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II CONINTER – Congresso Internacional Interdisciplinar em Sociais e Humanidades
Belo Horizonte, de 8 a 11 de outubro de 2013
HISTÓRIA E MEMÓRIA DA PRAÇA DA GRAÇA EM PARNAÍBA: TRANSFORMAÇÕES URBANÍSTICAS E ARQUITETÔNICAS
MEIRELES, ÍSIS. (1); AFONSO, ALCÍLIA. (2)
1. Universidade Federal do Piauí- UFPI. PPHGB
Rua Alayde Marques nº 967, ap 08, Ininga, Teresina -PI [email protected]
2. Universidade Federal do Piauí- UFPI. Departamento de Construção Civil e Arquitetura
Campus Ministro Petrônio Portela, Ininga,Teresina - PI [email protected]
RESUMO
O presente trabalho tem como tema o estudo sócio cultural e arquitetônico das transformações ocorridas na Praça da Graça e seu entorno imediato, localizada no estado do Piauí, centro histórico do município de Parnaíba. O objetivo geral desse trabalho é investigar as transformações urbanas inferidas na Praça da Graça e suas contigüidades até o início da década de 1970. Os objetivos específicos são identificar essas alterações morfológicas e analisá-las não apenas na perspectiva histórica, mas também através de um olhar estilístico, urbano e arquitetônico. A metodologia utilizada trabalhou com dois métodos: O da pesquisa histórica e a pesquisa arquitetônica e urbanística. A pesquisa embasou-se em fontes primárias e secundárias. Foram feitas simulações da planta da antiga da Praça e seus dois jardins, baseadas na observação de fotografias presentes no acervo iconográfico estudado, que serão analisadas histórica e arquitetonicamente. O logradouro Praça da Graça e seu entorno compõem a paisagem cultural histórica da cidade constituindo-se em local de memória, símbolo de identificação de uma sociedade e sede de acontecimentos que refletiam e representavam as transformações políticas e sociais vivenciadas pela população na época cuja trajetória deve ser preservada como patrimônio histórico e cultural.
Palavras-chave: Lugar. Memória Coletiva. Praça da Graça. Patrimônio. Parnaíba.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho intitulado História e memória da Praça da Graça em Parnaíba:
transformações urbanísticas e arquitetônicas possui como tema as transformações urbanas
ocorridas no cenário da Praça da Graça e seu entorno imediato, localizada na região litorânea
do Estado do Piauí, centro histórico do município de Parnaíba (figura 01).
.
Figura 01. Imagem de satélite da cidade de Parnaíba Fonte: Google Earth, 2013
Possui como objeto de estudo o espaço delimitado pela Praça de Nossa Senhora das
Graças, ou Praça da Graça, seus equipamentos e configuração urbana, bem como os perfis
das edificações fronteiriças a mesma, localizadas nas ruas Prof. Darcy Araújo, Pires Ferreira e
Vereador Alcenor Candeira.
A abordagem do objeto deu-se, portanto, como forma espacial (Correa, 1995), espaço
enquanto traçado urbano e plasticidade e forma enquanto paisagem urbana composta por
tipologias arquitetônicas empregadas nas ruas que a ladeiam e delimitam.
O objeto em questão pode ser compreendido como espaço de confluência, de caráter
simbólico e de ordenamento urbano do município Constitui-se, portanto, de um logradouro
onde se refletiam os hábitos e costumes vivenciados pela população parnaibana no período
abordado. O objetivo geral dessa dissertação é investigar as transformações urbanas
inferidas na Praça da Graça e suas contigüidades até o início da década de 1970.
Os objetivos específicos são identificar essas alterações morfológicas e analisá-las não
apenas na perspectiva histórica, mas também através de um olhar estilístico, urbano e
Piauí
arquitetônico. Buscou-se compreender as relações entre o desenvolvimento formal, funcional,
e simbólico da Praça no período estudado.
A presente pesquisa justifica-se pela relevância do sítio em que o objeto de pesquisa se
encontra, uma vez que o conjunto escolhido integra a Paisagem Urbana Histórica de uma
cidade de potencial turístico e econômico para o Piauí e vizinhança, sendo parte integrante do
Conjunto Histórico Praça da Graça, tombando pelo IPHAN no ano de 2008. Possibilita
também dar maior visibilidade à Praça de Nossa Senhora das Graças, inserindo-a no cenário
das discussões das relações entre poder, arquitetura, urbanismo e sociedade, numa
perspectiva histórica e arquitetônica.
Para Sandra Pesavento (1999) intervenções que transfiguram o traçado urbano e a
arquitetura da cidade, possuem uma conotação e um sentido, não se limitando apenas a
modificações formais, mas intencionando atingir “sociabilidades e valores do povo.” Portanto,
se faz necessária, para esclarecer as questões expostas acima, investigar as relações
políticas e as transformações econômicas cujos sinais encontram-se nas modificações
espaciais e formais da paisagem estudada.
A metodologia utilizada trabalhou com dois métodos: O da pesquisa histórica e a pesquisa
arquitetônica e urbanística.
A pesquisa histórica, concordando com o pensamento de Benévolo (1984) possui
natureza funcional sendo essencial para o entendimento de um objeto analisado: “O
esclarecimento do processo que levou à situação atual constitui na verdade uma premissa
indispensável para abordar essa situação de maneira realista”
A pesquisa arquitetônica e urbanística considera que as edificações se constituem como
fonte de memória de uma época e sociedade. Rossi (1998) afirma que “o caráter de nações,
civilizações, e épocas inteiras fala através do conjunto de arquiteturas que elas possuem”
O método utilizado foi apresentado por Serra (2006) em seu livro Pesquisa em Arquitetura
e urbanismo / Guia prático para o trabalho de pesquisadores em pós-graduação e fundamenta
a análise de componentes arquitetônicos e urbanos em sistemas e processos. Nessa
pesquisa considera-se a Praça da Graça como sistema e buscar-se-á compreender os
processos pelos quais ela passou.
A pesquisa embasou-se em fontes primárias e secundárias.
As primeiras referem-se aos mapas do início da formação da cidade, registros
cartográficos atuais, bem como a fotografia, fonte visual passível de problematização, cuja
análise e comparação entre o antigo e o atual proporcionou maior compreensão do objeto e
de suas rupturas urbanas.
Entendeu-se, também, que as fontes visuais na pesquisa histórica possuem um papel
bastante relevante na documentação urbana. Monteiro (2008, p. 148) define a fotografia como
“uma imagem ambígua e polissêmica, que é passível de múltiplas problematizações e
interpretações.”
Consultaram-se, no decorrer do trabalho, sistemas sígnicos não verbais1, tais como o
acervo iconográfico do Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Parnaíba, IHGGP,
buscando, nesses registros, elementos do conteúdo, itens que se encontram presentes
apenas no que foi registrado e não existe em nenhum outro tipo de documentação (Lima;
Carvalho, 2009)
As fotografias de diferentes sociabilidades na Praça da Graça foram inseridas no
trabalho não com o intuito ilustrativo, mas com o desejo de apreender fragmentos de uma
realidade de múltiplos sujeitos, objetos e espaços urbanos dotados de significação social
(Monteiro, 2008) e, a partir da análise de seus signos, entender melhor o cenário urbano e as
diferentes apropriações do espaço praticado (Certeau, 1994) praça.
Quanto às fontes secundárias, trabalharam-se autores que discorreram sobre
temáticas relacionadas com o objeto de estudo a fim de constituir um embasamento teórico
sobre o assunto abordado.
Recorreu-se às edições do Almanaque de Parnaíba fonte hemerográfica, registro
completo dos hábitos, acontecimentos e história da sociedade parnaibana. O Almanaque foi
fundado em 1923 por Benedito dos Santos Lima e posteriormente entregue à Ranulpho
Raposo (Correia; Lima, 1944). Publicação anual, ainda hoje se encontra em circulação, tendo
sido de grade auxilio para o entendimento do contexto histórico do objeto.
Utilizaram-se também os dossiês de tombamento sobre o Conjunto Histórico e
Paisagístico de Parnaíba, realizados pela 19º SR PI (2008), seção regional do IPHAN no Piauí
cujo estudo permitiu um aprofundamento maior no referente ao Conjunto Histórico da Praça
da Graça e de seu entorno, bem como sobre a historia e historiografia parnaibanas.
Lugar, para Roberto Ghione (2013) é algo espacialmente delimitado, fixo e baseado
“em variáveis de permanência como a geografia, o clima e determinadas práticas e
comportamentos sociais.” Lugar, enquanto espaço, constitui cenário de sociabilidades, pois,
segundo Maurice Halbwachs (1990), uma sociedade só se desenvolve em um
enquadramento espacial.
O conceito Lugar refere-se, então, à inserção da Praça na cidade. A arquitetura e o
Urbanismo em sua dimensão formal “materializam” (Ghione, 2013) e transformam os valores
temporais e culturais, que surgem com a apropriação social do Lugar, em determinada
temporalidade.
A praça brasileira sempre foi sítio dos principais acontecimentos urbanos. Nelas
realizavam-se eventos recreativos, de cunho religioso e solenidades cívicas. Desde seus
1 Aqui considerados como as formas semióticas de abordagem das imagens para finalidades históricas, como
defendido no texto de Cardoso e Mauad (1997)
primórdios a comunidade reunia-se nesses espaços para as procissões e para apreciação de
discursos políticos (Reis Filho, 1978)
A Praça da Graça deu início à vida urbana de Parnaíba. A concepção herdada de
Portugal coloca a praça como centro simbólico, funcional e formal da cidade, trazendo para
junto de si os edifícios institucionais e compondo um espaço voltado para a reunião popular
(Reis Filho, 1978)
Sua função é definida pela apropriação do espaço pela sociedade que expressa sua
vida coletiva e está sujeita a mudanças sociais e históricas no decorrer do tempo (Leitão,
2002). Assim, espaços públicos são ricos em valores simbólicos e registram fatos urbanos
que constituem a cidade como um todo, constituindo a memória coletiva de uma sociedade.
Logo, a Praça é considerada lugar de memória, segundo Pierre Nora (1993) por
possuir as três dimensões que definem esses espaços: simbólica, funcional e material. Além
de permitirem a diversificação de usos, sua finalidade primordial é o convívio de seus
habitantes por meio do contato visual e interpessoal (Sennett, 1998)
A Memória coletiva é aqui definida como uma construção social e seletiva de
acontecimentos e lugares que possuem pontos marcantes em comum na memória individual
de seus participantes (Pollack, 1992)
Segundo Rossi (1998) existe uma relação entre memória coletiva e cidade, onde os
lugares e a paisagem urbana são sede da memória coletiva. A arquitetura e a paisagem
também integram a memória por sediarem os acontecimentos e assim essa memória coletiva
se espelha na transformação do espaço realizado pela coletividade. “A cidade é por si mesma
depositária de história.” (Rossi, 1998, p.193)
O conceito de moderno e a “consciência de modernidade” para Le Goff (1990)
iniciam-se a partir da descontinuidade ou ruptura com as práticas passadas. Havia a
necessidade de diferir do passado e ingressar no “progresso” aqui considerado o
desenvolvimento. Por “novo” compreendia-se uma ausência de passado como se pode
observar nessa narrativa de antigo/moderno:
O estudo do par antigo/moderno passa pela análise de um momento histórico que segrega a idéia de 'modernidade' e, ao mesmo tempo, a cria para denegrir ou exaltar – ou simplesmente, para distinguir e afastar – uma 'antiguidade', pois que tanto se destaca uma modernidade para promovê-la como para vilipendiá-la.(Le Goff,1990, p. 57)
Essa impossibilidade do moderno em conviver com o passado implicava em drásticas
transformações urbanas, pois “era preciso se desvincular completamente do passado para
poder inaugurar o futuro”(Santos, Del Rio, 2001) Com isso, as cidades deveriam ter seus
traços tradicionais expurgados em prol do progresso. Essa metodologia moderna pode ser
observada no objeto de estudo.
A Nova História Cultural consolidou a ampliação dos objetos de análise do fazer
historiográfico. Segundo Bernard Lepetit (2001) “Até o final dos anos 60, por exemplo, na
França, a cidade não constitui verdadeiramente um objeto de pesquisa histórica.”
A partir da abertura de novos campos de investigação os historiadores então passaram a
se debruçar sobre uma variedade de sujeitos, desenvolvendo novas metodologias de
pesquisa históricas, tornando-a interdisciplinar.
Dessa maneira, a pesquisa aqui desenvolvida relaciona-se intimamente com a história
urbana e história da arquitetura. A abordagem escolhida, dentro das múltiplas possibilidades
da “nova história urbana” (Raminelli, 1997), avalia as modificações espaciais e ecológicas na
cidade, concretizadas através do desenvolvimento capitalista. Detém-se no estudo de
fachadas e das estruturas urbanas.
Aproxima-se, assim, da história da arquitetura, aumentando as possibilidades de análises
das formas construídas e do sítio onde se encontra o objeto. A multidisciplinaridade do estudo
torna possível uma contextualização histórica de ícones arquitetônicos e urbanos.
Henri Lefebvre (2008) considera a realidade urbana na qual se insere o objeto de análise
simultaneamente espacial e temporal. “(...) espacial porque o processo se estende no espaço
que ele modifica; temporal, uma vez que se desenvolve no tempo; aspecto de início menor,
depois predominante, da pratica e da história.”
A dissolução do patrimônio urbano impacta diretamente nos valores comuns de uma
sociedade. O presente trabalho visa contribuir para a história urbana estimulando novas
pesquisas no âmbito da paisagem urbana histórica, de conjuntos históricos piauienses,
através do estudo das transformações arquitetônicas ocorridas no logradouro da Praça da
Graça, em Parnaíba, e de seu entorno, da analise das mesmas e do contexto em que
ocorreram, construindo uma narrativa historiográfica acerca do objeto de estudo no recorte
temporal proposto.
GÊNESE DA PRAÇA
Igualmente como o texto constitui uma linguagem com mensagens e significados, as
fontes visuais podem ser consideradas itens constituintes de um discurso expresso em um
código diferente da narrativa escrita. A iconografia seria um “lugar no tempo” enquanto o texto
seria “um momento no espaço (Lima, Carvalho, 2009)
Quando atinge o tempo presente, as imagens do passado se colocam como uma
possibilidade de reconstrução das razões e sensibilidade de tempos
antigos.(Pesavento,2008).
É possível, a partir de evidências visuais, apreender fragmentos de uma realidade de
múltiplos sujeitos, objetos e espaços urbanos dotados de significação social (Monteiro, 2008)
A partir desse pensamento, foram feitas simulações da planta da antiga da Praça e seus
dois jardins, baseadas na observação de fotografias presentes no acervo iconográfico
estudado, que serão analisadas histórica e arquitetonicamente a partir desse momento. A
historiografia da Praça da Graça.
Nela, podem-se identificar dois momentos distintos de organização espacial urbana do
local. O primeiro momento refere-se à concretização da urbanização de duas áreas com
configurações distintas.
A lagoa da onça, aterrada no início da década de 20, transformou-se inicialmente em
Jardim do Rosário no início da década de 1930.
Conhecido também como Largo do Rosário, em homenagem a igreja que se situa defronte
ao logradouro, situa-se na porção oeste do local.
O Largo da Matriz, lateral leste do recorte espacial, defronte à Catedral de Nossa Senhora
das Graças iria se consolidar alguns anos depois, por volta dos anos de 1935, na gestão de
Mirócles Veras.
Foi realizada uma reconstituição bidimensional desse momento histórico urbano (figura
02), com o traçado inicial dos dois logradouros, separados por uma importante via atualmente
extinta, a Rua da Glória.
Na porção do Largo da Matriz encontra-se o monumento da independência. Criado ainda
nos anos 20, foi incorporado a extensas áreas verdes gramadas e caminhos semicirculares
entrecruzados, componentes do projeto.
Figura 02. Jardim do Rosário e Largo da Matriz Fonte: MEIRELES, 2013
Possuía amplos passeios laterais e a intersecção dos semi círculos que formam uma
figura semelhante a um triangulo onde em sua centralidade se destacam diferentes locais de
contemplação e sociabilidade, a pérgula de ferro e o monumento da Independência. Fora da
centralidade do retângulo espacial encontra-se locado o coreto, defronte à Igreja Matriz.
No Largo do Rosário, observa-se dois espaços adjacentes onde funcionavam postos de
gasolina. Em seu espaço central considera-se o traçado geométrico de múltiplos caminhos
que transformam a travessia em local de encontro e contemplação.
Demonstram também, em sua composição pictórica, as amplas calçadas e as árvores
locadas por toda a Rua da Glória, que sombreavam os automóveis. Ao fundo observa-se a
Igreja Matriz. É evidente a predominância da vegetação rasteira, gramínea.
Em contraste com os quarteirões edificados de influencia colonial, a geometria plana das
Praças facilitava agrupamentos e dava visibilidade à manifestações, uma vez que muitos
edifícios institucionais encontravam-se ao redor desse vazio urbano.(Caldeira, 2007)
O segundo momento urbano da Praça considera a modificação de traçado, já na década
de 60, em decorrência da instalação de um relógio na porção centro sul do Largo da Matriz e
pode ser visualizado na reconstrução feita pela figura 03.
Coreto
Pérgula
Posto de
Gasolina
Posto de
Gasolina
Monumento
da Independência
Figura 03. Segundo momento do Jardim do Rosário e Largo da Matriz Fonte: MEIRELES, 2013
Observa-se também a transformação do posto de gasolina da porção sudeste do
logradouro em um bar, relembrado por diversos cronistas parnaibanos e a alteração de uso da
porção noroeste, extinguindo o local de abastecimento em prol da pavimentação para o local
que seria a entrada do “Cine Gazeta”, atual localização do Hotel Delta.
A composição dos dois Jardins pode ser traduzida, segundo Caldeira (2007, p. 27) pela
“função de elemento estruturante do desenho urbano, definido por uma rígida geometria”
agora composta de perspectivas oriundas de vias retas e praças formais.
A Igreja matriz também compõe o cenário, estando em forma semelhante à atual.
Quase na centralidade da imagem observa-se o coreto. Os bancos e a presença de alguns
usuários finalizam o registro histórico do antigo Largo da Matriz, em pleno uso, em meados da
década de 60.
O plano de estudo visualizado de cima (figura 04), foi de fundamental importância para a
construção dos traçados bidimensionais apresentados anteriormente. Nela, identifica-se com
facilidade a estrutura do bar e a extinção do posto de gasolina da parte superior do campo
visual.
Coreto
Pérgula
Entrada
do “Cine
Gazeta”
“Bar do gago” Relógio
Monumento
da Independência
Figura 04. Praça da Graça em meados da década de 70 Fonte: Helder Fontenele, 2010
Embora a copa das árvores não permita observar o desenho do projeto por inteiro, as
relações de proporção do traçado, largura dos passeios e circulação, bem como a localização
dos monumentos (relógio, pérgula, monumento da independência) pode ser feita sem
impedimento.
Os desenhos apresentados, salvo as diferenças temporais e estéticas, denotam e
referenciam a praça do conhecido como “período de progresso econômico e intensas trocas
comerciais.”
Lepetit (2001, p. 148) em seu texto sobre lugares urbanos e memória coletiva afirma que
“Já que todas as condutas do grupo são cristalizadas por hábitos, elas registram
configurações espaciais passadas.” Assim, o sítio apresentado configuraria o espaço das
relações sociais da primeira metade do séc. XX, rompida ao final dos anos 70, onde se
materializaram as mudanças da sociedade parnaibana no período.
A MODERNIDADE EM PARNAÍBA: os anos de 1970-1980 e as
consequências da alteração da paisagem
No recorte temporal em estudo, o Brasil encontrava-se egresso no que chamavam de
‘milagre econômico’. Isso promoveu e financiou a característica desenvolvimentista evidente
no período e de maneira mais enfática na gestão de Alberto Tavares Silva, governador do
Piauí nos anos de 1971-1975 (Nascimento; Oliveira; Dias, 2005).
O Piauí seguia o modelo de progresso praticado no restante do país. O governo
instalado a partir do golpe militar em 1964 “outorgava-se o direito de, em nome do progresso,
promover quaisquer meios para atingi-lo” (Nascimento; Oliveira; Dias, 2005). Eram as
‘estratégias’ (Certeau, 1994) da ditadura para cercear quaisquer táticas de contestação.
Em Parnaíba, essa ‘modernização autoritária’ (Nascimento; Oliveira; Dias, 2005, p. 6)
também se fez presente refletindo as ações praticadas em todo o Estado. A exemplo disso, na
capital Teresina, inferiu-se intervenções remodeladoras em praças bastante populares e sem
qualquer participação ou consentimento dos usuários na decisão tal qual a polêmica
transformação do largo Praça da Graça em Parnaíba. Porém, para melhor compreensão do
contexto estudado é preciso retroceder um pouco.
Após um intenso período de desenvolvimento econômico e sócio cultural iniciado no
fim do século XIX a ‘Belle Époque’ parnaibana chegava ao fim (Silva, 2012). O município
atravessava na segunda metade do século XX um declínio econômico devido à baixa do ciclo
extrativista e da ampliação da malha rodoviária que deixou o transporte fluvial em desuso
(Nascimento; Oliveira; Dias, 2005).
Em contrapartida, a capital empreendia grandiosas obras de infra-estrutura que
veiculavam no imaginário popular a onírica modernidade. Isso porque Nos países emergentes
do séc. XX, como o Brasil, o modernismo acontece mais como uma ideologia, ou seja,
modernidade, com seu caráter onírico e expressão do desejo de desenvolvimento do que de
fato como realidade social (Marshall, 1986). Parnaíba não acompanhava nesse momento, em
termos financeiros, o progresso e as transformações da capital.
Com a retração da economia instalou-se a marginalização, o abandono e a
degradação urbana e arquitetônica Na tentativa de alcançar o progresso vislumbrado na
capital e em outras cidades do estado e da nação é que as forças dominantes no período em
questão propuseram e realizaram uma serie de transformações modernizadoras na cidade,
fugindo do aparente atraso e estagnação. (Mendes, 2012).
No período estudado, muitas edificações que compunham o entorno imediato da
Praça da Graça foram derrubadas para dar espaço às novas construções modernas, a
exemplo da tipologia institucional adotada, de características pré estabelecidas e materiais
mais avançados. Assim, se concretizaram por toda cidade alterações de traçado urbano e
expurgo de mobiliário e construção civil que remetesse ao passado, renovando sua paisagem
urbana e deixando marcas em sua sociedade. Baseada nas concepções modernas de
desvinculação com o passado para realização do novo projetou-se uma praça completamente
distinta da anterior, palco das memórias coletivas por sediar importantes acontecimentos
históricos. Isso alterou significativamente a relação de identidade dos usuários com o local.
O projeto aprovado pela Secretaria de Obras foi encomendado junto ao tradicional
escritório Borsoi, em Recife, reconhecido nacionalmente por seus trabalhos. Com as obras já
iniciadas pela construtora Engene, notou-se que a nova praça não atendia as exigências em
contrato, mas, segundo Silva (1978) o real motivo para a total demolição foi a leitura errônea
do projeto recebido do escritório contratado pelos assessores do prefeito, que não possuíam
conhecimento técnico para tal, transformando a referida praça em local de estacionamento.
Uma vez descoberto o erro, se fez necessário o desmanche do serviço acarretando a
destruição. Esse fato ocasionou a total demolição do logradouro que pode ser visto na figura
08, onde se identifica apenas a vegetação existente e os passeios encontram-se em forma de
grandes buracos e movimentações de terra que impossibilitavam a utilização do espaço para
passagem e lazer. Em seguida a esse fato deu-se a paralisação das obras por falta de
recursos (Santana, 1982).
A praça original divida em duas partes e que possuía enorme apego sentimental pela
população daria lugar a um projeto do Design Gerson Castelo Branco, completamente distinto
inserido no contexto de modernização. A nova proposta urbana priorizou a concepção
moderna de praça como espaço livre, de circulação e área verde (Caldeira, 2007). Os dois
jardins deram lugar a um lago artificial iluminado com duas plantações de pau Brasil. Após
essa transformação, a praça permaneceu inalterada até o ano de seu tombamento pelo
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, IPHAN no ano de 2008.
Considerações finais
As diversas modificações urbanas e arquitetônicas ocorridas nas décadas de 70 e 80
faziam parte do pensamento moderno de desvinculação com o passado para realização do
“novo.”
Essas alterações foram feitas com o sentido político de imprimir sua marca em um
logradouro importante da cidade, perpetuando os feitos de uma gestão. Foram realizadas
também com a intenção de demonstrar a prosperidade econômica da cidade recuperada após
uma intensa crise financeira devido ao declínio do comércio devido ao desuso do transporte
naval.
A região analisada passou por inúmeras intervenções que levaram às
descaracterizações e retiradas de itens de valor sentimental e histórico, devendo ter sua
história preservada. A memória de um local repleto de fatos históricos é vital para a
compreensão da transformação social.
Observou-se durante a pesquisa a relevância do entorno e do logradouro Praça da
Graça para a cidade e seus habitantes ao se constituir em local de memória, símbolo de
identificação de uma sociedade e sede de acontecimentos que refletiam e representavam as
transformações políticas e sociais vivenciadas pela população na época em estudo e em anos
anteriores.
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