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HILL, FLÁVIA PEREIRA. A homologação de sentença estrangeira de acordo com a Resolução n° 09/05 do STJ. Revista Dialética de Direito Processual (RDDP), n. 53, p. 56-73, ago. 2007.
A HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA DE ACORDO COM A RESOLUÇÃO N° 09/05 DO STJ
FLÁVIA PEREIRA HILL Mestranda em Direito Processual (UERJ) e Tabeliã
1. Introdução
A homologação de sentença estrangeira consiste em ato
formal de reconhecimento de julgado estrangeiro, a fim de que este
produza seus efeitos em território nacional. Com efeito, trata-se de
instrumento de cooperação jurídica internacional. Isso porque a função
jurisdicional, por ser uma emanação da soberania estatal, é informada
pelo princípio da aderência ao território. Diante disso, cada Estado está
investido de poder jurisdicional nos limites de seu território, competindo
às autoridades judiciárias nacionais, em princípio, conhecerem das causas
que nele tenham sede. Essa é a razão pela qual a sentença estrangeira, a
princípio, não possui eficácia em território diverso do qual foi prolatada.
No entanto, em decorrência da necessidade de coexistência
entre Estados soberanos, bem como devido a questões práticas, a maioria
dos ordenamentos jurídicos, dentre eles o ordenamento jurídico brasileiro,
confere eficácia às sentenças estrangeiras1.
1 Cumpre esclarecer que se utilizou a expressão "a maioria dos ordenamentos jurídicos", tendo em vista a existência de países que tradicionalmente rejeitavam eficácia a julgados estrangeiros, mas que vêm paulatinamente cedendo ao movimento de cooperação internacional. Esse é, de fato, o caso da Suécia e da Holanda, em que a jurisprudência cuida de atenuar o rigor da lei. A par da jurisprudência, o direito internacional convencional (tratados) também tem contribuído para o verdadeiro arejamento dos ordenamentos mais refratários ao reconhecimento de sentenças estrangeiras. Com efeito, há dois sistemas de reconhecimento de sentenças estrangeiras: 1°) os sistemas que recusam eficácia equiparável às decisões judiciais internas, cabendo ao interessado instaurar novo processo, havendo em favor do litigante vencedor como que uma presunção. É típico do common law; 2°) os sistemas que reconhecem eficácia propriamente sentenciai ao julgado estrangeiro, subordinando-lhe apenas a prévio ato praticado por órgão nacional. Aqui, há dois grupos, quanto à extensão dos efeitos que
ACESSO RESTRITO: Em respeito à Lei de Direitos Autorais, trata-se de documento de uso interno do STJ
A Homologação de Sentença Estrangeira de Acordo com a Resolução n° 09/05 do STJ
A competência para a homologação de sentença estrangeira
no Brasil era tradicionalmente atribuída ao Supremo Tribunal Federal,
desde a edição da Lei n° 221, de 1894. A Constituição de 1934, por sua
vez, previu expressamente, no artigo 76, inciso I, alínea “g”, a
competência do Supremo Tribunal Federal, previsão esta mantida nas
Constituições posteriores.
A Constituição Federal de 1988, em sua redação original,
manteve a previsão contida nas Cartas anteriores, estabelecendo, no
artigo 102, inciso I, alínea “h”, a competência do Supremo Tribunal
Federal para a homologação de sentenças estrangeiras e concessão de
exequatur às cartas rogatórias.
O Código de Processo Civil de 1973, por seu turno,
estabeleceu, no parágrafo único do artigo 483, que o processo de
homologação de sentença estrangeira observará o procedimento previsto
no Regimento Interno da Corte Suprema. Com efeito, o Supremo Tribunal
Federal alterou o Regimento Interno, a fim de regular a matéria nos
artigos 215 a 229.
Todavia, principalmente em resposta ao verdadeiro clamor por
celeridade na prestação jurisdicional, verificado na sociedade atual, a
Emenda Constitucional n° 45/04 previu a competência do E. Superior
Tribunal de Justiça para a homologação de sentença estrangeira e
concessão de exequatur às cartas rogatórias, ao inserir a alínea “i” no
inciso I do artigo 105.
concedem: a) os sistemas que permitem ampla revisão, inclusive quanto ao mérito da decisão estrangeira homologanda. Ex.: França; b) os sistemas que apenas verificam a presença de certos requisitos na sentença estrangeira. Ex.: Itália, Portugal e Brasil. Trata-se do chamado juízo de delibação. No mesmo sentido, MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. V. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. pp. 50 e ss.
A Homologação de Sentença Estrangeira de Acordo com a Resolução n° 09/05 do STJ
Diante da competência que lhe fora atribuída, o E. Superior
Tribunal de Justiça editou a Resolução n° 09/05, a fim de regulamentar a
matéria em caráter provisório.
De fato, a análise da Resolução n° 09/05 demonstra que, ao
lado de disposições que mantêm basicamente a regulamentação anterior,
existem significativas modificações e avanços que foram introduzidos em
nosso ordenamento, os quais merecem exame. Assim sendo, no presente
artigo, iremos analisar brevemente as principais modificações trazidas
pela aludida Resolução ao procedimento de homologação de sentença
estrangeira, especialmente frente à regulamentação anterior, constante
dos artigos 215 a 229 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.
2. Custas. Valor da Causa. Honorários Advocatícios
A primeira alteração trazida pela Resolução n° 09/05 do STJ
consiste na previsão de sobrestamento do pagamento de custas nos
processos de homologação de sentenças estrangeiras e concessão de
exequatur às cartas rogatórias, constante do parágrafo único do artigo 1º.
A utilização do termo sobrestamento revela, desde já o caráter provisório
da medida. De fato, não se trata de isenção, mas apenas da suspensão
provisória da cobrança de custas judiciais referentes aos processos de
homologação que venham a ser instaurados até a entrada em vigor das
alterações ao Regimento Interno do E. Superior Tribunal de Justiça, que
irão regulamentar a matéria, inclusive, no que concerne às custas
judiciais.
Todavia, impende destacar que a ausência de cobrança de
custas judiciais não possui o condão de dispensar o requerente de indicar
o valor a ser dado à causa. Embora o valor da causa, por vezes, repercuta
no cálculo das despesas devidas pelas partes, como ocorre quanto às
taxas judiciárias e outros tributos calculados com base no valor da causa,
o sobrestamento provisório da cobrança de custas não exime o requerente
de indicá-lo na petição inicial.
A Homologação de Sentença Estrangeira de Acordo com a Resolução n° 09/05 do STJ
Com efeito, a homologação de sentença estrangeira possui
natureza jurídica de processo judicial de jurisdição contenciosa, e não
mero procedimento administrativo, devendo, por isso atender às
exigências legais respectivas2. Nesse passo, coerentemente o artigo 3° da
Resolução estabelece expressamente que a petição inicial deve preencher
os requisitos constantes da lei processual. O artigo 282. inciso V, do
Código de Processo Civil, por sua vez, determina a indicação do valor da
causa na petição inicial, sepultando qualquer dúvida acerca da
necessidade do preenchimento de tal requisito.
De fato, de acordo com o entendimento adotado pelo E.
Superior Tribunal de Justiça, o valor atribuído à causa deverá ser, em
regra, adotado como base de cálculo do valor dos honorários advocatícios
devidos nos processos de homologação de sentença estrangeira
impugnada3.
No caso de sentença estrangeira condenatória, mantém o
Superior Tribunal de Justiça a regra antes destacada, na medida em que
estabelece que o valor da causa deverá consistir justamente no valor da
condenação prevista na sentença homologanda4, sendo certo que o valor
da causa - que se identifica com o valor da condenação - será adotado
como base para a fixação dos honorários advocatícios devidos.
Por outro lado, o E. Superior Tribunal de Justiça ressalva que,
especialmente nos processos de homologação de sentenças arbitrais, em
que o valor da causa muitas vezes é elevado, por refletir o conteúdo
econômico da sentença homologanda, este excepcionalmente não deve
ser adotado como base de cálculo dos honorários advocatícios. Nesse
2 No mesmo sentido ora esposado, MOREIRA. José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. V. Op. cit. 3 Nesse sentido, fixando os honorários advocatícios em 10% sobre o valor da causa, vide SEC 802/EX, Corte Especial, STJ, Rel. Min. José Delgado, julgado em 17/08/05, disponível no endereço eletrônico: www.stj.gov.br. 4 QO na SEC 879/EX, Corte Especial, STJ, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 02/08/06, disponível no endereço eletrônico: www.stj.gov.br.
A Homologação de Sentença Estrangeira de Acordo com a Resolução n° 09/05 do STJ
caso, os honorários advocatícios deverão ser fixados na forma do artigo
20, parágrafo 4°, do CPC5, podendo o magistrado arbitrá-los
equitativamente6.
3. Atribuição do Presidente do Superior Tribunal de Justiça
A Constituição de 1988, em sua redação anterior à Emenda
Constitucional n° 45/04, autorizava textualmente, no artigo 102, inciso I,
alínea “h”, que o Regimento Interno do STF conferisse ao Presidente da
Corte a competência para a homologação de sentença estrangeira e
concessão de exequatur, o que, de fato, passou a constar no artigo 2° do
Regimento Interno do STF.
A Emenda Constitucional n° 45/04, contudo, não previu
disposição semelhante na alínea “i”, inserida do inciso I do artigo 105 da
Constituição Federal, silenciando a esse respeito. Inobstante isso, a
Resolução n° 09/05 do STJ manteve a sistemática procedimental
constante do RISTF, ao prever, no artigo 2°, a competência do Presidente
para a homologação de sentença estrangeira e concessão de exequatur.
Com efeito, todos os processos de homologação de sentença
estrangeira instaurados são diretamente remetidos ao Presidente do STJ.
Somente no caso de oferecimento de contestação pelo requerido ou
impugnação pelo Ministério Público será o processo distribuído para um
dos Ministros integrantes da Corte Especial do STJ, que será designado
Relator, na forma do parágrafo 1° do artigo 9° da Resolução, passando a
presidir o processo.
Todavia, não havendo impugnação, o Presidente do STJ irá
presidir todos os atos praticados ao longo do processo e, ao final, julgá-lo.
5 Artigo 20, parágrafo 4º, do CPC. "Nas causas de pequeno valor, nas de valor inestimável, naquelas em que não houver condenação ou for vencida a Fazenda Pública, e nas execuções, embargadas ou não, os honorários serão fixados consoante apreciação eqüitativa do juiz, atendidas as normas das alíneas a, b e c do parágrafo anterior." 6 SEC 507/EX, Corte Especial, STJ, Rel. Min. Gilson Dipp, julgado em 18/10/06, disponível no endereço eletrônico: www.stj.gov.br.
A Homologação de Sentença Estrangeira de Acordo com a Resolução n° 09/05 do STJ
Assim sendo, cumpre destacar que a concentração de todos os
processos de homologação de sentença estrangeira - assim como as
cartas rogatórias - sob a direção do Presidente do STJ, ainda que seja em
sua fase inicial, anterior à impugnação, enseja inegável sobrecarga da
Presidência do Tribunal, que já concentra inúmeras outras funções. A
manutenção desse mecanismo, outrora previsto no RISTF, decerto
comprometerá a almejada celeridade dos processos de homologação de
sentença estrangeira, o que poderia ser evitado com a nova
regulamentação dispensada à matéria7.
Do mesmo modo, a solução no sentido de distribuir os
processos de homologação de sentença estrangeira contestados para um
dos Ministros integrantes da Corte Especial, que será designado relator do
processo, tampouco contribui para a celeridade do processo. De fato,
melhor seria que a Resolução tivesse previsto a distribuição dos processos
de homologação para uma das Turmas do E. STJ8. Com isso, o número de
Ministros competentes para o julgamento dos processos seria maior,
contribuindo para o seu pronto desfecho.
Nesse caso, será observada a competência do E. Superior
Tribunal Justiça, sendo certo que não há qualquer restrição na Emenda
Constitucional n° 45/04, e, de resto, na Constituição Federal, que obste o
julgamento dos processos de homologação de sentença estrangeira pelos
7 O eminente processualista José Carlos Barbosa Moreira, ao se debruçar sobre o tema, constatou que a transferência da competência para a homologação de sentença estrangeira para o STJ, embora tenha sido movida pela busca por celeridade, dificilmente logrará alcançar seus objetivos, uma vez que esse E. Tribunal se encontra igualmente assoberbado. Em suas palavras, o jurista invoca antigo ditado popular, afirmando que, nesse caso, "despiu-se um santo para vestir outro". De fato, entendemos que a situação se agrava ainda mais ao se verificar que a Resolução n° 09/05 mantém a solução adotada pelo RISTF de concentrar os processos na Presidência do Tribunal, contribuindo, assim, para uma maior sobrecarga do órgão máximo do STJ, em prejuízo da celeridade processual. MOREIRA. José Carlos Barbosa. "A Emenda Constitucional n° 45 e o Processo." Revista Forense, vol. 383, Rio de Janeiro: Forense, ano 102, 2006. pp. 181-191. 8 No mesmo sentido, COELHO, Daniel. O Processo de Homologação da Sentença Arbitral Estrangeira no Superior Tribunal de Justiça. Rio de Janeiro: UERJ, 2006. Monografia apresentada ao Mestrado da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, ainda não publicada.
A Homologação de Sentença Estrangeira de Acordo com a Resolução n° 09/05 do STJ
Ministros integrantes da aludida Corte Superior. Ao contrário, entendemos
que a interpretação sistemática da Emenda Constitucional n° 45/04
conduz justamente à solução ora esposada, tendo em vista que prestigiou,
em diferentes dispositivos, a celeridade processual, a ponto de instituir,
no novo inciso LXXVIII do artigo 5° da Constituição Federal, a garantia da
duração razoável do processo.
O ilustre jurista José Carlos Barbosa Moreira chega a afirmar
que qualquer lei cuja aplicação venha a atuar em detrimento da garantia
constitucional da duração razoável do processo deve ser tida como
incompatível com a Constituição Federal, sendo, portanto, inválida. Do
contrário, a norma constitucional acabará perdendo efetividade e sendo
tratada, em última análise, como norma programática, o que deve ser
evitado9.
Diante disso, entendemos que o julgamento dos processos
pelos Ministros integrantes das Turmas do E. STJ consiste em solução
consentânea com os escopos da Emenda Constitucional onde se encontra
inserida a alteração ora em comento, além de não ferir a competência
constitucional atribuída ao STJ, sem quaisquer ressalvas ou restrições.
4. Indeferimento da Petição Inicial
A Resolução n° 09/05 mantém os requisitos da petição inicial
exigidos no artigo 218 do RISTF, determinando que a exordial contenha
as indicações constantes da lei processual (artigo 282 do CPC), seja
instruída com a certidão ou cópia autêntica do texto integral da sentença
estrangeira e com outros documentos indispensáveis, devidamente
traduzidos e autenticados.
No entanto, insta observar que a Resolução não traz a
previsão contida no artigo 219 do RISTF, deixando de estabelecer prazo
9 "A Emenda Constitucional n° 45 e o Processo". Op. cit., p. 183.
A Homologação de Sentença Estrangeira de Acordo com a Resolução n° 09/05 do STJ
para que o requerente emende a inicial ou complemente a documentação
anexa.
Todavia, inobstante o silêncio da norma, entendemos ser
admissível a concessão de prazo de 10 (dez) dias para que o requerente
emende a petição inicial ou complete a documentação anexa. Com efeito,
o próprio Superior Tribunal de Justiça teve a oportunidade de examinar tal
questão, posicionando-se no mesmo sentido ora esposado, ao admitir a
concessão de prazo para que o requerente junte documentos, eis que tal
medida não atenta contra direito da parte contrária10.
Diante disso, somente após o transcurso do prazo concedido
seria autorizado indeferir a petição inicial.
5. Objeto da Homologação. Homologação Parcial
O objeto da homologação consiste na sentença proferida por
tribunal estrangeiro. A doutrina e o entendimento jurisprudencial
atribuíram contornos mais abrangentes ao conceito de sentença,
entendendo ser homologável todo ato que tenha conteúdo e efeitos que,
no Brasil, sejam considerados como sendo típicos de sentença,
independentemente do nome ou da forma de que se revista no país de
onde proveio.
Do mesmo modo, ao conceito de tribunais estrangeiros foi
igualmente atribuída interpretação ampliativa, na medida em que não
serão homologáveis apenas os atos emanados de órgãos integrantes do
Poder Judiciário do país de origem, mas também os atos emanados de
autoridades administrativas, religiosas e até mesmo indígenas, desde que
10 AgRg EC 349/EX, Corte Especial, STJ, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 04/05/05. Ementa: "Processo Civil. Homologação de Sentença Estrangeira. Agravo Regimental. Documentação. Dilação Probatória. 1. As regras processuais, por serem instrumentais, não devem ser interpretadas de forma rigorosa, a ponto de prejudicar o direito material. 2. Atendimento ao pedido de diligência para apresentação de documentos, muitos dos quais redigidos em idioma estrangeiro, não atenta contra o direito da parte contrária. 3. Agravo regimental improvido." Disponível no endereço eletrônico: www.stj.gov.br.
A Homologação de Sentença Estrangeira de Acordo com a Resolução n° 09/05 do STJ
sejam competentes para a prática do ato segundo a lei do país de
origem11.
Assim é que o Supremo Tribunal Federal vinha equiparando à
sentença estrangeira o ato emanado de órgão administrativo ou
legiferante que contivesse conteúdo sentencial. Exemplo disso encontra-se
na homologação pelo STF de divórcios decretados por reis, prefeitos e
outras autoridades que fossem competentes para tanto, de acordo com a
lei do país de onde provieram12.
No mesmo viés de orientação, o Superior Tribunal de Justiça
optou por fazer constar expressamente na Resolução n° 09/05 que serão
homologados os provimentos, ainda que não judiciais, que teriam
natureza de sentença, segundo a lei brasileira. Assim sendo, o parágrafo
1° do artigo 4° da Resolução agasalha os entendimentos doutrinário e
jurisprudencial desenvolvidos antes da edição da Emenda Constitucional
n° 45/0413.
A Resolução reproduz, ainda, outro entendimento consagrado
pela doutrina e pela jurisprudência, no parágrafo 2° do artigo 4°. Trata-se
da homologabilidade parcial da sentença estrangeira. Com efeito, devem
ser examinados os capítulos que compõem a sentença estrangeira
homologanda. Caso um ou alguns dos capítulos da sentença não sejam
passíveis de homologação, por não preencherem os requisitos previstos
em lei, que serão adiante examinados, deverá, mesmo assim, ser
homologado o capítulo restante - ou capítulos restantes -, desde que 11 Cumpre aduzir que será considerado tribunal estrangeiro aquele composto por autoridades estrangeiras, ainda que a sentença tenha sido proferida no Brasil. Por outro lado, sentença proferida no exterior por autoridade brasileira não será considerada sentença estrangeira, dispensando, portanto, a homologação para produzir efeitos no Brasil. 12 KALICHSZTEIN, Juliana. Homologação de Sentenças e Laudos Arbitrais Estrangeiros no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2002. pp. 133 e ss. 13 A propósito, o E. STJ inclusive teve a oportunidade de ratificar o entendimento outrora adotado pelo STF, ao admitir a homologação de divórcio decretado por autoridade administrativa do Japão, por ser esta a autoridade competente naquele País. AgRg na SE 456/JP, Corte Especial, STJ. Rel. Min. Barros Monteiro, julgado em 23/11/06, disponível no endereço eletrônico: www.stj.gov.br.
A Homologação de Sentença Estrangeira de Acordo com a Resolução n° 09/05 do STJ
atenda às exigências legais e, por óbvio, não seja dependente dos
capítulos da sentença que não foram homologados14. Trata-se, na
verdade, da aplicação do brocardo utile per inutile non vitiatur, previsto,
inclusive, no artigo 248 do Código de Processo Civil.
O renomado processualista Cândido Rangel Dinamarco
criticou, com propriedade, a relutância dos magistrados brasileiros em
resguardar a integridade de alguns capítulos da sentença quando outros -
que deles não sejam dependentes - estejam viciados15. Por essa razão,
entendemos que a opção feita pelo E. Superior Tribunal de Justiça de
prever expressamente, no parágrafo 2° do artigo 4° da Resolução n°
09/05, a possibilidade de homologação parcial da sentença estrangeira,
consagrando, assim, o entendimento no sentido de distinguir os capítulos
autônomos da sentença, consiste em solução louvável, pois registra um
rompimento com a postura refratária antes criticada. Com isso, a
disposição em comento possui o mérito de contribuir para que os
magistrados e os operadores do Direito em geral se familiarizem com o
exame dos capítulos da sentença, e apliquem-no não apenas na
homologação de sentença estrangeira, mas nos julgamentos em geral.
O E. Superior Tribunal de Justiça, aplicando o teor do
parágrafo 2°, em julgamento recente, homologou o capítulo da sentença
estrangeira que reconheceu a paternidade, deixando, contudo, de
homologar o capítulo que fixou alimentos em favor do filho, sob o
14 A respeito do conceito de capítulos da sentença dependentes, invoca o insigne processualista Cândido Rangel Dinamarco a lição de Giuseppe Chiovenda, segundo o qual "há relação de dependência entre capítulos sentenciais 'quando um não pode logicamente subsistir se o outro tiver sido negado'". Mais à frente, afirma o ilustre processualista paulista o seguinte, in verbis: "A correta colocação e solução dos casos de nulidade de sentença composta por capítulos exige a prévia distinção entre casos em que um deles deve receber reflexos do vício de outro (contaminação) e casos em que por se tratar de capítulos independentes, essa contaminação não ocorre (princípio da conservação)." Vide, a esse respeito, Capítulos de Sentença. São Paulo: Malheiros, 2002. pp. 43-44 e p. 84. 15 Nesse sentido, afirma o ilustre jurista: "Os tribunais brasileiros relutam enormemente a pronunciar a nulidade apenas parcial de uma sentença (ou seja, de algum ou alguns de seus capítulos), deixando íntegro o mais, ainda quando a causa de invalidade atinja somente um ou alguns de seus capítulos e não todos." (Op. cit., p. 84)
A Homologação de Sentença Estrangeira de Acordo com a Resolução n° 09/05 do STJ
fundamento de que este último capítulo não continha fundamentação
suficiente, o que atentaria contra o princípio da ordem pública16. Diante
disso, verifica-se que a homologabilidade parcial da sentença estrangeira,
demais de receber expressa previsão na Resolução n° 09/05, vem sendo
aplicada pelo E. Superior Tribunal de Justiça17.
6. Tutela de Urgência
Talvez a mais importante inovação contida na Resolução n°
09/05 encontre-se no parágrafo 3° do artigo 4°, ao prever a
admissibilidade da tutela de urgência nos procedimentos de homologação
de sentença estrangeira.
De fato, o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal
não continha disposição semelhante. O Supremo Tribunal Federal, por seu
turno, firmara jurisprudência no sentido de negar a admissibilidade da
concessão de medida cautelar ou tutela antecipada em sede de
homologação de sentença estrangeira18, ao argumento de que, a se
admitir a concessão de tais medidas, o STF transmudar-se-ia em
verdadeira instância de execução, usurpando, assim, a competência da
Justiça Federal para a execução de sentenças estrangeiras
homologadas19.
16 SEC 880/EX, Corte Especial, STJ, Rel. Min. Fernando Gonçalves, julgado em 18/10/2006, disponível no endereço eletrônico: www.stj.gov.br. 17 Vide, ainda, SEC 57/DF, Corte Especial, STJ, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 15/03/2006, disponível no endereço eletrônico: www.stj.gov.br. 18 Nesse sentido, vide: SE 6.069/FR, STF, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 26/03/99; e SE 8.990/EU, STF, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 26/10/04. Disponíveis no endereço eletrônico: www.stf.gov.br. 19 Cumpre transcrever a seguinte passagem do aresto proferido pelo Min. Celso de Mello: "Sem que se demonstre a irrecorribilidade do ato sentencial (Súmula 420/STF), e sem que se observe a disciplina ritual estabelecida pela legislação brasileira, não se torna possível antecipar, provisoriamente, qualquer dos efeitos emergentes da sentença estrangeira ainda dependente de homologação. (...) De outro lado, e mesmo que estivesse formalmente comprovado o trânsito em julgado da decisão homologanda, ainda assim não seria lícito ao Presidente do Supremo Tribunal Federal, sem prévia e definitiva homologação do ato sentencial estrangeiro, antecipar-lhe os efeitos." (SE 6.069/FR, STF, julgado em 26/03/99, disponível no endereço eletrônico: www.stf.gov.br)
A Homologação de Sentença Estrangeira de Acordo com a Resolução n° 09/05 do STJ
Todavia, modificando o entendimento antes firmado pelo E.
STF, tem-se que a Resolução n° 09/05 do STJ, ao aludir à tutela de
urgência no parágrafo 3° do artigo 4°, contemplou tanto a concessão de
tutela cautelar quanto de tutela antecipada. Assim sendo, valendo-nos da
clássica distinção entre os conceitos20-21, será cabível a concessão de
tutela cautelar, quando comprovado, além de fumus boni iuris, o risco à
efetividade do processo, não havendo, assim, satisfação do direito
material que se pretenda tutelar. A tutela antecipada, por seu turno, será
cabível quando estiver em risco de perecimento o próprio direito material
alegado pelo autor. Trata-se, pois, de tutela satisfativa, através da qual
serão antecipados os efeit
idente do E. Superior Tribunal de Justiça
conceder a medida adequada, caso sejam preenchidos os requisitos legais
exigidos para o seu deferimento.
estrangeira consiste em processo de jurisdição contenciosa, possuindo,
os de futura sentença de procedência do mérito.
Aplica-se ao processo de homologação de sentença
estrangeira o disposto no parágrafo 7° do artigo 273, do Código de
Processo Civil, que trata da fungibilidade entre medida cautelar e
antecipatória. Assim sendo, ainda que o autor requeira medida cautelar
quando, na verdade, a medida tenha natureza antecipatória, ou vice-
versa, poderá o Relator ou o Pres
Dito isso, cumpre destacar que a homologação de sentença
assim, mérito próprio22. De fato, o mérito do processo de homologação de
20 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo Cautelar. 23ª ed. São Paulo: Leud, 2006. p.
speito, MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de
79. 21 MARINONI, Luiz Guilherme. Antecipação da Tutela. 9ª ed. São Paulo: RT, 2006. p. 131. 22 O mérito do processo estrangeiro e do processo brasileiro de homologação de sentença estrangeira não se confundem, até mesmo porque será homologável, inclusive, sentença estrangeira terminativa, ou seja, que sequer tenha examinado o mérito daquele processo. Isso porque, dentre outros possíveis efeitos, a sentença terminativa pode condenar o vencido ao reembolso de despesas processuais e honorários advocatícios ou ao pagamento de sanção pecuniária, fazendo emergir o interesse do vencedor em executá-la. Nesse caso, se procedente o processo de homologação, será prolatada sentença com julgamento do mérito, que curiosamente consistirá na homologação de sentença estrangeira que extinguiu o processo de origem sem julgamento do mérito. Vide, a esse re
A Homologação de Sentença Estrangeira de Acordo com a Resolução n° 09/05 do STJ
sentença estrangeira não se confunde com o mérito do processo
estrangeiro que ensejou a prolação da sentença homologanda. Nesta
sede, o mérito do processo de homologação de sentença estrangeira
consiste na chamada atribuição ou, mais tecnicamente, importação de
efeitos à sentença estrangeira, ou seja, está em permitir que a eficácia
original da sentença estrangeira se projete no território nacional.
É por essa razão que a decisão proferida pelo E. STJ que
homologa sentença estrangeira é sempre constitutiva, independentemente
da natureza da sentença homologanda (declaratória, condenatória,
constitutiva ou, ainda, para aqueles que admitem a classificação quinária,
executiva lato sensu ou mandamental). Isso porque a sentença
homologatória irá sempre criar uma situação jurídica nova, notadamente
possibilitar que a sentença estrangeira produza seus regulares efeitos no
Brasil23.
Diante disso, a concessão de tutela antecipada pelo Superior
Tribunal de Justiça implicará a antecipação dos efeitos de futura decisão
que julgar procedente o mérito do processo de homologação. Em outras
palavras, será antecipada a permissão para que algum ou alguns dos
efeitos da sentença estrangeira se produzam imediatamente no território
nacional.
Cabe questionar se o parágrafo 3o abrange todas as
modalidades de tutela antecipada - inclusive a chamada tutela de
evidência (artigo 273, II, do CPC) e a tutela antecipada baseada na
“incontrovérsia do pedido” (artigo 273, parágrafo 6o), ou apenas aquela
calcada na urgência (artigo 273, I, do CPC). Com efeito, entendemos que
o texto da norma se mostra extremamente claro ao aludir a “tutela de
Rel. Min. Gilson Dipp, julgado em 18/10/06, disponível no endereço eletrônico: www.stj.gov.br
Processo Civil. Vol. V. Op. cit., p. 67. Vide, Outrossim, SEC 507/EX, Corte Especial, STJ,
. 23 MOREIRA. José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. V. Op. cit., p. 92.
A Homologação de Sentença Estrangeira de Acordo com a Resolução n° 09/05 do STJ
urgência”, sendo certo que a clareza do texto legal consiste em limite
interpretativo irretorquível ao operador do Direito. Isso posto, a nosso
ver, quis o STJ permitir apenas a concessão de tais providências quando
houver risco iminente. Assim sendo, refere-se a Resolução apenas à
hipótese de tutela antecipada consagrada no artigo 273, inciso I, do
Código de Processo Civil .
o prazo e apresentada a contestação, será
competente o Ministro da Corte Especial designado para a relatoria, após
a distribuição do processo.
e contestação,
mantém-se a competência do Presidente do STJ para a apreciação de
eventuais medidas urgentes requeridas pelos interessados.
dida poderá ser revista pelo
presidente ou pelo relator a qualquer tempo, nos termos do artigo 273,
parágrafo 4°, do Código de Processo Civil.
homologação de sentença estrangeira verificar a presença dos requisitos
24
Caberá ao Presidente do E. Superior Tribunal de Justiça
apreciar o pedido de concessão de tutela de urgência na fase inicial de
todos os processos de homologação, ou seja, antes do decurso do prazo
para contestar. Decorrido
Decorrido in albis o prazo para a apresentação d
A medida antecipatória conce
7. Requisitos da Homologação de Sentença Estrangeira
No Brasil, incumbe ao Tribunal competente para a
24 De lege ferenda, reputamos de todo conveniente que por ocasião da inserção do regramento no Regimento Interno do STJ, passe a ser admitida a concessão de tutela antecipada sob suas diferentes modalidades. Isso porque a sentença estrangeira homologanda consiste em ato emanado da autoridade estrangeira competente, não sendo mais passível de modificação no país de origem. Assim sendo, caso se some a esse fator uma das hipóteses autorizadoras da concessão de tutela antecipada, consideramos recomendável o cabimento da medida. Com efeito, caso a impugnação do requerido seja meramente protelatória ou, inclusive, torne incontroverso o pedido de homologação, mostra-se de todo justificável a concessão de tutela antecipada, ponderando-se sempre, de outra parte, o periculum in mora inverso decorrente do deferimento da medida. De fato, entendemos que a solução ora defendida mostra-se mais consentânea como ideal de celeridade valorizado pela Emenda Constitucional n° 45/04, que deslocou a competência para o E. STJ, razão pela qual a reputamos mais adequada do que a opção constante da atual redação do parágrafo 3° do artigo 4° da Resolução.
A Homologação de Sentença Estrangeira de Acordo com a Resolução n° 09/05 do STJ
legais necessários para a homologação, não sendo autorizado o reexame
do mérito da ação estrangeira25. Trata-se do chamado juízo de delibação
(giudizio di delibazione).
rior
Tribunal de Justiça cuidou de estabelecê-los na Resolução n° 09/0526.
em naqueles cuja presença obsta a homologação do julgado
alienígena27.
7.1. Requisitos positivos
.1. Ato estrangeiro emanado de autoridade
competente
O Regimento Interno do STF estabelecia os requisitos
necessários para a homologação de sentença estrangeira, sendo certo
que, com o advento da Emenda Constitucional n° 45/04, o E. Supe
A Resolução n° 09/05 do STJ mantém essencialmente os
requisitos previstos no artigo 217 do Regimento Interno do STF. Abalizada
doutrina pátria já traçava, na vigência da norma anterior, a classificação
dos requisitos da homologação em positivos e negativos. Os requisitos
positivos são aqueles cuja presença afigura-se indispensável para que seja
homologada a sentença estrangeira. Os requisitos negativos, de sua
parte, consist
7.1
25 Sobre a distinção entre o mérito da ação estrangeira e o mérito da ação de homologação de sentença estrangeira, vide item precedente. 26 Cumpre registrar o pertinente questionamento suscitado em sede doutrinária a respeito da constitucionalidade da previsão dos requisitos em sede de ato administrativo. Com efeito, abalizada doutrina já ponderava, antes mesmo da Emenda Constitucional n° 45/04, que a Constituição Federal, ao prever a competência do STF para a homologação de sentença estrangeira, estabelecia a sua competência normativa somente no que concerne a "processo e julgamento", ou seja, ao rito do processo de homologação, o que não abarca a previsão dos requisitos indispensáveis que, por isso, devem ser estabelecidos por lei. A Emenda Constitucional n° 45/04, por sua vez, possui texto legal ainda mais sucinto, não fazendo referência nem mesmo à competência normativa do STJ, mantendo, assim, a atualidade da crítica outrora tecida pela doutrina. No entanto, tendo em vista que a Resolução n° 09/05 do STJ reproduz, em linhas gerais, os requisitos previstos na Lei de Introdução ao Código Civil, assim como fazia o RISTF, a questão da constitucionalidade perde eficácia prática, uma vez que todos os requisitos previstos no ato administrativo têm, em última análise, suporte legal. A esse respeito, vide MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. V. Op. cit. pp. 58-59 e 89-90. 27 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. V. Op. cit.
A Homologação de Sentença Estrangeira de Acordo com a Resolução n° 09/05 do STJ
A Resolução n° 09/05 do STJ prevê os requisitos positivos em
seu artigo 5°. O inciso I exige que a sentença estrangeira tenha sido
proferida por autoridade competente. Com efeito, o artigo 15, alínea “a”,
da Lei de Introdução ao Código Civil, assim como o artigo 217, inciso I, do
RISTF dispõem de forma semelhante, aludindo, contudo, a juiz
competente.
Nesse passo, verifica-se que a Resolução do STJ procurou
corrigir imprecisão técnica, ao aludir à autoridade competente, uma vez
que, conforme exposto anteriormente, são homologáveis os atos
estrangeiros decretados não apenas por juízes, ou seja, por membros
integrantes do Poder Judiciário do país de origem, mas por outras
autoridades administrativas, religiosas ou, inclusive, tribais, desde que
sejam competentes para a prática do ato, de acordo com a legislação
alienígena aplicável. Diante disso, forçoso convir que a menção a
autoridade competente mostra-se mais correta.
Todavia, substancialmente, manteve a Resolução o requisito
outrora exigido, sendo necessário, portanto, que o ato estrangeiro tenha
emanado da autoridade estrangeira competente, segundo a lei do país de
origem.
Insta observar que cabe ao E. Superior Tribunal de Justiça, no
exercício do juízo de delibação, apenas verificar se foi observada a
competência internacional. Vale dizer, competirá ao Judiciário brasileiro
examinar se a matéria poderia ter sido solucionada por autoridade de país
estrangeiro (competência concorrente; artigo 88, do CPC) ou se configura
competência exclusiva da Justiça brasileira, de acordo com o artigo 89, do
Código de Processo Civil. Neste último caso, a sentença estrangeira não
poderá ser homologada, uma vez que a questão somente poderia ser
dirimida pelo Judiciário brasileiro.
A Homologação de Sentença Estrangeira de Acordo com a Resolução n° 09/05 do STJ
Sendo a competência concorrente, a princípio, não caberá ao
Superior Tribunal de Justiça analisar a legislação interna do país de
origem, a fim de averiguar se a autoridade estrangeira que decretou o ato
homologando se afigura competente para a sua prática. Com efeito, em
regra, não incumbe ao Judiciário brasileiro zelar pela correta aplicação da
legislação interna de país estrangeiro, mormente se o ato homologando
não é mais passível de modificação de acordo com a legislação do país de
origem28.
Assim sendo, somente em casos excepcionais de manifesta
incompetência da autoridade estrangeira será razoável admitir que o E.
STJ deixe de homologar a sentença alienígena. O eminente processualista
José Carlos Barbosa Moreira entende que, nessa hipótese excepcional,
será autorizado ao Judiciário brasileiro invocar a cláusula da ordem pública
como óbice à homologação do julgado estrangeiro, tendo em vista que o
processo no exterior não terá conferido o mínimo de garantias às partes29.
Indo além, sendo a competência concorrente, exige-se seja
demonstrada a submissão voluntária das partes à jurisdição estrangeira,
em detrimento da nacional, de acordo com o disposto nos artigos 321 e
322 do Código de Bustamante, internalizado pelo Decreto n° 18.871, de
13 de agosto de 1929. Desse modo, caberá ao requerente demonstrar que
ambas as partes do processo estrangeiro concordaram com o julgamento
da causa pela autoridade estrangeira.
28 No mesmo viés de orientação posiciona-se Guilherme Pena de Moraes, in verbis: "Vale dizer: ao Supremo Tribunal Federal [antes da EC 45/04], ao apreciar o pedido de homologação, não cabe verificar se a sentença foi proferida por órgão que, de acordo com a ordem normativa do Estado na qual foi prolatada, disponha de competência especial ou interna para tanto, mas, ao reverso, à Corte Suprema cumpre examinar se, em conformidade com as normas brasileiras sobre competência internacional, veiculadas pelos arts. 88 e 89, do Código de Processo Civil, a jurisdição a que se encontra vinculado o órgão que exarou a sentença possuía competência geral ou internacional para fazê-lo." (Homologação de Sentença Estrangeira à Luz da Jurisprudência do STF. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2002. p. 34 - sem colchetes no original) 29 "Problemas Relativos a Litígios Internacionais". Temas de Direito Processual. 5ª Série. São Paulo: Saraiva, 1994. pp. 139-162.
A Homologação de Sentença Estrangeira de Acordo com a Resolução n° 09/05 do STJ
Poderá a submissão ser expressa, o que resta demonstrado a
partir da existência de cláusula de eleição de foro, ou tácita, aferível a
partir de atos praticados pelas partes que atestem a sua concordância
com o julgamento pela autoridade estrangeira, tais como a manifestação
do réu nos autos do processo estrangeiro, salvo se a manifestação cingir-
se a declinar a competência da autoridade estrangeira, eis que, nesse
caso, estará o réu justamente opondo-se ao julgamento da causa pelo
Judiciário de outro país. Do mesmo modo, será inadmissível a submissão
tácita, em caso de revelia, uma vez que o réu sequer terá se manifestado
regularmente nos autos.
7.1.2. Citação regular. Decretação da revelia
O inciso II do artigo 5° da Resolução em comento
praticamente reproduz a redação contida na alínea “b” do artigo 15 da Lei
de Introdução ao Código Civil, assim como no inciso II do artigo 217 do
RISTF. Assim é que dispõe o inciso II ser exigida a comprovação, pelo
autor da ação de homologação, de que as partes foram regularmente
citadas no processo estrangeiro ou haver-se legalmente verificado a
revelia.
Primeiramente, merece ser observado que a Resolução do STJ
manteve o emprego inadequado da conjunção alternativa “ou”, que já
constava nos diplomas anteriores. Isso porque, na verdade, a decretação
da revelia do réu depende justamente de sua prévia e regular citação,
sendo, nesse caso, cumulativos os requisitos. Com feito, uma vez citado o
réu e deixando ele de apresentar contestação no prazo legal, será
legalmente decretada a revelia. Por outro lado, a ausência de citação
válida impede a decretação da revelia do réu30.
Em prosseguimento, cumpre aduzir que, caso a citação do
processo estrangeiro tenha sido realizada no exterior, prevalece o
30 MORAES, Guilherme Pena de. Homologação de Sentença Estrangeira. Op. cit., p. 38.
A Homologação de Sentença Estrangeira de Acordo com a Resolução n° 09/05 do STJ
princípio da lex fori, devendo ser observada a lei em vigor naquele país
estrangeiro. Todavia, caso a citação tenha sido realizada em país diverso
daquele onde esteve em curso o processo que ensejou a sentença
homologanda, prevalecerá o princípio da lex diligentiae, segundo o qual
deverá ser aplicada a lei do local onde a citação foi realizada.
Assim sendo, caso a parte citada no processo estrangeiro
esteja domiciliada no Brasil, deve ser observada a legislação brasileira. A
esse respeito, o E. Superior Tribunal de Justiça vem mantendo, em linhas
gerais, o entendimento outrora esposado pelo E. Supremo Tribunal
Federal. De fato, o E. STJ entende que a citação de pessoa domiciliada no
Brasil deve ser feita através de carta rogatória, sendo inválida sua
realização através de affidavit ou outras formas de citação admitidas em
legislações estrangeiras31.
No entanto, caso o réu do processo estrangeiro, domiciliado no
Brasil, venha a promover a ação de homologação de sentença estrangeira
perante o Superior Tribunal de Justiça, deve ser considerado preenchido o
requisito exigido no inciso II do artigo 5° da Resolução do STJ, ainda que,
a rigor, a sua citação naquele processo pudesse ser considerada inválida à
luz da legislação pátria. Isso porque, se o próprio réu daquele processo
possui interesse em executar a sentença estrangeira no Brasil, razão não
há para invocar requisito legal criado justamente para proteger os seus
interesses.
31 Nesse passo, merece transcrição o seguinte trecho de recente julgado do STJ, litteris: “Processual Civil. Sentença Judicial Estrangeira Contestada. Homologação. Réu domiciliado no Brasil. Ausência de Citação Válida. Carta Rogatória. Imprescindibilidade. 1. A citação da pessoa jurídica nacional, domiciliada no Brasil, opera-se via rogatória. 2. Submetendo as partes a convocação do demandado conforme a Convenção Interamericana, promulgada pelo Decreto Legislativo 93/95, que impõe equivalência formal da citação, impunha-se a carta rogatória no afã de se considerar válida a vocatio in iudicium da pessoa jurídica brasileira e, a fortiori, a subseqüente decretação da revelia. 3. Deveras, a homologação da Sentença Estrangeira pressupõe a obediência ao contraditório consubstanciado na convocação inequívoca realizada alhures. In casu, o processo correu à revelia, e não há a prova inequívoca da convocação, restando cediço na Corte que a citação por rogatória deve deixar estreme de dúvidas que a comunicação chegou ao seu destino." (SEC 842/EX, STJ, Corte Especial. Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 20/09/06, disponível no endereço eletrônico: www.stj.gov.br)
A Homologação de Sentença Estrangeira de Acordo com a Resolução n° 09/05 do STJ
Coerentemente, o E. Superior Tribunal de Justiça entendeu
que, estando o réu em local ignorado, será válida a citação feita por
edital, seguida da nomeação de curador especial, razão pela qual deve ser
considerado preenchido o requisito exigido no inciso II do artigo 5°32.
O E. Superior Tribunal de Justiça manifestou o posicionamento
no sentido de que a carta rogatória, expedida nos autos de processo
estrangeiro em curso, para a citação de réu domiciliado no Brasil não
consiste na sede adequada para questionar a competência relativa da
Justiça estrangeira, pois não ofende a ordem pública tampouco a
soberania nacional. Essa matéria somente poderá ser argüida e apreciada
pela Justiça brasileira por ocasião da instauração do processo de
homologação de sentença estrangeira, no exercício do juízo de
delibação33.
7.1.3. Trânsito em julgado
O inciso III do artigo 5° da Resolução n° 09/05 do STJ prevê o
trânsito em julgado da sentença estrangeira como requisito indispensável
à homologação. O citado dispositivo omite a parte final constante do inciso
III do artigo 217 do RISTF, que exige que a sentença estrangeira, além de
transitada em julgado, se revista das formalidades necessárias à sua
execução no lugar onde foi proferida.
Inobstante o silêncio da norma, entendemos que a sentença
estrangeira que não seja passível de execução no país de origem, por não
observar as formalidades exigidas no ordenamento jurídico daquele local, 32 SEC 57/DF, Corte Especial, STJ, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 15/03/06. Disponível no endereço eletrônico: www.stj.gov.br. 33 AgRg na CR 500/EX, Corte Especial, STJ, Rel. Min. Barros Monteiro, julgado em 30/06/06. "Hipótese de competência relativa da Justiça brasileira, não impedindo a concessão da ordem a recusa do interessado a submeter-se à Justiça rogante. Precedentes do STF. Não cabe examinar, no cumprimento de cartas rogatórias, as questões de fundo envolvidas na ação em trâmite na Justiça rogante. A simples citação da empresa para responder à ação intentada perante a Justiça estrangeira não apresenta situação de afronta à soberania nacional e à ordem pública." No mesmo sentido, vide: Edel na CR 807/EX, Corte Especial, STJ, Rel. Min. Barros Monteiro, julgado em 02/08/06, disponível no endereço eletrônico: www.stj.gov.br.
A Homologação de Sentença Estrangeira de Acordo com a Resolução n° 09/05 do STJ
não poderá ser executada no Brasil. Nesta hipótese, entendemos,
portanto, que minus dixit lex quam voluit.
Isso porque a homologação de sentença estrangeira visa a
importar, para o âmbito interno, os efeitos - todos ou alguns deles - que a
sentença estrangeira possui o condão de produzir em seu país de origem.
Diante disso, se a sentença estrangeira homologanda não está apta a
produzir quaisquer efeitos no país de origem, por deixar de se revestir das
formalidades necessárias, logo, não há efeitos a serem importados, não
podendo, por isso, ser homologada. Do contrário, o E. Superior Tribunal
de Justiça estaria, na verdade, atribuindo à sentença estrangeira (novos)
efeitos, que não poderiam sequer ser produzidos no país de origem. Tal
entendimento afrontaria toda a sistemática da homologação de sentença
estrangeira, ultrapassando a noção de cooperação jurídica internacional,
na medida em que, a partir da atuação do Judiciário brasileiro, a sentença
estrangeira produziria mais efeitos no Brasil (exterior) do que em seu
próprio país de origem.
Tecidas tais considerações, mister reiterar que o conceito de
sentença estrangeira homologável é abrangente, abarcando outros atos
emanados de autoridades políticas, religiosas e tribais, e não apenas de
membros do Poder Judiciário do país de origem. Diante disso, o conceito
técnico de trânsito em julgado, que pressupõe a existência de sentença
judicial revestida da qualidade de coisa julgada material, deve ser
temperado.
De fato, o inciso III deve ser interpretado no sentido de exigir
que o ato estrangeiro homologando, seja qual for a sua natureza, não seja
mais passível de modificação segundo a lei do país de origem. Com isso,
compatibiliza-se o teor do inciso III com o disposto no parágrafo 1° do
artigo 4°, antes analisado, que reconhece ser homologável provimento
não judicial estrangeiro que, no Brasil, teria conteúdo de sentença.
A Homologação de Sentença Estrangeira de Acordo com a Resolução n° 09/05 do STJ
Com efeito, o E. Supremo Tribunal Federal adotara
posicionamento flexível a respeito da comprovação do trânsito em julgado
da sentença homologanda34, ao admitir que, em alguns ordenamentos
jurídicos, tais como o dos Estados Unidos, a prova do arquivamento do
processo consiste em elemento indicativo suficiente do trânsito em
julgado no país de origem. O E. Superior Tribunal de Justiça vem
mantendo o entendimento firmado pelo STF, conforme se depreende dos
julgados proferidos35.
Diante da exigência do trânsito em julgado no inciso III,
conclui-se não ser admissível a execução provisória - ou, tecnicamente, o
cumprimento provisório - de julgado estrangeiro no Brasil36.
Não obsta a homologação de sentença estrangeira transitada
em julgado a existência de processo em curso perante o Judiciário
brasileiro sobre a mesma questão. Em outras palavras, não há
litispendência no âmbito internacional (artigo 90 do CPC).
Por outro lado, tendo a sentença brasileira transitado em
julgado antes da homologação da sentença estrangeira, esta não deverá
ser homologada, sob pena de violar a soberania nacional37.
7.1.4. Autenticação pelo cônsul brasileiro e tradução por
tradutor público oficial ou juramentado no Brasil
34 Conforme SE 3.995/EP, STF, Rel. Min. Rafael Mayer, julgado em 11/03/88, disponível no endereço eletrônico: www.stf.gov.br. 35 Nesse sentido, vide SEC 756/EX, Corte Especial, STJ, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 19/06/06; e SEC 32/EX, Corte Especial, STJ, Rel. Min. Fernando Gonçalves, julgado em 05/10/05, disponíveis no endereço eletrônico: www.stj.gov.br. 36 No mesmo sentido. MORAES. Guilherme Pena de. Homologação de Sentença Estrangeira. Op. cit., p. 41. 37 O STJ proferiu interessante julgado, no qual entendeu que estando em vigor liminar concedida pela Justiça brasileira que conflite com o teor da sentença estrangeira, esta não deverá ser homologada, por ofender a soberania nacional. SEC 819/EX, STJ, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, julgado em 30/06/06, disponível no endereço eletrônico: www.stj.gov.br.
A Homologação de Sentença Estrangeira de Acordo com a Resolução n° 09/05 do STJ
O inciso IV do artigo 5o da Resolução n° 09/05 exige que a
sentença estrangeira homologanda esteja autenticada pelo cônsul
brasileiro e traduzida por tradutor público juramentado no Brasil. O RISTF
exigia o preenchimento de tais requisitos no inciso IV do artigo 217.
A tradução para o vernáculo da sentença estrangeira já
encontrava previsão no artigo 15, alínea “c”, da Lei de Introdução ao
Código Civil. De igual sorte, os artigos 156 e 157 do Código de Processo
Civil prevêem o uso do vernáculo nos atos processuais, determinando a
tradução para a língua portuguesa de documentos redigidos em idioma
estrangeiro que venham a ser juntados aos autos.
Assim sendo, vem a Resolução do STJ ratificar exigência que
já era consagrada em outros diplomas.
7.2. Requisitos negativos. Ofensa à soberania nacional
ou à ordem pública
Os requisitos negativos, que, estando presentes, obstam a
homologação da sentença estrangeira pelo E. Superior Tribunal de Justiça
encontram-se previstos no artigo 6o da Resolução n° 09/05. Trata-se da
ofensa à soberania nacional ou à ordem pública.
O artigo 17 da Lei de Introdução ao Código Civil bem como o
artigo 216 do RISTF referem-se, ainda, à ofensa aos bons costumes, que
não foi expressamente contemplada no artigo 6o da Resolução do STJ.
Bons costumes consistem em valores essenciais à vida dos povos cultos
no que se refere precipuamente à moral38.
Todavia, entendemos que, inobstante a ausência de menção
expressa, a sentença estrangeira que ofenda aos bons costumes não
deverá ser homologada pelo STJ. De fato, a observância aos bons
38 MORAES. Guilherme Pena de. Op. cit., p. 46. O autor recorre ao magistério de Clóvis Beviláqua ao formular o conceito.
A Homologação de Sentença Estrangeira de Acordo com a Resolução n° 09/05 do STJ
costumes está inserta no conceito maior de ordem pública, o qual abarca
princípios fundamentais de ordem econômica, jurídica, social e, inclusive,
moral do país onde será executada a sentença estrangeira39.
Ratificando o entendimento ora esposado, cabe ressaltar que o
E. Superior Tribunal de Justiça continua invocando, em seus julgados40, a
observância aos bons costumes como requisito para a homologação de
sentença estrangeira, o que demonstra que a sua omissão no texto da
Resolução n° 09/05 não importa em sua desconsideração.
A soberania nacional, por seu turno, consiste na autoridade
que possui o Estado, no meio em que é constituído, quanto às relações
que regula, não reconhecendo poder superior ou concorrente ao seu41.
8. Contestação
O artigo 8° da Resolução n° 09/05 dispõe que a parte
interessada será citada, a fim de apresentar contestação no prazo de 15
(quinze) dias.
O Regimento Interno do E. Supremo Tribunal Federal regulava
a citação no parágrafo 1° do artigo 220, prevendo que a citação do réu
para contestar o processo de homologação deverá ser realizada mediante
39 Nesse sentido, leciona Carmen Tibúrcio, in verbis: "Embora não se tenha chegado a uma lista definitiva apta a impedir o reconhecimento de decisões estrangeiras, há certo consenso no sentido de que o conceito compreende princípios fundamentais jurídicos, econômicos, morais e sociais do foro em que se pretenda executar a sentença." ("A Ordem Pública na Homologação de Sentenças Estrangeiras". Processo e Constituição. Estudos em Homenagem ao Professor José Carlos Barbosa Moreira. São Paulo: RT, 2006. p. 211) 40 Vide SEC 573/EX, Corte Especial, STJ, Rel. Min. José Delgado, julgado em 01/08/06; e SEC 829/EX, Corte Especial, STJ, Rel. Min. José Delgado, julgado em 15/02/06, disponíveis no endereço eletrônico: www.stj.gov.br. 41 MORAES, Guilherme Pena. Op. cit., p. 43. No mesmo viés de orientação, assim define o conceito de soberania o constitucionalista José Afonso da Silva, litteris: "Soberania significa poder político supremo e independente, como observa Marcello Caetano: supremo, porque 'não está limitado por nenhum outro na ordem interna', independente, porque, 'na ordem internacional, não tem de acatar regras que não sejam voluntariamente aceitas e está em pé de igualdade com os poderes supremos dos outros povos'." (Curso de Direito Constitucional Positivo. 22ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 104)
A Homologação de Sentença Estrangeira de Acordo com a Resolução n° 09/05 do STJ
a expedição de carta de ordem para citação por oficial de justiça, se o réu
for domiciliado no Brasil, ou, se domiciliado o réu no exterior, mediante a
expedição de carta rogatória.
Embora a Resolução n° 09/05 não regule expressamente a
citação, entendemos serem aplicáveis as regras antes descritas, em razão
do princípio da lex fori, uma vez que o interessado será citado para
contestar a ação de homologação que se encontra em curso no Brasil.
Diante disso, deverá ser expedida carta rogatória, se domiciliado o réu no
exterior, ou carta de ordem, se domiciliado no Brasil.
Caso o país onde esteja domiciliado o réu se recuse a dar
cumprimento à carta rogatória de citação, tal hipótese equipara-se à do
réu que se encontra em local ignorado, permitindo, assim, a expedição de
edital de citação, na forma do artigo 231, parágrafo 1°, do Código de
Processo Civil.
Decretada a revelia ou sendo o réu incapaz, deverá ser
nomeado curador especial, conforme previsto no parágrafo 3° do artigo 9°
da Resolução.
A Resolução do STJ impõe restrições à matéria impugnável, o
que não pode ser considerado uma inovação, tendo em vista que o
Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, em seu artigo 221,
dispunha no mesmo sentido.
Com efeito, o artigo 9o estabelece que a defesa somente
poderá versar sobre a autenticidade dos documentos apresentados pelo
autor, a inteligência da decisão homologanda e a observância dos
requisitos previstos na própria Resolução, notadamente aqueles insertos
nos artigos 5° e 6°, examinados nos itens precedentes.
A previsão de impugnação do réu sobre a “inteligência da
decisão” merece algumas ponderações. Refere-se a norma, em verdade, à
A Homologação de Sentença Estrangeira de Acordo com a Resolução n° 09/05 do STJ
inteligibilidade42 da sentença estrangeira homologanda. Em outras
palavras, deve a sentença estrangeira ser minimamente clara e
compreensível para que possa ser homologada.
Diante disso, cabe ao réu alegar apenas que a sentença
homologanda não se mostra minimamente clara, ou seja, que o seu
comando, a ser executado no Brasil, mostra-se absolutamente
incompreensível e equívoco. Isso porque, a todas as luzes, se a sentença
estrangeira se mostra manifestamente contraditória ou incompreensível,
torna-se inviável a sua adequada execução no território nacional, pois o
seu texto não oferece um grau mínimo de segurança e clareza43.
A inteligibilidade da sentença homologanda não se confunde
em absoluto com o fato de tal decisão comportar interpretações quanto ao
seu cumprimento. Até mesmo porque uma decisão manifestamente
incompreensível e contraditória não permite sequer a formulação de
interpretações plausíveis e minimamente sustentáveis. A inteligibilidade
situa-se, portanto, em patamar antecedente e consiste em pressuposto
para a formulação de interpretações possíveis acerca do comando da
sentença.
Nesse caso, em que a sentença homologanda afigura-se
compreensível (inteligível), embora comporte interpretações diversas,
esta poderá ser homologada pelo STJ. Somente em momento posterior,
por ocasião de seu cumprimento perante a Justiça Federal, quando já
estiver homologada a sentença estrangeira, será autorizado ao réu
suscitar o debate acerca da interpretação mais adequada. Isso porque ao
42 "Inteligibilidade - Qualidade do que é inteligível, do que pode ser compreendido, compreensibilidade."Inteligível - que se compreende bem, que é fácil de entender; claro, compreensível." (HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p. 1.631) 43 Afigura-se importante que os interessados se certifiquem se o que se mostra incompreensível, na verdade, é a tradução para o vernáculo da sentença estrangeira, e não propriamente a sentença homologanda em sua redução original. Nesse caso poderá a parte impugnar a tradução e até mesmo, apresentar uma nova tradução realizada por outro tradutor público juramentado, preenchendo, assim, o requisito ora analisado.
A Homologação de Sentença Estrangeira de Acordo com a Resolução n° 09/05 do STJ
Superior Tribunal de Justiça, no processo de homologação, não compete
interpretar a decisão estrangeira, decidindo a forma como deverá ser
executada perante a Justiça Federal, mas apenas exercer o juízo de
delibação, examinando a presença dos requisitos exigidos. Desse modo,
cumprirá ao STJ homologar a sentença estrangeira, cabendo à Justiça
Federal, em momento posterior, decidir acerca das medidas adequadas
para o seu fiel cumprimento (artigo 12 da Resolução).
9. Réplica
O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal previa
expressamente a abertura de prazo de 5 (cinco) dias para réplica, no
parágrafo 2° do artigo 221.
A Resolução n° 09/05 não alude à réplica. Inobstante isso,
entendemos que, em homenagem ao contraditório (artigo 5°, inciso LV,
da CF), será cabível a apresentação de réplica pela parte autora no prazo
de 5 (cinco) dias, em razão do disposto no artigo 327 do Código de
Processo Civil, aplicável ao processo de homologação de sentença
estrangeira.
10. Atuação do Ministério Público
Será obrigatória a atuação do Ministério Público Federal como
custos legis no processo de homologação de sentença estrangeira,
conforme disposto no artigo 10 da Resolução n° 09/05 do STJ.
Verificando o órgão do Ministério Público Federal que a
sentença estrangeira não atende os requisitos indispensáveis para a sua
homologação, poderá apresentar impugnação. Tal prerrogativa justifica-se
em razão de a homologação de sentença estrangeira encerrar valores de
suma importância, como a soberania nacional e a ordem pública,
transcendendo, assim, o interesse privado das partes diretamente
envolvidas.
A Homologação de Sentença Estrangeira de Acordo com a Resolução n° 09/05 do STJ
Tratando-se de sentença estrangeira concessiva de alimentos,
atuará o Ministério Público Federal, ainda, na qualidade de “instituição
intermediária” prevista no artigo II, n° 2, da Convenção de Nova Iorque,
c/c o artigo 26 da Lei Federal n° 5.478/68, cabendo-lhe promover a
homologação do julgado alienígena44.
11. Recurso
Prevê o artigo 11 da Resolução n° 09/05 o cabimento de
agravo regimental contra as decisões proferidas pelo Presidente do STJ na
homologação de sentença estrangeira.
O agravo regimental será cabível não apenas contra o
provimento final do Presidente do STJ que homologar ou não a sentença
estrangeira, mas contra todas as decisões por ele proferidas ao longo do
processo de homologação, inclusive contra a decisão que apreciar o
pedido de concessão de tutela de urgência, prevista no parágrafo 3° do
artigo 5° da Resolução. Isso porque o artigo 11 prevê o cabimento de
recurso contra as decisões na homologação de sentença estrangeira,
deixando claro, com isso, o cabimento de recurso contra todas as decisões
monocráticas proferidas ao longo do processo.
Embora o citado dispositivo refira-se às decisões proferidas
pelo Presidente do Superior Tribunal de Justiça, entendemos que será
igualmente cabível agravo regimental contra as decisões proferidas
monocraticamente pelos Ministros Relatores, nos processos em que tenha
havido contestação da parte interessada ou impugnação do Ministério
Público.
Isso porque, uma vez contestada a ação e distribuída para um
dos Ministros integrantes da Corte Especial, se torna o relator competente
para exercer naquele processo a função de direção do processo, função
44 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. V. Op. cit., p. 87.
A Homologação de Sentença Estrangeira de Acordo com a Resolução n° 09/05 do STJ
esta que compete ao Presidente do STJ no julgamento das ações não
contestadas. Diante disso, não há razão plausível para negar a
recorribilidade das decisões proferidas monocraticamente pelos Ministros
Relatores e colocá-las a salvo de revisão pela Corte Especial.
O agravo regimental deverá ser interposto pela parte
interessada no prazo de 5 (cinco) dias e será julgado pela Corte Especial
do STJ, conforme artigo 15, inciso I, c/c o artigo 258, do RISTJ.
12. Conclusão
A Resolução n° 09/05 do STJ manteve, em linhas gerais, a
disciplina prevista no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal
relativa ao processo de homologação de sentença estrangeira. A
jurisprudência do E. STJ vem demonstrando, igualmente, a sua tendência
a prestigiar o entendimento pacificado pelo STF no trato da matéria.
Talvez o E. STJ devesse ter ousado um pouco mais no trato de
algumas questões, procedendo a modificações, principalmente no que
tange à competência do Presidente da Corte. Com efeito, considerando-se
que a previsão da competência do STJ para a homologação de sentença
estrangeira encontra-se prevista na EC n° 45/04, a mesma que
estabeleceu a garantia da duração razoável do processo, decerto a
manutenção da competência do Presidente do Tribunal Superior para o
julgamento de todos os processos de homologação em que não haja
contestação ou impugnação compromete o ideal de celeridade. Do mesmo
modo, a distribuição dos processos de homologação contestados apenas
para os Ministros integrantes da Corte Especial tampouco contribui para o
alcance dessa finalidade.
No entanto, tendo em vista que a Resolução n° 09/05 regula a
matéria em caráter provisório, ainda resta a expectativa de que, ao
disciplinar a matéria em seu Regimento Interno, o E. STJ disponha
diversamente.
A Homologação de Sentença Estrangeira de Acordo com a Resolução n° 09/05 do STJ
Por fim, como principal modificação trazida pela Resolução n°
09/05 pode ser apontada a admissibilidade da concessão de tutela de
urgência pelo Presidente do Tribunal ou pelo Ministro Relator. De fato, tal
medida se coaduna com o escopo de celeridade que inspirou a edição da
Emenda Constitucional n° 45/04.
Todavia, independentemente da concessão de tutela de
urgência nos casos em que for cabível, espera-se que, com a previsão da
competência do STJ, todos os processos de homologação de sentença
estrangeira recebam tratamento ágil e sejam julgados em tempo razoável,
representando um verdadeiro avanço, como foi o ideal perquirido pelo
constituinte derivado e como esperam os operadores do Direito e os
jurisdicionados.