HISTÓRIA ESSENCIAL DE PORTUGAL (Professor José Hermano Saraiva) - VolumeI - Das Origens à revolução de 1245 - 1248

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    HISTRIA ESSENCIAL DEPORTUGAL

    Pelo Prof. Jos Hermano Saraiva

    Volume I Das origens Revoluo de

    1245/48Quase todas as Histrias Nacionais comeam por um

    captulo de introduo geogrfica, que constitui a descriodo meio, para mostrar como esse meio teve influncia naevoluo dos povos. A melhor introduo geogrfica que euconheo para a Histria Portuguesa est nestes trs versosde Cames:

    Eis aqui, quase cume da cabeada Europa toda, o Reino Lusitano,onde a terra se acaba e o Mar comea 1

    Essa situao foi realmente essencial para a Histria dePortugal. Para a Histria de Portugal e para a prpria

    formao do povo portugus, porque as primitivas populaes do Mundo tinham uma vida nmada,vagabunda. Andavam, geralmente, no sentido do Sol,deslocavam-se em imensos rebanhos, pastavam os frutosque a terra dava, depois iam em demanda de outrascolheitas. E, medida que avanavam, expulsavam os

    1 Canto III (estncia 20) de Os Lusadas . Vasco da Gama termina a descrio dageografia europeia ao rei de Melinde: Eis aqui (...) o Reino Lusitano, onde a terrase acaba e o Mar comea; Esta a ditosa ptria minha amada...

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    povos que a estavam e instalavam-se, os povos expulsosiam, por sua vez, expulsar outros.

    Em Portugal, essa substituio dos povos no era

    possvel. Daqui, ningum podia fugir para parte alguma.Chegavam novas migraes, lutavam, combatiam,acasalavam, misturavam-se e acabavam por se fundir numa grande amlgama de populaes. Isso fez do

    portugus este tipo que ns somos. Ns no temos raanenhuma, no se pode falar na raa portuguesa. Sehouvesse uma raa, ns ramos uma anti-raa, feita comgente vinda de toda a parte, ao longo de milhes de anos.

    Essas sucessivas migraes humanas podem, hoje,distinguir-se pelas diferentes tcnicas com quetrabalhavam a pedra. possvel que os primeiros homensse tenham servido de outros materiais, mas os quechegaram at ns so os que o tempo no consumiu: so

    pedras. E a tcnica de transformar uma pedra qualquer num instrumento para bater e para atingir a caa varioumuito. Os arquelogos designam as vrias tcnicas usadas,

    com intervalos de muitos sculos umas para as outras, pelonome da regio onde apareceram os jazigos maissignificativos. Devo dizer que praticamente todas essastcnicas esto documentadas no nosso pas, o que mostraexactamente que gentes de toda a parte se vieram aninhar aqui.

    Ora, h cerca de uma dzia de milhares de anos, o climada Europa sofreu grandes mudanas: a temperatura sobee, portanto, grandes conjuntos gelados desaparecem, oscampos agricultveis tornaram-se muito mais numerosos, afauna muito mais parecida com a dos nossos dias e, decerto modo, o clima por essa altura fica muito parecido como que hoje o clima que ns temos. E isso, claro, faz surgir uma nova maneira de viver, uma nova poca da Pr-Histria, a que os arquelogos chamam o Neoltico . Com oNeoltico, os homens j vivem em grupos, em pequenascomunidades. No se pode falar em aldeias, mas so

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    grupos organizados. J fabricam muitos utenslios, como por exemplo a loia, em que comem, e aparece, ento, a primeira cermica, j tumulam, enterram os seuscadveres, domesticam alguns animais, j sabem preparar os alimentos, para alturas de fome fazem sementeiras. Poiseu creio que, ainda hoje, nos nossos dias, h costumes quevm desde o Neoltico. Olhem, por exemplo, isto de ter umco: antes do Neoltico, o co era um animal feroz queatacava o Homem; depois foi domesticado e ficou nossoamigo. Outro exemplo a conservao do leite: o leiteera conservado em vasilhas redondas e, da, a formanormal que ainda hoje tem o queijo. O queijo apenas oleite conservado numa vasilha redonda. Podemos aindamencionar o vinho: eles quiseram guardar as uvas, mas osumo das uvas fermentado dava uma bebida que constituihoje um dos principais alimentos do Mundo. E , nessa fase,que aparecem os mais caractersticos, os maisimpressionantes monumentos do nosso passado Neoltico,que so os dlmenes 2, to numerosos em todo o pas, osmenires 3, os cromeleques 4.

    2 Monumento megaltico composto por pedras dispostas em forma de mesagigantesca.

    3 Monumento megaltico composto por uma pedra grande e comprida, fixaverticalmente no solo

    4 Monumento megaltico que consiste num conjunto de pedras ou meniresnormalmente colocados em crculo ou elipse

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    Figura 1 Um dos muitos dlmenes existentes na Regio na regio de Portalegre e umpouco por todo o Alentejo.

    Figura 2 Menir dos Almendres, Alentejo

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    Figura 3 Cromeleque dos Almendres, vora, Alto Alentejo

    Isto existe por todo o territrio portugus, mas num nmeroespecialmente importante no Alentejo, onde h maior densidade do que em qualquer outra regio. Porqu? Aexplicao bvia que o Alentejo a melhor terra para dar

    po que existe neste territrio que, agora, nosso. E oshomens procuraram sempre o po Foi num dlmenalentejano que apareceu um objecto representativo de umcavaleiro, ainda sem estribos, oriental, vindo do fundo doMediterrneo, que eu penso que a imagem de um dos

    primeiros exploradores de metal que vieram nossaPennsula, isto porque a Pennsula Ibrica eraextraordinariamente rica em metais.

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    Figura 4 Objecto representativo de um cavaleiro, ainda sem estribos, oriental, vindo dofundo do Mediterrneo

    Foi isso, alis, que comeou a atrair colonizadores quevinham de longe. Acabou o tempo da pedra, agora oshomens j sabem fabricar instrumentos em metal e apoca dos Metais dura desde cerca de 2500 a.C. at chegada dos Romanos. Em vrias fases: primeiro umametalurgia do cobre (e do ouro), porque se trata de ummetal que se trabalha com facilidade; depois, elesdescobrem que, misturando estanho no cobre, obtm umaliga muito mais dura, que o bronze. E a poca do Bronzedura perto de mil anos (o primeiro bronze comea cerca de1800 a.C.). O primeiro ferro introduzido pelas invasesdos Celtas . O objecto mais tpico dos Celtas o punhal deantenas. Trata-se de um punhal dotado de emblemas, deuma lmina e que era de ferro. Bom, evidente que eletem um carcter flico: as antenas simbolizam o testculo eera, portanto, um instrumento do poder. Do poder e daguerra, porque claro que, com uma arma de ferro, ogrupo era muito mais temvel do que com uma arma debronze. Mas o ferro no era s para as armas, era tambm

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    para os arados. So eles que se misturam s populaesque havia por aqui.

    Os Celtas no eram muito numerosos, tanto assim que,

    em certa altura, at faziam os tais punhais de antenas embronze, o que significa, ou que no havia madeira bastante para fundir o ferro (porque a fuso do ferro muito maisdifcil em relao do cobre, exigindo muito mais lenha),ou ento significa que os grupos que vieram de foraassimilaram a civilizao que aqui encontraram. Dequalquer maneira, so esses Celtas, misturados aos Iberos,que vm a dar a civilizao castreja . No alto de um

    castro5

    , vem-se as habitaes redondas, onde, aquandoda chegada dos Romanos, as populaes viviam,geralmente no alto de montes, em aldeamentos rodeados

    por cinturas de muralhas, onde se defendiam.

    Figura 5 Os castros eram compostos por conjuntos de vrias habitaes. Nalgunscasos, cercadas por vrias linhas de muralhas, isto , um povoado fortificado.Castro de Pias, Castro do Couce e Alto do Castro so designaes que nos remetema memria para essa poca.

    5 Lugar fortificado das pocas pr-romana e romana, na Pennsula Ibrica, que eraum povoado permanente ou apenas refgio das populaes circunvizinhas em casode perigo, tambm designado crasto, castelo, citnia, cividade, cristelo, etc.

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    E essa civilizao castreja que domina quase todo oterritrio portugus at ao sculo II a.C. Mas, nesse sculo,o domnio do Mediterrneo era disputado por duas grandes

    potncias: Roma e Cartago . Os Cartagineses, paraorganizar exrcitos para a guerra contra Roma, serviram-seda Pennsula Ibrica. Aqui, na Pennsula, havia realmentehomens muito aptos para a guerra, muito valentes, e elesrecrutavam, aqui, enormes exrcitos que atiraram contraRoma. E os Romanos vieram Pennsula,fundamentalmente, para impedir esse recrutamento, mas tambm claro que estavam igualmente motivados pelaimensa riqueza mineira que toda a Pennsula tinha.

    Os habitantes locais, dos castros os Lusitanos opuseram-se energicamente ao domnio romano. Ficoufamoso, mesmo entre os Romanos, o chefe dessaresistncia, que era Viriato . Ele, durante alguns anos,travou grandes batalhas contra as legies de Roma evenceu-as. Os Romanos no puderam derrotar, enfim, nocampo de batalha, mas venceram-no traio:

    conseguiram subornar dois lugares-tenentes, que oapanharam distrado e o assassinaram. A cidade de Viseufez uma esttua a Viriato, na medida em que este eranatural da regio dos Montes Hermnios, do lado do

    Atlntico, portanto desta Serra da Estrela, j mais atlntica.

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    Figura 6 Esttua a Viriato, em Viseu.

    curioso que, por detrs da esttua, h um monumentoverdadeiro. Podemos ver uma altura, que constitui ummonumento a srio: era um acampamento de uma legioromana. Os Romanos, para se defenderem, levantavamgrandes cmoros 6 de terra, muralhas de terra, e era ldentro que ficava a legio.

    Os Romanos dominaram completamente toda aPennsula Ibrica durante mais de cinco sculos.Costumam-se referir as datas de 146 a.C. e depois 409d.C., que quando vm os Brbaros . Durante esses pertode 600 anos, a influncia que os Romanos tm na Pennsula to grande, to grande, que ns hoje nem sequer conseguimos saber qual seria a linguagem que falvamosantes da vinda dos Romanos, porque a que hoje falamos a que os Romanos nos ensinaram. Falamos o latim , claro,6 Pequena elevao isolada de terreno.

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    um latim j muito corrompido e estropiado, mas latim quens falamos. Mas no foi s na linguagem:

    Foi o po que se come e a maneira de o fabricar;

    Foram as tcnicas da construo civil, das casas, quechegaram praticamente at aos nossos dias;Foram as leis, na medida em que as nossas leis aindaso hoje decalcadas nas leis romanas;Foi a organizao das cidades.

    Foi tudo Depois da vinda dos Romanos, passamos a ser uma colnia da Itlia, uma regio em que se fala o latim,em que se pensa em latim, em que os homens se divertem maneira dos latinos. E claro que isso tem consequnciasdecisivas na Histria da civilizao peninsular.

    Portugal , hoje, uma nao romnica. Isto quer dizer que somos uma ptria filha de Roma. Ficaram muitosvestgios, muitos vestgios da passagem dos Romanos. Emtodo o pas, h mais de dois mil monumentos romanos.

    claro que uns so muito importantes e ainda hoje esto de p, como por exemplo:a Ponte Romana de Chaves , onde, at h poucotempo, passavam pesados camies;

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    Figura 7 Ponte Romana de Chaves

    a Torre de Centum Cellas , que era o centro de umaregio mineira;

    Figura 8 Torre de Centum Cellas

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    o Criptoprtico de Aeminium (Coimbra), onde hojeest o Museu Machado de Castro, que constitua abase de um palcio romano;

    Figura 9 Criptoprtico de Aeminium

    o Templo de vora (que se chamou tanto tempo oTemplo de Diana e que no tem nada a ver comDiana, sendo antes do culto imperial);

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    Figura 10 Templo Romano de vora

    as Runas Romanas de So Cucufate (Alentejo),que chegaram, at hoje, porque eram uma VillaRomana, tambm centro de uma regio mineira, ondese instalou um convento e que no deu tempo para

    destruir, dado que os frades, em vez de os deitaremabaixo, aproveitaram os muros romanos e, por isso,est de p;

    a Villa

    Romana de Milreu , no Algarve.

    Figura 11 Runas Romanas de So Cucufate

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    Mas, talvez, amais importante de todas as recordaes que os Romanosnos deixaram foram as Runas de Conmbriga . A cidadefoi destruda pelos Brbaros, arrasaram-na. Depois dosBrbaros, cada um foi levando a sua pedra para areconstruo de Condeixa e, hoje, a cidade pouco mais temque os alicerces. Ainda assim ficaram os mosaicos, que sodos mais belos monumentos romanos que existe emPortugal.

    Figura 13 Runas de Conmbriga

    Figura 12 Villa Romana de Milreu

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    Diz-se, muitas vezes, que a civilizao romana terminana Pennsula com as Invases Brbaras do princpio dosculo V d.C. Penso que isto apenas uma meia verdade,

    porque certo que os Brbaros mutilaram, incendiaram,degradaram as cidades que encontraram, chacinaram

    populaes. De certo modo, eles destruram umacivilizao, mas no conseguiram substitu-la por nenhumaoutra. Os peninsulares continuaram a falar em latim, a

    plantar os olivais, a colher o seu vinho, porque realmenteos Brbaros no tinham uma civilizao superior que se nos

    pudesse comunicar. Mas evidente que as InvasesBrbaras so um facto muito importante. Iniciam-se noano 409. Grandes bandos de povos germnicos os

    Alanos , os Vndalos , os Suevos atravessam asgargantas dos Pirenus, penetram na Pennsula Ibrica ederramam-se um pouco por toda a parte.

    Figura 14 Invases Brbaras

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    curioso que a resistncia dos Romanos foi muito fraca,em muitas partes nem resistiram. Para tal realidade, aexplicao reside no facto de os Romanos tambm estarema atravessar uma crise. Eram uma civilizao inteiramentebaseada na escravatura e, naturalmente, os escravos noestavam dispostos a lutar e a dar a vida pelos senhores queos oprimiam, senhores que, de acordo com um escritor dessa poca, por vezes eram mais brbaros do que os

    prprios Brbaros.Mas no ano de 516, portanto, cerca de um sculo depois,

    chegou Pennsula uma outra grande invaso de povos

    germnicos: eram os Visigodos . Os Visigodos estavam j,h muito tempo, no Imprio, portanto estavam, de certomodo, mais civilizados, mas tambm no eram portadoresde uma cultura superior e, por isso, eles no puderamenriquecer a cultura peninsular. Apesar disso, eu acho quea influncia, na Histria, das invases visigticas foirealmente muito grande. com os Visigodos que nasceuma classe nova, uma classe que no era conhecida na

    poca Romana a Nobreza . Os Visigodos chegam,apoderam-se das terras importantes e, portanto, ficam proprietrios, servidos pelos antigos donos, que agora soos servos, e so realmente de uma outra raa. Ora, umfidalgo exactamente isso: um grupo tnico diferenciado,de pele mais clara (at se dizia que eles tinham sangueazul, porque a pele era branca), uma classe militar, quevivia da guerra (eram cavaleiros, ao passo que os outros

    tinham que viver do trabalho) e uma classe proprietria,que vive do fruto de uma terra, trabalhada pelos outros. aNobreza que vai ter um papel importantssimo durante todaa Idade Mdia.

    tambm com os Visigodos que a Igreja assume um papel muito importante dentro do Estado. O Clero catlico j havia surgido durante a poca Romana, porque oCristianismo instala-se no Mundo Romano, mas aimportncia poltica desse Clero, dentro do Estado, um

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    facto que s acontece com os Visigodos. Porqu?Exactamente porque os Visigodos no tm cultura, nosabem latim e precisam do apoio dos bispos, que, de certomodo, representam a continuao da cultura latina. As leis,durante a Monarquia Visigtica, so feitas, nos conslios,

    pelos bispos, e o Clero aparece como uma classe comgrande poder. Aqui temos como Clero e Nobreza, doiselementos fundamentais na sociedade medieval,aparecem, respectivamente, na poca Romana e na pocaVisigtica. Com os Mouros o povo livre que vai surgir

    Os Muulmanos invadiram a Pennsula Ibrica no ano

    711. A invaso vem do Norte de frica, atravessa o Estreitode Gibraltar, cujo nome se deve precisamente a essainvaso (porque o General se chamava Tariq e passou-se achamar ao estreito Jabal al-Tariq, quer dizer o Estreitode Tariq), tendo um xito militar fulminante. Os exrcitosmouros derrotaram completamente os Visigodos, nagrande Batalha de Guadalete, e trs ou quatro anos depoiseram donos de toda a Pennsula, com uma excepo nas

    Astrias, dominando praticamente toda a Pennsula.

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    Figura 15 Invaso Muulmana da Pennsula Ibrica (711-714). A verde, os territrios sob

    domnio muulmano.

    Como que se pode explicar essa queda to rpida daPennsula nas mos nos invasores? H duas razes fortes:

    A primeira prende-se com o facto de os Visigodosterem o monoplio das armas. S os nobres visigodos que podiam ser militares, tinham arte da guerra,enquanto os demais no tinham nada que ver com aguerra, portanto nem sequer foram vencidos. As

    populaes hispano-romanas permaneceram na paz; A segunda razo era a grande tolerncia religiosa de

    que os Muulmanos deram provas. Os Muulmanosusavam este sistema: invadiam as dioceses crists,

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    mas se os cristos aceitassem pagar um certo tributo, podiam manter o seu culto, as igrejas abertas, os seussacerdotes. Tudo como dantes. Claro que, se no

    pagassem esse tributo, mas se se submetessem Leido Islo, passavam a ser iguais aos outros. claroque, naturalmente, os prprios Mouros estavaminteressados em receber o tributo. Portanto, nohouve tambm grandes perseguies por motivosreligiosos.

    O domnio dos Muulmanos na Pennsula teve uma

    importncia muito diferente, conforme foi no Norte ou noSul. Isto porque, nas regies do Norte, estiveram poucomais de 100 anos, j no Sul, onde podemos encontrar oCastelo de Alccer do Sal, construdo pelos Mouros (sendoque Alccer do Sal, por exemplo, s foi reconquistada pelosCristos no ano de 1217, estando mais de 400 anos em

    poder dos Mouros), verifica-se uma influncia muito maisduradoura.

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    Figura 16 Castelo de Alccer do Sal

    De um modo geral, costuma dizer-se que a influncia dos rabes se deu, sobretudo, na agricultura, na introduo dasnovas plantas e nas tcnicas do regadio. Tudo isso verdade, mas tais factos tiveram importantesconsequncias na sociedade: o regadio permite que uma

    parcela pequena de terra sustente uma famlia. o rabeque traz consigo a horta e o hortelo um homem livre,

    que vende os produtos do seu trabalho na cidade. assimque nasce um povo independente, senhor do seu prpriodestino.

    Penso, portanto, que esto, agora, definidos os trselementos da sociedade medieval portuguesa:

    Clero, surgido ainda na poca Romana;Nobreza, nascido no tempo dos Visigodos;

    Povo, nascido na poca dos Mouros.

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    Depois da invaso dos Mouros, um pequeno nmero deCristos continuou a resistir nas montanhas das Astrias: a Histria de Covadonga 7. Ainda hoje, Covadonga considerado uma espcie de lugar sagrado. Essa

    pequena guerra, medida que o poder dos Mouros iaenfraquecendo, ia avanando sobre a antiga terra dosMouros e a essa guerra que se d o nome deReconquista . claro que h muitas opinies sobre oque foi a Reconquista e eu creio que, de facto, se trata dorestabelecimento do regime de servido que tinha sidoderrubado com a derrota dos Visigodos. Os novos senhoresque vm do Norte chegam, os lavradores livres das aldeiasso obrigados a voltar sua antiga situao de servos dagleba e, por isso, houve realmente muitas revoltas dosCristos contra os seus novos senhores. H mesmo umdocumento que chama a estes Cristos, que c tinhamficado, os libertinos, isto , os filhos dos escravos,dizendo que eles se revoltavam contra os seus antigossenhores, mas que eram reconduzidos primitiva servido.Isto revela claramente o carcter social da Reconquista: osnobres vinham, apoderavam-se destas terras que estavammais ou menos sem dono, sem autoridade, e era a isso quese chamava a presria. Presria vem de presa, tomar

    presria. Vmara Peres 8 foi um presor que, no ano de 868,tomou de presria o cabeo quase deserto onde, hoje, seencontra a S do Porto. Havia apenas uma ermida, estando,hoje, no seu centro, a Catedral.

    7 Covadonga uma regio espanhola das Astrias, na provncia de Oviedo, queficou clebre por ser o palco de um dos episdios mais marcantes das guerras daReconquista (Batalha de Covadonga, primeira grande batalha da ReconquistaCrist, em 718), nas quais se confrontaram as populaes crists da PennsulaIbrica e os invasores muulmanos. Em meados do sculo VIII, Pelgio, o lder daresistncia crist, arrebatou esta importante vitria ao derrotar o exrcito rabe-berbere na garganta rochosa junto da montanha da Virgem. boa maneira daslendas de cavalaria da Idade Mdia, o vitorioso Pelgio foi proclamado rei sobre ocampo de batalha. Os restos mortais deste guerreiro medieval, considerado oimpulsionador do movimento militar, repousam junto das ossadas de Afonso, OCatlico , na Cueva , que se abre nos flancos da montanha da Virgem e onde antesdo combate o guerreiro cristo se disfarou com uma capa espanhola.(Batalha de Covadonga . In Infopdia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2011.[Consult. 2011-06-30].Disponvel na www: .)

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    Figura 17 Esttua equestre em homenagem a Vmara Peres, de Salvador Barata-Feyo,inaugurada em 1968, no Porto

    claro que essa Reconquista passa a Linha do Douro ,chegando Linha do Mondego no ano de 1064. Coimbra conquistada pelos Cristos, passando a ser cabea donovo Condado o Condado Conimbricense . Oenfraquecimento dos Estados rabes justificada pela

    8 Cavaleiro do sculo IX cujo nome se encontra ligado ao processo da ReconquistaCrist. Apesar da prudncia que a escassez de documentos recomenda, supe-seque a conquista do Porto aos muulmanos ter sido definitiva, seguindo-se orepovoamento do burgo e das terras a sul do Douro. O nome Portucale ter surgidonesta altura e compreendia todo o territrio a sul do Rio Minho.(Vmara Peres . In Infopdia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2011. [Consult.2011-06-30].Disponvel na www: .)

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    vinda dos Cruzados 9 Pennsula, que ajudavam os nossosReis nas guerras contra os rabes, porque os Reisaprovaram esta ideia. Tantas indulgncias valia combater os Mouros aqui na Pennsula, como combater os Turcos lna Terra Santa. Portanto, muitos cavaleiros Cristos daFrana, da Inglaterra, vieram aqui fazer a sua guerra. Tudoisso contribuiu para a vitria definitiva da Cristandadesobre os Mouros.

    Esses dois Condados, o que tinha a cabea no Porto e oque tinha a cabea em Coimbra, eram governados por

    Condes, praticamente independentes, mas realmentedependiam do Rei de Leo, ao qual prestavam vassalagem.Ora, no ano de 1095, o imperador Afonso VI, cujo ttulo sedevia ao facto de ser Rei dos trs Reinos de Leo, Castela eGaliza, reuniu os dois Condados do Porto e de Coimbra nums Condado e deu todo esse territrio a uma filha, D.Teresa , que, por essa altura, tinha casado com um fidalgofrancs, o Conde D. Henrique , da poderosa famlia feudal

    francesa dos Duques da Borgonha. So eles D. Henrique eD. Teresa os primeiros prncipes de Portugal, que, por vezes, residiram no Castelo de Guimares. Os seus tmulosesto, hoje, na Catedral de Braga.

    9 Expedicionrio que fazia parte das Cruzadas , isto , as expedies empreendidaspelos cristos, na Idade Mdia, que tinha como objectivo libertar os lugares santos,e designadamente Jerusalm, do poder islmico.

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    Figura 18 Os limites do Condado Portucalense, entregue por Afonso VI a Teresa de Leo eHenrique de Borgonha

    O Conde morreu em 1114 e, naturalmente, o governo doCondado passou para a Rainha viva, que era a me do

    jovem D. Afonso Henriques .

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    Figura 19 Esttua de D. Afonso Henriques, em Guimares

    Quando o pai morreu, ele ainda era uma criana. Mas,claro, era uma criana que cresceu e, em 1122, j searmou, a si prprio, cavaleiro, na Catedral de Zamora, o

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    que significa que ele no reconhecia ningum acima de si.Ora, por essa altura, a Condessa D. Teresa apoiava-semuito nos nobres galegos, estando at casada com umgrande fidalgo da Galiza o Conde Ferno Peres deTrava , que tinha uma posio de chefia em tudo o quedizia respeito aos assuntos portucalenses. E os portuguesesno viam com bons olhos essa espcie de sujeio Galiza.Havia resistncia, que vem a ser encabeada pelo jovem

    Afonso Henriques, apoiado, por um lado, pelos burguesesde Guimares, pelo Arcebispo de Braga e tambm por muitos fidalgos portucalenses. E Afonso Henriques, comessas foras, resolveu apoderar-se do governo do Condado. claro que a me no concordou, pois entendia que aCondessa era ela.

    Assim, os dois, me e filho, travaram um combate noCampo de S. Mamede Batalha de S. Mamede , pertodo Castelo de Guimares. Devo dizer que, passados algunsanos, a esse lugar j se chamava o Campo de SamRedanhas. Redanhas, em sentido figurado, quer dizer

    feitos de valentia, actos corajosos. Compreende-se perfeitamente que, ao stio onde houve uma batalha, setenha ligado essa ideia de feitos valentes. Ora, nssabemos, e sabemo-lo perfeitamente porque Ferno Lopeso diz, onde era o Campo de Sam Redanhas. Ficava ameia lgua de Guimares, na estrada de quem vem doPorto para Guimares. As tropas de D. Teresa vinhamatacar e precisavam de passar o rio, tendo-o feito,

    certamente, pela Ponte Romana de Creixomil que, j nessaaltura, existia. E foi, a, que se deu o combate que fez nascer Portugal 10

    10 A cidade de Guimares est historicamente, associada fundao daNacionalidade e identidade Portuguesa. Guimares (entre outras povoaes)antecede e prepara a fundao de Portugal, sendo conhecida como "O Bero daNao Portuguesa". Aqui tiveram lugar, em 1128, os principais acontecimentospolticos e militares, que levariam independncia e ao nascimento de uma novaNao.

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    Figura 20 Encontra-se inscrito numa das torres da antiga muralha dacidade de Guimares Aqui nasceu Portugal, referncia histrica e

    cultural de residentes e visitantes nacionais.

    Depois do combate de S. Mamede Afonso Henriquesquem governa o Condado Portucalense, com o Porto eCoimbra, embora o Condado, claro, dependa do Rei deLeo. Entre as muitas aces militares de D. Afonso

    Henriques, nenhuma ficou to clebre como a Batalha deOurique . A Batalha de Ourique realmente um casocurioso, curioso! No h dvida que houve uma batalha,datada do ano de 1139, entre as foras de D. AfonsoHenriques e foras mouras. Dizem que eram muitos reis,enfim, porque depois a lenda foi ampliando, ampliando, eacabou por transformar essa batalha num acontecimentoextraordinrio, estrondoso, com a prpria interveno de

    Deus, com um milagre: Deus veio do Cu Terra eapareceu a D. Afonso Henriques para lhe anunciar que lhe

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    ia dar a vitria em troca de depois ele, D. AfonsoHenriques, Lhe dever consagrar este pas. curiosa essahistria, porque realmente a lenda do milagre s apareceno sculo XVI, mas foi acreditada, piedosamente, nossculos XVI, XVII, XVIII. E preciso chegarmos quase ao fimdo sculo XIX para que o nosso grande escritor AlexandreHerculano tenha mostrado o que havia de, enfim,inadmissvel em todas essas fantasias. Chegou-se mesmoao ponto de dizer que nem sequer houve batalha, o queno verdade, porque houve realmente uma Batalha deOurique, no se sabendo, contudo, hoje, ao certo, em quelocal se realizou. Foi inclusive feito um monumento Batalha de Ourique, localizado em Vil Ch de Ourique, nasimediaes da vila do Cartaxo.

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    Figura 21 Monumento Batalha de Ourique, em Vil Ch de Ourique

    um belo monumento que representa, aqui, os ricoshomens do tempo de D. Afonso Henriques e, l em cima, ovulto da vitria. Bom, mas se formos ao Alentejo, regiode Ourique, eu podia-lhes mostrar outro monumento mesma Batalha.

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    Figura 22 Monumento Batalha de Ourique, no Alentejo.

    H outras regies, como por exemplo Leiria, que diz que foil que se realizou a Batalha. A verdade que, ao certo, no

    se sabe onde foi a Batalha. Que a Batalha existiu, no hdvida nenhuma, e que essa Batalha deu ao jovem D. Afonso Henriques um enorme prestgio, que lhe foi til paraalcanar a realeza e a independncia, disso tambm no

    pode haver dvidas. A partir de 1140, D. Afonso Henriques j assina Rei,

    Afonso, Rei dos Portugueses. Para se poder considerar um Rei independente, ele no podia naturalmente prestar

    vassalagem ao Rei de Leo. E, de facto, nunca a prestou.Mas, claro, isso custou-lhe combates sangrentos,

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    negociaes muito hbeis. E, em 1143, numa reunio quefoi feita na cidade de Zamora, o prprio Rei de Leo deu a

    Afonso Henriques j o tratamento de Rei Tratado de Zamora .

    Figura 23 Tratado de Zamora

    Finalmente, em 1179, pela primeira vez, o Papa AlexandreIII, na clebre Bula Manifestis Probatum , reconheceu

    Afonso Henriques como Rei de Portugal.

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    Figura 24 Bula Manifestis Probatum

    claro que a independncia de Portugal deve muito a D. Afonso Henriques, mas no foi apenas a valentia, ateimosia e o gnio poltico de um homem que estiveram nabase do nascimento de uma nova nao. Portugal tornou-seindependente, isto , tornou-se nao que tem o direito de

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    se governar a si prpria, porque toda a regio tinha umcarcter prprio e principalmente porque existia um povo

    portugus, com uma lngua prpria, muito diferentedaquela que se falava em Castela e Leo. Esse povo tinhaconhecido uma situao de quase liberdade no tempo dosMouros, e agora apoiava o prncipe que protegia osconcelhos, que constituam o vestgio da liberdade popular,ameaada pela Reconquista. De facto, foram os concelhosque deram a D. Afonso Henriques a fora que lhe permitiuser independente, a comear pelo concelho dos burguesesde Guimares, que lhe permitiu resistir a um cerco posto

    pelo Rei de Leo e que lhe deu tambm as tropas que lhefizeram ganhar o combate de S. Mamede. E fora do povo

    juntava-se a fora dos bispos, que queriam ver as suasdioceses independentes das Ss Metropolitanas de Toledo ede Compostela. Ele manteve, por um lado, a guerra com osMouros e conseguiu que a fronteira do seu Reino passasseda Linha do Mondego para a Linha do Tejo , com aconquista definitiva das grandes cidades de Santarm e deLisboa.

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    Figura 25 Conquista da cidade de Santarm aos Mouros, em 1147.

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    Figura 26 Conquista da cidade de Lisboa aos Mouros, em 1147.

    E com Lisboa, apoderou-se de Sesimbra, de Sintra, dePalmela. Constroem-se grandes monumentos, como so,

    por exemplo, a S Velha de Coimbra , ou a S de Lisboa ,ou o Convento de Alcobaa , ou o Convento de SantaCruz de Coimbra , o u o Convento de S. Joo deTarouca , ou o Castelo de Leiria . , portanto, um grandee construtivo reinado.

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    Figura 27 S Velha de Coimbra

    Figura 28 S de Lisboa

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    Figura 29 Mosteiro de Alcobaa

    Figura 30 Convento de Santa Cruz

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    Figura 31 Convento de So Joo de Tarouca

    Figura 32 Castelo de Leiria

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    A Monarquia que nasceu, assim, com D. AfonsoHenriques foi, essencialmente, popular, no sentido de que afora do Rei era a fora do povo. O fundador danacionalidade governou Portugal desde 1127 at data damorte, em 1185, portanto durante 58 anos. Quando elemorreu, Portugal era considerado j um reino independentee estava em franco progresso. Ele disps que, depois damorte, o enterrassem em Coimbra, no altar-mor doMosteiro de Santa Cruz que ele prprio tinha fundado. Oseu tmulo grandioso uma homenagem ao fundador dePortugal, sendo j obra, claro, do Rei D. Manuel que, emcerca de 1520, manda construir este grande monumento.Mas ali que, desde a morte, jazem os seus restos mortais.

    Figura 33 Tmulo de D. Afonso Henriques, fundador de Portugal, no altar-mor do Mosteirode Santa Cruz

    Mas, talvez, o aspecto mais notvel do seu governo sejaa proteco que ele deu constantemente aos concelhos dosmoradores. Discute-se muito, ainda hoje, qual averdadeira origem dos concelhos medievais portugueses.

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    H quem diga que eles representam os municpiosromanos, que tinham estado esquecidos durante algunssculos, mas que ressuscitaram na Reconquista. Eu pensoque no foi assim. Penso que os municpios romanosrealmente desapareceram quando desabaram todas asinstituies da autoridade romana e foram substitudos

    pelas autoridades dos nobres, que se apoderaram dasterras depois da Invaso Visigtica. Mas, depois, osinvasores mouros mataram ou expulsaram os donosvisigticos das terras e os moradores que l ficaram, queeram os vizinhos esta palavra vizinho curiosa, porquevem de vicus e foi esta ltima expresso que deu Vigo,depois substituda pelos rabes pela palavra deles aldeia ficaram sem senhores e tiveram de se organizar pararesolver os seus prprios problemas, os problemas da suavida colectiva, porque algum tinha de fazer justia,algum tinha que mandar reparar os caminhos por onde se

    passava, tinha que mobilizar e administrar os lagares dovinho e do azeite, os afloramentos da terra, o regime da

    pastorcia. Tudo isso eram problemas de todos e que s podiam ser resolvidos por todos. Por isso, os vizinhosreuniram-se penso que, nos primeiros tempos, nohaveria Paos do Concelho , portanto, reuniam-se sombra de grandes rvores, e a decidiam colectivamente oque que se devia fazer. O nome que se dava a essasreunies era conventus publicus vicinorum , isto , asreunies colectivas dos vizinhos. E, portanto, a autoridadeque era outrora exercida pelo nobre visigtico passa agoraa pertencer reunio colectiva dos vizinhos.

    Reparem que isto uma mudana profunda: no MundoRomano e, depois, no Mundo Visigtico, quem governa aterra o dominus, o dono; na sociedade posterior Invaso Sarracena de 711, os senhores da terra so mortosou so expulsos e quem governa a terra so os vizinhos.So dois caminhos opostos: o senhorialismo e o

    municipalismo. Se a terra fosse de um nobre ou da Igrejano pagava impostos (ou seja, era imune), mas se a terra

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    fosse de um concelho, isto , se ela fosse governada pelosvizinhos, o senhor era o Rei e, portanto, era ele que tinhadireito a receber os impostos, fixados nos forais. Impostos eservios, entre outros, o servio militar que consistia em,durante um certo nmero de semanas por ano, sempre naPrimavera, cada concelho tinha que pr ao servio do Rei um certo nmero decavaleiros eram esses os famososcavaleiros-vilos , um certo nmero debesteiros (lavradores armados debestas) e um certo nmero de homensde p. claro que isso tornava o Rei omais forte chefe militar do pas, porquecada concelho mandava poucoshomens, mas muitos concelhosformavam uma grande hoste. Nenhum senhor, nenhumconde podia ter a veleidade de medir foras com a HosteReal. O trono portugus teve, assim,desde o incio, na sua base, a fora do

    povo, e tambm isso marcou o nossodestino histrico e modelou a maneirade ser poltica da Nao Portuguesa.

    A D. Afonso Henriques sucede, notrono, o filho, D. Sancho I , quetambm foi um grande Rei. Concedeumuitas dezenas de forais, fez nascer avida em povoados que eram montes de

    runas. Sucede-lhe D. Afonso II , que reinou pouco tempo,mas foi tambm um grande rei, tendo convocado as primeiras Cortes e publica as primeiras Leis Gerais. realmente um Rei que tem de enfrentar j as primeirasreaces dos nobres, mas, quandomorre, quem sucede no trono umfilho dele D. Sancho II , que ainda muito pequeno. No sabemos a idade, a Crnica s diz que

    estava na puercia, isto , era uma criana. Os nobresaproveitaram essa circunstncia e o reino de Sancho II ,

    Figura 34 D. Sancho I,segundo monarca dePortugal, cognominado O

    Figura 35 D. Afonso II,terceiro monarca dePortugal, cognominado O

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    de facto, tumultuoso, cheio de conflitos sangrentos, deguerras civis, de actos de violncia sobre as vilas, sobre osconcelhos, sobre as igrejas, sobre os celeiros e adegas dosconventos. Isto leva os representantes dos concelhos e osbispos a apresentarem uma queixa ao Papa, dizendo-lheque aquele homem no sabia governar, que o pas haviacado num inferno. O Papa acreditou nas queixas e todos osdocumentos que existem nos levam a crer que as queixas

    tinhamrazo. OReinadode D.Sancho IIfoi um

    perodoinfeliz daHistriadePortugal.Por isso,o Papa

    Eugnio IV, que considerava-se o chefe de toda aCristandade, retirou o governo de Portugal ao Rei D.Sancho II e entregou-o a um irmo mais novo, D. Afonso,que vivia em Frana, casado com uma grande fidalga, D.Matilde, que era Condessa de Bolonha. Da, ao nosso D.

    Afonso, ficou para sempre o cognome de O Bolonhs,tendo alis assinado sempre Conde de Bolonha at que, verdade, depois de ser Rei de Portugal, assinava comoRei de Portugal. D. Afonso vem de Paris para tomar contado Reino de Portugal, bem recebido em Lisboa, mas D.Sancho tenta resistir e h uma guerra civil queensanguentou o pas durante cerca de dois anos. Mas D.Sancho foi vencido, teve que sair de Portugal e refugiar-seem Toledo, onde morreu pouco depois, e O Bolonhssobe ao trono: D. Afonso III .

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    Com o reinado do Bolonhs, restabelece-se a paz e aorganizao no pas. O povo , pela primeira vez, chamadoa tomar parte nas Cortes 11. A cidade de Lamego ligada s11 O termo Cortes procede do latim cohors . Ao longo dos sculos este tipo deorganismo teve diversas designaes: cria, conclio e parlamento; segundoArmindo de Sousa, estas designaes chegaram a ser 16. As Cortes eram

    assembleias de estrutura e funcionamento complexos e no tero existidoanteriormente a 1211. Quanto aos seus antecedentes, enquanto Henrique de GamaBarros os encontra nos conclios nacionais da monarquia visigoda, Sanchez-Albornoz filia-as na Cria Rgia, rgo auxiliar dos reis. Inicialmente a participaona cria constitua um acto de vassalagem e no uma prerrogativa, masprogressivamente estas assembleias evoluram para um modelo cada vez menospalaciano e cada vez mais assente na abordagem dos problemas polticos,econmicos e legislativos. As Cortes s o passam a ser efectivamente a partir domomento em que nelas passa a ter assento permanente o brao do povo, atravsdos representantes dos concelhos, para alm da nobreza e do clero, que janteriormente se encontravam prximos do rei. Funcionavam por convocatria dorei em sesses ordinrias, antecedidas por sesses solenes. Na sesso solene eraproferido um discurso de abertura, a cargo de algum nomeado pelo rei. Neste

    discurso eram apresentados os motivos da convocao. A convocao de Cortesnunca obedeceu a uma periodicidade temporal bem determinada, dependeu davontade do rei (pois comearam a representar uma limitao ao seu poder) e deconjunturas polticas e sociais. Os trabalhos das Cortes desenrolavam-se emreunies separadas de cada um dos trs braos, que, cada um por si, apresentavamao rei as suas peties ou concluses. O rei a todos respondia posteriormente,cabendo-lhe, em caso de impasse ou no, a deciso final. A durao dos trabalhosdecorria por tempo indeterminado at que terminassem os assuntos a discutir;pode, contudo, afirmar-se que a sua durao mdia seria de um ms. O perodoureo das Cortes em Portugal corresponde aos sculos XIV e XV, tendo as primeirassido realizadas em Leiria em 1254; nunca mais, aps este perodo, se convocaramCortes em to grande nmero. Podem apontar-se como razo para a realizao deto elevado nmero de Cortes a necessidade que o rei tinha de apoio financeiro epoltico. A sua decadncia comea com a expanso econmica ultramarina e com aevoluo das ideias dos legistas, que foram tornando o rei menos dependente dos

    ura 36 D. Sancho II, quartonarca de Portugal,Figura 37 D. Afonso III, quintomonarca de Portugal, cognominado O

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    Cortes tambm por uma lenda, inventada no sculo XVII,que diz que foi a que D. Afonso Henriques reuniu asfamosas Cortes de Lamego que, realmente, nuncaexistiram. Isso uma lenda inventada por imaginososcronistas. A lenda entrou, de certo modo, na Histria,

    porque houve muitos actos importantes da vida portuguesa at a nossa independncia , em que se falava no Direitodefinido nas Cortes de Lamego 12.

    Para falar no reinado de D. Afonso III, nenhum lugar estmais indicado do que Leiria, porque, de qualquer forma, anica notcia segura que temos das Cortes com

    representantes do brao popular realmente dessasCortes, das Cortes de Leiria , datadas de 1254. Pensa-seque as Cortes estiveram reunidas na Igreja de S. Pedro,dotada de uma fachada romnica e situada no sop doCastelo de Leiria.

    grandes senhores nobres e dos impostos extraordinrios exigidos ao povo. Estadecadncia manifesta a partir de D. Joo II e definitiva quando a linha polticaevolui definitivamente no sentido do absolutismo. O rei j no depende deste rgopois s ele tem a boa razo que lhe permite decidir sempre no melhor sentido.(Cortes . In Infopdia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2011. [Consult. 2011-06-30].Disponvel na www: .)

    12 Ningum dispe da Acta autntica das chamadas Cortes de Lamego, que setero reunido na Igreja de Santa Maria de Almacave, em Lamego. Dispe-se, noentanto, de uma cpia apcrifa do sculo XVII, onde feita a aclamao de D.Afonso Henriques como Rei de Portugal e se estabelecem as "Regras de Sucessoao Trono". O contedo da Acta dessas Cortes, publicado por Frei Antnio Brando,foi respeitado at Dinastia Filipina, mas s foi explicitamente incorporada noordenamento jurdico da Monarquia Portuguesa nas Cortes de 1641, para que otrono no fosse de novo para um prncipe estrangeiro como nas Cortes de Tomar de1581. Desde 1641, essa Acta passou a valer como uma Lei Fundamental do Reinode Portugal quanto s "Regras de Sucesso ao Trono".(BRANDO, Doutor Frei Antnio. Terceira parte da Monarchia Lusitana: que contema historia de Portugal desdo Conde Dom Henrique, at todo o reinado del Rey Dom

    Afonso Henriques . Lisboa: Pedro Craesbeck, 1632.)

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    Figura 38 Igreja de S. Pedro, dos finais do sculo XII, em Leiria

    um castelo que tem coisas muito anteriores a D. AfonsoIII, como por exemplo a parte central com a torre demenagem, datada do princpio da Monarquia, e tambmtem coisas muito mais modernas que D. Afonso III, comoaquela linda alcova com janelas debruadas sobre o quehoje a cidade, tudo isso do tempo de D. Joo I, portanto

    j dos princpios do sculo XV.

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    Figura 39 Torre de Menagem do Castelo deLeiria

    H muitas outras coisas que nos lembram a Revoluodo Bolonhs, como, por exemplo, a bandeira do Rei: at aD. Sancho II, so apenas as cinco quinas em campo branco,ou seja, a Hoste Real ia atrs daquela bandeira, mas D.

    Afonso III, quando vem para o Reino, tem que trazer umabandeira que o distinga. Ele tinha sido apoiado, em Frana,

    por uma tia materna, que era a Rainha D. Branca deCastela , cuja bandeira era vermelha, toda bordada comcastelos de ouro era isso que queria dizer Castela. Onosso prncipe sobrepe a bandeira branca das quinas bandeira vermelha dos castelos, dando o resultado de umabandeira com cinco quinas rodeadas pela faixa doscastelos, que ainda hoje figura na Bandeira Nacional.

    Figura 40 Interior da alcova doCastelo de Leiria

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    Figuras 41 e 42 Evoluo da bandeira de Portugal

    Com D. Afonso III, muitas coisas mudam em Portugal eum dos passos importantes a conquista definitiva do

    Algarve , logo em 1249. Note-se que D. Afonso III s era Reidesde 1248, ano em que morre, em Toledo, o Rei D.Sancho II. Pois, logo em 1249, ele, pressa, vai conquistar as ltimas praas mouras do Reino do Algarve. Porqu essa

    pressa toda? Porque realmente quem se considerava comdireito a conquistar o Algarve era o Rei de Leo e Castela,que entendia que era um direito dele. Por isso, quando os

    portugueses conquistaram aquelas praas, surgiu umconflito entre a Coroa Portuguesa e a Coroa Castelhana,conflito que D. Afonso III resolveu com uma extremahabilidade: casou com uma filha bastarda do Rei deCastela. D. Afonso X, o Rei de Castela, por sua vez, deu o

    Algarve ao primeiro neto que nasceu desse casamento, quevem a ser o Rei D. Dinis . Quando o Rei D. Dinis cresceu,aquilo era um Reino parte, mas pertencia ao Rei dePortugal e foi assim que o Algarve se integrou na CoroaPortuguesa.

    Devo-lhes dizer que esta Revoluo de 1245-48 , que pe no trono O Bolonhs, pouco conhecida dos portugueses. Tem muitos pontos de semelhana com aRevoluo que, sculo e meio mais tarde, vem a mudar

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    tambm o destino nacional a Revoluo de 1383-85 . Arazo porque uma to conhecida e outra to pouco creioque s esta: a Revoluo de 1383-85 teve um escritor genial que a descreveu Ferno Lopes , ao passo que aRevoluo de 1245-48 no teve ningum que lhe dedicasseuma Crnica.