16
  A SITUAÇÃO ATUAL DA FILOSOFIA DA SOCIEDADE E AS TAREFAS  DE UM INSTITUTO DE PESQUISA SOCIAL  * MAX HORKHEIMER Embora a filosofia da sociedade esteja no centro do interesse filosófico geral, a  sua situação não é melhor daquela que caracteriza hoje a maior parte das  pesquisas filosóficas e dos esforços intelectuais e teóricos em geral. Ninguém  mais consegue encontrar uma definição conceitual de ordem conteudística que  possa aspirar a ter uma validade universal. Considerando a situação atual da  ciência, na qual são colocados em questão os limites tradicionais entre cada  disciplina isolada, e não sabemos ainda como esses limites serão traçados no  próximo futuro, parece inoportuno tentar definições definitivas dos diversos  campos de pesquisas. E no entanto os conceitos da filosofia social, que são hoje  difundidos, podem ser resumidos em poucas linhas. O seu objetivo final seria a  interpretação filosófica do destino dos homens, enquanto não são apenas  indivíduos, mas membros de uma sociedade. Por isso, a filosofia social deve  ocupar-se sobretudo daqueles fenômenos que somente podem ser entendidos em  conexão com a vida social dos homens: no Estado, no Direito, na Economia, na  Religião, ou seja, em toda a cultura material e espiritual da humanidade. A filoso fi a da sociedade, assim conc eb ida, se desenvolveu na história do idealismo  alemão clássico, tanto que se tornou um trabalho fundamental da filosofia. Os  seus resultados mais brilhantes se acham junto às partes mais eficazes do  sistema hegeliano. Não que a filosofia antes de Hegel não se esforçasse em  aprofundar temas da filosofia social: as obras-primas de Kant contêm as teorias  filosóficas da ciência, do direito, da arte e da religião. Mas esta filosofia soci al se  baseava na filosofia da pessoa individual: aquelas regiões da realidade eram  consideradas como pro je tos da pe ssoa autônoma. Se gu ndo a filosofia de Kant, a  unidade fechada do indivíduo ra ci onal é a única fo nte dos princ íp ios cons ti tutivos  de cada esfera cultural: a essência da cultura e as suas articulações podem ser  entendidas somente a partir da dinâmica da pessoa, a partir dos modos originais  

HORKHEIMER, Max. a Situação Atual Da Filosofia Da Sociedade e as Tarefas de Um Instituto de Pesquisa Social

  • Upload
    star

  • View
    217

  • Download
    1

Embed Size (px)

DESCRIPTION

A situação atual da Filosofia da sociedade e as tarefas de um instituto de pesquisa social.

Citation preview

Page 1: HORKHEIMER, Max. a Situação Atual Da Filosofia Da Sociedade e as Tarefas de Um Instituto de Pesquisa Social

7/21/2019 HORKHEIMER, Max. a Situação Atual Da Filosofia Da Sociedade e as Tarefas de Um Instituto de Pesquisa Social

http://slidepdf.com/reader/full/horkheimer-max-a-situacao-atual-da-filosofia-da-sociedade-e-as-tarefas 1/16

A SITUAÇÃO ATUAL DA FILOSOFIA DA SOCIEDADE E AS TAREFA DE UM INSTITUTO DE PESQUISA SOCIAL *

MAX HORKHEIMER

Embora a filosofia da sociedade esteja no centro do interesse filosófico geral, a sua situação não é melhor daquela que caracteriza hoje a maior parte das pesquisas filosóficas e dos esforços intelectuais e teóricos em geral. Ninguém mais consegue encontrar uma definição conceitual de ordem conteudística que possa aspirar a ter uma validade universal. Considerando a situação atual da

ciência, na qual são colocados em questão os limites tradicionais entre cada disciplina isolada, e não sabemos ainda como esses limites serão traçados no próximo futuro, parece inoportuno tentar definições definitivas dos diversos campos de pesquisas. E no entanto os conceitos da filosofia social, que são hoje difundidos, podem ser resumidos em poucas linhas. O seu objetivo final seria a interpretação filosófica do destino dos homens, enquanto não são apenas indivíduos, mas membros de uma sociedade. Por isso, a filosofia social deve ocupar-se sobretudo daqueles fenômenos que somente podem ser entendidos em

conexão com a vida social dos homens: no Estado, no Direito, na Economia, na Religião, ou seja, em toda a cultura material e espiritual da humanidade.A filosofia da sociedade, assim concebida, se desenvolveu na história do idealismo alemão clássico, tanto que se tornou um trabalho fundamental da filosofia. Os seus resultados mais brilhantes se acham junto às partes mais eficazes do sistema hegeliano. Não que a filosofia antes de Hegel não se esforçasse em aprofundar temas da filosofia social: as obras-primas de Kant contêm as teorias filosóficas da ciência, do direito, da arte e da religião. Mas esta filosofia social se baseava na filosofia da pessoa individual: aquelas regiões da realidade eram consideradas como projetos da pessoa autônoma. Segundo a filosofia de Kant, a unidade fechada do indivíduo racional é a única fonte dos princípios constitutivos de cada esfera cultural: a essência da cultura e as suas articulações podem ser entendidas somente a partir da dinâmica da pessoa, a partir dos modos originais

Page 2: HORKHEIMER, Max. a Situação Atual Da Filosofia Da Sociedade e as Tarefas de Um Instituto de Pesquisa Social

7/21/2019 HORKHEIMER, Max. a Situação Atual Da Filosofia Da Sociedade e as Tarefas de Um Instituto de Pesquisa Social

http://slidepdf.com/reader/full/horkheimer-max-a-situacao-atual-da-filosofia-da-sociedade-e-as-tarefas 2/16

da atividade do "eu" espontâneo (natural). Embora a filosofia de Kant tenha muitos cuidados ao identificar o sujeito autônomo com o indivíduo empírico, todavia, do seu ponto de vista a essência de cada ser racional pode conter todos os fatores que criam a cultura. Não existem estruturas ontológicas mais amplas

que pertençam somente a uma totalidade suprapessoal que possam ser descobertas apenas no todo social e a qual devemos nos sujeitar; a afirmação da sua existência seria dogmática, aquele que agisse em função destas estruturas, agiria de maneira heterônoma. Nos "Princípios metafísicos da doutrina do direito" se diz que a pessoa moral "não pode ser sujeita a nenhuma outra lei a não ser aquela que ela mesma (ou sozinha, ou ao menos no mesmo tempo com outros) se dá" (1).O idealismo pós-Kantiano desenvolveu o tema da conexão entre a razão autônoma e o indivíduo empírico. É verdade que a tensão entre o homem finito e o "eu" entendido como exigência infinita apareça ainda na primeira filosofia de Fichte, que se configura como uma reflexão voltada ao mesmo "eu". O eterno dever-ser, o imperativo de cumprir a nossa destinação humana brota nas profundezas da subjetividade. A dimensão específica da filosofia é ainda aquela da reflexão do sujeito sobre si. Mas Hegel liberou esta autoreflexão da introspecção, em cujas bases estava arraigada e mandou para história o problema da nossa essência, o problema do sujeito autônomo que cria a cultura: é no trabalho da história que ele se dá uma forma objetiva.Para Hegel a estrutura do espírito objetivo, que realiza na história os conteúdos culturais do espírito absoluto, ou seja, a arte, a religião e a filosofia, não emerge mais da análise crítica da pessoa, mas da lógica dialética universal; o seu curso e as suas ações não são frutos de decisões livres do indivíduo, mas do espírito dos povos hegemônicos, que se sucedem através das lutas da história. A destinação do particular se cumpre no destino do universal; a essência, o conteúdo da

substância do indivíduo não se manifesta nas suas ações individuais, mas na vida do todo ao qual pertence. Com Hegel o idealismo transformou-se assim, nas suas partes essenciais, numa filosofia social, a compreensão filosófica da totalidade coletiva na qual vivemos e que constitui o terreno para as criações da cultura absoluta e que agora está junto ao conhecimento do senso do nosso próprio ser no seu verdadeiro valor e conteúdo.

Page 3: HORKHEIMER, Max. a Situação Atual Da Filosofia Da Sociedade e as Tarefas de Um Instituto de Pesquisa Social

7/21/2019 HORKHEIMER, Max. a Situação Atual Da Filosofia Da Sociedade e as Tarefas de Um Instituto de Pesquisa Social

http://slidepdf.com/reader/full/horkheimer-max-a-situacao-atual-da-filosofia-da-sociedade-e-as-tarefas 3/16

Permitam-me que eu me detenha um instante sobre este pensamento hegeliano! A situação atual da filosofia da sociedade pode ser explicada, em princípio, com o seu desaparecimento e com a impossibilidade de reconstruí-la sem regredir em relação ao estado atual do conhecimento. Hegel confiou a realização do propósito

racional ao espírito objetivo, em última instância, ao espírito do mundo; o desenvolvimento deste espírito se apresenta na forma de um confronto entre as "idéias concretas", os "espíritos dos povos", os quais - "testemunhas e ornamentos da sua magnificência"- promulgam, em sucessão necessária, os mundos da história universal (2). Este desenvolvimento se completa independentemente do fato de que os indivíduos, no seu modo de agir histórico, conheçam e desejem-no; o desenvolvimento tem a sua própria lei. E todavia Hegel - como o iluminismo francês e o liberalismo inglês - faz a análise dos interesses individuais, dos impulsos e das paixões dos homens, consideradas forças motrizes reais. Por isso os grandes homens são induzidos a agir a partir dos seus interesses pessoais. "Estes indivíduos satisfazem por primeiro a si mesmos: não agem em absoluto para satisfazer aos outros"(3). Certamente "no mundo deles, eles são os mais espertos, aqueles que melhor sabem o que se deve fazer: e o que fazem e aquilo que é feito"(4) Mas na história nada se realizou sem o interesse daqueles que colaboraram com a suas atividades(5). Certamente aquela lei racional de desenvolvimento se serve "astutamente" tanto dos interesses dos grandes homens, quanto daqueles da massa, para atuar. E como, segundo Hegel, esta lei explica a história passada apenas indiretamente, enquanto sua explicação imediata está na luta dos interesses, o mesmo acontece para o processo da vida da sociedade contemporânea. Referindo-se aos economistas liberais Smith, Say e Ricardo, Hegel explica como o todo é mantido em vida pelo "fervilhar dos desejos"(6) que resulta dos esforços com quais os indivíduos procuram satisfazer as próprias necessidades. "Na sociedade civil",

lê-se na Filosofia do Direito, "qualquer um tem por finalidade realizar-se a si mesmo e qualquer outra coisa que não seja isso não significa nada para ele (para o indivíduo). Mas, sem relacionar-se com os outros, ele não tem como conseguir alcançar sua auto-realização: portanto, esses outros são os meios para a realização pessoal de cada indivíduo. Mas o objetivo da realização individual, mediante o relacionamento com os outros, se dá na forma da universalidade e se

Page 4: HORKHEIMER, Max. a Situação Atual Da Filosofia Da Sociedade e as Tarefas de Um Instituto de Pesquisa Social

7/21/2019 HORKHEIMER, Max. a Situação Atual Da Filosofia Da Sociedade e as Tarefas de Um Instituto de Pesquisa Social

http://slidepdf.com/reader/full/horkheimer-max-a-situacao-atual-da-filosofia-da-sociedade-e-as-tarefas 4/16

apaga enquanto contribui junto ao "bem estar" dos outros (7). Assim, e não de outra maneira, pode existir o Estado segundo Hegel: condicionado diretamente pela luta dos interesses da sociedade.Mas se a história e o Estado em seu devir dos desejos sempre emergem do

"fervilhar do desejo", se a história empírica deve ocupar-se de uma seqüência de sofrimento e morte, de estupidez e de infâmia, se a existência finita perece com tormentos indescritíveis e a história pode ser comparada ao "matadouro, no qual foram conduzidos ao sacrifício a fortuna dos povos, a sabedoria dos estados e a virtude dos indivíduos" (8), a filosofia nos eleva acima deste ponto de vista empírico. Lemos de fato na "Lições sobre Filosofia da História": "Aquilo que, ao contrário, tem o nome de realidade, vem considerado pela filosofia como qualquer coisa de inconsistente, que pode ter uma aparência, mas que não é real em si e por si. Esta noção serve, para, por assim dizer, de conforto contra a idéia da absoluta infelicidade e loucura de tudo aquilo que aconteceu. O conforto porém não é mais do que a compensação por um mal que não deveria ter acontecido e que tem seu lugar na realidade finita. A filosofia não é portanto, um conforto: ela é mais que isso, ela reconcilia o real, que parece injusto, com o racional, transforma o real em racional, faz ver como o real tem o seu próprio fundamento na razão e como deve, por isso, satisfazer a razão"(9). Logo a "transformação" ou "sublimação" da qual fala Hegel é precisamente obra daquela teoria segundo a qual a verdadeira essência do homem não existe na pura interioridade e no destino real dos indivíduos finitos, mas se afirma na vida dos povos e se realiza no Estado. O pensamento que mantém na história universal esta essência substancial, a idéia, faz parecer filosoficamente irrelevante o perecer do indivíduo, e o filósofo pode até declarar: "O particular é muito pouco importante comparado com o universal: os indivíduos são sacrificados e abandonados cada um ao seu destino. A idéia paga o tributo da existência e da transitoriedade, não do seu

bolso, mas com as paixões dos indivíduos" (Philosophie der Weltgeschichte, p83 [pp. 98-99]). Somente na medida em que o indivíduo participa do todo no qual vive - ou melhor: somente na medida em que o todo vive no indivíduo, o indivíduo é real, porque a vida do todo é a vida do espírito. O todo no sentido eminente é o Estado. O Estado não existe em função dos cidadãos; "poderia-se dizer que ele (o Estado) é o fim e aqueles são os seus instrumentos" (ibid.,p.9I

Page 5: HORKHEIMER, Max. a Situação Atual Da Filosofia Da Sociedade e as Tarefas de Um Instituto de Pesquisa Social

7/21/2019 HORKHEIMER, Max. a Situação Atual Da Filosofia Da Sociedade e as Tarefas de Um Instituto de Pesquisa Social

http://slidepdf.com/reader/full/horkheimer-max-a-situacao-atual-da-filosofia-da-sociedade-e-as-tarefas 5/16

[p.I05]).Segundo Hegel o indivíduo finito só pode adquirir a consciência conceitual da própria liberdade no Estado através da especulação idealística. Nesta mediação Hegel viu a função essencial da própria filosofia, e, portanto, da filosofia em geral,

identificando-a com aquela transfiguração do real "que parece injusto". Quando, na Alemanha, o prestígio do seu sistema, caiu, aproximadamente na metade do século passado, a sociedade era caracterizada por uma estrutura individualista e por uma confiança eufórica do futuro; neste clima, a metafísica do espírito objetivo foi substituída pela fé imediata na harmonia preestabelecida dos interesses particulares. Parecia que a mediação entre a existência empírica do indivíduo e a consciência da sua liberdade no todo social, não necessitava de alguma filosofia, sendo suficiente, para este propósito, o progresso retilíneo completado pela ciência positiva, pela técnica e pela indústria. Mas esta fé foi sendo cada vez mais traída, e a metafísica, desprezada, teve sua vingança. Abandonado pela convicção filosófica de ter a sua verdadeira realidade na idéia divina encarnada no todo, o indivíduo viu no mundo aquele "fervilhar dos desejos" do qual havia falado Hegel e, em si mesmo, nada mais que um "tributo da existência e da transitoriedade". O olhar indiferente e positivo, direto, sobre cada fato singular e imediato, não podia mais descobrir qualquer astúcia da razão, sob a superfície das vontades individuais inimigas entre si, na penúria recorrente, na infâmia da vida cotidiana e no terror da história; e o maior adversário de Hegel, Schopenhauer, viveu a aurora da sua filosofia anti-histórica, pessimista e benevolente.A convicção que cada indivíduo participa da vida eterna do espírito, em virtude do seu pertencer a uma daquelas unidades históricas autônomas que constituem, na sua dialética, a história universal, esta concepção dedicada a resgatar o singular do infame ciclo do tornar-se ser e da morte, tinha desaparecido junto com o

idealismo objetivo. O sofrimento e a morte dos indivíduos arriscavam-se em aparecer na sua nudez privada de sentido - derradeiros fatos em uma época que acreditava somente nos fatos. Quando se aprofunda a contradição entre o princípio da forma individualista de vida, ou seja , entre o progresso ininterrupto da felicidade dos indivíduos no interior do espaço social, de um lado, e as perspectivas das situações reais desses indivíduos, do outro, a filosofia, e

Page 6: HORKHEIMER, Max. a Situação Atual Da Filosofia Da Sociedade e as Tarefas de Um Instituto de Pesquisa Social

7/21/2019 HORKHEIMER, Max. a Situação Atual Da Filosofia Da Sociedade e as Tarefas de Um Instituto de Pesquisa Social

http://slidepdf.com/reader/full/horkheimer-max-a-situacao-atual-da-filosofia-da-sociedade-e-as-tarefas 6/16

especialmente a filosofia da sociedade, é invocada cada vez mais freqüentemente a fim de que desenvolva aquela função importante que lhe destinou Hegel - e a filosofia da sociedade escutou esse apelo.Da prudente teoria do neokantismo de Marburgo, segundo qual o homem não é

somente um indivíduo, mas é "elemento e membro de inúmeras pluralidades", e "os ciclos da sua existência" se fecham somente na totalidade (10), até as doutrinas filosóficas do presente, segundo as quais - como em Hegel - o sentido da existência humana é realizado somente nas unidades suprapessoais da história (quer se trate da classe, do Estado ou da nação), de Hermann Cohen até a Othmar Spann, nos últimos decênios foram propostos sistemas de filosofia social dos mais diversos tipos. As últimas tentativas filosóficas de dar um novo fundamento à filosofia moral e do direito diferentemente do positivismo, também concordam quase que exclusivamente pelo esforço de mostrar que a realidade não se reduz aos dados de fato positivamente provados, mas que existe também uma esfera superior e autônoma - uma esfera da realidade, ou ao menos da validade, do valor ou do dever-ser - , da qual participam os homens finitos, mas que por sua vez, não pode ser reduzida ao âmbito dos fenômenos naturais. E portanto, exprimem, também elas (as tentativas filosóficas), a exigência de uma nova filosofia do espírito objetivo. Se estes aspectos se reconhecem até na teoria do direito de Kelsen, individualista e relativista, eles estão presentes de forma mais acentuada ainda na filosofia formalista do valor da escola alemã sul-ocidental, e também na teoria fenomenológica de Adolf Reinach, segundo a qual as "figuras jurídicas"- por exemplo a propriedade, a promessa, a pretensão do direito etc. - são outras tantas essências e constituem cada uma o "objeto" de uma intuição própria e específica. A ética material dos valores de Scheler, a sua teoria segundo a qual os valores existem em si, terminou vinculando-se conscientemente à filosofia do espírito objetivo através de seu expoente mais

interessante, Nicolai Hartmann. O próprio Scheler havia já proposto a teoria dos espíritos nacionais, ainda antes que fosse publicada a ética de Hartmann (11).Parece que todos estes esboços da filosofia social contemporânea têm em comum a intenção de abrir aos olhos do indivíduo humano uma esfera suprapessoal, que é mais essencial, tem mais sentido e mais substância do que sua existência. Realizam portanto aquela "transfiguração" que é a função atribuída por Hegel à

Page 7: HORKHEIMER, Max. a Situação Atual Da Filosofia Da Sociedade e as Tarefas de Um Instituto de Pesquisa Social

7/21/2019 HORKHEIMER, Max. a Situação Atual Da Filosofia Da Sociedade e as Tarefas de Um Instituto de Pesquisa Social

http://slidepdf.com/reader/full/horkheimer-max-a-situacao-atual-da-filosofia-da-sociedade-e-as-tarefas 7/16

filosofia. Então na única obra da filosofia moderna que se recusa radicalmente a ser uma filosofia social e que, ao invés, descobre o ser autêntico somente no interior da singular existência humana, em "Ser e Tempo" de Heidegger, a "Sorge", o cuidado ocupa uma posição central. Não, esta filosofia da existência

humana individual não transfigura, no sentido Hegeliano do termo. O ser humano é somente o ser-pela-morte, a pura finitude: é uma filosofia melancólica. Talvez me seja permitido dizer que hoje a filosofia da sociedade vem ao encontro do desejo de dar um novo sentido a uma vida frustrada na sua aspiração individual à felicidade. Configura-se como uma parte daqueles esforços filosóficos e religiosos que almejam devolver a existência sem perspectivas do indivíduo ao seio - ou "horizonte dourado", como diz Sombart - de uma totalidade dotada de sentido.Mas - senhoras e senhores - se esta é a situação da filosofia da sociedade, nos seja permitido indicar onde está a sua carência. Como vimos, hoje a filosofia social tem sobretudo uma relação polêmica com o positivismo. Este último não veria outro caso senão o individual; e portanto, na esfera da sociedade, veria somente o indivíduo e as relações entre os indivíduos, tudo se reduziria a dados de fato. A filosofia não coloca em dúvida estes fatos verificados com os meios da análise científica; mas contrapõe a eles - mais ou menos construtivamente - idéias, essências, totalidades, esferas autônomas do espírito objetivo, unidades de sentido e espíritos nacionais concebidos que ela considera ser formas, não apenas mais originais como, "mais autênticas" do ser. A descoberta, no positivismo, de certos pressupostos metafísicos indemonstráveis parece à filosofia social uma justificação suficiente para superá-lo nesta direção. Acontece assim que, na polêmica, por exemplo, com a escola de Vilfredo Pareto - que adota um conceito positivista da realidade e que assim a obriga a negar a existência de classe, da nação, da humanidade - comparam-se os mais diversos pontos de vista pelos quais se afirma tal existência, apresentando-se cada um deles como uma

"outra" Weltanschauung , uma "outra" metafísica ou uma "outra" consciência, sem que seja possível uma decisão válida. Talvez se dirá que existam vários conceitos

da realidade, que é possível procurar qual é a origem destes diversos conceitos da realidade, a quais sentidos da vida correspondem, a quais grupos sociais, mas que não existem razões objetivas para se preferir um mais do que outro.Atualmente, para nós, a carência que deve ser superada realmente está neste

Page 8: HORKHEIMER, Max. a Situação Atual Da Filosofia Da Sociedade e as Tarefas de Um Instituto de Pesquisa Social

7/21/2019 HORKHEIMER, Max. a Situação Atual Da Filosofia Da Sociedade e as Tarefas de Um Instituto de Pesquisa Social

http://slidepdf.com/reader/full/horkheimer-max-a-situacao-atual-da-filosofia-da-sociedade-e-as-tarefas 8/16

mal-estar da filosofia da sociedade, que a induz a falar do seu argumento, da vida cultural dos homens, somente em termos de Weltanschauung , de tese, de dogmas, e a reduz a diferença que existe entre as doutrinas sociais de Auguste Comte, de Karl Marx, de Max Weber e de Max Scheler a uma diferença entre atos

de fé ou confissões muito mais do que a diferenças entre teorias verdadeiras, falsas ou ainda problemáticas. Atualmente a presença e a adoção contemporânea de diversos conceitos da realidade é certamente uma característica da situação atual da vida espiritual em geral, mas estes diversos conceitos se referem de vez em quando a diversos campos do saber e a diversas esferas da vida, e portanto, não vertem sobre um único e mesmo mundo de objetos. Assim as categorias constitutivas da filologia e da física podem hoje afastarem-se a ponto de parecerem inconciliáveis; mas - como se sabe - no interior da própria física, ou melhor, no interior de todo o complexo das ciências inorgânicas da natureza, não existe efetivamente a tendência a elaborar conceitos da realidade entre suas incompatibilidades; pelo contrário. Aqui o corretivo é dado pelo trabalho de pesquisa conduzido concretamente sobre o objeto.Seria fácil objetar que a filosofia da sociedade não é uma ciência particular e que tal é, ao invés, a sociologia material, que se ocupa das formas determinadas da socialização. Esta disciplina estuda os diversos modos concretos nos quais os homens vivem juntos, todos os tipos de associação: da família aos grupos econômicos e das associações políticas até ao Estado e à humanidade. Nesta disciplina - como por exemplo, na economia política - estaria a possibilidade de decidir de modo concreto; mas a sociologia não tem nada a dizer nem sobre o grau de realidade destes fenômenos, nem sobre seus valores: esta última função seria ao contrário própria da filosofia da sociedade. Nas questões fundamentais que ela aborda estão contidos juízos absolutos, mas não houve nenhuma descoberta de verdades universalmente válidas que pudesse ser inserida no

desenvolvimento de pesquisas amplas e complexas.Esta opinião se fundamenta num conceito da filosofia que não é mais sustentável. Ainda que se tracem os limites entre a sociologia como disciplina pura e especializada e a filosofia da sociedade - e eu acredito que um certo grau de arbítrio seria de qualquer maneira inevitável - , uma coisa e certa: se o pensamento filosófico sobre a relação do indivíduo com a sociedade, sobre o

Page 9: HORKHEIMER, Max. a Situação Atual Da Filosofia Da Sociedade e as Tarefas de Um Instituto de Pesquisa Social

7/21/2019 HORKHEIMER, Max. a Situação Atual Da Filosofia Da Sociedade e as Tarefas de Um Instituto de Pesquisa Social

http://slidepdf.com/reader/full/horkheimer-max-a-situacao-atual-da-filosofia-da-sociedade-e-as-tarefas 9/16

sentido da cultura, sobre o fundamento da formação das comunidades, sobre a estrutura geral da vida social, ou seja, sobre problemas de monta e de princípio, fosse uma espécie de sedimento deixado no reservatório dos problemas sociais, uma vez retirados aqueles problemas que podem ser desenvolvidos nas pesquisas

concretas, a filosofia da sociedade ainda poderia de certo desempenhar uma função social (por exemplo aquela da sublimação) mas perderia toda fertilidade intelectual. A relação entre as disciplinas filosóficas e cada disciplina científica individual correspondente, não pode ser entendida no sentido de que a filosofia trata os problemas decisivos e construa teorias não contestáveis pelas ciências empíricas, sendo seus conceitos da realidade, sistemas que abarcam a totalidade, enquanto ao contrário, a pesquisa empírica recolha os seus dados particulares com um trabalho longo, tedioso, que se despedaça em milhares de problemas parciais, para chegar enfim no caos da especialização. Esta concepção, segundo a qual o pesquisador deve considerar a filosofia como um exercício talvez bonito, mas cientificamente estéril, porque inverificável, enquanto o filósofo se emancipa da pesquisa particular, uma vez acreditando que mesmo as mais importantes decisões não podem esperar os seus resultados, hoje está superada pela idéia de uma contínua, fecunda inter relação dialética entre a teoria filosófica e a prática da ciência particular. Exemplos positivos neste sentido são oferecidos pelas relações que transcorrem entre a filosofia da natureza e a ciência da natureza, ou em geral ou, também, no interior das ciências puras da natureza. A especialização caótica não é superada pelas precárias sínteses dos resultados da pesquisa específica, enquanto do outro lado, o objetivo de uma empiria sem preconceitos e imparcial não pode ser alcançado por aqueles que procuram reduzir a zero o elemento teórico; ocorre ao invés que a filosofia - ou seja, a intenção teórica dirigida ao universal, ao "essencial" - deve estar em condições de solicitar e animar as pesquisas particulares, e ao mesmo tempo, seja

suficientemente aberta para deixar-se por sua vez influenciar e transformar-se pelo progresso dos estudos concretos.Na nossa opinião, a carência da filosofia social à qual indicamos não pode ser contrária nem à profissão de fé numa interpretação mais ou menos construtiva da vida cultural, nem à determinação de um novo significado da sociedade, do Estado, do direito, etc. Segundo o meu julgamento - que certamente é

Page 10: HORKHEIMER, Max. a Situação Atual Da Filosofia Da Sociedade e as Tarefas de Um Instituto de Pesquisa Social

7/21/2019 HORKHEIMER, Max. a Situação Atual Da Filosofia Da Sociedade e as Tarefas de Um Instituto de Pesquisa Social

http://slidepdf.com/reader/full/horkheimer-max-a-situacao-atual-da-filosofia-da-sociedade-e-as-tarefas 10/16

compartilhado por outros - , se trata ao invés de organizar, sobre a base dos problemas filosóficos atuais, pesquisas em que deveriam participar filósofos, sociólogos, economistas, historiadores, psicólogos, pesquisas aonde todos esses estudiosos fizessem, em comum, aquilo que em outros campos um indivíduo

podia fazer sozinho num laboratório e que todos os verdadeiros pesquisadores tem sempre feito: procurem resolver os seus problemas - problemas filosóficos, fundamentais - com a ajuda dos métodos científicos mais refinados, transformem os mesmos problemas no decorrer do trabalho conduzido concretamente sobre o objeto, os especifiquem, descobrindo novos métodos, e todavia não percam nunca de vista o universal. Neste modo as respostas às perguntas filosóficas não se reduzirão jamais a um "sim" ou a um "não", mas estes mesmos problemas serão inseridos dialéticamente no processo da ciência empírica, uma vez que a sua solução está no progresso do conhecimento real, que vem a influir sobre a sua própria forma. Na doutrina da sociedade este método não pode ser praticado por um único indivíduo: seja porque o material é muito abundante, seja também por causa da variedade das ciências auxiliares indispensáveis. Para tanto não foram suficientes nem mesmo os esforços "herculanos" de um Max Scheler.Nesta situação, pode-se considerar perfeitamente justificado o fato que a cátedra que na nossa universidade esta associada à direção do Instituto pela pesquisa social seja transformada numa cátedra de filosofia da sociedade e transferida para a Faculdade de Filosofia. Carl Grünberg havia dirigido o Instituto com a missão de ensinar uma disciplina especializada, a economia política. Aceitando o trabalho novo, difícil e importante de colocar um grande aparato de pesquisa empírica ao serviço dos problemas da filosofia social, eu senti toda a distância incomensurável que separa o grande estudioso, cujo nome é pronunciado com respeito e gratidão extrema pelos especialistas de todo o mundo, deste jovem desconhecido que deve tomar o seu lugar. A sua duradoura doença faz parte

daqueles absurdos da vida individual que revelam a impotência da sublimação filosófica. Fiel aos seus interesses no instituto - interesses muito precisos, radicados na tradição da escola histórica da economia política - Grünberg dedicou-se sobretudo a história do movimento operário. Graças ao seu amplíssimo conhecimento da literatura especializada do mundo inteiro, conseguiu recolher não só um rico material de arquivo, mas também uma biblioteca

Page 11: HORKHEIMER, Max. a Situação Atual Da Filosofia Da Sociedade e as Tarefas de Um Instituto de Pesquisa Social

7/21/2019 HORKHEIMER, Max. a Situação Atual Da Filosofia Da Sociedade e as Tarefas de Um Instituto de Pesquisa Social

http://slidepdf.com/reader/full/horkheimer-max-a-situacao-atual-da-filosofia-da-sociedade-e-as-tarefas 11/16

especializada, única no seu gênero, e que hoje conta com aproximadamente cinqüenta mil volumes, e dos quais, os estudantes da nossa universidade e muitos estudiosos alemães e estrangeiros fazem amplo uso. As publicações do Instituto consistem exclusivamente de obras as quais importantes e influentes

estudiosos das mais diversas orientações reconheceram um alto valor científico.Agora, se depois dos longos anos de doença do diretor, me preparo para entregar novos trabalhos à atividade do Instituto, me são de grande ajuda não só a experiência dos seus colaboradores e os tesouros literários recolhidos, mas também o regulamento do Instituto - preparado por ele com medidas decisivas - , segundo o qual o diretor, nomeado pelo ministro, é plenamente independente "em todos os sentidos (...), seja a respeito da administração ou dos fundadores" e que - como costumava dizer Grünberg - não institui um governo colegial, mas uma "ditadura do diretor". Assim ser-me-á possível utilizar tudo o que ele criou, para instaurar - ao menos em âmbito restrito, e em comum com os meus colaboradores - uma ditadura do trabalho planificado, em condições de desenvolver uma teoria da sociedade onde a construção filosófica não seja mais dissociada da pesquisa empírica. É em consideração a esta possibilidade, igualmente importante para a filosofia e para a pesquisa empírica, e não porque me proponho fazer desta última uma "ancilla philosophiae", que aceitei o compromisso de dirigir este Instituto na qualidade de filósofo, no sentido esclarecido pelo meu mestre Hans Cornélius.Mas agora alguns de vocês desejarão saber alguma coisa mais precisa: como é possível aplicar estas idéias concretamente? De que modo serão realizadas na prática? Agora não posso, no tempo que tenho aqui à disposição, entrar nestes particulares tanto quanto seria necessário para que vocês pudessem fazer uma idéia bastante clara dos planos de trabalho que o Instituto está se propondo a realizar. Para concluir, gostaria somente de adicionar um exemplo que ilustra a

possibilidade de aplicar tudo aquilo de que falei - e não um exemplo arbitrário, pensado para esta ocasião, mas um exemplo que diz respeito diretamente àquele problema que deverá constituir, num futuro próximo, o fio condutor do trabalho coletivo do Instituto.Não só no interior da filosofia da sociedade no sentido estrito, mas também no âmbito da sociologia, como naquele da filosofia geral, pouco a pouco as

Page 12: HORKHEIMER, Max. a Situação Atual Da Filosofia Da Sociedade e as Tarefas de Um Instituto de Pesquisa Social

7/21/2019 HORKHEIMER, Max. a Situação Atual Da Filosofia Da Sociedade e as Tarefas de Um Instituto de Pesquisa Social

http://slidepdf.com/reader/full/horkheimer-max-a-situacao-atual-da-filosofia-da-sociedade-e-as-tarefas 12/16

discussões sobre a sociedade se cristalizaram sempre mais claramente em torno a um problema que não tem somente caráter de atualidade, mas é também a versão atual dos problemas filosóficos muito antigos e importantes: o problema da conexão que subsiste entre a vida econômica da sociedade, o desenvolvimento

psíquico dos indivíduos e as mudanças que têm lugar nas esferas culturais em sentido restrito - aos quais não pertencem somente os assim chamados conteúdos espirituais da ciência, da arte e da religião, mas também o direito, os costumes, a moda, a opinião pública, o esporte, as formas de divertimento, o estilo de vida, etc. A intenção de estudar as relações entre estes três campos não é outro que uma formulação, mais adequada aos métodos disponíveis e ao estado do nosso saber, do velho problema da conexão entre a existência particular e a razão universal, entre a realidade e a idéia, entre a vida e o espírito; só que este velho tema vem agora a propósito colocado numa nova constelação de problemas.É verdade, este argumento é freqüentemente objeto de reflexões metafísicas (vide a Sociologia della Conoscenza, de Scheler), ou todavia se estabelece, de propósito, qualquer tese geral mais ou menos dogmática - ou seja se toma, habitualmente, uma das teorias surgidas historicamente e, simplificando-a passa-se a usá-la para combater todas as outras. Por exemplo, se explica que a economia e o espírito são expressões diversas de uma substância idêntica: e é um spinozismo mal interpretado. Ou então, se afirma que as idéias, os conteúdos "espirituais" irrompem na história e determinam o agir humano, constituem o momento primeiro, enquanto a vida material é secundária, derivada; o mundo e a história se fundem no espírito: e é um Hegel mal entendido, abstratamente. Ou vice versa, se acredita naquilo que segue: a economia, ou seja, o ser material, é a única verdadeira realidade; a psique dos homens, a personalidade como direito, a arte, a filosofia, devem ser derivadas inteiramente da economia, são um

simples reflexo da economia; e é um Marx entendido no modo abstrato, e então mal compreendido. Agora, prescindindo do fato que estes testes exprimem uma separação acrítica, envelhecida e extremamente problemática do espírito da realidade, atribuindo ingenuamente a esta separação uma característica absoluta, e portanto não sem a superar dialéticamente, tais declarações se isentam de princípio a cada controle, até que são tomadas seriamente nesta sua abstração:

Page 13: HORKHEIMER, Max. a Situação Atual Da Filosofia Da Sociedade e as Tarefas de Um Instituto de Pesquisa Social

7/21/2019 HORKHEIMER, Max. a Situação Atual Da Filosofia Da Sociedade e as Tarefas de Um Instituto de Pesquisa Social

http://slidepdf.com/reader/full/horkheimer-max-a-situacao-atual-da-filosofia-da-sociedade-e-as-tarefas 13/16

todas, indistintamente, conseguem facilmente ter sempre razão. Em geral tais convenções dogmáticas são economizadas pelas particulares dificuldades científicas do problema, pelo fato que - consciente ou inconscientemente - pressupõem uma correspondência constante entre os processos ideais e materiais

e costumam negligenciar ou ignorar completamente a complicada função de mediação que é desenvolvida pelos elementos psíquicos.As coisas mudam se o problema é formulado desta maneira mais precisa: quais conexões são possíveis de apurar - num determinado grupo social, num período determinado, em determinados países - entre a função desenvolvida por este grupo no processo econômico, as mudanças acontecidas na estrutura psíquica dos seus membros, os pensamentos e as instituições que agem sobre este mesmo grupo como totalidade menor no todo social, e que são por sua vez o seu produto? Então se delineia concretamente a possibilidade de dar início a verdadeiros trabalhos de pesquisa - e o Instituto deve entregar-se a eles de propósito. Num primeiro momento pretendemos concentrar (os trabalhos) sobre um grupo social particularmente importante e característico, sobre os operários qualificados e os empregados na Alemanha; depois a pesquisa deverá ser estendida também as classes sociais correspondentes dos outros países europeus de grande desenvolvimento industrial.Resta-me apenas o tempo para indicar, num modo muito resumido e certamente insuficiente, quais são as principais vias que os colaboradores permanentes devem seguir, para recolher, antes de tudo, o material empírico onde estudar as relações em questão. Em primeiro lugar se trata naturalmente de utilizar as estatísticas publicadas, os relatórios de organizações e associações políticas, os materiais das entidades públicas, etc. Este trabalho somente pode ocorrer em conexão com uma contínua análise da situação econômica complexa. Além disso, é necessário um exame sociológico e psicológico da imprensa e da literatura, seja

porque tudo o que se diz a respeito da situação dos grupos estudados tem um interesse intrínseco, seja também porque esta literatura tem uma estrutura categórica particular que lhe permite agir sobre os membros dos grupos. Particular importância envolve também a elaboração de pesquisas aprofundadas (procedimento de estudos) das mais diversas. Entre outros, as nossas pesquisas podem utilizar variadamente os questionários, que podem prestar preciosos

Page 14: HORKHEIMER, Max. a Situação Atual Da Filosofia Da Sociedade e as Tarefas de Um Instituto de Pesquisa Social

7/21/2019 HORKHEIMER, Max. a Situação Atual Da Filosofia Da Sociedade e as Tarefas de Um Instituto de Pesquisa Social

http://slidepdf.com/reader/full/horkheimer-max-a-situacao-atual-da-filosofia-da-sociedade-e-as-tarefas 14/16

serviços, contanto que se tenha sempre presente que não é lícito fazer conclusões indutivas apenas dos questionários, porque seriam prematuras e apressadas. No nosso caso o sentido essencial dos questionários vai em duas direções: em primeiro lugar, eles devem estimular a pesquisa e mantê-la constantemente em

contato com a vida real; em segundo lugar permitir que se controle os conhecimentos adquiridos de outras maneiras e de prevenir possíveis erros. Para a preparação dos questionários a pesquisa social americana já tem concluídos importantes trabalhos preliminares, que intencionamos utilizar e desenvolver mais adiante para os nossos propósitos. Depois devemos nos servir amplamente do método das perícias. Quando é possível aprofundar certos problemas particulares recorrendo à experiência e ao julgamento de pessoas competentes, devemos interpela-las onde quer que elas se encontrem. No mais se tratará de utilizar os conhecimentos dos homens da prática, a fim de que se tornem um fator de progresso da ciência.Um trabalho especial consiste além disso no recolhimento e utilização de documentos que não foram publicados em forma de livro. Para este fim, e precisamente para utilizar cientificamente os arquivos do Escritório Internacional do Trabalho (BIT) de Genebra, particularmente ricos de importantes materiais sociológicos, será constituído nesta cidade um departamento do nosso instituto. [...]Naturalmente a todos estes procedimentos se deve ainda adicionar o estudo metódico dos escritos científicos sobre a matéria, publicados no passado e no futuro.Cada um destes métodos sozinhos é absolutamente insuficiente; todos juntos podem talvez tornarem-se fecundos para a problemática geral, ao longo de anos de paciente e aprofundadas pesquisas, sob condição de que os colaboradores fixos saibam formarem suas próprias idéias não já segundo os próprios desejos, mas levando-se em conta o objeto, saibam evitar decididamente cada forma de

sublimação, e sob condição de que consigamos preservar a intenção unitária do enrijecimento dogmático e do declínio a um nível puramente empírico e técnico.Chego à conclusão. Falando das obras do Instituto, pude somente indicar o trabalho coletivo de pesquisa, sobre os quais deverão se concentrar os nossos esforços nos próximos anos. Mas não devemos esquecer as pesquisas individuais de colaboradores autônomos, que continuarão a trabalhar nos campos da

Page 15: HORKHEIMER, Max. a Situação Atual Da Filosofia Da Sociedade e as Tarefas de Um Instituto de Pesquisa Social

7/21/2019 HORKHEIMER, Max. a Situação Atual Da Filosofia Da Sociedade e as Tarefas de Um Instituto de Pesquisa Social

http://slidepdf.com/reader/full/horkheimer-max-a-situacao-atual-da-filosofia-da-sociedade-e-as-tarefas 15/16

economia teórica, da história econômica e da história do movimento operário. O instituto tem também a função de servir à finalidade didática da universidade; e cumpre esta sua tarefa organizando regularmente cursos, treinamentos e conferências. Estas iniciativas se propõem a integrar o ensinamento universitário,

no sentido que permitem conhecer os trabalhos do Instituto, informam sobre o estado atual das pesquisas e transmitem uma cultura que corresponde às exigências de uma pesquisa social orientada filosoficamente no sentido esclarecido antes.A todas estas obras particulares pude somente falar breve e superficialmente. De outra parte tenho a impressão que por fim esta minha exposição brevíssima dos detalhes tenha enfraquecido a lembrança daquilo que é fundamental. Assim esta preleção quase se torna um símbolo da dificuldade particular que encontra a filosofia social: A dificuldade que se tem de se fundir, a universalidade e o particular, a concepção teórica e a experiência individual. Estou convencido que minha exposição deste ponto de vista foi insuficiente. Mas se posso esperar que me tenham, todavia, seguido com indulgência, peço a vossa benevolência e confiança também para o próprio trabalho. Inaugurando este Instituto, Carl Grünberg disse que cada um, no seu trabalho científico, é guiado por impulsos de ordem ideológica. Que o impulso ideológico que guia o trabalho deste instituto possa ser a vontade inflexível de servir sem reservas a verdade!

Notas:

* "Die gegenwärtige Lage der Sozialphilosophie und die Aufgaben eines Instituts für Sozialforschung" (Frankfurter Universitätsreden 37 [3-16] 1931). Traduzido da versão italiana de Anna Marietti, Gianni Carchia e Giorgio Backhaus, publicada em Horkheimer: Studi di filosofia della società (Turim: Einaudi, 1981, p. 28-43), por Daniela Falavigna e Francisco Rüdiger.

1 - I. KANT, Metaphysische Anfangsgründen der Rechtslebre , in Metaphysik der Sitten,

Sämtliche Werke, Akademieausgabe, vol. 6, p. 223 [trad. It. Principi metafisici della dottrina del diritto , prima parte della Metafisica dei costumi , in Scritti politici , Utet, Torino 1965, p. 393].2 - G. W. F. HEGEL, Grundilinien der Philosophie des Rechts , # 352 [trad. It. Lineamenti di filosofia del diritto , Laterza, Bari 1965, p. 293].3 - ID., Philosophie der Weltgeschichte , ed. Lasson, Leipzig 1920, vol. 1, p. 77 [trad. It.

Page 16: HORKHEIMER, Max. a Situação Atual Da Filosofia Da Sociedade e as Tarefas de Um Instituto de Pesquisa Social

7/21/2019 HORKHEIMER, Max. a Situação Atual Da Filosofia Da Sociedade e as Tarefas de Um Instituto de Pesquisa Social

http://slidepdf.com/reader/full/horkheimer-max-a-situacao-atual-da-filosofia-da-sociedade-e-as-tarefas 16/16

Lezioni sulla filosofia della storia , La Nuova Italia, Firenze 1978, vol. 1, p. 90].4 - Ibid ., p. 76 [p. 89].5 - Ibid.

6 - ID., Grundlinien der Philosophie des Rechts cit., #189 aggiunta [p. 358].

7 - Ibid ., #182 aggiunta [p. 356].8 - ID., Philosophie der Geschichte cit., p. 58 [p.68].9 - Ibid., p. 58 [pp. 65-66].10 - H. COHEN, Ethik des reinen Willens , Berlin 1921, p. 8.11 - M. SCHELER, Probleme eirner Soziologie des Wissens , in ID. (a cura di), Versuche zu einer Soziologie des Wissens , München-Leipzig 1924, p. 13.