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História e Turismo Vol.1

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Apostila didática da disciplina História e Turismo presente na grade curricular da graduação de Turismo (CEDERJ)

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  • Luiz Alexandre Mees

    Valria Lima Guimares

    Histria e Turismo

    Volume 1 Mdulo 1

  • Volume 1 - Mdulo 1 Histria e Turismo

    Apoio:

    Luiz Alexandre MeesValria Lima Guimares

  • Material Didtico

    M495

    Mees, Luiz Alexandre. Histria e Turismo. v. 1 / Luiz Alexandre Mees, Valria Lima

    Guimares Rio de Janeiro: Fundao CECIERJ, 2010.

    250p.; 19 x 26,5 cm.

    ISBN: 978-85-7648-532-2

    1. Turismo. 2. Turismo - Histria I. Mees, Luiz Alexandre. II. Guimares, Valria Lima. III. xxx.

    CDD: 338.4791

    Referncias Bibliogrfi cas e catalogao na fonte, de acordo com as normas da ABNT.

    Copyright 2009, Fundao Cecierj / Consrcio Cederj

    Nenhuma parte deste material poder ser reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer meio eletrnico, mecnico, por fotocpia e outros, sem a prvia autorizao, por escrito, da Fundao.

    2010/1

    ELABORAO DE CONTEDOLuiz Alexandre MeesValria Lima Guimares

    COORDENAO DE DESENVOLVIMENTO INSTRUCIONALCristine Costa Barreto

    SUPERVISO DE DESENVOLVIMENTO INSTRUCIONAL Cristiane Brasileiro

    DESENVOLVIMENTO INSTRUCIONAL E REVISO Alexandre BelmonteJos Meyohas

    AVALIAO DO MATERIAL DIDTICOThas de Siervi

    EDITORATereza Queiroz

    REVISO TIPOGRFICACristina FreixinhoDaniela de SouzaDiana CastellaniElaine BaymaPatrcia Paula

    COORDENAO DE PRODUOJorge Moura

    PROGRAMAO VISUALAlexandre d'Oliveira

    ILUSTRAOSami Souza

    CAPASami Souza

    PRODUO GRFICAPatricia Seabra

    Departamento de Produo

    Fundao Cecierj / Consrcio CederjRua Visconde de Niteri, 1364 Mangueira Rio de Janeiro, RJ CEP 20943-001

    Tel.: (21) 2334-1569 Fax: (21) 2568-0725

    PresidenteMasako Oya Masuda

    Vice-presidenteMirian Crapez

    Coordenao do Curso de TurismoUFRRJ - Teresa Catramby

  • Universidades Consorciadas

    Governo do Estado do Rio de Janeiro

    Secretrio de Estado de Cincia e Tecnologia

    Governador

    Alexandre Cardoso

    Srgio Cabral Filho

    UENF - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE FLUMINENSE DARCY RIBEIROReitor: Almy Junior Cordeiro de Carvalho

    UERJ - UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIROReitor: Ricardo Vieiralves

    UNIRIO - UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIROReitora: Malvina Tania Tuttman

    UFRRJ - UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIROReitor: Ricardo Motta Miranda

    UFRJ - UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIROReitor: Alosio Teixeira

    UFF - UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSEReitor: Roberto de Souza Salles

  • Aula 1 Viajar preciso... as viagens no mundo antigo ___________ 7 Luiz Alexandre Mees Valria Lima Guimares

    Aula 2 Pelos caminhos da Idade Mdia _____________________ 31 Luiz Alexandre Mees Valria Lima Guimares

    Aula 3 Passagem para o mundo moderno____________________ 55 Luiz Alexandre Mees Valria Lima Guimares

    Aula 4 E veio a Era Industrial... ____________________________ 81 Luiz Alexandre Mees Valria Lima Guimares

    Aula 5 Os impactos da Revoluo Industrial no turismo _______ 107 Luiz Alexandre Mees Valria Lima Guimares

    Aula 6 Um mundo em transio __________________________ 131 Luiz Alexandre Mees Valria Lima Guimares

    Aula 7 Revolues burguesas na Europa e os ventos revolucionrios na Amrica Latina __________________ 155 Luiz Alexandre Mees Valria Lima Guimares

    Aula 8 Do Grand Tour s viagens corporativas de incentivo: relaes entre turismo, trabalho e tempo livre _________ 179 Luiz Alexandre Mees Valria Lima Guimares

    Aula 9 O nascimento do Brasil: da pr-histria colonizao portuguesa __________________________ 203 Luiz Alexandre Mees Valria Lima Guimares

    Aula 10 Os pioneiros nas Amricas ________________________223 Luiz Alexandre Mees Valria Lima Guimares

    Referncias _____________________________________________243

    Histria e Turismo Volume 1

    SUMRIO

  • 1 Viajar preciso...as viagens no mundo antigoMeta da aula

    Apresentar as principais transformaes ocorridas na histria do mundo ocidental e oriental, durante a Antigi-dade, sob a tica das viagens e dos deslocamentos rea-lizados pelos povos desse perodo, com destaque para o legado deixado pelas civilizaes grega e romana.

    Objetivos

    Ao fi nal desta aula, voc dever ser capaz de:

    reconhecer a importncia da Histria para os estudos tursticos;

    conhecer as diversas formas de contagem do tempo, distinguindo os perodos que marcaram os grandes processos de transformao das sociedades;

    localizar no tempo e no espao as antigas sociedades que deixaram um importante legado para o mundo ocidental;

    identifi car a diferena entre as viagens no mundo an-tigo e o turismo contemporneo.

    2

    3

    1

    4

  • 8Aula 1 Viajar preciso...as viagens no mundo antigo

    Abrindo a cortina do passado...

    Nossa disciplina se prope a analisar alguns dos acontecimentos

    histricos mais marcantes das sociedades, relacionando-os aos

    estudos do Turismo. Para isso, consideramos fundamental iniciar

    a nossa conversa revisitando um assunto muito importante para

    o estudo da Histria: a contagem do tempo. Nunca demais rev-

    er alguns conceitos j conhecidos.

    Chronos, o tempo, no pra

    O tempo fsico (o calendrio)

    Existem diferentes percepes de tempo. O tempo fsico do

    calendrio uma inveno artifi cial, criada pelos homens com base

    nos conhecimentos de Astronomia. As divises do tempo fsico obe-

    decem a intervalos regulares e esse tempo linear e irreversvel.

    Segue sempre em frente; no volta jamais. Os calendrios variam

    de acordo com os valores de determinadas civilizaes. Em 2008,

    os judeus, por exemplo, para os cristos, estaro no ano 5769,

    e os muulmanos, no ano 1388. Cabe des-tacar, tambm, a im-

    portncia do calendrio lunar para esses e muitos outros povos

    do mundo, como os chineses, as antigas civilizaes amerndias

    (astecas, incas, maias, entre outras), as tradicionais sociedades

    indgenas brasileiras que existem na atualidade (bororo, assuri-

    ni, xavante) etc.

  • Mdulo 1 Histria e Turismo

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    Kronos (na mitologia grega) ou Saturno (na mitologia romana) era a personifi cao do Tempo, uma divindade extremamente importante na vida de gregos e romanos, pois era a chave para a explicao das origens do mundo. Kronos era representado pelos gregos como uma fi gura bizarra que devorava os seus fi lhos, numa referncia ao passar do tempo e ao fi m da vida. Saturno era representado pelos romanos como um velho curvado, carregando uma foice, demons-trando o seu controle sobre o tempo e o fi m da vida.

    Cronologia crist

    A periodizao da Histria mais utilizada no Ocidente parte

    da idia de que o nascimento de Cristo to importante para a

    Humanidade que o tempo deve ser dividido em dois perodos:

    antes de Cristo (a. C.) e depois de Cristo (d.C.). A unidade de

    tempo utilizada com mais freqncia, quando se fala em longa

    durao, o sculo.

    Figura 1.1: Saturno devorando um de seus fi lhos.Obra do pintor espanhol Goya (1746-1828).

  • 10

    Aula 1 Viajar preciso...as viagens no mundo antigo

    Algumas pessoas se confundem na contagem dos sculos

    devido ao fato de no haver ano 0 nem sculo 0 como marco

    inicial do nascimento de Cristo (no h zero em algarismos ro-

    manos! Desta forma, determinou-se que Cristo teria nascido no

    ano 1). Na contagem dos sculos, o ano de 1505, que aparenta

    pertencer ao sculo XV, na verdade corresponde ao sculo XVI.

    Observe o exemplo a seguir:

    Nascimento de Cristo ano I do sculo I d. C.

    Sculo I d.C: 1 100

    Sculo II 101 a 200

    Sculo III 201 a 300

    ...

    Sculo XIX 1801 a 1900

    Sculo XX 1901 a 2000

    Sculo XXI 2001 a 2100

    Um modo fcil de se determinar o sculo a partir do ano

    em algarismos arbicos somar 1 aos dois primeiros nmeros

    de um milhar. Por exemplo: no ano de 1997, os dois primeiros

    nmeros formam o 19. Temos, ento, 19 + 1 = 20.

    Assim, 1997 pertence ao sculo XX.

    No entanto, quando um ano termina em 00, como, por

    exemplo, o ano 2000, temos uma exceo regra. Neste caso,

    os dois primeiros nmeros indicaro o sculo. Exemplifi cando:

    Ano 2000: termina em 00 e os dois primeiros nmeros formam 20.

    Logo, temos tambm o sculo XX. (Voc se lembra de que vrias

    pessoas comemoraram, erroneamente, a chegada do novo sculo

    em 01/01/2000? Em que ano, na verdade, comeou o sculo XXI?)

    No caso de anos expressos em centenas, vale a mesma

    regra, porm considera-se apenas o primeiro algarismo.

    Ex: 789 a.C. = sculo VIII a.C. (7 + 1); 300 d.C = sculo III d.C.

    (3 + 0).

    IV III II I I II III IV V XX XXI...

    ... ...

    a.C. d.C.Nasc. Cristo

  • Mdulo 1 Histria e Turismo

    11

    Tradicionalmente, os sculos so representados em algaris-

    mos romanos. Hoje em dia, porm, j encontramos registros que

    indicam sculos atravs de algarismos arbicos, por exemplo, s-

    culo 19 em vez de sculo XIX. A forma mais comum, entretanto,

    continua a ser a de indicar os sculos em algarismos romanos.

    As divises da Histria

    A concepo de Histria, que herdamos da nossa coloni-

    zao, se divide em quatro momentos, todos tendo importncia

    para a Europa, mas nem sempre signifi cativos para o resto do

    mundo. uma viso eurocntrica de Histria:

    Idade Antiga da inveno da escrita, aproximadamente em

    4000 a.C., at a queda do Imprio Romano do Ocidente, em 476 d.C.

    Idade Mdia de 476 d.C. at a tomada de Constantinopla pelos

    turcos-otomanos, em 1453.

    Idade Moderna de 1453 at 1789, data da Revoluo Francesa.

    Idade Contempornea de 1789 at os nossos dias.

    III II I I II ... V ... XVIII...

    ... ...

    Idade Antiga

    a.C.

    XV

    d.C.

    Idade Mdia

    Idade Moderna

    Idade Con-tempornea

    Lembre-se de que esta representao da linha do tempo

    bastante criticada pelos historiadores, pois sugere linearidade

    e nunca rupturas ou transformaes. A Histria no tem sempre

    o mesmo sentido. A reta serve apenas para ajudar na compreen-

    so da contagem do tempo.

    Em resumo, as periodizaes so importantes para com-

    preendermos a Histria, desde que tenhamos em mente o fato de

    que elas retratam um determinado poder poltico, econmico e cul-

    tural, que se expressa nas datas e nos temas escolhidos para serem

    estudados e ensinados. intil fugirmos dessas periodizaes,

    visto que tambm so adotadas por ns em face da colonizao

  • 12

    Aula 1 Viajar preciso...as viagens no mundo antigo

    europia, alm de facilitar o ensino da Histria. Mas isto no nos

    impede de sugerir outras periodizaes possveis para a nossa

    cultura. Portanto, percebemos que a diviso da Histria tambm

    tem histria.

    O tempo histrico ou social

    O tempo histrico no regular ou linear como o tempo

    fsico ou cronolgico. formado por diferentes duraes, j que

    est relacionado s aes dos grupos humanos. E esse tempo

    no segue exatamente os relgios e os calendrios. Os fenme-

    nos histricos podem ter longa durao (de ritmos mais lentos),

    mdia durao (conjuntural, representada por transformaes

    econmicas, polticas ou sociais) ou curta durao (episdicos).

    A escravido no Brasil, por exemplo, um fenmeno de

    longa durao, perdurando mais de 300 anos. A Independncia

    do Brasil, vista como um processo, um fenmeno de mdia

    durao. Muitos historiadores concordam com a tese de que o

    processo se iniciou com a Abertura dos Portos, em 1808, e culmi-

    nou com a abdicao de D. Pedro I do trono brasileiro, em 1831.

    J o episdio da vitria da Seleo Brasileira de Futebol na Copa

    de 1970, por exemplo, est restrito curta durao.

    O tempo da natureza e o tempo da fbrica

    Esta diviso do tempo importante por se relacionar ao

    nosso mundo do trabalho. Em muitas sociedades rurais e tempos

    histricos, os trabalhadores vivenciam um tempo da natureza,

    relacionado ao dia e noite, s variaes do clima, s pocas de

    plantio e de colheita etc.

    O historiador francs Lucien Febvre conta que a populao

    do campo na Frana do sculo XVI se referia ao tempo dizendo:

    por volta do sol levante ou por volta do sol poente.

    J nas sociedades industriais contemporneas, os traba-

    lhadores de uma fbrica, por exemplo, vivenciam um ritmo de

  • Mdulo 1 Histria e Turismo

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    tempo marcado pelas horas do relgio, mesmo porque as horas

    de trabalho, em geral, so vendidas por determinado preo: o

    salrio. Assim, nesse tempo da fbrica tambm encontrado

    em outras atividades profi ssionais , a jornada de trabalho no

    obedece mais ao nascer e ao pr-do-sol ou s variaes do clima,

    mas s exigncias da empresa.

    O tempo da fbrica, institucionalizado ps-Revoluo In-

    dustrial, ser importante para os estudos do turismo, pois, com

    ele, ir surgir tambm o tempo livre e o tempo de lazer.

    Atividade

    1.a. Faa uma relao das diferentes concepes de tempo estu-dadas nesta aula, destacando aquelas que tm maior relevncia para o estudo da Histria associada ao Turismo.

    ____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

    1.b. Em nossa sociedade atual, a falta de tempo uma das prin-cipais queixas das pessoas. Na sua opinio, por que o tempo, no sculo XXI, parece ter se tornado to curto, especialmente para os mais jovens?

    ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

    Respostas Comentadas

    Nesta questo, devero ser mencionados: o tempo cronolgico, o tempo histrico ou social, o tempo da natureza e o tempo da fbrica, destacando-se o tempo cronolgico e o da fbrica como fundamen-tais para a atividade turstica e a relao com os estudos histricos. O tempo da natureza tambm poder ser considerado, tendo em vista a deciso de muitos turistas de viajar conforme as estaes do ano, os fenmenos climticos etc.

  • 14

    Aula 1 Viajar preciso...as viagens no mundo antigo

    b. A questo admite diferentes respostas. Voc poder fazer uma refl exo sobre si mesmo e o mundo que o cerca, desenvolvendo a sua resposta, por exemplo, na seguinte direo: a vida se tornou mais complexa do que em outras pocas, com muitas facilidades tecnolgicas, mas, ao mesmo tempo, muito mais atividades a serem realizadas durante o dia, o que torna o tempo atual, especialmente o dos mais jovens, escasso para o cumprimento de tantos papis a serem desempenhados em nossa sociedade.

    Sobre os antigos viajantes: o mundo em movi-mento

    O mundo como um livro; quem no viaja s l uma pgina.

    Santo Agostinho

    Certamente, voc j assistiu (ou pelo menos espiou) a um

    daqueles fi lmes picos que narram a saga dos povos do mundo

    antigo. Uma caracterstica bastante comum a esses fi lmes so os

    longos deslocamentos realizados por determinado grupo de pes-

    soas (soldados, nmades, mercenrios, aventureiros, peregrinos,

    mercadores e outros), motivado por algum objetivo, seja ele

    poltico, econmico ou social. Pestes, fome, guerras, catstrofes

    naturais, comrcio... Enfi m, diversas motivaes caracterizam as

    viagens na Antigidade, que nos ajudam a contar um pouco da

    histria das sociedades do mundo antigo.

    No nossa pretenso aqui relatar todas as sociedades an-

    tigas e suas experincias, aventuras e desventuras pelo mundo.

    Isso seria tarefa impossvel e de pouca importncia para um aluno

    iniciando o curso de graduao em Turismo. O que pretendemos

    nesse dilogo com voc apresentar a importncia dos desloca-

    mentos e viagens para a Humanidade e convid-lo para um outro

    tipo de viagem, refl etindo o imenso valor do estudo da Histria

    para o Turismo e, conseqentemente, para a sua formao.

    Assim, selecionamos alguns exemplos de sociedades do

    mundo antigo para, ao mesmo tempo, percebermos as transfor-

    maes que foram ocorrendo ao longo da histria do perodo e,

  • Mdulo 1 Histria e Turismo

    15

    tambm, como no poderamos deixar de abordar, qual a im-

    portncia das viagens nesses contextos.

    Portanto, entregue-se aventura dessa viagem. O ensino da

    Histria mudou bastante nos ltimos anos, e a nossa preocupao

    maior que voc seja um leitor crtico, saiba analisar as informa-

    es e relacion-las com a realidade do mundo em que voc vive,

    comparando passado e presente e as transformaes ou continui-

    dades entre as sociedades distintas, em diferentes pocas.

    Aperte o cinto! Vamos dar incio nossa viagem ao passado...

    Desde a Pr-Histria, o homem est em movimento. O no-

    madismo, caracterizado pela freqente mudana de regio dos

    grupos humanos, foi uma necessidade constante de muitos povos

    procura de condies ideais para a sua sobrevivncia, forando

    homens e mulheres a percorrerem grandes distncias ao longo

    dos tempos. Vrias teorias que explicam o aparecimento do ser

    humano nas Amricas, por exemplo, tratam dos deslocamentos

    de nossos ancestrais, oriundos da sia e da frica. A mais nova

    teoria, encabeada pela antroploga francesa Nide Guidon, ra-

    dicada no Brasil, vem tendo grande aceitao por parte da comu-

    nidade cientfi ca. A pesquisadora defende que o homem primitivo

    americano tem origens diversas, pois seus componentes biolgi-

    cos so distintos. Essa teoria refora a diversidade de povos que

    habitaram as Amricas em pocas muito remotas, caracterizando

    o intenso deslocamento das pessoas desde ento.

    Podemos nos referir Antigidade ou Antigas Civilizaes,

    quando falamos de povos muito antigos. Em geral, costuma-se divi-

    dir este perodo histrico em Oriental englobando principalmente

    as civilizaes da Mesopotmia e Egito (ligados a estas duas esto

    os fencios, hebreus e persas) e Clssica basicamente as civili-

    zaes grega e romana. Porm, importante saber que podemos

    classifi car como Antigidade Oriental vrios outros povos e civili-

    zaes que, por estarem bem mais distantes da nossa formao

    cultural ocidental, s recebem a devida ateno em estudos mais

    aprofundados como, por exemplo, China, Japo, ndia, e todo o

    restante da sia.

  • 16

    Aula 1 Viajar preciso...as viagens no mundo antigo

    A Bblia, que relata a criao do mundo e o desenvolvimento das sociedades na viso judaico-crist, tambm uma valiosa fonte de informao histrica. Nela esto contidas, por exemplo, narrativas da longa travessia dos hebreus pelo deserto, sob o comando de Moiss, sados do Egito, onde eram escravizados, rumo Terra Pro-metida (Antigo Testamento). xodo, 13:17-18

    17. E aconteceu que, quando o Fara deixou ir o povo, Deus no

    os levou pelo caminho da terra dos fi listeus, que estava mais

    perto; porque Deus disse: Para que porventura o povo no se

    arrependa, vendo a guerra, e volte ao Egito.

    18. Mas Deus fez o povo rodear pelo caminho do deserto do

    Mar Vermelho; e, armados, os fi lhos de Israel subiram da terra

    do Egito.

    Mediterrneo

    Buccoth

    Rameses

    Monte Sinai(Jebel el Laws)

    Egito

    Arbia

    Figura 1.2: Provvel rota do xodo.Fonte: http://mucheroni.hpg.com.br/religiao/96/arqueologia/exodo1.htm

    Pertencendo tanto Antigidade quanto Pr-Histria, se to-

    marmos como referncia o desenvolvimento ou no de um sistema

    de escrita, temos ainda os reinos africanos e povos da Amrica

    pr-colombiana: maias, incas, mexicas, gs, xavantes, moxica, aru-

    aques, tupis, povos sambaqueiros, guaranis e tantos outros.

  • Mdulo 1 Histria e Turismo

    17

    Outras duas das mais clebres e pioneiras obras da literatura

    universal so os picos Ilada e Odissia, atribudas a Homero, es-

    critas por volta do sculo VIII a.C. A Ilada narra os acontecimentos

    que marcaram a Guerra de Tria, ocorrida entre 1300 e 1200 a.C,

    quando um grupo de aqueus (povo seminmade que migra para

    a Grcia) invade a cidade de Tria, trazendo em detalhes aspectos

    polticos e culturais do perodo em que a obra foi produzida. J

    a Odissia destaca as viagens e aventuras vividas pelo persona-

    gem Ulisses (em grego, Odisseu), que retorna da Guerra de Tria,

    enfrentando diversos perigos e a ira do deus Poseidon at, fi nal-

    mente, chegar sua casa, protegido por Atena.

    Os dois trabalhos tm como pano de fundo um fato histri-

    co, que a Guerra de Tria; do conta da importncia da mitolo-

    gia para a organizao da sociedade grega, citam elementos da

    vida cotidiana dos gregos, destacam a necessidade das viagens

    no mundo antigo e, juntando os ingredientes de uma boa epo-

    pia, esto entre as obras mais lidas em todo o mundo.

    Por falar na Grcia, a sua prpria formao est associada

    chegada de vrios povos que para l se deslocavam, provenientes

    da Europa oriental. Os mais tradicionais so os aqueus, os jnios,

    O xodo foi uma das mais signifi cativas mostras do deslocamento de povos no Mundo Antigo, comprovada cientifi camente. Os textos bblicos, portanto, tornam evidentes os longos deslocamentos rea-lizados pelos povos antigos, a importncia das viagens para esses povos e as inmeras difi culdades enfrentadas.

    Observe as difi culdades encontradas nas viagens do Apstolo Paulo, relatadas no livro Segunda Epstola aos Corntios, captulo 11, versculos 24 a 27, do Novo Testamento:

    24. Cinco vezes recebi dos judeus uma quarentena de aoites menos

    um; 25. Fui trs vezes fustigado com varas; uma vez, apedrejado;

    em naufrgio, trs vezes; uma noite e um dia passei na voragem do

    mar; 26. Em jornadas, muitas vezes; em perigos de rios, em perigos

    de salteadores, em perigos entre patrcios, em perigos entre gentios,

    em perigos no mar, em perigos entre falsos irmos; 27. Em trabalhos

    e fadigas, em viglias, muitas vezes, em fome e sede, em jejuns, mui-

    tas vezes, em frio e nudez.

  • 18

    Aula 1 Viajar preciso...as viagens no mundo antigo

    os elios e os dricos. So os chamados povos helnicos, que

    ali se estabeleceram no terceiro milnio, entre 3000 e 2000 a.C.

    Sua histria marcada por diversas guerras, saques, invases

    e pilhagens.

    O perodo clssico (sculo VIIV a.C.), caracterizou-se como

    o apogeu da sociedade grega. Especialmente Atenas, a maior

    cidade grega, viveu um perodo de grande desenvolvimento no

    chamado Sculo Dourado, quando Pricles governou a cidade

    durante 30 anos. Atenas apresentou um grande crescimento

    econmico com a intensifi cao das viagens comerciais; o de-

    senvolvimento das artes, da literatura, das cincias e da poltica

    marcada pelo expansionismo e por uma democracia sustentada

    pela escravido. Dos gregos antigos, herdamos a tradio do

    teatro, o aperfeioamento do alfabeto fencio, os primrdios da

    Filosofi a, a noo de democracia, algo da Matemtica e da Me-

    dicina, a prpria escrita da Histria e muito das artes e da arquite-

    tura que infl uenciaram, em muito, a civilizao ocidental.

    nesse perodo que o primeiro historiador de que se teve

    notcia, Herdoto de Halicarnasso, escreve a obra Histria, na qual

    busca descrever, de acordo com o seu olhar de cidado grego,

    diversos outros povos do perodo, chamados pelos gregos br-

    baros (povos estrangeiros e que no falam o grego), entre eles os

    egpcios, a quem dedica um volume inteiro. Segundo o autor,

    os resultados das investigaes aqui apresentados tm por

    objetivo manter a memria dos acontecimentos, para que

    no se apague entre os homens com o passar do tempo,

    e para que feitos maravilhosos e admirveis dos helenos

    e dos brbaros no deixem de ser lembrados, inclusive as

    razes pela quais eles se guerrearam (HERDOTO, T:1).

    Herdoto descreve em detalhes o resultado das observaes

    realizadas em sua viagem ao Egito, como a localizao geogrfi ca

    do pas, sua sociedade, costumes, vida cotidiana, poltica, religio,

    entre outros aspectos. Seu trabalho, por muito tempo, tornou-se

    obra de referncia de muitos pesquisadores sobre o Egito Antigo.

  • Mdulo 1 Histria e Turismo

    19

    A herana que os gregos nos deixaram: Grcia Antiga, um roteiro imperdvelPor toda a sua importncia histrica, a Grcia, considerada o bero da civilizao ocidental, recebe um grande fl uxo de turistas anualmente, interessados em conhecer a beleza paradisaca das ilhas gregas, e, sobretudo, o seu legado cultural. Entretanto, boa parte do seu acervo cultural encontra-se em museus de outros pases da Europa e nos Estados Unidos, como ocorre com o patrimnio do Antigo Egito.Dentre os atrativos gregos mais visitados, esto os templos dos deuses, com destaque para o Partenon, templo dedicado a Atena, na Acrpole da capital, que leva o nome da deusa.

    Figura 1.3: Partenon.Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/partenon

  • 20

    Aula 1 Viajar preciso...as viagens no mundo antigo

    Outros atrativos bastante procurados:

    A cidade de Olmpia, onde eram realizados os jogos em honra aos deuses, que inspiraram os atuais Jogos Olmpicos.

    Figura 1.4: Antigo teatro grego na cidade de Delfos.Fonte: http://www.guiageo-grecia.com/fotos.htm

    Figura 1.5: Estdio onde se realizavam os jogos olmpicos da antigidade.Fonte: http://www.oleme.pt/turismo/grecia/olimpia/fotos/slides.html

  • Mdulo 1 Histria e Turismo

    21

    Cabe ainda destacar outra grande civilizao da Antigidade que exerceu signifi cativa infl uncia sobre o mundo ocidental: Roma. Com um exrcito bem equipado e dispondo de muitos recursos, conquistou vrios povos entre os sculos III e II a.C., submetendo-os escravido ou ao pagamento de impostos. O Imprio Romano, no seu apogeu, estendeu o seu domnio da Europa ocidental ao Oriente.As intensas relaes com a Grcia marcaram profundamente a cul-tura romana, que em muito se assemelhava na religio (politesta, inspirada na cultura grega, at a consolidao do cristianismo), nas artes, especialmente pintura, arquitetura e teatro, na poltica, entre outros aspectos. A crise do Imprio Romano se deveu a diversos fatores, entre eles a corrupo, os excessivos gastos com o luxo dos administradores, a crise econmica e de abastecimento e o enfraquecimento do exr-cito e, conseqentemente, da vigilncia sobre as fronteiras, facili-tando as chamadas invases brbaras.No auge da crise, no fi nal do sculo IV d.C., o Imprio foi dividido em dois: Imprio Romano do Ocidente (com capital em Roma, que entrou em decadncia e chegou ao fi m em 476 d.C) e Imprio Ro-mano do Oriente ou Imprio Bizantino (sendo a capital a cidade de Constantinopla, que se manteve at 1453, com a tomada da cidade pelos turcos).Roma deixou um legado poltico e cultural de grande importncia, especialmente para o Ocidente. O Direito Romano at hoje inspira a legislao de vrios pases, assim como o latim, lngua que pas-sou a ser conhecida em toda a extenso do Imprio Romano, deu origem a diversas lnguas faladas atualmente, entre elas o italiano,

    Figura 1.6: Runas do antigo templo de Zeus, uma das Sete Maravilhas do Mundo Antigo.Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/oi%C3%admpia

  • 22

    Aula 1 Viajar preciso...as viagens no mundo antigo

    o portugus, o espanhol e o francs. Alm disso, inovaram na ar-quitetura, ao usar o arco e a abbada e inventar uma espcie de cimento. Tambm destacaram-se em muito no urbanismo. E, graas ao Imprio Romano e sua infl uncia, surge o catolicismo como re-ligio predominante na Europa Ocidental. Sem dvida, foi uma civilizao que promoveu intensas relaes cul-turais, comerciais e polticas entre povos de diversas partes do mundo antigo (onde ainda no se tinha notcia sobre a existncia da Amrica), do Ocidente ao Oriente.

    Todos os caminhos

    levam Roma.

  • Mdulo 1 Histria e Turismo

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    Atividade

    2.a. Destaque os principais motivos das viagens realizadas na Antigidade.

    ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

    Resposta Comentada

    Como discutido no incio da aula, as viagens na Antigidade e tambm na Pr-Histria tiveram motivaes diversas. Voc deve ter reparado que enfatizamos a dimenso das guerras de conquistas entre povos expansionistas, como os gregos e os romanos, os deslocamentos por necessidades bsicas de sobrevivncia, o comrcio como forte moti-vao para os contatos entre os povos, peregrinaes religiosas, entre outros. A dimenso do lazer somente ser considerada mais adiante, visto que esta uma noo contempornea e seria anacrnico (fora do tempo, erro cronolgico) atriburmos as viagens a lazer como uma das principais motivaes dos deslocamentos no mundo antigo.

    2.b. Dentre as contribuies cultura ocidental deixadas pelos antigos gregos e romanos, quais voc considera mais signifi cati-vas para o turismo?

    ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

    Comentrio

    Esta questo admite vrias respostas, e voc pode caminhar em dife-rentes direes, podendo, por exemplo, priorizar os aspectos da cultura material (obras arquitetnicas, pinturas, esculturas, literatura), citando exemplos, aspectos da cultura imaterial (religio, crenas, costumes, lngua), aspectos polticos e jurdicos que garantiram a ordem social fortaleceram essas sociedades e inspiraram outras (expansionismo, direito romano).

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    Aula 1 Viajar preciso...as viagens no mundo antigo

    2.c. Considere as conceituaes de turismo abaixo relacionadas:

    1. Para Oscar de la Torre (1992),

    o turismo um fenmeno social que consiste no deslocamento volun-

    trio e temporrio de indivduos ou grupos de pessoas que, fundamen-

    talmente por motivos de recreao, descanso, cultura ou sade, saem de

    seu local de residncia habitual para outro, no qual no exercem nenhu-

    ma atividade lucrativa nem remunerada, gerando mltiplas inter-relaes

    de importncia social, econmica e cultural.

    (Conceito adotado pela Organizao Mundial do Turismo - OMT)

    2. J para Andrade (1992),

    turismo o conjunto de servios que tem por objetivo o planeja-

    mento, a promoo e a execuo de viagens, os servios de recepo,

    hospedagem e atendimento aos indivduos e aos grupos fora de suas

    residncias habituais.

    Na sua opinio, as viagens realizadas desde os primrdios da Humanidade podem ser consideradas tursticas? Justifi que sua resposta, tomando por base os conceitos de Turismo apresenta-dos anteriormente.

    ____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

    Resposta Comentada

    Conforme evidenciado pelas defi nies citadas, o conceito de Turismo, tanto na primeira como na segunda acepo, enfatiza uma srie de elementos contemporneos que no existiam na Antigi-dade. No primeiro caso, da defi nio de Oscar de la Torre, adotada pela OMT, destacada a questo do tempo livre e do lazer como primordiais para a atividade turstica. O segundo conceito, proposto por Andrade, j considera a estrutura necessria para a organizao e a prestao dos servios tursticos, incluindo o planejamento, a promoo (marketing) e a operao desses servios. Ou seja, um

  • Mdulo 1 Histria e Turismo

    25

    conceito que considera o turismo uma atividade profi ssional que de-manda especializao dos servios e qualifi cao dos prestadores. Portanto, no h como se considerar, dentro das defi nies atuais, aceitas pela universidade e pelo mercado, que as viagens realizadas na Antigidade possam ser classifi cadas como tursticas.

    Das termas romanas s estncias hidromineraisPor todo o Imprio Romano se espalharam os balnerios ou ter-mas, com guas mornas ou frias. Tratava-se de locais de banhos p-blicos, utilizados para diferentes fi nalidades, como a higiene corpo-ral, tratamento medicinal, reunio da aristocracia para discusses polticas e tambm para relacionamentos e festas profanas. As antigas termas romanas despertam a curiosidade dos turistas e se tornaram, na atualidade, atrativos bastante visitados. A cidade de Bath, na Inglaterra, cujo nome quer dizer banho, foi fundada pelos romanos e conhecida em todo o mundo pelas propriedades teraputicas de suas guas. Sua arquitetura no deixa dvidas quanto infl uncia romana na cidade.

    Figura 1.7: Termas romanas na cidade de Bath, na Inglaterra.Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/imagem:roman_bath_at_bath_england.jpg

  • 26

    Aula 1 Viajar preciso...as viagens no mundo antigo

    Alm da visitao turstica s cidades europias que possuem edifi ca-es ou runas onde funcionaram as termas romanas na Antigidade, existe um crescente interesse turstico, que se espalha por todo o mundo, pelas estncias hidrominerais e banhos em guas termais. No Brasil, so famosas as estncias hidrominerais do chamado Circuito das guas Mineiras, que compreende as cidades de So Loureno, Cambuquira, Caxambu, Lambari, Poos de Caldas, Conceio do Rio Verde e Arax.

    H tambm o Circuito das guas Paulista, localizado na Serra da Mantiqueira, que rene as estncias de Amparo, Serra Negra, So-corro, Lindia , guas de Lindia, Jaguarina e Pedreira.

    Caldas Novas, no estado de Gois, um outro destino turstico que tambm atrai um grande nmero de visitantes, interessado nas pro-priedades teraputicas das guas, conhecidas, como vimos, desde a Antigidade. A cidade possui, inclusive, um balnerio municipal. Vrios empreendimentos tursticos esto se instalando na cidade, que j possui grandes empreendimentos hoteleiros administrados por grupos internacionais.

    Figura 1.8: Parque das guas, em So Loureno.Fonte: http://www.idasbrasil.com.br/idasbrasil/cidades/saolourenco/port/parque.asp

    Figura 1.9: guas de Lindia.Fonte: http://www.idasbrasil.com.br/idasbrasil/cidades/saolourenco/port/parque.asp

  • Mdulo 1 Histria e Turismo

    27

    Atividade Final

    Na sua opinio, como o estudo da disciplina Histria pode con-tribuir para a formao do aluno de Turismo?

    Resposta Comentada

    A questo estimula a refl exo pessoal sobre a relao Histria e Turismo, onde o aluno pode seguir caminhos distintos, mas que se complementam, considerando um ou os dois dos seguintes fatores: 1) a grande contribuio que a Histria pode oferecer para a forma-o geral do cidado e futuro profi ssional, considerando os valores humansticos, ticos, refl exivos e morais; 2) a fi nalidade prtica dos estudos da Histria, especialmente na sua vertente cultural, para a percepo do patrimnio histrico e cultural com o qual lidar como recurso para o Turismo.

    Figura 1.10: Lagoa Quente Caldas Novas,GO.Fonte:http://www.imoveis.com.br/caldasnovas/fotos.htm

  • 28

    Aula 1 Viajar preciso...as viagens no mundo antigo

    Resumo

    Viajamos, nesta aula, para um tempo muito distante do nosso.

    Conhecemos as diferentes formas que alguns povos utilizam

    para contar o tempo; refrescamos a memria sobre a contagem

    do nosso tempo, baseado no calendrio cristo; revisamos as

    tradicionais divises da Histria, utilizada como forma de orga-

    nizao didtica e que ser uma referncia muito importante ao

    longo de nossa disciplina.

    Adotando a perspectiva das viagens como forma de organiza-

    o dos contedos da aula, visitamos a Pr-Histria, na qual foi

    destacada a prtica dos deslocamentos humanos em busca de

    melhores condies de sobrevivncia. Rumo Idade Antiga,

    conhecemos importantes realizaes das grandes civilizaes do

    perodo, notadamente Grcia e Roma. Gregos e romanos eram

    povos expansionistas e, em suas viagens pelo mundo antigo,

    realizaram vrias trocas culturais com diversos povos, deixando

    um imenso legado (herana) para a nossa sociedade.

    No se pode afi rmar que o turismo tenha existido na Antigi-

    dade. Os deslocamentos, motivados pelas guerras, necessidade

    de sobrevivncia, expansionismo poltico, ou mesmo descanso,

    no caso da elite romana, que buscava os prazeres das termas nos

    balnerios, no possuam as caractersticas da atividade turstica

    tal como conhecemos hoje. Esta uma atividade essencialmente

    capitalista e s ir ganhar os seus primeiros contornos a partir

    da Revoluo Industrial, como veremos em outras aulas.

  • Mdulo 1 Histria e Turismo

    29

    Informaes sobre a prxima aula

    Na Aula 2, voc seguir com a sua viagem pelo tempo, num

    mergulho pela Idade Mdia, conhecendo outras sociedades difer-

    entes da sua, com destaque para a Europa Ocidental. Os povos

    brbaros, assim chamados pelos gregos e romanos, como vimos

    nesta aula, tero papel de destaque, assim como a consolidao

    e a expanso do cristianismo na Europa e no restante do mundo

    conhecido, ampliando o contato entre os povos e impondo rgidos

    valores e padres de comportamento, em que no havia espao

    para a dimenso do tempo livre nem do lazer, duas concepes

    fundamentais para o turismo.

  • 2 Pelos caminhos da Idade MdiaMeta

    Apresentar um panorama das transformaes ocorridas na Europa ocidental durante a Idade Mdia, bem como os legados da poca, algumas caractersticas da arte e da arquitetura, dos deslocamentos, da hospedagem e da hospitalidade.

    Objetivos

    Ao fi nal desta aula, voc ser capaz de:

    estabelecer diferenas entre os estilos romnico e gtico da arquitetura medieval, bem como caracte-rsticas da pintura da poca;

    identifi car e diferenciar as formas de deslocamento, dos meios de hospedagem e da hospitalidade medi-evais;

    estabelecer relaes entre as viagens de peregrinao medievais e o turismo religioso da atualidade;

    reconhecer as principais caractersticas da Idade Mdia e as possveis relaes com os tempos atuais.

    2

    3

    1

    4

  • 32

    Aula 2 Pelos caminhos da Idade Mdia

    A Idade da F

    Nossa viagem pelo tempo visita, desta vez, o segundo perodo

    histrico tradicional: a Idade Mdia ou medieval. Por que m-

    dia? Como o prprio nome j diz e voc deve se recordar da

    Aula 1, quando falamos em periodizao tradicional da Histria ,

    a Idade Mdia forma o perodo mediano entre a Antigidade e a

    Idade Moderna. Essa designao, contudo, foi dada a posteriori.

    Surge entre os humanistas do sculo XV, referindo-se pejorati-

    vamente a uma poca obscura anterior a idade das trevas em

    que os valores clssicos do mundo antigo teriam sido esqueci-

    dos e, segundo eles, nada digno de nota houvesse sido criado.

    Esta posio ser mudada apenas no sculo XIX com o movi-

    mento do Romantismo, que passa a valorizar a Idade Mdia, em

    especial os ideais cavalheirescos (boas maneiras, honra, cora-

    gem etc.).

    Hoje, o conceito pejorativo da poca foi revisto pelos historia-

    dores que, atravs de pesquisas, consideram a Idade medieval um

    importante perodo que nos deixou um valioso legado nas artes,

    fi losofi a, cincia, durante o qual foram lanadas as estruturas bsi-

    cas do mundo moderno, inclusive as da economia capitalista.

    A Alta e a Baixa Idade Mdia

    A poca medieval pode tambm ser subdividida em

    recortes de tempo menores. Numa das formas mais correntes de

    diviso, ela separada em dois perodos:

    Alta Idade Mdia que vai do sculo VI ao XI.

    Baixa Idade Mdia que vai do sculo XI ao XV.

    A maior parte das referncias populares que temos sobre

    o perodo medieval fi lmes, imaginrio e inclusive os estudos

    relacionados aos deslocamentos nesta poca decorrente da

    Baixa Idade Mdia.

  • Mdulo 1 Histria e Turismo

    33

    Um pouco de Histria

    Vamos lembrar que os romanos da Antigidade formaram

    um imprio que, grosso modo, circundava o mar Mediterrneo,

    que, por causa disso, recebeu deles o apelido de Mare Nostrum

    (nosso mar). Nas bordas deste territrio, porm, desenvolveram-se

    povos cuja cultura era distinta e menos elaborada que a dos

    romanos. Acostumados a olhar sua cultura como superior, os

    antigos romanos denominam esses povos brbaros. Com a cri-

    se e a decadncia de Roma, esses povos limtrofes invadem e

    conquistam o territrio do Imprio Romano, levando a populao

    das cidades a um movimento de ruralizao (valorizao da zona

    rural), construo de fortalezas de proteo os famosos caste-

    los medievais , vilas protegidas, muralhas e relaes de pro-

    teo entre senhores e vassalos, que leva prtica do feudalismo.

    A unidade dos territrios do Imprio Romano, centralizado e hie-

    rarquizado, substituda por reinos, cuja maioria tinha vida curta.

    A mistura das lnguas brbaras com o latim romano resulta nas

    chamadas lnguas vulgares faladas at hoje: portugus, francs,

    italiano, ingls (anglo-saxes), catalo etc.

    Feudalismo Sistema de organiza-o econmica, social e poltica baseado nos

    vnculos de homem a homem, subordinados

    uns aos outros por uma hierarquia de vnculos de

    dependncia que dominam uma massa campesina

    que explora a terra e lhes fornece com que viver

    (JACQUES LE GOFF).Anglos, saxes, ostrogodos, vndalos e francos so, em geral, a denominao dos chamados povos brbaros, que tinham como caracte-rstica a vida em reinados hereditrios, tendo a famlia como organizao social prin-cipal. As leis eram costumeiras (baseadas em costumes e no em leis escritas) e a religio, politesta, cultuava divindades ligadas Natureza (raio, vento,

    trovo...). A economia era baseada em trocas comerciais e na agricul-tura. Mais tarde, outros povos promovem novos ataques s terras do Ocidente: hngaros, muulmanos e vikings. Os muulmanos deman-dam especial ateno, j que conquistam o sul da Pennsula Ibrica.

  • 34

    Aula 2 Pelos caminhos da Idade Mdia

    E o Deus cristo passa a ser o centro do mundo...

    praticamente impossvel entender a Idade Mdia sem

    fazermos ligao com o cristianismo. A religio crist, durante o

    Imprio Romano, era, de incio, marginal em meio aos diferentes

    e variados cultos e deuses do Imprio. Era professada apenas

    pelos descendentes de judeus que viviam na periferia de Roma,

    mas vai aos poucos se difundindo nas camadas mais pobres da

    populao especialmente entre os escravos at atingir tam-

    bm famlias da nobreza romana.

    Com o decreto de liberdade de culto concedido pelo impera-

    dor Constantino em 313 d.C. e a ofi cializao do cristianismo como

    religio do Estado, feita pelo imperador Teodsio em 380 d.C., a

    f crist se consolida como religio do Imprio, marcadamente

    urbana, e os que professavam os demais cultos so perseguidos.

    importante destacar que os lderes dos povos brbaros, inva-

    sores deste Imprio Romano, acabam por se converter ao cristia-

    nismo, ajudando a difundir e fortalecer a religio e a instituio da

    igreja crist por quase toda a Europa ocidental.

    Espanha

    Glia

    Bri

    tni

    a

    Itlia

    Germnia

    Grcia

    sia

    frica

    Oceano Atlntico

    Mar do Norte

    Mar

    Bl

    tico

    Mar Mediterrneo

    Figura 2.1: Diviso do Imprio Romano (395).

  • Mdulo 1 Histria e Turismo

    35

    Repare no mapa. A rea escura mostra a dimenso do Imprio Ro-mano entre os sculos II e III. As setas indicam os lugares de onde os povos chamados brbaros partiram para a conquista do Imprio decadente. A rea escura ser praticamente o territrio dominado pelos brbaros que, convertidos cristandade, ser tambm o es-pao de infl uncia da Igreja crist. No Brasil, temos formao cultural com base no cristianismo. Que relao podemos estabelecer entre este fato e o domnio medieval da igreja crist na Europa ocidental?

    A Igreja crist, institucionalizada, vai ganhando destaque e

    infl uncia no mundo medieval. Desde sua converso, os brbaros

    invasores vo adquirindo e ganhando terras e privilgios poder

    espiritual e temporal, passando a ser infl uentes e a dominar a men-

    talidade da sociedade medieval. por isso que dizemos que esta

    poca era dominada pelo teocentrismo (centro em Deus).

    A importncia da Igreja, na poca, fi ca por conta da funda-

    o das universidades no fi nal do sculo XII e dos ncleos

    de educao que, contudo, so pautados nos dogmas cristos.

    A preservao da cultura da Antigidade Clssica ser feita princi-

    palmente atravs das cpias manuscritas e das iluminuras.Iluminura

    Era um tipo de desenho decorativo, freqente-

    mente empreendido nas letras capitulares que

    iniciam captulos de deter-minados livros, especial-

    mente aqueles produzidos nos conventos e abadias

    medievais. O ofcio da Iluminura foi considerado

    bastante importante no contexto da arte medieval,

    constando em grande parte dos livros produzidos

    durante a Idade Mdia.Um manuscrito ilumi-

    nado seria estritamente aquele decorado com

    ouro ou prata, mas estu-diosos modernos usam o termo iluminura para

    qualquer decorao em um texto escrito.Figura 2.2: O signo de peixes do Livro das horas de

    Charles VIII (coleo particular do professor Alexandre).

  • 36

    Aula 2 Pelos caminhos da Idade Mdia

    As universidades, lugar da produo e difuso do conhecimento, to comuns em nossa poca, surgem, muito parecidas com o que ainda hoje, na Idade medieval. As mais famosas da Europa, como a Sorbonne, na Frana; Cam-bridge, na Inglaterra; Coimbra, em Portugal, ou a de Salamanca, na Espanha, so legados da Idade Mdia. Junto com a instituio em si, aparecem tambm seus suportes, como a pedagogia, a concesso de ttulos, a licena profi ssional para exerccio da funo docente, a estrutura administrativa, os livros, os dicionrios e a enciclopdia.

    La SorbonneFoi fundada em 1253. Era o apelido da antiga Universidade de Paris; hoje, a denominao usada para se referir a uma srie de treze faculdades (Paris I a XIII) de altos estudos e fi nanciadas pelo Estado, localizadas, principalmente em Paris. Algumas se situam no centro da Cidade-Luz, no quinto arrondissement (distrito), em frente ao Lyce Louis-Le-Grand (escola secundria), ao Collge de France e ao Parque Luxemburgo (onde se encontra o Senado).

    Figura 2.3: A Sorbonne.Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem:Sorbona_in_snow.jpg

  • Mdulo 1 Histria e Turismo

    37

    A sociedade e a economia

    A sociedade medieval era composta basicamente por se-

    nhores feudais que eram, na verdade, os reis dos reinos brbaros

    estabelecidos aps as invases; por vassalos, que prestavam obe-

    dincia aos reis; pelos servos, presos terra, que pagavam vrios

    tributos; pelo clero, os membros da Igreja crist, dividido em secu-

    lar (alto clero) e regular (baixo clero), e pelos homens livres.

    Os senhores feudais eram a autoridade administrativa, judi-

    cial e militar, os donos da terra, que concediam feudos (pedaos

    de terra) a seus vassalos em troca de servios militares. A econo-

    mia, desta forma, se d atravs dos bens agrcolas e pastoris.

    A arte, a arquitetura e os legados da Idade Mdia

    Toda produo artstica medieval ser orquestrada pelo

    cristianismo e pela Igreja Catlica. Na arquitetura, vamos obser-

    var o surgimento de dois importantes estilos de construo: o

    Romnico, mais caracterstico dos sculos XI e XII, e o Gtico,

    traduzido na forma de grandes catedrais, que aparece entre os

    sculos XII e XVI.

    As catedrais gticas sero apelidadas de Bblias de Pedra.

    Numa poca em que a educao formal era privilgio de uma

    minoria em geral, do clero e poucos eram alfabetizados as

    esculturas e a arte das catedrais serviam como elementos didti-

    cos nos ensinamentos do evangelho.

    Os pases que hoje possuem exemplos mais signifi cativos

    destes estilos so a Frana, a Alemanha e a Inglaterra.

    Existem alguns elementos de caracterizao que nos per-

    mitem identifi car e distinguir um estilo do outro. Observe:

    As construes romnicas possuem arcos redondos, escul-

    tura mais estilizada, seu formato arquitetnico mais horizontal,

    de altura modesta, com pilares e paredes grossas, ambiente in-

    terno escuro e solene. Seu aspecto, no geral, simples e severo.

  • 38

    Aula 2 Pelos caminhos da Idade Mdia

    J as construes gticas, caracterizadas especialmente pelas

    grandes catedrais, faro uso do arco gtico, pontudo, e a altura de

    sua construo ser bastante elevada. Tanto o interior quanto o

    exterior sero ricamente decorados com esculturas representando

    toda a mitologia crist. Suas paredes sero altas e fi nas, decoradas

    com fabulosos vitrais coloridos e, para sustent-las, usaro alguns

    elementos inditos at ento: o contraforte e os arcobotantes.

    O aspecto deste tipo de construo o de ser leve e claro.

    Atividade

    1. Pesquise, nos pases da Europa, as construes que so classi-fi cadas como romnicas e as que so gticas. Busque suas ima-gens. Repare em seus elementos de construo e procure identi-fi car aqueles citados no texto anterior. Faa o mesmo com algum tipo de arte do perodo medieval, principalmente a pintura.

    Comentrio

    A Frana um timo pas para se conseguir preciosos exemplos da arquitetura romnica e gtica. A famosa e muito visitada Catedral de Notre-Dame de Paris um exemplo de arquitetura gtica medieval. L foi ambientado o conhecido romance de Victor Hugo, publicado em 1831, O corcunda de Notre-Dame. A Disney, em desenho ani-mado que tambm leva o nome O corcunda de Notre-Dame, fez, por computador, uma fantstica reproduo da catedral. No desenho pode-se fazer uma visita virtual ao edifcio. Uma igreja romnica importante de ser pesquisada a da St. Trophime, na cidade de Arles, sul da Frana. nessa cidade tambm que acon-tece um importante festival de fotografi a.Quanto pintura medieval, pode-se procurar exemplos em iluminu-ras, na arte das igrejas e catedrais e nas pinturas de Giotto.

  • Mdulo 1 Histria e Turismo

    39

    Giotto di Bondone (c. 1267-1337, Florena) foi reconhecido, j durante sua vida, como o grande renovador da pintura italiana e, para muitos tericos e historiadores desde ento, pai da pintura moderna oci-dental. Entretanto, a vida de Giotto envolta em mistrio e lenda. Segundo contemporneos, Giotto era um jovem pastor de ovelhas, cujo passatempo era fazer pequenos esboos dos animais enquanto os apascentava. Um dia, passando por ali em viagem de negcios, o grande mestre da arte de ento, o chamado Cimabue, encantou-se com a habilidade do menino e o convidou para trabalhar com ele em Florena. Conta-se que, em pouco tempo de aprendizado, o jovem pastorzinho superou o mestre na arte do desenho.Mesmo no se tendo qualquer documentao que comprove a auto-ria de Giotto em qualquer obra a ele atribuda, o artista considerado o iniciador da era da pintura na arte ocidental. Aps Giotto, a pintura recobra seu lugar de destaque entre as artes, chegando a ser consi-derada, durante os anos posteriores no Renascimento e no Barroco, a maior arte de todas.A maior habilidade de Giotto est em unir um senso de realidade indito na arte da poca, somado capacidade de produzir ilustra-es extremamente expressivas e humanas do texto bblico. Suas pinturas causavam grande assombro entre seus contemporneos, dada a grande semelhana com o mundo visvel.

    Como foi dito, a arte medieval, como um todo, serva da

    Igreja, e infl uenciada pelo Cristianismo. Se procurarmos identi-

    fi car seus elementos gerais de caracterizao, podemos afi rmar

    que na arte deste perodo predomina o simblico, os espaos

    bidimensionais, a nfase no alm, sendo o corpo humano repre-

    sentando como algo corrupto. Os nus so proibidos; a anatomia,

    simplifi cada; todos os ideais greco-romanos de equilbrio das

    propores desaparecem. Como o interesse maior o esprito,

    Deus, a arte se caracteriza, ainda, pelo anonimato.

  • 40

    Aula 2 Pelos caminhos da Idade Mdia

    Ampliando o campo de legados medievais, encontraremos

    na literatura, cpias de manuscritos antigos. Muitas dessas c-

    pias eram transformadas em iluminuras.

    Quanto aos estilos literrios, pode-se destacar a poesia medi-

    eval pica, narrando os valores e virtudes do cavaleiro medieval e

    sua defesa da cristandade e a poesia lrica, que narra o amor corts

    do cavaleiro pela dama.

    No fi nal da Idade Mdia, o poeta italiano Dante Alighieri es-

    creve a Divina comdia, ratifi cando a idia crist de Paraso, Pur-

    gatrio e Inferno; Chrtien de Troyes ir se dedicar a uma srie

    de feitos hericos sobre um rei chamado Artur e seus cavaleiros,

    que se reuniam numa tvola redonda. O conjunto de escritos so-

    bre esse tema fi car conhecido como o Ciclo Arturiano.

    A msica sacra, com destaque para o papa Gregrio Magno,

    que cria o canto gregoriano e as sete notas musicais, surge neste

    perodo de tempo e, na cultura popular, aparecem as festas car-

    navalescas, as grandes feiras medievais, as encenaes de comdia

    e stira e as pardias de crtica de costumes.

    Um pouco mais da herana medieval

    Veja quantos elementos tm origem na Idade Mdia e como eles ainda fazem parte do nosso cotidiano: A saudao com aperto da mo direita, que fechava o contrato

    entre senhor feudal e vassalo. A cala comprida, a ferradura, a colher, o garfo, o moinho de vento,

    a chamin, os culos, a camisa de boto, o espelho de vidro, o carrinho de mo, a luneta, o relgio mecnico e a prensa de tipos mveis.

  • Mdulo 1 Histria e Turismo

    41

    O conceito de tempo irreversvel, contado a partir do nascimento de Jesus e o conceito de amor como relao igualitria, fsica e espiritual.

    No Brasil, podemos traduzir a infl uncia medieval nos seguintes elementos: No sistema de capitanias hereditrias. Na formao patriarcal da famlia brasileira. Em alguns feriados e festas folclricas (carnaval, bumba-meu-

    boi, cavalhada...). Nas irmandades religiosas (carmelitas, franciscanos, benedi-

    tinos...). Na cristianizao dos mitos africanos.

    O declnio da Idade Mdia

    Para fi nalizar nosso panorama medieval e caracterizando

    seu declnio, importante relembrar a Santa Inquisio, o movi-

    mento das Cruzadas, a Guerra dos Cem Anos e a peste negra.

    A Igreja Catlica no consegue dominar a mentalidade de

    alguns grupos o que faz com que aparea um grande nmero

    de heresias, cujo papel contestar os dogmas catlicos. Em 1231,

    devido ao crescimento dessas heresias, o papa Gregrio IX cria tri-

    bunais de julgamento e anlise conhecidos como Santa Inquisio,

    responsveis por punir, muitas vezes com a morte, aqueles que

    ousassem ir contra os desgnios da Igreja.

    O movimento das Cruzadas ter relao com a tentativa de

    libertar, do domnio muulmano, a Terra Santa e o Santo Sepul-

    cro em Jerusalm. Eram expedies militares e religiosas, orga-

    nizadas entre os sculos XI e XIII. frente das expedies iam os

    senhores feudais e os nobres. Destaca-se a presena dos cava-

    leiros Templrios e dos Hospitalrios, responsveis, entre outros

    objetivos, pela proteo dos peregrinos nas suas viagens.

    O movimento das Cruzadas empobrece os donos de terra,

    fortalece o poder do rei, reabre o Mediterrneo ao comrcio oci-

    dental e promove contatos e trocas culturais com os povos do

    oriente. Ironicamente, ser um dos motivos do declnio do poder

    Heresia Escolha contrria ou

    diferente de um credo ou sistema religioso que

    pressuponha um sistema doutrinal organizado;

    ortodoxo.

  • 42

    Aula 2 Pelos caminhos da Idade Mdia

    feudal e do feudalismo, j que muitos reis, nobres e servos aban-

    donam seus feudos por causa da viagem e acabam morrendo

    pelo caminho.

    No fi nal da Idade Mdia, a populao comea a aumentar

    e as cidades a ganhar destaque. Contrapondo-se grande rura-

    lizao, comeam a surgir as primeiras cidades medievais os

    burgos nas encruzilhadas das rotas de comrcio. Ali, os burgue-

    ses do incio a um pr-capitalismo que, mais tarde, tornar-se-

    o principal sistema econmico do mundo ocidental. A cidade e a

    vida monstica eram as nicas chances de fuga da vida simples e

    miservel levada pela maioria da populao analfabeta e escrava

    da terra no mundo medieval.

    A falta de terras frteis, a queda na produtividade, a Peste

    Negra (uma epidemia pulmonar que mata 1/3 da populao oci-

    dental) e a Guerra dos Cem Anos entre Frana e Inglaterra so

    episdios que podem ser citados como causas de uma crise

    que ir resultar na queda do sistema feudal e no declnio da

    cultura medieval.

    As viagens e a Idade Mdia

    Na Idade medieval, grosso modo, o teocentrismo faz com

    que o homem se mantenha, com excees, circunscrito num

    espao fsico pequeno, sem muito interesse em explorar outros

    lugares. O importante era o trabalho dirio e as obrigaes reli-

    giosas como forma de alcanar os privilgios do Paraso.

    Como motivaes mais comuns para as viagens nesse

    perodo, podemos apontar a religio, traduzida em viagens a

    templos e lugares sagrados cristos para visitar relquias, obter

    indulgncias ou fazer uma peregrinao e o comrcio, em geral

    de burgo a burgo e nas rotas estabelecidas. Podemos, tambm,

    citar a visita a familiares, as viagens para celebrao de casa-

    mentos, para uma festa religiosa ou para a troca de feudo.

    As viagens de lazer, como era comum entre os romanos, dei-

    xa de ser uma mxima. As estradas romanas esto abandonadas

  • Mdulo 1 Histria e Turismo

    43

    e muitas se deterioram. Nos arredores destes caminhos, fi cam

    espreita ladres e brbaros esperando suas vtimas para um as-

    salto. As viagens se tornam, desta forma, perigosas e arriscadas.

    Podiam-se encontrar barreiras que impedissem a viagem, e era

    comum a obrigao de pagar taxas e pedgios para atravessar

    pontes ou caminhos particulares. Os deslocamentos eram, na

    maioria, curtos, e mesmo perigosas, as viagens eram muitas vezes

    realizadas em carter solitrio, como uma viagem inicitica de au-

    toconhecimento e meditao.

    Os peregrinos mais comuns encontrados pelos caminhos

    eram os romeiros que peregrinavam at Roma os palmeiros

    cujo objetivo era Jerusalm e os jacobitas que se aventuravam

    no j famoso Caminho de Santiago at a cidade de Compostela.

    Para orientar esses viajantes em sua jornada, aparecem os

    Itinerarium, espcie de livros-guia que forneciam informaes

    preciosas aos peregrinos.

    No fi nal do perodo medieval, os livros de viagem comeam

    a despertar a curiosidade para o desconhecido. Viajantes como

    Marco Plo e Jean de Mandeville escrevem sobre suas idas a terras

    at ento desconhecidas (sia ou Oriente Prximo), aumentando o

    nmero de lendas e prodgios e o tamanho do mundo conhecido.

    A queda do Imprio Romano tambm colocou fi m a toda infra-

    estrutura criada at ento, inclusive os numerosos e diversifi cados

    meios de hospedagem que havia. Desta forma, hospitalidade e

    hospedagem eram possveis de ser encontradas nas abadias,

    mosteiros ou pousadas construdas beira dos caminhos de

    peregrinao. Em geral, eram administradas por religiosos que

    forneciam um pedao de po, carne e vinho. A hospedagem

    numa abadia podia ser muito melhor que em qualquer outro

    tipo de abrigo. Os monges cuidavam das necessidades dos

    hspedes, desde o lancetamento de bolhas at o enterro de um

    possvel morto.

    As pousadas beira dos caminhos sagrados eram funda-

    das e fi nanciadas, em geral, com terra e dinheiro de benfeitores

    nobres e se mantinham pela doao de peregrinos. No podemos

  • 44

    Aula 2 Pelos caminhos da Idade Mdia

    esquecer que, durante o dia, os peregrinos podiam contar com o

    patrulhamento de cavaleiros das ordens religiosas Templrios

    ou Hospitalrios.

    comum dizer que a hospedagem e hospitalidade, portanto,

    nesta poca, podem ser resumidas, grosso modo, como ligada

    caridade, com destaque para a ordem dos monges beneditinos.

    Seguindo o evangelho de Mateus 25:35, os hspedes deveriam

    ser tratados como o prprio Cristo.

    Tive fome e me destes de comer, tive sede e me destes de

    beber; eu era um estrangeiro e me acolhestes Mt 25:35.

    Devemos destacar, ainda, a chamada hospitalidade obri-

    gatria que servia aos deslocamentos administrativos de elites

    dirigentes e que inclua alimentao e estada. Uma variante

    deste costume peculiar o direito de albergagem ou hospitali-

    dade compulsria criada em Portugal para resolver o problema

    das viagens da nobreza. A obrigatoriedade de um morador local

    de acolher um nobre e sua comitiva, alm de fornecer alimen-

    tao e todos os servios domsticos, era um transtorno para o

    dono da casa. Foi esta lei de albergagem que deu origem apo-

    sentadoria passiva exercida no Rio de Janeiro pelos membros da

    Corte portuguesa ao chegarem cidade em 1808 os famosos

    imveis confi scados pela Corte, marcados nas portas com o P.R.

    (propriedade do prncipe regente).

    do perodo medieval, tambm, o surgimento dos hotis

    de caridade chamados de hospice, que recebiam enfermos e

    miserveis. O hospice da cidade francesa de Beaune ser con-

    siderado o primeiro do gnero. No Brasil, tambm teremos a

    construo de hospices, em geral, anexos a uma igreja.

    Pode-se citar ainda a hospitalidade na residncia da no-

    breza e realeza, que tinha lugar nos castelos medievais. L, s

    os convidados reais podiam ser acolhidos e as refeies eram

    servidas observando-se uma hierarquia de classe social.

  • Mdulo 1 Histria e Turismo

    45

    Curioso que nos sculos XIII, Idade Mdia, e XV, incio

    da Idade Moderna, j se pode observar, em algumas regies

    da Europa, leis reguladoras de estabelecimentos e servios ho-

    teleiros. Neste perodo, surge um tipo de relacionamento mais

    profi ssional entre hospedeiro e visitante. Na Europa, nasce o em-

    brio da hotelaria moderna com estabelecimentos que passam a

    oferecer alojamento e alimentao por um perodo determinado,

    mediante pagamento.

    Existem pelo menos dois fi lmes, encontrados em boas locadoras de vdeo, que podem traduzir em imagens alguns panoramas da Idade Mdia. Em O nome da rosa, fi lme de Jean-Jacques Annaud, baseado no romance homnimo de Umberto Eco, o ambiente histrico um mosteiro medieval italiano durante a Alta Idade Mdia, no ano de 1327. Ali se desenvolve uma trama de investigao que retrata a vida religiosa do sculo XIV, envolvendo movimentos herticos e o pensamento de Santo Agostinho, iniciador da fi losofi a medieval. Outra sugesto a minissrie Marco Plo, de produo italiana, dirigida por Giuliano Montaldo. Filmada na China, Itlia, Monglia e Marrocos a produo conta a histria das viagens do veneziano Marco Plo, que se aventurou por vrias regies do oriente, at ento pouco conhecidas. Alm da riqueza dos detalhes, que tem o fi nal da Idade Mdia como pano de fundo, o expectador atento pode observar curiosidades sobre as viagens, a hospedagem e a hospitalidade da poca. Por exemplo, os salvo-condutos, que protegiam viajantes em terras ameaadas por guerras, e os pas-saportes como o passaporte trtaro, feito em ouro puro que asseguravam livre trnsito e status ao seu portador.

  • 46

    Aula 2 Pelos caminhos da Idade Mdia

    Atividade

    2. Com base no texto anterior, escreva um pargrafo organizando as motivaes de viagem, os tipos de meios de hospedagem e as formas de hospitalidade durante a Era Medieval. Depois, faa uma pesquisa, comparando estas caractersticas com aquelas da poca clssica. Que diferenas podemos apontar?

    Comentrio

    importante tentar fazer distines entre as diferentes formas de des-locamento e seus elementos de apoio nos diferentes perodos histri-cos. Desta forma, estamos consolidando uma Histria das viagens e do turismo. Muitos desses elementos vo constituir, posteriormente, bases para o entendimento e a formao do turismo moderno. A propenso ao lazer e aos deslocamentos visando a este fi m, culti-vado pelos romanos, hoje uma das motivaes principais para o es-tudo dos deslocamentos tursticos. J a inteno de viagem vinculada a um fi m religioso dar origem ao turismo religioso contemporneo.

    Santiago de Compostela e seu caminho de peregrinao

    A peregrinao une ideais de f com um caminho a ser per-

    corrido. Uma das mais antigas rotas de peregrinao o Caminho

    da Santiago, originrio da poca medieval. O trajeto feito no

    norte da Espanha, numa viagem de quase 700 quilmetros que

    comea na fronteira com a Frana e culmina na cidade de Santiago

    de Compostela, numa bela e antiga catedral, onde est o tmulo

    de Tiago, um dos apstolos de Cristo, padroeiro da Espanha e

    primeiro mensageiro do cristianismo naquele canto da Europa.

    Hoje, o Caminho de Santiago pode ser resumido de vrias

    maneiras: como uma longa trilha que desafi a tarimbados cami-

    nhantes; como uma viagem pelos interiores de uma Europa

    primitiva, de hbitos camponeses e religiosos, onde o tempo pa-

    rece ter estacionado na Idade Mdia ou ainda como uma peregri-

    nao mstica em busca de autoconhecimento. tambm uma

    jornada entre belos monumentos arquitetnicos que variam dos

  • Mdulo 1 Histria e Turismo

    47

    estilos romnico e gtico at Gaud, o famoso arquiteto espa-

    nhol que concebeu um palcio na cidade de Astorga. No fundo, o

    Caminho de Santiago agrega todos esses conceitos e outros mais,

    transformados e glorifi cados numa recriao simblica da passa-

    gem do apstolo Tiago pelo norte da Espanha na poca crist.

    Um pouco da lenda

    De acordo com as precrias narraes dos primrdios do

    cristianismo, foram estas terras que Tiago escolheu para levar a

    mensagem de Cristo logo depois de sua morte em Jerusalm. Ti-

    ago, irmo de Joo Evangelista, teria chegado Ibria, uma provn-

    cia do Imprio Romano, e fi cado ali por cinco ou seis anos. Tiago

    pregou do litoral ao interior e, de volta Palestina, foi decapitado

    na cidade de Cesaria, pelas mos do rei judaico Herodes Agripa,

    que proibiu at mesmo que ele fosse enterrado. Seus restos foram

    lanados fora dos muros da cidade. Mas, pouco antes de morrer,

    Tiago pediu a dois de seus discpulos, Atansio e Teodoro, que seu

    corpo fosse levado de volta Ibria. Seus restos, assim, teriam sido

    depositados em uma tumba de mrmore e levados num barco

    at a cidade de Iria Flavia hoje Padrn, s margens do rio Ulla.

    A viagem seguiu por terra at um bosque chamado Libredn, onde

    ele teria sido enterrado em 44 d.C. Foi esquecido durante sculos.

    Em 813, um eremita de nome Pelayo que segundo a lenda, foi guia-

    do por uma chuva de estrelas, chegou ao bosque de Libredn. No

    ponto exato onde as estrelas caram estava enterrado o corpo do

    apstolo. Um rei espanhol mandou construir uma capela de pedras

    e um monastrio naquele lugar. Assim, nascia o mito de So Tiago

    e de uma das mais famosas rotas de peregrinao.

    Para visitar a tumba, pessoas partiam numa jornada cheia de

    perigos que, aos poucos, acabou sendo denominada de Caminho de

    So Tiago do Campo das Estrelas, numa referncia s luzes de Pelayo.

    Ao redor do tmulo, cresceu a cidade de Santiago de Compostela.

  • 48

    Aula 2 Pelos caminhos da Idade Mdia

    O caminho

    Do pas Basco Galcia, o Caminho de Santiago revela fac-

    es diversas da Espanha. O caminho mais comum o que comea

    na cidade de Le Puy, no Sul da Frana, cuja distncia at Santiago

    de Compostela de 1.600 km. No fi nal do sculo XI, quatro ci-

    dades fi caram conhecidas como tradicionais pontos de partida:

    Le Puy, Paris, Arles e Vezenay.

    Santiago de Santiago de CompostelaCompostela

    Sevilha

    Mrida

    Limoges

    Salamanca

    Zamora

    Len

    BurgosBurgosJaca

    Toulouse

    Arles

    Le Puy

    Vzelay

    Paris

    Tours

    LimogesLimoges

    BordeauxBordeaux

    RocesvallesRocesvalles

    Figura 2.4

    Oceano Atlntico

    Mar Med

    iterrneo

  • Mdulo 1 Histria e Turismo

    49

    H alguns outros caminhos alternativos, como o que corre

    pela costa do mar Cantbrico ou os que vm de Portugal, mas o

    mais tradicional a rota francesa.

    Jeanne Debrill, responsvel pelo Centro de Estudos Com-

    postelanos, entidade que estuda e divulga os valores culturais

    e espirituais da viagem, fundada em 1951 para comemorar os

    mil anos da pioneira peregrinao do bispo de Le Puy, uma

    espcie de guardi do Caminho. Cabe a ela fornecer a chamada

    credencial do peregrino, um documento que ofi cializa a condio

    do viajante que faz o caminho a p, a cavalo ou de bicicleta e lhe

    permite dormir e comer de graa ou a preos simblicos nos di-

    versos refgios do roteiro.

    Figura 2.5.a e b: O cajado e a concha so os principais smbolos que os peregrinos do Caminho de Santiago carregam em sua jornada. Fonte: www.sxc.hu

    a bFo

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  • 50

    Aula 2 Pelos caminhos da Idade Mdia

    O caminho de um peregrino

    O caminho de um peregrino parece montono e metdico:

    acordar cedo, antes do sol, tomar um bom caf da manh e sair

    a caminhar com sua mochila nas costas. O caminho no linear,

    passa por diversos terrenos, cruza pastagens e lavouras, estradas

    pavimentadas e trilhas abertas. Parece complicado, mas muito

    difcil se perder, pois por todos os lados existem pistas, sinais,

    marcos e setas amarelas pintadas que orientam o peregrino.

    O almoo se resume a uma parada embaixo de uma rvore;

    depois de um descanso, retoma-se o passo at o refgio pro-

    gramado para aquele dia. noite, os peregrinos se renem para

    conversar sobre as experincias do dia.

    O trecho que corresponde metade do Caminho, e um dos

    maiores desafi os para o peregrino fi ca entre as cidades de Logroo

    e Lon, onde a Espanha ainda rida, com uma paisagem de pouca

    variao, de campos ocupados por vinhas e pastagens para reba-

    nhos de carneiros. H trechos de relevo bastante acidentado nas

    regies dos Montes de Oca. Em compensao, uma regio

    extremamente rica em heranas da histria espanhola, com belas

    igrejas medievais. Outra parada na cidade de Burgos, dona

    de uma fantstica catedral gtica. Nesta metade da jornada, o

    peregrino testa seus limites. Ele j no tem a euforia do incio da

    viagem, nos Pireneus, e nem vive a nsia de chegar a Santiago,

    ainda distante.

    A Igreja Catlica , naturalmente, uma das anfi tris da pere-

    grinao, mas, com o tempo, o Caminho de Santiago assimilou o

    sincretismo de outras seitas e crenas. Mesmo o peregrino autn-

    tico de hoje, inspirado pelos passos do apstolo Tiago, acaba sus-

    cetvel a outras infl uncias msticas e espirituais da viagem.

  • Mdulo 1 Histria e Turismo

    51

    Figura 2.6: Peregrino num dos caminhos de Santiago.Fonte: www.sxc.hu

    Santiago de Compostela

    o objetivo fi nal do peregrino e uma cidade de movimento

    incessante por causa dos muitos visitantes e da vida agitada dos

    jovens de toda a Galcia, que enchem a universidade local. Tudo

    gira em torno da mtica Praa do Obradoiro, verdadeira clareira

    entre duas ruelas do centro histrico, onde se concentram as trs

    principais construes da cidade: a Catedral de Santiago, o Pal-

    cio do Ayuntamento e o antigo Hospital de Los Reyes Catlicos,

    um hospital de peregrinos, hoje convertido num suntuoso hotel

    de luxo mantido pelo governo espanhol.

    Foto

    : An

    a S

    alo

    mo

  • 52

    Aula 2 Pelos caminhos da Idade Mdia

    Figura 2.7: direita, a catedral; no meio, a Hospedaria dos Reis Catlicos, construda para peregrinos. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Santiago_de_compostela

    A reao dos peregrinos, ao chegar praa, imprevisvel:

    alguns choram, outros admiram sua beleza, e h aqueles que,

    alm de todas as experincias vividas, concluem que, acima de

    tudo, o mais importante simplesmente estar no Caminho.

    Figura 2.8: Catedral de Santiago de Compostela.Fonte: www.sxc.hu

    Foto

    : Gab

    riel

    Cu

    rrie

  • Mdulo 1 Histria e Turismo

    53

    A Catedral de Santiago de Compostela foi construda entre

    os sculos XI e XII sobre o local de uma baslica erguida pelo rei

    Afonso II no sculo IX. Desde esta poca, a vida da cidade, que

    hoje tem cerca de 100 mil habitantes, gira em torno desta majes-

    tosa homenagem a So Tiago.

    Atividade

    3. Aqui, no Brasil, tambm existem algumas cidades e caminhos de peregrinao. Herana da f crist. Pesquise e escreva alguns pargrafos sobre uma dessas cidades e a visitao que recebe de seus devotos e peregrinos.

    Comentrio

    Os caminhos cristos de peregrinao esto ligados Idade Mdia, j que, neste perodo, o cristianismo se torna a religio predominante na Europa ocidental. Esta prtica de peregrinao e adorao a lugares sa-grados, ligadas principalmente s fi guras dos santos, continua presen-te no Brasil contemporneo, tornando-se uma modalidade do turismo religioso. Aparecida do Norte (SP), com a Baslica de Nossa Senhora da Aparecida; Juazeiro do Norte (CE), com a devoo ao padre Ccero; Nova Trento (SC), com a Madre Paulina, ou as festividades do Crio de Nazar (PA), so alguns desses exemplos.

    Atividade Final

    Escreva um pequeno texto citando as principais caractersticas so-ciais e econmicas da Idade Mdia e as relaes possveis dessa poca com os tempos atuais.

    Comentrio

    O objetivo que voc resuma o que aprendeu nesta aula, conseguin-do oferecer um panorama da Idade Mdia em seus aspectos sociais, econmicos e refl etir sobre a possvel infl uncia desse perodo nos dias de hoje.

  • 54

    Aula 2 Pelos caminhos da Idade Mdia

    Resumo

    Na Idade Mdia, a infl uncia da igreja crist orquestrou os rumos

    da economia, das artes, da sociedade e mentalidades. Por causa

    disto, surgiram conceitos peculiares e um cotidiano marcado

    pela religio. As artes e os ofcios sofreram transformaes, se

    comparadas ao mundo clssico, bem como a confi gurao das

    cidades e as moradias. Da mesma forma, os deslocamentos, os

    meios de hospedagem e as formas de hospitalidade se moldaram

    a este contexto, oferecendo diferentes possibilidades de estudo.

    Informao sobre a prxima aula

    Na Aula 3, vamos deixar o teocentrismo e refl etir sobre o

    antropocentrismo, o homem, seus talentos e possibilidades, como

    centro das atenes. Em busca de explorar o mundo terreno, a

    civilizao ocidental europia far descobertas de novos mundos

    e ir se abrir para a cincia e a razo. O mundo conhecido nunca

    mais ser o mesmo. Como seria que os deslocamentos, as via-

    gens, vo se confi gurar na Idade Moderna?

  • 3 Passagem para o mundo modernoMeta da aula

    Apresentar um panorama das principais transformaes ocorridas na Europa Ocidental que marcam o incio da Idade Moderna, destacando o movimento renascentista, suas mudanas na arte e na arquitetura e nas formas de desloca-mento que preparam o surgimento do turismo moderno.

    Objetivos

    Ao fi nal desta aula, voc ser capaz de:

    relacionar as principais caractersticas que inauguram a Idade Moderna com os tempos atuais;

    pesquisar as lendas e as imagens de narrativas de viagens nos tempos da descoberta do Novo Mundo, relacionando-as com a idia que turistas estrangeiros tm do Brasil, hoje em dia;

    identifi car caractersticas da arte no Renascimento, comparando-as com as transformaes do perodo;

    estabelecer uma relao entre o contedo visto na aula com o turismo na atualidade.

    Pr-requisitos

    Aulas 1 e 2. Conhecimentos bsicos sobre a Antigidade Clssica e a Idade Mdia.

    2

    3

    1

    4

  • 56

    Aula 3 Passagem para o mundo moderno

    O que moderno?

    comum dizermos que tal coisa ou pessoa moderna ou

    que vivemos uma modernidade. Neste sentido, quase sempre

    estamos contrapondo o que chamamos moderno ao que consi-

    deramos antigo. Mas a palavra moderno ou modernidade pode

    assumir diferentes sentidos. , ento, polissmica.

    Nos estudos da Histria, porm, e para o objetivo desta aula,

    que tratar da Era Moderna, precisamos estabelecer, ento, de

    imediato, alguns conceitos.

    Na periodizao tradicional, como foi visto na Aula 1, o que

    ser chamado Idade Moderna o perodo que vai da tomada

    da cidade de Constantinopla o Imprio Romano do Oriente

    pelos turcos-otomanos, em 1453, at a Revoluo Francesa,

    que acontece em 1789. Ou seja, o perodo vai do sculo XV ao

    sculo XVIII. Ao nos referirmos a esta poca, comum e correto,

    historicamente, o denominarmos Tempos Modernos. Porm, as

    manifestaes artsticas que aparecem neste intervalo de tempo

    pinturas, esculturas ou obras de arquitetura sero batizadas

    de renascentistas, barrocas ou maneiristas. incorreto cham-las

    de Arte Moderna.

    A Arte Moderna a que costumamos nos referir se inicia

    na Europa Ocidental e na Amrica Espanhola apenas no ltimo

    quartel do sculo XIX. Este tipo de manifestao artstica ser

    tambm chamado Modernismo e, aqui no Brasil, introduzido

    apenas no sculo XX, na Semana de Arte Moderna, que aconte-

    ceu em So Paulo no ano de 1922. Os modernos conceitos artsti-

    cos que surgem a partir de ento passam a infl uenciar a arte at

    hoje. A infl uncia tanta que o estado de cultura das sociedades

    industriais aps o Movimento Modernista foi chamado de Ps-

    Moderno ou Ps-Modernista. Para maiores refl exes sobre a

    modernidade e seus desdobramentos, at mesmo no Brasil,

    procure estes dois livros do Renato Ortiz, Cultura e modernidade

    e A moderna tradio brasileira.

    Polissemia o nome que se d mul-tiplicidade de sentidos de uma palavra ou locuo.

  • Mdulo 1 Histria e Turismo

    57

    O que foi a queda do Imprio Romano do Oriente?O Imprio Bizantino ou Reinado Bizantino (em grego: ), inicialmente conhecido como Imprio Romano do Orien-te ou Reinado Romano do Oriente, sucedeu o Imprio Romano (em cerca de 395) como o imprio e reinado dominante do Mar Mediter-rneo. O embrio do Imprio Bizantino surgiu quando o imperador romano Constantino I decidiu construir sobre a antiga cidade grega de Bizncio uma nova capital para o Imprio Romano, temendo a queda do Imprio, mais prxima s rotas comerciais que ligavam o Mar Mediterrneo ao Mar Negro e a Europa sia. Alm disso, j havia algum tempo que Roma era preterida por seus imperadores, que optavam por outras sedes de governo, em especial cidades mais prximas das fronteiras ou onde a presso poltica fosse menor. Em geral, eles tendiam a escolher Milo, mas as fronteiras que estavam em perigo na poca de Constantino eram as da Prsia, ao leste, e as do Danbio, ao norte, muito mais prximas da regio dos estreitos. A nova capital, batizada de Constantinopla em home-nagem ao Imperador (hoje a cidade de Istambul, na Turquia), unia a organizao urbana de Roma arquitetura e arte gregas, com claras infl uncias orientais. Era uma cidade estrategicamente muito bem localizada entre o continente europeu e o asitico, e sua resistncia a dezenas de cercos provou a boa escolha de Constantino.

    Figura 3.1

    ThessalnicaThessalnicaConstantinoplaConstantinopla

    Mar Negro

    Mar Mediterrneo

  • 58

    Aula 3 Passagem para o mundo moderno

    Em pouco tempo, a cidade renovada tornar-se-ia uma das mais movimentadas e cosmopolitas de sua poca. Sua religio, lngua e cultura eram essencialmente gregas, e no romanas, mas, para os bizantinos, a palavra grego signifi cava, de maneira injuriosa, pago. Os persas e os rabes tambm chamavam os bizantinos de romanos. A palavra bizantino vem ento de Bizncio, o antigo nome da capital do Imprio Romano do Oriente, Constantinopla. O termo bizantino comeou a ser utilizado somente depois do sculo XVII, quando os historiadores o criaram para fazer uma dis-tino entre o imprio da Idade Mdia e o da Antigidade. Tradicio-nalmente, era conhecido apenas como Imprio Romano do Oriente (devido diviso do Imprio feita pelo imperador romano Teodsio I, no sculo IV da Era Crist).A queda de Constantinopla foi a conquista da capital bizantina pelo Imprio Otomano, sob o comando do sulto Maom II, na tera-feira, 29 de maio de 1453. Isto marcou no apenas a destruio fi nal do Imprio Romano do Oriente, e a morte de Constantino XI, o ltimo imperador bizantino, mas tambm a estratgica conquista crucial para o domnio otomano sobre o Mediterrneo oriental e os Blcs. A cidade de Constantinopla permaneceu capital do Imprio Otomano at a dissoluo do imprio em 1922, e foi ofi cialmente renomeada como Istambul, pela Repblica da Turquia em 1930.

    A Renascena como bero dos tempos mo-dernos

    Feitas algumas consideraes sobre o termo Moderno,

    vamos tratar dos principais acontecimentos dessa era histri-

    ca na periodizao tradicional, que inaugura novas perspec-

    tivas e instituies.

    No podemos falar, porm, de Idade Moderna na Europa

    sem nos referirmos Itlia e ao movimento do Renascimento.

    E, depois, aos Descobrimentos martimos. dentro da Idade

    Moderna que temos o movimento cultural, artstico, intelectual

    e urbano chamado Renascimento. Esse movimento, que foi cu-

    nhado em referncia tentativa de artistas e fi lsofos de recuperar

    a antiga erudio e os modelos da Antigidade Clssica, teve seu

    epicentro na Pennsula Itlica e, adotando uma cronologia longa,

    se manifestou entre a metade do sculo XIV e o sculo XVII.

  • Mdulo 1 Histria e Turismo

    59

    Posterior e gradualmente, se expandiu para a Alemanha, Frana,

    Inglaterra e Espanha.

    Mas por que a Itlia como bero do Renascimento?

    Segundo J.R.Hale (1971), a Pennsula Itlica, na poca, era

    um rendilhado de Estados [e Reinos], salpicados de cidades

    importantes. At meados do sculo XIV, a regio centro-sul da

    Itlia, que era o corao do Imprio Romano, estava empobre-

    cida. Roma era uma cidade em runas e os Estados Papais eram

    parcamente administrados, j que a sede do papado tinha sido

    deslocada para Avignon, na Frana.

    Siclia, Sardenha e Npoles fi caram, por um longo perodo,

    sob domnio estrangeiro. A regio norte, por outro lado, atraves-

    sava um perodo de maior prosperidade, vendo suas principais

    cidades Milo (Milano), Florena (Firenze), Pisa, Siena, Gnova,

    Ferrara e Veneza (Venezia) enriquecerem. Desta forma, o norte

    da Itlia que reunir condies para o surgimento da renascena

    italiana, esse movimento que ir depois se espalhar por vrios

    lugares na Europa ocidental. A referncia inicial para o surgimen-

    to do Renascimento a regio da Toscana, centrado nas cidades

    de Florena e Siena. Espalhou-se depois para o sul, tendo um

    impacto muito signifi cativo sobre Roma, que foi praticamente

    reconstruda, em sua maior parte, sob a tutela dos Sumos Pont-

    fi ces da Igreja Catlica Romana que ocuparam a Ctedra de So

    Pedro no perodo, especialmente Sisto IV (a este papa se deve

    a construo da famosa Capela Sistina, pintada pelo famoso ar-

    tista renascentista Michelangelo, e situada no Palcio Apostlico,

    residncia ofi cial do Papa na Cidade do Vaticano. o objetivo de

    numerosas visitaes tursticas at os dias de hoje).

    Outras eram as vantagens que a Pennsula Itlica possua para

    se tornar o embrio do movimento renascentista. Para comear,

    estava localizada no centro da maior rea de comrcio do mundo

    medieval: a bacia mediterrnea, o Mare Nostrum romano. Por isso,

    algumas cidades da costa, como Gnova e Veneza, comeam a mo-

    nopolizar um comrcio de especiarias cravo, canela, pimenta e

    noz-moscada que eram muito importantes comercialmente para

  • 60

    Aula 3 Passagem para o mundo moderno

    a poca. Alm disso, o poder, que na Era Medieval estava ligado

    terra, vai se consolidando e centralizando na cidade, onde os cita-

    dinos comeam a formar uma classe mdia, tornando-se cada vez

    mais numerosos e ricos, comeando a desempenhar um papel im-

    portante na vida poltica e cultural. Em Florena, por exemplo, uma

    rica famlia de banqueiros, os Mdici, passam a ser os governantes

    no-ofi ciais da cidade, ocupando cargos de polticos, religiosos e

    nobres. Esta importante e imensamente rica famlia tambm se

    torna famosa pelo mecenato, uma prtica essencial para o desen-

    volvimento e disseminao da arte renascentista.

    Importantes transformaes se confi guram nos tempos mo-

    dernos. Economicamente, o comrcio e a indstria se expandem e

    o capitalismo vai, aos poucos, substituindo as formas medievais de

    organizao. Com a expanso do comrcio, os valores feudais de

    nascimento e a hierarquia fi xa de senhores e vassalos vo cedendo

    lugar ambio e realizao pessoal.

    No menos importante, a unidade do mundo cristo sofre

    um revs com o surgimento do protestantismo. O clero vai per-

    dendo o monoplio do ensino, com sua orientao baseada em

    dogmas cristos, e surgem perspectivas de uma educao secu-

    lar que infl uencia as artes e a literatura. A teologia cede lugar

    cincia e a razo alcanar sua plenitude com o Iluminismo.

    O Humanismo coloca o homem no centro do mundo

    O Humanismo, movimento intelectual mais caracterstico

    do Renascimento, predominantemente secular sem ser anticris-

    to ser o responsvel por modifi car mentalidades e alavancar

    a modernidade. No podemos deixar de lembrar que para a

    Pennsula Itlica que vo migrar os sbios da Constantinopla con-

    quistada pelos otomanos. Esses sbios chegam carregados de um

    conhecimento oriental acumulado que em muito ir infl uenciar

    o desenvolvimento tecnolgico e cultural das principais cidades

    italianas. Junta-se a isso a proximidad