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História dos três pica-paus
José Monteiro Morais
História dos três Pica-paus
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História dos três Pica-paus
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Era uma vez... Três Pica-Paus
Aqui bem perto, num
recanto do mato, moravam
três pica-paus, cada qual na
sua árvore.
Ali tinham as suas
casinhas, qual delas a mais
bonita.
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A vermelha, era a casa do pica-pau António; a
amarelinha, do pica-pau Francisco; a azul, do pica-pau
Manuel.
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Ora, num belo dia de sol, em pleno Outono, o pica-pau
António acordou muito cedo. Ao ver a luz resplandecente
daquela manhã, aflorou, ao seu coração, uma enorme alegria
e, logo, uma vontade irresistível de voar, céus além, o dia
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inteiro, sem parar.
E porque não!?... – pensou. – Porque não, ir bater à
porta dos seus amigos e desafiá-los para irem, os três, fazer
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uma grande festa? Enfim. O que o António queria, era dar
largas àquela explosão de alegria que, assim, subitamente, lhe
invadiu a alma!
De radiante que estava, dava, instintivamente, saltinhos
como se molas tivesse. Sentia-se irrequieto. Ao dar um desses
saltinhos, levantou voo, descreveu três círculos à volta da sua
casita e, aí vai ele direitinho a casa do amigo mais próximo; o
pica-pau Francisco.
Chegado à casa do companheiro e supondo que "todos os
habitantes da terra" estariam tão radiantes como ele, não
hesitou em bater-lhe à porta com ímpeto e, acto contínuo,
pôr-se a trautear, desalmadamente, um dos seus improvisos
musicais.
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Porém, um nadinha admirado de tanta quietude em nada
condizente com as
suas previsões,
suspendeu,
repentinamente,
uma das notas do
seu trinado, a
pensar lá para
consigo o poderia
significar tal
silêncio. Que
silêncio!
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Já um bocadinho preocupado, levanta, mais ainda, o
batente do ferrolho para bater de novo, mas, desta vez, com
toda a força. Pois, sim. Tudo na mesma. Nada!
No intuito de sossegar-se a si próprio, pensou: – Bom!
Não está; saiu cedo; só pode ser isso. Venho mais logo. Mas,
a dúvida voltou a inquietá-lo. Teme agora que o seu amigo
esteja em dificuldade. Foi-se ao aldrabe da porta e, com uma
pontinha de nervos à mistura, ia desarando a porta, o ferrolho,
as dobradiças e tudo o mais! Isto é, ia pondo a porta abaixo,
mas resultado, zero!
Começava agora a pensar em entrar pela janela, tanto
mais que estava um nadinha entreaberta.
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Assim pensou, assim o fez. Saltou e quando já se
encontrava empoleirado no peitoril da janela, começou a
ouviu, uma voz muito sumida mas resmungona.
Quem é!?... Que querem de mim assim tão cedo... ai
meu Deus, que mal fiz eu aos céus para me tratarem com esta
violência!
Ao ouvir tal resmunguice, o pica-pau António acabou
por dar uma enorme gargalhada e, por fim, berrou-lhe com
os nervos à flor da pele:
– Ah seu grande mandrião! Como estou arrependido de
ter aqui vindo! Mas que susto me pregaste, meu grande
dorminhoco! Levanta-te, preguiço duma figa. Abre bem esses
olhos para veres os campos cheios de luz, e milhões de gotas
de orvalho, cintilando à luz do sol!
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Nisto, os engonços da portita começaram a ranger muito
lentamente, e o Francisco lá foi surgindo, com os olhitos
meio abertos, curvado para a frente e com uma patita, a coçar
a cabeça.
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Ao ver o seu amigo António, e tentando recompor a voz
– que teimava em não sair –, lá conseguiu balbuciar umas
palavras mais perceptíveis:
– Então que há!?... Que dia é hoje!?... Que horas são!?
Qual é o teu problema!?
– Estás mesmo tonto – diz o António, já com imensa
pena ter interrompido o sono daquele amigo. – Não, não há
nada de especial; sabes, é que acordei com a luz do Sol a
bater-me nos olhos, e, deparando com a linda manhã, veio-me
à ideia de irmos para os campos fazer uma grande festa!
– Uma festa? - diz o Francisco ainda enredado na
sonolência. Uma festa...mas, porquê!? Fazes anos?
Não é isso, palerma – replicou de imediato o António –
então os meus anos não foram ontem? Estás pior “meu pato
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rouco”; – e continuando sem esperar resposta – Nada disso;
como vês, está um maravilhoso dia de Outono e, por tal
motivo, veio-me à ideia que poderíamos ir para os campos...
olha, fazer um magusto; que achas!?
O pica-pau Francisco bocejou longamente, esticou a
asas uma após a outra, retesou as pernas apoiado nas pontitas
das unhas e, ao voltar à posição normal, acabou dizendo:
Bom, acho que sim. Acho até uma boa ideia; só lastimo
ser tão cedo. – continuando – mas ouve lá; não poderia ser
amanhã?
Já o Pica-pau António ia a barafustar desanimado,
quando o dorminhoco do Francisco – como que arrependido
da sua esfarrapada proposta, disse:
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– Desculpa lá, António. Tens razão. Chega de tanto
dormir. – E num gesto decidido diz ao amigo – Entra; deixa-
me só lavar o bico, dar uma escovadela às penas, beber uma
gota de orvalho e, pronto.
Passado o amargo do terrível momento, não tardou que
levantassem voo e, instantes passados, lá estavam eles a
pousar na árvore do terceiro amigo, o pica-pau Manuel.
Tinham já o bico aberto, para o chamar, em coro,
quando este os surpreendeu lá de cima, da clarabóia do seu
telhado, dizendo, com a voz fresca e decidida:
É rapazes; tão cedo!? Há alguma novidade!?
Há! – diz o António, recompondo-se de um pequeno
susto, devido aparição repentina do Pica-pau Manuel.
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– Vimos convidar-te para irmos fazer um magusto, que
achas?
O pica-pau Manuel, que já estava pronto para sair
também ele alegre, devido ao sol maravilhoso daquele dia,
disse lá do alto do telhado:
– É para já, rapazes!
Com isto desceu prontamente, pegou num dinheirito e,
de um salto, logo ficou junto deles. Levantaram voo, todos “à
uma”. Já nas alturas, saboreando aquela vivificante frescura
matinal, começaram a combinar qual seria a melhor forma de
fazerem o inesperado magusto.
– Para aqui, para ali, talvez isto, talvez e aquilo, mais
um trinado a três vozes e lá iam. Enfim, uma alegria.
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A certa altura desceram e, era vê-los, agora, atarefados
num super-mercado, a comprar, castanhas, figos, nozes,
maçãs, laranjadas Coca-Cola, pasteis, chocolates, etc. etc.
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Porém, com o entusiasmo, nem se apercebiam que algo
estava errado, erro esse de que só se aperceberam quando
tomaram o pulso ao peso das compras. Um peso e um volume
tais que lhes era impossível transportarem tanta coisa, pelos
seus próprios meios. Puseram-se a olhar uns para os outros,
mas a tentar repartir a mercadoria: tu levas isto, tu levas
aquilo... acabaram por descobrir que, só a carga que cabia a
um deles, mal a poderiam levar os três. Francamente – diziam
– mas que juízo o nosso!
Porém, há coisas incríveis! Iam eles arrastando, as
coisas depois de pagarem no caixa do Super Mercado,
quando atrás deles estava uma Garça, também ela a pagar, um
pequeno saco de sementes. Esta, ao ver tanta dificuldade a
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atormentar os pequenitos pica-paus e vendo que podia
facilitar-lhe a vida, disse-lhes:
– Vão para longe?
– Bom... – diz um dos pica-paus – estamos a tentar levar
estas compras para o campo, mas estamos a ver que não
podemos levar o que compramos.
– Bom – diz a garça – para que lado vão?
– Vamos para Nascente, dizem em coro os pica-paus.
A Garça, amiga de ajudar, disse:
– Olhem, estão com sorte, pois que também eu vou para
esses lados e ajudo-vos a levar a carga, querem?
– Ó, se queremos – disseram, lampeiros, os pequenos
pássaros.
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O que na verdade se passava era que a garça nem sequer
ia para aqueles lados, como dizia, e os pica-paus, agora muito
felizes, achavam que tudo aquilo era apenas obra do acaso.
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Até ali tudo bem; A garça deixara-os já no campo, e
eles trataram de fazer a fogueira, tomando, é claro, todos os
cuidados.
Já a fogueira estava fortemente ateada quando um deles
lhe deu na cabeça de despejar, o saco das castanhas no meio
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das labaredas!
Enfim, o Francisco não sabia que é preciso cortar, antes
de mais, um bocadinho da casca, para que as castanhas não
estoirassem com o calor. Só que essa asneira do Francisco
provocou o maior dos reboliços que outro não houve em toda
a terra!
Aquilo resultou num sucessivo desencadear de
explosões transformando as castanhas numa imensa
migalhada, até dez metros, em redor da fogueira!
Assustaram-se muito, salta para aqui, salta ali, mas,
depois do susto, tudo acabou numa interminável risada.
Mas não é que, o “acidente” lhes veio facilitar a vida!
É verdade. As castanhas transformaram-se em milhares
de migalhinhas, ao fim e ao cabo, bem adequados aos seus
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bicos. Encheram-se pois de comer castanha, por entre as
ervas e folhas do prado!
Enfim; de qualquer modo, comeram, beberam,
cantaram, dançaram. Uma grande reinação!
Era já à tardinha quando resolveram vir embora, tanto
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mais que ainda viriam tomar um cafezinho à cidade.
Aí vêm eles, agora sem bagagem, leves como o vento,
ainda mais que este soprava a favor!
Aturdidos e eufóricos de tanta brincadeira, entraram
então no café fazendo um certo alvoroço. Importa dizer que
não era a primeira
vez que iam ali,
pelo que, o senhor
João (um bondoso
empregado de
mesa), já os
conhecia muito
bem e, diga-se, até
gostava deles.
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Sentaram-se ordeiramente e disseram, em coro, os
pequenos foliões:
– Oh senhor João, por favor, três cafés, aqui p’rá mesa
do canto.
Para já o senhor João limitou-se a olhá-los de soslaio,
como que a preveni-los de que não queria ali brincadeiras.
Por sua vez, os pica-paus, trocavam entre si uns olhares
matreiros, mas os cafés, foram servidos e acolhidos no mais
respeitoso silêncio!
Mas...oh desgraça das desgraças! Em escassos
segundos, rebentou naquela mesa uma enorme chinfrineira!
O senhor João volta-se perplexo, e com ele toda a gente
que, no café, tomava, calmamente, a sua bica e lia o seu
jornal.
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Sem se saber ainda, o que se tinha passado, os pica-paus
gritavam cada vez mais alto:
– "AI O MEU BICO"! "AI O MEU BICO"!
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– O que foi! O que foi! – indagam alguns dos presentes.
O senhor João aproximou-se tentando aperceber-se das
causas daquela barulheira, enquanto os pica-paus não
paravam de se queixar do seu bico.
Bom, o que se passou, foi que os pica-paus meteram,
estouvadamente, os bicos no café ainda escaldante, e daí toda
aquela gritaria.
Ao aperceber-se disso, o Sr. João, de bom homem que
era, foi logo buscar gelo, pôs-lho nos bicos e, aquilo passou
sem consequências.
Parecia que tudo tinha voltado ao normal, quando, de
repente, estoira na mesma mesa um festival de estrondosas
gargalhadas!
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Foi o caos! Os indesejáveis clientes começaram a
esvoaçar por cima dos candeeiros, passavam a rasar as
cabeças dos fregueses, enquanto o Sr. João, gesticulando no
meio daquele estardalhaço, gritava:
– Saiam daqui seus marotos que estão a despentear os
clientes!
Foi então que os pica-paus se aperceberam de que
tinham ultrapassado, em muito, os limites do bom senso, e
logo pediram a todos,"mil" desculpas.
Com isto pagaram os cafés e saíram, enquanto o senhor
João olhava para eles por debaixo das sobrancelhas, sorrindo.
Bom, depois da envolvente aventura, estavam, naturalmente,
cansadíssimos. E como era já o fim do dia, lá se foram, cada
qual para a sua casita.
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Aí os esperava uma caminha, feita por eles, bem
entendido, forradinha a pétalas e folhas que dava gosto
dormir nelas. Tinham sono. Muito sono.
Imaginemo-los, agora esticados ao comprido a
dormiram profundamente!
E nós também vamos dormir... Certo!?
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Texto e Ilustração de
José Morais 1994