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Historia Oral Aluizio

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Formação e trajetória do MR-8 (DI-RJ) nas memórias de Aluízio Palmar

Thomaz Joezer Herler1

Neste artigo, pretendo abordar o processo de formação do MR-8 (DI-RJ)2 e sua

atuação na região oeste do Paraná a partir da obra “Onde foi que vocês enterraram nossos

mortos?”, escrita por Aluízio Palmar, um dos membros fundadores desta organização armada.

Em seu livro, o autor propõe expor sua trajetória na investigação de um intrigante massacre

ocorrido em 1974 no Parque Nacional do Iguaçu, na cidade de Foz do Iguaçu, em que seis

membros de um grupo da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) liderado por Onofre

Pinto, foram executados. Ao narrar suas viagens pelo oeste e sudoeste paranaense, em busca

de pistas que pudessem levar à solução do mistério que rondava o assassinato do “Grupo de

Onofre”, Aluízio vai estreitando, aos poucos, sua relação com este caso e as motivações que o

levaram a investigar tal crime.

Para que os leitores compreendam as ligações do antigo guerrilheiro com o grupo da

VPR que fora executado e o porquê desta busca incessante por esclarecer o ocorrido, ele

reconstitui acontecimentos passados de sua vida. Seu primeiro contato com ideias socialistas

ainda na adolescência, sua inserção na militância política em Niterói e seu ingresso no PCB

na década de 1960. Trás à tona também os embates internos que ocorreram no PCB após o

golpe de 1964, que originaram dissidências e posteriormente rachas, dando origem às

organizações armadas. Aborda especificamente a formação da Dissidência Comunista do Rio

de Janeiro (DI-RJ), da qual fora fundador, que rompe com o Partido em 1966 e em 1967

1 Mestrando em História do Programa de Pós-Graduação da UNIOESTE, linha de pesquisa Estado e Poder.

Orientadora: Profª Drª Carla Luciana Silva. Email: [email protected] 2 A sigla DI-RJ (Dissidência do Rio de Janeiro) faz-se necessária para diferenciar este MR-8 daquele outro

derivado da DI-GB (Dissidência da Guanabara). Após a desmobilização do primeiro MR-8 pela repressão, em

1969, a DI-GB, no ato do sequestro do embaixador Charles Elbrick, adotou este nome como forma de contrapor-

se à propaganda governista de que o MR-8 havia sido desbaratado.

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muda de nome para Movimento Revolucionário 8 de outubro (MR-8), em homenagem ao

guerrilheiro Ernesto Guevara, morto nesta data.

Para nossas problematizações, será importante ressaltar a importância da memória

individual e da experiência social para a história. Quando à memória individual, cabe enfocar

que esta

é um produto social, porque todos nós falamos um idioma, que é um produto social; nossa experiência é uma experiência social, mas não pode submeter completamente a memória de nenhum indivíduo sob um marco de memória coletiva. Cada pessoa tem uma memória, de alguma forma, diferente de todas as demais. Então, o que vemos, mais que uma memória coletiva, é que há um horizonte de memórias possíveis. (ALMEIDA e KHOURY apud ALMEIDA, 2003, p. 145)

Quanto à questão da experiência social, tal noção é adotada como um “conceito

articulador, que não divorcia a vida material da cultura e da consciência”. Ou seja, a situação

concreta, material, social, encontra-se numa interação dialética com as representações e

concepções de mundo. Deste modo, enfoca-se a importância do sujeito na história, e toma-se

“a luta de classes não só como categoria de análise, mas também como perspectiva política”

(KHOURY, 2012, p. 32).

A partir de tais premissas, faz-se importante articular a memória de Aluízio sobre a

formação e atuação do MR-8 ao contexto vivenciado após o Golpe Civil-Militar no Brasil,

marcado por crises de paradigmas e esperanças em uma nova esquerda, caracterizada pela

ação armada e pela recusa aos tradicionais partidos comunistas. Também podemos

problematizar as motivações que levaram Aluízio Palmar a narrar sua atividades enquanto

guerrilheiro nesta obra, articulando suas motivações particulares (fruto de suas experiências

sociais) à relevância social de seu trabalho

1. Divergências com a direção o PCB e formação do MR-8 (DI-RJ)

Com o golpe Civil-Militar, ocorrido em 1964, o PCB e os nacionalistas de esquerda

(principalmente do PTB) veem frustradas suas expectativas de colocarem em prática seus

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projetos políticos, que encontravam forte sustentação no governo Jango, dado a seu caráter

nacional-desenvolvimentista. Segundo Davi Maciel, a partir deste momento iniciou-se

um processo de substituição progressiva da institucionalidade democrática herdada da Constituição de 1946 por uma institucionalidade autoritária apoiada no cesarismo militar, que garante a direção política do bloco no poder pelas Forças Armadas; na supremacia do poder Executivo sobre os demais poderes, que centraliza e concentra o processo político que tomada de decisões; na Lei de Segurança Nacional e num aparato de repressão e informações ampliado em escala nacional, que militarizam a questão social e o tratamento do conflito político; numa legislação partidária e eleitoral voltada para transformar os partidos e as eleições em instrumentos de legitimação do governo. E numa estrutura sindical radicalizada em seus aspectos repressivos, tutelares e assistencialistas, que garantem o controle sobre o movimento dos trabalhadores. (MACIEL, 2011, p. 41)

No capítulo “Um furação sobre nossas cabeças”, o ex-guerrilheiro, que havia

ingressado no PCB no começo da década de 1960, narra a articulação ocorrida no interior do

PCB após o golpe, suas estratégias e recuos diante da face da repressão então instaurada, bem

como as divergências internas ao partido que vieram a culminar na formação de dissidências.

Segundo Aluízio,

desde o golpe estávamos envolvidos no debate sobre a linha política a ser seguida. A luta interna [ao PCB] era intensa e os setores universitário e secundarista romperam de cara com a posição nacional desenvolvimentista defendida pela direção. Juntamente com alguns quadros operários navais, começamos a caminhar em direção a opção pela etapa socialista da revolução brasileira e a luta armada. (PALMAR, 2006, p. 267)

Muitos foram os fatores que influenciaram, neste momento, no descrédito conferido

aos paradigmas do PCB e, posteriormente, no fortalecimento dos grupos de esquerda armada,

principalmente entre os militantes mais jovens. Inicialmente, pesou muito em vários

militantes do PCB a ausência de resistência do partido ao Golpe de 64, bem como sua adesão

ao MDB (único partido de oposição legal do Regime Civil-Militar) como forma de luta pela

redemocratização. Acreditava-se que “a estrutura arcaica e stalinista [do PCB] não era capaz

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de dar conta da complexidade da sociedade brasileira nem da novidade dos movimentos

sociais dos anos 60, tampouco da transformação revolucionária da ordem estabelecida”

(RIDENTI, 1993, p. 120).

Apesar das divergências entre as concepções políticas e revolucionárias cultivadas

pelas diferentes organizações, estas eram unidas pela recusa à “revolução por via pacífica”

postulada pelo PCB, assim como pela inspiração gerada pelo sucesso da experiência cubana.

A institucionalidade autoritária que foi se solidificando após o golpe de 64 fazia com que

muitos militantes acreditassem que apenas a luta armada seria possível para promover a

libertação nacional ou a construção de um Estado Socialista.

Deve-se lembrar, também, que a esquerda armada era vista como uma alternativa de

atuação não apenas pelo rigor imposto pelo cesarismo militarista que vinha se formando.

Neste mesmo contexto, diversos teóricos produziram trabalhos que entravam diretamente em

choque com as teses pecebistas. Eram desmistificadas as ideias de “revolução por etapas”

(constituição do nacional-desenvolvimentismo para chegar ao socialismo) e de aliança entre

trabalhadores e burguesia nacional contra os latifundiários aliados ao imperialismo. Deste

modo, já não se acreditava mais na superação dos problemas econômico-sociais brasileiros

dentro do capitalismo, através de uma revolução que visasse, em primeiro momento, apenas a

“libertação nacional”. Acreditava-se tampouco na possibilidade de aliança entre operários e

camponeses com a burguesia, visto que

o imperialismo e as relações atrasadas no campo estariam imbricados ao próprio capitalismo brasileiro, de modo que não seria possível falar em uma revolução nacional e democrática na qual os interesses da burguesia fossem contrários aos de imperialistas e latifundiários. (RIDENTI, 1993, p. 34)

Outra peculiaridade destas “novas esquerdas” é a concepção de que o meio rural seria

o núcleo central das atividades guerrilheiras contra o Regime Civil-Militar. A esta diretriz,

adotada por todas as organizações armadas (de modo mais ou menos rígido), está imbricada

toda uma série de fatores. Parte disto se deve ao fato dos “exemplos mais vivos de revolução

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na década de 60 eram os de países onde a luta no campo fora fundamental: casos de Cuba,

Vietnã e Argélia, sem contar o paradigma um pouco anterior da Revolução Chinesa”

(RIDENTI, 1993, p. 238).

Destas dissidências armadas que se formaram no interior do PCB, trataremos aqui do

MR-8 (DI-RJ). Apesar de ter sido curta sua existência, teve grande importância nesta nova

estratégia de atuação política. Tendo sido fundada por Aluizio Palmar, Umberto Trigueiro

Lima, Antônio Rogério Garcia da Silveira, Milton Gaia Leite, Nielse Fernandes, dentre

outros, esta organização armada representou a insatisfação e inquietação, principalmente dos

jovens comunistas secundaristas e universitários, com as diretrizes até então adotadas pela

direção do PCB.

Aluízio narra de forma clara este processo, expondo a intensificação dos debates após

1964 e a radicalização que vinha ocorrendo juntamente por parte de alguns setores do partido.

Segundo o mesmo, “as dissidências do PCB em vários estados começaram a defender que a

revolução não seria nacional-democrática, nem nacional-socialista, mas sim socialista”. Para

corroborar este posicionamento, a obra A revolução brasileira teve importância fundamental.

Escrita por Caio Prado Júnior e lançada em 1966, “o livro era uma crítica decisiva à tese do

PCB sobre a existência de uma burguesia nacional antiimperialista” (PALMAR, 2006, p.

268).

Também é enfatizada a importância da Revolução Cubana e da teoria do foco

guerrilheiro na construção da crítica aos paradigmas pecebistas. Segundo Aluízio,

nos inspiramos na experiência revolucionária de Cuba para defender que era possível fazer a revolução socialista a partir do foco guerrilheiro. Nós conhecíamos a teoria do foco através dos escritos de Che Guevara, mas foi a cópia de um livrinho mimeografado que o Umberto Trigueiros Lima conseguiu com o pessoal da Polop e me entregou certo dia no Jardim São João, em Niterói, que suscitou nosso entusiasmo para ‘subir a serra’. O livrinho era Revolução na Revolução, do teórico francês Régis Debray. (PALMAR, 2006, p. 268)

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As teorias desenvolvidas por Régis Debray tiveram grande importância na formação

de diversas organizações, dentre elas o MR-8. Seus escritos, de teor um tanto militarista,

resumiam e sistematizavam a teoria do foco guerrilheiro da seguinte maneira:

o foco se iniciava com um punhado de homens e se punha a atuar entre camponeses de uma região cujas condições naturais favorecessem a defesa e contra-ataques do Exército. Numa segunda etapa, colunas guerrilheiras se deslocavam da região inicial, levando a luta armada a outras regiões. (PALMAR, 2006, p. 268)

Tal perspectiva estratégica e militarista, considerada adequada a um momento de

repressão ditatorial e supressão dos movimentos sociais, trazia à tona um outro fator

importante na formação do MR-8 (DI-RJ): a “ideia da primazia do fator militar sobre o fator

político e da prioridade do foco sobre o Partido” (PALMAR, 2006, p. 268). O partido

tradicional marxista-leninista era considerado inadequado àquela conjuntura por sua estrutura

rigidamente burocrática, optando-se assim pelo militarismo do foco guerrilheiro, considerado

embrião do exército popular revolucionário. Carlos Alberto Barão, em seu artigo A influência

da Revolução Cubana sobre a esquerda brasileira dos anos 60, problematiza a influência da

concepção debrayana em alguns grupos de esquerda armada brasileiros. Segundo este,

Deve apresentar também uma organização nova. Ao partido transformado impõe-se o rompimento com a tradição dos inumeráveis órgãos deliberativos e reuniões, devido a seu aspecto paralisante diante do inimigo. A conversão necessária para as novas formas de luta exige a suspensão temporária da ‘democracia interna’ no partido e a abolição temporária das regras do centralismo democrático que a assegura. A disciplina partidária torna-se disciplina militar. (BARÃO, 2003, p. 280-281)

Ainda na discussão sobre partido, Carlos Alberto Barão cita Régis Debray, aludindo à

questão da vanguarda nesta nova forma de organização popular. Segundo o teórico francês,

O partido é instrumento da luta de classes. Onde o instrumento não logra êxito, as classes populares deverão criar suas vanguardas. Mas de que tipo? Essa vanguarda seria constituída pela guerrilha, responsável agora também pela direção política. O critério da vanguarda é a ação. O futuro exército do povo engendrará o partido do qual

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ele deveria ser teoricamente o instrumento. No essencial o “partido” é ele. (DEBRAY apud BARÃO, 2003, p. 281)

Inspirados por tais ideias inovadoras, o MR-8 (DI-RJ) começou a tomar forma e a

organizar-se. Sendo Aluízio Palmar, devido às suas atividades políticas, vigiado e caçado pela

repressão, o mesmo ausentou-se do Rio de Janeiro por um tempo, não só como forma de fugir

da repressão mas também para articular o foco guerrilheiro e buscar o apoio de outras

dissidências do PCB.

Enquanto a repressão me caçava desesperadamente no Estado do Rio, eu fui passar uma temporada no Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo (Crusp) e tentar uma aproximação entre nosso grupo e os dissidentes de São Paulo. (...) eu fazia reuniões constantes com os rebeldes das seções paulista, paranaense e gaúcha do Partidão. Esses contatos e mais os que eram feitos pelo pessoal que ficou em Niterói acabaram não resultando na tão esperada fusão das organizações da esquerda revolucionária. Alegando que era cedo para ir “pro mato”, o que no jargão da época significava fazer o foco guerrilheiro, os paulistas seguiram Marighela e criaram a Ação Libertadora Nacional (ALN); os gaúchos foram para o Partido Operário Comunista; e nossos aliados em Niterói acabaram indo para o Comando de Libertação Nacional (Colina). Apenas a Dissidência Comunista do Paraná ficou conosco, e mesmo assim por algum tempo. (PALMAR, 2006, p. 273)

2. Atuação do MR-8 no oeste do Paraná e sua desarticulação pela repressão

Deste modo, tendo sido angariado o apoio da Dissidência Comunista do Paraná, não

tardaria para que fosse articulado um foco guerrilheiro neste estado. Aluízio Palmar,

“demasiadamente queimado para continuar no trabalho de massas” e responsável pela

“implantação de um foco guerrilheiro no Oeste do Paraná” (PALMAR, 2006, p. 272), foi para

a cidade de Foz do Iguaçu em 1968, junto com outros quadros da organização. Esta cidade,

localizada na tríplice fronteira Brasil - Paraguai - Argentina, era bastante propícia para

atividades de guerrilha, parecendo adequada dentro da teoria desenvolvida pelo teórico Régis

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Debray. Segundo Humberto Trigueiros Lima, a região era “uma grande área florestal, com

muitos conflitos de terra” (LIMA apud RIDENTI, 1993, p. 224)

Assim, deslocaram-se para Foz do Iguaçu Aluizio Palmar, Nielse Fernandes, Milton

Gaia Leite, Mauro Fernando de Souza, César Cabral, João Manoel Fernandes, Bernardino

Jorge Velho, Israel Resende, Ricardo Kozievlics e Lauro Consentino Filho. Ao chegarem na

região, receberam apoio de Fábio Campana, um dos militantes da Dissidência Comunista do

Paraná com quem eles estabeleceram contato (PALMAR, 2006, p. 51-52).

Após chegarem na região, iniciaram um trabalho de reconhecimento da área que durou

quase dois anos, fazendo “andanças pelas estradas do Oeste do Paraná, levantando rios,

riachos, pontes, pontilhões, áreas de conflitos sociais, postos policiais e outros prédios

públicos”. Enquanto isso, os militantes que “ficaram no Rio e em Niterói participavam de

expropriações”, nome dado aos assaltos cometidos com finalidade de financiamento das

atividades guerrilheiras (PALMAR, 2006, p. 275).

A partir de tais andanças, feitas principalmente junto com Nielse Fernandes e

Bernardino Jorge Velho (ex-militante do PCB), Aluízio deparou-se com diversas situações de

exploração, à medida que conhecia a situação dos camponeses da região. Em sua obra, narra

que certa vez ele e seus companheiros foram conversar com os trabalhadores da Fazenda

Rami, em Matelândia, e ficaram chocados com a exploração a que eram submetidos os

empregados. “Muitos deles tinham os dedos decepados pelas máquinas, conhecidas como

‘periquitos’, nas quais eram desfibradas as hastes do rami, uma planta cuja fibra é utilizada na

fabricação de tecidos, cordas e barbantes”. Nesta fazenda, ficaram hospedados no dormitório

dos trabalhadores solteiros, conversando com os mesmos sobre liberdade, socialismo e

revolução. Quando foram embora, antes do dia amanhecer, muitos daqueles peões queriam

ingressar na guerrilha. Contudo, desconversaram e saíram, pois consideravam que “não era a

hora pra aquele tipo de recrutamento” (PALMAR, 2006, p. 277).

Apesar de tais situações de explorações vistas no momento de reconhecimento da

região, Aluízio também narra, com certa simpatia, a lembrança da solidariedade dos

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camponeses para com os guerrilheiros. Através de Bernardino Jorge Velho, que além de ser

bem conhecido na região tinha bastante facilidade em comunicar-se com as pessoas,

montaram uma “extraordinária rede de apoio para a futura guerrilha, constituída de pequenos

proprietários rurais, posseiros, meeiros e peões” (PALMAR, 2006, p. 276). Tal rede de

contatos e apoio auxiliou-os bastante, tanto no momento de reconhecimento da área quanto,

posteriormente, em seus treinamentos de guerrilha. Segundo o autor, esses apoios “vinham de

todas as direções e nos momentos de maior sufoco transmitiram segurança ao grupo e

revitalizaram suas convicções” (PALMAR, 2006, p. 279).

Após as andanças realizadas para o reconhecimento da área, os militantes Aluízio

Palmar, Nielse Fernandes, Milton Gaia Leite, Bernardino Jorge Velho, César Cabral e João

Manoel Fernandes passaram quase um ano em treinamentos de guerrilha no Parque Nacional

do Iguaçu. Durante este período, receberam treinamento do paraguaio Rodolfo Ramirez

Villalba, membro da Frente Revolucionária Colorada (FRC), agrupamento de esquerda

existente no interior do Movimento Popular Colorado (Mopoco), do Paraguai. Este contato

com a FRC havia sido estabelecido anteriormente por César Cabral, comerciante que vivia em

Foz do Iguaçu, outrora estudante de economia na Universidad del Nordeste, na Argentina,

perseguido neste país devido à sua militância política de esquerda (PALMAR, 2006, p. 278).

Também Marcelo Ridenti aborda um pouco o caráter eminentemente foquista do MR-

8 (DI-RJ). O mesmo afirma que embora a Dissidência tivesse herdado vários trabalhadores do

PCB, principalmente o operariado naval de Niterói, “não há indícios de continuidade do

trabalho político da DI-RJ no meio operário, pois a organização volte-se inteiramente para a

preparação da guerrilha, durante sua curta existência” (RIDENTI, 1993, p. 172). Em 1969,

contudo, resolveu-se desativar a área do foco no oeste paranaense. Segundo Aluizio,

Além de termos várias evidências de que a repressão estava de olho em nosso trabalho, foi determinante também a queda em Niterói, em fevereiro de 1969, de Lizi Benjamim Vieira, Vera Wrobel e Clarisse Chonchol, todos militantes do Comando de Libertação Nacional. Na seqüência dessas prisões várias pessoas passaram a ser

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caçadas pela repressão, entre elas eu e Umberto Trigueiros Lima, um dos dirigentes do núcleo urbano da Dissidência Comunista do Estado do Rio (PALMAR, 2006, p. 280).

Durante este processo de desativação da área onde seria implantado o foco

guerrilheiro, Aluizio Palmar foi preso. No dia 4 de abril, quando, juntamente com Mauro

Fernando de Souza (“Silas”) estavam evacuando a casa de um de seus contatos, cruzaram pela

cidade de Cascavel e, Silas, que estava dirigindo um jipe pertencente à organização, bateu

contra outro carro próximo à rodoviária. Silas saiu em busca de mecânico, e Aluizio ficou

esperando fora do carro, e foi neste meio tempo que Marins Bello, jagunço vinculado à

Companhia Pinho e Terra, aproximou-se dele juntamente com outros policiais e o prenderam,

pois já desconfiavam de suas atividades (PALMAR, 2006, p, 281).

Aluízio foi levado à delegacia da cidade, de lá para o Batalhão de Fronteiras em Foz

do Iguaçu, depois para o presídio do Ahú, em Curitiba, e ainda posteriormente para o Rio de

Janeiro, na Ilha Grande e das Flores, sofrendo várias torturas em todo este processso. O

capítulo “Nos cárceres da ditadura” conta bastante da trajetória de Aluízio e alguns de seus

companheiros nos diversos presídios e delegacias por onde passou, até serem exilados para o

Chile em 1971, em troca da liberdade do embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher,

sequestrado em uma ação encabeçada por Lamarca.

3. Considerações finais

Não podemos deixar de enfatizar que a memória possui suas características

individuais, que não se dissociam, contudo, do todo social. Os conceitos de “memória

individual” e “experiência social” nos permitem visualizar com maior clareza tal questão.

Segundo Thompson,

Os homens e mulheres também retornam como sujeitos, dentro desse termo [experiência] - não como sujeitos autônomos, “indivíduos livres”, mas como pessoas que experimentam suas situações e relações produtivas determinadas como

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necessidades, interesses e como antagonismos (...) (THOMPSON apud CHRIST, 2010, p. 13)

Sendo assim, as memórias de Aluízio Palmar, ao mesmo tempo que são individuais,

precisam ser analisadas dentro de todo um contexto social, tendo em vista que suas

expectativas, conflitos e ações encontravam materialidade naquela realidade social, e eram

também partilhadas por várias outras pessoas. As motivações que levaram-no a contar sua

história e a da organização armada, de igual forma, apresentam tanto razões mais individuais

quanto sociais. Ao mesmo tempo em que denuncia os crimes ocorridos durante a ditadura, a

situação de exploração e subordinação em que se encontrava o povo e o país, alude também a

questões de ordem extremamente particulares.

Falando sobre seu remorso em não ter avisado os quadros do “Grupo de Onofre” da

possível cilada em que estavam caindo, bem como de sua curiosidade em saber como teria

sido sua morte, caso os acompanhasse, deixa-nos claro que suas atividades e sua obra

possuem também um caráter de “acerto de contas”. Enfim, faz-se importante atentar-se para

estas questões para que, assim, possamos compreender o indivíduo em sua totalidade, como

uma interação de fatores subjetivos e objetivos, determinações e liberdade.

5. Referências bibliográficas

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