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HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DA VILA C:

Reflexões sobre o modo de viver dos trabalhadores (Foz do Iguaçu-PR)

Autora: Maria Aparecida Tenório Manso da Costa1

Orientadora: Sheille Soares de Freitas2

Resumo

Este artigo apresenta a avaliação do nosso projeto, destacando o estudo da historicidade de luta dos trabalhadores, moradores da vila C de Foz do Iguaçu. Algo que se fez possível a partir da análise de memórias e práticas dos sujeitos envolvidos nesse processo, procurando reconhecer avaliações de mudanças, permanências e das ações destes na sociedade capitalista, em particular a partir de finais da década de 1.970. Para este trabalho foram utilizadas análises bibliográficas, entrevistas com trabalhadores, fotografias e documentações de imprensa. Interessou-nos observar que relações eram destacadas como parte da passagem da “Vila Operária da Barragem” à constituição do bairro. As aulas de história constituíram um espaço de produção de conhecimento histórico, partindo da prática da pesquisa e da reflexão da realidade em que estavam envolvidos.

Palavras-Chave: Bairro Vila C, Trabalhadores, Memórias, Foz do Iguaçu

1 Introdução

Para contribuir com as reflexões acerca da História e sua interpretação no

ambiente escolar, esse artigo analisa uma experiência desenvolvida nas aulas de

História com a turma de 8ª série do Ensino Fundamental, do Colégio Estadual Paulo

1 Pós-Graduada em.Orientação, Supervisão e Administração Escolar, Professora de História da Rede Pública Estadual de Educação do Paraná (SEED-PR).

2 Doutora em História, Professora Adjunta do Curso de História/UNIOESTE, Campus de Marechal Cândido Rondon.

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Freire, na cidade de Foz do Iguaçu, Paraná. Foi a partir das DCEs – Diretrizes

Curriculares para a Educação Básica – da disciplina de História que observei a

possibilidade de utilizar diversas fontes e destacar questões desigualmente

interpretadas na sociedade e que mereciam propor novos enfrentamentos com os

estudantes na produção do conhecimento histórico.

O referido artigo é a etapa final de um projeto que analisou em que contexto

de relações se deu o processo de constituição do Bairro Vila C de Itaipu em Foz do

Iguaçu. O destaque nessa reflexão foi para a experiência dos trabalhadores da

Hidrelétrica de Itaipu, hoje moradores do bairro. Tomou-se como pressuposto

principal as alterações da “Vila Operária da Barragem” para o bairro Vila C, partindo

do indicativo que essa era uma obra provisória, destinada a operários que vinham de

diferentes cidades do país para o trabalho na construção da Hidrelétrica Binacional

de Itaipu, a partir da década de 1970.

Para problematizarmos esse percurso dos trabalhadores na Vila C, a partir

das experiências expressas nas memórias dos antigos trabalhadores da Itaipu, foi

necessário analisar diferentes interpretações, práticas e interesses. Avaliando a

confrontação entre o que se vive no presente e se quer trazer à tona sobre o

passado a partir das entrevistas (PORTELLI, 1997) e de outras memórias que se

produziram sobre esse processo e esses sujeitos que se colocaram como “a história”

do lugar.

Assim, o interesse pela temática, que envolve a formação do bairro Vila C, é

conhecer o porquê de esses trabalhadores continuarem a morar na localidade,

recolocando o debate sobre quem são e como viveram/vivem em Foz do Iguaçu,

que expectativas e necessidades tiveram e lidam há mais de trinta anos em que se

fazem presentes na Vila C. Um lugar que incorporou novos trabalhadores, novas

pressões e lutas.

Com esse encaminhamento direcionado para a sala de aula garanti aos

alunos a possibilidade de compreender como as práticas e os sentidos que

formulam o viver na Vila C eram/são produzidos em campos de forças sociais em

disputa. O interesse era estimulá-los a construir posicionamentos sobre o processo

histórico reconhecendo o campo desigual de relações (THOMPSON, 1981). Ao fazer

isso, a tentativa foi retirar a condição de coadjuvantes dos trabalhadores da

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barragem, frente as ações do consórcio Itaipu e da Administração Municipal, e

destacar a atuação desses “barrageiros” para permanecerem na cidade.

Ao considerar o caráter social da memória (KHOURY, 2001) e o peso que a

mesma passa a ter no “como lembrar” e “o que lembrar”, foi necessário considerar

essa produção social de memórias informada pelas avaliações do que se vive no

presente. Com isso, proponho colocar em debate nesse artigo a dinâmica desse

processo dentro da correlação de forças que compõem as interpretações sobre o

que foi vivido e produzido nas últimas décadas no bairro; pelos trabalhadores e

sobre eles.

Desta forma, a reflexão ora apresentada não é um dado pronto e acabado,

mas parte de uma contínua construção e debate que se dá a partir de necessidades

e problemas encontrados na realidade social. Um processo ininterrupto que tem a

necessidade de problematizar o passado e o presente para construir alterações na

sociedade.

2 Vila C: problematizando experiências, construindo interpretações

Tanto a ideia central do projeto quanto seu desenvolvimento, partiu da

necessidade de refletir sobre a importância do ensino de História para estudantes

das séries finais do Ensino Fundamental. Essa necessidade surgiu após anos de

trabalho e observações de que, muitas vezes, esses alunos não demonstram

interesse pelo conteúdo e ensino da disciplina ou sobre o processo histórico.

Muitas são as experiências acumuladas no decorrer da carreira docente e

somadas à vontade de tornar o ambiente de sala de aula um ambiente de produção

do conhecimento, ou seja, “um ambiente de compartilhamento de saberes”

(SCHMIDT & CAINELLI, 2004, p. 50), optei pelo aprofundamento dos estudos a

respeito do lugar em que vivem, estudam e conhecem como Vila C. Este é o bairro

onde a maioria desses estudantes vive e se encontra na escola pertencente à Vila

C.

As atividades foram produzidas pelos estudantes e professora, entrevistando

moradores, analisando reportagens, produzindo debates com pesquisadores,

fazendo levantamento de fotos de moradores, enquanto imagens de diferentes

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momentos do bairro, selecionadas para análise e montagem da atividade na

Semana Cultural 2011.

Ao exercitarem a pesquisa e análise histórica, os alunos passaram a

perceber esses trabalhadores como construtores desse processo, como parte dessa

história, percebendo também sua atuação no presente compondo esse percurso

histórico. Durante as entrevistas, os estudantes observaram e perceberam como os

trabalhadores em questão interpretavam a experiência de “operário da Itaipu,

morador da Vila C”, discutindo as motivações para se dirigirem a Foz do Iguaçu, as

dificuldades enfrentadas e a decisão de ficar. Como é destacado por José:

Eu nasci na cidade de Capanema em 27/10/57. meus pais se mudaram quando eu tinha 06 anos para Ampére, onde tínhamos uma serraria. Nossa saída de lá foi para a cidade de Sandelé onde ficamos por 14 anos, Depois para a capital Curitiba para estudar e trabalhar, até que a Itaipu nos trouxe a Foz do Iguaçu. Vim de Curitiba para cá em 1976, para trabalhar na hidrelétrica de Itaipu. Cheguei com uma grande perspectiva, vim para trabalhar na Itaipu, mas só conseguiu fichar em 1981 e permaneci até 1991. (JOSÉ, entrevista realizada pela autora em 27/05/2011)

José, ao trazer em sua fala o caminho feito por muitas famílias de

trabalhadores, ao seguirem pelas cidades tentando ajustar postos de trabalhos e

alternativas de mudança nas condições de vida, aponta que chegar a Foz do Iguaçu

não garantia o trabalho na Itaipu. Até efetivar essa tentativa se passaram 5 anos,

conseguindo “fichar” em 1981, nas etapas de finalização da obra, permanecendo por

10 anos na empresa com a Hidrelétrica iniciando seu funcionamento.

O bairro da Vila C, localizado na zona norte da cidade de Foz do Iguaçu-PR,

no seu início se chamava “Vila Operária”, projeto esse idealizado pela Itaipu

Binacional no final da década de 1970. Conforme produções que tratam de sua

formação e a própria indicação dos entrevistados, ela foi criada na margem brasileira

da obra da Usina para abrigar os trabalhadores, funcionários tanto da Itaipu, como

das empreiteiras que atuavam junto à construção da barragem3.

3

Conferir a produção construída sobre a presença da Vila C em: REVISTA Construção Pesada. - Energia Elétrica. Ano 7, nº. 82, Nov. 1977, p. 04; apud MANARIN, Odirlei. Peões da Barragem: Trabalhadores, Memórias e Relações de Trabalho dos Operários da Hidrelétrica de Itaipu – 1975 – 1991. Dissertação de Mestrado. UNIOESTE, 2008, p.176

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De acordo com Jesus (2009), o projeto de moradia de Itaipu – a Vila C – foi

construída estrategicamente, precisava ser o mais próximo ao canteiro de obras,

com moradias multifamiliares - destinadas aos casados –; geralmente, serventes,

carpinteiros, pedreiros, ou seja, trabalhadores ligados à construção civil. Mas, no

período mais intenso das obras da barragem, outros funcionários ligados a vários

ramos como, por exemplo, o pessoal do setor administrativo também ocupou as

casas de forma provisória.

Construir a Barragem da Itaipu levava a necessidade de montar uma ampla

infraestrutura de apoio, composta por conjuntos residenciais destinados a abrigar as

diversas categorias de trabalhadores que se deslocaram para a região, tanto na

margem brasileira como na paraguaia, por reconhecerem o grande número de vagas

necessárias para o empreendimento, como também a expectativa de melhorar

ganhos e condições de vida.

Na produção da Revista Construção Pesada de 1977 a infraestrutura de

apoio é apresentada como um dos componentes fundamentais para a execução do

projeto Itaipu. Este compunha a construção dos conjuntos residenciais nas duas

margens (fronteira Paraguai e Brasil) e toda a estrutura urbana disponível para cada

conjunto (escolas, hospitais, área de lazer, etc.), além de outras transformações na

organização da cidade; como construção de asfalto, equipamentos públicos, etc.,

procurando viabilizar a obra. Evidentemente que a elaboração do periódico não traz

como essa “estrutura urbana” chegou com dificuldades aos trabalhadores que se

fixaram na Vila C. Ao contrário, recompõe o processo como se a provisoriedade

pensada para as obras não fosse marcada pelas dificuldades em situações

rotineiras dessas famílias, que pressionaram por essas alterações na “estrutura”3

No total, foram construídas cerca de nove mil moradias, das quais 4.125 no

Brasil. Na época foram construídas mais duas vilas para abrigar os trabalhadores da

Barragem de Itaipu, sendo que cada um dos três conjuntos habitacionais

apresentavam infraestruturas diferenciadas e eram ocupados de acordo com o cargo

exercido e salários. Indicar onde você morava, mesmo que em um canteiro de

obras, apontava como eram desigualmente distribuídas as moradias e as

possibilidades desses trabalhadores, deixando clara a separação entre eles: a Vila A

era destinada aos funcionários com cargos técnicos e administrativos, a Vila B aos

3. REVISTA Construção Pesada. Op. Cit.

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engenheiros; e a Vila C, como já foi mencionado, para os empregados ligados à

construção civil.

Além da desigualdade de infraestrutura nas vilas construídas para abrigar os

trabalhadores, há também nesse primeiro momento o convívio direto com as

dificuldades na manutenção de necessidades, transporte dos operários ao canteiro

de obras, assistência médica e hospitalar. Segundo Mazzarollo (2003), o gigantismo

de uma obra como a hidrelétrica de Itaipu traçada por um ritmo de trabalho intenso

não poderia enfrentar problemas com trabalhadores, “a absorção de mão de obra,

tanto em qualidade como em quantidade, onde havia necessidade de uma tarefa a

ser executada”, era fundamental ser mantida.

Os empresários do consórcio da Itaipu precisavam recrutar mão de obra e

ter um espaço para abrigá-los o mais próximo possível do pátio de obras e garantir a

permanência dos mesmos na construção. Daí muito do empenho e interesse em

atender algumas questões familiares – como escola e posto médico – mas, ainda

assim, o projeto que passou por vários atrasos em suas metas não deixou de ser

extremamente precário e coercitivo.

A passagem a seguir foi utilizada no processo de implementação na escola e

discutida com os estudantes, avaliando as horas trabalhadas e a vigilância exercida

para o “rendimento” da produção dos trabalhadores. No trabalho de Mazzarollo essa

questão aparece da seguinte forma:

Os dirigentes sempre asseguraram que os empregados trabalhavam 8 horas diárias normais, mais duas horas extras. Mas se o dia tem 24 horas e cada trabalhador só trabalha 10 horas, quem faria as outras 4, uma vez que a obra não podia parar em momento algum? Na verdade, pois, em muitos setores da construção os operários eram obrigados a trabalhar 11 ou 12 horas por dia. Não bastasse, para garantir a folga semanal – que nunca acontecia no domingo – operários eram obrigados a dobrar o expediente em algum dia da semana quando não trabalhavam 17 horas ininterruptas, após o que tinha 17 horas de folga, não 24 horas como determina a lei. E, caso o período de folga não fosse precedido de 17 horas de trabalho ininterrupto, o período de descanso não passava de 12 horas. Sabe-se que a Itaipu montou seu próprio aparelho policial. E foi justamente daí que partiu uma das mais graves denúncias em questões de regime de trabalho. Em principio de 1981, empregados do serviço de segurança da Itaipu no Paraguai procuraram o jornal Nosso Tempo para acusar que trabalhavam 24 horas ininterruptas, seguidas de 24 horas de folga. Trabalhavam, portanto, 720 horas por mês, mas – segundo asseguravam – só recebiam por 360 horas. E, ainda, pelas

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horas extras recebiam a metade do que lhes pagavam pelas horas normais. (MAZZAROLLO, 2003, p. 170)

A denúncia produzida pelo autor, utilizando falas de trabalhadores e tensões

construídas entre estes e a administração da obra, divulgadas no jornal, sugerem

como o possível ganho a mais, ou mesmo os acidentes devido ao cansaço e rapidez

no serviço eram construídos no canteiro de obras. Para os estudantes, esta foi uma

questão importante a ser discutida com os entrevistados e palestrantes durante a

implementação do projeto na escola.

A intensificação do trabalho e vigilância interna do consórcio indicaram que a

realidade dessa relação de trabalho estava longe de manter-se nos critérios

estabelecidos em lei, haja vista que a obra tinha apoio do Estado, representado por

uma ditadura militar.

Pessoas que sumiram, tem gente até concretada. Vários acidentes, eu mesmo sofri acidente de trabalho, quebrei a mão. Acidentes de cair cinco ou mais pessoas, vítimas fatais. Medo todos tinham. Depois entrou a CIPA [Comissão Interna de Prevenção de Acidentes] e cortou os acidentes em mais de 50%. (Entrevista em 1998, realizada por Maria de Fátima Bento Ribeiro apud RIBEIRO, 2002).

A fala do entrevistado, trazida no livro de Ribeiro, apresenta como foi

vivenciar essas relações de trabalho, indicando o campo de possibilidades que

esses sujeitos reconheciam como comum aos trabalhadores da obra. Por isso,

avaliar o que é viver na Vila C, também leva em conta não só onde estavam as

casas e como viviam na Vila Operária (com outros trabalhadores e familiares). Ao

fazerem isso, ao mesmo tempo avaliam a rotina de trabalho que pressionava a

decisão diária por permanecer, ou não, na obra, diante do universo de dificuldades

com postos de trabalhos, suprir o alto custo de vida e a preocupação com moradia

na cidade.

O loteamento da Vila C contava, inicialmente, com 10.000 casas,

distribuídas por apenas um loteamento e localizado junto à obra (LAZIER, 2004, p.

307). As casas eram cobertas de telhas de amianto, com área aproximada de 50m²,

onde era abrigado inúmeros trabalhadores em um espaço pequeno, quente e com

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pouca ventilação, “[...] os operários moravam “parede a parede” em habitações

geminadas, composta de blocos com quatro casas, “morando 16 pessoas numa

casa de 50 e poucos metros quadrados [...]”. (CATTA 2002, p. 105).

A expansão da Vila C e a visibilidade da obra da barragem era vista como

“desenvolvimento” de Foz pelos boletins da UNICON e no próprio anúncio da

Prefeitura ao apoiar a obra. Mas, ao mesmo tempo, essa visibilidade nacional da

cidade apontava outras questões que faziam a Administração Municipal considerar a

região da Usina uma área de tensões constantes, seja pelas relações de trabalho,

condições de moradia; seja pelos trabalhadores que chegavam constantemente em

Foz do Iguaçu.

Durante o trabalho em sala, discutimos algumas colocações de autores, de

matérias jornalísticas e posicionamento de empresários da Itaipu sobre a questão.

Pois, não só barrageiros residiam na área de atuação do consórcio, mas outros

trabalhadores começaram a se dirigir para a cidade e proximidade da obra, como é

destacado em 1979 pelo Jornal: “Ao lado da grande obra de construção da Usina de

Itaipu proliferam as favelas, alimentadas, principalmente, por centenas de famílias

que chegam a Foz do Iguaçu na esperança de garantir um emprego” (O Estado do

Paraná, 10 jun. 1979)

Não foi apenas na produção das empresas, jornais e acadêmicos que o

vínculo entre o bairro Vila C, ocupação de trabalhadores e a Itaipu apareceu, grande

parte dos trabalhadores apresentaram essa relação. Manoel, durante a entrevista

destacou o dilema e conflito pela provisoriedade daquelas moradias, pois se “deveria

ser destruída”, as pressões de moradia e condições de vida e trabalho de muitos

trabalhadores em Foz do Iguaçu pressionavam para que as decisões pudessem

garantir a permanência dos trabalhadores naquela região, e nas casas da Vila

Operária. Ainda que ao mencionar essa questão Manoel não destaque os embates

desse processo:

A origem da Vila C está diretamente ligada à usina, pois a Vila C foi construída para os trabalhadores da Itaipu, no início apenas trabalhadores da Itaipu poderiam morar na Vila C, então a Vila C foi planejada para a demanda de moradia que surgiu com a construção da usina, mas a Vila C no projeto original teria que ser destruída no final das obras de Itaipu, mas em função da grande demanda de moradias na cidade seria um crime destruir as casas sendo que estava faltando casa para a população, então a vila foi conservada e a venda foi priorizada a venda para os funcionários e ex-funcionários

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de Itaipu. A construção era realizada por 2 grandes consórcios de empresas, a UNICOM que era o consórcio responsável pela construção civil, e a ITAMOM que era responsável pela montagem eletro-mecânica da usina. (MANOEL, entrevista realizada pela autora em 25/05/2011)

Ao destacar a pendência sobre a manutenção das casas, Manoel ressalta

que “seria um crime destruir as casas sendo que estava faltando casa para a

população”. A avaliação que faz é de quem, apesar do trabalho via-se interpelado a

reconhecer um universo comum de necessidade de muitos trabalhadores que se

dedicaram anos àquela obra. A relação desigual não passa despercebida, ao relatar

quem precisa de casa e os “2 grandes consórcios de empresa” que eram

responsáveis pela obra.

Mário, durante a entrevista, também apresentou seu percurso do Espírito

Santo até a Vila C. Ainda que suas indicações não apresentem muitos indícios sobre

como foi viver esse processo; chegar e ir “direto pra Vila C”, conseguir morar na Vila

A e depois retornar para Vila C.

Eu nasci no Espírito Santo, vim para o Paraná em 1972 morar em São Miguel e em 1977 vim morar em Foz do Iguaçu, para trabalhar em Itaipu. Vim direto pra vila C e, posteriormente, fui para a vila A e então em 1991 voltei para a Vila C. (MÁRIO, entrevista realizada pela autora em 25/05/2011).

Talvez sua estadia na Vila A, deveu-se a falta de moradias na Vila C, daí sua

mudança e, também, retorno. A permanência na Vila A indicaria uma alteração de

postos de trabalho, condições de salário, o que para Mário não havia acontecido

naqueles anos de operário da Itaipu.

Ao acreditar nas possibilidades do trabalho na Itaipu, as trabalhadoras que

estavam com seus maridos na Vila C apresentam algumas tensões sobre a

instalação dos trabalhadores e a satisfação alcançada com o trabalho na Itaipu e a

“Vila Operária”. Carmem, uma das entrevistadas, apresenta suas considerações

sobre esse processo que marca sua trajetória e de sua família:

Foi no ano de 1975, na época da construção da Itaipu, vim com meu marido, que veio para trabalhar na construção da Itaipu. Lembro que

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quando soube que viria para cá, fiquei um pouco assustada, morava no estado de São Paulo, me casei em São Paulo e com oito meses de casada, viemos embora para Foz do Iguaçu. Para mim foi muito difícil, tudo novo, não conhecia ninguém e o bairro não tinha estrutura. Cheguei a Foz e fui morar na Vila A, mas desde 1978 moro aqui na Vila C, sou professora no Colégio Estadual Paulo Freire. (CARMEM, entrevista realizada pela autora em 26/05/2011).

Fixar-se na Vila C, mesmo passando 3 anos na Vila A, indicava dificuldades

não só com a alteração de quais trabalhadores eram os seus vizinhos, mas quais

dificuldades iria enfrentar com ganhos menores, pois no bairro “não tinha estrutura”.

As dificuldades que enumera – se não indicam o trabalho no canteiro de obras, os

acidentes e horas extras –, apontam um início de casamento “difícil”, em um lugar

que não possuía conhecidos e identificações simplesmente por morarem próximo,

muitas vezes, este era um dos motivos do distanciamento.

Em outros momentos, esses trabalhadores compartilharam ausências – de

transporte, escola, atendimento médico, melhoria nas casas – e a produção de

expectativas para alterar aquela condição. O que, por vezes, fez com que fossem

construindo suas possibilidades. Carmem, como professora no Colégio da Vila C,

hoje apresenta esse percurso indicando que viu esses problemas serem enfrentados

por aqueles que resolveram se dirigir a Foz do Iguaçu.

O que a gente ouviu dizer, era que essas casas não eram para serem construídas assim, geminadas, mas como eram para serem demolidas, assim foram feitas. Mas o certo era que muita gente precisava de moradia, assim a Itaipu decidiu que as casas iam ser vendidas, negociando com os próprios moradores. (CARMEM, entrevista realizada pela autora em 26/05/2011).

A aparente justificativa de casas temporárias parecia absolver os

empresários do reduzido gasto que se propunham a ter com as moradias dos

trabalhadores. Porém, é evidente que essa decisão pelo descaso com as condições

das moradias indicava como a relação com os trabalhadores não priorizava suas

necessidades. A fala final de Carmem colocando nas mãos da Itaipu a resolução

pela venda das casas, também naturaliza um processo que foi tenso, mas que hoje,

como professora, conhecida dos estudantes e docente que realizava a entrevista,

era difícil ser retomado sem apresentar inseguranças sobre o que já viveu e o que

quer destacar no presente.

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A Figura 1 permite observar a dimensão da construção da Vila Operária,

sugerindo um número significativo de trabalhadores envolvidos na construção da

Usina, que pressionada a cada nova prorrogação de prazos tinha que lidar com a

ampliação de contratações de trabalhadores e redefinição do que seria colocado à

disposição desses sujeitos. Mais do que um canteiro de obras era preciso casa,

escola, posto médico etc. Tudo isso porque muitos trouxeram famílias e a obra

exigiria um comprometimento por alguns anos na Vila Operária da Usina.

Figura 1: Vista Aérea das moradias da VILA C de ITAIPU – 1978

Fonte: Arquivo pessoal de Penolina de Moura Nascimento

Segundo Fernandes (2009), à época, a “Vila Operária” contava apenas com

uma rua asfaltada (perceptível no lado direito da Imagem 1) e todas as demais eram

de terra. Quando muito, possuíam pedras britas, afundadas pelo peso dos “papas-

fila”, que eram caminhões com um ou dois compartimentos na sua traseira que

levavam os funcionários no trajeto de ida e volta da obra. Havia dois telefones

públicos, uma escola, um centro comunitário e seguranças, logo na entrada do

bairro operário que se formava (CATTA, 2002, p. 103).

Diferentemente das demais vilas, que apresentavam melhor infraestrutura

aos seus moradores, o local de moradia dos trabalhadores da construção civil – Vila

C – indica que esses trabalhadores conviviam com uma realidade contraditória. O

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ganho com a obra, vislumbrado como possibilidade de melhorias em um rápido

percurso de tempo, por outro lado, apontava um trabalho exaustivo, com

possibilidades de acidentes e que lhes garantiam uma condição de vida limitada e

insegura, diante das ausências de benfeitorias e atendimento público de qualidade.

Sendo que primeiramente foi construída a parte oeste do bairro, denominada

nos dias atuais como “Vila C Velha”, onde se localizava toda a parte comercial e as

primeiras moradias. Após esse primeiro loteamento e com o aumento no número de

trabalhadores na construção da Itaipu, devido o aceleramento da obra, houve a

necessidade de aumentar o loteamento com novas casas e também a parte

comercial, com novos mercados (de pequeno porte), farmácias e lojas, formando o

que se denominou como “Vila C Nova” Deste modo, aquela comunidade de

operários foi trilhando seu caminho e construindo suas histórias, inicialmente junto

aos interesses da Construção da Itaipu, mas, ao término da construção, ali

permaneceram e se desvencilharam da indicação que propunha decidir sobre o

direito a permanecer.

Muitos não foram embora e até hoje vivem na Vila C, principalmente por

terem produzido esse lugar como um espaço de suas famílias, de sociabilidade e

identificações, indo na contramão dos interesses que intencionavam expulsá-los da

Vila Operária. A dimensão do bairro Vila C (Vila Nova e Velha) pressionou

empresários da Itaipu e Administração Municipal a reconhecer aquele espaço como

marcado pelo modo de viver de trabalhadores que compunham a cidade, não

apenas restritos ao canteiro de obras, mas que decidiram construir alternativas em

Foz do Iguaçu.

Apesar do caráter provisório do bairro, em 1985 a Diretoria da Itaipu

Binacional decidiu manter o bairro na estrutura urbana de Foz do Iguaçu. As

perguntas que ficam foi qual a razão para tal decisão? O que isso implicava

enquanto mudanças para os trabalhadores? Então, o contrato de venda das casas

para os moradores foi selado em dezembro de 1991 quando as dezoito turbinas

entraram em operação, marcando o fim da construção da barragem e da pendência

pela retirada dos trabalhadores da Vila C. Em janeiro de 1992, efetivamente, foi

iniciado o processo de venda das casas aos moradores.

Jesus (2009) destaca que nesse processo uma empresa ficou responsável

por intermediar a venda das moradias, uma cooperativa local com experiência na

venda de casas populares na cidade – a COAHFRONTEIRA (Cooperativa

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Habitacional da Fronteira) – e a Caixa Econômica Federal, responsável por ser a

agente credora de tal venda. Ao final de 1993, após a venda de mais de

quatrocentas moradias, ficou constatada uma irregularidade, pois a agente

vendedora COAHFRONTEIRA não havia repassado a quantia devida para a Caixa

Econômica e, deste modo, o processo de venda não pôde ser reconhecido

legalmente. Esse fato resultou em inúmeros processos judiciais, tanto individuais

como coletivos movidos pelos moradores, além de uma ação tramitada pelo

Ministério Público contra a agente vendedora COAHFRONTEIRA e a Itaipu.4

O bairro Vila C está localizado numa dimensão de mais de quarenta mil

metros quadrados, formando um retângulo de 1,35 km por 3,645 km, desde a

Avenida Tancredo Neves até o Refúgio Biológico Bela Vista5, abrigando mais de dez

mil pessoas segundo os últimos relatórios da prefeitura de Foz do Iguaçu. Segundo

os dados da Prefeitura:

a região da Vila C é formada por 34 bairros, que abrigam uma população de 34.952 habitantes, possuem 4.952 residências, 276 comércios e 152 edificações de outros tipos, como igrejas, creches, escolas, associações e barracões. Nas sete escolas municipais, quatro colégios estaduais e duas universidades da região, o contingente de alunos chega a 13.964 estudantes. Há ainda oito creches, três unidades de saúde, oito quadras de esportes, dois campos de futebol, dois ginásios, três canchas de bocha e um kartódromo. Na região estão instaladas a Usina Hidrelétrica de Itaipu, a subestação de Furnas, o Ecomuseu de Itaipu e o Templo Budista, além do campus local da Unioeste e da Faculdade Uniamérica.6

4 Segundo Jesus (2009), a COHAFRONTEIRA – Cooperativa Habitacional da Fronteira era uma cooperativa privada que foi responsável por diversos loteamentos em Foz do Iguaçu durante a década de 1980. Ele destaca que nos “anos 1990, em função do escândalo da venda das casas da Vila C em função do não cumprimento do Contrato Nº 4090/91” [Agentes Envolvidos: Itaipu Binacional (Vendedora), Caixa Econômica Federal, (Credora) Cohafronteira (Devedora)], uma

série de acusações vieram à tona contra o presidente da empresa, acusado de venda de lotes irregulares em Foz do Iguaçu. Sobre essa questão ver: STJ libera presidente de cooperativa habitacional do Paraná. Jorge Castagnaro e Paulo João de Souza, presos por venda de lotes irregulares em Foz do Iguaçu. Disponível em <http://www. Tribunaldacidadania.com.br>, Acesso em: 10/06/2011

5 O Refúgio Biológico Bela Vista encontra-se às margens do reservatório da Central Hidrelétrica de Itaipu e é um dos dois refúgios do lado brasileiro do Rio Iguaçu. A área do Refúgio compreende uma extensão de 1.920 ha, tendo como limite sul a barragem de terra, a leste a Vila "C", a oeste o reservatório e a norte áreas de reflorestamento e preservação. As atividades desenvolvidas no local englobam desde o plantio de mudas para reflorestamento das margens do reservatório até a criação e recuperação dos animais nativos para sua procriação e re-inserção no habitat natural. Disponível em: <http://www.vitruvius.com.br/institucional/inst26/inst26.asp>, Acesso em: 15/06/2011

6 Essa idenficação foi apresentada pela Prefeitura Municipal – Perfil da População de Foz do Iguaçu (2004), “em função das Regiões, Quantitativo Populacional e Mapa por Região”. Disponível em: <http://www.cmfi.pr.gov.br/noticiasdetalhes.php>, Acesso em: 15 de junho de 2011.

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Atualmente, o bairro tem quase todas as ruas asfaltadas, fator que merece

destaque já que em grande parte dos bairros da cidade denominados “populares” as

ruas são apenas calçadas com pedras. Tanto na Vila C Nova quanto na Velha, há

espaços consideráveis destinados ao lazer, os quais, todavia, encontram-se

depredados pela falta de manutenção e investimentos públicos de recuperação.

Na Vila C Velha há duas faixas de loteamentos que foram destinadas para

esse fim, uma delas situa-se entre a Rua Sapucaí e Andradina, onde também está

localizado o antigo Centro Comercial, da época em que o bairro ainda pertencia à

Itaipu. Na Vila C Nova, encontra-se uma outra faixa de loteamento que corta a Vila

ao meio e que se estende desde a Paróquia da Igreja Católica até a metade do

bairro na Rua Recife. Nesse ponto localizam-se o Colégio Estadual Paulo Freire, a

Escola Municipal, a Igreja Católica, a creche, a Associação de moradores, campos

de futebol de grama e de areia, além do Posto da Polícia Militar.

Segundo Weber (2004), a população da Vila C basicamente é formada pelos

ex-obreiros de Itaipu e por trabalhadores do comércio, vinculados a compra e venda

de mercadorias do Paraguai. Estes moram há anos nas mesmas casas, havendo

poucas alterações, seja pela dificuldade que teriam para sair destas ou reformá-las,

seja porque consideram aquele lugar parte de sua trajetória, fazendo as

transformações possíveis no seu viver, construindo seus territórios de sociabilidade

e de identificação. Pois, mesmo que a realidade desses sujeitos pressionasse a

determinadas práticas, conseguiram a seu modo, produzir conquistas e

expectativas, ainda que não indiquem grandes alterações na sua condição de

classe.

Ao passar mais de trinta anos, a Vila C se apresenta como um espaço onde

seus moradores abrigam muitas histórias e muitas memórias, vinculando suas

trajetórias pessoais à experiência de ser trabalhador e percorrer as cidades

brasileiras procurando alterar suas condições e inserção social, sendo que a partir

de determinados momentos se dirigiram a Foz do Iguaçu, muitos motivados pelo

trabalho na barragem, mas nem todos.

Manoel ao mencionar sua chegada, não tem como marco a obra da

Hidrelétrica, mas apresenta que a vinda para a “Vila Operária” produziu outros

sentidos ao que já experimentava em Foz do Iguaçu:

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Vim para Foz em 1960, de Minas Gerais, cidade de Samara do Mutum, vim num “pau de arara”. Vim para trabalhar na barragem, morei primeiro no Bairro Porto Belo, depois para as casas na Vila Operaria e estou aqui há 30 anos. Trabalho hoje como Jardineiro. (MANOEL, entrevista realizada pela autora em 26/10/2011)

Estar em Foz do Iguaçu desde 1960, aponta para Manoel um percurso

comum a determinados trabalhadores da sociedade brasileira. A chegada no “pau

de arara”, sugere a vinda de muitos outros trabalhadores, neste caso, de Minas

Gerais para Foz do Iguaçu. Além disso, aponta que sair do bairro Porto Belo para a

Vila Operária, localidades próximas na cidade, poderia não garantir alterações na

condição de moradia e acesso a benfeitorias públicas, mas indicava sair do aluguel

e alcançar uma vaga de trabalho, que era anunciada como compensatória.

Manoel é alguém que já vivia em Foz do Iguaçu há 10 anos e via nesse

empreendimento da Itaipu a possibilidade de alterar sua vida na cidade, apesar de

apresentar nesse processo de avaliação certa vinculação entre possíveis melhorias

alcançadas e o constante aumento da exploração do trabalho no canteiro de obras,

ou em seus rearranjos após deixar o trabalho na Itaipu.

A movimentação dos trabalhadores construindo alternativas para o seu

modo de viver não são mecânicas, muitas vezes apontam como as motivações para

se dirigirem a um ou outro lugar não está definida antes de avaliarem suas

possibilidades. No caso de Josias esse percurso foi decidido nesse entendimento,

de valores e interesses, urgentes e motivadores de mudanças e decisões:

Morava em Jaraguá do sul, Santa Catarina e em 1975 fui morar em Cascavel, depois em 1980 vim para cá para trabalhar na Itaipu, morei no Bairro Portal de Foz e agora estou a 30 na Vila C. Aqui tenho uma pequena empresa, continuo exercendo minha profissão de ferreiro. (JOSIAS, entrevista realizada pela autora em 26/10/2011).

Sair de Santa Catarina, ficar 5 anos em Cascavel. Josias, ao chegar em Foz

do Iguaçu nas últimas etapas da obra, também não vai direto para a Vila C, é

preciso experimentar outras possibilidades na cidade até chegar à “profissão de

ferreiro” na Itaipu, a qual destaca exercer até hoje em sua empresa.

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Para Tarcísio, a tentativa de interferir nas limitações do seu viver o

motivaram a deixar o Rio Grande do Sul:

Cheguei aqui em 1975, vim da cidade de Encantado, no Rio Grande do Sul, pensava em juntar dinheiro e voltar embora, mas gostei da cidade e acabei ficando. Primeiro morei no Porto Belo e vivo há 30 anos na Vila C, hoje trabalho como autônomo.” (TARCÍSIO, entrevista realizada pela autora em 26/10/2011).

A sinceridade de Tarcísio ao apresentar seu “plano” de “juntar dinheiro e

voltar embora” ao se dirigir a Foz em 1975, indica que mesmo quando as intenções

estão definidas, o que será vivido pode mudar essas decisões e construir outras

urgências e/ou interesses, como viver do mercado autônomo de venda e compra de

mercadorias no Paraguai. O que muitas vezes não é enfatizado durante a entrevista,

mas fica indicado em falas e no que se sabe sobre as práticas de trabalho e renda

de muitos trabalhadores da Vila C hoje, “gostei da cidade e acabei ficando [...] hoje

trabalho como autônomo”.

Na entrevista com os moradores os alunos perceberam que “o como surgiu

o Bairro onde eles moram” não apresenta uma explicação fácil e objetiva. A narrativa

dos ex-barrageiros, hoje moradores do bairro Vila C, indica como – empresa e

Prefeitura – indicavam a demolição da vila Operária como indiscutível e que a

manutenção dessas famílias, enfrentando esse posicionamento, levou a aceitação

da venda das casas aos trabalhadores.

Mais que isso, o anúncio de construções provisórias, garantiu ao consórcio

da Itaipu não apresentar moradias com resistência e de boa qualidade para os

trabalhadores. Porém, o prolongamento das obras exigiu alterações nesse projeto

de Vila Operária, apresentando algumas ampliações e incorporação de benfeitorias.

Josias recompõe esse processo durante a entrevista ao ser questionado sobre como

foi a formação do bairro:

Esse bairro surgiu para comportar os trabalhadores da usina, que na época chegou a 45 mil trabalhadores, aqui era um movimento muito grande, mas essas casas eram pra ser demolidas. Foi feito um acordo com a Itaipu e acabou cedendo as casas para os trabalhadores. As casas foram construídas em forma de barracão,

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composta por 04 residências, uma construção barata, abrigando moradores de baixa renda. Algumas casas foram demolidas por causa do "linhão", que eram as torre de transmissão de energia, chegando até a subestação de furnas. (JOSIAS, entrevista realizada pela autora em 26/10/2011).

Josias reconhece e repete a noção clara que todos os trabalhadores

entrevistados tinham das casas em que foram morar “uma construção barata,

abrigando moradores de baixa renda”. A iniciativa de construir as moradias resultava

do interesse em coloca-los mais próximos a obra e mais dependentes do que o

consórcio poderia lhes oferecer em troca de jornadas maiores de trabalho.

Entretanto, esse não foi um caminho de garantia para todos, pois muitos

foram embora, seja por desistir dessa relação de trabalho, verem-se com parentes

acidentados ou mortos, serem desapropriados, como o próprio Josias, destacou. A

permanência ou saída não indicou tranquilidade nem para quem foi, nem para quem

ficou.

Podemos ainda perceber como trabalhadores, como Manoel, trazem em

suas falas a permanência nas casas associada a uma conquista “dos que ficaram”,

daqueles que insistiram em suportar aquele trabalho, julgando que possivelmente

poderiam conseguir as casas em que viveram por tanto tempo.

Era muito bom, porque como eu fazia a manutenção aqui, todos os moradores eram trabalhadores da Itaipu, antiga UNICOM, ITAMOM e em 1985 foi criada as casas para os trabalhadores. Foi um acordo com a direção de Itaipu para serem vendidas para os moradores, como um premio para aqueles que ficaram. Pois muita gente ate aquele momento não tinha conseguido a casa própria. Hoje qualquer um pode comprar casa na Vila C. Antes era bom de viver aqui tinha segurança, era organizada. (MANOEL, entrevista realizada pela autora em 26/10/201).

A entrevista com Manoel apresenta um indício de necessidade, mas também

de “prêmio” por apesar de tudo, conseguirem a casa própria. Ao avaliar o presente,

indica que hoje as condições são diferentes, essa trajetória de “trabalhador da Itaipu”

não condiciona morar na Vila C, porém algumas alterações acumuladas nesse

percurso, como o aumento da violência e empobrecimento de muitos moradores,

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indica que o modo de viver dos trabalhadores é contraditório e desigual, não se

restringindo a ter moradia. Por isso, sua predisposição a valorizar esse passado.

Após a realização das pesquisas, houve a apresentação em sala de aula.

Quando os grupos de estudantes apresentaram as entrevistas, percebemos que

muitas colocações dos entrevistados se aproximavam, suas lutas, dificuldades, o

trabalho duro no canteiro de obras da Itaipu, as longas jornadas de trabalho,

saudade da família, momentos com colegas de trabalho, como também,

contraditoriamente, falar da Itaipu é falar de sua importância, do seu trabalho, para

que esse projeto se realizasse.

Ao final das apresentações, os alunos fizeram a avaliação da atividade e

indicaram que o contato com esses trabalhadores, a conversa a respeito dessa

experiência foi extremamente produtiva. Ao mesmo tempo, ter tido a oportunidade

de entender a relação que se estabelece entre presente e passado a partir do bairro

em que vivem, permitiu perceber que o tempo em que vivemos foi construído por

pessoas comuns, com sentidos e significados particulares dentre outros

compartilhados, confrontando marcos e outras versões.

Nesse sentido, há a preocupação em apresentar e discutir esse sentido de

sujeito histórico com os estudantes, a experiência social compartilhada e o processo

de interpretação histórica. Indicar que os protagonistas se apresentam nas relações

sociais, agindo diante de pressões, limites e indicando seus interesses, alianças e

recusas. Mais do que imagens que apresentassem um “antes” e um “depois”,

procuramos associar a construção dessas mudanças com as práticas desses

trabalhadores que produziram a Vila C nesse percurso histórico.

Por isso, as imagens apresentadas nos painéis só fazem sentido se

motivarem a observar os sujeitos e relações construídas para que mudanças e

permanências fossem produzidas no bairro e na vida desses trabalhadores.

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Figura 2: Painéis construídos pelos alunos “Vila C Ontem e Hoje” - 2011 Fonte: Acervo da Autora

A Figura 2, em diálogo com as Imagens 5 e 6, fez com que os estudantes

pudessem discutir como a produção desses espaços está vinculada às práticas e

condições desses trabalhadores no bairro e na obra e o que se quer dar

visibilidade sobre esse momento histórico ainda hoje, principalmente analisando a

recente constituição do “espaço Memorial do Barrageiro” no Parque Tecnológico de

Itaipu (PETTERS, 2011, p. C1). A Figura 4 foi trabalhadas no projeto de

implementação.

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Imagem 3 – Trabalhadores no canteiro de obras Fonte: www.itaipu.gov.br

Figura 4: Entrega de casas, chuveiros e torneiras aos trabalhadores residentes na Vila C Fonte: Informativo UNICON, 30 set. 1978.

A constituição de um Informativo do consórcio responsável por parte das

obras indica a disputa constante sobre como apresentar as ações e atuação no

processo de construção da Usina Hidrelétrica. As pressões que o empresariado

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enfrentou não se restringiram aos problemas vinculados às relações de trabalho e

“manutenção” desses trabalhadores na Vila Operária, as desapropriações na área

de formação do lago da Usina também questionavam a atuação desses empresários

e fortaleciam a necessidade que tinham de construir uma versão sobre suas ações,

tendo como colaboradores grande parte da imprensa e das Administrações

Municipais das cidades envolvidas no projeto.

Dentre as considerações feitas, destaca-se que foi retomado o que é ser

sujeito da História e produzir conhecimento histórico, “[...] partindo de conteúdos

trabalhados em sala de aula que se tome a experiência do aluno como ponto de

partida para o trabalho com os conteúdos, pois é importante que também se

identifique como sujeito da história e da produção do conhecimento histórico”.

(SCHMIDT & CAINELLI 2004, p. 50).

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Imprensa:

BOLETIM CPT. Maio/Junho 1982.

INFORMATIVO UNICON, Foz do Iguaçu, 30 set. 1978.

O ESTADO DO PARANÁ, Curitiba, 10 jun. 1979.

PETTERS, Thays. Antigos barrageiros poderão atuar no Complexo Turístico de Itaipu. A Gazeta do Iguaçu, 1º jun. 2011, p. C1, Caderno Turismo.

REVISTA Construção Pesada: Energia Elétrica. Ano 7, nº. 82, Nov. 1977, p. 04 apud MANARIN, Odirlei. Peões da Barragem: Trabalhadores, memórias e relações de trabalho dos operários da Hidrelétrica de Itaipu – 1975 – 1991. Dissertação de Mestrado. UNIOESTE, 2008, p. 176.

Entrevistas:

A - Entrevistas realizadas pela autora e estudantes com trabalhadores residentes no bairro Vila C:

B - Entrevista realizada em 1998 por Maria de Fátima Bento Ribeiro apud RIBEIRO, Maria de Fátima B. Memórias do Concreto: vozes na construção de Itaipu. Cascavel: EDUNIOESTE, 2002.

Sites Pesquisados:

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<http://cidadebrasileira.brasilescola.com/parana/historia-foz-iguacu.htm>

<http://oradical.uol.com.br/conteudo/historia>

<http://www.cmfi.pr.gov.br/noticiasdetalhes.php>

<http://blogdefoz.blogspot.com/2009/07/vila-c-foz-do-iguacu-quem-lembra-dessa.html>