36
A UNIVERSALIDADE DO FENÔMENO JURÍDICO I - DIREITO: ORIGEM, SIGNIFICADOS E FUNÇÕES: A Introdução ao Estudo do Direito pressupõe o conhecimento de algumas noções preliminares, a partir do próprio entendimento da palavra Direito. Diversas origens tem sido propostas para o vocábulo Direito”. Em latim – idioma que deu origem ao português - havia dois vocábulos, de formas e sentidos diferentes derectum” e jus”. O nosso vocábulo equivale, pela forma , ao latim derectum, mas, pelo sentido , ao latim jus. Derectum” é um adjetivo cujo sentido é “conforme a linha reta”, “perfeitamente reto”, “reto de cima a baixo”. Jus” é o “ordenado”, o “sagrado”, o “consagrado”. Justo é o que está em harmonia com o “jus”. E, “Justitia” é a vontade constante e perpétua de dar a cada um, o que é seu. A palavra Direito, em português, guardou, tanto o sentido do jus como aquilo que é consagrado pela Justiça (em termos de virtude moral), quanto o de derectum como um exame de retidão da balança, por meio do ato da Justiça (em termos do aparelho judicial). Isso pode ser observado pelo fato de que hoje se utiliza o termo tanto para significar o ordenamento vigente – “o direito brasileiro, o direito civil brasileiro” -, como também a possibilidade concedida pelo ordenamento, de agir e fazer valer uma situação – “direito de alguém” -, não podendo-se esquecer ainda o uso moral da expressão, quando se diz “eu tinha direito à defesa, mas a lei não me concedeu”. Os juristas sempre cuidam de compreender o direito como um fenômeno universal. Nesse sentido, são inúmeras as definições que postulam esse alcance, que ora designa o objeto do estudo, ora é o nome da ciência (p.ex.: a “Ciência do Direitoestuda o direito), ora o conjunto de normas, ou das instituições (p. ex.: o direito brasileiro prescreve 1

História e Introdução Ao Estudo Do Direito (Hied)

Embed Size (px)

DESCRIPTION

A UNIVERSALIDADE DO FENÔMENO JURÍDICO

Citation preview

Page 1: História e Introdução Ao Estudo Do Direito (Hied)

A UNIVERSALIDADE DO FENÔMENO JURÍDICO

I - DIREITO: ORIGEM, SIGNIFICADOS E FUNÇÕES: A Introdução ao Estudo do Direito pressupõe o conhecimento de

algumas noções preliminares, a partir do próprio entendimento da palavra Direito.

Diversas origens tem sido propostas para o vocábulo “Direito”. Em latim – idioma que deu origem ao português - havia dois vocábulos, de formas e sentidos diferentes “derectum” e “jus”. O nosso vocábulo equivale, pela forma, ao latim derectum, mas, pelo sentido, ao latim jus.

“Derectum” é um adjetivo cujo sentido é “conforme a linha reta”, “perfeitamente reto”, “reto de cima a baixo”. “Jus” é o “ordenado”, o “sagrado”, o “consagrado”. Justo é o que está em harmonia com o “jus”. E, “Justitia” é a vontade constante e perpétua de dar a cada um, o que é seu.

A palavra Direito, em português, guardou, tanto o sentido do jus como aquilo que é consagrado pela Justiça (em termos de virtude moral), quanto o de derectum como um exame de retidão da balança, por meio do ato da Justiça (em termos do aparelho judicial).

Isso pode ser observado pelo fato de que hoje se utiliza o termo tanto para significar o ordenamento vigente – “o direito brasileiro, o direito civil brasileiro” -, como também a possibilidade concedida pelo ordenamento, de agir e fazer valer uma situação – “direito de alguém” -, não podendo-se esquecer ainda o uso moral da expressão, quando se diz “eu tinha direito à defesa, mas a lei não me concedeu”.

Os juristas sempre cuidam de compreender o direito como um fenômeno universal. Nesse sentido, são inúmeras as definições que postulam esse alcance, que ora designa o objeto do estudo, ora é o nome da ciência (p.ex.: a “Ciência do Direito” estuda o “direito”), ora o conjunto de normas, ou das instituições (p. ex.: o direito brasileiro prescreve pena para o crime de morte, o direito não deve mais admitir a pena de banimento) – direito objetivo -, ora é direito no sentido subjetivo (meu direito foi violado).

Em geral, o que se observa é que grande parte das definições do direito, isto é, do fenômeno jurídico em sua essência, ou são demasiado genéricas e abstratas, p. ex.: “direito é a intenção firme e constante de dar a cada um o que é seu, não lesar os outros, realizar justiça”, ou são muito circunstanciadas, o que faz que percam sua pretendida universalidade, p. ex.: “direito é o conjunto de regras dotadas de coatividade e emanadas do poder constituído”.

No Direito romano , “jus” ou direito é o complexo das normas obrigatórias de condutas impostas pelo Estado para assegurar a convivência dos agrupamentos humanos.

Para os romanos, o direito pode ser entendido como “norma agendi” (direito objetivo) e “facultas agendi” (direito subjetivo). O Direito objetivo (norma agendi) é o direito “posto”, a lei, a norma jurídica.

1

Page 2: História e Introdução Ao Estudo Do Direito (Hied)

Direito subjetivo (ou facultas agendi) é a possibilidade que tem o sujeito de ir a juízo perante o pretor, e exigir que sua pretensão seja aceita. É a faculdade de invocar a lei, para obter uma prestação a que julga ter direito.

É patente a distinção romana entre o Direito e a Religião. O “jus” é do domínio dos homens, é aquilo que o Estado, permite que se faça, de acordo com a “norma agendi” (direito objetivo); ao passo que o “Fas” é do domínio de Deus, é aquilo que a Religião permite que se faça. O “Jus Humanum” não se confunde com o “jus divinum”.

Direito público é o que se refere ao Estado Romano e Direito privado é o que refere ao interesse dos particulares

II - ENFOQUE ZETÉTICO E DOGMÁTICO:A Ciência do Direito evolui de modo diferente das demais ciências,

pois não há uma história da ciência jurídica separada da história do próprio direito.

A expressão Ciência do Direito é empregada em duas acepções: a primeira, em sentido amplo, para designar a totalidade dos estudos desenvolvidos sobre o Direito; em outra, restrita, para designar uma visão limitada, fenomênica, interpretativa da norma jurídica, sem cogitar a respeito da conveniência social da norma. Na última acepção, é empregada como equivalente a Dogmática Jurídica.

É importante que se fixe, numa Introdução ao Estudo do Direito, qual o enfoque teórico a ser adotado. Isso porque o direito pode ser objeto de teorias básicas e intencionalmente informativas, mas também de teorias ostensivamente diretivas.

Assim, o direito, como objeto, pode ser estudado de diferentes ângulos. Para esclarecê-los, vamos distinguir, genericamente, entre um enfoque zetético e um dogmático.

Para entender isso, vamos admitir que toda investigação científica esteja sempre às voltas com perguntas e respostas, problemas que pedem soluções e, soluções já dadas que se aplicam à elucidação do problema.

Apenas a título de esclarecimento, tomemos como exemplo a seguinte “anedota histórica”: Sócrates estava sentado à porta de sua casa. Nesse momento, passa um homem correndo e atrás dele vem um grupo de soldados. Um dos soldados então grita: “agarre esse sujeito, ele é um ladrão!” Ao que responde Sócrates: “que você entende por ladrão?”

Notam-se aqui dois enfoques: o do soldado que parte da premissa de que o significado de ladrão é uma questão já definida, uma “solução” já dada, sendo seu problema agarrá-lo; e o de Sócrates, para quem a premissa é duvidosa e merece um questionamento prévio.

Os dois enfoques estão relacionados, mas as conseqüências são diferentes. Um, ao partir de uma solução já dada e pressuposta, está preocupado com um problema de ação, de como agir. Outro, ao partir de uma interrogação, está preocupado com um problema especulativo, de questionamento global e progressivamente infinito das premissas.

2

Page 3: História e Introdução Ao Estudo Do Direito (Hied)

Temos, portanto, duas possibilidades de proceder a investigação de um problema: ou acentuando o aspecto pergunta, ou acentuando o aspecto resposta. Se o aspecto pergunta é acentuado, os conceitos básicos, as premissas, os princípios ficam abertos à dúvida. No segundo aspecto, ao contrário, determinados elementos são, de antemão, subtraídos à dúvida, predominando o lado resposta.

No primeiro caso, temos um enfoque zetético, no segundo, um enfoque dogmático.

Zetética (do grego zetetiké = a arte de procurar; zetein = indagar, perquirir) é o método de investigação que consiste no incentivo à busca incessante de novos conhecimentos, com base em um ceticismo radical.

Dogmática (do grego dógma, dokein = doutrinar,ensinar) é um método de investigação que consiste na explicação de fenômenos com base em pontos fundamentais e indiscutíveis de uma doutrina ou sistema.

Embora entre ambas não haja uma linha divisória radical (toda investigação acentua mais um enfoque que outro, mas sempre tem os dois), sua diferença é importante.

O enfoque zetético visa saber o que é uma coisa, um objeto, colocando em dúvida as opiniões, inclusive as premissas da investigação, ou seja, tem caráter nitidamente especulativo; o enfoque dogmático releva o ato de opinar e ressalvar algumas de suas opiniões, tendo caráter diretivo, explícito; parte de premissas inatacáveis.

O primeiro é mais aberto, e as questões zetéticas, infinitas; o segundo é mais fechado, e as questões dogmáticas, finitas. O enfoque zetético visa saber o que é uma coisa. Já o enfoque dogmático preocupa-se em possibilitar uma decisão e orientar a ação.

No estudo do fenômeno jurídico emprega-se tanto o enfoque zetético, quanto o dogmático, conforme a ciência que o tome por objeto: algumas delas empregam o primeiro método, outras, o segundo.

III - ZETÉTICA JURÍDICA:O campo das investigações zetéticas do fenômeno jurídico é

bastante amplo.Algumas das disciplinas que tem por objeto o estudo do fenômeno

jurídico e empregam o método zetético são aquelas que investigam o Direito no âmbito de disciplinas gerais, tais como a Sociologia, a Filosofia, a História e a Psicologia, campos do conhecimento que têm, cada qual, como subdivisão, espaços destinados à investigação jurídica. Trata-se, respectivamente, da Sociologia Jurídica, da Filosofia do Direito, da História do Direito e da Psicologia Forense.

Como, em toda investigação zetética, alguns pressupostos admitidos como verdadeiros passam a orientar os quadros da pesquisa, é possível distinguir limites zetético. Assim, uma investigação pode ser realizada no nível empírico, isto é, nos limites da experiência, a chamada zetética jurídica empírica; ou de modo que ultrapasse esses limites, chegando ao nível da lógica ou da metafísica, a chamada zetética jurídica analítica.

3

Page 4: História e Introdução Ao Estudo Do Direito (Hied)

Além disso, a investigação pode ter um sentido puramente especulativo, ou pode produzir resultados que venham a ser tomados como base para uma eventual aplicação técnica à realidade. Tendo em vista a aplicação técnica dos resultados da investigação, falamos em zetética pura e aplicada.

O direito, como objeto, comporta todas essas investigações. Assim, podemos dizer, que sua investigação zetética admite a seguinte classificação: I – Quanto aos limites da investigação, a zetética jurídica é classificada em zetética empírica e zetética analítica.

II - Zetética jurídica empírica é aquela realizada dentro dos limites da experiência. Ex.: investigação sobre a Constituição de um país com vistas à sua realidade social, política e econômica.

III – Zetética jurídica analítica é aquela realizada de modo a ultrapassar os limites da experiência, chegando ao nível formal da lógica ou da metafísica. Ex.: investigação sobre a Constituição de um país com vistas a determinar seus pressupostos lógicos, ou a avaliar seu papel como norma fundamental naquele ordenamento jurídico.

IV – Quanto a aplicação técnica dos resultados da investigação, a zetética jurídica empírica é classificada em zetética jurídica empírica pura e zetética jurídica empírica aplicada.

V – Zetética jurídica empírica pura é aquela realizada com finalidade meramente especulativa, desvinculada de qualquer aplicação. Utilizam esse método a Sociologia Jurídica, a Psicologia Jurídica e a Economia Política, dentre outras disciplinas.

VI – Zetética jurídica empírica aplicada é aquela realizada com o sentido de conhecer determinado objeto com a finalidade de mostrar como atua. Ex.: estudo das Constituições com o objetivo de aplicar técnicas de solução jurídica de conflitos intersubjetivos. Utilizam esse método a Psicologia Forense, a Medicina Legal e a Criminologia, dentre outras disciplinas.

VII – Quanto à aplicação técnica dos resultados da investigação também a zetética jurídica analítica é classificada em zetética jurídica analítica pura e zetética jurídica analítica aplicada.

VIII – Zetética jurídica analítica pura é o estudo dos pressupostos últimos do fenômeno jurídico, incluindo a crítica dos fundamentos formais e materiais do objeto estudado. Utilizam esse método, dentre outras disciplinas, a Filosofia do Direito, a Lógica Formal das normas e a Metodologia Jurídica.

IX – Zetética jurídica analítica aplicada é o estudo da instrumentalidade do pressupostos últimos do fenômeno jurídico, ou seja, de seu funcionamento e aplicação à realidade. Utilizam esse método, dentre outras disciplinas, a Teoria Geral do Direito e a Lógica do Raciocínio Jurídico.

A zetética jurídica, nas mais diferentes discriminações, corresponde, como vimos, às disciplinas que, tendo por objeto não apenas o direito, podem, entretanto, tomá-lo como um de seus objetos precípuos. Daí a nomenclatura das disciplinas como Filosofia do Direito, Lógica Jurídica. Sociologia do Direito, História do Direito, etc.

4

Page 5: História e Introdução Ao Estudo Do Direito (Hied)

O jurista, em geral, ocupa-se complementarmente delas. Elas são tidas como auxiliares da ciência jurídica stricto sensu. Esta nos últimos 150 anos, tem se configurado como um saber dogmático. É óbvio que o estudo do direito pelo jurista não se reduz a esse saber. Assim, embora ele seja um especialista em questões dogmáticas, é também, em certa medida, um especialista nas zetéticas.

IV - DOGMÁTICA JURÍDICA:São disciplinas dogmáticas, no estudo do direito, a ciência do

Direito Civil, Comercial, Constitucional, Processual, Penal, Tributário, Administrativo, Internacional, Econômico, do Trabalho, etc.

Uma disciplina pode ser definida como dogmática à medida que considera certas premissas, em si e por si arbitrárias (isto é, resultante de uma decisão), como vinculantes para o estudo, renunciando-se, assim, ao postulado da pesquisa independente.

Ao contrário das disciplinas zetéticas, cujas questões são infinitas, as dogmáticas tratam de questões finitas. Por isso podemos dizer que elas são regidas pelo que chamaremos de princípio da proibição da negação, isto é, princípio da não-negação dos pontos de partida.

Um exemplo de premissa desse gênero, no direito contemporâneo, é o princípio da legalidade, inscrito na Constituição, e que obriga o jurista a pensar os problemas comportamentais com base na lei, conforme à lei, para além da lei, mas nunca contra a lei.

É verdade que o jurista teórico, por outro lado, não pode desprezar as investigações a respeito de qual é o direito efetivo de uma comunidade, quais os fatores sociais que condicionam sua formação, qual sua eficácia social, etc. Ou seja, ele vale-se também da pesquisa zetética. Apesar disso, porém, em sua perspectiva prepondera o aspecto dogmático.

Essa limitação teórica pode comportar posicionamentos cognitivos diversos que podem conduzir, por vezes, a exageros, havendo quem faça do estudo do direito um conhecimento demasiado restritivo, legalista, cego para a realidade, formalmente adverso à própria existência do fenômeno jurídico como um fenômeno social.

Pode levar-nos ainda a crer que uma disciplina dogmática constitui uma espécie de prisão para o espírito, o que se deduz do uso comum da expressão dogmático, no sentido de intransigente, formalista, obstinado, que só vê o que as normas prescrevem.

É preciso reconhecer que, nos dias atuais, quando se fala em Ciência do Direito, no sentido do estudo que se processa nas Faculdades de Direito, há uma tendência em identificá-la com um tipo de produção técnica, destinada apenas a atender às necessidades do profissional (o juiz, o advogado, o promotor) no desempenho imediato de suas funções. Na verdade, nos últimos 100 anos, o jurista teórico, por sua formação universitária, foi sendo conduzido a esse tipo de especialização, fechada e formalista.

Essa especialização, embora indesejável porque demasiado restritiva, tem sua explicação. Afinal, não podemos esquecer que o estudo

5

Page 6: História e Introdução Ao Estudo Do Direito (Hied)

dogmático do direito está ligado a uma dupla abstração. Ou seja, como não existe sociedade sem dogmas, pois, sem pontos fixos de referência, a comunicação social (interação humana) é impossível, toda comunidade elabora suas normas.

Todavia, as normas só não bastam. É preciso saber dizer não só qual é a norma, mas também o que ela significa.

Ora, as normas (ou dogmas de ação) são elas próprias um produto abstrato e as regras sociais de interpretação (dogmas que dizem como devem ser entendidas as normas) são também um produto abstrato. Temos, pois, um produto abstrato, as regras, que tem por objeto outro produto abstrato, as normas. Daí a dupla abstração, que pode levar ao risco de distanciamento progressivo da própria realidade social.

Sintetizando, o enfoque metodológico predominante na atividade profissional do cultor do Direito é o enfoque dogmático, por diversas razões;

I – A Ciência do Direito é estudada, nas Faculdades, como uma produção técnica, formalista, destinada a atender às necessidades práticas do desempenho das diversas funções profissionais, tais como a do advogado, a do promotor, a do juiz;

II - Inexiste sociedade sem dogmas, e seria impossível a organização social se a qualquer instante os dogmas fossem questionados, sem que se fixassem aqueles que devem regular o comportamento de determinado grupo;

III – O enfoque zetético, embora de grande importância para a compreensão do fenômeno jurídico, reveste-se de elevado grau de abstração teórica, ao qual bem menos cultores do Direito se dedicam, dado que o mundo moderno privilegia o aspecto prático das questões jurídicas.

O enfoque moderno da disciplina Introdução ao Estudo do Direito orienta-se por uma análise crítica da Ciência do Direito. Privilegia-se, por certo, o enfoque dogmático, isto é, o estudo de cada ramo do Direito, porém efetuado por meio de uma reflexão zetética, a qual permite entender de que modo a dogmática jurídica cria, conhece, interpreta, altera e aplica o Direito, além de mostrar-lhe as limitações.

AS FONTES DO DIREITO:

I – Conceito de Fonte do Direito:De forma figurativa, o termo “fonte” designa a origem, a procedência de

alguma coisa.A fonte é reveladora do que estava oculto, daquilo que ainda não havia

surgido, uma vez que é exatamente o ponto de passagem do oculto ao visível.Portanto, “fonte do direito” é o local de origem do Direito; é, na verdade,

já o próprio Direito, mas saído do oculto e revelado ao mundo.O problema das fontes do direito confunde-se com a questão do objeto da

Ciência do Direito. E, inclusive, percebem-se nas várias posições doutrinárias, as correntes

científicas às quais os estudiosos se filiam.6

Page 7: História e Introdução Ao Estudo Do Direito (Hied)

I – Uns vão dizer que fonte do direito é a realidade social ou o Estado – estão vinculados às correntes empiristas e particularmente positivistas;

II – Outros dirão que fonte do direito são valores sociais e humanos e a justiça – estão vinculados à corrente racionalista e, em especial, idealista.Na doutrina que trata do assunto percebe-se a influência do pensamento

dogmático, pois colocam o problema da fonte como um dado a ser observado pelo estudioso, inclusive apresentando conceitos e classificações, as quais vão variar de autor para autor.

II – Fontes Estatais e Não-Estatais:O Direito Positivo – as normas jurídicas escritas – fruto de ato do Estado,

é um marco divisório importante. É nele que a dogmática jurídica e a hermenêutica contemporâneas têm sua base de investigação.

Daí decorre uma classificação possível, a que divide as fontes em Estatal e Não-Estatal:

I – Como fontes estatais temos: as Leis e a Jurisprudência.II – Como fontes Não-Estatais: o Costume jurídico e a Doutrina.

Atualmente, é necessário inserir como fonte – classificada como Estatais – os Princípios, especialmente aqueles existentes no plano constitucional.

III – AS FONTES ESTATAIS: a) A LEGISLAÇÃO:

Legislação é o conjunto das normas jurídicas emanadas do Estado, através de seus vários órgãos, dentre os quais realça-se, com relevo, o Poder Legislativo.Como “legislação” é um conceito que advém do vocábulo “lei”, muitas

vezes tais expressões são tomadas como sinônimos, definindo-se, então, Legislação como um conjunto de leis.

A lei jurídica aponta para alguns sentidos, que são análogos. A lei é tanto a norma constitucional quanto uma lei ordinária, por exemplo, o Código Civil, ou até uma cláusula contratual, que se diz “lei entre as partes”.

A terminologia adequada a ser utilizada é a que dispõe o gênero como norma jurídica e as espécies como norma jurídica escrita e norma jurídica não-escrita.

NORMA JURÍDICA: 1) Escrita: Constituição Federal, Leis complementares, Leis ordinárias, Medidas provisórias, Leis delegadas, Decretos legislativos, Resoluções, Decretos regulamentares, Outras normas, tais como portarias, circulares, ordens de serviço, etc.2) Não-escrita: costume jurídico.A classificação supra é apresentada aqui apenas na órbita federal, com

fins didáticos. Há classificações em nível estadual e em nível municipal, que são análogas à descrita acima.

7

Page 8: História e Introdução Ao Estudo Do Direito (Hied)

Vejamos agora cada uma dessas espécies de normas jurídicas escritas.Primeiramente, a legislação – o conjunto das normas jurídicas escritas –

é, conhecida como “ordenamento jurídico”.Esse ordenamento jurídico, é um conjunto enorme de normas e

princípios jurídicos legislados. São, na verdade, milhares de normas, desde as constitucionais até as portarias.

Elas apontam para uma complexidade, porque comportam todas as matérias com as quais lida o Direito, todas as esferas de abrangência relativa às esferas do Poder Público de que emanam (Poder Público Federal, Estadual, Municipal, Autarquias, Repartições, etc.) e aos destinatários (todos os cidadãos, só os empregados, só os empregados bancários, só os funcionários públicos federais, etc.).

Em relação ao tempo de vigência, o ordenamento jurídico comporta desde normas editadas no séc. XIX, como o Código Comercial Brasileiro, que é de 1850, até aquelas editadas hoje (O Código Civil de 2002 revogou a Parte Primeira do Código Comercial, que continua vigendo a partir do art. 457).

Por isso, o pensamento jurídico dogmático constrói fórmulas e modelos, capazes de lidar com essa complexidade, visando à sua compreensão e, claro, a sua aplicação.

Na questão do ordenamento jurídico, um critério importante para seu entendimento, é o relacionado a sua estrutura.

A estrutura do ordenamento jurídico organizado é hierárquica. Por hierarquia legal, entende-se que uma normas são superiores a outras, isto é, algumas normas para serem válidas têm de respeitar o conteúdo, formal e material, da norma jurídica superior.

Assim, por exemplo, se diz que uma lei ordinária é inconstitucional, quando contraria a Constituição; que um decreto regulamentar é ilegal, quando contraria a lei que lhe é superior.

Essa estrutura hierárquica, através da qual as normas jurídicas legisladas se inter-relacionam, umas se sobrepondo a outras, faz nascer aquilo que se chama “Estrutura Piramidal”.

No ápice do sistema piramidal está a Constituição Federal. Note-se que as normas e princípios constitucionais estão no topo do sistema, porém dentro dele e não fora. Dessa maneira, elas constituem o ponto de partida do ordenamento jurídico inteiro.

A Constituição espalha no sistema toda a sua influência. É o chamado princípio da constitucionalidade, que obriga a que todas as outras normas de hierarquia inferior estejam conforme seus fundamentos, sob pena de se tornarem inconstitucionais e deixarem de pertencer ao ordenamento jurídico.

A seguir, na hierarquia do sistema jurídico estão as leis complementares, as leis ordinárias, as leis delegadas, os decretos legislativos, resoluções e as medidas provisórias, todos no mesmo patamar hierárquico.

Até a edição da Carta Magna atual, a lei complementar tinha prevalência hierárquica sobre a lei ordinária. Com a edição da Constituição Federal de 1988, inaugurou-se um novo modelo lógico-jurídico, no qual as leis

8

Page 9: História e Introdução Ao Estudo Do Direito (Hied)

complementares deixaram de ter prevalência hierárquica sobre as leis ordinárias.

Ou seja, não existe mais hierarquia entre lei complementar e lei ordinária , isto é, a lei complementar não determina as condições de validade da lei ordinária.

É verdade que o legislador constitucional deu mais “peso” normativo à lei complementar, reservando para ela temas legislativos de relevo. No entanto, isso não significa que a lei complementar esteja situada em patamar mais elevado no sistema.

As leis complementares têm como função tratar de certas matérias que a Constituição entende devam ser reguladas por normas, cuja aprovação exige controle mais rígido dos parlamentares.

Por isso, o quorum legislativo exigido para sua aprovação é especial: é o da maioria absoluta (CF, art. 69: “As leis complementares serão aprovadas por maioria absoluta”).

E as matérias para as quais é feita essa exigência de votação aparecem taxativamente no texto constitucional. Por exemplo: o art. 93, que trata do Estatuto da Magistratura; o art. 131 que disciplina a Advocacia Geral da União; o art. 192, que cuida do Sistema Financeiro Nacional, etc.

Portanto, o que diferencia a lei complementar da ordinária, é a matéria específica e o quorum qualificado de aprovação para as leis complementares e não a hierarquia, que, repita-se, não existe entre elas.

As leis complementares estão elencadas taxativamente na Carta Magna, que determina, que elas tratem de certas matérias importantes, tais como: o Estatuto da Magistratura, dentre outras.

A seguir vêm as leis ordinárias. São elas fruto da atividade típica e regular do Poder Legislativo. Como exemplos de lei ordinária temos: o Código Civil, o Código de Processo Civil, o Código Penal, o Código de Defesa do Consumidor, a Lei do Inquilinato, a Lei de Falências, a Lei das Sociedades Anônimas, etc.

A norma advinda do Tratado ou Convenção Internacional, uma vez internalizada, ocupa posição hierárquica de lei ordinária.

Ao lado das leis ordinárias, no mesmo patamar hierárquico e na esfera federal, estão as leis delegadas.

Leis delegadas são aquelas que, estando no mesmo plano da lei ordinária , são elaborada e editada pelo Presidente da República, que deverá solicitar a delegação ao Congresso (arts 59, IV, e 68 da CF).

Os decretos legislativos (art. 59, IV, da CF), são normas aprovadas por maioria simples pelo Congresso sobre matéria de sua exclusiva competência, como ratificação de tratados, convenções internacionais e convênios interestaduais, julgamento de contas do Presidente da República, etc.

Todavia, tal ato, embora se situe no nível da lei ordinária, não é remetido ao presidente da República para ser sancionado, sendo, portanto, promulgado pelo presidente do Senado Federal, que o manda publicar.

Já as resoluções (art. 59, VII, da CF) são deliberações que tem força de lei ordinária, por advir de uma das Câmaras do Poder Legislativo ou do próprio

9

Page 10: História e Introdução Ao Estudo Do Direito (Hied)

Congresso Nacional sobre assuntos do seu peculiar interesse, como questões concernentes à licença ou perda de cargo por Deputado ou Senador, à fixação de subsídios, etc. É aprovada por maioria absoluta de seus membros e não tem sanção, sendo promulgada pela mesa do Senado, que ordena sua publicação.

E ainda, no mesmo patamar estão as medidas provisórias, norma de iniciativa privada do Presidente da República (cf. art. 84, XXVI e art. 62 da CF)), que pode ser editada em caso de relevância ou urgência, tendo força de lei a partir de sua edição.

Existe um número exagerado de medidas provisórias editadas. São mais de 2.240 medidas provisórias baixadas desde o implemento da Constituição Federal de 1988.

A emenda constitucional n°32, de 11/09/2001, alterou a redação de uma série de artigos da Constituição Federal ligados à medida provisória.

Com a mudança introduzida pela Emenda Constitucional n° 32, não só se limitou a edição de medidas provisórias a certas matérias (§1° do art. 62), como elas perderão eficácia se não forem convertidas em lei no prazo de 60 dias (§ 3° do art. 62), prorrogável por uma única vez, por igual período (§ 7° do art. 62).

Quanto às medidas provisórias editadas anteriormente à data da Emenda n° 32, elas permanecem vigendo até deliberação definitiva do Congresso ou revogação explícita por outra medida provisória (cf. art. 2° da referida emenda constitucional).

Continuando no plano hierárquico do sistema jurídico, temos, a seguir, o decreto regulamentar. É ato do Poder Executivo e deve ser baixado para regulamentar norma de hierarquia superior, como, por exemplo, a lei ordinária.

Adstrito ao princípio da legalidade, o decreto regulamentar deve apenas detalhar certas formas ou fórmulas, bem como apontar e normatizar caminhos para o fiel cumprimento da lei que ele visa regulamentar, facilitando sua execução e aplicação.

Não pode, portanto, ampliar nem restringir o conteúdo normativo da lei cuja regulamentação lhe cabe.

Nada impede, é claro, que a própria lei venha posta de tal forma que independa de regulamentação posterior, como muitas vezes ocorre.

E por fim, na escala hierárquica do sistema jurídico temos as normas inferiores. Assim, as baixadas por órgãos da Administração Pública, como as portarias dos Ministérios, as circulares do Banco Central, os despachos dos vários órgãos, etc.

Todas elas, seguindo os mesmos princípios já estipulados, estão submetidas aos conteúdos normativos das leis e da Constituição Federal.

Não podem seus próprios conteúdos normativos contrariar aquelas normas de hierarquia superior, bem como não podem ampliar ou restringir o que já foi prescrito, sob pena de ilegalidade e inconstitucionalidade.

b) A JURISPRUDÊNCIA:Conceito :

10

Page 11: História e Introdução Ao Estudo Do Direito (Hied)

Define-se Jurisprudência como o conjunto das decisões dos Tribunais a respeito do mesmo assunto. Alguns especificam “Conjunto das decisões uniformes dos Tribunais” e outros falam apenas em “Conjunto de decisões”, sem referência à uniformidade.

Em termos práticos, os advogados ou procuradores, por exemplo, costumam nas suas petições citar casos individuais e isolados, colocando-os como argumentos a seu favor, dizendo que esses casos – apesar de isolados – são “jurisprudência”.

Ainda que se tenha um precedente em caso isolado, firmado e solidificado por decisões uniformes, é bom que se consigne que em nosso sistema os Juizes inferiores não estão vinculados às decisões dos Tribunais superiores.

No sistema jurídico brasileiro, há ampla liberdade por parte dos Juízes, que devem decidir de acordo com as circunstâncias do caso e com sua consciência, podendo fazê-lo de maneira diferente de todo o restante da Jurisprudência.

Porém, como o sistema permite recurso das decisões para os Tribunais – o chamado duplo grau de jurisdição – e até obriga o recurso em alguns casos, como, por exemplo, sentenças proferidas contra o Estado ou sentença que anule o casamento, a decisão de primeira instância pode ser revista.

Assim, há sempre a possibilidade de o caso ser julgado novamente no Tribunal superior, o que faz com que, na prática, as decisões dos Tribunais superiores acabem tendo império mais relevante que a dos Juízos inferiores.

A Jurisprudência se constrói caso a caso, diuturnamente, de tal forma que parte da doutrina fala em “costume judiciário”, uma vez que sua elaboração é similar à do costume – prática reiterada, caso a caso, constantemente.

Contudo, não se pode dizer que a Jurisprudência é espécie de costume, pois ela é resultado do trabalho de interpretação dos juízes, no julgamento de conflitos instaurados com base em normas jurídicas, centro os quais se encontra o próprio costume jurídico.

A Jurisprudência é formada por casos em que se decidiu sobre qual a maneira adequada de cumprir a norma jurídica (a partir do conflito, portanto).

Um dos bons fatores de estabilidade social e, a que tem direito todo cidadão, é o da segurança jurídica. Não basta que a sociedade tenha uma Constituição. É preciso que esta seja respeitada por todos: governantes e governados.

Assim, o Poder Judiciário ganha importância vital no estabelecimento da segurança jurídica, que é um dos pilares do edifício jurídico do Estado de Direito.

Os cidadãos necessitam saber como as leis serão aplicadas para poderem planejar suas vidas; todas as pessoas na sociedade têm o direito de saber com certeza o que podem e o que não podem fazer.

É o Poder Judiciário que, em última análise, diz como as normas jurídicas devem ser aplicadas (quando há dúvidas, claro).

A sociedade conta, portanto com as decisões fixadas na Jurisprudência para poder respirar a liberdade assegurada pelo Direito e vivenciada na segurança jurídica.

11

Page 12: História e Introdução Ao Estudo Do Direito (Hied)

É certo que até que os Tribunais decidam, uniformemente, a respeito dos casos duvidosos, essa segurança não vem.

Nesse sentido, os Tribunais brasileiros têm dado sua colaboração ao estabelecer Súmulas, como resultado da uniformização da Jurisprudência praticada por suas Turmas ou Câmaras.

A uniformização da Jurisprudência, prevista nos arts. 476 a 479 do Código de Processo Civil, tem como função estabelecer um pensamento uniforme da interpretação do Tribunal a respeito de um mesmo assunto.

A lei, inclusive, pretende que a uniformização seja buscada quando houver decisões divergentes quanto ao mesmo assunto. A função é, repita-se, estabelecer a segurança jurídica.

Porém, mesmo após estabelecida a uniformização pelo Tribunal e estando a matéria sumulada, indicando a interpretação majoritária dos julgadores superiores, ainda assim, podem os Juízes inferiores agir livremente, decidindo até mesmo em sentido contrário ao que fora uniformizado.

É certo que há influência psicológica e, claro, dogmática, atuando em duas frentes sobre os Juízes inferiores:

a) A uniformização pretendida pelo sistema jurídico brasileiro quer influir psicologicamente nas decisões posteriores, no sentido de obter adesão ao que fora firmado, pois, se assim não fosse, não preveria a possibilidade de uniformização; isso faz com que nos primeiros momentos, logo após a fixação da orientação majoritária, as próximas decisões, via de regra, não contrariem o que foi fixado;

b) Para um Juiz inferior, pouco pode adiantar decidir contra a uniformização, pois em grau de recurso, sua decisão será reformada.

Certa Súmula de um Tribunal pode ser alterada, tendo em vista uma série de fatores. Naturalmente, o primeiro deles é uma mudança na norma jurídica que fora interpretada.

Mas mesmo que não se altere a norma, ainda assim há possibilidade de mudanças com o passar do tempo, pois as circunstâncias de fato que envolvem a norma jurídica podem alterar-se, ou ser descoberto novos argumentos de interpretação.

Outro fator que pode determinar mudanças é a composição do Tribunal que fixou a Súmula. Como os Juízes são substituídos por promoção, aposentadoria ou morte, ingressando um novo Juiz, o pensamento majoritário pode alterar-se.

Essa possibilidade, contudo, antes de exprimir insegurança, representa o exercício da liberdade dos homens que compõem o Poder Judiciário. A estabilidade não fica abalada, pois mudanças desse tipo, quando ocorrem, só surgem lentamente e após muito estudo, discussão e reflexão.

É preciso consignar que as Súmulas têm, de fato, grande poder de influência, não só no pensamento dos julgadores como também nos dos Procuradores de Justiça (Promotores), Advogados etc.

Além disso, o advogado, quando toma uma direção para agir ou quando dá orientação ao cliente de como fazê-lo, guia-se, em parte, por aquilo que está fixado na Jurisprudência e, evidentemente, pelo que está sumulado.

12

Page 13: História e Introdução Ao Estudo Do Direito (Hied)

A própria Faculdade de Direito faz o mesmo, incorporando em seus temas o pensamento jurisprudencial e aceitando-o no pensamento jurídico dogmático, como guia.

Para se medir a dimensão da importância e a riqueza do conteúdo do Direito sumulado, veja-se que o Supremo Tribunal Federal (STF) tem já editadas mais de 620 súmulas; o Superior Tribunal de Justiça (STJ), mais de 250; o Tribunal Superior do Trabalho (TST), mais de 360 (como o nome de enunciado); o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 20; o TRF da 5ª. Região, 18.

Afora as inúmeras súmulas dos Tribunais Regionais e dos Tribunais de Justiça Estaduais.

IV – AS FONTES NÃO-ESTATAIS:a) O COSTUME JURÍDICO: O costume jurídico é a norma jurídica obrigatória, imposta ao setor da

realidade que regula, passível de imposição pela autoridade pública e em especial pelo Poder Judiciário.

É uma norma “não escrita”, que surge da prática longa, diuturna e reiterada da sociedade.

Distingue-se da lei, pelo aspecto formal. A lei é escrita. O costume é “não escrito”.

O costume jurídico tem outra característica importante: é aquilo que a doutrina chama de “convicção de obrigatoriedade” (opinio necessitatis), ou seja, a prática reiterada, para ter característica de costume jurídico, deve ser aceita pela comunidade como de cunho obrigatório.

Desse modo, costume jurídico distingue-se dos usos e costumes sociais – tais com andar na moda, ir a solenidades, freqüentar a igreja, etc. -, que têm natureza moral, religiosa ou social, mas cuja obediência não é posta, como o são as normas jurídicas.

De fato, há obrigatoriedade de cumprimento do costume jurídico, porém não ficam muito claras as conseqüências caso sua prescrição não seja observada.

Isso porque, pelo fato de não ser escrito, ele está firmado mais pelo conteúdo normativo do que pela eventual aplicação da sanção. Em outras palavras, sabe-se que o costume deve ser cumprido; só não se sabe corretamente qual a sanção pelo não-cumprimento.

Isso não significa dizer que não existe sanção, mas sim que esse aspecto é secundário, e, diante das circunstâncias que fazer nascer o costume jurídico, a sanção acaba ficando vaga.

O nascimento do costume jurídico é realmente uma característica marcante e notável.

Ao contrário da lei – que é imposta de cima para baixo, do Estado para a sociedade, expressa de forma geral e abstrata, para poder atingir todas as pessoas e todos os setores da sociedade -, o costume jurídico surge no e do próprio seio da coletividade.

Ele é fruto da prática social individualizada, caso a caso; nasce obrigatório porque as partes envolvidas assim o entendem e se auto-obrigam;

13

Page 14: História e Introdução Ao Estudo Do Direito (Hied)

provém da convicção interna de cada partícipe de sua objetivação em fatos sociais particulares, que obriga a todos os que neles se envolveram. Formado com essa convicção de obrigatoriedade, pode-se tê-lo como legítimo e atualizado.

Essa é exatamente uma das grandes vantagens do costume jurídico: nascer e estar próximo daqueles que dele necessitam e por isso conseguir com muita agilidade ir modificando-se e adaptando-se às necessidades sociais, dentro da dinâmica de transformações que impõe mudanças rápidas e contínuas aos indivíduos, seus hábitos e comportamentos

Naturalmente, nascido caso a caso, no momento em que esses casos se multiplicam, o costume jurídico tende a ganhar certa abstração e generalidade, no que é acompanhado pela convicção de obrigatoriedade.

Em sociedades pequenas ou primitivas, a identificação do costume jurídico é relativamente simples, visto que é possível descobri-lo por depoimentos – geralmente coeso ou sem muita oposição.

Mas, em sociedades complexas como a contemporânea, surge muita dificuldade para reconhecer o costume, quer seja pelo problema natural de sua identificação, quer pelo aumento de pessoas que a ele se opõe.

Ao tentar explicitar o costume nas sociedades contemporâneas, o intérprete percebe a ampliação de seu lado negativo: a incerteza gerada pelo fato de não ser escrito.

Então começa a fazer perguntas de difíceis respostas: afinal, quando se inicia o costume? Qual seu marco inicial? A que pessoa atinge? Como o costume não é editado e publicado, sem dúvida as respostas são difíceis. Mas não impossíveis.

Não será viável definir o ponto inicial de nascimento do costume, como ocorre com a lei. Da mesma forma será impossível dizer o dia em que o costume deixou de existir.

Contudo, há momentos em que ele existe, com plena vigência e eficácia. Nesses momentos, quando se descobre de fato o costume, ele tem força normativa, pouco importando quando tenha nascido ou quando se extinguirá.

É necessário dizer que a autoridade pública e, em especial, o Poder Judiciário, exerce papel importantíssimo na aplicação do costume. Isso porque muitas vezes sua existência torna-se mais clara após uma decisão judicial que o reconhece.

A decisão do Poder Judiciário, por ser escrita, publicada e ter avaliado o problema ou não de existência do costume, colabora sobremaneira na caracterização deste, posteriormente.

Note-se, todavia, que a decisão judicial não transforma em norma escrita o costume jurídico. Ele continua sendo o que é – norma jurídica não-escrita -, só que com o reconhecimento de sua existência pelo Poder Judiciário.

Ressalte-se que o Judiciário “reconhece” o costume, mas não o “estabelece”, isto é, o costume já existia, precedia a decisão. O Judiciário não o cria; apenas o acata expressamente.

14

Page 15: História e Introdução Ao Estudo Do Direito (Hied)

O que acontece em termos práticos, relativamente ao costume, dentro da ação judicial é que, diferentemente da lei – cuja existência não precisa, de regra, ser provada -, o costume deve ser provado por aquele que o alega a seu favor.

A parte que, na ação judicial, alegar costume jurídico, assim como direito municipal, estadual ou estrangeiro, terá de provar-lhe o teor e a vigência, se assim determinar o Juiz da causa. É o que preceitua o art. 337 do CPC: “A parte, que alegar direito municipal, estadual estrangeiro ou consuetudinário, provar-lhe-á o teor e a vigência, se assim o determinar o Juiz”.

Desse modo, aquele que alega o costume tem o ônus de prová-lo ao Juiz, o que pode ser feito por testemunhas; por meio de cópias de decisões precedentes; mediante perícias que comprovem negócios estabelecidos com base no costume; por meio de cópias de contratos firmados com sucedâneos no costume. Enfim, por todos os meios permitidos em direito.

A doutrina classifica o costume em três espécies:a) segundo a lei (secundum legem); b) na falta da lei (praeter legem); c) contra a lei (contra legem) – este último não aceito por parte da doutrina.

O costume é “segundo a lei” (secundum legem) quando esta expressamente determina ou permite sua aplicação.

Nosso atual Código Civil, de 2002, tem uma série de situações provando esse tipo de costume. Por exemplo, o art. 615: “Concluída a obra de acordo com o ajuste, ou o costume do lugar, o dono é obrigado a recebê-la. Poderá, porém, rejeitá-la, se o empreiteiro se afastou das instruções recebidas e dos planos dados, ou das regras técnicas em trabalhos de tal natureza.”; o art. 596: “Não se tendo estipulado, nem chegado a acordo as partes, fixar-se-á por arbitramento a retribuição, segundo o costume do lugar, o tempo de serviço e sua qualidade.”

O costume é “na falta da lei” (praeter legem) quando intervém na falta ou omissão da lei. Ele funciona, no caso, preenchendo o ordenamento jurídico, evitando o aparecimento de lacuna.

Um exemplo atual e bastante significativo desta espécie de costume jurídico é o do chamado cheque pré-datado.

O cheque está regulamentado no Brasil pela Lei n° 7.357, de 02/09/1985. Seu art. 32 e parágrafo único, dispõem, in verbis: “Art. 32: O cheque é pagável á vista. Considera-se não-escrita qualquer menção em contrário. Parágrafo único: O cheque apresentado para pagamento antes do dia indicado como data e emissão é pagável no dia da apresentação.”

Se a própria lei prevê que o cheque pode ser apresentado antes da data de emissão, significa logicamente que ela sabe que o cheque foi emitido para data posterior.

Portanto, a interpretação do art. 32 supra citado, nos diz não só que o cheque pré-datado pode ser emitido como que, se for apresentado ao Banco antes, ele vale, só que nesta caso o dia da apresentação passa a ser considerado como se a data da emissão fosse.

O que existe é uma lacuna na lei, que não previu o cheque pré (ou pós) datado. Logo, trata-se de costume jurídico prater legem (na falta da lei). Absolutamente legal e de acordo com o sistema jurídico nacional.

15

Page 16: História e Introdução Ao Estudo Do Direito (Hied)

O costume é contra legem quando contraria o disposto na lei. Existem dois tipos de costume contra legem: a) o chamado desuetudo, o desuso, quando uma lei deixa de ser aplicada, por já não corresponder à realidade e em seu lugar terem surgido novas regras costumeiras; b) o denominado costume “ab-rogatório”, que cria nova regra, apesar da existência da lei vigente.

Parte da doutrina não aceita a existência do costume contra legem, uma vez, que por princípio, não pode ser acatado: se o sistema jurídico é escrito e pretende regular ou pelo menos permitir a ocorrência de todas as circunstâncias, o costume só é possível quando o próprio sistema jurídico escrito o aceita, como ocorre com o costume secundum legem e mesmo no praeter legem – já que há aqui ausência da lei.

b) A DOUTRINA: Doutrina é o resultado do estudo que pensadores – juristas e filósofos

do Direito – fazem a respeito do Direito.A doutrina, que já foi até obrigatória, tem ainda fundamental importância

tanto na elaboração da norma jurídica, quanto em sua interpretação e aplicação pelos Tribunais.

Em nossa época, quando a especialização se torna fundamental e a velocidade das transformações está exacerbada, a doutrina assume papel extremamente relevante para o Direito.

Já não é possível que o legislador, o administrador, ou o juiz, mesmo especialista, consiga dar conta do universo de situações existentes, tanto no mundo das normas quanto no da realidade social.

A doutrina nesse processo torna-se essencial para aclarar pontos, estabelecer novos parâmetros, descobrir caminhos ainda não pesquisados, apresentar soluções justas, enfim, interpretar as normas, pesquisar os fatos e propor alternativas, com vistas a auxiliar a construção sempre necessária e constante do Estado de Direito, com o aperfeiçoamento do sistema jurídico.

Por fim, a doutrina exerce papel fundamental, como auxiliar para entendimento do sistema jurídico em seus múltiplos e complexos aspectos.

A questão da doutrina como fonte do direito não é pacífica. Há aqueles que entendem que ela não pode ser fonte, porque apenas descreve a autêntica fonte do direito, que são as normas jurídicas, ou porque formam esquemas e modelos que explicam o ordenamento jurídico por construções teóricas; ou, ainda, porque, quando muito, ela inspira o legislador para e na produção de normas jurídicas.

Apesar das objeções, e especialmente tendo em vista o que já dissemos a respeito da formação do pensamento jurídico dogmático pela e na Escola de Direito, não temos dúvida em afirmar que a doutrina é fonte do direito.

Aliás, a fundamentação para a aceitação da doutrina como fonte surge da própria definição que unanimemente se dá para a doutrina: é o conjunto das investigações científicas e dos ensinamentos dos juristas – dos pensadores do Direito.

16

Page 17: História e Introdução Ao Estudo Do Direito (Hied)

Ora, o pensamento jurídico dogmático nada mais é do que o conjunto de suas doutrinas, e corresponde ao locus, onde o estudioso e pesquisador do Direito vai aprendê-lo e procurar respostas aos problemas encontrados.

O estudioso ou pesquisador, aqui é colocado no sentido mais amplo possível: estudantes universitários e profissionais do Direito em geral, tais como advogados, juízes, promotores públicos, procuradores etc.

Na verdade, fruto de sua formação na Ciência Dogmática do Direito, o pesquisador utiliza-se da linguagem científica doutrinária o tempo todo, ainda que disso não se aperceba.

Por mais que acredite e se esforce por acreditar que está diante de uma norma jurídica “pura”, que tem caracteres e linguagem próprios, independentemente da sua linguagem científica, ele, de fato, nunca tem diante de si uma norma jurídica “pura”: é que sua forma de conhecer a norma jurídica está moldada pelos elementos trazidos da Hermenêutica Jurídica, e daí sua linguagem é instrumento de acesso à norma jurídica que ele só conhece a partir da linguagem e “na” linguagem da qual ele se utiliza.

Por conta disso, podemos dizer que a doutrina tem, então, o sentido amplo de “qualquer doutrina”, quer seja dominante – aceita por consenso dos juristas -, quer seja alguma particularizada, às vezes criada por conta de um problema específico.

Alem disso, há outro aspecto relevante que é tratado separadamente da questão de fonte. É o relacionado ao uso da doutrina como argumento para sustentação de opiniões jurídicas, ou para tomada de decisões visando à resolução dos casos práticos – pelos advogados, procuradores de justiça, juízes etc.

A jurisprudência é, também usada nesse sentido de argumento e até a própria norma jurídica vai aparecer aí no e como argumento para a tomada de decisão.

Na verdade, são argumentos retóricos, que no caso do uso da doutrina repousam sua sustentação no poder de autoridade (prestígio) de que ela goza.

É por esse poder de autoridade, inclusive, que alguns juristas tornam-se conhecidos. Quando isso ocorre, a opinião desses doutrinadores torna-se respeitada, de tal forma que passam a ser ouvidos.

Os pareceres surgem aí, então, como uma modalidade específica de doutrina. Os doutrinadores passam a opinar sobre as questões jurídicas, oferecendo sua opinião, que exerce clara influência no pensamento jurídico.

E, ainda que a opinião não seja acatada num caso prático real – por exemplo, uma decisão judicial -, não se consegue ignorá-la: ela terá de ser no mínimo negada, como inválida, para o deslinde da questão.

Por outro lado, a realidade demonstra que a opinião jurídica exerce, de fato, influência também nas decisões judiciais. Basta uma leitura de julgados, escolhidos ao acaso, para lá encontrarem-se decisões fundamentadas nas opiniões dos doutrinadores.

Claro que, em contrapartida, a jurisprudência, utilizada como suporte para a argumentação, aparece com grande poder de autoridade.

17

Page 18: História e Introdução Ao Estudo Do Direito (Hied)

Anote-se, também, que a influência da doutrina – assim como, da mesma forma, a da jurisprudência – se faz sentir na elaboração das normas jurídicas.

Suas teorias servem, por vezes, de base para a criação de normas, como, por exemplo, a Teoria do Risco do Negócio, adotada pelo Código de defesa do Consumidor (Lei n° 8.078/90).

Essa teoria é a que deu suporte para que a legislação consumerista trouxesse para o sistema jurídico nacional a responsabilidade civil objetiva do fornecedor de produtos e serviços.

Em outras oportunidades, os legisladores baseiam-se na doutrina para apresentar projetos, que se transformam em leis.

E noutras, ainda, são os próprios doutrinadores que elaboram os projetos a serem apresentados por legisladores para aprovação. Como exemplo, cite-se o próprio Código de Defesa do Consumidor, já lembrado, cujo projeto que levou à sua aprovação foi elaborado por juristas de escol.

O DIREITO POSITIVO:

Direito positivo é o conjunto das normas jurídicas vigentes, estabelecidas pelo poder político, que se impõem e regulam a vida social de um dado povo em determinada época.

Esse direito positivo pode ser separado em dois elementos: de um lado, o direito objetivo e, de outro, o direito subjetivo.

O direito objetivo revela e faz nascer o direito subjetivo, e este só têm sua razão de ser naquele, isto é, devem-lhe a existência.

I – O DIREITO OBJETIVO:É o complexo de normas jurídicas que regem o comportamento humano,

prescrevendo uma sanção no caso de violação. É sempre um conjunto de normas impostas ao comportamento humano,

autorizando o indivíduo a fazer ou não fazer algo. Indica o caminho a ser seguido, prescrevendo medidas repressivas em caso de violação.

O direito objetivo acaba sendo confundido com o direito positivo. Mas a distinção deve ser feita para um melhor entendimento.

O direito objetivo corresponde à norma jurídica em si, enquanto comando que pretende um comportamento. É aquele objetivado independentemente do momento de uso e exercício.

Já, o direito positivo é a soma do direito objetivo com o direito subjetivo. A confusão estabelecida entre o direito positivo e o direito objetivo está ligada ao fato de que se costuma tomar o direito positivo como apenas objetivo.

II – O DIREITO SUBJETIVO:Direito subjetivo é a prerrogativa colocada pelo direito objetivo, à

disposição do sujeito do direito. Essa prerrogativa há de ser entendida como a

18

Page 19: História e Introdução Ao Estudo Do Direito (Hied)

possibilidade de uso e exercício efetivo do direito, posto à disposição do sujeito.

Em outras palavras, direito subjetivo é a permissão dada a alguém por meio de norma jurídica válida para fazer ou não alguma coisa, para ter ou não algo, ou, ainda, a autorização para exigir por meio dos órgãos competentes do Poder Público ou dos processos legais, em caso de prejuízo causado por violação da lei, o cumprimento da norma infringida ou a reparação do mal sofrido.

Assim, o direito subjetivo é tanto o efetivo exercício do direito objetivo, quanto a potencialidade do exercício desse mesmo direito.

Por exemplo, o direito objetivado como Lei do Inquilinato, que regula o despejo do inquilino por falta de pagamento, faz nascer para o proprietário-locador o direito subjetivo de pleitear o despejo do inquilino.

Alguns direitos subjetivos são inerentes à pessoa, tais como o direito à vida, à honra, à imagem etc. São eles subjetivos, independentemente do exercício de prerrogativa. São direitos subjetivos plenos, de fato, bastando para tanto a existência da pessoa de direito.

III – A DIVISÃO NO DIREITO POSITIVO:A) Divisão Geral: Direito Público, Privado e Difuso:A separação, de cunho eminentemente prático, está estabelecida desde o

Direito Romano (entre o Direito Público e Direito Privado) e tem por função estabelecer dogmaticamente segurança e certeza para a tomada de decisão.

A divisão entre Direito Público e Direito Privado pode ser feita tendo por critério os sujeitos envolvidos e a qualidade destes quando estão na relação jurídica; e o conteúdo normativo e o interesse jurídico a ele relacionado.

Disso podemos extrair uma divisão inicial que aponta o Direito Público como aquele que reúne as normas jurídicas que têm por matéria o Estado, suas funções e organização, a ordem e segurança internas, com a tutela do interesse público, tendo em vista a paz social, o que se faz com a elaboração e a distribuição dos serviços públicos, através dos recursos indispensáveis à sua execução.

O Direito Público cuida, também, na ótica internacional, das relações entre os Estados.

O Direito Privado, por sua vez, reúne as normas jurídicas que têm por matéria os particulares e as relações entre eles estabelecidas, cujos interesses são privados, tendo por fim a perspectiva individual.

No atual estágio do desenvolvimento do direito positivo, existe uma tendência à publicização dos atos dos particulares. Ou, em outras palavras, cada vez mais o Estado intervém na órbita privada, não só para garantir os direitos ali estabelecidos, mas para impor normas de conduta, anular pactos e contratos, rever cláusulas contratuais etc. Há, de fato, uma nova concepção do Direito.

Alguns ramos do direito positivo são caracterizados basicamente por serem difusos, ao contrário das outras duas espécies que se distinguem , basicamente, por estarem relacionadas ao interesse público ou privado.

19

Page 20: História e Introdução Ao Estudo Do Direito (Hied)

Para definir Direito Difuso, vamos aproveitar o texto legal do Código de Defesa do Consumidor (art. 81, I).

Assim, os Direitos Difusos são os “transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato.”

Ou, em outros termos, os Direitos Difusos são aqueles cujos titulares não podem ser especificados. São os fatos que determinam a ligação entre essas pessoas, cujos direitos não podem ser partidos: são indivisíveis. Por exemplo, todos – indeterminadamente – estão sujeitos à publicidade enganosa; o direito de respirar ar puro é de todos etc.

B) Divisão do Direito Positivo:1) Público: a) Interno (Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito

Tributário, Direito Processual, Direito Penal, Direito Eleitoral, Direito Militar); b) Externo (Direito Internacional Público)

2) Privado: a) Interno (Direito Civil, Direito Comercial)3) Difuso: a) Interno (Direito do Trabalho, Direito Previdenciário, Direito

Econômico, Direito do Consumidor, Direito Ambiental); b) Externo (Direito Internacional Privado).

B.1.a) Os Ramos do Direito Público Interno:I) O Direito Constitucional: O Direito Constitucional engloba as normas jurídicas

constitucionais, isto é, aquelas pertencentes à Constituição, em toda a sua amplitude, dentre as quais se destacam as atinentes à forma e à organização do Estado, ao regime político, à competência e função dos órgãos estatais estabelecidos, aos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos etc.

No Brasil, essas normas estão estabelecidas na atual Constituição Federal, vigente desde 05/10/1988.

O princípio que norteia o Direito Constitucional contemporâneo é o do “Estado de Direito”, isto é, do Estado que tem como princípio inspirador a subordinação de todo poder ao Direito.

II) O Direito Administrativo:O Direito Administrativo corresponde ao conjunto de normas

jurídicas que organizam administrativamente o Estado, fixando os modos, os meios e a forma de ação para a consecução de seus objetivos.

Dessa forma, tais normas estruturam e disciplinam as atividades dos órgãos da Administração Pública direta e indireta, as autarquias, as empresas públicas, as entidades paraestatais etc.

Essas normas referem-se, ainda ao Poder de Polícia da Administração, o que envolve não só os aspectos de segurança pública, de garantia da integridade física e moral das pessoas e das suas propriedades, mas também o de Polícia Administrativa, montado nos vários setores de fiscalização existentes, o controle e a preservação dos bens públicos etc.

20

Page 21: História e Introdução Ao Estudo Do Direito (Hied)

Elas disciplinam também os serviços públicos e suas permissões e concessões etc. Enfim, regulam todos os atos e procedimentos administrativos.

III) O Direito Tributário:O Direito Tributário envolve as normas jurídicas voltadas para a

arrecadação de tributos, bem como as que cuidam das atividades financeiras do Estado, regulando suas receitas e despesas.

Seus principais instrumentos legais são a própria Constituição Federal, o Código Tributário Nacional (CTN) e uma série de leis esparsas.

IV) O Direito Processual:O Direito Processual regula o processo judicial, bem como a

organização judiciária. O Direito Processual engloba as normas jurídicas que cuidam das regras

relativas à ação judicial, isto é, do direito de ver qualquer pretensão sendo analisada e julgada pelo Poder Judiciário.

O Direito Processual está dividido por áreas relativas ao direito material, com três subdivisões básicas:

a) O Direito Processual Civil, que regula as situações relativas à órbita civil, comercial, fiscal, administrativa, do consumidor etc.; seu principal instrumento é o Código de Processo Civil (CPC).

b) O Direito Processual Penal, que regula as situações relativas à órbita penal; seus principais textos legais são o Código de Processo Penal (CPP), as Leis das Execuções Penais e a Lei dos Juizados Especiais Criminais.

c) O Direito Processual do Trabalho, que regula as situações relativas à órbita trabalhista. Serve-se ele, subsidiariamente, para os casos não previstos, do Direito Processual Civil; sua principal base legal é a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e o Código de Processo Civil (CPC).

V) O Direito Penal:O Direito Penal corresponde ao conjunto das normas jurídicas que

regulam os crimes e as contravenções penais (condutas ilícitas penais de menor potencial ofensivo), com as correspondentes penas aplicáveis.

Seus principais instrumentos legais são o Código Penal e a Lei das Contravenções Penais, acrescidos de diversas leis esparsas.

VI) O Direito Eleitoral:Compõe-se do conjunto das normas jurídicas que disciplinam a

escolha dos membros do Poder Executivo e do Poder Legislativo.Essas normas estabelecem os critérios e condições para o eleitor votar,

para alguém se candidatar, bem como as datas das eleições, as formas das apurações, o número de candidatos a serem eleitos, fixando as bases para a criação e o funcionamento dos partidos políticos etc.

VII) O Direito Militar:21

Page 22: História e Introdução Ao Estudo Do Direito (Hied)

O Direito Militar é aquele que regula as normas que afetam os militares. A Constituição Federal regula a questão no art. 42, e há no sistema jurídico o Código Penal Militar (Dec.-Lei n° 1.001, de 21/10/1969) e o Código de Processo Penal Militar (Dec.-Lei n° 1.002, de 21/10/1969).

B.1.b) O Direito Público Externo:I) O Direito Internacional Público:O Direito Internacional Público compõe-se das normas

convencionais (tratados internacionais, também chamados de convenções, pactos, convênios, acordos) e dos costumes jurídicos internacionais.

Tratado internacional é o acordo realizado por Estados independentes, visando a ordenação, através de cláusulas que se tornam normas jurídicas, de temas de interesse comum.

Assim, por exemplo, citemos a Convenção de Genebra de 1931, que fixou normas sobre uso de cheque, a chamada “Lei Uniforme sobre Cheque”; ou a Convenção de Varsóvia de 1929, que trata, dentre outros temas, da responsabilidade do transportador aéreo internacional relativa a atraso de embarque, extravio de bagagens etc.

As normas estabelecidas nos tratados obrigam os Estados que vierem a ratificá-los, ou que os celebrarem, ou que a eles vierem a aderir.

O tratado passa a ter vigência e obrigatoriedade no regime de direito interno, após celebrado pelo Presidente da República (art. 84, VIII, da CF) e aprovado pelo Congresso Nacional (art. 49, I, da CF).

Os costumes jurídicos internacionais são os usos observados e reconhecidos de forma uniforme pelos Estados soberanos, nas suas relações. São mais usos e práticas aceitos como obrigatórios pelos Estados que assim os observarem, resultando, então, dos atos reiterados dos Estados nas relações da esfera internacional.

B.2) Os Ramos do Direito Privado:I) O Direito Civil:O Direito Civil é também conhecido como direito comum. Ele

engloba as normas jurídicas que regem, entre outros, a capacidade e o estado das pessoas, o nascimento, o fim, o nome, a maioridade etc.; as relações familiares – casamento, separação, divórcio, relações de parentesco, poder familiar etc.; as relações patrimoniais e obrigacionais – direitos reais e pessoais, posse, propriedade, compra e venda, contratos etc.; a sucessão hereditária – divisão, espólio, meação, testamento etc.

O principal diploma legal do Direito Civil é o Código Civil Brasileiro (CC), que foi editado em 11/01/2002 e entrou em vigor em 12/01/2003, tendo revogado o Código Civil de 1916.

II) O Direito Comercial ou Empresarial:

22

Page 23: História e Introdução Ao Estudo Do Direito (Hied)

Engloba as normas jurídicas que regulam a atividade comercial ou empresarial, entendida esta como a de fabricação, produção, montagem, distribuição, comercialização etc. de produtos, nas relações estabelecidas entre as próprias pessoas que exercem tais atividades, bem como os serviços prestados de umas às outras.

Ou, em outras palavras, o Direito Comercial ou empresarial trata das relações entre empresários, que exercem aquelas atividades, com vistas ao lucro.

Seus principais instrumentos legais são: o Código Civil (CC), arts. 966 a 1.195, Código Comercial (CCom), arts. 457 e seguintes (# o CC revogou os arts. 1° a 456 do CCom), editado em 1850 e alterado por inúmeras outras leis esparsas (Lei de Falência e Recuperação de Empresas, Lei das Sociedades por Cotas de Responsabilidade Limitada, Lei das Sociedades Anônimas etc.).

B.3.a) Os Ramos do Direito Difuso:I) O Direito do Trabalho:O Direito do Trabalho engloba as normas jurídicas que regulam as

relações entre o empregado e o empregador (patrão), compreendendo o contrato de trabalho, o registro do empregado, a rescisão, a despedida, as verbas trabalhistas, os salários e seus reajustes, a duração da jornada de trabalho etc.

Essas normas regulam, também, o chamado Direito Coletivo do Trabalho, que trata dos acordos coletivos de trabalho, da organização sindical, do direito de greve etc.

Seu principal diploma legal é a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de 1°/05/1943, acrescida e alterada por uma série de leis esparsas – leis de acidente do trabalho, do empregado doméstico, do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS etc.

II) O Direito Previdenciário:É o ramo do Direito que engloba as normas jurídicas que cuidam da

Seguridade Social (compreendendo a Saúde, a Previdência Social e a Assistência Social) e atua por intermédio de seus órgãos (INSS, SUS etc.), estabelecendo os benefícios e as formas de sua obtenção – auxílio-doença, salário-maternidade, aposentadoria por tempo de contribuição e por invalidez, direito à pensão na viuvez e na orfandade.

Seus principais instrumentos legais são a Lei de Organização e Custeio da Seguridade Social (Lei n° 8.212/91); o Plano de Benefícios da Previdência Social (Lei n° 8.213/91); a Lei Orgânica da Saúde (Lei n° 8.080/90); a Lei Orgânica Social (Lei n° 8.742/93) e o Programa do Seguro-Desemprego (Lei n° 7.998/90).

III) O Direito Econômico:É o ramo do Direito que se compõe das normas jurídicas que

regulam a produção e a circulação de produtos e serviços, com vistas ao desenvolvimento econômico do País, especialmente no que diz respeito ao controle do mercado interno, na luta e disputa lá estabelecida entre as

23

Page 24: História e Introdução Ao Estudo Do Direito (Hied)

empresas, bem como nos acertos e arranjos feitos por elas para explorarem o mercado.

São normas, portanto, que regulam monopólios e oligopólios, tentam impedir a concorrência desleal etc.

Tais normas estão espalhadas em leis esparsas, dentre as quais se destacam a Lei Antitruste (Lei n° 8.884/94), a Lei de Economia Popular, a Lei de Livre Concorrência etc.

IV) O Direito do Consumidor:Seu principal instrumento é o Código de Defesa do Consumidor –

CDC – (Lei n° 8.078/90). Em vigor desde 01/03/1991, o CDC regula as relações potenciais ou efetivas entre consumidores e fornecedores de produtos e serviços.

As normas do CDC, instituídas para a proteção e defesa do consumidor, são de ordem pública e interesse social.

Consumidor, pra esse sistema legal, é “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final” (art. 2° do CDC), ao qual se equipara “a coletividade de pessoas, ainda que intermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo” (parágrafo único do art. 2°, citado).

Equiparam-se também ao consumidor todas as vítimas de evento danoso (art. 17 do CDC), bem como “todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas comerciais” (art. 29 do CDC).

Fornecedor “é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços” (art. 3° do CDC).

Produto “é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial” (§ 1° do art. 3°, citado), e serviço “é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária” (§ 2° do mesmo art. 3°);

Está excluída da abrangência do CDC, como se viu, a prestação de serviço oferecida a título gratuito. As de caráter trabalhista também estão excluídas, e continuam regidas pela CLT e demais normas jurídicas trabalhistas.

As relações existentes entre os próprios fornecedores, isto é, de fornecedor a fornecedor, continuam sendo regidas pela legislação já existente (civil, comercial, penal etc.).

Por essas singelas considerações relativas ao Direito do Consumidor, pode-se referir que certas operações de compra e venda de produtos e serviços estão submetidas à legislação consumerista, tendo saído da órbita das normas privativas.

V) O Direito Ambiental:24

Page 25: História e Introdução Ao Estudo Do Direito (Hied)

Ramo novo e também importante do direito positivo, o Direito Ambiental é composto das normas jurídicas que cuidam do meio ambiente em geral, tais como a proteção de matas, florestas e animais a serem preservados, o controle de poluição e do lixo urbano etc.

Tais normas jurídicas estão fixadas numa série de leis esparsas que seguem a diretriz básica da Constituição Federal. Esta regula a matéria em vários artigos: 198, 199, 200, 225 etc.

A base do Direito Ambiental é a do art. 225 da CF, cujo caput, dispõe: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

São vários os diplomas que vigem na área do Direito Ambiental, dentre os quais citamos as Leis n° 6.902, de 27/04/1981; 6.938, de 31/08/1981; 9.605, de 13/02/1998; 4.771, de 15/09/1965 (Código Florestal) etc.

B.3.b) O Direito Difuso Externo:I) O Direito Internacional Privado:É o ramo composto pelas normas jurídicas que regulam as

relações privadas no âmbito internacional.Como as normas jurídicas têm vigência e eficácia apenas no território

do respectivo Estado, só podem produzir efeitos em território de outro Estado se este aceitar.

Trata-se, de fato, de “conflito de leis” e por isso há que se definir qual a lei a ser aplicada: em função da nacionalidade ou domicílio da pessoa; da situação da coisa, objeto do direito; e do lugar em que foi realizado o ato.

A norma jurídica fundamental que cuida do assunto é a Lei de Introdução ao Código Civil (Dec.-Lei n° 4.657, de 04/09/1942). Em verdade, esta é uma lei geral de aplicação das normas jurídicas, mas seus arts. 7° a 17 fixam as diretrizes do Direito Internacional Privado Brasileiro.

A Lei de Introdução regula, então, no Direito Internacional Privado, as questões atinentes à pessoa e à família (arts. 7°e 11), aos bens (art. 8°), às obrigações (art. 9°), à sucessão por morte ou ausência (art. 10°), à jurisdição – competência do Poder Judiciário brasileiro (art. 12), à produção e aceitação de provas dos fatos ocorridos em País estrangeiro (art.13), à prova do Direito estrangeiro (art.14), à execução da decisão judicial proferida no exterior (art. 15), aos limites de aplicação da lei estrangeira, bem como de atos e decisões judiciais de outro País no Brasil (arts. 16 e 17).

25