-brasileira e profissional da educao no tocante as propostas

    pedaggicas utilizadas, valorizando, desta forma, a diversidade cultural presente na

    sociedade brasileira.

    A LEI 10.639/03 NO ESPAO ESCOLAR

    O ambiente escolar um espao de inflexo de costumes e vises, como tambm

    de ratificao de preconceitos, situao cujas razes esto ligadas a uma cultura de

    ignorncia. Faltam a populao, dentro e fora do sistema escolar, conhecimento, memria

    e referncia. Ainda est presente no imaginrio da populao a figura do homem negro

    como sendo mais forte, sendo esta causa da sua escravido, ao mesmo tempo como

    sendo um ser indolente, tendo sua imagem associada criminalidade, sendo em

    situaes duvidosas o suspeito em potencial. As mulheres negras, por sua vez, so vistas

    como timas para o servio domstico e fora do padro de beleza, pois esto fora da

    esttica do eurocentrismo.

    O imaginrio nacional propagado nas salas de aula est pautado na falta de

    conhecimento e/ou desinteresse, tanto de alunos quanto dos profissionais da educao,

    acerca da Histria e Cultura Afro-Brasileira. No Brasil o preconceito comea na infncia,

    onde a criana exposta a literatura infantil de referncias eurocntricas, onde em seus

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    contos de fadas mais populares no existem princesas ou heris negros. A questo no

    est no fato de querer ser melhor ou pior, mas de tratar as diferenas em p de igualdade,

    possibilitando o acesso s histrias de outras raas (SILVA, 2009).

    A Cultura Afro-Brasileira tem formas muito valiosas e no se trata de achar que um contexto perfeito, mas que trabalhar com tal cultura dialogando com a educao

    uma das melhores formas de combater o racismo e a violncia e de apresentar a Histria

    Afro-Brasileira em sua forma mais acessvel a comunidade escolar. Para tanto se faz

    necessrio realizao de um trabalho que promova um contato mais realista com a

    diversidade cultural afrodescendente por parte das novas geraes em contato tambm

    com geraes anteriores, rompendo com esteretipos propagados pelo sistema

    educacional h dcadas.

    Para que fossem includos no sistema escolar contedos/atividades relacionadas a

    temtica da Histria e Cultura Afro-Brasileira e Africana, em 09 de janeiro de 2003 entrou

    em vigor a Lei Federal 10.639 que alterou os artigos 26-A e 79-B, da Lei de Diretrizes e

    Bases da Educao Nacional (LDB) n 9.394/96 determinando a obrigatoriedade de

    estudos relacionados a temtica acima, passando a vigorar com as seguintes

    modificaes:

    Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e mdio, oficiais eparticulares, torna-se obrigatrio o ensino sobre Histria e Cultura Afro-Brasileira. 1 O contedo programtico a que se refere o caput deste artigo incluiro estudo da Histria da frica e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil,a cultura negra brasileira e o negro na formao da sociedade nacional,resgatando a contribuio do povo negro nas reas social, econmica epoltica pertinente Histria do Brasil. 2 Os contedos referentes Histria e Cultura Afro-Brasileira seroministrados no mbito de todo o currculo escolar, em especial nas reasde Educao Artstica e de Literatura e Histria Brasileiras.

    Art. 79-B. O calendrio escolar incluir o dia 20 de novembro como DiaNacional da Conscincia Negra (BRASIL, 2003. n.p.).

    A presena africana e sua influncia na cultura so caractersticas determinantes

    na formao da sociedade brasileira. A partir da promulgao da referida Lei tornou-se

    obrigatrio o ensino da Histria e Cultura Africana e Afrodescendente em todos os nveis

    da educao bsica, integrando diferentes disciplinas no currculo escolar. Souza, Souza

    e Loyola (2007, p.61) dizem que aprender a histria e a cultura brasileira se apropriar

    tambm da cultura de vrios povos que ajudaram na construo deste pas com a junode memria e bagagens trazidas de diversas partes do mundo. Para Lopes (2003 apud

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    FELIP e TERUYA 2007, p.504) a Lei 10.639/03 do CNE vem reconhecer a existncia do

    afro-brasileiro e seus ancestrais, sua trajetria na vida brasileira e na condio de sujeitos

    que contriburam para a construo da (nossa) sociedade.

    De acordo com Galhardo (2004 apud SOUZA, FERRAS e CHAVES, 2007, p.437)a:

    [...] transmisso cultural exige do homem novas capacidades dememorizao e representao. [...] A escola possui a tarefa de transmitir amemria cultural e os valores produzidos historicamente pelo ser humanono contato com a natureza e nas relaes sociais.

    A consolidao, de certa forma, do estudo do continente africano para o ensino

    mais relacionado com questes brasileiras e afro-brasileiras, busca sensibilizar os

    profissionais da rea da educao da necessidade de polticas afirmativas que valorizema cultura negra em geral. No entanto, o estudo sobre a frica no sistema escolar busca

    revalorizar a histria e culturas africanas e afro-brasileiras como forma de construo de

    uma identidade positiva (NUNES PEREIRA, 2008, p.254) do aluno negro, elevando sua

    autoestima. Para tanto os Parmetros Curriculares Nacionais (PCN) orientam para que a

    escola seja uma instncia necessria para realizao de uma cidadania democrtica

    tolerante e inclusiva (BRASIL, 2000).

    H necessidade de introduzir a temtica sobre Historia e Cultura Afro-Brasileira eAfricana no currculo escolar a partir da interdisciplinaridade e transdisciplinaridade

    trabalhando-a, assim, de forma que haja envolvimento da escola como um todo,

    envolvendo tambm a comunidade extraescolar. Miguel & Miorim (2004 apud AZEVEDO

    NETO, 2009, p.2) assim afirmam:

    Segundo os Parmetros de extrema importncia que em situaes deensino sejam consideradas as contribuies significativas de culturas que

    no tiveram hegemonia poltica e, tambm, que seja realizado um trabalhoque busca explicar, entender e conviver com procedimentos, tcnicas ehabilidades matemticas desenvolvidas no entorno sociocultural prprio acertos grupos sociais.

    A Lei 10.639/03 ao abordar sobre a obrigatoriedade do ensino de Histria e Cultura

    Afro-Brasileira e Africana abre espao para que as diversidades culturais oriundas da

    comunidade negra do Brasil sejam includas nas propostas curriculares das instituies de

    ensino das redes pblica e privadas.

    Com a Lei 10.639/03, o artigo 26-A da LDB passa a estabelecer [...]

    particularmente no ensino de Histria do Brasil - o respeito aos valores culturais na

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    Educao e o repdio ao racismo, na medida em que determina o estudo das

    contribuies das diferentes culturas e etnias para a formao do povo Brasileiro.

    (SILVA, 2007, p.41).

    Assim, a instituio das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educao dasRelaes tnico-raciais e para o Ensino de Histria e Cultura Afro-Brasileira e Africana

    definiu as:

    [...] orientaes, princpios e fundamentos para o planejamento, execuoe avaliao da Educao, e tm por meta promover a educao decidados atuantes e conscientes no seio da sociedade multicultural epluritnica do Brasil, buscando relaes tnico-sociais positivas, rumo construo nao democrtica (BRASIL, 2004, p.31).

    Para Gomes (2003 apud VALENTIN e BACKES, 2008, p. 2) necessrio:

    [...] uma maior compreenso do que significa a produo das diferenas.Seria importante debatermos mais e compreendermos que as diferenasfazem parte de um processo social e cultural e que no so, simplesmente,mais um dado da natureza. Pensar a diferena mais do que explicitarque homens e mulheres, negros e brancos, distinguem-se entre si; ,antes, entender que ao longo do processo histrico, as diferenas foramproduzidas e usadas socialmente como critrios de classificao, seleo,

    incluso e excluso.

    Existe a necessidade de uma reviso nos contedos escolares referentes a

    populao negra do Brasil:

    A [...] inteno de transformao da educao brasileira que procura avalorizao da histria e da cultura dos africanos e afrodescendentesbusca eliminar os fatores de excluso das populaes descendentes dosafricanos que se proliferam desde o Brasil colnia. (ROSA, 2006, p.2).

    Logo, incluir no currculo escolar o estudo da Histria e Cultura Afro-Brasileira

    contribuir para uma educao multicultural, dotando o brasileiro, desde o Ensino

    Fundamental, os conhecimentos e a valorizao de suas razes.

    METODOLOGIA

    Este trabalho foi desenvolvido no intuito de analisar, de forma compreensiva e

    aprofundada, a aplicabilidade do ensino da Histria e Cultura Afro-Brasileira no contexto

    escolar, considerando o que estabelece a Lei 10.639/03. Para tanto optamos pela

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    pesquisa documental e bibliogrfica para que pudssemos obter dados relevantes

    aplicabilidade da interveno pedaggica em sala de aula, numa escola da rede municipal

    de Laranjeiras (SE).

    A utilizao de estratgias de ensino na aprendizagem por parte do docenteproporciona ao aluno diferentes ngulos de refletir sobre o mundo em que vive dando-lhe

    oportunidades de concordar, discordar e criticar o que percebe, construindo seu

    conhecimento progressivamente. Pimenta e Anastasiou (2002 apud MAZZIONI 2009, p.7)

    entendem que ao aprender um contedo, apreende tambm determinada forma de

    pens-lo e de elabor-lo, motivo pelo qual cada rea exige formas de ensinar e de

    aprender especficas, que explicite as respectivas lgicas.

    Desenvolver prticas pedaggicas que contemplem a diversidade cultural

    possibilita ao aluno compreender-se enquanto sujeito ativo, com capacidade de

    transformar o seu cotidiano (LIMA,2006, p.31).

    A pesquisa documental e bibliogrfica bem como a proposta de interveno

    pedaggica realizada no so um fim em si, so valiosos instrumentos utilizados no

    desafio permanente dos docentes que buscam estabelecer relaes interpessoais com os

    alunados de modo que o processo de ensino-aprendizagem cumpram os objetivos a que

    se prope.

    O PROJETO HISTRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA NA ESCOLA: Lei

    10.639/03

    O projeto Histria e Cultura Afro-Brasileira na escola: Lei 10.639/03 foi

    desenvolvido numa escola da rede pblica, localizada numa comunidade quilombola no

    municpio de Laranjeiras (SE), com discentes do 3 ano do Ensino Fundamental. A turma

    possua crianas com idade entre 8 e 10 anos.

    Durante o perodo de execuo da oficina, procuramos de incio detectar os

    conhecimentos prvios dos discentes sobre a Histria e Cultura Afro-Brasileira. Partindo

    deste ponto fomos trabalhando aspectos da cultura, histria e, principalmente, a religio

    da comunidade local, estimulando a imaginao e memria das crianas, fazendo com

    que elas pudessem criar figuras e textos a partir do que entenderam e do que j

    conheciam da Histria e Cultura Afro-Brasileira. Utilizamos como recurso atividades

    dinmicas, como o cantarolar, o batucar e danar de musicas da Cultura Afro-Brasileira,pois o aprendizado no se da apenas atravs de atividades escritas.

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    Eu sou bonito e elegante. Eu souafrodescendente.

    Eu moro na Mussuca, emLaranjeiras.Minha famlia grande, bonita eelegante.Meu pai trabalha na fabrica e minhame trabalha em casa.

    Os trabalhos em sala de aula foram iniciados com a realizao de um exerccio de

    oralidade para detectar os conhecimentos prvios das crianas sobre a histria afro-

    brasileira e o respeito cultura da comunidade quilombola onde vivem os discentes.

    Dentre outras fizemos as seguintes indagaes.a) o que vocs conhecem sobre a histria afro-brasileira?

    b) O que vocs sabem sobre a cultura da sua comunidade?

    Os discentes responderam: a) que os escravos vieram de navios, os negros

    apanhavam; b) Aqui um quilombo, tem o Samba de Pareia4.

    Partindo deste ponto de vista iniciamos a realizao de uma atividade na qual os

    alunos elaboraram textos e imagens a partir do seu autorreconhecimento, da famlia e do

    lugar onde moram para avaliar como elas se reconhecem frente a sua etnia, na busca de

    semelhanas entre a famlia dos discentes e as tradies afro-brasileiras. Atravs desta

    atividade tivemos subsdios para dar continuidade ao nosso projeto, pois foi a partir da

    que tivemos um conhecimento maior a respeito do grupo e de cada aluno em particular

    (Figura 1).

    Fig. 1 - Produo de texto e gravuras sobre a identidade do aluno a cerca do tema: Eu, minhafamlia e o lugar onde moro, elaborados pelos estudantes da escola da rede municipal de Laranjeira (SE).

    4Assim como em outros municpios sergipanos, Laranjeiras tambm palco do samba de pareia, a qual

    no se baseia numa trama, por isso no um folguedo. A dana envolve os participantes e osespectadores, atrados pelo som dos versos tirados do cotidiano e do cancioneiro popular, repetidos pelosbrincantes, e do bater dos tamancos (CRUZ, 2005).

    Eu sou bonito e elegante. Eu sou afrodesedente

    Eu moro mussuca Laranjeiramilha famlia grande, bonita eelegantemeu pai trabalha na frabrica e milha

    me trabalha na casa.

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    No segundo dia trabalhamos a histria de como se deu a chegada dos negros ao

    Brasil. Demonstramos como os negros chegaram durante o processo de colonizao

    brasileira para trabalhar como escravo, em substituio a mo de obra indgena, noempreendimento aucareiro que florescia no Brasil. Aqui chegando os negros eram

    vendidos como mercadorias, passando a trabalhar em regime severo, sendo aoitado a

    qualquer falta cometida, indo ao tronco e sendo marcado a ferro. Eram tambm proibidos

    de cultuar suas crenas, costumes e valores em obedincia aos seus donos.

    Em Sergipe os escravos que aqui chegavam iam trabalhar nas fazendas de gado.

    Apesar dos castigos que recebiam os negros sempre buscavam formas de se libertar da

    tirania do senhor de engenho, lutando, fugindo e refugiando-se em quilombos (NUNES,

    2004). Mostramos ento, fotos e fatos de todo o contexto para que as crianas pudessem

    produzir conhecimento (Figura 2).

    Fig. 2 - Produo de gravuras sobre a temtica: A chegada do negro ao Brasil, elaboradas pelosestudantes da escola da rede municipal de Laranjeira (SE).

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    No terceiro dia foi apresentada, aos discentes, a forma de luta do negro contra a

    escravido. Foi dito ento que os negros lutaram muito contra o sistema escravocrata a

    que foram submetidos, atravs de suas lutas e fugas. Ao fugirem, confirmamos que, os

    negros formavam comunidades denominadas quilombolas ou mocambos. No quilombo osnegros plantavam e criavam animais para o prprio sustento e acolhiam os negros que

    fugiam das senzalas. O maior quilombo brasileiro foi o de Palmares, no Estado de

    Alagoas, e tinha como lder Zumbi dos Palmares. Encerrada a explanao da temtica foi

    pedido para que os discentes se reunissem em grupo e elaborassem um jornal com

    noticias relacionadas a temtica trabalhada.

    No quarto dia foram trabalhados aspectos ligados Religio e Cultura Afro-

    Brasileira. Discutimos sobre a chegada dos negros s senzalas brasileiras que

    encontravam um ambiente onde se falava lnguas diferentes, pois os compradores de

    escravos escolhiam negros de diferentes regies do continente africano para que no

    pudessem comunicar-se e organizar rebelies. Diferentes lnguas, culturas e crenas

    misturaram-se e agregada a cultura portuguesa e indgena deram incio a Religio e

    Cultura Afro-Brasileira, hoje existente. Proibidos ento de cultuar suas crenas, os negros

    fingiam estar cultuando a religio do poder dominante, assimilando seus deuses aos

    rituais e imagens do catolicismo, para no sofrer castigos, dando incio ao processo de

    sincretismo religioso presente atualmente no Brasil.

    Demos como exemplo os Ibejis africanos que passaram a ser representados pela

    imagem de Cosme e Damio, e Nan representada por Nossa Senhora Santana, e assim

    foi feito com as demais divindades cultuadas no Brasil. A Cultura Afro-Brasileira

    marcante em comunidades de forte influncia afrodescendentes e representada por

    grupos folclricos como a Chegana, So Gonalo, Samba de Pareia, dentre outros; e

    grupos que pregam devoo a So Benedito e Nossa Senhora do Rosrio etc. Ao fim

    desta etapa foi pedido para que os discentes formassem grupos, produzissem desenhos e

    textos para compor um livro sobre a Cultura Afro-Brasileira, exaltando a cultura da

    comunidade que os discentes pertencem (Figura 3).

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    Fig. 3 Produo de textos e gravuras relacionados Cultura Afro-Brasileira, elaborados pelosestudantes da escola da rede municipal de Laranjeira (SE).

    No quinto dia fez-se necessrio detectar a aceitao dos discentes para com o

    projeto. Assim, pedimos para que eles expressassem em forma de texto e/ou desenhos

    suas opinies acerca do trabalho realizado durante toda a semana. Todas as atividades

    produzidas foram expostas em um painel e apresentadas pelas crianas. Os discentes

    formaram grupos para apresentar msicas e danas folclricas da comunidade como

    dinmica de inter-relacionamento pessoal. Assim os alunados puderam mostrar para ns,

    docentes, a importncia da Cultura Afro-Brasileira desenvolvida por seus familiares

    naquela comunidade.

    Com o projeto as crianas puderam ampliar seu prprio conhecimento imbuindo de

    novos saberes, despertando um sentimento de valorizao e reconhecimento de suas

    identidades. A equipe pedaggica tambm ficou ciente que a sensibilizao para as

    relaes tnico-raciais perpassam o mundo do folclore, sendo estes apenas um respaldo

    no processo, o qual vai mais alm.

    O So Gonalo

    O So Gonalo e muito

    bonito como danso muitobonito ele gosta de dansamuito eu gosto da cantigadeli e ele e muito bonito.

    O So Gonalo

    O So Gonalo e muitobonito.Como eu dano bonito.So Gonalo gosta muitode danar.Eu gosto da cantiga deSo Gonalo, e ele muitobonito.

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    CONSIDERAES FINAIS

    A sano da Lei 10.639/03 constitui um fato importante na histria da legislao

    educacional brasileira, visto que a populao de origem africana no Brasil no se constituiem uma minoria, sendo este um dos maiores segmentos populacional do Brasil.

    Entretanto, a mera sano da referida Lei no assegura que os contedos referentes

    Histria e Cultura Afro-Brasileira e Africana sero tratados de forma significativa junto aos

    discentes. De forma que os jovens possam admirar e reconhecer as suas origens e

    possam ter uma autoimagem positiva, deixando de ter os temas relacionados histria

    afrodescendente trabalhadas em datas comemorativa como o 13 de maio e o 20 de

    novembro. A Lei brasileira que obriga o ensino da Histria e Cultura Afro-Brasileira um

    avano, porm insuficiente, pois no oferece o preparo necessrio aos docentes.

    As dificuldades terico-metodolgicas, o preconceito, a falta de incentivo e o no

    interesse de muitos docentes e de editoras tornam a tarefa de ensinar Histria e Cultura

    Afro-Brasileira algo exclusivamente para poucos interessados, fazendo com que a

    realidade encontrada hoje nas escolas seja distante da ideal.

    Nessa configurao, os profissionais da educao, conscientes de sua funo

    social, precisam visar um ensino voltado para a diversidade e sua aceitao. Assim foi a

    proposta pedaggica Histria e Cultura Afro-Brasileira na Escola: Lei 10.639/03,

    apresentado na turma de uma escola localizada na comunidade quilombola do municpio

    de Laranjeiras (SE).

    Foi possvel perceber durante todo o trabalho, tanto na investigao quanto na

    interveno pedaggica, que para muitos envolvidos nos processos educativos, o assunto

    envolve aspectos muitos complexos e a aceitao de tais contedos em sala de aula

    pode ser conturbado pela no aceitao do discente em discutir assuntos relacionados a

    sua etnia. No entanto a prtica nos mostrou que os saberes em torno da Cultura Afro-

    Brasileira esto impregnados nos discentes, bastando um estmulo para que o assunto

    seja trabalhado facilmente, ampliando o repertrio cultural do aluno a partir da experincia

    com o outro na transmisso de valores de um patrimnio para novas geraes.

    Assim, inferimos que a Lei est a, mas a sua aplicabilidade, na busca de

    valorizao da cultura afrodescendente, depende da cada envolvido no processo

    educativo. Do rompimento em levar a Histria e Cultura Afro-Brasileira e Africana ao

    cotidiano escolar rompendo com esteretipos criados frente populao negra.

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    REFERNCIAS

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