Click here to load reader
Upload
aluizio-palmar
View
213
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
1
Formação e trajetória do MR-8 (DI-RJ) nas memórias de Aluízio Palmar
Thomaz Joezer Herler1
Neste artigo, pretendo abordar o processo de formação do MR-8 (DI-RJ)2 e sua
atuação na região oeste do Paraná a partir da obra “Onde foi que vocês enterraram nossos
mortos?”, escrita por Aluízio Palmar, um dos membros fundadores desta organização armada.
Em seu livro, o autor propõe expor sua trajetória na investigação de um intrigante massacre
ocorrido em 1974 no Parque Nacional do Iguaçu, na cidade de Foz do Iguaçu, em que seis
membros de um grupo da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) liderado por Onofre
Pinto, foram executados. Ao narrar suas viagens pelo oeste e sudoeste paranaense, em busca
de pistas que pudessem levar à solução do mistério que rondava o assassinato do “Grupo de
Onofre”, Aluízio vai estreitando, aos poucos, sua relação com este caso e as motivações que o
levaram a investigar tal crime.
Para que os leitores compreendam as ligações do antigo guerrilheiro com o grupo da
VPR que fora executado e o porquê desta busca incessante por esclarecer o ocorrido, ele
reconstitui acontecimentos passados de sua vida. Seu primeiro contato com ideias socialistas
ainda na adolescência, sua inserção na militância política em Niterói e seu ingresso no PCB
na década de 1960. Trás à tona também os embates internos que ocorreram no PCB após o
golpe de 1964, que originaram dissidências e posteriormente rachas, dando origem às
organizações armadas. Aborda especificamente a formação da Dissidência Comunista do Rio
de Janeiro (DI-RJ), da qual fora fundador, que rompe com o Partido em 1966 e em 1967
1 Mestrando em História do Programa de Pós-Graduação da UNIOESTE, linha de pesquisa Estado e Poder.
Orientadora: Profª Drª Carla Luciana Silva. Email: [email protected] 2 A sigla DI-RJ (Dissidência do Rio de Janeiro) faz-se necessária para diferenciar este MR-8 daquele outro
derivado da DI-GB (Dissidência da Guanabara). Após a desmobilização do primeiro MR-8 pela repressão, em
1969, a DI-GB, no ato do sequestro do embaixador Charles Elbrick, adotou este nome como forma de contrapor-
se à propaganda governista de que o MR-8 havia sido desbaratado.
muda de nome para Movimento Revolucionário 8 de outubro (MR-8), em homenagem ao
guerrilheiro Ernesto Guevara, morto nesta data.
Para nossas problematizações, será importante ressaltar a importância da memória
individual e da experiência social para a história. Quando à memória individual, cabe enfocar
que esta
é um produto social, porque todos nós falamos um idioma, que é um produto social; nossa experiência é uma experiência social, mas não pode submeter completamente a memória de nenhum indivíduo sob um marco de memória coletiva. Cada pessoa tem uma memória, de alguma forma, diferente de todas as demais. Então, o que vemos, mais que uma memória coletiva, é que há um horizonte de memórias possíveis. (ALMEIDA e KHOURY apud ALMEIDA, 2003, p. 145)
Quanto à questão da experiência social, tal noção é adotada como um “conceito
articulador, que não divorcia a vida material da cultura e da consciência”. Ou seja, a situação
concreta, material, social, encontra-se numa interação dialética com as representações e
concepções de mundo. Deste modo, enfoca-se a importância do sujeito na história, e toma-se
“a luta de classes não só como categoria de análise, mas também como perspectiva política”
(KHOURY, 2012, p. 32).
A partir de tais premissas, faz-se importante articular a memória de Aluízio sobre a
formação e atuação do MR-8 ao contexto vivenciado após o Golpe Civil-Militar no Brasil,
marcado por crises de paradigmas e esperanças em uma nova esquerda, caracterizada pela
ação armada e pela recusa aos tradicionais partidos comunistas. Também podemos
problematizar as motivações que levaram Aluízio Palmar a narrar sua atividades enquanto
guerrilheiro nesta obra, articulando suas motivações particulares (fruto de suas experiências
sociais) à relevância social de seu trabalho
1. Divergências com a direção o PCB e formação do MR-8 (DI-RJ)
Com o golpe Civil-Militar, ocorrido em 1964, o PCB e os nacionalistas de esquerda
(principalmente do PTB) veem frustradas suas expectativas de colocarem em prática seus
3
projetos políticos, que encontravam forte sustentação no governo Jango, dado a seu caráter
nacional-desenvolvimentista. Segundo Davi Maciel, a partir deste momento iniciou-se
um processo de substituição progressiva da institucionalidade democrática herdada da Constituição de 1946 por uma institucionalidade autoritária apoiada no cesarismo militar, que garante a direção política do bloco no poder pelas Forças Armadas; na supremacia do poder Executivo sobre os demais poderes, que centraliza e concentra o processo político que tomada de decisões; na Lei de Segurança Nacional e num aparato de repressão e informações ampliado em escala nacional, que militarizam a questão social e o tratamento do conflito político; numa legislação partidária e eleitoral voltada para transformar os partidos e as eleições em instrumentos de legitimação do governo. E numa estrutura sindical radicalizada em seus aspectos repressivos, tutelares e assistencialistas, que garantem o controle sobre o movimento dos trabalhadores. (MACIEL, 2011, p. 41)
No capítulo “Um furação sobre nossas cabeças”, o ex-guerrilheiro, que havia
ingressado no PCB no começo da década de 1960, narra a articulação ocorrida no interior do
PCB após o golpe, suas estratégias e recuos diante da face da repressão então instaurada, bem
como as divergências internas ao partido que vieram a culminar na formação de dissidências.
Segundo Aluízio,
desde o golpe estávamos envolvidos no debate sobre a linha política a ser seguida. A luta interna [ao PCB] era intensa e os setores universitário e secundarista romperam de cara com a posição nacional desenvolvimentista defendida pela direção. Juntamente com alguns quadros operários navais, começamos a caminhar em direção a opção pela etapa socialista da revolução brasileira e a luta armada. (PALMAR, 2006, p. 267)
Muitos foram os fatores que influenciaram, neste momento, no descrédito conferido
aos paradigmas do PCB e, posteriormente, no fortalecimento dos grupos de esquerda armada,
principalmente entre os militantes mais jovens. Inicialmente, pesou muito em vários
militantes do PCB a ausência de resistência do partido ao Golpe de 64, bem como sua adesão
ao MDB (único partido de oposição legal do Regime Civil-Militar) como forma de luta pela
redemocratização. Acreditava-se que “a estrutura arcaica e stalinista [do PCB] não era capaz
de dar conta da complexidade da sociedade brasileira nem da novidade dos movimentos
sociais dos anos 60, tampouco da transformação revolucionária da ordem estabelecida”
(RIDENTI, 1993, p. 120).
Apesar das divergências entre as concepções políticas e revolucionárias cultivadas
pelas diferentes organizações, estas eram unidas pela recusa à “revolução por via pacífica”
postulada pelo PCB, assim como pela inspiração gerada pelo sucesso da experiência cubana.
A institucionalidade autoritária que foi se solidificando após o golpe de 64 fazia com que
muitos militantes acreditassem que apenas a luta armada seria possível para promover a
libertação nacional ou a construção de um Estado Socialista.
Deve-se lembrar, também, que a esquerda armada era vista como uma alternativa de
atuação não apenas pelo rigor imposto pelo cesarismo militarista que vinha se formando.
Neste mesmo contexto, diversos teóricos produziram trabalhos que entravam diretamente em
choque com as teses pecebistas. Eram desmistificadas as ideias de “revolução por etapas”
(constituição do nacional-desenvolvimentismo para chegar ao socialismo) e de aliança entre
trabalhadores e burguesia nacional contra os latifundiários aliados ao imperialismo. Deste
modo, já não se acreditava mais na superação dos problemas econômico-sociais brasileiros
dentro do capitalismo, através de uma revolução que visasse, em primeiro momento, apenas a
“libertação nacional”. Acreditava-se tampouco na possibilidade de aliança entre operários e
camponeses com a burguesia, visto que
o imperialismo e as relações atrasadas no campo estariam imbricados ao próprio capitalismo brasileiro, de modo que não seria possível falar em uma revolução nacional e democrática na qual os interesses da burguesia fossem contrários aos de imperialistas e latifundiários. (RIDENTI, 1993, p. 34)
Outra peculiaridade destas “novas esquerdas” é a concepção de que o meio rural seria
o núcleo central das atividades guerrilheiras contra o Regime Civil-Militar. A esta diretriz,
adotada por todas as organizações armadas (de modo mais ou menos rígido), está imbricada
toda uma série de fatores. Parte disto se deve ao fato dos “exemplos mais vivos de revolução
5
na década de 60 eram os de países onde a luta no campo fora fundamental: casos de Cuba,
Vietnã e Argélia, sem contar o paradigma um pouco anterior da Revolução Chinesa”
(RIDENTI, 1993, p. 238).
Destas dissidências armadas que se formaram no interior do PCB, trataremos aqui do
MR-8 (DI-RJ). Apesar de ter sido curta sua existência, teve grande importância nesta nova
estratégia de atuação política. Tendo sido fundada por Aluizio Palmar, Umberto Trigueiro
Lima, Antônio Rogério Garcia da Silveira, Milton Gaia Leite, Nielse Fernandes, dentre
outros, esta organização armada representou a insatisfação e inquietação, principalmente dos
jovens comunistas secundaristas e universitários, com as diretrizes até então adotadas pela
direção do PCB.
Aluízio narra de forma clara este processo, expondo a intensificação dos debates após
1964 e a radicalização que vinha ocorrendo juntamente por parte de alguns setores do partido.
Segundo o mesmo, “as dissidências do PCB em vários estados começaram a defender que a
revolução não seria nacional-democrática, nem nacional-socialista, mas sim socialista”. Para
corroborar este posicionamento, a obra A revolução brasileira teve importância fundamental.
Escrita por Caio Prado Júnior e lançada em 1966, “o livro era uma crítica decisiva à tese do
PCB sobre a existência de uma burguesia nacional antiimperialista” (PALMAR, 2006, p.
268).
Também é enfatizada a importância da Revolução Cubana e da teoria do foco
guerrilheiro na construção da crítica aos paradigmas pecebistas. Segundo Aluízio,
nos inspiramos na experiência revolucionária de Cuba para defender que era possível fazer a revolução socialista a partir do foco guerrilheiro. Nós conhecíamos a teoria do foco através dos escritos de Che Guevara, mas foi a cópia de um livrinho mimeografado que o Umberto Trigueiros Lima conseguiu com o pessoal da Polop e me entregou certo dia no Jardim São João, em Niterói, que suscitou nosso entusiasmo para ‘subir a serra’. O livrinho era Revolução na Revolução, do teórico francês Régis Debray. (PALMAR, 2006, p. 268)
As teorias desenvolvidas por Régis Debray tiveram grande importância na formação
de diversas organizações, dentre elas o MR-8. Seus escritos, de teor um tanto militarista,
resumiam e sistematizavam a teoria do foco guerrilheiro da seguinte maneira:
o foco se iniciava com um punhado de homens e se punha a atuar entre camponeses de uma região cujas condições naturais favorecessem a defesa e contra-ataques do Exército. Numa segunda etapa, colunas guerrilheiras se deslocavam da região inicial, levando a luta armada a outras regiões. (PALMAR, 2006, p. 268)
Tal perspectiva estratégica e militarista, considerada adequada a um momento de
repressão ditatorial e supressão dos movimentos sociais, trazia à tona um outro fator
importante na formação do MR-8 (DI-RJ): a “ideia da primazia do fator militar sobre o fator
político e da prioridade do foco sobre o Partido” (PALMAR, 2006, p. 268). O partido
tradicional marxista-leninista era considerado inadequado àquela conjuntura por sua estrutura
rigidamente burocrática, optando-se assim pelo militarismo do foco guerrilheiro, considerado
embrião do exército popular revolucionário. Carlos Alberto Barão, em seu artigo A influência
da Revolução Cubana sobre a esquerda brasileira dos anos 60, problematiza a influência da
concepção debrayana em alguns grupos de esquerda armada brasileiros. Segundo este,
Deve apresentar também uma organização nova. Ao partido transformado impõe-se o rompimento com a tradição dos inumeráveis órgãos deliberativos e reuniões, devido a seu aspecto paralisante diante do inimigo. A conversão necessária para as novas formas de luta exige a suspensão temporária da ‘democracia interna’ no partido e a abolição temporária das regras do centralismo democrático que a assegura. A disciplina partidária torna-se disciplina militar. (BARÃO, 2003, p. 280-281)
Ainda na discussão sobre partido, Carlos Alberto Barão cita Régis Debray, aludindo à
questão da vanguarda nesta nova forma de organização popular. Segundo o teórico francês,
O partido é instrumento da luta de classes. Onde o instrumento não logra êxito, as classes populares deverão criar suas vanguardas. Mas de que tipo? Essa vanguarda seria constituída pela guerrilha, responsável agora também pela direção política. O critério da vanguarda é a ação. O futuro exército do povo engendrará o partido do qual
7
ele deveria ser teoricamente o instrumento. No essencial o “partido” é ele. (DEBRAY apud BARÃO, 2003, p. 281)
Inspirados por tais ideias inovadoras, o MR-8 (DI-RJ) começou a tomar forma e a
organizar-se. Sendo Aluízio Palmar, devido às suas atividades políticas, vigiado e caçado pela
repressão, o mesmo ausentou-se do Rio de Janeiro por um tempo, não só como forma de fugir
da repressão mas também para articular o foco guerrilheiro e buscar o apoio de outras
dissidências do PCB.
Enquanto a repressão me caçava desesperadamente no Estado do Rio, eu fui passar uma temporada no Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo (Crusp) e tentar uma aproximação entre nosso grupo e os dissidentes de São Paulo. (...) eu fazia reuniões constantes com os rebeldes das seções paulista, paranaense e gaúcha do Partidão. Esses contatos e mais os que eram feitos pelo pessoal que ficou em Niterói acabaram não resultando na tão esperada fusão das organizações da esquerda revolucionária. Alegando que era cedo para ir “pro mato”, o que no jargão da época significava fazer o foco guerrilheiro, os paulistas seguiram Marighela e criaram a Ação Libertadora Nacional (ALN); os gaúchos foram para o Partido Operário Comunista; e nossos aliados em Niterói acabaram indo para o Comando de Libertação Nacional (Colina). Apenas a Dissidência Comunista do Paraná ficou conosco, e mesmo assim por algum tempo. (PALMAR, 2006, p. 273)
2. Atuação do MR-8 no oeste do Paraná e sua desarticulação pela repressão
Deste modo, tendo sido angariado o apoio da Dissidência Comunista do Paraná, não
tardaria para que fosse articulado um foco guerrilheiro neste estado. Aluízio Palmar,
“demasiadamente queimado para continuar no trabalho de massas” e responsável pela
“implantação de um foco guerrilheiro no Oeste do Paraná” (PALMAR, 2006, p. 272), foi para
a cidade de Foz do Iguaçu em 1968, junto com outros quadros da organização. Esta cidade,
localizada na tríplice fronteira Brasil - Paraguai - Argentina, era bastante propícia para
atividades de guerrilha, parecendo adequada dentro da teoria desenvolvida pelo teórico Régis
Debray. Segundo Humberto Trigueiros Lima, a região era “uma grande área florestal, com
muitos conflitos de terra” (LIMA apud RIDENTI, 1993, p. 224)
Assim, deslocaram-se para Foz do Iguaçu Aluizio Palmar, Nielse Fernandes, Milton
Gaia Leite, Mauro Fernando de Souza, César Cabral, João Manoel Fernandes, Bernardino
Jorge Velho, Israel Resende, Ricardo Kozievlics e Lauro Consentino Filho. Ao chegarem na
região, receberam apoio de Fábio Campana, um dos militantes da Dissidência Comunista do
Paraná com quem eles estabeleceram contato (PALMAR, 2006, p. 51-52).
Após chegarem na região, iniciaram um trabalho de reconhecimento da área que durou
quase dois anos, fazendo “andanças pelas estradas do Oeste do Paraná, levantando rios,
riachos, pontes, pontilhões, áreas de conflitos sociais, postos policiais e outros prédios
públicos”. Enquanto isso, os militantes que “ficaram no Rio e em Niterói participavam de
expropriações”, nome dado aos assaltos cometidos com finalidade de financiamento das
atividades guerrilheiras (PALMAR, 2006, p. 275).
A partir de tais andanças, feitas principalmente junto com Nielse Fernandes e
Bernardino Jorge Velho (ex-militante do PCB), Aluízio deparou-se com diversas situações de
exploração, à medida que conhecia a situação dos camponeses da região. Em sua obra, narra
que certa vez ele e seus companheiros foram conversar com os trabalhadores da Fazenda
Rami, em Matelândia, e ficaram chocados com a exploração a que eram submetidos os
empregados. “Muitos deles tinham os dedos decepados pelas máquinas, conhecidas como
‘periquitos’, nas quais eram desfibradas as hastes do rami, uma planta cuja fibra é utilizada na
fabricação de tecidos, cordas e barbantes”. Nesta fazenda, ficaram hospedados no dormitório
dos trabalhadores solteiros, conversando com os mesmos sobre liberdade, socialismo e
revolução. Quando foram embora, antes do dia amanhecer, muitos daqueles peões queriam
ingressar na guerrilha. Contudo, desconversaram e saíram, pois consideravam que “não era a
hora pra aquele tipo de recrutamento” (PALMAR, 2006, p. 277).
Apesar de tais situações de explorações vistas no momento de reconhecimento da
região, Aluízio também narra, com certa simpatia, a lembrança da solidariedade dos
9
camponeses para com os guerrilheiros. Através de Bernardino Jorge Velho, que além de ser
bem conhecido na região tinha bastante facilidade em comunicar-se com as pessoas,
montaram uma “extraordinária rede de apoio para a futura guerrilha, constituída de pequenos
proprietários rurais, posseiros, meeiros e peões” (PALMAR, 2006, p. 276). Tal rede de
contatos e apoio auxiliou-os bastante, tanto no momento de reconhecimento da área quanto,
posteriormente, em seus treinamentos de guerrilha. Segundo o autor, esses apoios “vinham de
todas as direções e nos momentos de maior sufoco transmitiram segurança ao grupo e
revitalizaram suas convicções” (PALMAR, 2006, p. 279).
Após as andanças realizadas para o reconhecimento da área, os militantes Aluízio
Palmar, Nielse Fernandes, Milton Gaia Leite, Bernardino Jorge Velho, César Cabral e João
Manoel Fernandes passaram quase um ano em treinamentos de guerrilha no Parque Nacional
do Iguaçu. Durante este período, receberam treinamento do paraguaio Rodolfo Ramirez
Villalba, membro da Frente Revolucionária Colorada (FRC), agrupamento de esquerda
existente no interior do Movimento Popular Colorado (Mopoco), do Paraguai. Este contato
com a FRC havia sido estabelecido anteriormente por César Cabral, comerciante que vivia em
Foz do Iguaçu, outrora estudante de economia na Universidad del Nordeste, na Argentina,
perseguido neste país devido à sua militância política de esquerda (PALMAR, 2006, p. 278).
Também Marcelo Ridenti aborda um pouco o caráter eminentemente foquista do MR-
8 (DI-RJ). O mesmo afirma que embora a Dissidência tivesse herdado vários trabalhadores do
PCB, principalmente o operariado naval de Niterói, “não há indícios de continuidade do
trabalho político da DI-RJ no meio operário, pois a organização volte-se inteiramente para a
preparação da guerrilha, durante sua curta existência” (RIDENTI, 1993, p. 172). Em 1969,
contudo, resolveu-se desativar a área do foco no oeste paranaense. Segundo Aluizio,
Além de termos várias evidências de que a repressão estava de olho em nosso trabalho, foi determinante também a queda em Niterói, em fevereiro de 1969, de Lizi Benjamim Vieira, Vera Wrobel e Clarisse Chonchol, todos militantes do Comando de Libertação Nacional. Na seqüência dessas prisões várias pessoas passaram a ser
caçadas pela repressão, entre elas eu e Umberto Trigueiros Lima, um dos dirigentes do núcleo urbano da Dissidência Comunista do Estado do Rio (PALMAR, 2006, p. 280).
Durante este processo de desativação da área onde seria implantado o foco
guerrilheiro, Aluizio Palmar foi preso. No dia 4 de abril, quando, juntamente com Mauro
Fernando de Souza (“Silas”) estavam evacuando a casa de um de seus contatos, cruzaram pela
cidade de Cascavel e, Silas, que estava dirigindo um jipe pertencente à organização, bateu
contra outro carro próximo à rodoviária. Silas saiu em busca de mecânico, e Aluizio ficou
esperando fora do carro, e foi neste meio tempo que Marins Bello, jagunço vinculado à
Companhia Pinho e Terra, aproximou-se dele juntamente com outros policiais e o prenderam,
pois já desconfiavam de suas atividades (PALMAR, 2006, p, 281).
Aluízio foi levado à delegacia da cidade, de lá para o Batalhão de Fronteiras em Foz
do Iguaçu, depois para o presídio do Ahú, em Curitiba, e ainda posteriormente para o Rio de
Janeiro, na Ilha Grande e das Flores, sofrendo várias torturas em todo este processso. O
capítulo “Nos cárceres da ditadura” conta bastante da trajetória de Aluízio e alguns de seus
companheiros nos diversos presídios e delegacias por onde passou, até serem exilados para o
Chile em 1971, em troca da liberdade do embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher,
sequestrado em uma ação encabeçada por Lamarca.
3. Considerações finais
Não podemos deixar de enfatizar que a memória possui suas características
individuais, que não se dissociam, contudo, do todo social. Os conceitos de “memória
individual” e “experiência social” nos permitem visualizar com maior clareza tal questão.
Segundo Thompson,
Os homens e mulheres também retornam como sujeitos, dentro desse termo [experiência] - não como sujeitos autônomos, “indivíduos livres”, mas como pessoas que experimentam suas situações e relações produtivas determinadas como
11
necessidades, interesses e como antagonismos (...) (THOMPSON apud CHRIST, 2010, p. 13)
Sendo assim, as memórias de Aluízio Palmar, ao mesmo tempo que são individuais,
precisam ser analisadas dentro de todo um contexto social, tendo em vista que suas
expectativas, conflitos e ações encontravam materialidade naquela realidade social, e eram
também partilhadas por várias outras pessoas. As motivações que levaram-no a contar sua
história e a da organização armada, de igual forma, apresentam tanto razões mais individuais
quanto sociais. Ao mesmo tempo em que denuncia os crimes ocorridos durante a ditadura, a
situação de exploração e subordinação em que se encontrava o povo e o país, alude também a
questões de ordem extremamente particulares.
Falando sobre seu remorso em não ter avisado os quadros do “Grupo de Onofre” da
possível cilada em que estavam caindo, bem como de sua curiosidade em saber como teria
sido sua morte, caso os acompanhasse, deixa-nos claro que suas atividades e sua obra
possuem também um caráter de “acerto de contas”. Enfim, faz-se importante atentar-se para
estas questões para que, assim, possamos compreender o indivíduo em sua totalidade, como
uma interação de fatores subjetivos e objetivos, determinações e liberdade.
5. Referências bibliográficas
ALMEIDA, Paulo Roberto de. Encantos e desencantos da cidade: Trajetórias, cultura e
memória de trabalhadores pobres de Uberlândia - 1970-2000. In: et alli (org.) FENELON,
Déa, MACIEL, Laura Antunes, ALMEIDA, Paulo Roberto de, KHOURY, Yara &
PEIXOTO. Muitas Memórias Outras Histórias. SP: Olho D’ Água, 2004.
BARÃO, Carlos Alberto. A influência da Revolução Cubana sobre a esquerda brasileira nos
anos 60. História do marxismo no Brasil/Volume 1: o impacto das revoluções. João
Quartim de Moraes e Daniel Aarão Reis Filho (org.). 2ª ed. rev. Campinas, SP: Editora da
Unicamp, 2003
CHRIST, Flaviane Mônica. Memórias, projetos e lutas na formação histórica do Sindicato
dos Trabalhadores Rurais de São Miguel do Iguaçu/PR (1970-2009). Dissertação de
Mestrado. Marechal Cândido Rondo - PR: Unioeste, 2010.
KHOURY, Yara Aun. A Problemática da memória como linguagem social e prática política:
a experiência de trabalhadores da Thyssenkrupp do Brasil. História e Perspectivas.
Uberlândia (46): 31-64, janeiro/junho, 2012
MACIEL, David. As categorias de Gramsci e a transição política no Brasil (1974-1989). In:
Estado e poder: ditadura e democracia/Carla Luciana Silva; Gilberto Grassi Calil; Maria
José Castelano; Paulo José Koling (org.). Cascavel: Edunioeste, 2011.
PALMAR, Aluizio. Onde foi que vocês enterraram nossos mortos?. Curitiba: Travessa dos
Editores, 2006.
RIDENTI, Marcelo. O Fantasma da Revolução Brasileira. São Paulo: Editora da
Universidade Estadual Paulista, 1993.