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HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

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o método da dialética é oúnico que procede, por meioda destruic áo das hipóteses, acaminho do auténtico princípio,a ~m de tornar seguro os seusresultados, e que realmente ar­rasta aos poucos os olhos daalmada espécie de lodo bárbaro em queestá atolada e eleva-os asalturas,utilizando como auxiliares paraajudar a conduzi-los as artes queanalisamos.(PLATAO)

Caminham os homens, emgeral, por estradas já trilhadas.Aquele que é prudente, dessemodo, deve escolher os caminhosjá percorridos pelos grandeshomens, e copiá-los; sempre muitoaproveitado, ainda que ntio possaseguir ~elmente esse caminho,nem alcanrar inteiramente, pelaimitartio, asvirtudes dos grandes.(MAQUlAVEL)

... e tendo notado que nada hánoeu penso, portante eu sou, quemeassegure dequedigo averdade,exceto que vejo muito claramenteque, para pensar, é preciso existir.(DESCARTES)

•.• O homem ntio é sentio O seuprojeto, só existe na medida emque se realiza, ntio é, portante,nada mais do que o conjunto dosseusatas, nada mais do que a suavida. (SARTRE)

TEXTOS FILOSÓFICOSEM DISCUSSAO

(1)PlataoMaquiave lDescartesSartre

lmpreas ác e Acabamento

~~lIFE SERV ICOS GRÁFICOS lTDA

Rua Francisco Scremtn. [email protected]

www.comunicare.com.br

Gera/do Ba/duino HornGraduado em Filosona, especialistaem

Antropofagia Filosófica, mestreemEdu'a~a.o

(UPPR) e dautor em Filosofia da Educafiíopela USP. É professor de Metodologia ePrático de Ensino de Filosona da UFPR.Entre outros trabalhos é autor das obras:"Filosofia da Edu.cQfiio" (Editora da UFPR);"O Ensino de História e seu currículo" e"Orientafóes paraelaborafiio de projetos emonografias"(EditoraVous).

Anderson de Pau/a BorgesMestreemFilosofia pela USPdesde2004

com dissertafao S<lbre o Teeteta de Platao,doutorandopelaUSP desde2005.professordefilasonano CEP ede Teoriado Conhedmentono SSB, em Cu.ritiba. Pesquisadore professorcolaboradordoNESEF.

Luciana TeixeiraFormada em Filosofia pela UFPR

(1997), licenciada em História tambémpela UFPR (2000). Mes"e em Filosofia daEducaráo pela UFSC (2000). Atua comoProfessora de Filoso{ia da Educaftio naUFPR enoColégio Positivo.Épesquisadora eprofessora colaboradoradoNESEF. Puhlicouem revistas especializadas quatro artigassobre temas filosóficos.

Maria Lúcia AndradeFormadaemFilosofia pelaUFPR; Mestre

em Educapio: História e Historiografiada Educafiio pela UFPR e professora deFilosofia da Faculdade Cenecista de CampoLargo/FACECLA e professora de Filosofj ano Ensino Fundamental e Médio no ColégioCenecistaPresidenteKennedy}. Pesquisadoraeprofessora colaboradora doNESEF.

lvoRibeiro LuskaAcademico de Filosofia e de Direito.

Pesquisador e professor colaborador doNESEF. Foi diretorde[ormacáopolíticaparaos delegados sindicais da Caixa EconómicaFederal no Sindicato dos Bancários deCuritiba(1993-2002).

SandroFernandesFormado em História (UFPR), especia­

lista em lmagens, Linguagens e Bnsíno deHistória (UFPR) e Mestrandoem Educafdo.Prafessor de História e Filosofi a no ColégioPositivo e nas Faculdades Santa Cruz. emCuritiba (PR). É pesquisador e proíessorcolaboradordoNESEF.

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Cera/do Balduino Hom (organiUldor)

SandroFernandesAndersonde Pau/a BorgesMariaLúóa de Andrade

LucianeTeixeira/110 RibeiroLuska

TEXTOS FILOSÓFICOS-EM DISCUSSAO

(1)PlataoMaquiavelDescartesSartre

••el~nco

lA edtcaoCuritiba 2006

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1" eotcác - 2006 •••APRESENTA~ÁO.. . ... . .. . . . .. . .. . .. . .. ... . . .. . .•. .. . .. .. . .••. .. .•. . . .•. . .. . . . . S

INTRODU,ÁO 9

Eilosofia: formacao social e h istórica 9

A filosofia e o conhecimento 11

A filosofia e o cotidiano 13

A leitu ra de obras filosóficas 14

O sentido dos textos filosóficos 17

MI TO DA CAVERNA · PLATÁO .... .. .•. .. ..... .•.......... .•........... 19

Contexto histórico da vida e obra de Plat áo 19

Apresentacéo da ob ra 23

Ind icacéo de filmes 46

O PRÍNCIPE - MAQUlAVEL .. .. .. .. . . .•.. . .•. . ..• . . . . .. . . . . . .. . ..• . . .. •.49

Contexto histórico 49

Apresentacáo da obra 53

Temas 58

Dialogando com o texto 62

Indicacá o de filmes 83

DISCURSO DO MÉTODO · DESCARTES 8S

Contexto histórico 85

Apresentac áo da obra 88

Temas 93

Dialogand o com o texto 85

Ind icacáo de filmes 107

O EXISTENCIALlSMO É UM HUMANISMO · SARTRE .. •.. 111

Contexto histór ico 111

Apresenrac áo da obra 113

A moral da liberdade - ética oo . 115

Conclus áo 138

lndícacáo de filmes 140

i.

i.i .

i.2.

i.3.

i.4.

i.5.I.

I.l.

1.2.

1.3.

11.

IU.JI.2.

JI.3.

JI.4.

JI.5.

111.

JIU .

Jl1.2.

JlI.3 .

Jl1.4.

IJI.5.

IV.

IV.l.

IV.2.

IV.3 .

IV.4.

IV.s .

www.editoraelenco.com .br

ColaboradoresAli ne Martelosso FilusAnita Helena SchlesenerFabio Stange

Capa eProjeto GráfICoSérgio Danie l Avrella

••el~¡:¡co

CDD ( 21°ed.) 100

Sandro FernandesAnderson de Paula BorgesMaria Lúcia de AndradeLuciana TeixeiraIvo Ribeiro Luska

AutoresGeraldo Balduino Horn (org .)gbaldll inO@taw lbmsif,rom .br

DireifQs re" ,rvadas, Naoé permitida a reprodu(aa tora! OIJ pardai deJte jjvro. seja m quo is fore'"os meJosempregadas: meldnicos.. fal"'lrdlicos, gra~<lo. digitals (InternerJOIJ quaisqller autros..

sem pt'rmissdo par escrito da EdifQm.

1. Filosofia. l. Hom , Geraldo Balduino.ü. Fernandes, Sandro.

ISBN 85-60351-00·0978-85-60351 -00-8

Inclui bibliografia.

Dados internacionajsde ((Jtaloga~ao na publjw(ooBibljotecaria responsdvel:MaraRejone Vicente Teixejra

Textos filosóficos em drscussáo ( I ) : Platáo, Maquiavel, Descartes e SartreI Geraldo Balduino Horn (organizador) : Sand ro Fernandes... [et al.]- Curit iba: Editora Elenco, 2006.144p. ; 15x21cm

Page 5: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

APRE5ENTA«;AO

Este livro apresenta em linhas gerai s os principais temas e pro­

blemas tratados em quatro importantes textos da História da Filosofia,

a saber: de PLATÁO, A República: Livro VII - Alegoría da Caverna, deDESCARTES, O Discurso do Método; de MAQUIAVEL, O Príncipe; e deSARTRE OExistencialismo é um Humanismo.

Mais do que urna interpretacáoacabada acercadaquilo que cadafilósofo escreveu em sua obra , os autores apresentam as circuns tancias

histór icas a part ir das quais os textos foram escri tos e as id éias centrais

que circuns crevem o conteúdo dos mesmos. Destarte, buscamos com

isso possibilitar urna maíor aproximac áo e diálogo entre o leitor e o

texto clássíco da maneira como se apresenta originalmente. Trata-se,

na verdade. de urna das perspectivas para a leitu ra e o estudo desses

textos, nao excluindo, por tanto, out ras possibilidades.

Logo na introducáo charnarnos atencéo para alguns dos principais

cuidados que devemos ter na leitura dos textos haja vista as espedfid-

Textos filosóficos em discussáo ~5==:::I(1)

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dades históricas e a linguagem característica de cada autor e da própria

filosofia. Ou seja, a compreensác dos sentidos dos conceitos, polém icas

e problemáticas que os clássicos apresentam depende do contexto

histórico a partir do qual o filósofo escreve e da linha epistemológica

que assume.A segunda parte do Iivro versa sobre o Mito da Csvema . Livro

VII, da A Republica, no qual Platáo apresenta urna filosofia política. O

autor discute a predilecáo humana em escolher a existe ncia envolta emurna névoa, o carninho rnais fácil e mais suave, a mentalidade que evita

a mudanca a todo rusto. Platáo formula seu modelo ideal de ddade a

partir da nocáo de ddade jus ta , que serve ce contraste com a nocáo de

cidade concreta . Para definir essa idéia, o filósofo comeca a examina r o

que é justica, o que leva a investigar o conhecime nto da justka e, por

fim, o próprio conhecimento . A Alegoria da Caverna, que se encon trano inldo do livro VII desse diálogo, consis te precisamente em urna

imagem construida por Sócrates para explicar a seu interlocuto r, o

Glauco, o processo pelo qual o homem passa ao se afastar do mu ndodo senso comum e da opiniáo, em busca do saber, da vísác da idéia do

bem , da verdade. do conhecimento. Éeste precisamente o percurso doprlsione irc até transformar-se em filósofo, devendo depois retomar acaverna para cumprir sua tarefa ética, político-pedagógica de indicar a

seus antigos companheiros o ra minho.Na terceira parte destacamos a obra O Príncipe, de Maquiavel,

que tem a política como tema central. Para Maquíavel. todas as relacóesinter-humanas sao relacóes de poder. por isso é necessario conhecer ofuncionamento do poder, em suas várias circunstancias, para se obter

sucesso. O principe deve agir com virtú, domin ando a fortuna, termos

emprcgados por Maquiavel para interpretar os dais polos em torno dosquais giram o sucesso e o insucesso das acóes.

Já na quar ta parte, buscamos entender o pensamento cartesiano

presente na obra Discurso do Método. A parti r do texto de Descartesalgumas noc óes específicas foram prioriaadas, entre elas: dualismo,

Q. APRESENTAC;ÁO

idealismo, subjetivismo e representac óo. E, específicamente nesta obra,

elucidacóes a temas como saber adquirido, ciencia e conhecimento em­pírico. Descartes almeja e acredita poder obter a verdade absoluta, oconhecimento verdadei ro sobre o mundo, ou seja, a verdade expressapela evidencia das coisas.

Por último , apresentamos o texto O Existendalismc é uro

Humanismo cuja temática central é a ética. Sart re afirma que o

Existencialismo é urna Filosofia contemporánea que toma a vidahumana possível. No entanto, nos alerta sobre as conseq üéndas da

banaliaacéo do termo que tornou um vulto tal, transformando-se em

moda. Sartre defende que o hornem é responsável por sua liberdade,por sua acáo, ele existe e tem que dar canta desta existencia, tem que

dar canta dos costumes. da moral, da Ética, tem que fazer-se humano,

fazer a humanidade. E, dessa fonna, ele pode, ele está na cond írac e em

condicáo de realizar a utopía, fazer um mundo melhor com a máximaliberdade humana.

Geraldo Balduino HornO rganizador

Textos filosóficos erodiscussác I'Z:::===(1)

Page 7: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

INTRODU«;Á•I

Cera/do Balduino HomSandroFernandes

1.1 fII.OSOfIA:f ORMAl; ÁO SOCIAL E HISTÓRIA

Na Grécia, com o desenvolvimento da 610506.1 , principalmenteno período filosófico chamada de antropológico (entreos séculas IV e IIIa.C),corndestaqueparaSócratesePlatáo,opoderseexerciano interior daassembléia e daía importanciaque tinha a oratória e a dialética enquantoart e de interrogar, questionar e provocara refíexác .10 interlocutor, a pla­t éia ou o auditorio. Sócrates foi um dos primeiros filósofos a se destacarna capacidade de argumentar áo e questíonamento. nao concordando

coma condutados sofis tas. Este filósofoutilizavaduas técnicas para, pormeio da interrogacác, tornar a argumentacáo consistente : a ironía, que

era a arte de interrogar e problematízar oassunto, ea maíéutíca.que era aarte de evidenciar, com base nas crencasde seu interlocutor, um conjunto

TntO$ fibóficO$ em~(1)

Page 8: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

de verdades, ou melhor, com base nos argumentos de quem participa da

díscussáo, mostrar os problemas ou falhas do discu rso.

Alguns filósofos, entre eles Kant, no século XVIII, passaram a

divulgar que todo ser humano tem condkóes de se apropriar, refletir e

redefinir seus valores espirituais e morais e que estes podem tornar-se

melhores . Essa razáo acreditava que o mundo poderia ser melh orado

com a disseminacáo dessa nova forma de entender e pensar as cci sas

que cercam o ser human o. Mas isso foi enfrentado também por filósofos

que negavam ou díscordavam das práticas burguesas : Marx, Engels,

Nietzsche, Schopenhauer e outros. Por exemplo, tai s pr áticas individua­

listas e liberais eram contrárias ao pe nsamento marxista que acreditava

que as muda nras só ocorreria m entre lutas por ques tóes materiaís e que

a maior parcela da pcpulacáo tarnbém deve ria participa r dos benefícios

do mundo modern o, os quais eram restritos aburguesía . que se tornou

e difundiu o capitalismo.

Esta oposkáo nos ajuda entender o objeti vo e o sentido da filosofia

em nossa existéncia na medida em que propóe debat er, confronta r idéías,

instaurar a suspeita, provocar a negacác e a ruptura, enfim, de incitar aparticipacáo no processo de forrnacáo hum ana . Assim, ensinar filosofia

instiga .10 desmonte das certezas, .10 questionamen to do instituido,

permite transitar, at ravés de reflexóes e leituras de textos diversificados,

ínstrumenrali zando a crít ica e a ampliacáo da vísáo de mundo. Este

principio da filosofia "nao se ensina filosofia, mas sim a filosofar" é de

Kant . E por trás dessa pedagogía existe UITl.1. n~ao de autonomia uni ­

versal e absoluta que é questionável: até que ponto nós decidimos com

nossa pr ópria cabeca? Em que medida somos determinados pela mima,

pela tradicáo, pela religiáo, etc ...? Hoje fala-se em autonomia relativa ou

autonomia permeada de heteronomia, isto é, de determinaróes exteriores

que inte rferem em nossas dedsóes e escolhas . Por exemplo : como pensar

autonoma mente , de forma universal, com a atual estrutura de poder,

coro as sombras que permeiam essa estrutura, com as determin acóes que

formam nossa vida?

i. INTRODUy\O

Percebam que nao há uro consenso na filosofia sobre seu caráter

didético, tampouco sobre sua funcáo. Produzir conceitos, ensinar a

filosofar, ou reflet ir dialetícamente sobre os problemas sodaís sao

caminhos possíveis da filosofia . Como alternativa é necessario lembrar

novamente Marx que diferentemente de Kant apresenta e questiona a

ideologia presente na filosofia kan tiana. Ele sugere como alternativa

refletir sobre as contradir óes e partir para acáo e mudanca social.

O hom em deve aprender a pensar, corno suge re a pedagogía kan ­

tiana do Aufkla rung, o que significa a saída do homem de sua rnenon­

dade, ero busca do esclarecimento. Ele fica na men oridad e amedida que

se recusa a pensar por conta própria, se recusa a viver autonomamente,

pois é mais cómod o, de fato, viver sob a tutela natural da família, do

Estado, etc. A menoridade significa depender do outro para pensar,

pensar de mancira heterónoma - scguindo o estabcleddc por outros.

É mais fácil ser menor em nossa sodedade quando para viver nao se

depende do próprio pensar, quando o outro pode faeé-Io. Trata-se,

portanto, da idéía de muda nca cultural e de mentalídade que tem que

ser feíta, mai s do que pela mudanca política, pela forma de pensar das

pessoas, pela transformac áo via edu cacác.

1.2 A ALOSOFIA E O CONII ECIMENTO

Debrocar-se sobre textos, buscando entender as linhas e en ­

trelinhas para 'admirar-se', 'espanta r-se', através de um pensar livre e

autónomo, que se cons ti tu í no instrumento primeiro da formac áo do

espirito, na atualidade, é realiza r a tarefa da filosofia . É verdade que

a proposta parece difícil e cada vez mais utópica, pcis a raaáo que

norteia a sociedade enquadraria esta busca como loucura. Haveria um

posicionamento hostil em relacáo autílidade do projeto filosófico, com

quest ionam en tos, como os citados por Rubem Alves (1982:20):

Plantar támaras para colher frutos daqui a cem anos?

Textos filosOfx:os em disrusslo

(1)

Page 9: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

Como, se já se decidiu que todos teremos que plan tar abóboras, a

serem colhídas daqui a seis meses?

Pensar é o contrário de servir. O pensamento reflexivo, que é a

base da filosofia, possibilita aproximacáo as quest óes do ser, deixando

o ter - a posse e o consumo - a urna instancia meramente servil e da

ordem da suficiencia. A preocupacáocom bens materiaís fica restrita ao

nível de conforto e nao como objetivo principal da vida de todos. Este

deve se r o objetivo do sab er filosófico . Outros atalhos, tao rapidame nte

quanto o crescimento das abóboras, apenas conduziráo ao mesmo lugar

do fracasso do conheci mento filosófico.

A razáo filosófica só supera a doutri na do individualismo se eh se

opuser radicalmente como alternativa reflexivaas doutrinas e normas esta­

belecidas como certezas. Isso possibilitará a construc áo de alternativas, nao

dogmáticas e aberras aelaboracáo de conceitos e novas id éias que interferiram

nas realidades que tentam apresentar verdades fechadas e universais.

No ensino médio, a filosofia apresenta como a racionalidade

humana se constituiu e como alguns filósofos foram importantes para a

formacác social da humanidade. Nesta apresen tacáo de alguns filósofos ,

procuraremos mostrar temas significat ivos para a filosofia e buscaremos

entender a fundo a terca que constitui a filosofia e institucionalizou

seu ensino. Historicamente significa sobretudo compreender temas,

au tores e textos que cons t ituem a história da filosofia .

Nessa perspectiva, crit icar o pensamento filosófico dominante,

aceita r a divers idade e avaliar a parcela e o todo pode const ituir °horizonte para se concluir sobre a importa ncia da filosofia em sua

reflexáo-intervencáo sobre os elementos presentes em nosso processo

de formacáoeducacional.

Nesse sen tido, este livro propóe-se ap resen ta r alguns textos da

história da filosofia, p rivilegiando, ao mesm o tem po, a h istoricidade,

a pluralidade de concepcóes e urna vísáorigorosa a respeito dos princi­

país conceitos, categorias, temas e polémicas que os objetos dos textos

nos ap resentam.

i . 1NTRODUC;Ao

A filosofia é urna forma de conhecermos o mund o a nossa vol­

ta oConsiderando que conhecer é es tabelecer relac áo com as coisas,

conhecemos de acordo com o nível de relacionamento com as coisas

a nossa volta.

A religi áo, as ciencias, as tradícóes, as supersticóes e as crencas

tamb ém sao formas de conhecimento. Há urna divísáo muito utilizada

no conhecime nto, que coloca a ciencia como a forma mais eficiente,

caract erizand o as dem ais formas como senso com um - heranca do pen­

samento mo dern o. Hoje as ciencias sao reconhecidamente o meio mais

eficaz para elucidar dúvidas, comprovar teorias, resolver problemas e

con trolar sistemas e processos.

A filosofia é um campo distinto de conhecimento; diferen te

das demais ciencias, nao precisa de provas para desenvolver teorías,

mas de argumentos cons truidos coro clareza e coerénda . Interfere na

ccnstrucác de conceitos promovidos pelas ciencias, quando questíon a

os fins, os meios , as inte ncóes, as te nd éndas, os significados por meio

de an élises e crít icas.

1.3 A FILOSOFlA E O COTID IANO

A filosofia 0 0 cotidiano nos ajuda a compree nder a construcáo dos

significados das colsas a nosse volta. Quando afirmamos que algo é bon ito,

ternos que ter o conceito de bonito estabeleddo entre os interlocutores. Ou

seja, para apro fundar nossas discussóes e entendimento entre °sentido, a

esséncia e o conceito das coisas, bem como as construcóes de significados

e os conceitos sobre o mundo que nos cerca, é necessario entender, além

do campo de conhecimento da filosofia, como as idéias foram construidas

ao longo da histó ria da humanidade, principalmente as utilizadas pela

tradícáo do pensamento ocidental. Dessa forma, crit icar, refieti r, comparar

e analisar podem ser acóes realizadas com base na filosofia.

Ques tóes de filosofia discutida s em ou tras épocas aínda fazem

parte das reflexóes contemporáneas: A origem da vida? Do que sao

Textos filosóficos em discussáo

(1)

Page 10: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

feítas as coisas? De ande vém? O que é o ser humano? Qual seu papel

na sociedade? Como s.10 cons truidos os discursos e os raciocínios quetentam explicar esses fenOmenos?

Questóes ate hoje presentes na producác intelectual tamb ém fo­ram dúvidas de outros filósofos. por exemplo: O que e mais importante

para a vida do homem? O que prevalece: a esséncia ou o movimento? Oque permanece ou o que se transforma?

Isso levou a inúme ras questóes que desenvolveram também

grande numero de díscuss óes e conceitos filosóficos: As idéias sao mais

importantes que o mundo material? O que determina as relacóes entreos seres humanos: a necessidade ou a natureza? Qual a importancia da

política na organiaacáo socia l? Há necessidade de se pensar nos outros

sempre? O que é ética? Qual a impo rtancia do outro em minh a vida?

Para que serve o conhecimento cient ífico? Existe urna maneíra car retade pensar científi camen te o mundo? Todos podem conhecer a ciencia?

Quem pode usar a ciencia? Existe urna verdade que valha para sempre?Épossível construir urna verdade para sempre?

Essas questóes, que nao esgotam a producáo filosófica,esuode diver­

sas maneiras expostase discutidas nos textos que seráo apresentados nesta

obra. O papel da metafísica - da busca da essénda e da origem das coisas.do conhedmento científico, da ética, da política e do poder - fará parte dos

momentos de refiexáoapresentados.

1.-1 A LEITURA DE OBRAS FILOSÓFICAS

Neste livro apresentaremos perspectivas de Ieitura da filosofia

por meio de quatro filósofos que ajudaram a cons tr uir a filosofiacontemporánea .

Antes de apresent á-los é fundamenta l mostrar camlnhos para

entendimento e desenvolvimento da leitura. Lembre-se que cada

capítulo t rata da introducáo a urna obra de um filósofo; dessa maneira

i. INTROOUc;A.O

nao esgotamos esse ass unto em determinada obra e tampouco en­

volveremos ou aprofundare mos discussóes em torno de toda obra dofilósofo apresentada .

Os principais aspectos de urna obra seráo apreciados com aten­

~ao, pois trata-se de aspectos conce ituais e históricos que tomaramdeterminada obra fundamental para o desenvolvimento da filosofia.

Lembre-se que en tender o contexto histórico e a conjuntura da

produrá c ajudará a interpretar a obra e a compreender sua impo rtancia

em determinada época e mesmo as possibilidades de construcác doraciodníc do autor apresentado.

Cada autor tem particula ridades quanto a escrit a influenciadapela época: influencias teóricas, oposicóes teóricas e paradigmas - mo­

delos de pensam en to necessários para elaboracáode conceitos, mas que

podem ser rompidos, transformados e superados por outros paradigmas- , relacionados ao tema apresentado: exist énda, conh ecimento, políti ­

ca, éti ca , justica, etc. Necessariamente as obras apresentadas aqui naotero relar óes explicitadas pelos autores. Mas com base nelas é possível

construi r raciocinios que abordem diversos temas filosóficos .

Urna dica é tentar perceber como os argumentos dos diversosau tores sao apresentados. Há estilos diferentes e podem ser cposicóes

a determinados raciocínios da época, divergindo ou apenas interagindo

com as refíexóes da época . Também podem ser continuacáo de doutri­nas anteriores, que nao precisam pertencer a mesma época - podem

apresen tar continuidade com as doutrinas de filósofos de séculos ante­riores. Há producóes filosóficas que foram elaboradas com base no quee pensado em determinado momen to, ou seja , hásis tematizacác do que

já foi pensado, mas t ém momentos na hist ória da filosofia em que há

producóes inovadoras. rupturas e criacáo de altern at ivas teóricas quebuscam transform ar o que é pensado .

Nos discursos dos autores apre sentados é possível percebertentativas de rompim ento com o pensamento hegemónico da época,

tenta tivas de construráo de novas perspectivas racionáis ou mesmo

Ttxtos filosófi'O$l'm díscussac

(1)

Page 11: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

1I

1

apresentacáo sistemática do pensamento e da conjuntura histórica

racional. Estesmovimentos do pensamento filosófico foram marcadospor rompimentos, renasdmentos, continuidades. E ocorreram pordiscordancia política, religiosa, ideológica, conflitos de dasses, diver­gencias científicas, estéticas e éticas, sempre dentro de uro contexto

histórico, que, se nao é determinante para a ocorrénda do movimentono pensamento, é fundamental para entend é-lo atualmente.

Para refl.etir sobre, ou entender, a construcáo filosófica dosautores apresentados, é necessário compreender seu raciocinio e sua

est rategia de construcác de argumentos. Para quem o auto r escreve?

Por que ele escreve? Como ele escreve? Quais críticas estáo presentes

em seu discurso?

Sao perguntas fundamentais para analisar o discurso, ou seja,um passo para compreender, int erpretar, analisar, criticar, refietír e/ou

aplicar o que o autor produziu.

Lembramos que a construcá o do raciocinio depende de argumen·tos; estes t ém hierarquia e aprese ntam a tese ou teses do autor. Dessa

maneira, ente nder a diferenca entre argumentos e tesefs) é fundamental

para comp reender o discurso do autor. Argumentos sao as defesas, jus­

tificativas, sustentacées de idéias que sao fundamentais para nos levaratese do autor. Argume ntos sustentam teses, que sao idéias que o autor

acredita serem originais e importantes para mudancas ou construcáo

novas perspectivas dentro do assunto tratado.

1.4 .1 Alguns passos para leitura de textosPara que vecéaproveite ao máximo a leitura dos textos, indicamos

alguns passos, para sistematizacáo e estudo e, na medida do possível ,

vecéo utilize habitualmente.

i. INTRODUC;Ao

1Faca urna primeira leitura, buscando a vísáo doconteúdo como um todo,entendendo a lógica de sua elabcracáo.

Releia o texto, anotandopalavras ouexpressóes desconhecídas,e sublínheas idéias centraís.

Leia novamente e procure entender a idéia principal que podeestarexplicitaou implícita no texto, bemcomo os prirxipaia argumentos usados na defesadas idéias.

Localize e compare as idéias entre si,procurando semethan~as O" diferen~as.

Interprete as ídéias. tentandodescobrir conclusóes a queo autorchegou.

Elabore urna síntese/resumo/aprecíacéocrítica. se possfvel estabelecendorelacces com questóes atuaisquevecéconhece.

1.5 O SE NTIDO DOS TEXTOSFILOSÓFICOS

Que diferenca fará a leitura deste livro e destes textos em minha

vida? Esta deve ser a pergunta que vecésempre se fará ao ler este e out roslivros de filosofia. Além do que foi dito anteriormente, o texto filosófico

deve estar presente em sua vida como ortentaráo para reflexáo,mesmo

que negativa, ou seja, refiexáoque leva a negar o texto. Mas o texto deve

ser entendido e nao negado pela incapad dade de entendimento ou peladiscordancia em relacáo áquilo em que vecé acredi ta . No texto devem

ser entendidas as relacóes cotidianas, as vezes dista ntes, podendo ser

analisadas com base no texto de que porventura vec é tenha discordad o.

Entáo, nao se preocupe em simplesmente criticar o texto , mas principal­mente compreendé-lo para que possa auxili é-lo na compreensáo deste

mundo complexo no qual vivemos.

Naosabendo exatamente o motivo para leitu ra deste livro: estudos

no ensino médío: introducáoafilosofia; ampliacáodos conhecimentos,nossa proposta eque vec é leia atentamente seguindo as orientac óes do

item 1.4.1.

Textosfilosóficosemdiscuesáo 1:iZ7¡;:=:::(1)

Page 12: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

1 cf KAHN, 1999, p. 49

Platáo nasceu no século V a. e, em 427, na cidade de Atenas,

Grécia an tiga. Os dados que ternos sobre sua vida sao muito escassos.As principais informar óes nos foram tra nsmitidas por Diógenes

La ércío, um autor do terceiro século de nossa era, que se baseou nos

testemunhos de contemporáneos e discípulos de Plat ác para descreveros traeos da vida do filósofo ateniense.

Plat áo vinha de urna familia ar istocrática. Da par te de sua máe,

Perictícne. havia um parent esco com o famoso legislador atenienseSólon. Da parte do pai. Ariston, Platáo estava ligado a Codro, o último

rei de Atenas. Sabe-se também que Ariston man tinha conexóes impor­tan tes com Pérícles' . Esse fato mostra que o contexto no qual nasceu

1.1 CONTEXTO HISTÓRICO DA VIDA EOBRA DE PLATÁO

MITO DA CAV:ERNA ­

PLATAO

Textos filosóficos eradiscussáo

(1)

Anderson de PaulaBorges

1. MITO DA CAVERNA - PLATÁO

Este livro nao esgota a leitura dos autores, ta mpouco é a única

aproximacác possível de leitura dos originais. Isto deve ser urna metaem seus estu dos: nao se satisfaca apenas com esta leitura, busque

principalme nte os originais de cada filósofo citado e também alguns

comentadores (autores que explicam alguns conceitos e trajetória int e­

lectua l dos pensadores).

Page 13: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

Platác nao era apenas um ambiente aristocrático, mas era tamb ém

urna at mósfera em que as pessoas estavam ligadas aos círculos mais

centráis da vida política de Atenas. Pérides é considerado um símbolo

do período áureo de Atenas, alérn de ser o paí da democracia ateniense.

Sobre a líderanca e o governo de Pérides, Tucídldes comentou que

"este governo, chamada democracia, é na verdade o governo de um só

homern ,'? Tud dides, um admirador de Péricles, relatou que, apesar dos

mecanismos democráticos de dedsáo que foram estimulados no gover­

no de Péricles, havía urna clara demonstracáo de lideranra e confianca

neste último, a pon to de seu governo ser, ao mesmo tempo, democrático

e monárquico.Quando Platáo nasceu, porém, já passava um ano da morte

de Pérides. Um poueo antes, Atenas e Espar ta iníciavam a Guerra do

Peloponeso, que se estendeu até 404a.C., momento em que Atenas ca­

pitulou diante de Esparta. A Guerra do Peloponeso foi palco da oposícáo,do ponto de vista político, de partidarios de duas fonnas de regime: o

democrát ico e °oligárquico. Os democratas eram os que, instados pelo

estratego Pér ides, levaram Atenas ao apogeu económico e cultural, mas

também aguerra coro Esparta. Os oligarcas eram, entre outros, Lisandro,

Terámenes, Crítias, Cármides, Sócrates e Platáo. Os quatrc primeiros

participaram do "Governo dos Trinta", regime violento e corrupto que se

instalou em Atenas após a derrota desta para Esparta. Embora tenham

tido ligacóes com o Governo dos Trinta (Crít ias era primo de Platác e

aluno de Sócrates , junto com Cármides), e apesar de nao serem favoráveis

ade mocracia, Sócrates e Platác nao aprovaram o regime dos Trinta. Ka

entanto. foi sob a democracia, restaurada após esse governo tiránico.

que Sócrates seria condenado a bebe r cicuta, numa clara alusáo aos des­

mandas do governo tiránico, que também condenava acicuta os líderes

democráticos que poderiam oferecer alguma resistencia. O fato é que a

atmosfera política na qual Platáo nasceu foí bastante nebulo sa. A demo­

cracia , vigorosa no tempo de Péricles, se deixou levar pela astúda oratoria

2 ~pud MOSSÉ, 1999, p. 35.

I. MITO DACAVERNA. PLATÁO

de Alcibiades, o que revela sua natureza volátil. Aoligarquia, muitas vezes

compos ta por hornens esclarecidos e bem intencionados, quando chegou

ao poder se transformou numa tirania como a dos Trinta.

Bem antes da guerra, Atenas experimentou, no entanto, um

período de apogeu. É°periodo chamado "século de Péricles". Péríclesgovernou Atenas sob excelentes condkées sodais e íntelectuais, as

quais já estavam, é verdade, latentes no periodo anterior, mas que ine­

gavelmente forarn estimuladas em seu governo. Apesar dessa pujanca

cultu ral, é bom que se diga quea filosofia nunca foi "popular" em Atenas.

Segu ndo a historiadora Claude Mcssé', no tempo de Péridesa riqueza

in telectual de Atenas podia ser dividida em dois dominios distintos: o

inte lectual e o religioso. O primeiro nao ating ia, de fato, a maior ia dos

ddadáos atenie nses. Os mais próximos de Péricles reuniam-se na casa

de Aspásia , sua companheira, para ouvir Protágoras, Anaxágoras, os

raciocinios de Zenáo e ou tros sofistas.

Mas a grande massa preferi a mesmo ir ao teatr o para assis tir

as pec;as de Ésquilo, Sófocles e Aristófanes. A pe~a As Nuvens, de

Aristófanes, dá urna boa idéia de como os atenienses encaravam a

atividade de Sócrates (470-399 a.C.). Essa peca traz um ret rato bu rlesco

de Sócrates, "sacerdote de tolices sutilíssimas" 4. Ele é o investigador da

natureza, recolhido no Pensatório, inteiramente absorto com questóes

metafísicas, tai s como o número de vezes que urna pulga pode saltar o

tama nho dos próprios pés. O contato de Sócrates com o personagem

Estrepsíades gera urna sucessáo de mal-entendidos por parte des te

últ imo. Estrepsíades vai ao Pensa t ório com o intuito de se instruir na

sabedoria de Sócrates. A ironía é que ele tem um problema económicoconcreto e desejava o auxílio do sábio. Sua total inexperiencia, porém,em questóes meditativas, o conduz ao fracasso completo. É importante

notar que o encontro entre Sócrates e Estrepsíades nao se dá nos moldes

da maiéutica socrática. Aristófanes optou por realcar a incomunicabili­

da~~entre os doís , de modo que a conversa se assemelha el UIll diálogo3 MOSS~, 1991, pp. 35ss4 Al Nuwn~. P",s.ador~s. 1996.

T~Jnos fllosólKosmi discusslo

(1)

Page 14: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

de surdos, senda Sócrates um pensador distante, ensimesmado, eEstrepsíades um trapalháo contumaz. Nao há diálogo porque o Sócratesde Aristófanes é um sofista, mestre na arte da pantomima verbal. EoqueAristófanes pensava daativídade de Sócratesestá representado nosusos que Fidípides,outro personagem das Nuvem, faz do ensinamentosocrático,justificando a víclénda contrao próprio pai.

Por outro lado, as condkóes que levaram Sócrates amorte des­tacam outro aspecto das relacóes entre a ddade e a filosofia. Sócratesfoi acusado por tres cidadáos atenienses, Anito. Melero e Lícon, dedais crimes: introduzir novos deuses na ddade e ser um corruptor dejovens. Foi condenado amorte por um tribunal. em 399 a.C. Conformeo relato de Platáo, na Apologia de Sócrates. o julgamento de Sócrates foi,na verdade, urnavinganca da Atenas "democrática" contra Sócrates. O"crime" deSócrates foi ter ensinadoo alcance real do verdadeirc conhe­cimento: saber a extenstio de todas ascoisas sobre as quais nadasabemos.Mas para urna Atenas que tinha passado por tantas agruras no períododa guerra com Esparta, e cujos cidadáos tinham experimentado umregime como o dos Trinta,Sócrates erauro"problema". Olivre exerciciodo pensamento, o questíonamento das crencas religiosas e a busca doauto-conhedmento, preconizados pelo filósofo. nao eram exatamenteos ideáis que os atenienses ccnsideravam oportunos naquele momento"pos-guerra".

Platáonos conta que Sócratesestava rodeado de amigos e serenoquando bebeua cicuta. O efeito de sua morte, no entanto, jamais deixoude perturbar Platáo. O que Platáo escreve na República é um projetoacercado estilo de vida privada, berncomo do tipo de concepcáo políti­ca, intelectual e económica a que urna cidade deve aspirar, se deseja, defato, ser justa e evitar os males da socíedade que matou Sócrates.

Na Carta Sétima, obra que hoje é tída como aut éntica'; Plat ácrevela por que fez da filosofia, na República, o idealde governo político:

5 cr.BRISSON, 2003, pp. 23·34.

"(...1A le¡ e a moralestavamde tal modocorrompidas que eu, antes cheiode ardor para trabalhar para o bem comum, considerando esta situar áo,e vendo como tudo era mal administrado. acabe¡ por ficar aturdido (...[,Finalmente, compreendi que todos os Estados atualssác malgovernedos,poissua leglslac áoé quaseirremedíável semenérgicas prcvidéncias unidasa felízes cireunst áncías. Fui, enUo, levado a locvar a verdadeira filosofia ~a proclamarque somente á sua luz se podereconhecer ende está a jU5ti~

na vidapública e na. vida privada. Porta.nto, os males náo cessarácpara osborneas antes que <lo estirpe dos puros filósofos chegue .10 poderou qu~ osgovemantes das Cidades, por urna. gr.1~a divina, se ponham verdadeira­mente a filosofar" (Carta. VII, 325~·326~) .

Esse testemunhopessoaldo filósofoé de importancia fundamen­tal para quem deseja urna oríentacáo na interpretacáo dos diálogos. Apartir do texto da Carta Sétima é possivel saber que Platáo aspirava acarreira política desde a juventude. O testemunho ilumina a compre­ensáo de suas tres obras políticas fundamentaís, Górgias, Repúbliro eLeis, rujo teoré a insistenciaero estabelecerpar ámetros moráis sólidospara a cidade. Esintomático da experiénda política de Platáo o trechono qual ele descreve seu projeto filosófico: elevar o 61ósofoao posta degovemante, ou tornar o govemante um estudioso da filosofia. Aúltimaopcao. como já sabia Plat áo, s6 acorre pela. intervencéo de urna "gracadivina". Mas a primeira alternativa foi objeto de um audadoso e siste­mático programa: o texto da República .

1. 2 APRESENTAc;:ÁO DA OBRA

a) Porque PlatAo escreveu diálogos?SegundoGoldschrnidt (2002. lntrodu(iio,p.02), o própriododiá­

logo platónico é formare nao informar. pois se trata de urna mcdalídadede escrita que privilegia o drama, em detrimento da solucácda questáofilosófica. Nesse sentido, o diálogo é distinto do manual. Nao possui aestrutu ra ordenadae cronológicade temas que os rnanuais apresentam.

l. MITODA CAVERNA· PLATÁQ Textos filosóficosern discussáo(1)

Page 15: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

Comp reende mal Platáo, portanto, quem vagueia pelo texto, pegando

aquí e ali referencias esparsas para montar um resumo, hem .10 gosto da

vis ác sintética de nossa epoca. Ao ler Plat áo. é preciso estar disposto a

entrar no diálogo e acompanhá-lo. Cada diálogo tem urna cena própria,

com personagens, um tema central e um local definido. Sócrates éo perso nagem principal da maior parte deles. O comeco do diálogo é

sempre trivial, quase pito resco, mas ern certc momento, Sócra tes passa

aquestác central: o que é a amizade, a beleza da alma, a coragem? Háum progresso dramát ico, que é o continuo movi mentc ero direcáo ao

núcleo do tema . Esse progresso serve a urna tese de Platáo: a filosofia

deve servir mais .10 saber que aínformacáo.

b) OspersonagensA República foi escrita por volta de 375 a.e. A atmosfera histórica,

no entanto, teve lugar ero plena Guerra do Peloponeso. A cena dramática

da República se desenvolveu no período cha mado "Paz de Níd as", urna

trégua na guerra, assinada em 421 a.C. Essa paz nao durada mais de seis

anos, pois Atenas, envolvida por Alcibíades, rornpeu a tregua ero 415 e

reiniciou a guerra .Algumas personage ns da República sao propositadamente figuras

que tivera m alguma evide ncia em Atenas. Céfalo é um come rciante que

te rá os bens confiscados pelo "Govem o dos Trinta". Polemarco, filho de

Céfalo, será executado pelo mes mo govemo. Outra figura importante.

sobretudo no Livro 1, é Trasimaco, sofista da Calcedónia. O papel de

Trasimaco na República é proporcionar um cont raponto a filosofia

socrático-platónica. Trasímaco defe ndía ardorosa mente urna concepc áo

polít ica baseada na "le¡ do mais forte". Do ponto de vista da argumenta­

cáo de Trasírnaco, o maís forte é o govemante, e a justica é o nome que

se dá .10 estado de coisas que o governante con sidera o mais adequado.

Hábil orador, o sofista nao se deixou vencer fadlment e por Sócrates (cf.

os insultos, ero 337.1,340d, 343a); tampouco acreditou na possibilida de

de um governo político em que os ddadáos seriam virtuosos e as leis,

l. MITODACAVERNA - PLATÁO

democráticas. Embora sua partidpacáo se limite .10 livro 1, o fato de ele

retom ar aconversar áo no livro V (450a-b) confirma seu papel na dís­cuss áo sobre a [us tka no Iivro 1e o prcjeto da República. O restante do

diálogo é urna longa e detalhada refutacác da tese de Trasímaco. PIaUo

mostrará que a ess énd a da justica passa pela educecac dos cidadáos ,

especialmente a educacáo moral, pela divisáo do trabalho social e pela

organizacáo política baseada no mérito cognitivo. Para Platáo é preciso

escolher govemantes de acordo com sua inteligencia, visáo de conjunto

e dedícacáo exclusiva avida pública.

Sócrates é também um personagem envolvido na política, pois

viria a ser executado como traidor da democracia . Seu papel no diálogo

é ser o porta-voz do pensamento de Platáo. As demais personagens,

Glauco e Adimanto, irmáos de Platáo, sao as que, junto com Sócrates,

conduzem o diálogo.

c) DivisaD do texto e argumentocentralA República está dividida em dea lívrcs. Essa d assíficacáo nao foi

pensada por Plat áo, mas por ed itores ta rdios . Também é dos editores

a divisáo do texto em parágrafos numerados, feita pelo francés Henri

Estienne, no século XVI, quando editou a obra platónica em grego e

latim. Os es tudiosos preferem o texto que traz a divisáo dos parágrafos

porq ue facilita bastante as referencias .10 texto e aos argumentos.

Segundo watanabe', a República encontra-se na mesma linha

que a obra Ilíada. de Home ro, e História, de Heródoto. Sao obras que

"pretendem guia r seus ou vintes". Na República, Platáo convida o leitor

a elaborar. no pensame nto. urna ddade-estadc ideal. Esse projeto se

desenvolve, conforme Nicolas Pappas' , por meio da elaboracáo de um

único arg umento central, especialmente nos livros JI , IIJ. VIlI e IX. Esse

argumento é o seguinte: Individuo e Cidade cont ém forras intern as ero

confiitc entre si: nas d da des , o conflito é entre as d asses sociais. Na

alma, ent r~ as par tes racional, em otiva e desejante. Ajustica na cidade e6 WATANABE, 1995. p. 347 PAPPAS, 1996, 3S·38.

Tutos filosóficos em discussáo ~25C==(1)

Page 16: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

I I

na alma é a harmonia destas forcas. Ajustica é vantajosa porqu e, quanto

maíor o eonflito, tanto na cidade como na alma, maior é a mis éria socialou individual que precisa ser reparada pela justica.

Nas linhas seguintes, apresentamos urnaanálise desse argumen­to. Tendo no livro I uro ponto de partida, indicaremos o modo comoPlat áo desenvolve a analogia entre ciclarle, alma e individuo. É a luz

dessa analogia que devemos ler e estudar os tópicos sobre a educacáodos guardiáes que constituem os temas do livroVII.

d) oargumento central: analogia entre alma e ddadeO primeiro livro da Repúhlica é uro prelúdio (d. 357a) aobra como

urotodo. Centrado na questáoda justícae nafigura de Trasímaco, é uro livrodedicado a probematíaacác de algurnas teses comuns sobre a justica. Háum consenso entre os especialistas de Platáo de que o livro 1é dramática eestilistic.amente diferente dos demaís.Goldschmidt",por exemplo, considerao livro I independente do restante da República por se apresentar como urnaíntroducáosocrática ao tema da justica. Estruturalmente, é uro livromuitosemelhanteaosdiálogos de juventudede Platáo.eroqueodebatedificilmentemega a uro resultado positivo. Issoocorre porquea naturezadaconversaé oteste de hipóteses, a refutacáode conceitos e o convítepara que o leitor de

continuidadeadíscussáo. Porisso, no Livro 1,

"Comeccu-se por examinar a natu reza da justir a. Em seguida, a conversadesviou-se p;lraa questao de sabersea .Justicaé vícío ou virtude, ignoranciaou sabedora. Enfim, perguruou-se se a injusti~a era mais vantajosa quea jusli~a: De modo que o resultado da díscussáo é que nada sei; pois naosabendo o que é a J ustíca. se¡ menos ainda se é virtude ou nao, e se aquele

que a possui é feliz ou infeliz (Rep.354,)" ~.

Apesar dessa índefinícáo,háelementos positivos no debate, Decertomodo, o livro I mostra que há urna relacáo entre a questáo da feliddade eo tema da justíca. O personagem que melhor revela esse vínculo é Céfalo,

8 GOLDSCHMIDT, 2002, pp. 1229 GOLDSCHMIDT, 2002, pp. 125 ·6

por estar na velhicee gozar de urnavida materialmente tranqüila.Éna casadestehornero simples, "meteco"(estrangeiro) eroAtenas, que tero início odebate filosófico da República. Questionado por Sócrates sobre qua!a maiorvantagem obtida com sua riqueza, Céfalo responde que esta lhe permiteviverna generosidade, honestidade e justica. Essa falade Céfalo dá o motepara que Sócrates pergunte: o que vem a ser esta "justíca"? Céfalo respondecoroa opiniáodo poeta Simónides, segundoa qual a justicaconsisteem "dara cada uroo que é seu?", O filho de Céfalo, Polemarca, modifica um poucoessa opiníéo quando assume a discussáo em lugar de seu pai. Polemarcoacrescenta que a justíca distribui benfeitoria aos amigos e prejuízo aosinimigos (332d). Naanálisedo filósofo Leo Strauss,a opiniáo de Polemarcoreflete o espírito público, a dedícacáo acidade e o patriotísmo. Os amigossao nossos concidadáos e os inimigos,estrangeiros.Ademais, é a únicadastesessobre a justicado livroI conservada por inteiro no contexto da cídadeplat ónica!' . Naessénda, trata-seda tesede que a justicarealizaurnaespéciede distribuicáocarreta daquiloqueé por direitodecadaum. Nacidade ideal,a justica será precisamente um estado de equilibrio socialno qual cada urofaz e recebeo que !he cabe.

Por outro lado, Irwin lembra que "a sugestáo de Polemarca sobre ajustícaautorizao tipo de tratamento quehaveremosde considerar flagrante­mente injusto quando formas vítima dele?". Éo casodo próprio Polemarca,assassinado pelo govemo dos Trinta. O ponto fraco da tese, portanto, é

que ela nao está livre do erro de confundirmos urna pessoa inocente como inimigo. Por isso, a definicáo de Polemarca é rejeitada por Sócrates com ademonstracáo de que elaacarreta duas conseqüéncias índeseiáveís. Empri­meiro lugar, ela admite que seja possívelapessoaouaacáojusta "prejudicaralgu ém" (335b), Em segundo lugar, ela toma a justica potencialmente capazde tomar os inimigos maís "injustos"do que saoatualmente.

Com a intervencáo de Trasímaco as coisas se tornam mais som­brias em termos de definicáo de justíca. Para Trasímaco, "a justica é e..)10 cr.REPÚfll.ICA. 3311'11 STRAUSS, 1996 , p. 4712 IRWIN, 1995, p. 172.

l . MITODA CAVERNA- PLATÁo Textos filosóficos em discussác(1) EZ7Z::==::

Page 17: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

a conveniencia do mais forte (339a)". Essa tese, hobesiana na ess éncia,também é plausível, embora num sentido bem diferente da tese dePolemarco e Céfalo. ParaTrasímaco, o justo é o que está identificado aLeie ao Estado. Serjusto é cumprir a constituicáo de cadagoverno e zelar porseu interesse. Modernamente chama-se a isso de "positivismo jurídico'?",urna concepc áo política que ve na legislacáo a expressáo última dos dita­mes da justica, sem que seja preciso recorrer a qualquer outro valor. ParaTrasímaco, a lei do mais forte é infalível, pois o governante que honra aesséncia de seu posto nao pode cometer erros, assim como o artes áo queexplora a infalibilidade de sua arte nao a deprecia. Trasímaco nao aceita,porém, que se neguem as vantagens da injustica sobre a justica. É urnaposicáo radical. Éfácil ver que levaao imoralismo e niilismo, tornando-seinsustentável. Se adotarmos a tese de Trasímaco, corremos o risco dedefender urna concepcáo de justica baseada no apego ao poder, com a

legitimidade sendo garantida pela forca.Entre os leitores da República, nem sempre a tese de Trasímaco é

direcionada para o aspecto negativo do poder, em que pese sua evidentetendencia para esse sentido. A funcáo da tese, porém, é mostrar atéonde pode ir urna concepcáo de justica desvinculada do aspecto moral

e cognitivo.Logo após a retirada de Trasímaco, Glauco intervém para dar

prosseguimento ateoria deste último. Nao discordando da identidadeent re o justo, o legal e o governo, Glauco descreve a origem da lei nahipocr isia. Cálicles, no Górgias, destacou a origem da moral comoinvencáo dos fracos em detrimentos dos fortes (483ss) . Glauco vaina mesma linha ao mostrar que a natureza humana está propensa a

cometer injusticas. Segundo Glauco, quando o homem nao as comete,é por medo das conseqü éncias (358-59). Observe-se que em nenhumadessas posicóes se tratou da J ust ica "ernsi mesma", Glauco e Adimantoinsistem que isto é urna falha, o que leva Sócrates a imaginar a cidade

perfeita para descobrir nela o papel da Justica.É preciso levar em conta que a cidade imaginada por

13 STRAUSS, 1996, p. 47

Sócrates para ilustrar a correta concepcáo da J ustica nao é um projetopolítico concreto, pronto para ser posto em prática . Muitos analisam acidade ideal e em seguida avaliam suas condicóes práticas de realizacáo.Platáo diz na República que nao importa se a cidade existirá ou nao um

dia. O que importa é que somente em suas leis e em nenhuma outra deveo sábio fundamentar sua conduta (592b). Com base nessa passagem,Goldschmidt mostra que a cidade é um paradigma que fornece os traeosideais de urna cidade justa" ,

Platáo quer mostrar que a história da origem, acabamento edecadencia da Cidade na República é análoga ahistória do nascimento,maturacáo e decadencia das almas no mundo. Asforcasinerentes acidadeque levam adecadencia sao as mesmas forcas inerentes ao individuo queo conduzem avida injusta e infeliz. Para fugir desse destino, é precisopostular um Bem Comum e criar condicóes para que o individuo viva nacidade, conforme os ditames deste Bem.Esse é o objetivo da educacáodosguardiáes que será o tema do livro VII.

Platáo sabe, no entanto, que o individuo nao conheceo Beme tende,

invariavelmente, para o Mal. A conviccáo fundamental de Sócrates, nessesentido,é que ninguém fazo Malvoluntariamente e nem o deseja.Aorigemdo Malé a ignorancia.Deoutro lado,a origem da decadencia da Cidade estána ausenciado saber sobre o que tem valorna vida.ParaPlatáo, é a filosofia

que proporciona este saber, que faz a alma galgaro plano indefectível dasidéias. O ensinamento filosófico, porérn, nao é fácil. Naosao todos que t érnpendor para a filosofia. Ela exige educacáo e certo distanciamento criticodaquilo que constitui o trivialda vida humana. Éesse tipo de renúncia queos guardiáes teráo que fazer quando forem afastados da familia para se

dedicarem aos estudos. Neste programa, é sintomático que o livroVreveleo quanto sabia Platáo sobre as diversasnaturezas e aptid óesque os homenspodem demonstrar. Platáo observa que existem comportamentos inatose habilidades aprendidas, e que homens e mullieres podem partilhar dasmesmas aptidóes, sem prejuízo para a diferenca de natureza entre os dois.

14 GOLDSCHMIDT, 1947, p. 49 . Ver ta rnb ém do mes mo autor OsDiálogos dePlatao. Sao Paulo: Loyola,2002 .

1. MITO DA CAVERNA - PLATÁO Textos filosóficos erodiscussáo

(1)

Page 18: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

Esse comunitarismc, porém, tem um limite. Platáo sabe que a

maioria nao está destinada adlalética e que isso representa urna dificul ­

dade para manter a unidade da Cidade em tomo do Bem. Como resolver

o problema? A resposta de Platác é um programa de "educacáo total"

dos rnelhores da comu nidade. Picará rese rvada .lOS demais a parcela de

trabalho, educacáo e lazer que Ihes cabe, mas aos soldados e guardláes

a educacáo deve ser plena, contin ua e comunitária. O primeiro passo é

a educacáo musical e a ginástica (44 1e), um tr einamento que impedi rá

que os elementos da alma (o racional, o emotivo e o dese iante) travem

relacóesconft itantes entre si.Na opiniño de Platáo, a maior parte dos cidadáos nao manifesta

propensáo ao estudo intensivo porque o fato r dominante em sua vida é

Eros . Nesse sentido, Leo Straus observa que parece haver urna tensáo na

República entre o Eros e a Cidade". Se, po r um lado. a justica se realiza

no interior da ddade na medida em que cada um cumpre sua funcáo, por

outro lado o que quebra esta harmonía.Iancando a cidade na decadencia,

é justamente o "canto de se reia" de Eros que sing ra na alma dos d dadéos.

Note-se , por exemplo, que o Eros que causa o dedínio da Cídade é o

mesmo que dáorigem aalma tiránica(d. 572).

Isso nao quer dizer, no entanto, que tenhamos que rejeitar Eros.

Dentre as medidas sugeridas na República para sanar o problema encon­

tra-se , com efeíto, a moderacáo do impulso erótico mais básico do se r

humano: a familia. Essa medida deve ser tomada no ámbito da educacáo

dos guardiáes. O que existe de tao censu rável na familia? Ela representa

o individualismo no contexto da República. Platáo sabe que os efeitos do

predomínio de Eros na esfera das relacóes humanas sao muito fortes e

sabe também que nao é suficiente enca minhar o governo justo através da

coincidencia ent re filosofia e politica. Amulr id áo nao ade re com fadlidade

.lOS preceitos dos filósofos. Mais uma vez sente-se o peso do argumento

de Trasímaco: a justíca, em certa medida , é obediencia alei. Daí as medi­

das coadjuvantes que o texto da Repúblicasugere:cducacáo dos guardíñes,

15 STRAUSS, L., 1996, p. 57.

restricóes ao individualismo , apologia dasvirtudes, etc.

Retomemos, em síntese, o cerne do argumento central da

República: tanto na alma como na cidade existem forras intestinas que

estáo em conftito. O que gera o conflito é a predominancia de urna forra

que extrapola sua funcáo . Cabe a razáo administrar a alma no corpo

do individue e evitar esse desequilibrio. Na d dade, a razáo está per­

sonificada na figu ra do filósofo. Essa analogía também fornece a causa

do fracasso dos regimes políti cos na d dade: a aristocracia exagera seu

pri ncípio (elite ) e cai. O mesmo acontece com a oligarquia, cujo principio

é a riqueza , e a democracia, que exage ra seu principio na medida em que

guia todas as decisóes pela vontade da assembléia. A democracia entra

em decadencia po rque o povo leva Eros na alma e nao escapa aruina que

o desejo individualista provoca na dimensác social da comunidade.

Para curar esses desvios psíquicos, rujo resultado mais perigoso

é a decade ncia moral e social da ddade, Plat áo oferece urna via : o

conhecimento metafísico.

e) A cura pela Metafísica

Goldschmidt" nota que, an tes de apr esentar o projeto do governodos filósofos, Plat áo define na República o que é um filósofo. Essa defi­

ni~ao inicia com a seguinte premíssa: "quem deseja urna coísa deseja-a

na sua total idade" (475b). O filósofo deseja a sabedo ria , logo o tipo de

conhecimento que o filósofo possui é a totalldade do saber, Éimportante

reHeti r sobre essa definiráo porque eIa encaminha a discussáo sob re o

conhecimento no final do livrc V e prepara o tema central do livro VII.

Antes de tratannos do livro VlI, convém refietir bastante sobre o

que Platáo escreve no final do Iivro V. O argumento principal no Iivro V é

secundado por algumas premissas apresentadas por Sócrates, num con­

texto em que o debate se dácom os chamados "Amantes de Espet áculos"(475d, 476a-b), Taís "Amantes" sao pessoas que nao manifestam nenh um

apreco por díscussóes díal étícas e pela Teoria da Formas. Éurna refer én-

16 GOLDSCHM IDT, 2002 , p. 269.

l. MITODACAVERNA- PLATÁO TUfOS filosóficos em discuss.io

(1)

Page 19: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

ícte aos individuos que pautam suas definicóes, palpites e dedsóes pelasexperiencias com as coisas sensíveis. O debate com tais pessoas serve aopropósito de mostrar aos Amantes de Espetáculos que o conteúdo do queeles julgam saber, na verdade, é opiniáo e nao conhecimento.

Conforme a análisede Gail Pine'",a estratégia de Platác para pro·var esse ponto é correlacionar u conhecimento com o Que é, a opinia.ocom o Que é e nao é e a ignorancia (agnoia) com o que nao é. Essaestratégia é coordenada por um conjunto de seis premissas que levam aconclusáode que os Amantes de Bspetáculos podem, no máximo, chegaradimensáo da opiniáo. As premissas sao as seguintes :

1) quem conhece conhece algo (t!1 (476e7-9);2) quem conhece conhece algo que é (on ti), pois nao se pode

conhecer algo que nao é (méon ti) (476el D-ll);3) o que é completamente é completamente cognoscível; o que

nao é de nenhum modo, nao é de nenhurna forma cognoscivel(477a2-4);

4) se algo é e nao é . entáo está entre o que realmente é o que o

nao é de nenhum modo (477a6·7);

5) o conhecimento é governado (epi) por aquílc que é; a ignoran­cia é governaclapor aquilo que nao é (477a9-10)

6) algo que está ent re o conhedmento e a ignorancia é governadopor aquilo que nao é (477alO-bl)18.

Essa linguagem pode parecer estranha ao leitor moderno . Naverdade, é o modo tipicamente grego de se pensar a realídade. Estáero jogo nesse estilo urna forma de pensamento que busca apreenderas realidades pensadas a partir de certas estruturas do modo como omun do está organizado. Assim, por exemplo, quando Platáo diz que"quem conhece conhece algo", trat a-se de urna tese que serve de pontode partida para a conducáo do debate ccm os Amantes de Espetéculos.

17 FINE,G .•2003,pp.68s•.18 Cf. FINE , 2003, p. 68,9.

Platáo quer mostrar que o objeto do conhecimento é real e possui urnaestrutura objetiva. Éprecisoverificar se oqueos Amantes de Espetáculosalegam saber possui essa estrutura. Além disso, é preciso se cer tificardeque eles sao capazes de defin ir a Justica ou a Beleza de forma que sejaperene, unit aria e que nao mude ao sabor dos fatos. Essa é a exigenciade Sócrates , a chamada "quest ño socrática", urna exigencia def inidonalque Platáo considera válida e a retoma no livro V.

Seg.ando IOOn, aquilo que o livro V mostra, por outro lado, é queos Amantes de Bspet áculos "supóem que ternos urna resposta satisfatória

para a questáo socrática se dissermos, por exemplo, que a justica em taisacóes é devolver o que vecé emprestou, em outras arces é nao devolveroque vecéemprestou" 19. Oautor se refereadefinkác de331c,no qualCéfaloconcebea tese de que ser justo é dar a cada um o que lhe pertence, idéíaqueserá rebatida mediante demonstracáo de que em algumas sítuacóes ela é

correta, masem outras apresenta ccnseqüéndas desastrosas. Nolivro V, decerto modo, Platáoestá retomando esse tipode casopara mostrar que urnadefinicao cujostermos sao eficazes para dar conta do problema em algumassituacóes, mas nao em todas, nao é urna boa definicáo. Ora, os Amantesde Espetáculos sao justamente aquelas pessoas que nao consideram essaexigencia urna verdade necess ária do conhecimento.

Isto posto, voltemos áquelaspremissase observemos que Platáoestá

dizendoqueoconhecimentodiz respeitoaoqueésempre.Sealgonaoapresentaessa exigencia, entáo nao é conhedmento. Isso quer dízer que a definkáo deCéfalo e Polemarconao é conhed mento, embora nao sejaignorancia,porqueestá "entreosaber e a ignorancia." Veja que oobjetívode Platáo nao émostrarque somente ao filósofo cabe o conhecimento, comose o filósofoatribuíssea si essa funcáo. Aocontrario, Platáo mostra porque "acontece" de apenas ofilósofo saber. O filósofo é o sujeito que busca conhecerapenas aquílo"que é"

e que nao muda nunca.Sepensannos a Repúblicaa partir dessa tese,compre­enderemos por que o texto precisa se deter em tantas opinióesdivergentes(Polemarco,Trasfmaco,Amantesde Bspetéculos,etc.)para definir a justíca. É

19IRWIN. 1995, p. 264.

I. MITO DA CAVERNA - PLATAO Textosfilosóficos em discussáo D3:C: : =(1)

Page 20: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

necessário que fiquemdaros osefeitos eos limites das opinióesque nao saoconhecimento. ~ preciso que o leitor perceba queo sucesso de taísopiniéesé justamente o que elas possuem de correto. Elas sao pláticase atraentes,como atesedeCéfalosobreo Bem aosamigos,urnaopiniáoquea maior partedenósnaoconsiderarla,salvo exame críterioso, equivocada.Éocaso tambémda tesede Trasímaco sobre a eficáda da forrae dalei. Mas no livro VPIaUoavancaadiscussáo pan mostrarqueesse tipodepensamentonaose mantémpor muito tempo porque sua inccnsisténdadefinidonal leva aodesacordo eeste aodesequilibrio social

O raciocinio adma levará Platác a propor uro ponto novo em re­lacáo a Sócrates. Platáo introduz um conceitochamado Forma ou Idéiapara dar conta da questáo do conhecimento daquilo que é. Trata-se de uroconceito muito debatido na literatura de Platáo porque, no vasto corpode diálogos (36) 20, só exístem tres obras que se referem explidtamenteas Formas: Fédon, Banquete e República. Os demais di.ilogos utilizamargumentos que se referem a conceitos em si (kath'haut6), mas naonecessariamente sao referencias a urna "I eoria das Formas". O pr éprio

mito da caverna, talveza imagem do platonismomaisconhecida. nao fazreferencia alguma a. Teoría das formas. embora o progresso epistémicoqueo mito descrevesejaurnaalusáoclara a esse tipode teoria.

Mas o que sao, afinal, as Formas ou ld éias? Naanélisedo profes­sor MarcoZingano:

"Para Platáo, dada urna multiplicidade de objetos referidos por um mesmotermo de modo inequívoco , h.i urna e única idéia, que ~ o modele do qualesses objetos 530 as rópias. Obviamente. nao há urna idéia para qualquerter mo geral de noss.a linguagem (nao há, por excmplo. ld é¡.a de /xi,boroou degrego, mas se mente de hQmrm), mas a todo termo geral que designaurna das junturas ou a r t ic u la~oes do mundo corresponde urna ldéia queconcentra em si o ser em quest áo, enquanto os objetos materiais existema título merament e de c óptas ou imitacóes. Os particulares. assim, nao so­

mente est ác cont idos nos universais, como t ..mhPm sao ro nrebidos romocausados pelos universais, derivados deles e hierarquizados por clcs.?'

20 Cf. ZINGANO, 2002, p. 25.21 {bid"tl, p. 46 .

l . MITODACAVERNA · PLATÁO

Nessa análise as Idéiassao comparadas a "modelos", Um exemploé a idéiade mesa, Nas salas de aula, nas universidades, nos escritóriosvemos urna infinidade de tipos, tamanhos e formas de mesas. Multas

estáo desgastadas pelo tempo, outras sairam de linha, etc. Mas nasmesasantigas e modernas há um núcleo comum, urnacaracterística quenao muda. Essa seriaa Id éia, sempre a mesma. Oqueé caracterlstíco dePlatáo é dizer que aquelas "mesas' sao casosparticulares e, como tais ,

imperfeitos, da Idéia de mesa, o que o leva a dizer também que a Idéiada mesa é causa das mesas particulares.

Embora essa explicacáo do conreito de Idéía como "modelo" sejabastante adequada para dar contado que Platáo expressa nosdiálogos, haurnacontrovérsia a respeito do seguinte aspecto. As idéiassao realmentemodelos, ou seríam conceitos mentais que Platáo, por urna necessidadeontológicae epistemológica, Ihes arrihni 11m papel táo preponderante naconstitukáo da realidade a ponto de acreditar que, de fato, tais íd éias sao"modelos naturaís" da realidade?

Para concebermos claramente a diferenca entre estas alterna­tivas, examinemos mais atentamente aquela primeira premissa queidentificamos no debate entre Sócratese os Amantes de Espetáculcs. Aprimeira premlssa podequerer dizer, segundo Gail Fine. duas coisas:

la) quem conhececonhecealgumacoisa de existente; oulb) quem conhececonhece um conteúdo do seu conhecímento.

Essas duas leituras sao distintas. Na primeira leitura ternos ahipótese, defendida por Zingano adma, de que as id éias sao como mo­delos naturais de coisas "ex is ten tes" no mundo" . Platác estaría dizendoaqui que quem conhece tem como foco deste conhecimento ldéias queexistem para além do fato de pensarmos nelas ou nao. Essa alternativaimplica que tais idéias sao "separadas" de suas manifestacóesparticula­res no mundo. Casotípico é a idéiade Justica. Segundo essa concepc áo,

nenhuma alma, cidadeou regime políticojamais será capaz de manifes­tar fielmente a "idéia" deJustica.Aid éia existe num plano nao sensível.

22 Ibidrm, p. 45

Texto,s filosóficos em discussáo

(1)

Page 21: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

totalmente independente deste plano no qual, no entanto, há "casosparticulares do conceíto",como a própria vida de Sócrates, consideradoo homem mais justo de seu tempo por Plat áo. Muitosleitores de Platáoconcebem deste modo a Teor ía das Formas e 3 relacáo entre o mundosensível e o inteligivel, conforme veremos no mito da Caverna.

Aalternativa 'b' se distingue do que foi exposto acíma no segulnteaspecto. Ela oferece a opcáode Platáo nao estar se referindo 30 objeto doconhecimento, masao conteúdo daquiloque é conhecido. Segundo GailFine, nessa alternativaPlatác está apenasdizendo que quem conhece estáerocondíróes de responder aquestác "o que vecesabe?"Éurna perguntaqueremeteacapaddadedepronunciaralgumasproposícóesqueexprimemo conteúdo do conhecimento. Adíferenca básica aquí é que as id éías ouFormas nao sao modelos naturais de coisas, mas "prcpriedades explana­tórias"23 de certos conceitos moráis como Justica. Coragem, Temperanca,ou epistemológicos, como Conhecimento, Verdade, Ignorancia, assimcomo outros. IOOn chama atencéo para o fato de que os contextos nosquais Platáo discute as Formas tratam especialmente do problema dadeficiencia epistemológica dos sentidos em relacáo ao pensamento. NoFédon,por exemplo. Sócrates discute o fato de que pedras e paus,do pon­to de vista dos sentidos, podem parecer iguaís sob certa perspectiva. masdesiguais sob outra. Esse problemaé chamado, na literatura de Plat áo, de"co-presenca dosopostos", urna referencia a din ámica da sensar áo. Plat áo

cría as Formas paraoferecer urna saída a esserelativismo sensível. Outroaspecto distinto da leitura b é que ela nao implica "separacáo"ontológicaentre id éia e instáncia sensível.

Mas afina! de contas, que tipo de problemas Plat áo veno fato denos apegarmos ao mundo circundante, as sensac óes que esse mundonos propicia para orientar nosso conhecimento? Ahistória da filosofiamostra, por meio de textos clássicos de Hume, Locke e Kant. que oconhecimento tem urna génese na sensibilidade. Será que Platáo estánegando isto?

23a. IRWIN, 2005, 152

Na verdade, quando Platáo diz que o conhecimento diz respeitoáquilc que "é", trata-se de mostrar que o conhecimento nao se coadunacom as realidades que nao se mant ém por muito tempo. É justamenteessa a caracteristica da sensacáo e dos "espetáculcs" propiciados pelamultiplicidade reinante no mundo sensível. Nesse sentido, Rogueafirma que

"a Idéía deveser consíderada romo urnaunídadegenérica pela qual, sinte­

tizando o diverso no um, poe fim ac paradcso de um¡ mesmapredkacáorealizada sobre sujenos múltiples e diferentes; e romo princípio da reali ­dade, pela qua! ele permite repensar a unidsde da ídentídade COrKl1'U, nahierarquía de SlW detemlin.a~6espreprtase ""lativas"?4.

o grande tema do platonismo é quase urna obsessáo de buscarnum conceitc urna unidade passível de ser assimílada pela raa ác eque possa expressar um conteúdo firme acerca de uro conjunto vastode objetos. Pensemos no exemplo do Menon, simplório o suficientepara que nao fiquem d úvidas acerca de seu efeito did átíco: ero 73b-c,Sócrates refere-seamultiplicidade e unidade de um mesmo objeto, asabelhas. Sao múltiplas em tarnanho e características. Mas há urna uní­

dade que só urna definícác (leía-se "idéia") pode fornecer. Os diálogosestác repletos de exemplos deste tipo porque sao variacóes da mesmaqu estáo socrática que guiavaos primeiros diálogos. Éa quest éo · 0 queé" urnaabelha, um hornem, a justita. O que muda, amedida que Plat áovai amadurecendo essa intuicáo socrática , é a capacidade platónica derevestir a idéia original com urna pletora de metáforas e irnagens.

Além disso, h é urna s érle de argumentos que tomam o temasocrát ico da deflnícác e o projetarn no contraste entre sensacáo econhedmento, como estratégia para reti rar dal urna explicacáo dagénese do conhecimento. É o (aso, por exemplo, da passagem dostres dedos (S24b-d). Ali o texto póe em relevo que certos dadosda sensaráo "provocam reflex áo" e outros tantos nao o fazem. Por

14 ROGUE, 2005 , p. 81 .

1, MITO DACAVERNA - PLATÁO Textos filosófic:os em discussáo a'i::=:::~(1)

Page 22: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

exemplo, na visáo dos dedos, enquanto os examino como "dedos",pouco importa que se t rate do pequeno ou m édio, fino ou grosso.Plat áo diz que a sensac éo neste es tágio nao faz a quest áo to qu e é?".É esse, po rém, a pergun ta que a visáo dos dedos provoca quanto se

trata de pens ar sobre a pequenez ou grandeza do s mesmos. Nessecaso, a alm a se depara com a co-presenca dos opostos porque o queprovoca a reflex ác na alma é a sensaréo contraditória (d. S23 c1).

Trata-se do caso em qu e um mesmo objeto (dedo) pode se r finonum dado contexto, mas grosso no ut ro. Esse tipo de reflexáo teria

levado Plat áo a formular as Formas, porque somen te elas escapam

.10 relativismo da sensac áo. Um ser particular pod e se r grande oupequeno, mas as id éias de grandeza e pequenez, em si mesmas, nao

podem variar.No entanto, é difícil decidir se as Formas sao conceitos mentaís ou

modelos naturaís. Uma decisáo entre as duas alternativas na passagemdo livro V requer um estudo mais detalhado do sentido do verbo "einai"

(Ser) que está sendo usado ali. Isso nao é possível nos limites deste artigo.

Mas consideramos oportuno apresentar as duas opcóes para que o leitor

tenha um mínimo de contato com urna quest ác bastante discutida hojeda literatu ra de PIaUo. Trata-se de saber até que ponto os livros V-VII

permitem concluir que Platác defende urna separa~o ontológica real

ent re a dimensác sensível e a dimensáo inteligível. Esse é um tema im­portante, sobretudo no mito da Caverna. Será que Platáo defende que as

ídéias (Formas) sao completamente separadas da realidade? Será que ele

defende urna separacác moderada, permitindo que baja alguma analogíaentre sensíveis e Formas? Ou será que náo éurna separacáo ontológica, mas

meramente epistemológica, nos sentido de que tudo o que diz respeito .10

conhecimento é, por definicáo, separado da dímensáo sensível. A medida

exata desta separacáo depende de urna deds áo sobre o sentido preciso das

seis premissas que apresentamos adma, sobretudo de uma decisáo clara

entre l a ou lb.

g) O sol,a Caverna e a línhadividida

Plat áo diz na República que o fun dam ento de todo conheci­mento é o Bem . Este bem é comparado .10 Sol (SO?c-5ü 9b). Apesar

da clareza da an alogía, Sócrates nao forn ece detalhes de como oBem se conecta as demaís For mas. Muito já se discutiu sobre essa

omissáo. Além do fato de que o Bem "ilumina ", de um modo que fíca

pouco claro no texto, as demais Formas, há a afirmacác em 50gb de

que o Bem está "além do Ser". Éurna linguagem mística, sem dúvida.Plat áo parece querer dizer que o Bem nao é defin ível porque ele é o

princípio de todas as coisas e, como tal , nao pode ser fu ndamentadopor nada mais , sob risco de perder o pasto de princípio primeiro. Aanalogía com o Sol reforce essa ídéía, pois se trata de conceber o Bem

de modo análogo .10 modo como vemos o Sol: ele nos permite ver ascoisas por melo de sua luz, mas nao o vemos diretamente, poís a luz

nos cegaría. Assim é o Bem: ele ilumina e dá Ser as demais Forma s,mas nao podemos "entender-ver- o que ele é.

Platáo elabora urna imagem mais detalhada para que entendamoso que ele está propondo em termos de conhecimento da realidade. Éo

mito da caverna, rujo texto transcrevemos na integra:

Sócrates - Agora leva emcontanOS$a natureza,segundo renha ounaorecebídoeducQ~Qo e compara-a com o seguinte quadro: imagina umQ caverna sub­terninea,comumaentrada ampla,abenoaluzem toda QSUQexrenséo, Ládentro, Qlguns homens se encontram. desde a in{imcia. amarrados pelQSpernas e pelo pescoco de tal modo que permQnecem imóveis e podem oihartQo-somente para a {rente, pois as amarras nao lhes permitem volcar acabe~Q . Num plano superior, atrásdeles, arde um{ogoQcertQdistanciQ. Eentre o{ogo eosprisioneiroseleva-se umcaminhonolongodoqualimQginaque tenha sidoconstruido um pequeno murosemelhante aos tabiquesqueostiteriteiros ínterpóem entresie o públicoa {im de, porcimadeles, [azermovimentarasmarioneres

GIQUCO- Possoimaginar Qcena.

SócrQtes- Imagina também homensque passamaolongodessepequeno muro

l. MITO DA CAVERNA - PLATÁO Textos filosóficos em dtsccssác

(1)

Page 23: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

carregando uma enorme variedadede objetoscuja altura ultrapassa a domuro: estatuas, e figuras de animais feitas de pedra. made;ra e outrosmatenais diversos. Entre esses carregadores há, naturalmente, os queconversam entresi eos quecaminham silenciosamente.

Glauco - Trata-se deumquadro estranhoedeestranhos prisioneiros.

Sócrates - E/es sdo como nós. Acreditas que tais homens tenham visto de simesmose deseus companheiros outrascouas quemio assombras projeta­das pe/o fogo sobre aparede dacaverna quese encontra diante deles?

Glauco - Ora, como isso seria possível se foram abrigados a manter a ca~a

imóvel dura'lte toda a vida?

Sócrates- Equ:mto aosobjetostransportados 00longo do muro. mioveriamapenas sombras?

Glauco - Certamente.Sócrates - Mas. nessas condif&s, se pudl'SUm conwrsar unscomosoutros,

mjo sup&s quejulgariam estarsereferindo aobjetos reais 00mt"ncionar oquevéem di:mtedesi?

Glauco - Sem a menor dúvidaSócrates - Esses homens, absolutamente. nao pensariam que a wrdadeira

realidade pudl'SU seroutra coisasendo assombrasdosobjt"tos fabricados.

Glauco- Sim, fOrfosamente.

Sócrates - Imagina agora o que sentiriam, se fossem libertados de seesgrilhOes e curados de sua ignorancia, na hipótese de que lhes acame­cesse, muito naturalmente. o seguinte: se um deles fosse libertado esubitamente forfado a se levantar, viraropescOfO. caminhar t" enurgara luz, sentiría dores intensas ao[azer todos esseemovimentos e, com avista ofuscada, seria incapaz de enxergar osobjetos cujas sombras e/t"vio antes. Que respondería ele, na tua opinido, se lhe fosse dito que oque viaatéentdoeram apenassombras inanes, equeagora, achando-semais próximo da rea/idade, com os olhos voltados para objetos maisreais, possuía visdo mais acurada?Quando. enfim,00 ser-ihemostradocada umdosobjetos que passavam. fosseele abrigado, diantede tantasperguntas, a definir o queeram, n60 supeesque ele ficariaembarafadoe consideraria queo que contemplava antes era mais verdadeiro doqueosobjetos quelhe eram mostrados agora?

l. MITOOA CAVERNA - PLATÁO

Glauco - Milito mais verdadeiro.Sócrates - E seele fosse abrigado a fitar a propria luz, ndo acreditas que lhe

doeriam osolhos e queprocuraria desviar o o/har. valtando-separa os ob­jetosquepodio observar, considerando-os,enrao, realmente maisdistintosdoqueaquelesque/he eram mostrados?

Glauco- Sim.

Sócrates - Mas. seoafastassemdaIiQ forra, obrigando-o agalgar asubidaásperae abrupta e ndo o deixassem antes qut" nvessesidoarrascada cipresenca dopróprio S%~~ n60 crés queele sofreriae se indignaria de tersidoarrastado desse modo? Ndo eris que. uma vez diante da luz dodio.seus olhos ficariam ofuscados por ela, de modo a mio poder discernirnenhum dos seres considerados agora verdadeiros?

Glauco - Nao poderia discerní-los, pelo menos no primeiro momento.Sócrates - Penso queeleprecisaría habituar-se, a fim dt" estar em condifóe5

de ver as coisas do a/to dt" ondt" se t"ncontrava. O que veria mais fadl­mente senam, em primeiro lugar. as sombras; t"m seguida, as imagensdos homens edeoutrosseres re fletidasnaáguae, fi na/mente,ospropriosseres.Após, elecontemplaría. maisfacilmente,durantea noite, osobjetoscelestese os propriociu.00 elevar osolhosemdi~fijo Q /uz dasestrelas edalua- vendo-o maisclaramt"nuqut" 00 sol01.1 asualuz duranteodia.

G/auco - 5emduvida.

Sócrates - Por fimoacredito, poderia exergar o próprio sol - nao apenas suaimagem refletida naógua 01.1 emoutrolugar-, emseu lugar, podendo vé-/oecontempló-lo talcomot.

Glauco - Éevidentequechegariaaestasconc/usOes.

Sócrates - Mas,lembrando-sedesuahabilidade anterior,daciencia dacavernaque alíse cultiva e deseus companheiros de couveim, ndo ficaria feliz porhaver mudado e ndo lamentaríapor seuscompanheiros?

Glauco - Comefeito.Sócrates - Ese entre os prisioneiros houvesse o costume de conferirhonras,

louvores e recompensas aque/es que fossem capazes de prever eventosfuturos - urna vez que distinguiriam com mais precisao as sombras quepassavam e observariam me/hor qua;s dentre elas vinham antes, depois00 mesmotempo- , ndo crés que invejariaaqueles que astivesses obtido?

Trx[os filosóficos r m discus~o

(1)

Page 24: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

Crée quesentiria ciúmes doscompanheiros que, poressemeio, alcanfarama glória e o poder, e que niio diria, endossando a opiniiio de Homero, queé melhor 'lavrar a tena para um camponés pobre" do que partilhar asopíniáes deseuscompanheiros eviversemelhantemente vida?

Glauco - Sim, em minhaopiniiio elepretenna sustentaresta posi~iio a voltara vivercomo antes?

Sócrates - Ref1e~e sobre o seguinte: se esse homem retornasse acavernae fosse colocado no mesmo lugar de onde safra, mio eres que seus olhosiicar íam obscurecidos pelas trevas como os de quem foge bruscamenteda luz dosol?

Glauco - Sim. completamente.

Sócrates - E se lhe fosse necess ário reformular seu juízo sobre as sombras ecompetircom aqueJes que íá permaneceram prisioneiros, no momento emque sua visiio está obliterada pelas trevas e antes queseusoJhos a e1as seadaptem - e esta adapta~ao demandaria um cerio tempo - , nóo acreditasqueesse homemseprestariaajrxosídade?Nao lhediriamque, tendo safdoda caverna, a elaretornou cego e que nao velería a pena [azer seme1hanteexperiencia? E nao matariam, se pudessem, a quem tentasse libertá-los econduzi-Ios paraa luz?

Glauco - Certamente.

(República, 514a-517c, troducao de Maria E. M. Marcelina in:A República:Iivrovíi. Brasíiia:EditoraUNB, 1996.

A pr imeira coisa que deve ser dita acerca desse texto é a riqueza

de detalhes com que Platá o sintetiza o argumento central da República.Conforme vínhamos abordando, esse argumento consiste na demons­

t racáo da analogia entre as forcas da alma e os elementos da Cidade. No

texto acirna, a Cidade é a própria Caverna, povoada por pessoas que,

"desde a infancia", est áo com os p és e o pesco~o acorrentados. Observe­

se que a primeira linha do mi to diz que a alegoria qu e viré a seguir é urna

referencia a nossa natureza.Sócrates dísse ern (517a) que a alegoria da caverna deve ser compa­

rada ao que foi exposto anteriormente. O que foi exposto anteriormen te é

a idéia do Bem como causa do conhecimento de todas as coisas, por meio

da imagem do Sol (S07c-S09c), e a Linha Dividida (S09d-511e), urna linha

coro quatro segmentos que Platáopede para que o leitor imagi ne. Elarepre­

senta os quatro estágios de saber. Platác sugeriu que a linha seja divida em

dois segmentos desiguais e depois estes dois segmentos em mais quatro

segmentos, segundo a mesma proporcáo.Para ficar ma is claro o que Platáo está sugerindo , vamos repre­

sentar o conteúdo dessa linha por mei o de dois diagramas. O primeiro

rep resenta a esfe ra Inteligível, qu e indica a parte superior da linha. O

segundo a dimensáo da opiniáo, a parte inferior da linha. As subdivi­

sóes correspondem aos sub-níveis desses dois segmentos . Note-se que

na esfera in teligível o que está no topo é a Forma do Bem, e na esfera

sensí vel, é a Opiniáo.

FORMADOBEM

o lado esquerdo refere-se aos estados mentais, o ladodireito ao conteúdo do conhedmento.

,)l. MITODACAVERNA - PLATÁO Textos filosóficos em díscussáo

(1)

Page 25: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

o lado esquerdo refere-se aos estados mentais, o ladodireito ao conteúdo do pensamento.

Agora observe como no mito da caverna há também quatro está­

gios: 1) Os prisioneiros estáo no estágic das "imagens", pois véem apenas

sombras dos objetos que estáo senda transportados no muro atrás deles. 2)

Quando sao libertados dascorrentes, os prisioneiros passarn para o estágioda "crenca", no qual véem os objetos que causam as sombras e reflexos pela

primeira vez. Estes objetos, pcrém, ainda nao sao objetos "reaís", pois saosimulacros: "esta tuas, e figuras de animáis feítasde pedra. madeira e cutres

materiais diversos", Note-se que permanecer no interior da caverna equi­

vale a permanecer na dimensác da opiniáo, mesmo que ela seja verdadeira,caso dos prisioneiros que descobrem os simulacros. 3) Este estágio 0 0 mito

da caverna representa o pensamento no diagrama. Éo primeiro conta to do

sujeito com a realidade real, sendo que o sol, fora da caverna , representa oBem que está no topo da linha . 4)Adiferenra entre o nível 3 e 04 no mito da

caverna é urna quest ác de grau e de extensáo do conhecimento. Na linha , o

nível 3 equivale adimensáo em que o sujeito exerdta seu pensamento comhipóteses, sobretudo no ramo da matemática. NoníveJ4 ele alcance. ent áo,

urna visáo geral de todos os objetos e conceitos existentes, ultrapassando o

,

Imagínacáo(eikasía)

Sombras eReftexos

plano das hipótesespara chegar nos príncípíos efetivos. Notexto do mitoda caverna é o momento eroqueele reccnhece o solcomofonte da luze docresdmento dos seresnaturais.

la) Qualo sentido do mito da Cal'ema hoje?Ero 6.1050fi3. é preciso muito cuidado nestas compararóes entre o

que o filósofo disse ero seu tempo e o que se passa no 00550. Isso vale,sobretodo. para o mito da caverna. É urna imagem cujo ccnteúdo dizrespeito aos aspectos cognitivos e moraísdo genero humano. O que elatem de verdade nao é para nossa época, mas para todas as épocas. Opoder da imagem está, precisamente, ero sua capacidade de ser atualem todos os tempos.

Noentanto, é evidente que alguns aspectos da vida mode rna est áo

ret ratados no mito. A insistencia de Platáo em tracar urna linha dívis ónaen tre a opiniáo e o conhecimento ap rese nta um cont raste com a valori­aacáo das opiníóes e palpit es do cidadáo comum pela mídia televisiva.

Outro aspecto que merece destaque é o fato de Platáodescrever no mito

que o prisioneiro libertado das corren tes , quandc volta ao ambiente que

viveu e conta o que sabe, é tratado com hostilidade. A mensagem domito é somb ria num sentido que sabemos estar ligado ao destino de

Sócrates. Aqueje que saíu da caverna deve cercar-se de cuidados para

que nao seja conduzido amorte pelos que estáo na caverna.Quanto 030 tema das Formas, é precise cautela . O que Platáo

chama de Formas sao, de fato, idéias que possuem mais realidades que

as coisas existentes no mundo. Todos os leitores da República entendem

deste modo o conceito. No pormenor, porém, o livro VII mostra que asFormas devem ser objetos de pensamento. Tais objetos exercitam no

filósofo O afastamento das realidades transitórias e sedutoras da vidacot idiana. Sao entidades que norteiam a investigacáo filosófica, que por

sua vez comanda a cidade. Qualquer teoria filosófica tem esse tipo deconceito. O que diferencia Plat áo é a insistencia na atribukáo de "maís

ser" a taís conceitos que as próprias coisas.

l. MlTODACAVERNA - PLATAo Textos fiklsófKOlI em discuss¡o

(1)

Page 26: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

fiLMES

As indiea,dtsdos fzlmtsabaixo sáo contribui,&$ do Professor SaTldro Pemandes.

MATRIX .O filme trata sobre urna ilusáo possível da realídadeque conhece­

mas. Neo é urohacker que tem a oportunidadede descobrir a verdade.pois acreditamque ele é o escclhido e o predestinado a salvar o Mundoda ilusáo que a Matrixescondede nós.

Cenaimportante:Acena que sedestaca é a que Morpheus entregaa Neo duas pílulas das quais ele deverá tomar apenas uma: a pílula daílusáo ou a da realidade. Esta cena ap resenta a íd éía do Mito da Caverna,

quePlatác escreveu hámaísde 2400 anos.Algumas pessoas que viviam

numa caverna descobrem uro mundo fora da caverna e devem escolher

entre a ilusác de que o único mundo existen te é a caverna ou tomar-seconsciente de que h á out ra realídade além da que ele conhecía.

Out ros filmes que ebordam este tema:• Show deTruman- A fuga das galinhas

l. MITO DACAVERNA - PLATÁO

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Trillos filosóficos ero discu$~o

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Page 27: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

l . MITO DACAVERNA · PLATÁo

o PRÍNCIP

NICOLAU

Maria Lúda de Andrade

M • •• sendo meu intento escrever algo útil para quemmeler, parece-me maís conveniente procurar a verdadeefetiva da coísa do que urna imagina~ao sobre ela"(MAQUIAVEL, 1993-cap.xv. p.72.),

JI. J CONnXI'ü IIISTÓRICO

Em 1434, Florencaestava submetida ao poder da familia Médici:Cosimo o Velho (1389 -1464) e seu neto Lorenzo o Magnífico (1449 ­

1492) governarama cidadeero momentos difíceis. AItália encontrava­se fragmentada ero repúblicas e pr incipados independen tes - para cita ros principais: Ducado de Miláo, Estado de Florenca , Reino de Nápoles,

República de Veneza e os Estados Pontifldo s, sem uro poder centralforte corno os jáestabelecidos erooutros países. Essa divisáoprovocavadesentendimentos entre os principados, que, en fraquecidos, sofriamínvas óes e depredacóes de franceses e espanhóís.

Cosimo e Lorenzo tentaram urna polít ica de pacificacáo, impe­

dindo que um Estado tivesse predominio sobre os outros, mas nao foi

Textos filosóficos em discussác

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Page 28: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

o suficiente. Depois da morte de Cosimo, o poder da familia Médiddecaiu aos poucos, mas Lorenzo de Médici (1469) conseguiu atraír oPOyOpara seu lado, bem como algumas familias influen tes da cidade,

escapou de um atentado da fami lia Pazzi que, em 1478, consplrara m

contra os Médici, conjuracáo que custou a vida de Juliano de Médici(1453 - 1478), mas nao conseguiu realizar seu grande intento de ellmi­

nar Lorenzo de Médici. Nesta ocasiáoe circunstancia, a cidade e o POyOtomaram partido de Lorenzo , que saiu com seu poder fortalecido. Os

Médici, como bons ama ntes da arte, traziam para sua corte inúmeros

artistas como Botticelli, Perugi no e Ghirlandaio, o que os tom ou conhe­

cidos como grandes mecenas.Foi em meio a essas circunstancias que os novos pensadores refle­

tiam acercade sua realidade e sobre as exigenciasde seu tempo, nao mais deurna perspectiva religiosa, teológica ou moral, mas humanista, que nasceu

Nicolaude Bernardo Maquiavel, em Plorenca. a 3 de maío de 1469.

Lorenzo morreu em 1492. em um momento de tensóes internas,

foi substituído por Piero de Médici (1471-1503), jovem que. sem nenhu­ma experi énda ou pr ática política, cedeu as pressóes de Carlos VIII, rei

da Franca, que redamou a coroa de Népoles, recebendo de Piero algu­

mas fortalezas do litoral toscano; esse fato político gerou a revolta dos

florentinos, que se rebelaram com a covardla do jovern govemante, quefoi expulso e exilado; as te ns óes que se seguiram prepararam a repúb lica.

O poder foi assumido por Girolamo Savonarola, um frade dominicano,

que se pos icionava contra a cortupcáo política e a degeneracao dos

costumes e at ribuía aos Médici tal decadencia. Savonarola reclamou pelarestauracáo da república, que foi instaurada em 1494, porém em 1498

Savonarola foi condenado .\ fogueira , principalmente por posicionar-se

contra o papa Alexandre VI. O govemo passou entáo as máos da família

Soderini. Durante o governo de Piero Soderini (1502 - 1512), MaquiaveI.com entáo 29 anos, exerceu o cargo de secretario da Segunda Chancelana,

cuidando dos assu ntos externos de Florenca. A partir de 1502, Maquiavcl

se tornou conselheiro e hom em de confianca de Soderini.

íí. o PRI NCIPE· NICOLAU MAQUlAVEl

A península tornara-se cen ário de langas lutas com a Franca .Espanha e o império Alemáo: constantemente atravessados por exér­citos mercenários, alguns estados italianos mostravam-se impotentes

e buscavam alíanca e protecáo entre os pret endentes mais poderosos.Entáo, Maquiavel foi enviado pelo governo republicano a Franca, á

A1emanha e a outros lugares, pa ra tratar dessas aliancas, o que desper­

tou seu interesse pelas ques tóes polít icas e fez com que ele percebesse afragilidade dos principados italianos.

Essa partícipacáo ativa na vida política de Florenca fez ccm queMaquiavel fosse escolhido para o cargo de secretário dos Nove das

Milicias, iniciando um processo de recru tamentc e organizacáo de

urna milicia floren tina para substituir, segundo Maquiavel, os caros eperigosos exércitos mercenarios.

Por ém, em 1512, as tropas espanbolas conquistaram Florenca

e derrubaram, a república florentina; a milicia cívica nao resisti u .10

cerco espanhol e Soderini foi exilado; Maquiavel perdeu todas as suas

fun cóes junto ao Estado florentino e, acusado de conspiracáo, foi preso.

Após sofrimentos e humilhacóes, Maquiavel foi inocentada e libertado,resolvendo reti rar-se em urna pequena propriedade rural (quinta), he­

ranca de familia . Lorenzo de Médid (1492 -1519). bisneto de Lorenzoo Magn ífico, assumiu o poder.

Naquinta, após 14 anos em vida política (1498 -1512), Maquiavel.comecou urna nova fase na sua vida , distante da prátíca política e do

cenário político, período de gra ndes refiexóes , que o transformaram em

um dos maiores escritores polít icos da modemidade. Foi nesse contexto

de derrota política e de solid ác voluntaria que Maquiavel escreveu seulivro mais famoso e controvertido: O Príncipe.

Mas Maquiavel nao se Iimitou aproducáo de O Príncipe: ainda

em 1513 escreveu simulta nea mente os "Discursos sobre a primeíra

década de Tito Livío", que abord ava a problemática da ínstauracáo econservacáo do regime republicano , trabalho que foi provavelmente

finalizado em 1517. No perí odo de 1513 - 1520, escreveu ainda sobre

Textosfilosóficos erodiscussJ.o

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Page 29: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

"Aarte da guerra". Em1520, o cardeal Júlio de Médici, responsável pelaUniversidade de Plorenca. contratou Maquiavel por 2 anos para redigir"anaise crónicas",dando origem .10 escrito conhecido como "Historiasficrenrínas". Entre outras producóes, Maquiavel destacen-se com a pe~a

teatral "Amandrágora" (1518).Maquiavel ofereceu seu manuscrito, O Príncipe, a Lorenzo de

Médici, pois tínha a convicráo de que o jovem Lorenzo poderia traduzirem acáo política os conselhos contidos em seu manuscrito e tomar-se opríncipedestinado a unificara Itália.

Nesta obra, Maquiavelafirma que a políticaconstituí urna esferada existencia humana que, estando relacionada com varias outras, naopode ser confundida nem com a ética nem com a religiáo. MaquiavelInicíou , portan to, urna maneira realista de pensar a política, que foisua marca registrada na história do pensamento político moderno.Segundo Maquiavel, no capítulo XV de O Príncipe, para se ter urnaboa compreensáo dos problemas enunciados é preciso antes confiarna "verdade efetiva" das coisas e nao ficar "imaginando repúblicas emonarquías que nunca existiram". Épor isso que Maquiavel nao partede axiomas e postulados, mas de exemplos apresentados por autoresclássícos como Tito Lívío, Políbio, Tucidides, Tácito e Xenofonte, alémda história mais recente e de sua experiencia pessoal como enviado daRepública florentina em rnissóes diplomáticas.

Maquiave!propunha odeslocamento da vísáopolíticateóricaparaa pr ática, ou poderíamos fazer um trocadilhc e afirmar que Maquiavelsimplesmente fez da pr ática política urna teoria.

Podemos dizer que o verdadeiro propósito de Maquiavel, .10

escrever O Príncipe, pode ser compreendido em seu último capítulo(XXVI) : "excrtacáo a tomar a Itélia e líbert á-la das máos dos b árbaros"

(MAQUlAVEL,1993, p.120), ou seja, sua pretensáo nao era a de apre­sentar uro manual para príncipes aspirantes, mas de escrever sobre aarte de conquistar e de manter o poderpolítico e até mesmode criar uronovo Estado.

Maquiavel faleceu em 1527 sem vívendar a unificacáo italiana,a estabilidade do governo e com os seus benefícios conseqüentes arornunidade, poís a formacáo do Estado italiano semente acorrerá noséculoXIX.

11. 2 APRESENTAl;:ÁO DA OBRA

Il.2.1 Bstrutum geral daobraA interpretacáo que segue ficou centralizada na leítura de O

Príncipe, sem fazer ligacóes com outras obras/producóes do pensadorflorentino.

Podemos dizer que a primeira leítura de O Príncipe parece defácil comp reens ác devido a sua clareza estilística, porém, de caráterimpactante e polémica quanto as suas idéías: ac buscar os comen­tadores, percebe-se que a compreensáo nao é t áo simples, visto queexistem diversas leituras e ínterpretacóes acerca da obra, na maioriadas vezes divergentes entre si. O livro está divididoem 26 capítulos, eneles Maquiavel refiere e apresenta os problemas políticos de sua época,desenvolvendo urna teoria do poder.

Nos capítulos r a IX, Maquiavel escreve sobre o que é um prin­cipado e sobre os tipos de principados, q llP podem ser: hereditarios,mistos, eclesiásticos ou novo;reflete também sobre a maneira pela qualsao obtidos, o modo pelo qual sao conservados e as razóes pelas quaissao perdidos. O que interessa a Maquiavel é o problema da aquiskáo

do poder em geral ern uro principado novo ero part icular. E a atencáopara o principado novosurgedo ínteresse de Maquiavel pelaquest áodaunificacáo italiana, poiso príncipe que unificasse a JUlia deveria iniciarseu feito partindo do zero, ou seja, criando um novo estado fundadonas conquistas e na virtu do governante. Pode-se estabelecer ainda aseguinte divisáo, dos capítulos III até o VII, Maquiavel descreve comoacorrea aquísicáo de um principado em uro território estrangeiro;e nos

Il. O PRINCIPE· NICOLAU MAQUIAVEL Textos filQsófiCQSerndíscussác

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Page 30: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

capítulos VIII e IX, a aquisicáona pró pria patria .

Os capítulos X e XI t ratam da defesa contra inimigos externos,

sendo que este último considera esta questáo de um ponto de vista

mio muito usual , porque questiona se os principados eclesiásticos, que

sao baseados na religi áo, precisam de armas para defender-se. Dessa

maneíra, Maquiavel conclui sua investígacáo acerca dos diversos tipos

de pri ncipados.

Nos capítu los XII até XIV, Maquiavel tr ata do caso do príncipe

que pode permitir-se criar um exército e, em par ticular , a quest áo de

qual dever ia ser a natureza desse exército: se é melhor pa ra o príncipe

recor rer as milícias mercen árias ou form ar urna milícia cívica.

Dos capítulos XV ao XXV, Maquiavel trata da figura do príncipe e

das regras de conduta que ele deveria seguir. Com respeito aimagem do

príncipe abordada por Maquiavel nesses capítulos, deve-se sublinha r 4

conceitos fundamentais, a 11m de se entende r a posícáo de Maquiavel:

vircu, ocasi áo, fort una e necessidade.

No capít ulo XVIII, Maquiavel compara o príncipe a um centauro,

que compartilha a natureza humana e a ani mal. Assim, o príncipe deve

saber usar qualidades próprias de da is animá is, por um lado a ferocida­

de e a forca do leáo, e por ou t ro lado, a astúci a da raposa, a capacidade

de dissimular e a habilidade de engana r os ou tros. No capítulo XIX e

sucess ivos, Maquiavel insiste na refor mulacáo da imagem tradicional

do príncipe, aconselha ndo-o a nao fugir do ódio em geral, mas som ente

do ód io do POyO, pois sem ter o pavo a seu lado, o prí ncipe se encontrará

em grandes dificuldades.

No capí tulo XXIII Maquiavel aconselha o príncipe a nao confiar

nos aduladores e naqu eles que oferecem conselhos nao solicitados. Um

príncipe prudente é o rnelhor consel heiro de si mesmo e nao precisa de

outro. Al ém disso, Maquiavel diz que as virtudes mencionadas em O

Príncipe sao cons ideradas apenas em seu car áter político, pois o príncipe

deve te- las ou parecer te-las, para alcan car o sucess o político e nao para

tornar-se um individuo moralmente melhor.

No capí tulo xxv. Maquiavel escreve sobre o papel da for tuna (sor­

te ou destino) nas coisas humanas; neste capitulo Maquiavel revela seu

ataque a tradic áo c1ássicae el id éia de Fortuna como deusa da fatalídade

e dos golpes de sorteo Afirma que a for tuna pode ser vencida pela raaáoe pela virtude dos hornens, concluindo que, se a fortuna é urna pessoa

dotada de vontade, ela é ta mbém mulher e pode ser dominada e batida

particularmen te pelos impetuosos e pelos jovens, "porque sao menos

tímidos, mais ferozes e a dom inarn com maior audacia".

O capítulo XXVI, consiste em urna exortacáo no sentido de libertar

a Itália do domínio das potencias estrangeiras, corno Franca, Espanha e

o império Alem áo, constituindo-se em um convite ao principe para ser

audaz e feroz, a fim de alcancar éxito.

11 .2. 1 TEM A rFi NTR AJ. DO TEXTO: PODER

A obra de Maquiavel consiste em sua totalidade numa refiex áosobre o PODER, mas nao visa ao poder ero si, mas o PODER como

instrumento irren unciável para unificar urna com unidade polític a, para

dar-lhe ord em, seguran\a e deixá-Ia prosperar, portanto organizar a vida

política. Além disso, para Maquiavel. todas as relac óes inter-humanas

sao relacóes de poder; por isso é necessario con hecer o funcionamento

do PODER, em suas várias circuns tancias para se obter sucesso. O

príncipe deve agir com vínis,dominando a fortuna, termos empregados

por Maquiavel pa ra inte rpreta r os dais pólos em torno dos quais gira m

o sucesso e o insucesso das acóes.

Lembrando que virtú descrita em O Príncipe nao é para tornar

o ind ividuo moralmente melhor, mas para alcancar o sucesso político .

Por isso, vírtü nao tero relacáo com bondade e justíca, mas siro com

forca e valor, e está intimamente ligado ao de fortuna (opo rt unidade ,

ocasiáo, acaso). Segundo ARANHA, 1993 , p.61, o príncipe virtuoso

nao é o príncipe bom e justo, mas aquele cuja virtude se encontra na

atividade - mais pro priamente na capacidade de aproveitar a situacáo

II. O PRíNCIPE· NICOLAU MAQUlAVEL Textos filosóficos era díscussáo

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Page 31: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

com energía e éxito; o homem de virtu é aquele capazde agir de formaadequada no momento certo. Em suma, a virtis política consiste nacapacidade de deds áo que permite conquistar e manter o poder. Assima virtude maquiaveliana se mostra na acáo contundente e decisiva, querevela a prudencia do observador atento. O príncipe virtuoso é aqueleque aproveita a sttuacáo para realizaras mudancas necessárias e assimalcancar seus objetivos. Por isso, segundo Maquiavel, é melhor que oprfncipe alcanceo poder pela virtu e pela fortuna do que pelo crime.

Maquiavel reflete por metáforas que sugerem interpretaróesdivergentes. Por exemplo, compara o príndpe a um centauro, que com­partilha a natureza humana e a animal. Assim, o príncipe deve saberusar qualidades próprias de deis animáis: por um lado, a ferocidade ea foeca do Ido, e por outro lado, a astúcia da raposa, capacidades que,combinadas, permitem organizar a vida política e conquistar o poder.Um príncipe deve saber usar as duas naturezas e qualquer urna delas,sem a outra, nao é duradoura (MAQUIAVEL. 1993. p.82-3).

Maquiavelexploroua linguagem metafórica- da naturezahumanaea animal- paraexplicara necessidadedeopríncipepossuirdeterminadashabilidades para sair-se bem no contexto político, como, por exemplo, opríncipedeveria possuir a capacidade de persuadir e de dissimular (rapo­sa), porém o fato de o príncipeser capazde persuadir os súditos de algo,nao seria garantia suficiente de que eles continuariam a seguí-lo, sendoassim, ao mesmo tempo, a forca (leáo) se tornaría indispensável para opríncipe manter o que havia conquistado. Essas habilidades, comporiama capaddade requerida ao príncipe, que era a de operar para dominar osprocessos imprevísiveis (contingencia) do cenéricpolítico.

11 .2.2 PODER É POLÍTICA

Sabendo-se que toda relac éo de poder é politica, devemos refietirsobre o significado desse poder, desvinculando-o principalmente da

concepcáocorriqueira de que política existe em um universo isolado docotidiano e trabalhado apenas por políticos profissionais, para entend é­lo como uro conjunto de relacóes que es t ác presentes ero nosso roa-a­día, isto é, relacées que implicam escolhas e decisóes e que devemos epodemos ser atuantes politicamente, pois a política afeta nossa vida edos que est áo a nossa vclta, ou seja, o poder ínterfere díretamente navidadas pessoas.

11.2.3 PARA REFLETIR

Machado de Assis, no conto A teoria do medolh éo, p.22/23/25,conta-nos que um pai visando ao seu filho urna bela carreira política,dá-Ihe conselhos "imorais" no roa em que este está completando suamaioridade:

"Podes per eencer a qualquer partido. liberal, OY conse rvador, republicanoou ultramontano, com a cUusula únicade náoligarnenhuma ídéiaespeciala esses vccabulos,e recon hecer-lhes semente a utilídade [...[ Rumina bemo que te disse, mI'U filho. Guarda das as proporróes, a conversa desta ncirevale o Príncipe de Machiav~lIt.

1- Pela leitura do fragmento de texto vecé concluí que MachadodeAssis considera Maquíavel um maquiavélico, no sentido depredativcdo termo? Justifique sua resposta.

otrecho de texto quesegue foi retirado do O Príncipe,do capituloXVIII, p.84-5:

"A um prin cipe, por tento. nao é necessa rio ter de fato todas asquahdades 1...1, mas é lndispens ável parecer té-las. Alias , cusare¡dizer que, se as t íver sernpre, sc ráo danesas, ac passo que, se pare­cer te-las, serác úteis . Assim, deves parecer clemen te, fiel, humano,integro, religioso - e sé-lo, mas com a condir áo de esteres com o

11. o PRINCIPE - NICOLAUMAQUIAVEL TUIOSfilosóficosem discussáo

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Page 32: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

ánimo disposto a, quando necessario, nao o seres, de modo quepossas e salbas como tornar-te o cont rar io. Épreciso entender queum príncipe, sobretudo um príncipe novo, nao pode observar todasaquelas coisas pelas q...aís os hom ens sao considerados bons, sendo­lhes freqüentemente necessén o, para mante r o poder, agir contraa fé , contra a caridade, contra a humanidade e contra a religiáo.Precisa, portante, ter o espirito preparado para voltar-se para ondelhe erdenarem os ventas da for tuna e as vanacúes das cob as e, [ ]nao se afasrat do bern, mas saber en trar no mal, se necessar io. [ ]Cuide pois o príncipe de vencer e manter o estado: os rneios seráosempre ¡ulgados hon rosos e louvados por todos, porqu t' o vulgot'stásernpre voltado para as aparénclas e para o resultado das relsas, enao ha no mundo sen áo o vulgo; a minoría nao tem vez quandoa maicna tem ende ~p apniar. Há 11m príncipe nos tempos atua¡s,cujo nome nao convém cita r, que nao prega curra coísa senác a paze a lealdade, sendo porém inimigo de ambas; e tanto urna comocutres se aStivesse observado. lhe teriam mais de urna vez tirado areputacác e o estado".

PENSE:a) De que forma os fragmentos de textos apresentado s retratam

o significado de política?b) Há algode político nesses art igos?c) Como falar em ética política em sociedades marcadas pela

divisáo e discriminacáo social e ainda consti tuídas por ho­mens nao-politizados, portanto incapazes de intervir comocidadáosconscientes?

d) Épossível haver urna base moral ou ética para apolítica?e) Como a socicdade dcvcria ser organizada?

11.3 TEMAS I'RESt:Nn:S NO TEXTO

Poder, política, maquiavélico, moral/ ética, organízacáo da vidapolítica, unificacáo nacional, patriotismo, fortuna e virtu.

o termo "maquiavélico"Geralmente o adjetivo maquiavélico é empregadc de modo pejo­

rativc para referir-se a pessoas lnescrup ulosas, calculistas , de p éssíma

influéncia, que utilizam qualquer meio para obter determinado fim,está ainda associado aídéta de perfidia, a uro procedimento astucioso,velhaco e traícoeiro.

A palavra maquiavélico vem de Maquiavel, nome do pensadorflorentino, autor de O Príncipe. Nessa obra, ele refietiu sobre osassuntos políticos de sua época, sobre os feitos de grandes gener áis ede conquistadores, retirando daí licóes e conselhos a serem seguidospor todos aqu eles que quisessem manter-se no poder: vontade firmee dedsóes acertadas que nao prejudicassem seus súditos. Além disso,Maquiavel buscou a combinacáo ent re teoria política ou arte políticacom a an álíse e compreen sáo histórica da sociedade, para a elaborac áo

de um programa de acáo capaz de mobilizar, consdentizar e apaíxonaros homens.

Será que Maquiavel era realmente "maquiavélico", no sentidopejorativo do termo?

Épreciso que o governante saiba analisar as circunst áncias paraagir e, para se conservar, que aprenda, segundo Maquiavel a ser maue que se utilize ou deíxe de se utilizar disto conforme a necessidade.H á certas coisas que parecem virtudes e, se pmticadas, provocericm a

ruina, eoutras que parecemvicios os quais, seguidos, trazem bem-estare tranqüilidade ao govemante.

Opríncipe prudente devesaber que é prefertvel a repúblicaatoma­da violenta do poder, é maisfácil satisfazer ao POyO do queaos poderosos,poisa inimizadee o desejode oprimir destes os tornam incontrcléveis. Oss úditos permanecem Ieais quando o príncipe consegue se fazer necessá­rio. Épreciso possuir um exército pronto a atacar, ser disciplinado, evitaro luxo, respeitar a propnedade, as tradicóes e promover a prosperidade.O príncipedeve agir com pr udénda eequilibrio, nao ser desconfiado nemconfiante. E isso deveocorrer, segundo Maquiavel, porque

II. o PRíNC IPE · NICOI.AU MAQUlAVEI. Tutos filosóficos em dlscussao

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Page 33: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

geralmen!e se pode afirmar o seguinte acerca dos homens: "que sáo in­gratos,volúveis, simulados e dissimulados, fogem dos perígcs. sao ávidosde ganhar e, enquanto lhes fizeres bem, pertencem tnteíramente a ti , teoferecem o sangue, o patrimonio, a vidae os filhos (...}desde queo pengcestela distante, mas, quando precisas deles, revoitam-Sl"· (MAQUlAVEL,1993, p.79).

Para Maquiavel a arte de governar implica acertos e erros e,quando se corrige um problema, logosurgemoutros. Aprudencia estáexatamente em saberconhecer a natureza dos inconvenientes e adotaro que for menos prejudidal como sendo bom.

Podemos diaerque Maquiavel naoeramaquiavélico, nosentido pe­jorativo do termo, pois em OPríncipe eleafirma que se, o principe agissesernpre de má-fé, se fosse o tempo todo inescrupuloso, nao conseguiriamanter-se no poder. Se fosse arbitrário e usasse da violencia gratuita,também seriadespojado dopoder, pois o usoda violencia deve ser cuida­dosoe económico, pois Maquiavel sabiaque, quando se tratava dechegaraopoderoude mante-lo, todotipode ambicáo e decorrupcáo surgiam.

Os fins justificam os meiosAproveito para falar da máxima atribuida a Maquiavel, de que "os

fins justificamosmeios", cujamáxima é imputada a ele, justamenteporqueMaquiavel descreve o universo político como senda urna guerra, maís doqueisso,talmáxima estigmatiza o pensamento deMaquiaveLAssimsendo,aboa a~ao política consistiria naquela que conseguisse atingir,nao importacomo,os resultados almejados:conquistar e conservaro poder, visando aobem comum. lssoimplica, como ficaclaro na leítura de OPrincipe, o aban­donoda ética cristá e a separacáo entre a moral pública e a moral privada,emoutraspalavras, eleproclama a secularízacáo da política.

Segundo BIGNOTIO, 2003, p. 33, o que Maquiavel nos ensinaé que no mundo da política a escolha entre vicios e virtudes se revelamais complexa do que quando levamos em consideraráo apenas nosso

próprio comportamento.

Poderíamos dizer que o grande valor de sua obra está ero queela póe a nu os instintos da cobica, da avareza, do mando, que sao oseternos m6veis da almahumana.

ParaMaquiavel. a existencia de urnaesfera éticaespecifica do go­vernante é marcada por umpadráo próprioe original,o quelhe permitedeterminadas atitudes e acóes quando se coloca ero jogo o interessedo Estado. A política, portante, possui exigencias que nao podem sersatisfe itas por urna éticavoltada adefesa de valores temporais. Ela pre­cisa, no entanto, de valores e poderáencon tré-les em lugares diferentesdaqueles ensinados pela religiáo. Por isso, a ética se toma insuficientepara mostrar ao governante como agir napolítica em todas assítuacóes.devendo, portanto, segundo Maquiavel, predominar o conhedmentopolítico em detrimento do conhecimento moral/ético.

Encontramos nocapítuloXVIII deOPríncipe, a expressáo da relacáoentrearnoraVética eoéxito político, faca, po is,opríncipe tudopara alcancare manter o poder;osmeios de que sevaler serna sempre julgadoshonrosose louvados por todos. Segundo BARROS, 2004, p.203, · 0 campo político,portanto, possui urna ética de fins, nao de meios, importando apenas oresultadoda condutaprincipesca que deve preservara ordem estatal".

Maquiavelespedfica noOPríncipe, queaéticadeve serumcompro­misso entre a eficáda política e o moralismola ética que o povo requer,a interpretacáo que o legislador dará da vontade geral será também umcompromisso entre a justica da lei e o poder do Estado. Sendo assím,cabe eo principesaberescolher o que o fará atingir os objetivos a que sedestinou, sabendoque caminhará paraa ruína se continuar a agir apenassegundo os principios da moral religiosa. Éa sítuar áo política que dirigea moral/a ética dogovernante e nao um idealemsi do beme do mal;daíser necessarioac govemante para manter-se, a aprender a naoser bom,eusar ou nao usar o aprendido,de acordocoma necessidade.

Segundo Maquiavel, os vícios mudam de natureza e tornam-sevirtudes pelo éxito e a devocao ao interesse geral. O éxito é o critério, ealém dísso. testemunha sabedoria e virtu.

11. O PR1NCIPE· NICOLAU MAQU IAVELTextos filosóficos erndiscussác(1)

Page 34: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

11.4 IlI ALOGANDO CO:\I O TEXTO

Todas as passagensde O Príncipe,queseguem, foram extraídas datraducác de Maria Júlia Goldwasser (Sao Paulo: Martins Fontes, 1993- ColecáoCléssicos).

Nao se rá abordado .10 longo do texto as divergentes interpreta­

róes acercado OPríncipede Maquiavel. Porque a análise da influencia eda recepcáo deseu pensamento no ámbito da história da filosofia polít i­

ca, constituirla urna outra produráo. Ccntudo é importante mencionar

duas linhas prinripaís de interpretacóes, que,segundo PINZANI, 2004,p. 49, assimse apresenta: l a) a que considera Maquiavel urna espécie de

demónio - "OId Nick- - e seu llvro, urna obra diabólica, apresentando,portanto, urna postura e urna leítura "antiMaquiavel-; 2') a que o ron­

sidera uro genio incomparável e incvador. pioneiro no reconhecimento

das verdadeiras leis da política .

Fundafiio e preservafiio do EstadoNos primeiros capítulos de O Príncipe, Maquiavel apresentou sua

preocupacáocom a fundacáo, conquista, preservacáo e defesa do Estado, pois

compreendia que sem Estado praticamente nao haveria qualquer vida civili­zada, tal qual havía sido legada pelos gregos e romanos. Por isso, a fundacác

de urn Estado novo nao era somente urna questáo de fortuna; ao contrário,

tratava-se de urna [uta decisiva do govemante de virtu contra a fortuna.No capítulo IX em específico, podemos dizer que Maquiavel viu

na figura de um prí ncipe de virus, a ún ica solucáo para o esfacelam ento

italiano, somente ele seria capaz de criar os fundamentos necessários a

urna nova vida civil, ou seja, identifi cou o príncipe de vírtú como senda

o único sujeito capaz de ta l tarefa .

Costumam este s principados corre r perigo quando salta m da ordem civilpara a ordem absoluta . Como esses prtndpes governa m ou por si própriosou por intermé<lio de magis trados, neste último caso sua situar án é mais

precaria e pengosa, porque dependem ern tuda da vontade dos ddadáosque foram nomeados magist rados, os quais, sobretudo em temposadversos, podem facilmente lhe arrebatar o governo, quer atacando-o,quer nao lhe prestando obedléncia. O principe nao ter á tempo de recobrara autoridade absoluta em meio ao perigo, porque os dda dács e súditos,acosturnadcs a receber ordena dos magist rados, nao acararáo suas nessaemergénda : [...1Por isso, um príncipe s.i.bio deve encontrar um modo pelo

qua! seus cídadács, sempre e em qualquer tempo, tenham necessidade doestado e dele; assim sernpre lhe serác fiéis (MAQUIAVEL, IX, p. 47--.8).

Segundo LARIVAILLE, 1998, p.147, o capítulo IX de O Principeno quaJ a teorizacáo da passagem do principado civil (urna espécie de

presidencia obtida sem violencias e sem intrigas , gral;as ao apoio de

urna parte da populacáo) para o principado absoluto visa precisamente

superar as díssensóes intestinas que minam o Estado e a críacáo de urna

autoridade principesca, a única capaz de restituir a vida e o vigor as

instituicóes corrompidas.

Maquiavel elaborou, no capitulo 11 de O Príncipe, urna primeira

classíficaráo, na qua! separou os principados hereditários dos principados

novosoSegundo Maquiavel, era mais fácil conse rvar um Estado hereditá­

rio, rujas súditos já estavam habituados a urna familia que reinava, ou

seja, os principados hereditarios tinham urna ordem estabeledda por

seus antepassados, do que um Estado adquirido recentemente, um Estado

novo. Por isso, eje procurou, no capítulo 11, p.5-6, discutir e mostrar como

os prin cipados hereditários podiam ser govemados e mantidos.

Digo, assim que, nos esta dos hereditários e acostumados a dinastia deseus príncipes, d o bem menores as dificuldades para se governar do queos novos, pois basta n ác descuidar da ordem inst ituída por seus ant epas­

sados e, depois. saber contemporizar os acidentes, para que um príncipede capacidade mediana man tenha-se em sua pcskác, desde que nao sejaprivado dela por alguma for~a excessíva e extracrdin ána . E ainda que oseja, 3. reconquistara ao menor revés do usurpador. 1...1o príncipe naturaltem menos necessídade de ofender; dal resulta que seja mais amado; e,se vicios excepcionais nao o tom arem odioso. é compreenslvel que seja

Ií. O PRINCIPE- NICOLAUMAQUIAVEL Textos filosóficos erodiscussác(1)

Page 35: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

naturalmente benquistc pelos seus. Com a antigüidade e a continuidadedo poder,apagam-se as lembrancas e as raeóesdas al te ra~oes, pois sempreuma mudanca deiaa preparadas as fundacóes de outra.

Mas,a estabilidade política dosprincipadoshereditários e eclesiás­ticos naoseconstituía urna preocupacáo paraMaquiavel, oque realmentelhe interessava era o problema da aquísiráo do poder em geral em umprincipado novo em particular, pois era neste tipo de principado queseencontrava a maior dificuldade de introduzir urna nova ordem, pois osprincipados novos nao podiam beneficiar-se com os costumes ou a tra­díráo para se manterem. Senda assim,a atencáo parao prindpado novosurgiu do interesse maquiaveliano pela questáoda unificaráo italiana.

Digo, portanto, que nos principados completamente novos,ende h,á umnovopríncipe,existe malar ou menor dificuldade para manté-Icconformeseja maicr ou menor a virtu de quem o conquistou. E como a p¿ss.¡gemdesimples odadác a principe supoe virtu ou fortuna, pareceque urnaoucorra dessas duas coísasameniza, em parte, menas das díficuldades. (...)Aqueles que, por caminhos valerosos como éstes. se tomam prlncipes,conquislam o principado com dificuldade, mas o conservam com bcili­dade. As dificuldades que rém para conquístá-lonascemem parte da novaordem e dos novos m étodos que ~o obrigados a lntroduzir para fundarseu estado e sua seguran~ (MAQUlAVEL. Vl, p.24/S/6).

Para a construcáo de urna novaordem, o príncipe tinha de saberlidar com a falta/ausencia de ínstituicóes que regulassem os compor­tamentos e a resistencia daqueles que seríam govemados; por isso nocapítulo lII, p.7-8, Maquiavel afirmou que:

é no principado novo que estac as dificuldades. Em primeiro lugar, se nácé completamente novo, mas membro anexo a outrc (podendo-se chamaro conjunto de principado misto), as alterar óes nascem principalmentede uma diñculdade natural a todos os principados novas, que consisteno fato de os homens gostarem de mudar de senhor, acreditando comisso melhcrar. Esta trenca os faz tomar armas contra o senhor atual. S6maís tarde percebem o engano, pela própria experiencia de ter piorado.

n.O PRINCIPE· NICOLAU MAQUlAV EL

Istc decorre de urnaoutra necessidade natural e ordinAria, a qual sempreimpóeofender aqueles a quemse passa a governar, tanto comhomens emarmas quanto comoutras infinitas injúrias que cada novaconquista acar­reta. Assim,tens comoinimigos todos os que cfendeste .10 ocupar aqueleprincipado, além de nác poderes continuar amigo dos que te apoiaram,devido .11 impossibilidade tanto de atendé-les conforme esperavam comode usar contra eles um remédío fcrte, UIN vezque !hes devesobriga«>es.Pois, por mais que a1guém disponha de exérdtos fortes, sempre precisarádo apcíc dos habitantes para. penetrar numa. provincia,

Urna novaordem paraser instaurada,naodependesimplesmenteda vontade, o príncipe tinha de analísar as condiróes reais, ou seja. averdade efetiva, portanto; no capítulo VII, p.37,Maquiavel dísse:

quem, portante. num principado novo, julgarnecessénc garantir-se con­tra os inimigas,vencerpela fon;.t ou pela fraude, fazer-seamado e temidopelo pavo, ser obedecjdce f~fem.11(]o pelossoldados, eliminar aqueleaque podem ou devemprejudidi-Io, introduzir mudarxas na antigaordem.ser severo e grato, rnagninimo e liberal. ehminar as milicias infiéis, crincurras novas. manter as amiudes do rei e dos principes de modo que obeneficiem comsclíotude e temam c'end é-lo nác pode encontrar melhorexemploque as acees deste duque.

Para Maquiavel era de fundamental importancia pensar: o apoioveio de que parte da sociedade, dos grandesou do POyo? Pois, o ámbitopolítico nao era transparente e nem todos portavam os mesmos desejosou defendiam os mesmos interesses. Maquiavel. no capítulo IX, p. 45,afi rmouque:

o principado provémdo povo ou dosgrandes, segundoa opcrtunidadequetíver uma ou outra dessas partes. Quando os grandes percebem que naopodern resistir ac povo, comecarn a exaltar a fama de um deles e o temampríncipepara poder, sob sua sombra, desafogar o aperne. O povo também,quando percebe que nao pode resistir aos grandes, dá reputacáo a alguéme o faz príncipe, para ser defendido por sua autondade. Quem chega aoprincipado com a ajuda dos grandes manr ém-se com mais dificuldadedoque o que se torna príncipe com a ajuda povo.

Textos filosóficos emdiscussáo(1)

Page 36: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

Maquiavel, no capitulo IX, p.45, continuou sua reflexáo, analí­sando específicamente o apoio advindo dos poderosos/dos grandes; esseapoíofaziacom queo príncipe estivesse"cercado de muitos que parecemser seus iguais, nao podendo, por isso, comandá-los nem manejé-los aseu modo". Por outro lado, questionou e explicou que, se o príncipealcancasse o poder com o apelo do POYO, ent áoo príncipe encontrarla-semaís tranqüilo, conforme suas observacóes no capítulo IX, p. 45. ParaMaquiavelo príncipe deveria satisfazer 030 poYO, porqueseus fins seriammais honestos que os dos grandes, visto que estes queriam oprimir en­quanto aquelesqueriamnao ser oprimidos. Entáo, do quefoiexpostoporMaquiavel, percebemas que a luta em tomo do poderé infinita,urnavezque os grupos em conRito nao querem alcancar o mesmo objetivo e porisso a satisfacáode um será sempre a insatisfacáo do outro.

O argumento maquiaveliano visou apresentar os contra-sensos,poís, senda que a maior parte da populacáo era a que tinha menoracesso ariqueza e á propriedade, e nao desejando, segundo ele, ocuparo poder. mas sim proteger-se dos abusos que podiam ser cometidospelos que o ocupavam, o elemento popular tinha muito interesse emassegurar e defender o governo e menos a ganhar com sua derrocada.Portant e, o príncipe deveria eonheeer o funcionamento do poder emsuas várias circunstancias para delas poder tirar proveitoe conseqüen­temente obter éxito.

Segundo Maquiavel, evitar o eonflito entre o POYOe os grandes,e entre os diversos participantes da vida da ddade, era um desejo irre­aliaável. Senda assim. se os conftitos sao inevitáveis e fazem parte danatureza dos homens, o importante nao era suprimí-lo. mas siro evitarque destruíssem a possibilidade de convive ncia entre os membros deurna mesma comunidade política. Oque caberia, ent áo, ac govemante/príncipe, era procurar criar um conjunto de instituic óes que ofertassemurna arena na qual os embates pudessem ocorrer/acontecer. O queMaquiavel quis dizer foí que, como o poder se fundavano conftito entrenobres e POYO, o bom governante (o príncipe de virtu) seria aquele que

reconhecesse o conflito e dele soubesse tirar o proveito necessario.conseguindo, portante, estabelecer o equilibrio.

Segundo LEFORT, 2003, p.42, essa situac ác de jogo politicoinduzia a imaginar o campo da política como um campo de forcas emque o poder devia encontrar condkóes para um equilibrio. O caso daconquista era privilegiado sob esta perspectiva, pois tomava sensivelo problema que o principe precisava solucionar, se quisesse se manterno Estado. Tratava-se para ele de resistir .lOS adversérios criados porseu empreendimento, de ínscrever-se o mais rapídamente possível nosistema de forras modificado por sua própria a~ao e cujas perturbacóestendiam a prolongar-se as suas expensas.Assim,suas aróes eram deter­minadaspeloestado de guerra em que se encontrava•ao mesmo tempoperante outros príncipes e perante seus súditos; sua política nao podiaser senáo urna estratégia análoga ade um capit ác que, tendo ocupadosobre o campo a posicáocobirada,aplicava-seem desmanchar as inicia­tivas de inimigosdecididos a rirá-ladele.

Após analisar os diversos tipos de principados: hereditários,mistos e os novos, Maquiavel sentiu-se obrigadoa consagraro capítuloXI de O Prindpe a urna espéde de Estado bem particular, que escapavaamaioria das regras que regiam os outros:o que elechamoude "princi­pados eclesiásticos". Segundo Maqulavel, eram Estados estranhos, poiseram adquiridos da rnesma forma que os outros, por virtu ou por for­tuna. porém os principes, no caso,os papas, conservavam o poder, naoimportando o que faziam e por que? Devido as ínstituic óes religiosasque os regiam. Pois. segundo Maquiavel. no capítulo Xl. p.52:

semente eles possuemestados e náoos defendem: súditos,e nao os gover­na.m; e os estados. por nao serem defendidos, nao lhes sao tomados; e ossúditos, por nao serem govcmedos, n30 culdam, nem podem separar-sedeles. Lago, só esres principados sao seguros e felizes. Mas, senda elesregidos por raaóes superiores, que a mente humana nao pode alcancar,nao fa. larei sobre eles, pois, senda erguidos e mantidos por Deus, seriahomem presunroso e temerarío. se disrcr resse a seu respeto.

Il.o PRINCIPE· NICOLAU MAQUIAVEL Textosfilosófic03em discus.s.áo(1)

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Formapio da milida e as t écnicas de guerraNos capítulos XII a XIV, Maquiavel analisou a sítuacáo militar

italiana, que podia ser: própria ou mercenaria. auxiliar ou mista ediscorreu sobrea fragilidade dos exércitos mercenarios. O exército queMaquiavel idealizou deveria ser formado e recrutado na própria d dade,em especial nos condados rurals. Ele protegeria Plorenca dos ataquesestrangeiros, mas principalmente Iivraria a cidade dos exércitos merce­nários, que, nos momentos mais importantes e dífíceis, colocavam emrisco a vida dos cidadács ero vez de promoverem a devida defesa. Ouseja, Maquiavel aconselhou o novo príncipe a evitar tanto a uti lizarác

de tropasmercena rias, quanto os exércitos aliados, porque tratava-se deum recurso perigoso para sua independencia. Recomendou ao príncipeconstituir urn exército recrutado exclusivamente entre os seus súditos.Se Maquiavel discorreu insistentemente sobre esse assunto foi baseadona experiencia que teve, quando, em 1506, ele mesmo foi encarregadode recrutar urna milícia florentina. Poi por issoque Maquiavel, afirmouquesem urnamilicia nacional nao haveria como uro Estado apresentar

garantía algumade seguran.;a externa e até mesmointerna, conseqü en­

ternente a conservacáo do Estado dependeria das acóes acertadas dopríncipe. NocapítuloXII, p.56-7, Maquiavel afirmouque:

asarmas comque um prmcipedetende Sf'U estado ou sao próprias,ou mer­cenénas ou auxiliares ou mistas. Asmercenarias e auxiliares sao inúteis eper ígosas. Quem rem seu estado baseado em armas mercenarias jam áisestará seguro e tranquilo, porque elas sao desunidas, ambiciosas. indis­opltnadas. infiéís, valentes entre amigos e covardes entre inimigos, semtemor a Deus, nem probidade potra comos hornens. O príncipe apenas terAadiada sua derrota pelo tempo que for adiado o ataque, seudo espoliadopor eles na paz e pelos inimigos na guerra.

Segundo BARROS, 2004, p.192.

por tropas mercenarias enrendam-se aquelas que, comandadas por umconJottierl", alugavam seus serviros a um príncipe em traca de soldo. Já

as tropas auxiliares seriam as que, enviadas por potencia amiga, viriamem socorro do príncipe. Para Maquiavel. esses exérdtos eram por demaisperigosos, pois seus componentes nao lutavam por amor .1 patria. Seusonho era a cria~ao de urna milicia. t1orentina. S6urna tropa formada pelospróprios cidadáosdo Estado poderladefendé-locomvalor.

No capítulo XII, p.56, Maquiavel apresentou as bases de susten­tacáo da ordem política que pretendíam ser duradouras, pois, segundoele,os fundamentos dos Estados eramas leís e as armas; portanto:

é necessánc a um príncipe ter bons fundamentos; caso rontráno, neces­sanamente se arr uinara. Os prmcipais fundamentos de todos osestados,tanto dos neves comodosvelhos ou dos mistos.do boas 1eis e boas armas.Comonao se podemter boas leísande nao exístemboas armas, e ondesaoboas as armas costumam ser boas as leis,deíxare¡ de refletir sobre as leise falareidas armas.

Maquiavel continuou seus comentários acercados exércitos me r­

cenáriose enfatizou queesse tipodeexércitoeradesunido. sem fé e semleí, pouco devorado ac Estado ou ac principe que o pagaya, maldotadoem ínfantaria e em artilharia, e sub:netido a um chefe prestigioso (con­

dottiere), (cap. XII,p.57):"a razéo disto eque nao tem outra paixáo nemrazácque a mantenha em camposenáo um pequenosoldo, que todav íanao é suficiente para rnotivá-Ias a morrer por ti. Querernmuito ser teussoldados enquanto nao há guerra; mas durante a guerra, querem fugirou ir embora".

Continuou Maquiavel, no capituloXII, p. 62:

usaram todo engenho para afastar de si e dos soldados a fadiga e o medo,nao se matando nos combates, mas [azendo-se uns aosoutros prisioneirossern resgate. Nao atacavam .a. noite as ddadcs, assim como defendiam asddades, nao atacavam os do acarnpamentc. Em torno do acampamento,nao construiam fossosnem paltcadas. nem batalhavam no Inverno.Todasestas misas estavam incluidasero seus códigos militares e foram concebi­das.como foidito, para escaparcm á fadíga e aos perigos. Assim, levaramaIta lia a ser escravizada e vilipendiada.

n.O PRINCIPE· NICOLAU MAQUlAVEL Textos filosóficos emdiscussro(1)

Page 38: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

oproblema, constatado por Maquiavel, acerca da derrocada dosexérdtos mercenários italianos,nao sedevia somenteao valorou ao naovalor dos soldados, mas, devido essencialmente apostura e a acác dopríncipe, que nao apresentava nenhurna perspectiva guerreira e muitomenos talento para se impar aos outros e, principalmente, acabar comas divisóes.

Segundo Maquiavel. a acáomilitardeveria ser urnaarte, e que elas6 seria posta em práticapor um príncipeeondottiere, porqueo universopolítico era urna guerra. Epor isso, o príncipe deveria exercitar a todomomento a arte da guerra, fosse comexercícios militaresou com a leitu ­ra de clássíccs, uro príncipedeveria entender de exércitos, mais do queisso, o conhecimento militar deveria ser exclusividade do príncipee suapaixáo. Podemos verificar essa percepcáo e compreensác de Maquiavel,

no capítulo XIV, p. 68-9:

um principe nao&w jamai.s .a!uur o pensamentodo exerócio dagueme, durante a paa,~ pn ticá-La maís aínda do que durante a guern . Istopodeserfritodeduasmaneiras, comobns ecomamente1._.Jdeve portan­to umpríncipe nlo teroutroob;etivo. nempensamento, nemtomar comoarte sea«asa a.lguma quen10 sejaaguern,suaonJem e disciplina.porqueesta é a única arte que compete a quem comanda. Ede tanta l'irt'U quenaosó mantém aqueles que já nasceram príncipes. comotambémmuitasveaes permite que homens de coodi~ privadaascendam ao prírKi~.

Inversamente, ve-se que os príncipes que pernam mais cm rt'finamentodoque nasarmasperdem seuestado.Aprimeira razáo que te leva aperderteu estado é negligenciar esta arte, e a raaác que te fazconquisté-le é serversado nela.]...] N:io háqualquerrornpararáoentreumhornero armadoeoutrodesarmado;nao é razoávelqueumhornero armadoobedece debomgrado a quem esteja desarmado, nem que o desarmado se sinta seguroentre servidoresarmados, pois, hacendo desdém em um e suspeita nooutro. nao é possivel que entrem em acorde. Purtanto, um príncipe quenao entenda deexérrito, alémdeoutros inconvenientes, comodissemos,n.io pcderéserestimado porseus soldados nemconfiar neles.

Por seraguerraoexercício dopríncipe, eporserelaquepossibilitavaa mobilidade social, também ensejava ao simplescidadáo ascender ao po-

11. O PRINCIPE - NICOI.AU MAQUIAVEL

der, porque a prática da arte cIa guerraera a únicaquese esperarla claqueleque estava no govemo, e ela era de talvalla, que nao apenas sustentavaos que nasceram príncipes, como, muitasvezes, fazia com quehornens decondicác privada tivessem a oportunidade deascender ao poder.

O príncipe, capaz de reerguer e regenerar a Itália e libertá-lados bárbaros, e de promover a uníñcaráo da península, seria aquejeque conseguisse compreender a real necessidade da formacáo de urnamilicia nacional,apresentando no capitulo XXVI, p.123, qualdeveria sera tática a ser adorada pelo príncipe:

sen necessáno, antes detudo, como verdadeírc fundamento de qu.alquerempresa, formar exérdtos próprios., porque nlo pode h.a.ver soldadosmais fiéis, nem mais verdadeiros, nem melhores. Se cada um deles indí­

vidualmente for bom, todos juntos ateda serac melhoresquando se viremcomandados por seu pr1ndpe, prestigiados e cuidados por ele. É precise,portante, preparu esses exércitcs para poder. coma virtu italia na, defen­der-se dos estraegeíres.

Sem armasprópriasnenhumprincipado estará seguro;aliás, estaráinteiramente amercéda fortuna, nao havendo virtis que confiavelmenteo defenda na adversidade. Sempre foi opiníáo e sentenca dos hornenssábios quodnihil sit tamínñrmum aut instabilequam fama potentíal nonsuavinixa. (Nadaháde mais instáveJ e fracodo que a fama de urnapotenciaque nao se apóía na própria forra) (MAQUlAVEL, XIII, p.67).

Virtu e Fortuna

"A inteligénciada forra, mais do que a própria forra,está no coracáoda política." (Claude Lefort].

O significado de virtit e fortuna tem sua origem na cultura déssica,Os romanos tratavam a deusa Fortuna com admíracáo e apreensáo. Elasignificava o inesperado,o acaso, a inconstancia; atribtúam-Ihe ogovemo domundo e a representacáo na figurade urnamulher que, por ser denatureza

Tutosfi losóficoserndiscussác(1)

Page 39: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

, I

caprichosa,distribuía obem eomalaseubel-prazer.Ouseja,eraapresentadacomoaquelaque retírava doshornens rudoaquilo queconquístaram,quandodecidía mudar o curso das coisas sem aviso previo. Contrapondo-se a ela,

aparecia a vtrta, que representava a fortalezade animo, a determinacáo e asolidez, enfima torca,masaliada aracionalidade. Segundo Maquiavel, avirtutinha dais componentes: a torca e a razáo. A forca é a energia criadora e aviolencia física, jáa razáo é sancionada pelapráticapolítica, o conhecimentodoquejá triunfouea previsáo doque provavelmente poderla triunfar.

Nocapítulo XXV, Maquiavel pensou acerca doalcance dasacóes hu­manas, rompendocomo"ímpérioabsolutoda fortuna!sorte",poisnaohaviacomoculpar ouatribuir as escolhasa sorte/fortuna.AprincipioMaquiavelinvocou a visáo cristáe de seus contemporáneos acercada fortuna,ou seja,de que os homens estariam impossibilitados de alterarem o curso de suas

acóes. devido aacáo da fortuna; portanto , o que decorria aos hornens pauta­

se na fatalida de. Porém percebemos que ern seguida Maquiavel veio tecer

urna crítica a essa visác e apresentou urna visáo humanista , assegurando

que os hornens, no caso, os príncipes, erarn dotados de livre-arbítrio (lí­

berdade), conseqüenternente os hornens t inham contro le sobre a fortuna,e que ela estava nas máos e nas acóes dos príncipes, quer dizer que estavanas máos de um hornero de virtu, garant ir a estabilidade de um govemo,

pois a virru, dizia respeito aeapacidade do governante/príncipe de agir de

maneira adequada no momento adequado.

Naoignoroquemuitos forame saodeopiniáodequeascotsasdeste mundosaogovernadas pelafortuna e por Deus, e que .lOS homens prudentes naose lhe s podeopor ea t énao t ém remedioalgumcontra elas. Por tsso, poder­se-ía julgar que nao devemos incomodar-nos demais rom as relsas, masdeixar-nos governar pelasorteo Estaopiniáo tem-se reforcado ern nossosdías devido as grandes variar ées que foram e sao vistas todos os dias,além de qualquer conjetura humana. Pensando nisto, as veaes me sintoum tanto inclinadoa esta opini áo: entretanto, jáque o nosso livre-arbitrionao desapareceu, julgo possrvel ser verdade que a fortuna seja árbitro demetade de nos sas acóes, mas que tambémdeíxe ao nosso governo a outra

metade, ou quase (MAQUIAVEL, XXV, p.116).

11. O PRÍNCIPE- NlCOLAUMAQUIAVEL

oconfron to entre o governan te e a adversidade foi apresentado

por Maquiavel na metáfora que se tornou a mais conhedda, quando

comparou a fortuna

a um desses rios impetuosos que, quando se irritam, alagamas planicies,arrasamasarvo res eascasas,arras tam terras deumladopara levaraoutro:todos fogem deles, mas cedema seu ímpeto sem poder det é-los em partealguma. Mesmo assim, nada impede que, vohando a calma, os homenstornem providencias, construam barreiras e diques, de modoque, quandoa cheia se repetir, ou o rio flua por um canal, ou SUd forra torne-se menoslivree danesa. O mesmoaconteceroma fortuna, que demonstra sua forraande nao encontra uma virtu ordenada, pronta para Ihe resistir e voltarseu Impe ro para onde sabe que nao foram erguidos diques ou barreiras

para conté-la (MAQUlAVEL, XXV, p.117).

Para Maquia vel, o pr íncipe para se man ter no poder deveria saber

conter/controlar os efeítos desastrosos do imponderável. A fórmula para

tal vitória sobre os infortúnios da fortuna, residiría na virtu, ou seja ,

perceber a necessidade política e agir conforme o império das circuns­

tand as. Principalmente, porque a fortuna aparecia como urna forca que

nao podia ser in teiramente dominada pelos homens, pois da fortuna o

governante conhecía somente os efeitos e o fato de que ela podia sempre

se manifestar - contingéncia -, mas nu nca suas vontades e o momento em

qu e iria lancar "seus fios". Portanto, segundo Maquiavel, seria o poder, a

vir ilidade humana, capaz de agir e dominar o curso das coisas humanas,

imprirn indo nos acontecimentos as mudancas necessárias arealizacáo de

grandes obras era o que garantia a conquista e conservacáo do poder.

Por isso , eram tao predosos os conselhos de Maquiavel no ca­

pítulo XXV de O Príncipe, quando exortava os governantes/príncipes a

cons truírem ba rrag ens contra a fúria da fortuna, poís , dizia ele, penso

poder ser verdade que a fortuna seja árbit ra de metade de nossas acóes,mas qu e, ainda assim, ela nos deíxe governar quase a outra metade.

Portante, a fortuna, segundo o autor, só avancaria quando o governan te

nao est ivesse prevenido para resistir-lhe .

Textos filosóficos em discussáo(1)

Page 40: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

Maquiavel conduiusua análise no capítuloXXV, p.133-34, demons­trando que a virtil podia conquistar e dominar ou driblar a imprevisibili­dade da fortuna , mesmo quando a conjuntura nao parava, se o govemantemostrava-se disposto a perseguí-la; para isso, fazia-se necessário pacienciae prudencia; .10 surgir a oportunídade e a ocasíáo nao devia hesitar emutilizara violencia, seela Iosse indispensável. Dízía ele:

estou convencido do seguinte: e melhor ser impetuoso do que timido.porque.ll fortuna ~ mulber, e enecessario, para dominé-la, bater nela econtruiá-1.l. Vl-se que ela se deixavencer m.1ÍS pelos que .lIgem assírn doque pelosqueagemfríamente:e,come mulher,esempreamig.ll dos jcvens.porque do menos tímidos. mae feroaes e a dominamcom maioraodáoa.

Domá-la era essencíal, mas s6 o homem de vírtu conseguiriarealizar a faranha de manter-se no poder e no controle do estado ante a

tempestade da fortuna,isto é, dos golpes e das tramas dos infortúnios, eassim obter éxito: conseqüentemente, somente o homem de vittisé quemerecerá govemar, porque o governante se tornava a personificacáodalíberdade de a{ao, do poder e da autonomía, que acabava por definirsuas acóes contra a indeterminacáo e a resistencia da fortu na. SegundoBARROS, 2004, p.20S, virta. desse modo, para o secret ário florent ino,nao é um comportamento moral estabeleddo a priori, mas a a{aO que,apesar de cruel ou ard ilosa , mantém o Estado; lago, o poder é a maiorpreocupac áo de Maquiavel.

O homem/prindpe de vina. segundo Maquiavel, era flexível, pos~sula elementos do caráter das duas naturezas: a do homem e a doanimal,ou seja, o leáoe a raposa, sabendo, portanto ser cruel ou astuto conformeas circunstanciase oportun idades. Uro príncipe de vmu era aquele quesabia aparentar urna qualidade valorizada socialmente, sem contudo.possuí-la de fato, conforme percebemos no capítulo XVIII , p. 82-83:

devemos, pois, saber que exístem dais generas de combates: um comas leis e cutre coma forra . Oprimeiroe própriodo hornero,o segundoeo dos animáis. Pc rém como freqúe ntemente o primeiro r ae basta,

convém recorrer .10 segundo. Portante, enecessanc .110 príncipe saberusar bem tanto o animalquanto o homem. {...l Visto que um principe,se necessario,precisasaberusar bema naturesa animal,deveescolhera raposa e o Id o, porque o Ido nao tem defesas contra os leeos. nem araposa contra os lobos. Precisa. portante. ser raposapara conheceroslaces e Id o para aterrorizar os lobos.. os que fizerem simplesmente .lIparte do leáo naoserác bem-sucedídos. (...1Quemmelhor sesa¡ é quemmelhor sabe valer-se das quahdades da raposa. Mas enecessáric saberdisfarcar bem essa natureza e ser grande simulador e dissimulador,poísos homens sao taosimplese obedecem tanto as necessidades pre­sentes, que o enganador encontrará~mpre quemse deíxe enganar.

Maquiavel pontuou algumas qualidades de um príncipe, a saber:a prudencia, a audéda. a generosidade, a crueldade, a demencia, a si­mulacáo, a verdade ou a mentira, a fidelidade ou a trak áo, a liberalidadee a avareza. Conduiu afirmando que semente a necessidade poderladizer qual dessas qualidades deveria guiar um príncipe, caracterizandoespecíficamente o homem de virru.

Como Maquiavel nao visava qualquer fim indiscriminadamente,afirmou que quem quísesse governar com sucesso teria de se equilibrarentre o ser e o parecer, pois ele nao cessavade dizer que era importantepara o príncipe encarnar algumas virtudes, ou parecer possuí-las. Alémdisso, o príncipe te ria de respeitar as leis e os cont ratos, mas deveria

recorrer a forca, quando os mecanismos de persuasáo derivados daaplicacáo da leí nao se mostrassem suficientes.

Aoquestionar, nocapítulo XVII, p.79,se era melhor a um príncipeser amado que temido, Maquiavel enfatizavaque nao era necessario seramado verdadeiramente para governar, mas era preciso fugir do ódío edo desprezo dos súdítos. Sendoassim, é melhor

o príncipefazer-setemerdemodoque,se naoconquistaro amor,pelo menosevitaráo ódio,pcis é perfeitamente posslvel ser temidoe nao ser odiado.110

mesmo tempo,o queconseguirá sempre quese abstenha de se apoderar dopatrimonioe das mulhcres de scus cidadaos e súdu os. Seprecisar derramaro sangue dealguém, deveráIazé-lcquando houver justificativa convenientee causa man ifesta. Mas, sobretudo, deverá respettar o patrim ómo alheio.

Il. O PRI NCIPE- NICOLAU MAQUIAVEL Tutosfilosóficos11'10discussáo EZC:==::'(1)

Page 41: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

Natureza humana e a postura do príncipeMaquiavel aler tou os príncipes sobre a natureza humana dos

homens e que agir na pressuposicáo de que podia contar com a bondade

alheia seria expor-se ao perigo e aruina. isto é, um príncipe nao devianunca confiar semente no amor de seus súditos; por isso, os príncipesdeviam se precaver cont ra a ma nifestac áo da natur eza má dos homens.Decorreu, portanto, da própria concepcáo de natureza humana a nocáode poder político e o jogo das forcas políticas. No capítulo XVII, p. 79,encontramos a seguinte afirmacáo acerca dos hornens: "sáo ingratos,volúveis, simulados e dissirnulados, fogem dos perigos, sao ávidos deganha r e, enquanto lhes fizeres bem, pertencem inteiramente a ti, teoferecem o sangue, o patrimon io, a vida e os filhos , [...] desde que operigo esteja distante; mas, quando precisas deles, revoltam-se".

A1ém disso, Maquiavel enfatízou. no capítulo XVII, p.BO. que oshomens sao rnaus, tanto que esquecem mais rapidamente amarte

do pai do que a perda do patrimonio (grifo nosso) .E como os hornens tendem adivísáo e a desuniáo, entáo:

um principe prudente nao pode, nem deve, guardar a palavra dada,quando Isso se torn a prejudieial ou quando deixam de existir as razóesque o haviam levado a prometer. Seos homens fosse m t odos bons, estepreceito n10 u n a hom, mal , como sio ma us e ni o mantem su..palavra con tigo, nio teas também que cumpri r .. tu (MAo.UlAVEL,

XVIII, p.SJ , grifo nosso).

Segundo Maquiavel, trata-se de urna prática que visa alcancar econtrolar o agir huma no. Além disso, segundo Maquiavel, observando­se a necessidade de assegurar o poder e, hajavista a condíc áo da naturezahumana. no capítulo 11I, p.l O. encontramos a seguinte ponderacáo: "háde se observar que os hornens devem ou ser mimados ou aniquilados,porqu e, se é verdade que pod em víngar-se das ofensas leves, das grandesnao o podem; por ísso . a ofensa que se fizer a um homem deveré ser de

talordem que nao se tema a vínganca".

Ainda Maquiavel, nos capítulos VIII e XVII, enfatizou que cruel­dades bem empregadas, aquelas que efetivadas de urna só vez, permi­tiam ao príncipe govemar sem usar corríqueiramente a violencia. Essafoi urna das estratégias que Maquiavel apresentou para que o príncipepudesse evitar a fúria popular.

Poderíamos dizer que, quando tratava-se de política, nao existíaintrínsecamente urna política boa ou ruim, mas sim útil ou danosa aseguran~a do Estado; e como a Itália precisava de um líder audaciosoe impiedoso, dotado de excepcionaís qualídades políticas e militares,fríamente determinado a criar um grande estado, enfim, como a It éliaprecisava de um homem de vírtú e sábio, este deveria ser guiado antesde tuda pela necessidade, ou seja. era aquele que sabia agir sobre apossibilidade; senda assim.

é precisoentender que um príncipe, sobretudo uro príncipe novo, nao podeobservar todas as cesas pelas quais os homens sáo considerados bons,sendo-lhe freqüente mente necessario, ¡>.ara manter o poder, agir contraa fé, contra a caridade, contra a humanidade e contra a religiáo. Precisa,portante, ter o espirito preparado para vcltar-se para ende lhe ordenaremos ventas da fortuna e as variacées das relsas e, como disse adm a, nácse afasta r do hem, mas saber entrar no mal, se necessartc (MAQUlAVEL,XVIII, p.84).

Os homens precisavam de limites, porque suas paixóes e seucomportamento ameacavam constantemente derrubar eles mesmose o Estado, porém esqueciam imediatamente os castigos recebidos, sebern aplicados. Por isso, segundo Maquiavel,o príncipe envolvido com apolítica náo deviam preocupar-se com os criterios mora is vigentes, por­que havia determinados viciosque eram virt udes e havia dete rminadasvirtudes que, postas ero prática,levavam aruína, e por isso em algunsmomentos ver-se-la abrigado a agir de forma to talmente diferentedaquela que era julgada rnoralmentel eticamente carreta. O príncipedeveria impar-se pela aparen cia. pela dissímular ño, para assegurar opoder, como podemos perceber no capitulo XV, p. 73-74:

lI. o PRiNClPE · NICOLAU MAQUIAVEL

Page 42: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

sei que do dizer que seria muito louvávei que um príncipe, dentretodas as qualídades (...[, pcssuísse as consideradas boas. Nao sendoísto por ém inteiramente possível, devido as próprias condicées huma ­nas, que olo o permitem, necessita ser suficientemente prudente par.evitar a inUmia daqueles viciosque lhe tirariam o estado eguardar-se,na medida do possivel, daqueles que lhe fariam perd é-lo:ent retanto,se náo o conseguir, poderé. sem grande preocupacác , drixa r estar.Tarnbém olo deverá importar-se de incorrer na infamia dosviciossemos quais Ihe seria dificilconservar o estado porque, considerando tudomulto bem, se encontrará ollguma coisa que pareceré virtU e. sendoprancada. levana 1 ruina; enquanto uma cctra que parecerá vicio,

quem a pratícar poderá akanrar seguran~e bem-estar.

Para Maquíavel, o poder do príncipe tinha sua origem nos con­flitos humanos e, por isso, só poderia ser conseguido pelo homem devinú; o poder tínha, portante, a única justificativa na forcae na astúdade quem o conquistasse. Segundo Maquiavel, .10 tratar de garantir opoder e o Estado, muitas veees,para se conseguir um bem, tornava-sejustíficável que se pratícasse o mal. E.segundo BARROS, 2004, p.68, aodissertar sobre as relacóes entre fortunae virtu, Maquiavel afirmará queadquirirá e conservará o comando estatal quem souber acomodar seumodo de proceder as conjunturas que se sucedem.Tal flexibilidade, anteas variacóes da Fortuna, é o que caracterizao verdadeiro príncipe e o fazperpetuar-se no governo.

Para concluir essa refiexáo e caracterízacáo da onipc ténda doEstado, que se encontrava centralizada na pessoa/no homem de vina .Maquiavel no capítulo XVIII, p. 85, nos disse que

como náo hátribunal onde reclamar das acoes de todos os hcmens, e prin­clpahnente dos príncipes. o que conta por fim sao os resultados. Cuidepoiso príncipe de vencer e man teeo estado: os meios serio .empre julgado.honroso. e louvados por todos, porque o vulgo está sempre voltadopara as aparencias e para ° resultado das coisas, e nao h.ino mundosen áo o vulgo;a minoría nao tem vezquando a malcría tem onde se apoiar(grifonosso).

11. O PRiNCIPE - NlCOLAU MAQUIAVEL

Paraaan áliseou leiturapolítica,o querealmente interessavaeramos resultados das ecóes e nao as consideracóes de ordem moralou ética,principalmente, as crist ás. Foi por isso que encontramos em O Príncipe,segundoARAN HA, 1993, p.75, um Maquiavel que abandona a perspec­tiva da moral cristá. e propóe uma moral laica, mundana, ímanente. istoé, quando a moral deixade ser transcendente, os valores passam a sercompreendidos a partir de urna lógica interna, a da realidade concretavivida pelo hornem.Aa considerar a novamoral imanente, secularizada,distingue os espa(os da moral e da política. ande nos movemos segundoprincípios diferentes. Na moral individual, o critério nao depende doresultado da acáo (faze o que deves, acontece o que acontecer). Na po­lítica, o critério é o resultado (fu e o que deves, a fim de que aconteca oque desejas), porque a perspectiva da política é a sobrevivenda dogru.po,e nao apenas do indivíduo (grifo no texto original).

Idealismo e oportunismoPodemos concluir, dizendo que no O Príncipe, oportunismo e

idealismo se confundiram, se misturaram. Maquiavel, em alguns mo­mentos, fazia urna defesa em causa pr ópria, agindo com oportunismo.10 buscar de algumaforma voltar a desenvolver as funcóes públicas, dasquais foi abrigado a se afastar e, em outros, buscou incansavelmentemostrar a necessidade de um príncipeque retirasse a Itália do estado deenfermidade em que se encontrava.

No capítulo XX, p. lOO, encontramos a seguinte afirmacá cmaquiaveliana:

Tém os príncipes. e sobretudo os novos, encontrado maior fidelidadee serventia nos homens que ao inicio de seu principado lhes eram sus­peitcs do que naquelcs que no comeeo Ihes inspiravam conñ ance. 1...]Direi apenas que com grande Iadlídede o pr íncipe poder é conquista ros hornees que. no comeco de um principado. sao considerados inimi­gos e que, para se manterem, precisam de apoio. Pon osamente teráoeles que serví-lo com lealdade, urna vez que sabem que Ihes é mais

Textos filosóf'Kosem diswsslo

(1)

Page 43: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

necessénc afnda, em seu U.SO, ap.¡gar com atas a opínüo adversa quese tinha deles. Assim, o príncipe sempre obteré maior proveitc delesque daqueles que, servmdo-lhecom excessíva seguran,.., negligenciam

os ímeresses do príncipe.

E no capítulo XXVI, p. 121, Maquiavel aproveitou para elogiar osMédío, elevando a importancia da estirpe dos govemantes de Florenca.pois Maquiavel entendeu que a oportunidadeestava na casados Médici,que coincidentemente também estavam a. frente da Igreja Católica, oque viabilizaria urna importante alianca assegurando a estabilidade dogovemo. Maquiavel, espedficou que a sítuacáo de Lorenzo era similar adoduqueCésar Borgia (oautor reftetiu sobreo duqueesuasacóes e situa­{DeSnocapítuloVIO, o qualtinha contadocoma protecác de uropapa (nocaso seu pai Alexandre VO, dotado de planos audaciosos e ambiciosos, ouseja, o de criar um principadode grandesdimensóes na Itélia central.

W-se que a Italia roga a Deus que Ihe envíe aIguém para redimí-la dacrueldade e insolencia dos bárbaros; ve-se que está inteiramen te prontae disposta a seguir urna bandeíra. contento que algu ém a can egue. Naohá. atualmente, nmgu ém em qucm ,¡ Italia possaesperar mais, do que deVOl sa ilustre CASA que, com sua fortuna e virtil. foi ele íta por Deu.e pela Igreja - a ruja frent e ~t.t "gora - para se tornar o chefe delta

reden~io (grifo nosso).

Além dísso, continuou enfatizando a magnitude e a competénciade tal familia, para realizar a tao almejada unificacáo da ltália, mas aqual só poderia acorrer com a criaráo de um Estadonovo; por isso, nocapítulo XXVI, p. 124, disse para Lorenzo que:

assuma, portante, vossa ilustrt' casa esta quest áo, com animoe a esperan,acom que se empreendem os projetos justos, para que, sob vossa insignia,seja esta pat ria enobrecida e. sob vossos auspicios, se verifique o dito dePetrarca: Virtú contro a [urore prl'ndl'rd l'arme. l' sia 1'1 combaUtr (orto; Chel'antico voiorenell'iralici cor nont an(ormorro CAvirtu de, contra o furor,!Tomará armas e que seja breve o combate,! Pois o antigo valor/ Nao est ámorto no ccracáo dos italianos).

Podemos verificar nao somente a referencia a urna situacáopolítica que o novo príncipe pudesse organizar, mas a necessidade deum príncipe que fosse capaz de prevenir ou de se antedpar aos malesque poderiam afligir ou acometer um Estado. Maquiavel comparou asenfermidades do organismo estatal a urna moléstía humana - a tísica- e afirmou que, nessa doenca. o único modo de curar os males queinfestam o governo é preveni-Ios. Portanto, quando o malera difícil deconhecer, era fácil de curar-se; quando era fácil de conhecer, era difícilde curar, entáo com talantevísáo, em política comoem medicina, podia­se remediar. Maquiavel expressou tal situacáo tanto no capítulo XXVI,como encontramos no capítulo III,p.12, a saber:

precaver-se nao somente contra as discórdias at uais, como tambémcontra as futu ras, e evité-las com toda a per icia porque, prevendc.ascom ampla antecedéncla, podemfacilmente remedía-las. mas espe ran­do que se avizinhem nlio haveré tempo para trat é-las, pois a doenca já

se tera to rnado incuravel. Acontece, neste caso, o mesmo que dizemos médicos dos nsiccs : no principio o mal é fácil de curar e difícilde diagnosticar, mas, com o passar do tempo, nao tendo sido nemreconhecído nem medicado, torna-se mais fédl de diagnosticar e maisdifícil de curar. O me.mo acont ece nas eoilas do es tado, ji qu e,qunldo se eonb e<em com antecede ncia (o qu e só ocorre quandoM li prudente) os m.ales qu e surgem, eles se caram facilmente;mas quando, por ni. terem sido identificados deixa-.e qu ecre~m a ponto de todo. pass.arem a eonheci-lol. nio há mai.remédio (grifo nosso).

No capítuloXXVI de O Príncipe, percebemos claramente um idealque iluminou as reflex óes e argumentacóes maquiaveliana acerca dapolítica e da natureza do poder, a saber: a uníf icar áo da patria italiana,que se encontrava fragmentada/esfacelada em pequenos Estados e eraconstantementevítirna deinvas óes estrangeiras,dasacóes dos bárbaros.Para mudar esse quadro, a ltálía necessitava de um monarca absoluto,ou um ditador, alguém que soubesse aproveitar a ocasiño que lhe eraoferecida pela sorte para galgaros degraus do poder que se apresentava

1I. O PRJNC1PE· NICOLAU MAQU1AVEL Textos filosól1cO$ em discussio(1)

Page 44: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

para ele, mas que depois, com ele un ificada e com a ordem e o equilíbrio

restabelecidos, pudesse finalmente vir a triunfar a forma republicana

de governo.Para finalizarmos nossa exposkáo do texto maqulaveliano,

reportamo-nos ao filósofo Antonio Gramsci, que nos diz em Maquiavel.a política e oEstado Moderno, que o Príncipe , al! contrario dos tratados

sistemáticos medievaís, foi um Iivro "vivo onde a ideología , a política e

a ciencia fundem-se na forma dra mática do mito" e que expressou nao

a idéia isolada de um autor, mas urna vontade coletiva determinadapela história, pelas relacóes económicas e sociais . ass im como pelosinteresses políticos. O livro era como um manifesto que apontava a

consclidacác da burguesía, o recua da Igreja. a língua nacional popular

e a uníficac áo italiana que eram do ínteresse de todo o povo. Gramscidisse que. como nenhum príncipe preencheu as caracterisricas deseja­

das por Maquiavel, "seu caráter utópico consiste em que o príncipe nao

existia na realidade histórica, nao se apresentava ao POyO italiano com

características de imediatismo objetivo, mas era urna pura abst racáodoutrín ária, símbolo do chefe, do dirigen te ideal-oMaquiavel mostrou

como devia ser o pr íncipe para levar um POyO afundacáo de um novo

Estado, e O desenvolvimento conduzido com rígor lógico nao passou de

urna reflexáo acerca do pOYO, urn raciocinio interior que se manifestou

na consciencia popular e acabou em um grito apaixonadc e imediato.Gramsd afirrnou que Maquiavel buscava um príncipe capaz de mediar

os fins da vontade coletiva das massas na conquista do poder e da

hegemo nía cultural e política sobre o conjunto da sociedade civil e que,

contemporaneament e, o moderno príncipe capaz de tal a~ao seria o

partido comun ista.

11. O PRI NCIPE- NICOLAU MAQUIAVEL

1

11.5 INDICAC;:Aü DE FILMES

UMA SIMPLES FORMALIDADE

SACCO EVANZETTI

Textos filosóficos em diKuss.W

(1)

Page 45: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

11 1.1 CONT EXTO HISTÓR ICO

Luciana Teixeira

DISCURS DO

RENÉ DESe

RenéDescartes (1596-1650), século XVII . Nasceu ero 31 de mar­';0 de 1596, ero La Haye, urna pequena cidade do distr ito de Touraíne- Franca, e chamada a partir de 1802 de LaHaye-Descar tes. Pertencia aurna familia de burgueses enobrecidos. Morreu em Estocolmo- Suéda,aos 53 anos, no dia 11 de fevereiro de 1650.

Descartes es tudou letras no colégio jesuíta de La Fleche. Nestainstituicáo aprend eu latim. grego, poesia, gramáti ca e retórica, alémde Filosofia, que reunia os ccnhecimentos de metafísica, física,lógica,matemática e ética.

As referencias históricas do periodo em que Descartes viveuelucidam: a condenacáo as novas teorías científicas. Giordano Brunofoi queimado vivo, Galileu Galilei, ero 1633, foi proibido de lecionar,

(...) o mal desígnio nác ~ ensinar aqui ométodo que cada qua! deve seguir para bemconduzir sua razáo, mas apenas mostrar deque maneira me esforc é¡porconduzir a minha(DlSCURSO.I,p. 38).

REFERENC IA

ARANHA. Marial.U.m deArrud.t. Maquiawl:a lógicada forca. 5,joPaulo:Moderna, 1993. (Col~o lagos)

ASSI5, Machado de: Teoria domeda/hao. Bauru - SP: EDUSC.2001.

BARROS, Vinfcus Soares de Campos. Introdufooa Maquiavel:urnateoría doestado ou urna teoría do poder? Carnpinas,SP: Edicamp, 2004.

BIGNOTTO, Newton. Maquiollel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,2003. (Cole~aoFilosol1a Passc-a-passc)

____ ' Moquiavtl rrpublicano. sao Paulo: Loyola, 1991.

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LARlVAILLE. Paul. Aluilia noUmpo deMaquÍDllel: Florencae Roma (trad. JÓn.ttasBatista Neto).~o Paulc:Ccmpanhia das Letras, 1988.

LEFDRT.(laude . A pr imeira figura da filosofia da praxis: urna mter pretacác

de Antonio Gramsd. In: Optnsamentopotitico c1á$Sico: Maqctavel, Hobbes,Locke, Montesquieu, Rousseau. Solo Paulo: Mart ins fo ntes, 2003 (p.09-33).

___ o Sobre a lógicada fo r~a . In: O prnsamentopolíticocíassico: Maquiavel,Hobbes, Locke, Montesquieu, RUUSSl' ilU . Solo Paulo: Martins Fontes, 2003(p.35·58).

MAQUIAVEL, Nicolau.O Prinápt'. (trad. MariaJulia Goldwasser). Solo Paulo:Mart ins Fontes, 1993 (Colecác Clássiccs).

MAQUlAVEL, Nícclau. O Principe. (tud. LivioXa~r). sao Paulo: Nova Cultural,1996 (Col~1I0 Os Pensadores).

PINZANl, A1ess.andro. MQquiawf& OPr;nci~. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 2004(Col~o Füosofia Passo-a-passo).

11. O PRÍNCIPE- NICOLAU MAQUIAVEL Talos filosóficos rm discuss.loo(1)

Page 46: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

po¡sdefendía a ídéia de que a Terra girava em torno do Sol. Vívia-se umtempo de conflitos, crises e incertezas.

René Descartes, ou Renati Cartesius, quando escrevia em latim,viveu durante o período de consolidacáo do Estado moderno na Franca.Na primeíra metade do século XVII, a Franca foi território de governosmais estáveis do que o restante da Europa.Apartícípacáo díreta do paísna Guerra dos Trinta Anos só ocorreu em sua última fase para decidiro conflito e devido ao recelo frente ao fortalecimento do lmpério dosHabsburgos (na Boémia e na República Tcheca).

Descartes foi um personagem central na. Revolucáo Intelectualdo século XVII na Europa; um dos fundadores da filosofia moderna,do racionalismo, ou seja, de urna doutrina filosófica que apresenta arazáo, tomada em si mesma e sem o apoíoda experiencia sensível, comofundamento e fonte do conhecimento verdadeiro. Em outras palavras,a experiencia sensível só tem valor e sentido, bem como seu uso naprcducácdo conhecimento, dependentes de principios, regras e normasestabelecidas pela razáo.

O pensamento cartesiano, devído ac temor excessivc daInquísícáo. absteve-sede urna postura mais destacada ern físicae moral.Por outro lado, na metafísica póde, com seu método da dúvida, inau­gurar com firmeza urna nova forma de pensar. As íd éias de Descar tesforam as mais sistemáticas aü refletirem a preocuparáo, no inicio damodemidade, em considerar as pessoas como seres racionais e naocomo seres cujo destino está nas máos de urna autoridad e divina.

O sistema cartesiano na álgebra fezcomque Descartes fosse requi­sitado por reis e rair.has a ensinar seu novo método pessoalmente, comoo fez, ao atender ao convite da Rainha Cristina da Suécia (1626-1689).

Durante suas meditacóes fi losóficas engajou-se no exércitoholandés de Maurício de Nassau (1604-1679), entre 1618 e 1620,como parte de seus planos de ler o livro do mundo. Em sua breve car­reira militar, passou pela Dinamarca, Polonia, Hungria e Alemanha. Em1620, Descartes encerrou sua carreira militar para dedicar-se apenas a

pesquisa científica e filosófica. Durante os sete anos seguintes, escreveuvários textos inspirados na Sociedade Rosa Cruz.

Todavía, .10 pensarmos em Descartes como filósofo que inaugurao pensamento moderno, imedlatamente nos vem amente a oposícáo

entre ruptura e continuidade na leitura da tradicáo. Aofalarmos dessasduas posícoes podemos afi rmar que a ruptura com a tradícáo nao sig­nificou que Descartes a ignorasse, mas sim que ele lhe fez urna crítica.Sendo assim, a continuidade com relacáo atradícáo nao significou umrepetir de pensamentos, mas urna retomada de temas dássicos paralhes dar o t ratamento que o filósofo entendia ser maísconveniente.

A crítica atradicác, ou seja, a alusáo amodemidade, no caso deDescartes ao racionalismo- no proced.imento de que há urna separacácentre o sujeito do conhecimento e o objeto a ser conhecido - referencia aid éia do termo motlpmo. Rm larim modernus foi utilizado pela primeiravez no final do século Ve passou a significara libertacáode laces histó­ricos, opondo o presente atradicác que transmite crencas e costumescomo um 60 entre geracées.

A cposkác .lOS acontedmentos advindos antes desse período éapresentada no racionalismo e determina quea consciencia,o pensamen­te, osujeito tomam possível cefeíto doconhecimento. Oponto departidaé a separacáoentre o sujeito do conhedmento e o objeto a ser conhecido.Esta císácessencialdetermina a necessidade da pesquisasobre o métodoque bem conduza a razáo e que permita vencer a exterioridade entre osujeito e o mundo, favorecendo, portanto, o acessodo sujeito ao objeto.

Para Descartes, bem como para todo aquele que expresseo pensa.­mento dualista, rompe-seacontinuidadegreco-cristá entre o mundo sensí­veleo mundo inteligível. Esta dsáo determina a necessidadedeum métodopara bem conduzir a razáo e assim permitir que se venca a exterioridadeentreo sujeito e o mundo,procedimento quefavorecerá o acesso dosujeitoao objeto. Portante, Descartes faz urna oposk áo a toda tradicác platónicaparaaqualoespirito humano sóécapazdeaprender seu objetivo,seestiveriluminado por urna luzcuja fonte ele nao traz em si, mas que lhe vem pela

111. DISCURSO DO MÉTODO - REN~ DESCARTES Textos fiJosOhcos em dlscussáo

(1)

Page 47: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

luztranscendente (idéiade Bem e de Deus). Descartes aindarecorre a. ídéiade Deus para fundamentar o conhecimento do mundo sensrvel e dirigetodo seu pensamentc paraas pessoas que se valem de sua própria razáocomo guia de seupensamento e de sua existencia.

Descartes dirige sua obra "Discurso do Método", um escrito pós­medieval, áqueles que se valem de sua própría luz natural ou razáo. Suaíntencáoerapóroconhecimentoaprovaafim dedescobrirumfundamentoseguro sobreo quala estruturade entendimento humano deverla estar.

111.2 APRESENTAC;:ÁO DA OIl RA

111.2.1 Estrutura da Obra

(...) Nao temerei dizer que penso ter tido muua fehodade de me haverencontrado, desde a juventude, em cerros caminhos, que me ronduziram accosíderacóes e máximas,deque formeium método,peloqcal meparecequeeutenha meie deaumentargradualmente meoconhecimmto,edeak...~·lo,

pooco a pooco aomais alto ponto, a que a mediocridade de meuespirito e arurta dur~ de minha vida!he permitamati ngir (DISCURSO, !.p.3n.O Discurso do Método é escrito em primeira pessoa e dirigido ao

homem simplese debomsenso. Discurso do Método (l63n , ou Discurso doMétodopara bem conduzirarazdo eprocurar averdade nas ciénaas, é urna auto­biografia intelectual. Urna pedagogía da razáo para a exposkáo e construcáode wn Método de aquisicáo racional do conhecimento. da busca de urnaverdade absoluta,deumconhed.mentoverdadeirosobreascoisas davida, domundo;dividida emseis partesequeconfigura o racionalismo dássico.

O primeíro título em que pensou o autor era: Projeto de urnaCiencia Universal que possaelevarnossa natureza ao seu mais altograu deperíeítiío. O volume incluía tres outras obras, publicadas sob o titulo"Ensaios desre método, a saber: a Ótica, a Meteorologia e a Geometría"(escrita com a íntencáo de ilustrar matemáticamente as consideracóes

filosóficas gerais do Discurso relativamente ao método científico).

O método (caminho) diz respeito a ídé ia de como conduzir avida. Oobjetivo de Descartes é encontrar urna. ponte entre o pensamen­to subjetivo e a realidade objetiva, entre o mundo interior e o mundoexterior. No Discurso do Método, Descartes descreve sua formacáointelectual, relata o desencanto que lhe causaram as letras e proclamaa. superiorídade das matemáticas. Finalmente. apresenta os preceitosmetodológicoscapazes de conduzir o espirito a verdade.

Essa obra. se divide em seis partes e apresenta as etapas quelevaram o filósofo a criacáo de uro método de raciocínio científico,apoiando-se em fundamentos firmes e irrefutáveis, a saber:~: descreve a formacáo educacional do jovem Descartes e

sua insatisfacáo com o método corno muitas materias t radicionais doscurrículos eram ensinadas; faz consideracóes referentes as déncias.Apresenta a experiencia adquirida mm suas viagens pelo mundo oque lhe proporcionou a descoberta de urna variedade de costumes e aaquisicáo de dúvidas sobre tudo o que lhe fora inculcado por meio deexemplos e hábitos condicionantes.

(...) tao lago a idade me permitiu sair da. sujeiyao de meus preceptores.deixei inteiramente o estudo das letras. E, resolvendc-me a r üc mals pro­curar outra ciencia. além daquela que se poderla achar em mim próprio,cu entáo no grandelivro do mundo.empreguei o resto de minha mocdadeem viajar(DISCURSO. 1, p. 41).

Assim, resolveprocuraremsuaprópria menteo c.aminhomais retoque poderlatomar ero face das influenciasdeformadoras da. sodedade.

11 parte: vale ressaltar queas regras do método, que a obra intitula­

da "Regras para a Dírecáo do Espirito" (composta de 21 regras), tambémconhedda como: Regras para a Direcác de nossa Inteligencia Natural (co­nhecída como Regulae, em latim), escrita de meados para finsda segundadécada do século XVII, mas nunca acabada.e publicada somente após amorte do filósofo, que ele formula e aplica, sao resumidasou sintetizadaspor meio de quatro preceitos na obra Discurso do Método.

111. DISCURSO DOMÉTODO - REN ~ DESCARTES Textos filosóficos rm discussio(1)

Page 48: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

(...) resolví usar de tanta drcunspecc ác em todas as coisas, antes de des­pender bastante tempo em elaborar o projeto da obra que la empreender,e em procurar o verdadeiro método para chegar ao conhecimento de todasas cotsas de que meu espírito fosse capaz(DISCURSO, JI, p. 44/5).

Nesta segunda parte do Discurso, Descartes apresenta as quatroregras cartesianas da seguinte maneira:

1. evidencia, 2. análise, 3. síntese e 4. enumeracáo.Aprimeira recusa qualquer fato tidocomo verdadeiro queo sujeito

nao possa reconhecer como evidente por si mesmo. A segunda propóedecomporo problema em pequenas partes mais simples, a timde facilitarsua resolucáo. Depois disso, ero terceiro lugar, ordenar os pensamentos apartir daqueles sobre os objetos mais simplese fáceis de compreender atéo conhecimento maiscomplexo. Por fim, fazer a revísáo gerale enumera­

(3.0 de todas as possibilidades sem que nada fosse omitido.Vale enfatizar que as regras do método, cujo sentido é facilitar o

uso da razéo, devem guiar-nos sempre na procura da verdade, na buscado verdadeiro con hec imento.

III parte:apresenta os rudimentos de urocódigo moral provisóriocomquatro máximas.

(...)a fimde naopermanecer irresolutoem minhas ar óes, enquanto a razáome obrigassea sé-lo, em meus juízos,e de nao deíxar d viverdesde ent áoomais felizmente possível, forme¡ para miromesmo urna moral provisór¡a,que conslstia apenas cm tresou quatro máximas (DISCURSO,III, p. 49).

Essas máximas permitem ao sujeito a tomada de deds óes quantoas ac óes a serem realizadas externamente no convívio social. Baseiam­se ero quatro regras:

a)obedeceras leisecostumesdeumpaís,mantera religiáo emqueforainiciado eseguir a opiniáodas pessoas consideradasmaissensatas;

b) ser o mais firme possível em suas ac óes , evitando vacilacóes emáximas duvidosas;

c)procurar semprevencer a si mesmo, isto é. modificar osdesejosnao passiveis de realiaacóes, erovezde tentar mudar a ordemdo mundo;

d) empregar a vida cultivando a raz áo e progredir no conheci­

mento da verdade.

IVparte:estabelece ocernemetafísico da obra, relatasuabuscapelasbases de um sistema de conhecimento confi ável - urna resumo das idéiaspresentes a posteriorina obra: Medítacóes Metafísicas (1641). Meditacóessobrea Filosofia Primeira,aschamadas Meditacóes Metafísicasousimples­mente Medítacóes, concementes a PrimeiraFilosofia nasquais aexistenciade Deus e a dístíncáo real entre alma e o corpo do homem sao demons­tradas. Nesta obra (dividida em seis meditacóes) aparece em detalhes aconst ruc áo do argumento que leva aconclusáo sobre a existencia de Deuse da alma. Passo a passo o métododa dúvida vai retirando do pensamentoos conceitos empíricos sujeitos ao engano. Depois sao postas ero xeque asnocóes oriundasdageometriaeda matemática. Oargumento dosonhoe afigura dogeniomaligno sao mobilizados, a fim derealizarem por completoa limpeza de todoconhedmentc duvidoso.Apartir daía suposicáoda exis­tencia de tal entidade servede garantía paraa sustentacáo firme docogito.Da terceiramed itacáo em diente,vem a defesa da existencia de Deus (anaoefetivacáo do argumento do Deosenganador) pela simples presen(a destaidéiana mente, como marca do criador na criatura.

O livro IV contém também o famoso enunciado: Je pense, donejemis ou Eupenso, portanto eu sou. Sete anos mais tarde (a publicacáo daobra) traduzido parao latimcomo Cogito,ergoswn ou Penso,logo existo.

Aexpressáo: Eu penso. portantoeusou é metafisica. E está presentena parte IVdo Discurso (1637, obra em francés)e,mais tarde e demaneiramaiscompleta, na obra Meditacóes(1641). Dizer que se trata de urnafraseque expressa a idéia metafísica, significa afirmar que Descartes apresentaa idéiade que o conhecimentc daprópriaexistencia deve ser o mais seguropasso no caminho para o conhecimento das demais coisas. País enquanto

III. DISCURSO DOMÉTODO - RENÉ DESCARTES Textos filosóficos em discussao

(1)

Page 49: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

Ieu me ocupono processodo pensamento, tenho que existir.

Já Penso, lago existo, é urna express éa lógica. Esta formulacác emlatim aparece na obra: Principios de Filosofia (1644 ), part e 1, artigo

VII. Ecostumeiramente é apresentada nas treducóes feítasdo Discursodo Método. Afirmamos, pois que Penso, lago existo é lógica no sentidode que o sujeito reconhece que seria impossível pensar sem existir,entende que o pensamento pressupóe a existen cia. O Cogito representaa primeira verdade. entretanto é necessario pressupor suas implicaróeslógicas, afirmaróes e explicacóes acerca de sua fundementar áo.

{,..) E, tendo notado que nada h éno ' eu pensó, lago existo", que me asse­gure de que digo a verdade. exceto que ve]o muito claramente que, parapensar, é preciso existir (DISCURSO, IV, p. 55).

Ero outras palavras, a filosofia cartesiana é construida como umencadeamento de idéias daras e distintas. Seu ponto de partida é aevidencia do cogito, que supera toda dúvida.

O Cogita, do latim (agitare. significa cogitar, pensar. É urna afir­macáoda existenciado eu que percebe a si mesmo como existente. Esseeu é um eu pensante, eleé o sujeito do ato de conhecer, Pode-se afirmar,portanto, que o cogitoviabílíza dais marcos da modernidade: a verdadeeo conhecimento que passama residir no sujeito pensante inaugurandoa subjetividade moderna.

Vparte: esboce das concepcóes cartesianas sobre física e cosmo­logia, a dualidade ou independencia ent re carpo e alma.

(...) a .uma racional nl 0 pode ser de modo a1gum tirada do pode r da ma­t érta (...), excetc talvez para mover seus membros, mas que é preciso que

esteja junta e un ida est reítamen te com ele para ter sentirne ntos e ape tit ese ro mpe r um verdadeiro homem (DISCURSO, V, p. 69nO).

Tambémdiscuteo temacientífico específico da drculecáodo sanguedescoberta pelo médico inglés William Harvey, em 1628, e apresenta uro

argumento baseado na linguagem radical entre os sereshumanose os ani­mais. Os animais, por nao serem capazes de expressar seus pensamentospor intermédio dalinguagem,comofazem oshomens,seriamconsideradoscomo máquinas movimentadas por urnaalma corruptível e mortal.

VI parte:

(...)quero que se saiba que o poucoque aprendí at éagora nao é quase nada ,em ccmparacáoccm o que ignoro, e que nao desespero de poder aprender;pois acontece quaseo mesmo aos que descobrem pouco a pouco a verdadenas ciencias (DISCURSO, VI, p. 74).

Esta parte da obra revela concordancia com as teses de GalileuGalilei e discute o papel da ciencia e as raaóes que o levaram a escrevere da utilidade que os curros poderiam tirar do livro, já que para evitarqualquer problema com a Igreja, suas idéias foram todas postas em tommeramente pessoal, narrado em primeira pessoa. Nao sem antes fazeradvertenciasquantc aos comentadores e divulgadores que distorcemoraciocinio dos autores ao empregarem palavras difíceis e obscuras emseus comentar ios. Também sao apresentadas as razóes da nao publi­cacao de seu tratado sobre Física. Prefere entáo publicardeste algumaspartes: a Dióptrica, os Meteoros e a Geometría, com a intencáo de naoser tia polémicoe fomentar o progresso das ciencias no futuro.

11 1.3 TE MAS CENTRAIS

o pensamento cartesiano presente na obra "Discurso do Método"apresenta algumas nor óes específicas com relaráo as seguintes idéias:dualismo, idealismo, subjetivismo e representaplo. E específi ­camente, nesta obra, eluddacóes a temas como: saber adquirido,ciencia e conhecimento empírico.

Quando nos referimos a Descartes como dualista admitimos a

111. DISCURSO DOMIToOO- RENÉ DESCARTES Textos filosóficos em discussio(1)

Page 50: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

idéia de duas realidades distintas: a alma (substancia pensante ou rescogitans) eo corpo (substanciaextensa ou res extensa). Eé esta divísáoquedetermina oprocesso deconstitu ícáo dosaber.Portanto,é correto afirmarque essa separacáo significa urna independencia entre carpo e espírito, eentre sujeito eobjeto (quinta parte do Discurso). Suafilosofia consisteemtomar o sujeito comoponto de partida do conhecimento. Maso que issosignifica?Quepara haver conhecimentoé precisoum sujeítoqueconbeca.entendendo-se o sujeitocomo exclusivamente o pensamento. Paratanto,a realidadeestá sempre no sujeito e se apresenta na forma de idéias.

A primeira realidade que é dada ao sujeito pensante é o própriopensamento . Tudo o que ternos sao representaróes das quais tentamosatestar a realídade. Eu,sujeito, parto das idéias e nelas procuro aquiloque atestará o que na realidade corresponde a elas.

Outra conseqü énda desta divisáo. mencionada anteriormente,entre res cogitanse resextensa é a separacáoent re sujeitc (ser pensante) eobjeto (ser pensado).Osujeito é quemassume a ordenacác de todo e qual­quer conhedmento, característica que teré, na filosofia cartesiana, a de­nomínacáode subjetivismo. Éessesubjetivismoque fazcomqueas ídéiasque at ribuímos ou ternos sobreas coisassejam apenas representacóes.

Emsentido geral e do ponto de vista da problemáticado conheci­mento, podemos afirmar que o pensamento cartesiano é idealista , poisimplica a reducáo do objeto de conhecimento ao sujeito conhecedor e,no sentido ontológico, equivale areducto da matéria ao pensamento.

Estas id éías est áo presentes na obra ' Discurso do Método" (1637),cujo projeto que almeja e acredita poder obter é a verdade absoluta.o conhecimento verdadeiro sobre o mundo. a verdade expressa pelaevidenciadascoisas.Oqueeuconheco ecomoeuatinjo esseconhedme ntoacorre pelo uso de meus sentidos ou peloatributo de meu pensamento?

Aid éia de atingir a verdade e saber se meus sentidos me enganampode ser apresentada inicialmente pela visualízacáodas obras de algunsarti stas.Aintencáo é tentar aludir a ídéía do texto e elucidar de maneiramais objetiva e clara corna recorr énda a diferentes recursos díd étícos:

a) Escher - imagens sobre ilusóes de ótíca,b) Salvador Dali - "A persistencia da memoria" (1931) e "Sonho

causado pelo vóo de urna abelha em torno de urna roma, umsegundo antes de acordar" (1944).

A intencáo, ao usar estas obras e imagens, é determinar, aluzdo pensamento cartesiano, de que maneíra eu apreendo a realidadee a expresso; e como ter certeza de que aquilo que meus sentidos meapresentam determina ou nao a verdade das coisas.

Q "Discurso" tem como intencóes precisas:a) estabelecer alguns passos para a criacáo de um método;b) apresentar uro percurso que vai da dúvidasistemática acerte­

za da existencia de uro sujeito pensante;e) inferir a respeito da separacáo entre sujeito e objeto do

conhecimento;d) elucidar uro método universal capaz de garantir a verdade do

conhecimentc humano;e) saber se existe alguma coísa que sobreviva adúvida, se h éalgo

que eu nao tenha como duvidar.

I1I.4 IJIALOGAN()O COM O TEXTO

oinícioda obra - primeirapartedo "Discurso"- é marcadopelaidéiade borosenso;oque é maiscompartilhado no mundo.Asegunda afirmacáodetennína o bom senso como a capacidade de distinguir o verdadeiro dofalso, isto é, nao basta ter umespirito bom;é necessario aplicá-Io.

(...) o poder de julgar e dist inguir bem o verdadcirc do falso, que é propr ia­mente o que se denomina bom senso ou razao, é naturalmente igual em

todos os home ns. Dcsse modo , a díversidade de nossas opinió es nao se

origina do fato de que alguns s30 mais racion áis que out ros, mas semente

pelo fato de dirigirmos ncssos pensamentos por caminhos diferentes e

nao consldeearmcs as mesrnas coísas . Pois nao é suficient e ter o espirito

bom, o principal é aplica-le bem (DISCURSO 1,p. 37, I parágrafo).

111. DISCURSODOMÉTODO- RENÉDESCARTES Textos filosóficos em discussá o

(1)

Page 51: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

o born senso é repartido para todos os hornens, ern grau sufi­

ciente, pelo fato de todos os homens serern racionais. Entretanto, isso

nao garante por si s ó a ídentíficacáo da vcrdade. É necessario que a

razáo seja conduzida, e isso occ rre rá por meio de regras que permitiráo

atingir a evide ncia.

O mé todo tem como finalidade precisa po r a raaáo no boro caminho

para que desta maneira evite o erro. E o caminho para isso visa garantir

o sucesso da elaboracáo de urna teoria científica. O método, portanto,

é um caminho que procede para garantir o sucesso de urna tentat iva de

conhecer as coisas. Aquestáo, a sabe r, é por que o método é necessa rio?

a) Porque, .10 serem feitas críticas as autoridades, a tradiráo. <lOS

preconceítos, as crencas a pessoa, percebe-se só. Pois descon fia dos

conhecimentos sensíveis e dos conhecimentos herdados. A dúvida me­

tódica faz a pessoa rejcitar qualquer id éia que possa supor passível de

questionamen to. Dizele:os sen tidos nos enganam e nos fazem perceber

ccisa s, nao como realmente sao, ma s como nos parecem ser. Assim, aún ica certeza que eu tenho, o único fator nao passível de dúvida é o fato

de que o sujeito pensa, e isso determinará sua existencia .

A d úvida deve, portanto, fazer pa rte de seu percurso em busca da

verdade, senda o germ e da at itude crítica, da reflexáo sobre os limites

do conhecimen to humano. Com a clara inten cáo de : en tendermos a nós

mesmos e nossa relacáocom o mundo .

Descartes, qcerendc construir urna déncia certa, romeca por duvidar detudo. Acerteza. com efeito, nao é imediata. O cerro é o indubitdvcl, é oque resiste ad óvida,a urna dúvlda queé precisopraticar,exercer como umtrabalho, ensalar, a fimde descobrir o que ela naoconsegueabalar.Énestesentido que a dúvida de Descartes é metódica: é um rnelc utilizado paradescobrir o cerro (BEYSSADE, p. 33).

b) Porque dé seguran¡;a ao pensamento, evita esforco inú til,

permite conhecer o que for possível para u entendímento humano.

Um procedimento que se consti tui basicamente de quatro regras

(segunda parte da obra) e prindpios que sao as diretrizes deste Discurso.

IlI. OISC[JRSO 00 MÉTODO _ REN~ DESCARn:S

Com relacáo as regras do método, segunda parte do Discurso,

como Descartes justifica a nece ssidade de novas regras do método?

As justificativas para expressa r estas regra s est áo centradas na

matemática (geometría) qu e possui a ordem e a medida como fun ­

damento. Desta forma , Descartes busca nela a causa da cer teza para

aplica-la a todos os objetos que podem ser conhecidos.

(...)O at rativo da matemáticaestava. para Descartes. u nto em sua ret texadedutiva quanto no fato de que fomecia uma especie de modelo para aínvest ígacao das relecóes fo rmáise abstratasque,emsuaopíniáo.estavamna base de urna vasta gama de fenómenos físicos. Assim, o estudantede matemática estana capacitadoa ampliar o escopo de suas pesquisaspara alérn da aritmética e da geornetria, as ciencias como a astronomía.a música. a óticae a mecánica,que poderlarn todas ser dassiñcadas comomathesis universalis (.. disciplina universal) que englobava todo conheci­mento humano, independentemente da natureaa especifica do objeto deesrudo em um caso específico(COTTINGHAM, p. 106).

As regras de Descartes inspiradas na geometria sao as seguin tes :

O pnrneim era 11 dp jamáis arolher ¡¡Iguma ccisa como verdad{'ira que eunao conhecesse evidentemente coma tal: isto é, de evitar cuidadosamentea precipita~a.o e a prevencáo, e de nada incluir em meus juízos que naose apresentasse tao ciara e tao distintamente a meu espírito, que eu naotivessc nenhuma ocasiác de pe-le em d úvída (DISCURSO,!l , p. 45).

1.Regra daevidencia: só aceita r como verdadeiro o que se apresentar

a meu espírito de forma clara e distinta que eu nao tenha como duvidar.

Esta regra expressa duas at itudes para as pessoas que buscam a

verdade. Prlmeiro, evitar os juízos a part ir de preconceitos, julgamentos

e opin ióes simplesmente recebidas (o chamado "ouvi dízer", sempre

se explica as coisas de tal maneira). Segundo, evitar ser precipitado

ou estabelecer um juízo sobre as m isas, até que cad a te rmo, palavra,

expressán (idéias e pensamentos prese ntes na análise) te nham total

distincác e clareza .

Textos filos óficos erndiscussáo

(1)

Page 52: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

o segundo, o de dividir cada urna das dificuldades que eu examtnasseem tantas parcelas quantas posslveis e quantas necessérías fossem paramelhor resolvé-jas (DISCURSO, JI,p. 4S/6) .

2. Regra da análise: quando presente as dificuldades em conhecer

algo, devo dívidi-las em tantas partes quanto forem necessá rias para

t orn á-las claras e distintas e solucionar o problema da dúvida.Descartes confere a esta regra urna questáo de aná lise matemáti­

ca, pois d ividir as dificuldades significa pensar a luz da decomposicáo de

equac óes complexas ou da reducác de múltiplos a seus multiplicadores.

o te rceiro, o de eonduzir por ordem rneus pensamentos, comecando pelosobjetos rnaís simples e mais faceís de conhecer, para subir, poueo a poueo,como por degraus, até o eonhecimento dos mais cumpostos, e supondomesmo urna ordem entre os que nao se precedem naturalmente uns aosoutros (DiSCURSO, n. p. 46).

3. Regra da síntese: devo sempre conduzir meus pensamentos

por ordem, iniciando pelos aspectos mais simples e prosseguindo pa ra

os mais complexos. Eu estabeleco como ta refa a ordenacác das id éias

quando elas nao se apresentam ordenadas.

Parte da deducáo (argumentacáo dedutiva - ar isto télica) como

forma de ampliar o saber. Há um encadeamento de elementos para a

demonstracáo da verdade.

Faz-se necessario ressaltar que para Descartes, em sua teoria do

conhecimento, todas as verdades primarias sao percebidas pela intui­

cáo. Por ém, além dela há um outro modo de conhecer, que é a deduc áo.

A metáfora que Descartes emprega no Discurso, para ilustrar sua idéia

de deduc áo, é a de urna eorrente eomposta por muitos elos .

(...) os geómetras costumam servir-se para chegar ás suas mais difíceisde monstracé es, haviam-me dado ocasiáo de imaginar que todas as coisaspossive is de rair sob o conhecimento dos hornens seguem-se urnas asout ras da mesma maneira e que, contante que nos abstenhamos seme nte

111. DISCURSO DOMÉTODO - RENÉ DESCARTES

de aceitar por verdadeira que nao o seja, e que guardemos sempre a ordemnecessária para deduai-las urnas das out ras. nao pode haver quaisquertao afastadas a que nao se chegue por fim, nem tao ocultas que nao sedescubram (DISCURSO, n, p. 46/7).

4. Regra da enumera~ao: devo esta belecer revis óes e enumerac óes

comp letas sobre cada aspecto analisado para poder ter certeza de que

todos os elementos envolvidos foram considerados.

Eo último, o de fazer em toda parte enumc racóos tao completas e rcvis óes

tao gerais, que eu tivesse a certeza de nada omitir (DISCURSO, Il, p. 46).

Esta regra permite o sentido inverso daquele feito pela análise (segun­

daregra), já que recupera a visáo de totalidade do conjunto ou das idéías pen­

sadas até entáo. As representacóes ocorrem pela simplicidadee separacáo de

urna idéiasobre as demais que poderiam numa análise serem confundidas .

Mas qual é o objetivo de Descartes ao formular as quatro regras

cartesianas?

As id éias presentes no método apresentam como conseqüéncia

a seguinte afirrnacáo: tudo aquilo que a razéo nao reconheca deve ser

colocado em dúvida. Em outras palavras, tudo o que antes da aplicacáodo método aparecia como verdadeiro nao pode, de fato, responder pela

origem de sua verdade. É necessário, portanto, colocar tudo em dúvidae invalidar a pr ópria esfera do conhecimento sensivel (as coisas que

conh eeemos mediante o uso de nossos sentidos e percepcóes). Assim,

toda e qualquer proposicáo deve ser rejeitada, caso haja o menor mot ivo

para duvidar. Devemos, portanto esvaziar-nos de todos os nossos conhe­

cimentos e crencas, já que dentre eles há alguns que nao sao confiáveis.Mas nao sabemos quais até examiné-los todos, visto que a intenc áo do

autor é possibil itar o homem conheeer de forma eerta e definitiva o real.

Como a ccmpreensáo de homem cm Descartes tem de ser pesquisada emsua totalidade, nao se pode negar que as explicaróes cartesianas sobreproblemas moráis sejarn par tes integrantes de urn conjunto eujos delinea­mentos sed o apresentados (MARQUES, p. 109).

Textosfilosóficos emdiscussáo [9~92:==::::~(1)

Page 53: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

Nesta terceira parte da obra, Descartes apresenta urna moral pro­visória. Sua intencáo é tao somente articular um código moral paraalojartemporariamente o edificio do conhedme nto. Amoral é necessária (comonosdiz SILVA,p.88)porque"mesmo enquanto reconstruo aciencia,devo viveremsodedodeeemcontato comoutroshomens,numcertopaís e$Ohdeterminadasleis e costumes". Este código moralconsiste em quatro máximas, a saber:

A primeira era obedecer ás leis e ,lOS costumes de meu pa ís, retendoconstantemente a religioio em que Deus me concedeu a gr,l~ de serinstruido desde a infoinc;ia, egovernando-me, emtudo o mais,segundoas opiniees mais moder,¡<Us e as mais distanciadas do excesso. quefossemcomumente .lCoIhidas em prárica pelosmaissensatosdaq uelescom os quais tertade viver(DISCURSO, 11I. p. 49).

Aprimeiramáxima da moralprovis óríaapresenta urnaobedienciapassiva á leí existente, um conformismoprátícc as regrasda sociedade.O objetivo é ser um espectador e nao um ator nesta 'comédia' da vidae a grande questáo levantada é o que devo fazer? Também se refere aorespeito necessáric a religiác na qual se foi educado. Urna atitude debomsenso aoadotar urnapostura mais sensata e moderadacom relacáoa obediencia das leis, costumes e religiáosob a qual se vive.

A segunda máxima baseia-se na necessidade de continuar afuncionar bem na vida cotidiana, a despeito da utilidade, em questóes

teóricas, do programa da d úvida sistemática.

Minha segunda máxima consistía em ser o mais firme e o mais resolutopossfvel em mínhas aróes, e em nao seguir menosconstantemente do quese fossem mul to seguras as opinióes ma is duvtdosas, sempre que eu metive sse decidido a tanto (DISCURSO,11I, p. SO).

Esta máxima moral enaltece a idéia de seguir constantemente aopini áo adotada como se estivessecompletamente seguro dela. Agora apergunta é: como devo agir?

A terceira máxima consiste em constantemente dominar asi mesmo, e nao o destino. O que significa, que devemos ser mais

sensatos ao dominar nossos desejos do que procurar modificar aordem do mundo.

Minha terceira máxima era a de procurar sempre antes vencer a mimpróprio do que a fortuna, e de antes modificar meus desejos do que aordem do mundo; e, em geral, a de accs tumar-me a crer que nada há queesteja inteíramenteem nosso poder,excetc nossos pensamemos. de sorteque,depois de termos feíto o melhorpossível no tocante as cetsasque nossao exteriores, tudo o que deixamos de nos sairbem é, em reb~ao a nós,absolutamente ímpossivel (DISCURSO, m,p. 51).

Die-nos ser melhor adaptar minha vontade arealídade, visto queo inverso díficílmente acontecerá. Descartes nos apresenta, portanto, aIdéiade que só nossospensamentos estáo inteiramente em nosso poder.

Epara concluir, Descartes diz na quarta máxima:

Enfim, para a ccndusáo dessa moral,delíbereí passarem revista as diver­sasocupacóesque os homens exercem nesu vida,para procurar escobera melhor; e,sem que pretenda dizer nada sobreas dos outros, pensei queo melhor a fazer seja conti nua r naquela mesma em que me ,lchava, isto,é, empregar toda a minha vida em cultivar a razáo , e adiantar-me, o maís

que pudesse, no conhecímentc da verdade, segundo o método que meprescrevera (DISCURSO, 11I, p. 51).

Essas regrasmorais pennitem que o filósofoaja em conformidadecoma sodedadee a natureza,"pondo aliberdadede pensamento aservifodeurna identi~ca fiio provisória entrenecessidadee virtude"(SILVA, p.90). Essaconclusáo conduzao engajamento concreto, aescolha de urna forma devida, como se eh fosse urnaconseqüénd a das outras tres regras.

Essas máximas cartesianas apresentam a vis áo moral na concep­lFao de homem que Descartes pretende elucidar, E, na seqü éncia de suaobra, Iívrc quatro, a frase canónica "Penso, lago existo", cujo conheci­mento da própria existenciadeve ser o primeiro e mais seguro passo nocaminho para o conhecimento das demais ccisas.

Naintroducáo a sua metafísica, part e IVdo Discurso do Método,

lII. DISCU RSO00 METODO - REN~ DESCARTES Textosfilosóficoscmdiscu$~o

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Page 54: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

Descartes apresenta várias razóes para submeter suas crencasanterio­res a urna dúvida sistemática. As refiexées cartesianas capazes de gerardúvida saotres:

• reflexóes sobre a confiabilidade dos sentidos;• refiexóes sobre o engano do mais simples radodnic

matemático;• refiexóes sobre a possibilidade de estarmos sonhando e de nao

serem verdadeiros os juízos que fazemos enquanto estamosacordados.

(...) Mas, pordesejarentaomeocuparsementecom apesquisa daverdadepenseiqUI' eranecessarioagirexatamenteeorontráno,erejeitarcomoabsolutamentefalsorudo aquiJo emquepudesse imaginaramenordúvída, afim dever se,apósisso, nao restaña algoem meu crédito, que Iosse inteiramcnte indubitável. (...)Eenfim,considerandoque todosos mesrnos pensamentos que ternos quandodes­perros nospodem Umbérn ocorrer quando dormimos, semque hajanenhurn,resse caso, queseja verdedeiro, resolvi fazer de con ta que todas as cosas queatéentáo haviamentradoem meu espirito nao eram maisverdadeiras queasílusóes demeussonhos. Mas, Jogo em seguida,advm:i que,eeqcantceu queriaassim pensarque tudoera falso,cumprta necessariamenteque eu, que pensavafosse aIguma coisa. E, notando que esta vmiade: eu penso, lago uiHo, enuc ftnne e taoceltaque todas as maisex:tunganles~óesdos cétcce n.ioseríam capases deme abalar. julguriquepodiaetá-l.a, semescrúpulo,comooprillK'iroda FJlosofia queprorunva (DISOJRSO, lV, p.54).

A certeza de minha existencia, que é a primeira verdade metafí ­

sica, nao é como a certeza de alguma verdade atemporal e necessária dalógica ou da matemática .

A matemática mostrou a Descartes o papel e a natureea do método aseguir para procurara verdade nas rléndas. Sua reflexaosobre°método,aprofundando-se aprocura dos principios do conhecimento, condu·loaurna reñexáo propriamente metafísica (BEYSSADE, p.30).

Contudo, enguanto estou ocupado no processo de pensamento,

tenho que existir. Alérn disso, o próprio fato de duvidar de minha exis-

ténda, próprio de levantar a possibilidade de ser enganado, confirmaque, enquanto realizo tais refiexóes, eu, de fato, existo.

O fato de existir e estar pensando remete a tres idéias claras e

distintas:a) estou pensando, lago eu sou;b) ninguém pode me enganar a ponto de me fazer pensar que

existo, se eu nao existo;e)nao posso pensarqueminhaexistencia sejafalsa, porque, sepenso

isso, estou pensando,e minha exísténda tem deser um fato.Oargumento do COGITO, ERGO SUM pode residir no fato de que

duvidar de que "pensó" é algo que se refuta a si mesmo, urna vez que a

dúvida é urna ins táncia do pensamento.Ao estabelecer a existencia do eu, sujeíto que pensa, Descartes

apresenta tam bém a existencia primeiro de Deus e depois do mun doexterno .

Como é rnelhor saber do que duvida r, Descartes cond ui que é im­

perfeito. Ele também cond ui que nao pode ser Deus, pois do contrárioteria criado a si mesmo perfeito, algo que nao é.

A idéia de perfek áo tem de vir de algum lugar: de Deus, poisDescartes é demasiado imperfeito para concebé-la. Lago, Deus existe .

(_),41saber, queas cosas queconhecemos muidm. e muidistinUmentes10todas venbdeiras, n.io é certcserUo porque Deos~ou existe,e é uroserperfeitc,~ porque tudao queexiste emnós nosvemdeIt. Donde SI' segue queas rossasidéiasou00lfÓl'S, smdo coisas reais,eprovmientrsdeDeeserntudoemque saoclaras edlsríntas, só podem porissoserverdadeiras(DlsaJ RSO, lV, p.58).

Assím, a preva da existe ncia de Deus dá au filósofo Descar tessua segunda certeza : nao s6 ele existe como ser pensan te, mas tamb ém

Deus existe. E o mund o ele existe? Descartes reconhece que existe midéias claras e distintas sobre a realidade exterior. Porque se a idéiade verdade é a clareza e distlncáo de urna idéia, a realidade de se reco­nhecer nas coisas (idéia de urna mesa, por exemplo) é a certeza de sua

UI. DISCURSO DOMEToDO - REN~ DESCARTES T~JlIos filosóficos em discusslo

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Page 55: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

extensáo. Em outras palavras, as propriedades quantitativas. Assim,

existe al ém da res eogitans (a coisa pensante), a res extensa (a coisa

extensa). O que significa dizer que, para Descartes, o conhecimento

do mundo externo, alémde mim e da existencia de Deus, será possível

com refe rencia as propriedades quantitativas das coisas, geométricas ,

matemáticas, pois sao as únicas reconhecidas pela razáo.

As idéias claras e distintas se encontram no espírito, como funda­

mento para a apreensá o de outras verdades. Sao idéias inatas, verdadeiras,

nao sujeitas ao erro. Pois nos vém da razáo, independentes das idéías que

nos vém dos sentidos e das que sao formadas pela imaginacáo.

Como idé ias inatas , daras e distintas, Descartes entende ser :

• eogito - o homem se descobre como ser pensante;

• Deus - sua infinitude e perfeicáo:

• Física - idéias de extensáo e movimento .

Estas idéias inatas nos dáoa possibilidade de:

• conhecimen to de nós mesmos;

• con hecimento de Deus;

• conhecimento da matemática .

Mas para se te r certeza das coisas , saber que nao nos enganamos

e que podemos obter id éias d aras e dist in tas sobre as coisas é necessária

a invocacéo explícita de Deus.

Deus é a razáo de ser de todas as verdades . Mas o eu pensante já naodesempenhava papel semelhante? Na verdade, o eu pens ante é a raaáo de

ser de todos os pensamcntos . nao de toda s as verdades (SILVA, p. 68).

No universo cartesiano, somos, port anto, o limite das ilus óes:

ilusáo dos sentidos, iluséo dos sonhos, ilus ño do conhecimento absoluto

e das certezas: da existencia de um sujeito que pensa e de um Deus que

nao nos engana.

Neste lim iar do conhecimento, Descartes apresenta na V parte do

Discurso a impossibilidade ontológica de pensar sensível e inteligível, o

extravic do caminho da raz áo.

A separacáo de sujeito e objeto procede afratura entre sensível e

racional, entre cor po e espirito.

(. --> as funcóes que podiam estar neste corpo, encontrava exatamente toda s

as que podem estar em nos sem que o pensemos, nem, por conseguinteque a noss a alma, ou seja, essa parte distinta do corpc cuja natureza (...) é

apenas a de pensar (DISCURSO. V, p. 63).

Descartes explica os fenómenos que fazem a unidade corpo e

alma apelando para a influencia casual. O corpo exerce urna influenci a

casual sobre a alma na experiencia sensíve1. Para explicar fenómen os

com a memó ria, a imaginacáo e o movime nto voluntár io, Descartes

apela para a infl uencia da alma sobre o carpo.

A teoria cartesiana, como podemos notar, procura mostrar a sepa ­

racáoentre alma e corpo. EDescartes alega que Deus foi quem possíbilitou

esta dualidade. Pois eu (sujeito) posso perceber minha existencia e que

também possuo um corpo. Tenho a certeza de que sou um ser pensante e

que de meu corpo apenas a idéia dara e distinta de que ele é urna exte nsáo

e nao pensa. Esta constatacáo faz a alma ser diferente do corpo e que

eu, portanto, posso existi r sem ele. Entre tanto, tenho a certeza de que a

afirmacáode que a alma ser ia un ida ao corpo s óper accidens, ou seja, por

sua situacáo ou disposícáo. Urna cons tatac áo que repousa sobre o fato de

que os dois elementos podem existi r separadamente um do outro.

Estas reflexóes podem nos remete r a id éia de que o homem é o

senhor de suas próprias realizacóes, seu pensamento e a constatacáo de

que sua existencia o faz ser.

Este pe rcurso pelo pensamento de Descartes (que inaugura a

filosofia como teoria do conhecimento) apresenta matrizes impor­

tantes para o racionalismo moderno. No decorrer da obra "Discurso

do M étodo" ele apresenta sua metafísica (com o intento de buscar a

verdade absoluta, um conh ecimento verdadeiro sobra as coisas), urna

relacéo entre filosofia e ciencia (sobretudo a física, como elucida na

IV parte do Discurso). Nela assenta-se a convíccáo de que a natureza

lIl. DISCURSO DOMÉTODO - RENÉ DESCARTES Textos filosóficos erndiscuss áo(1)

Page 56: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

tem leis próprias, que cabe ao homem descobrir para seu bem e para autilidade em sua vida.

Quanto a utilidade que os outroscolheriam da ccmunicacáode meus pen­samentos. nao poderte também ser muito grande, tanto mais que alndanao os levei táo longe que nao seja necessario juntar-lhes muitas coisasantes de aplká-lcs ao uso (DISCURSO, VI. p. 75).

Um conhecimento seria expresso e justificado a luz de todoterreno científico.

(...) Pois, embora seja verdade qut' cada hornern deve procurar, no quedepende dele, o bern dos cutres. e que é propriamente nada valer o naoser útil a ninguérn,todavia é verdadetambémque nossos cuidados devemestender-semais longequt' o tempo presente (DISCURSO, VI, p. 74).

Vimos, ao langa desta análise da obra, que no ' Discurso"Descartes procura demonstrar, a partir de sua própria experiencia,como o hornem comum pode chegar averdade e como conduzir o bomsenso, por intermédio de um método rigoroso - expresso pelas quatroregras - agarantia do conhecimento verdadeiro.

o critério utilizado para este propósito dava-se em verificar se asidéias sobre as coisaseram coerentes em si e ap ós, claras e distintas.

Essemétodo - adotado por Descartes - foi tirado dos geómetras,com o intento de ser aplicado a todos os ramos do saber: (...) é um mé­todo para bem conduzir a própria razaoe procurar a verdade nas ciencias(DISCURSO, 1, p.38).

Esteéo primeiro passoparaa formulacáode urnafilosofiade caráteruniversal, de um conhedmento segurosobre todas ascoisas,explicando as­sim a ídéía de Galileu,paraquem afilosofiaestá escritono livro douniverso.Esópode ser apreendida sua leitura - comoestá expresso sobremaneiranaIrparte do Discurso do Método- pelalinguagem da matemática.

Segué-sequepormeiodométodoeseguindoosprincipiosda filosofianessaordem, basta continuar a raciocinar de forma ordenada para resolver

todas as díficuldades, relativasateoria do conhecimentopropostas desdea primeira parte da obra, que porventura víerem a existir. De tal maneiraque, segundo Descartes, praticando o método que se tomará um hábito,farádo hornerouro conhecedor das idéiasinatas na alma,superiores as quederivamdossentidosou as quesao fabricadaspelaimaginacáo.Entretanto,para examinara verdade, diante dos contatos empíricos, ou seja, de nossocontatocomo mundopor intennédio do usode nossossentidosé, segundoo pensamento cartesiano, duvidar das coisas tais quais nos apresentam.É pelo uso da 'dúvida metódica' constante que surge a primeira certezaevidente: o cogito. Assim, toda e qualquerdúv ida, todas as perguntam as­sentam-sena primeiracertezasubjetiva queé opróprio pensamento. Nestacertezade que pensoe, por isso mesmo, existoque se poderáoconstruir ascertezasdas coísas que sao objetivas e tao indispensáveis para a validacáodoconhecimentocientífico.

Este foí o desafio de René Descartes ec decantar seu pensamentopara a contribuícáodo cenáriofilosófico do século XVII, com importantesmatrizesparaaeluddacáodeurnateoriadoconhedmento, tendocomomo­tor da refiexáo filosóficaaapresentacáo de urnanova metafísica eagarantiadoconhecimento científico possibilitado pelafísica e pelamatemática.

1I1.5INDICA<;'OES DE FILMES

As indica,óes dos filmes abaiICo sdo lontribui,óes do ProfesS(lr Sandm Pemandes.

CABRERA, Julio. O cinema pensa: urna introducáo a Filosofiaatravés dos filmes. Rio de Janeiro: Rocco, 2006.

Cbeervac íosobre aobra: editada pela príme íra vez em 1999, naEspanha. Oautordivide o livro em Exercícios:

Exercício cinco: Descartes e os fotógrafos indiscretos (A dúvidae o problema do conhecimento) p. 140·158;

IlI. DISCURSODO MÉTODO- RENÉDESCARTES Textos fi losóficosem discussác(1)

Page 57: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

- Blow-up - Depois daquele beijo (1966).Podemos acreditar em tuda ernque vemos? O filme prolloca 11 incer1:e.za.

- Janela indiscreta (1953).Como pegar um assassinodesobedecendo a Descartes?

- Aprova. MOORHOUSE, Jocelyn. Austrália, 1991.90 minoVHS.Um.lI prava moraldaexi$t~ncia do mundo. Melhor-pemraruzlislrr', pais tnlta tia PidaIÚ IUII « golpetlnamfia da risliodlUololtTa,JJH'SS«ls. Dúvida metódica - colocarern q~lio -~Io mmos urea vez na vida- nosso conbeo mento ao::eI'U das misas. Éisso qUl' o c~o fu . Pois ele pode ter sidofilgmado ac renhecer o mundo rom basenos oIhOll de outras pessoas. Assim Descartes desconfía de tuda, quem gMante queo que !he fol ensinadosó porque fDi fflSinado por livros, peofessores ou familiareseverdadf'iro? Observ~ e rao::iocinio levarao .1. verdade. A coasdl!Ddl do m...do- Martin, o perscnegem(ego. temo ruKlado artesi.mo: nadae~m até queaproYa se;a evidenciada.O personagemnaoe céoeo, acreditanum mrio de dlegar·se1 verdsde. A difl'ffl'l(.l e que Martin tem que confiar nos senodos, pri~te

na 'tislo queek rYo tem. Porese a mor-a1 e um e&emt'tlto fundamenlalerosua vidae nas re~Oes ccm osoutros. DESCARTES TEM AGARANTIA DMNA; MARTlNTEM AGARANTIA DE ANDY(anjo). Martin nao demonstn afeto, separa a ru.iode sennmentcs, pensamuito. Sua vida atormentada pela mM e a empr~ada em umfim,quandooamigoconfi rmaas irnagensda inUrria e M-mn demite a eropregad.t.Osdemónios s10 exorcizados peloalance da certeza das imagens.

Outros filmes que possibilitam a abordagem sobre Descartes,mas nao citados no livro de Julio Cabrera.

- HOWARD, Ron. Unu.mente brilhante. EUA: 2001. 135min. DVD.Pod. ·•• faur 11 n lllfQO n1M a bv.sca da «rteza matemlitifa. o mlmllorae/onld dnnwlado IÚ _ &fon . O filme é baseado na vida do maternátko,professor e premio Nooel John Nash. Um aspecto do filme a ser relecjcnadc aopensarnentc de Des<art '" é o de que o matem.itic:o ooSl:a as (ertnas t'Xdusiva·mente d~ ( ilncia: fora dis50 nlo h.i certt'1.a. Até as rela~óes pesso;¡is e os afetostem que ser demonstrados matem.lIicamente. O argulI\("nto prindp.a.1do filme e adoen~a do matem.lit ico tutada JM:la psiquiatria.: I.'Squizofrenia. Mas a abord.lgem(artesiana do filme deve pro<: urar entendl'r a realidade dos jooYens matemáticosea prC'Sd o em dM (Onta de l'ntl'nder e resolvl'r~rios do periodo da Guerra Fria, Adesc:obf'rta m~tel1l.i.lio:a inédita e o objetivo de Nash no filme. Averdade desveladae mais importante que qualquer outra (oisa p.a.ra o jovem matemático, sem vidasocial. nlo ao: redita ou nlo consegue ter sentimentos ou demonstrar afeto fora das

posslbtlídades matemáticas de entendimento do mundo e das relsróes. Acena emque eleobjetivamente diz o que quer de Um.ll m~ no bar demonstra tssc.

- ROWLANDS, Mark. Sófi = scifilo: a filosofia explicada pelosfilmes de ficcáocientífica. Rio de Janeiro: Relume, 2005.

Nesta obra sác citadas referéndas de vários filósofos. DeKartes e. citadoíndíretamente sobre dualismo nas páginas 61-R4 (O I'xtl'rminado r do

futuro). Ediretamente quando trata. do filme Matrix. nas páginas35-59.

- Matriz (1999).Abordagem sobrea realidade, o desconhecido, a verdade. as enganacóescaptadas peles se-ntidos,osenganos s10 provocados por qué?

- Outerminador do futuro.CAMERON,James.EUA: 1984.107min.O exterminador do futuro 2. CAMERON, James. EUA: 1991. 135min. Oexterminador do futuro 3: a rebeliéodas máquinas. MOSTOW, Jonathan.

EUA: 2003. 109min.Dualismo: biste Um.ll mente separada do corpo? Este problema e a~tado porDesu nes que separa a r.tUo (0IYl0 demento fundamental da hUm.llnidade dos ho-­mens.EUPENSQLOGO EXISTO. ,", .as esta dualidadtequest~ poi" vários filó­solos.lnd~ pdoautor des:se livro. Éposstvdsepafafa raUo,lrx.tli:z:ada na men te

do wrpo? Fu parte docarpo.e inftuerKiada por ek? Cartesianamm teo cihorgue dafilme No tem mentee. portan to e urnacoisa.No tem humanidadeapnaI deourmspersonagensrríarem afeto por ek, e tee imprnsJ,u que ek tem, prilKipalmente 00segundo fillN' da trilogia. E isso poderla N fK~ ser intl.'rp~ de outm jeitoe demonstrar a u. rac:teristic.a fisiu. da mente hUm.lIN, que o (iborgue. portantepcdería té-la. E tssc, segundoautOf, que.t(raie fasdlUac dnema defK~lo cientifio:a :

Matrilr ,B~ Runner.A.I., Pndidosno~o, Jornada nasestretas, :lOOl. etc.

Referencias• CABRERA,Julio.Ocinemapensa:urnaintroducáo á Filosofia

através dos filmes. Rio de Janeiro: Rocco, 2006.• ROWLANDS, Mark. Scifi=scifilo : a filosofia explicada pelos

filmes de fic~ao científica. Rio de Janeiro: Relume, 2005.• Sitio do professor Julio Cabrera, autor do livro referenciado

anteriormente: http://www.unh.br/ih/fillcabrera/portugues/

111. DISCURSO DO MÉTODO- RENe DESCARTES Textos filosóficos l'm diSl: USslo

(1)

Page 58: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

REFERÉNCI AS

BEYSSADE, MicheUe. Descartes. Lisboa: Edkées 70, 1972.

CABRERA, Julio. O dnema pensa: urna. introdu~ ¡¡o aFilosofia at ravés dosfilmes. Río de Janeíro: Rocco, 2006.

COTTlNGHAM. John. Dicionário Descartes . Rio de Janeíro:Jorge lanar,1995.

DESCARTES, René. Discurso do Método.Traduráo: J. Guinsburg e Benro PradoJúnior. Sao Paulo: Abril Cultural, 1', edk áo, 1973, p. 33-79, (Colecác: OsPensadores).

MARQU ES, Jordino. Descartes e sea concepfio de hornem. SaoPaulo:l oyola, 1993 (Cclecáo Filosofia).

ROWLANDS, Mark. Scifi.=scifi.lo:a filosofia explicada pelos filmes de ficl;aocientífica. Rio de Janeiro: Relume, 2005.

SILVA, Franklin Leopoldo e. Descartes: a metafísica da modemidade. SaoPaulo: Moderna, 1993 (Cclecáo Lagos).

E:=¡;,¡jO!l IIl. DISCURSO00 MÉTODO- RENE DESCARTES

Ivo Ribeiro LuskaGeroldo Balduino Horn

IV I BREVE HISTÓRI CO

Jean-Paul Sa rtre nasceu em 21 de junho de 1905, em Paris.

Quando tinba nove anos, em meados de 1914, comecou a P GrandeGuerra e em 1939, aos 34 an os, foi testemunha e vitima da 2a Guerra

Mund ial como prisioneiro de um dos campos de guerra, na Alemanha

em 1940. Essas guerras comecaram pela Europa e tiveram nela o pr in­cipal território de combates. Ent áo o per íodo da vida de Sartre foi, para

o mundo , um período de crises, conturbacóes, violencias e guerras. Sem

mencionar que, desde o inicio do século XX, havia guerras espalhadas

por toda a Terra' .Em Paris, aos 19 anos (1924), Sartre comecou o curso de filosofia

da Escola Normal Superior. É bom lembrar que desde muíto crianca elegostava de ler; aos dez anos de ídade já tínha urna máquina de escrever , a1 Podemos ler: ""Pu" signifiCólY.l "an tes de 1914~: depois di..... yeio algo que n.io maismerecía este nome." HOBSBAWM, Eric In ERADOS EXTREMOS O breve ú<:u1o XX1914 -1991, p.30,Ed. Comp;lnh ia das u t ras, Sao Paulo, 1995.

Textos filosóficos emdiscussáo

(1)

Page 59: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

qualtomou-se seuinstrumentodetrabalho.Vem daíe desuacriatívidadea facilidadeque tinha para a prcducác literária. Terminando seucurso defilosofia, Sartreprestou servico militar (de1929 a 1931) como meteoro­logista. Posteriormente, ainda em 1931, ccmecou a lecionar filosofia erouma escola de ensino médio (Liceu Francisco 1), ero Havre. Lá escreveuumromance.Aúnda da Verdade, quefoi recusado peloseditores.

De1933a 1934viveuero Berlim, para estudar a Fenomenología!e o Existendalismo! de Husserl, Heidegger, Jaspers e Scheller. Apartirdestes autores, Sartre tevecontato comas obras de Kierkegaard.2 A~'u..... FiIosolu.«>nt~Dlpor~a. cOIIl.1",,~cMsn rimda euu. _'tlmbna

UIlt nMtoclo cM tnbdho COla .. lüosofu.. q~ .1p~tlI ft'ftnóft sobn o~ do f1lt....dimnltodo ..... n.» ftIl .... essftw;;".; como o s..-,..t r.1ris dos M1ltidof;..pl'ft'nck ~ _ ronscWnri.I d.ac""'" no

mUDdo f do pt'Óprio Dlundo .. partir do fftlÓrnmo cM SUI. fKtiólbde. O m- fui criado poi" HIdSffiftIl _ pri","1'OI tr.b.tlhos _A fmolMflOlosi.t • • .tinda. filosoafu lrudCnNInIt.ai 'f'W~

as .m-..;6ft; " priori d.a uitw n.ahl r.tI par.t (Om~ pructsso. É. f1lUo ...... mvdo d.u ...Rndos, sen.» q~ 0<1problfm.ll üo ft'tOhoidof; .tnris cb.d.~ dnsas~.A~,.

~~m~, m.lI tlIm",""u~ lUl o:istincill doSerqowe o bomna. pon 0 .... _• p.trt~ d.a f~no_nook>Ji.t, par.t lI'l.t o InUndo jii Ht.í -Mi - dado . dncW -,n. e e bonwm"'" nU u ·d llido, t paru do fmclommo. Ena lM'ftdou fiIosofu.«>nt~., 6u muito -coUeb - n.arulidaMnosu.. pois se """'" ..... u_ filo.oli.t do ndo~ eW e. n.io smdo compat iftl com .t risio 11priDrldos llloOÓe'b d.a cWndII f'tn ptrk... mas ""' .. dnpnu. 8usa con t...oo.1""" in~n.... do mundo par.cIorscrnf!..lo filoIofK"awn t~. Poma , fácil(OGl~1.t, buta qoM unh,¡,roos dispos~ par.. busd·... n.tS ftSftlriu,; cb. prrup(io, da~, ..... o:ist.mri.t. A fmoRmlOIogi.tnosp~M1lti~

_ moftmonto,~ ... casa. "" .........,"",ndo, eW' o que snnp« ~st~.t nosso .tk..nce, dftde0<1 primoiros....- cM -... nistmri.o no ..undo . que ' o mundo do feoo_. o mundo doS.r b ·.....aa¡ delr;pOdo dos pn-jui.aw cM como t\ldo • Do dtoft ser. ~ o ... tor.... as cois.as das mnllW<. como ..._ ,t~. cbrir._••ntt'l cM qu.alqUft'rdInio, só s.... pr~ fiÓ.t ic.a , ...aI,• o q~ basu. nion«esstu. de npliu{Mos uUS.tis ou qu.aisqUft'ou tu.S. A i'ftIom~nologi.t CO..-;OU (0 11I Hus.serf.Heide&'vrwio.t ugui r, IIW<' reencon t ramos em H~d, to.rk~urd, M.tn, NieUsche,lkrpn e fft'l>d. E...... FUosofu Fenomenológiu. esti em too• .t p.trt e, H tá inclusift nn nós. ~ , ..nt H cM ser lüosofu., UIIIHtilo, UlII lIu;r ..tnWs claond .t que tolhe .t todos .MH nIo se pode H<JUf'Cer que .t fenom~nologi.t só i .tCt'lSin l .t um metodo fnw_noiógKo, i -t run­.tIgo n.aP~sen4;.t de si e p.tr.t si, utili u ndo-se. p. u isso. de Hu. próprio sn conscwnte. s.... men te q....pau S. rtre ' o par..·si, i .tntes de tudo , .t pel"(~O ~.t conwnri.t de q~ Osn·nn·I;. q~ ' Oser queH tá pront o ~ .tc.th.tdo, qu~ndo se t rata do homem, e u mbim o sn-p.tu ·si, q~ está semp~ por burposto que i sempr~ possib ilid.td~, i sempre projeto e projet.tr·se, o SU-fln·si ""'I....nto hom~m nuncai somente Oproprlo corpo , pois há Oser--pau ·si que i definido na conscii nci.t dest e mesmo hom~m,

que pcrém uti liz.t-Ie do u r ·em·s;'3 O term o Existncialismo nl o foi cri.tdo por Sartre, IIUS f d"orr~nt~ de IU' filoIOfi. , mesmo quetenha se 'in. pirado' em Heidegger.~scartt'l e outrcs filósofos. P.tr.t o Existenc i. lismoo hom~m que óo ser que tem consclhda do mundo f que está no mundo, como diz BORNBEIM(ill SARTRE, Cole~lodebales n"36. filosoli.a, d . Pers pect iva, 3" fdi~'¡o, 5.io Paute, 2005, P.19) -: tU , porl anto, Um ponto d~

partid. que •• consdhd a. M.. a consci.nd .t nl o é f" h.td.t em si prápri. , visto que Ohomem e ser-no­mund o; t o ser-no·mundo 1'110 ~ncontrll seu funclamenl o n.t reñexivídade ou n.t res cogitans, ;.ti que ele uesl .belen num pu.no pre·... lIuivo. 1110 impli"" , por l ua vez, .t preeminencia ablo!ut.. do exil ti r- ,

Depoisdocurto períodocomoprofessor, com a 2"Guerra emcuroso, tornou-seativistapolítico,o que foi possível porquejáse beneficiavado sucesso de sua notável e maior obra OSer e o Nada (de1943).

Foi,ainda, autordos maisdiversos géneros literários, como ensaios,romances e teatro. Podemosdestacar:Os romances:Caminhosdaliberda­de; Anáusea; O muro; Aidade da raeac:O diabo e o bom Deus; As pefaS:

As moscas; Entre quatro paredes; também compós músicas, foi editor ejomalista da revista Les Temps modemes; escreveu para os jomais Combat eLibération,sendoquepartidpoudafundacáodesteúltimo. Ero 1964 depoisdeescolhi:lopararecebero Premio Nobel deliteraturaelerecusouo premiopor"raaóes pessoals":pcrém urna possível explicarác para a recusa podeserque.10 receberaque1e premio eleestariasoboolhar de outrem ejá naoseriamais o senhor da situacáo, uro terceiro tena escolhído' pelo ser-para-sí' ;o que seria. urna contradkáo para sua filosofia... Mas, Sartre, sobretudo,tomou-seo mais famoso e pol émico dosfilósofos exístencíalístas.

IV.2 O EXISTENCIALlS MO É UMHUMANISMO

lV:2.1 ApresentafGo da obraO texto O existencialismo ; um humanismo (Sartre) para

compreendé-lo erosua tese e argumentos, conceitos e problemas, para

4 -Com o olhar do ou tro, .t -sifual:1o- lIlI! esup.t. 001. ""r.t US.tr u..... ~xprfldo b.1n.tI. mas que t r.td\l%bem non o p<'nSillll~nlo: jII ..........."""'da sill"'l ...... Aa cont rário,.lO apar~lo do curre fu surgir nilS;tu.~Io 11m u p<'do niÓ.o d~do por mim, do qua! n10 lOu dol>O r que me esup.. por prindpio, pos to que• ""'11 oOllr..,.· Ci~.io de OSEREONADA. ElISllioJe OlIloÑIiII{fflOI'Mn«OgiCII, Editor. Vozrs, 12' Edi~.io,

p. 341, Petl"ÓpoIil , 2003, ntraicla de Annie Cohn ·Soi.tI, in SARTRE, p. 36, ende el. cita Oongin.tl L'Etrtff k Ntllnt . f.ssaid'o"tt!loriepltmnmmologiqut, Gallimard , 1943, p. 31 1-312 .S O ser·""ra·,i i.t denomina~J.o que Sar tre dá para Ohom~m que est4 plen.tm..nt r na condi{Jo d~ sa_bedor de , ua e:ril tfnci.a, e~ (o ""r-p.t ra-s i) • o ser que esU .t' no mundo (ser-no-mundo) e qlle lem n Uconlcifnci.t de q u~ ele . o que t .to pr0tet.tr· s~ par.t est e mundo, elr escclbe e se fu p.tr.t ~ste mundo, ium.¡ e:rpl iu~lo de q"" o homrm resultado d. Ietencicnalídad.. da conscitnd.t. EnUo o Irr-p.u.t.si . oser que tem.t conscitncia que sua ellistt ncia pTecd e Sil. co ndi~J.o de ler, nao hi n.d.t planrjado 11priori,esper.ndo por ele p.tr.t que ele se enc.tixe COmo num. fol1l1.t, ele sr fu .. li, ""'1 COm uso, ..o Iaee r-se,faz u mbém o que os OUlf OS vkm dele.

Iv. O EXISTENCIAllSMO ~ UM HUMAN ISMO· SARTRE Textos filosóficos em discussáo

(1)

Page 60: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

tentar transpó-lo ernurna linguagem clarae concisa e, assim, auxiliardealgummodo todos aqueles que também tenham interesse nesse estudo,suscitou a necessidade de retomar a leítura commais vagar e atencáo.

Esta é urna leitura possível para alunos que, egressos do ensinomédio, tentem compreender o texto filosófico ero questáo, já quea densidade de uro texto académico torna deveras árida e difícil acompreensáo. De inicio é bom termos em mente que o opúsculo Oexistencialismo é um humanismo é a edicáo (1946) da célebre con­ferencia de mesmo neme", na qual Sartre defende o existendalismo?das críticasque vinha recebendo nao só por ínterpretacóes superficiaisou equivocadas da filosofia da existencia, mas também dos opositoresreligiosos, visto que Sartre era ateu e seu viés era de demonstrar que sepode compreender a invencáo de Deus pelo Homem, o que toma estemesmo Dl:'US desnecessário.

Nessa conferencia, Sartre fez urna explidtacáo do significadoÉtico da obra O Ser e o Nada . Diz ele que o Homem ao fazer suasescolhas, guiado pela liberdadeé que lhe é pr ópria", faz. tamb ém a suamoral. E como o Homem nao faz escolhas alheio ao mundo, pasto quesua existencia acorre no mundo, entso sua acáoé determinante da pró­pria Humanidade urnavezque o ser-para-si agee Caz os acontecimentosdo mundo. Assim ternos aí a construcáo ética e a justificativa para queo existencialismo seja um humanismo, que o é neste sentido ético deconstrucáo da humanidade, a partir desta liberdade, pois, sendo o ho­mem totalment e livre, é o único respons ável pelo que faz de si mesmo,faz também o mundo, faz. tambérna humanidade.Voltaremosa abordaresta questáo maisafrente e com mais vagar.

6 Conffl+nciaq foi "m rrande ewnto midi:dic" q... _ ..... rm 20 de Olltl1bnl de 1945 roo CIroh M.m·rnooom, p.ris, nu 1 de ABnie Contn -SoIa.l(2OOS) SARTRE, p.32.7 O ttnnOEristencia.li. mo nio " ut ilizado PO' Sul... no tido q"t . midl<1l daq"tlI pt'riodo do pós.gutrT<1l utilizan. e quan& lhe ptTgunu.am soMt o tIlillencia.lismo. ele I"t$pond...: ·0 u i$lencia'1Ilmo? Nio $ei o que ,," ... "Minha. filosoli.a." " 1TI<1l .lIStt.a filosob da u u t"nd a". Annie Cohen·Solal(200S) ¡ti SARTRE. p.32 .8 Mal. adiante ve...mol q"" Liberd.de p<1l.<1l S...t ... " a própria ,on.ciencia.!I O termo 'pTÓpriO' "'luí utilizado nlo" o de pass"ir <1llgo que passa In <1llienado "Iim de bu. p"rte.ou Intlbor de (oR$titui . o m;e;IO.

IV; O EXlmNCIALlSMO EUM HUMANISMO -SARTRE

Sartre apresenta ainda reñexóes sobre o problema do entendi­mento do mundo em sua. esséncía'P; como o ser-para-sí, através dossentidos, apreende e toma consciencia da coisa (do ser-em-sí!'] nomundo e do próprio mundo a partir do fenómeno de sua facticidade etambém comoa partir de¡entende e concebe o ser-para-si.

Assim, o escrito O existencialismo é um humanismo, erodecorr énda de ser originário de urna conferencia, está estruturado eroduas partes: na primeira, tem-se a apresentacáodos problemas e acusa­c;:óes que O ser e o nada sofreu por parte de vários críticos (jornalistas,comunistas, cristáos) e, na segunda, tem-se o regist ro do debate feitoem decorréncia da apresentacáo. Oestilo podeser considerado, al ém deurna conferencia, também um depcimento, já que ele está frente a umpúblico, ern um audit ório, vivendo o que está falando, argumentandoe rebatendo criticas, .10 mesmc tempo ern que retoma o debate queantecedeu a conferencia.

Feitas as consideracóes e advertencias iniciáis , podemos e de­vemos fazer a necess áría incursáo pelo texto pasto que somente ele, otexto, nos dirá o que procuramos e dele poderemos extrair informacóesou algumas pistas que nos de sua significacño.

IV..1 A MORAL DA L1BERDADE - ÉTICA

Aa comecar a conferencia Sartre faz. menrác as acusacóes quevém das mais diferentes origens, comunistas. religiosos, e até de urnavertente existendalista, por ém cristá. Díaele que o Exis tendalísmo eurna Filosofia contemporánea que torna a vida humana poss ível. Noentanto , nos alerta sobre as conseqüéncias da banalízaráo do termo eque devido a esta banaliaaráo, que tomou tal vulto, transformou-se emmoda e em sinónimo de ' fealdade",e que por isso já nao significa nada,

10 Esll!nda: É°que (o n.til '" "m $U, o q"e Ih" " proprio e o define, o qu" lhe dí lua lign lfKa~J.o, ItU

predicado. É o q" t permite dize. que o It. " aquilo qut "le e.11 0 ser-em-.i " todo IU qut tllí no mundo , mnmO que do sej.a animado. Mn mo t p. 'ncip,¡lm"nttll5 seres que nio tlm consci"ncia de sua eristinri<1l sio os """''''IIl ''¡' Solo objetos, animaÍS, pb.nla.s,mine.ai' , elC.•ele n.MI 1"'" (onscienci<1l de CI"t nUo roo m"ndo, de qUt fu t'" p"rte do mundo .

Textos fi~ficos em di5cu.ss.io(1)

Page 61: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

vejamos urna dtacáo (pp . 4-5) que sugere esta ampliacáo de significacáo

para o existendalismo:

Urna senhora de quem me falaram recentemente, quando por nervosismodelxa escapar urna palavra menos própria, declara para se desculpar:parece-me que estou a tornar-me existencialista. Por conseguinte, alia-sea fealdade ao existendalísmo; (,..) Parece que afalta de urna doutrina devanguarda, análoga ao surrealismo, as pessoas ávidas de escandalo e deagi l a~"'o volram-se para esta filcsofia, que, allás, nada lbes pode trazernesse dominio; na realidade, é a doutrina menos escandalosa e a maisaustera poesível: ela é estritamente destinada .lOS técnicos e .l OS filósofos.

Sart re adverte para urna determinada banaliaacá o do termo

"existe nd alista". Essa banaliaacáo ou vulgarizacáo do termo levou

muitas pe ssoas a usarem a filosofia existenciallsta, em sua vers áo maís

popular, com o urna válvula de escape para suas próprias afetacoes. Esse

entendímento deve-se . principalmente, por haver duas correntes de

pen samento ou escolas existendalistas na época, a saber : a cristá e a

ateísta. Portanto, Sartre trat ar á de diferenciar essas duas escolas.

Há duas escoJas existend alistasA complicacáo toda, segundo Sartre, dé-se por haver duas espé­

cies de exístendalístas: os crist áos e os ateus. "O que tém em comum é

simplesmente o fato de admitirem que <l. existénda precede a ess én­

cia , OU, se se quiser, que ternos de partir da subjetividade". Daí segue-se

a pergunta necess ária: "Que é que a rigor se deve entender por isso?"

Bom, segue-se a explícacáo de que o modo vulgar e o mod o religioso de

ver os objetos do mund o, acabam por definir tuda a partir de um concei­

to un iversal. O exemplo dado é o de corta-papel, que vamos chamar de

tesoura12. Para se produzir urna tesoura o artífice reporta-se ao conceito

e a técnica de que seria a receita de produc áo, es te objeto, a tesou ra ,

foi concebido antes de sua producáo por este conceito de corta-papel,

entao tero-se aí que a ess énda, que é o ser do objeto, precedendo a

12 Há out ras máquinas que cort.m p.a~1 e que nao 5;;'0 tesouras, a guilhot in. ~ uro t n mplo.

existencia deste objeto. Primeiro tem-se o conceito, concebe-se e depo is

produz-se. Com a explicacáo da criacáo do Homem por Deus (p.S),

Sart re demonstra que o processo é o mesmo:

Quando concebemos um Deus criador, esse Deus identificamo-Io quasesemprecom um artífice superior; e qualqucr que sejaa doutrina que con­sideramos, trate-se de urnadoutrina como a de Descartes ou a de Leibniz,admitimos sernpreque a vontadesegue mais ou menos a inteligencia oupelomenos a acompanha, eque Deus, quandocria, sabe perfeitamente oque cria.Assim o conceitode homem, noespirito de Deus, é assimilável aoconceíto de corta-papel no espirito do industrial; e Deus produzo homemsegundo técnicas e urna ccncepcác. exatamente como o artífice fabricaum corta-papel segundo uma definiráo e urna técnica. Asstm o homemindividual realiza um cene conceito que está na consciencia divina. Noséculo XVIII, para o ateismo dos filósofos, suprime-se a nocáo de Deus,masnao a idéiade que a ess óncia precede a existencia. ...0 hornem possuiumanatureaa humana;esta natureza,que é o concetrohumano, encontra­se em todos os homens, o que significa que cada homem e um exemploparticular de umconcetto universal - o hornem; ..

Mas essa afirmacáo nao significa que essa nat ureza human a deva

manter-se em separado do conceito de um Deus onipotente e onisci ente.

Sartre fala aqui em "condícao humana" . A condícáo do homem lancado

no mundo é tal que se torna o autor e responsável por todos os atas que

pratica em sua esfera pessoal e que , conseqüentemente, váo acabar por

interferir na vida de todas as outras pessoas do mundo. Por outro lado,

o próprio problema do existendalista, ass im, nao é rnais se existe ou nao

existe um Deus. Essa quest áo nao importa. Mesrno que Deus exista, a

par tir do mom ento em que o hornero é jogado pra fora dele, é pos ta no

mundo, deve ser resp onsável por seus atas na mesma medida ero que suas

acóes sao dirigidas a todos os ho mens do mundo, send a ele um individuo

particular represe ntativo de todos os outros hornens do mundo.

ohomem é°que ele próprio se fazPercebemos ent éo que a forma , de ver o homem, apo ntada acima

16 nr. O EXISTENCIALlSMO É UM HUMANISMO · SARTRE Textosfilosóficos ern discussáu(1)

Page 62: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

coisifica o homem e dá-lhe urna natureza. Porém para o existencialismo

ateu, considerando ent éo que Deus nao existe, que é mais coerente, "há

ao menos um ser no qual a existe ncia precede a esséncia, um ser

que existe antes de poder ser definido por qualquer conceito, e que este

ser é o homem cu, como diz Heidegger, a realidade humana" (outra

dtacáo p.S):

Mas se verdadeiramente a existencia precede a esséncia, o homem éresponsável por aquilo que é. Assim, o primeiro esforco do existen­cialismo é o de por todo o homem no dominio do que ele é e de lheatribuir a total respcnsabilidade de sua existencia . Equando diurnosque o hornem é responsével por si própric, nao queremos dizer queo homem é responsável por sua rescrita individualidade, mas que éresponsável por todos os homens.

Se um homem age, ou se nao age (omiss áo) por isso mesmo esco­

lhe. Dirá Sartre, só a n áo-escolha !he é proibida . Aa homem lancado ao

mundo nao há o nao escolher; é escolha, mesmo quando nao escolhe está

tomando partido desta ou daquela posicáo. Está condenado a ser livre,

na medida em que nao pode, inconsciente ou deliberadamente, deixar de

escolher, em todos os momentos de sua vida. Em funcáo de seu projeto, o

homem assim tornado livre poderá escolher com mais ou men os interesse,

do ponto de vista daqueles objetivos que ele mes mo se propóe realizar.

O proje toO que há aí é que o homem primeiro existe e dep ois de sua exis ­

tencia, dep ois de acorrer sua descoberta para si, é que através de suas

escolhas projeta-se para o futuro e constrói-se. E ao agir dessa ma neira,

ele que primeiramen te nao era nada, vai sendo equ ilo que projeta ser, tal

com o se fizer atrav és de suas escolhas . Porém nao será como ele quiser,

porque o querer é pos terior aescolha na qual o homem se faz (p.B):

Porque o que nós queremos dizer é que o homemprim eiro existe, ou seja,que o homem,antes de mais nada, é o quese lancepara um futuro, e o que

IV. O EXISTENClALlSMO ÉUMHUMANISMO - SARTRE

econsciente de se projetar no futuro. O homem é, antes de mais nada,um projeto que se vive subjetivamente, em vezde ser um creme,qualquercoísapodre ou urnacouve-flor; nada existeanteriormente a este projeto.

Essa escolha, esse projeto é pessoal e in transferlvel. Se os atas

individuais sao objetivos, as escolhas feitas a pa rt ir do estabelecimento

do pro jeto sao obrigac óes das quais nao se pode fugir, urna vez que sao

deliberad ame nte escolhidas por nós mesmos em nos sa intimidade.

Lendo um pouco mais afren te no texto, enco ntram os a reafirma­

~ao do homem como projeto , que aliés é principalmente esta a discussáofeita por Sartre ao longo da conferenc ia, vejamos (p.13):

Adoutrina que vos apresentc é justamente a oposta ao quietismo, vistoque ela declara: só há realidade na a~ao; e va¡ allás mais longe, visto queacrescente: o homem nao é senáo seu projeto,só existe na medidaem quese realiza, náo é portante, nada maisdo que o conjuntode seus atos, nadamais que sua vida ...

Assim, para o existencialis ta nao h á escape fácil de suas res­

ponsabilidades, nem de vivenciar as conseqüénd as de suas acóes. Isso

implica a própria nocáo do que significa estar vivo, do ponto de vista

existenciali sta. Que seria a vida senáo o víver, delibe rado, cons ciente de

seus at as e responsabilidades sobre as conse qüéncias - quaisquer que

forem - desses mesrnos atos?

oato individual envolve toda a humanidadeO hornero se escolhe e, em se escolhendo, escolhe toda huma­

nidade, cna urna imagem para si, a da monogamia , po r exemplo; a

part ir dai constrói tuda em torno disso, projetando e fazendo seu

futuro acontecer. Estes atas e escolhas que envolvem urna dírecá o, uro

caminho, ist o tarnbém acaba senda valor, e como antes desse projeto

nao havia nada, lago para o homem nao existe urna mo ral prévia ou

an terior, ela (a moral) é cons ti tuida no mo mento de sua acáo, de sua

escolha; essa ac áo que é do homem já é de in ício autentica, [é que

Textos filosóficos ero drsccssao l.i:l¡¡'¡:::::(1)

Page 63: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

12

todo ser é único e em sua escol ha constrói-se a si, o mundo e toda aHumanidad, (pp.6-7J:

Quando diz.emos que o homem se escolhe a si, queremos dizer que cadaum de nós se escolhe a si próprio; mas coro isso queremos também dízerque, .10 escolber-sea si próprio, eleescclhe todos os homens. Com efeito,nao há de nossos aros um sequer que, .10 criar o homem que desejamosser, náocne ac mésmo tempo urnaimagemdo homemcomojulgamos quedeva ser. Bscclher ser ísso ou aquilo é afirmar .10 mesmo tempo o valor doque escolhemos, porque nuncapodemos escclher o mal, o que escolhemosé sempreo bem.e nada pode ser bom para nós sem que o seja para todos....Assim, nossa responsabilidadeé muito maior do que poderiamossupor,porqueelaenvolve toda a humanidade. ... Esequero, fato ma¡s inrlividual,casar-me, ter filhos, ainda que este casamento dependa unicamente deminha sítuacáe, ou de minha peixác, ou de meudesejo, tal ato implica-menao somenrea mim, mas a toda a humanidade na escolha desse caminho:a monogamia.

Cada ato indi vidual pode ser entendido como extensáo daquilo

qu e eu, enq uanto ser hu mano indi vidual, desejo para toda a hu mani­

dade e manifesto atrav és de meu ato de assim agir. Se nao desejo o mal

para mim mesmo (e como poderia faze -Io?) nao posso desejar, para o

conjunto da humanídade da qual sou parte ativa, out ra coisa sen áo o

bem que desejo para mim mesmo. Aquilo que julgo bom e válido para

mim mesmo, enq uanto considero minha individualidade, há de ser

boro e válido para o conjunto de todos os demais seres hu manos que

perfazem a comunidade humana de qu e sou pa rte.

A angústia mio conduz ainapio /

Ao agir de man eira tal, o homem está entáo implicando toda a

hu manidade, toda a conformacáo de sua época é pau tada po r essa acáo,ele faz de si o que sua época enxergará de si, e, se pratica um at o qual­

quer, por sua escolha, ele te rá de dizer se tal ato é born ou mau , e tudo

se passa para quern tem respo ns abilidad es assumidas, como se toda a

humanidade estivesse com os olhos voltados para si (p.S):

Iv. O EXISTENCIALlSMO ~ UM HUMANISMO _SARTRE

Tudose passacomose, paratodo hornem, toda ahumanidadetívesse osolhospostesno queelefaz e se regulasse peloqueelefaz .Ecada homemdeve dízera sipréprio: tereio direitodeagirde tal modoquea humanidadese regule pormeusatos?Eseo hornemnáodiz isso, é porque eledisfaJ? suaangustia. N.iosetrataaquiduma angústiaquelevaria aoquietismo, aina~o. Trata-sedumaangústia simples, conhecida por todos os que tém tido responsabilidades.Quando,porexempto,umchefe militartomaa responsabilidade durnataquee at íra para a morte um certc númerode hornens, tal escolha fe-la elee nofundoescolhesozinho. Sem dúvida, há ordens quevémdecima; mas saoelasdemasiado latitudinarias e impóe-se,pois,umainterpretacáoquevem doche­fe; desta interpreta cáo dependerá a vida de dee, catoree, vinte homens. Naopodeeledeixarde ter, na dedsáode tomar, urna rerta angústia. Tal angústiatodos os chefes a conhecem. Mas tsso nao os impede de agír.pelo contrarío,issomesmoéacondíeaodesuaecáo. Implica ísso,cornefeíto, queelesencaramurna pluralidade de possibilidades;e quandoescolhem urna, dáo-se renta dequeelasó tem valor por ter sdo escolhida. Esta. especie de angústia, que é a:quedescreve onistenciali smo,veremos queseexplica, além do rnais,porumaresponsabilidade direta frente aoscurros hornens queela envolve. Nao é elaurnacortina quenos separeda a~ao, mas faaparte daprópriaacáo.

Pobre e fraco seria o hornem que, diante de urna sit uacáo de

confíito, preferisse a omissáo em vez de agir. Porque, o existencialismo

o demons tra , nao poderá esse hom em escapar de sua escolha, mesm o

qu e ele opte por nao escolhe r at itude alguma. Por si só essa omlssáotorna-se urna escolha , consciente ou nao. Deliberada ou inconscien te

todo horn ero em pasto de comando, por a~ao ou mesm o por omíssáo,

es tá fadado a escolher um caminho qu e será trilhado por ele ou peloconjunto de seus subordi nados.

Desse modo, o hornero exist encialista pesará suas acóes, procu­

ran do encont rar o melhor caminho na realiaacáo de um determinado

projeto. Sabedor de que nao poderá jamaís renunciar ao momento de

escolher en tre esta ou aqueJa acáo, o hornern existend alista procuraescolher a melhor acáo.

DostoiéllSki e o existencialismo

Na busca por urna moral laica, por volta de 1880, professores fran -

Textos filosóficos emdiscussáo Ei~:::::~(1)

Page 64: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

ceses, tentando construí-la "disseram mais ou menos isto: Deus é uma

hip ótese inút ile dispendiosa ,vamos, pois, suprimi-la, mas torna-se neces­

sério, para que haja urna moral, uma sociedade, um mundo policiado, que

certos valores sejam tomados a sério e considerados com exist indo aprio­n~' (p .9). Ent áo a discuss áo sobre a existencia de Deus, como fundamento

de urna moral pré-existente, já vem de longe. As sucessivas tentativas de

negar sua existencia também, porémnao se quería o ónusdesta exdusáoda divindade. "Dostoíévski escreveu: 'Se Deus nao existisse, tudo seria

permitido', Aí se situa o ponto de partida do exístendalismo ~ (p.9). Assim

o existencia lismo radicaliza esta discuss áo e vai as últ imas conseqüéncias,em nao exis tindo Deus, o hornero está abandonado a própria sorte" e

sem desculpas, pois nao existindo Deus, também nao há valores escritos

no firmamento, nao ha escr ituras sagradas , nao há determinismo . Nao

há ta mbém a natureza humana dada e imutável. E aí o homem tero que

dar conta de si, tern que cuidar-se sabendo que nao há ninguém por ele,

e portanto ele fará, ele inventará sua moral , sua ética. Os valores seráofrutos de urna construc áo cotidiana na qual o próprio hornem também é

construído, é o processo de escolha que falamos an teriorment e. Vamos a

uro trecho (p.9):

...Se por outro lado Deus nao existe, nao encontramos diante de n ós valo­

res ou imposiróes que nos legit imem o compo rtamento. Assím , nao ternosnem at rás de nós, ncm dia nte de nés, no dominio luminoso dos valores,

jus tíficaeóes ou descu lpas. Estamos sós e sem desculpa s. Éo que tradu zirei

dizendo que o homem está condenado a ser livre. Condenado porque

nao se cnou a si próprio; e, no entamo. livre porque , urna vez lencadc aomu ndo, é responsável por tudo quanto fizer ..

o homeminventa ohomemPart indo do pressuposto de que nao existe Deus, parti ndo ainda

de que os valores nao sao imposíc óes ao homem, e ainda que o homem

13 A"xp l't'ssao 'abandonado a propr ia SOrlf" , uti li....da <I'Iu¡ como 'po r tonta propria ' ou 'só no mund otf'n do semente a si proprio'.

é responsável sozinho por seu comportamento, Sartre afirma que estes

pressupostos iniciais tomam o hornero livre , e ero senda o hornero livre

ele é responsável por tuda. O existencialismo, por isso, nao concede

legit imidade para as acóes levadas pela forca das paixóes. O homern até

pode usé-las como desculpa. mas é responsável por estas paíxóes. Com

isso a liberdade é int rínseca ao ho mem, nao há como ele aliená-la ou

livrar-se dela, até quando se submete ele está exerce ndo a sua liberdade,

nesse aspec to o homern se inventa quotídianamente (p.9):

o existencialismo nao eré na forra da paixáo. Nao pensará nunca que urna

bela paixáo eurna torre nte devastado ra que conduz fatalmente o hcmema cerros atos e q ue, por conseguínte, tal paixáo é urna desculpa. Pensa,sim, que o ho mem é responsável por essasua paixáo. Oexistencialista naopensará também que o home m pode encontrar auxilio num sinal dado

sob re a terra, e que o héde orien tar: porque pens.1 que o homem dedfra elemesmn es te sin al como Ihe aprouver. Pensa, portante, que o homem, sem

qualque r apoio e sem quelquer auxi lio, est á condenado a cada inst ante a

inven tar o hornem.

Engana-se aque le que pensa estar o homern fada do ao desespero.

O homern é, antes de tudo , capaz de cria r, desenvolver e manter seu

projeto. Esse projeto pode se r pasto e reposto a qualquer momen to,

urna vez que o homem existencial is ta pode sempre recomecar . A cada

recomeco, urna nova reinvencáo de se u ser enqu anto hornem Iivre,

pleno e res po nsável por seus atos, que precisa deliberar e escolher com

consdénda.

Nao há moralgeralSe o homem cons tante mente está a inventar-se, ele pode valo­

rar este ou aquele sen t imento, es ta ou aquela decisác, esta ou aquela

escolha, sem cons trangimentos. J á que ele escolhe , mesrno que pon de­

radamente, mesmo que sua escolha parece vir de conselhos de outrem,

quando vai até alguém para se aconselha r, já escolheu aquele com quem

tem afinidade. Ou já conhece ou suspeita qual será o conselho, age e

Iv. O EX ISTENClALlSMO É UM HUMANISMO -SARTRE Textos filosóficos em díscussá o 1i2¡3C=~(1)

Page 65: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

escolhe alguém com quem desde sempre pode contar para seu objetivode tomar a decis áo ou de escolher o caminho que deve seguir, ou aindade valorar um ou outro sentimento. É o que sucede na passagem quesegué, na qual Sartre já está finalizando a narrativa de um jovem queestaría em dúvidas sobre o que deveria fazer engajar-se nas lutas daresistencia ou cuidar de sua máefp.H):

Poroutns palavras,osentímenteconstituí-sepelosates quesepraticam;nao POSSO pcis consulta-le pna me guiar por ele. O que quer dízer quenao possonem procurar em mim O estado autenticoque me obrigaráaagir nem pedira urna moral 05 conceitos queme autorizem a agir. Pelomenos, dinis vós,ele procurou um professorpara lhe pedir conselhos .

Mas se procurardes um conselho junto dum padre, por exempio, é queescclhestes esse padre, sabeis ~ no fundo mais ou menos o que ele iráaconselhar-vos. Por outr.u palavras. ao escolhermos o consdheiro é

amda comprceeeermo-nosa nós próprios.Aprov.a est.i t'ITI que, se sois

crístács, dirris: consultaí um padre. Mas h! padres colaboracionistas,padres oportunistas, padRs resistentes. Qua! escoIher? Ese o jovmlescolhe um padre resistente, ou um padre col.lborotcionista, j.i d«idiusobre o pro <kconselhc que vaí receber. Assim, procurando-me amim, j.i sabia a resposta que eu lhe iria dar, e ec tinba semente UINI

resposta a <br·)he; voci i l iere, escolha, querodiser, invente. Nenhumamoral gen!pode indicar-voso que tú.a fuer; nlo N sinaís no mundo.

o hornern faz, antes de qualquer intervencáo divina ou extraterre­na, os próprios sinais de que irá dispar-se a seguir pelos caminhos de seupróprio mundo. Nern o homem sabeos carninhos que escolherá amanhá,ouno messeguinte,oua formacorn aqual desenvolverá seuprojeto futuro.Quereis maior l iberdade de a{ao do que nem rnesmo super o que estaráa fazerno dia seguinte? Por maís que o hornem se coloque determinadastarefas, o exístendalismo implica urn completo desprendimento naquiloquetangeaoenfoque moralpeloqualnossasescolhassaofeitas.Assim, naoserá responsabilizado o homem existendalísta que adotou essaou aquelaopcáo política ouideológica;antes, fazpartedopróprio processodeescolhaestarvivo e atuante tantosocial, quanto politicamente erosodedade.

odesesperoO homem, quando escolhe seu objetivo, quando age, ele está

s ó. Essa sua escolha é de inteira responsabilidade sua, ele a faz em suasolidáo, por estar no desamparo. Entáo ao escolher o que vai ser, aoprcjetar-se, ele também se faz forjando moral, visto este desamparo,visto nao haver smaís no firmamento. E ero sua consciencia, porqueage forjando moral, condenado que está a fazer tudo por sua própriaconta, ele sabe que estará inventando, construindo-se. Eatrav és destaconsciencia que é a negacác de outras possibilidades, que é responsávelpelo dar conta de si, queé o ser-para-si, e por dar conta de queestá nodesamparo, ocorrea angústia, ocorre o desespero.

o desamparo implica sermcs nés a escclhernosso ser. O desamparo é pa­ralelodaangústia. Quanto ao desespero, esta expressáo tem uro sentidobastante simples. Quer ela dieer que nós nos limitamos a contar com oquedepende de nossa vontade, ou coroo conjuntodas probabilidades quetomam nossa a~ao posstvel, Quando se deseja algurna ccisa, há sempreurnasérie de elementos provaveís.

Dessa vasta série de elementos, de possíveis projetos que naopoderáo ser realizados jamais todos, nasce urna certa angustia. ou de­samparo. Épróprio do processo de escolha essaangústia,mas piar serianao escolher, poís, dada a impossibilídade disso, conforme mostramosacima, nada mais desesperador do que arcar com as responsabilidadespor aquiloque deixamos de fazer.

Nao há natureza humanaEm estando o homem no desamparo, sozinho no mundo, isto é

sem que haja sinais no firmamento, sem que haja urna regra divina, eledeve agir para buscar ser. E este ser buscado pelo homem, é chamadopor Sartre de ser-para-si, que é a consciencia de si, conscienciaqueele,homem, tem de sua existencia , e que é abertura. E é esta abertura quep óe e que significa o mundo, e ta mb ém é esta abertura quesepara o ser­em-si de sua consciencia, separacác ainda que a consciencia faca parte

IV. o EXISTENCIALISMO ~ UMHUMANISMO - SARTRE Textos filosóficos emdis<ussAo( I )

Page 66: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

do ser-em-si. Separa porque é ela. a consciencia, que nega tuda paradiferenciar-se dos seres do mundo e para forjar-se constantemente,quotidianamente. Dessa forma néo hánatureza humana para servir demodelo, visto que ao hornern, em seu desamparo, resta fazer-se no dia­a-dia, oeste agir, e neste fazer-se está a busca de ser o que é projetadopor si e para-si (p.13).

Maseu nao possocontar com homens que nao ccnheco,apelando-menabondade humana e no mteresse do homem pelo bem da sodedade, sendaaceiteque o homem é livree que nao há nenhuma natureza humana emque eu possa basear-me.

Dado que o hornem faz-se a cada novo projeto, nao Ihe é dadofundar sua acáo numa regra geral de conduta humana. Ero outras pa­lavms, cada hornero tero urna sítuacáo específica para agir e deliberarde determinada maneira ou de outra, como assim Ihe aprouver. Quemsaberáo melhor caminho a seguir, senáoelepróprio? Dequalquer modo,feita a escolha, da qual nao se pode escapar, naturalmente, pois assimé a vida, pois assim é o mundo, trata-se de colher os frutos ou pagar asperdas de tal escolha.

o exístend alismo opoe·se 410 quietismoAmedida que o hornem s6 toma consciencia de si quando sabe

que está s6 e no desamparo para forjar-se, e em estando sé , ele percebeque terá que agir para buscar ser o que projeta para-si, entáo. as coísasserác o reflexo das decisóes e dessa acáo. Quando ele vai em buscadesseprojeto,quando elebusca completar seu ser,mesmo quesempre percebahaver ainda a falta, ele sempre dará conta de que algoainda Ihe escapa,porém, ainda assím, ele estará sempre nesta busca, neste agir, já que 3

realidade está neste agir. Assim o existend alismo op óe-se 30 quietismo,que era urna das acusacées que fizeram contra esta doutrin a (p.13).

o quietismo é a atitude das pessoas que dizem: os curros poden fazer

IV. O EXISTENClAlISMO ÉUM HUMANISMO - SARTRE

aquiloque eu nao possofuer. Adoutrina que vosapresento é justamentea oposta 010quietismo, visto que eladeclara: só há reahdade na a~o; e vaialiás mais lcnge,visto que acrescenta: o hornem nao é senáo seu projete,só existe na medida ern que se realiza, nao é, portante , nada maisdo queo conjunto de seos atas, nada mais do que SU.l vida. De acordo com tstcpodemos compreender porque nossa doutrina causa. horror a um certcnúmerode pesscas.

Essas peSSO.lS, supóe-se que Sartre esteja falando de adeptos dealguma relígí áo, t ém medo de agir e nessa a~o perderem-se. Julgam,erróneamente, serem capazes de salvar-se pela in érd a da náo-escolha.

Nao praticando senáo o bem, por meio de outros seres, julgamestarernlirnpas da roda pecaminosa da acáo material. Mas .10 homem nao é

dada tal possibilidade. A náo-acáo também implica escolha: escolhinaome mover, sou responsável por tuda que minha imobilidade produzou, antes, sou rcsponsével por tudo que minha imobilidade deixou deproduzir no mundo.

Responsabilidade do homemO hornero é o conjunto de seus atas, sao suas ac óes e as relar óes

que váo estabelecendo e definindo o ser hornem, e sernpre pode ser deoutra maneira, já que toda a~ao foi decorrente de urna escolha, que foifeíta valorando este ou aquele sentímento, valorando esta ou aquelanecessidade. mas que poderia ser outra. É entáo um empreendimentocontingente, que chegou até onde chegou devido a soma de atos e aorganizacáo dada pelo ser-para-si, dada pela consciencia que move oser-em-sí. Édesse modo responsabilidade sua, só tem o que fci projeta­do para o ser-em-sí pelo ser-para-si (p.14).

o que queremos dizer é que um homemnada mais t do que urnasériede empreendímentos, que ele é a soma, a crganieacáo,o conjunto dasrelaróes que constítuern estés empreendimentos. e..)Se ha pessoasque nos censuram nossas obras romanescas nas quais apresentamosseres indolentes. fracos, covardes, e algumas veees mesmo franca­mente maus, náo é únicamente porque estes sao indolentes, fracos,

Tuto.s ti.lolÓfico.s emdiscuss.io(1)

Page 67: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

covardes ou maus: porque se, como 201.1, disséssemos que eles doassim por causada bereduaoedede. por causa da influencia do meio,da sodedade, por causa dum determinismo orgánico ou psicológico,tais p6soas ficartam sossegadas e diriam: ora, al está, somos assim,contra tssc ninguém pode nada. Maso existendalista. quando descre­ve um covarde, diz que este covarde é responsável por sua covardia....Nao há temperamento covarde; (,..) O que certas pesSOilS sentemobscuramente,e queas horroriza, é queo covardequeapresentamos é

o culpadode ser covarde.

A face mais dura do existenciali smo é a verdade de mais dificilaceitacáo dessa doutrina: o homem nao está em determinada situacáo

porque foi nela colocado, mas porque aceita nela permanecer. Nada quefizeram conosco pode ser entendido como urna fatalidade, pois nos cabelivrar-nos de qualquer situacáo, conduzir nossa vida e mudar nossodestino. O homem que está fragilizado, por qualquer motivo, a ele cabea responsabilidade de assim se sentir. Em cada pessoa existe um poderde alterar sua própria situacáo, a condicáo em que se encontra. Apenaso lamento de nao poder escolher Ihe é negado.

o "cogito"O homem é o único objeto no mundo que etambém e ao mesmo

sujeito, e o ser-em-si e tamb ém o ser-para-si, ea partir desta consci­encia, de que ele póe o mundo, mas também está e e parte dele queé possível o existencialismo, alías este é o início do existencia lismo, oponto de partida, a existencia que precede a ess éncia, a subjetividadedo individuo. Eesta subjetividade está no (agito cartesiano, "penso logoexisto" (p.15).

Nosso ponto de partida é.com efeito,a subjetividade do individuo, eísso por raaóes estrttemente fil osóficas. Nao por sermos burgueses,mas por querermos uma doutrina baseada na verdade, e nao um con­junto de teonas bonitas, cheias de esperance, mas sem fundamentosreais. Nao pode haver outra verdade, nc punto de partida, seuao esta:"penso.Icgo existo": é a¡que se atinge a si própria a verdade absolutada coesd éno a. Toda teoríaqueconsiderao homemforadeste momen-

rv. O EXISTENCIALlSMO ÉUM HUMANISMO · SARTRE

to é antes de mais urna teoria que suprime a verdade, porque, foradeste cogito car tesiano, todos os objetos sao apenas prováveis, e urnadoutrina de possíbilídadeequenaoestá ligadaa urnaverdadedesfaz-seno nada; para definir o prcvavel. ternosque possuir o verdadeiro.

O verdadeiro existe no universo da subjetividade humana. Queeesse hornem que nada mais é do que seu projeto? Essa consciencia deser, de estar vivo, de ser responsável por seus atas e de tuda o que dolíadvém toma os homens conscientes do fato sumário da vida humana:eu sou, eu existo. eu estou no mundo para agir, para escolher, paraconstruir o mundo segundo minha vontade, para redimensionar meuspr óprios limites.

A exist éncia de outremQuando o hornem toma consciencia de si e descobre-se aber­

tura para o mundo, ele já está vendo o mundo atrav és da existencia ,através de sua presenca, diferente do ser-em-si, mas também diferentedos outros existentes que ta mbém se projetam e que ele ve. e percebe.Descobrindo que vai senda aquilo que projeta ser, através do cogíto, eletambém descobre os outros existentes, já que o que ele projeta para-si,também depende da visáo de out rem, como os outros existentes , quetambém agem e projetam-se,lhes ve. e Jhes percebe, e ainda, como saoseos julgamentos a seu respeito (p.16)_

Assim, o homem que se atinge diretarnente pelocogilo descobre tambémtodos os curros. e descobre-os comoa ccndk ác de sua existencia. Da-seconta de que IÜO pode ser nada (no sentido em que se diz que se é espiri­tuoso,ou que se é perverso, ouciumentol,salvoseos outroso reconhecemcomo tal. Para obter urna verdade qualquer sobre mim, necessárlo é queeu passe pelo cutre.O outro é lndispensável a minha existencia, tal como,alias, .10 conhecimento que eu tenho de mimoNestas condícóes. a deseo­berta de minha intimidade desccbre-me ao mesmo rempo o outro comourna liberdade posta em tace de mim, que nada pensa, e nada quer sen áoa favor ou contra mimoAssim, descobrimos lmediatarnente um mundo aque chamamos a mtersubjetlvldade,e é oeste mundo que o homemdecidesobreo que ele é e o que530 os outros.

Textosfilosóficos erndiscussáo

(1)

Page 68: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

ohomem naosedescobresozinho nomundo,é parte de um todointerligado, responsável e responsabilizado constantemente por seusatos. Minha a.;:ao individual implica meu entendimento de que tudoaquilo que eu estíver porventura fazendo num ponto determinado doplaneta afeta toda a vidahumana na terra. Nao se age para si mesmoapenas, mas para o conjunto de todos os seres que, como eu, sao livresparaconstruir oquedenominamos mundoe dequesomosparte consti­tuinte, responsáveis diretos por seu desenvolvimento e conservacáo.

Situapio históricat condipio humanaO homem nao está sempre na mesrnacondícáo. dependendo de

onde ele venha a existir, ele pode ser escravo, prisioneiro, proletário,padre, nobre, dentre tantas possibilidades, mas com estas condkóesnao saodadas por urna natureza humana, e sim por urna contingencia,nao há entáo urna condicáo perene,que perduraaté sua inexisténcia, jáqueoslimites impostos pela contingencia saoou podem ser quebrados,s6 dependendo da escolha e da acáo do homem, exemplo dísso sao asrevolucóes francesae russa. Em nao havendo natureza humana, háqueconsiderar ao menos urna condkáo da qual o homem nao escapa, eletem que estar no mundo, com os outros, e que ele é mortal (p.16).

Por condit;loentendem maisou menosdisríntamente o conjunto de limitesa priori que esbocarn SlLl sit~ fundamental no universo. As situ.a(Oeshistóricas variam: o hornero pode nascer escrasc nurna sodedade pag.l ousenhor feudal00 prcletário. Mas o que nao variaea necessidade p.ara eledeestar no mundo, de hita r, de viverrom os outros e de ser mortal. Oslimitesnao sao nem subjetivos nem objetivos, t ém antes urna face objetiva e urna(ace subjetiva. Objerívos porque taís limites se encontram em todo lado eem todo lado sáo reccnbcovets. subjetivos porque sao vividos e nada saose o homem os nao viver, quer dieer, se o homem nao se determina livre­mente ernsua exíst éncíaem relacac a eles. Eembotaos projetospossamserdiversos, pelo menos ncnhum meetn teiramente est ran ho, porque todos seapresentam romourna tentat iva para transpor estes limítes ou para os faaer

recua r ou para os negar en para nos acomodara eles. Porronseqüénda , todoprojeto, por mais individual que seja. tem o valor universal.

IV. O EXISTENClAlISMO ÉUMHUMANISMO · SARTRE

Do ponto de vistado individuo, oprojeto podeparecer individualou subjetivo. Mas dado que esse hornem se encontra inserido nurnateia social, onde seus atos sao representativos de sua própria vontade,e ondecada vezem queemana o poder desua vontade está se referindodiretamente ao conjunto dos demais seres humanos, influenciando-os,o projeto de urn hornem torna-se o projeto de toda urna coletividade.Seescolho o celibato, por exemplo, é porque acredito ser essa a rnelhoropcáo para toda a humanidade.

Escolha e subjetividadeOhornem quandoage, quando escolhe oprojeto, quando se proje­

ta, faz-se a si,mas também faz um tipode sociedade; posso exemplificar(sabendo quenemsempre seatinge oobjetivo postoqueoexemplo limitamuitoo quese querdizer): quando o homem faz escolh.a por um regímede fundonamento económico, eleprovoca paratoda a hurnanidade urnasituacáo ernqueseestabelece urna. época" foi ocaso doliberalismo advin­do do Duminismo e das revolucóes industrial (na Inglaterra), americanae francesa. O homem nestes casos fez sua escolha, agiu e realízou urnatransformacáo e impós urna situacáo para toda a humanidade. Porémmesmo as escolhas saocontingentes e sao dadas relativamente acondi­.;:.io de rompimentoou nao debarreiras, entáoainda quenaobajanadaapriori, ainda háurna situacáo queelesabeorganizada, queo implica e queaotomarurna. dedsáoimplica tambémtodaa humanidade.Porémvamos.10 texto, poisSartre explica-nosmelhor estacondkáo nas pp.I?·18, apósa objecáo desubjetivismo; vejamos:

Emprimeirolugara primeiraobj~""o: vocépodeescolherseja o que for, naoé exata.Aescolhaepossivel num sentido. mas o que n....o é possivel é nao es­colher. Posso sempreescclher,mas devo saberque,se eu n....o escclher,alndaescolho.Isto, embora parecendc estnnmente formal. tem urna importanciamulto grande, para limitar a fantasía e o capricho.Se é verdade que em faceduma situacáo (por exemplo, a situa~Ao que fazque eu seja um ser sexuado

14 Utilizo o t~rmo como: ~$P~~O dllr~dou ro d~ Itmpo no q.....J Ocomportamtnto t OS costumu dosbom~ns Yo miMo p.adronWdos, sendo lamWm uma cultura .

Textos filosóficos em discuss.lo(1)

Page 69: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

podendo ter relecoes com um ser de out ro sexo, podendo ter filhos) eusou obrígado a escolher urna atitude, em que de toda maneira eu tenho aresponsabilidade duma escotha que, ligando-me por um comprcrnisso. ligatambém a humanidade intei ra, ainda que nenhum valor a priori determineminha escclha, esta nada tem a ver com o capricho; e se se julga encontraraqui a teoria gideana do ato gratuito, é que nao se ve a enorme diferencaent re esta dout rina e a de Gide. Gide nao sabe o que é urna situacáo; ele agepor simples capricho. Para mim, pelo contrarío,°homem encontra-se numasituacá o organizada, em que ele próprio está implicado, implica sua escolhaa humanidade inteira, e nao pode evitar o escolher :ou ele permanece casto,ou se casa sem ter filhos, ou entáo casa-se e tem filhos; de qualquer forma,fara o que fizer, é ímpossível que ele nao assuma urna responsabilidade total

em face deste problema . .,

ohomemescolhe-se em relafiio com os outrosO hornern quando age de determinada maneíra a sua escolha,

escolha livre mas nao gratuita, quando escolhe o projeto, julga, inventa,

cria, ele é responsável pelo que está fazendo, pelo que está projetando,

os outros o ver áocomo ele projetar, mas também com seus julgarnentos ,

já que a acáo é realizadora de moral (p.19).

Podemos, no entanto, julgar moralmente, porque, como já disse, é emface dos outros que escolhemos e nos escolhemos a nós. Podemos julgar,antes de mais (e isto nao é talvez um juízo de valor, mas sim um juízológico), que cenas escolhas sao fundadas no erro e outras na vcrdadc .Pode julgar-se um homem dizendo que ele está de má-fé. Se definimos asituacáo do homem como urna escolha livre, sem desculpas e sem auxilio,todo homem que se refugia na desculpa que inventa um determinismoé um homem de mé-fé. Objetar-se-á: mas por que nao se escolhetia elede má-fé? Respondo que nao tenho que julgá-lo moralmente, mas definosua má-fé como um erro . Ncste ponto nao se pode escapar a um juízo deverdade. A ma-té é evidentemente urna mentira, purque díssimula a tota l

liberdade do compromisso.

A escolha baseada nu ma mentira, por exemplo, ilude o pr óprio

men tiroso, porque este nao escolheu de fato nem verdadeiramente .Assim, escolhe iludir-se e ludibriar a si mesmo, escolhe enganar-se na

má-fé para consigo mesmo e para com o restante da humanidade. Tal

atitude nao desmerece o sentido do existe ndalismo, antes, o demonstra

mais urna vez . Posso escolher mentir, enganar, roubar e mesmo matar,

mas nao poss o escolher enganar a mim mesmo, ainda que a descobertades ta auto-traícáo denuncie urna contradícáo ern termos: nao existe

urna mentira contada por outro para me enganar, se no máximo fui eu

mesmo quem escolheuacreditar nessa men tira.Se a mentira foi contada

de mim para mim, tanto pia r, escolhi tentar enganar-me e, duplarnente,escolhi acreditar ero minha própria mentira.

AliberdadeJá disse mos por diversas vezes que o homem escolhe de acordo

com sua consciencia; nessa escolha , nessa acáo ele cons trói-se, esta acáoé acáo de quem é livre. A liberdade, porém, nao é algo que se possa ter

por si mesma, mas buscamo-la dessa maneira; no entanto, ela mani ­

festa-se quando estamos frente a cada circunstancia particular. Urna

coisa é a liberdade como definicáo, out ra é a liberdade da existencia; ohornem que é o ser-para -si nao é outra coisa senáo esta liberdade, faz-se

como quelra, através de seus at as, constrói-se enqua nto vive, engu antoexiste . E é por existir antes de ser, isto é por sua existencia preceder suaessénc ia que ele é totalmente livre, é livre até e principalmente para se

constit uir, para se realizar, pa ra definir sua essénda, que no entanto

está sempre ern processo, sempre em construcáo , a menos que morra, a

menos que deixe de existir, daí ent áo a liberdade deixa de existi r, daí ele

estará completo (p.19) .

Quando declaro que a liberdade, através de cada circuns tan cia concreta ,nao pode ter outro fim sen áo querer-se a si pr ópria . se alguma vez o homemreconbeceu que estabelece valores em seu abandono, ele já nao pode querersenéo urna coisa - a liberdade como fundamento de todos os valores. Naosignifica isso que ele a queira em abstrato. Quer isso dizer simplesmen teque os atos dos hornens de boa-fé t ém como ultimo significado a procurada liberdade enquanto tal. Um homem que adere a tal sindicato comunistaou revoludon áno quer fins concretos; estes fins irnplicam urna vontade

rv. O EXISTENCJALISMO ÉUM HUMANISMO · SARTRE Textos filosó ficos emdiscussáo(1)

Page 70: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

abstrata da líberdade, masesta liberdade quer-se em concreto. Queremosa liberdade pela líberdade e através de cada circunstancia particular. E,ac querermos a liberdade, descobrimos que ele depende lnteirarnente daliberdade dos outros, e que a líberdade dos cutres depende da nossa. Semdúvida, a liberdade como definicác do homem nao depende de outrem.mas, urna vez que existe a lígaráo de um ccmpromisso, sou obrigado aquerer ao mesmotempominha liberdade e a liberdade dos cutres: sé pos­so tomar minha liberdade comoum fim se tomo igualmente a dos cutrescomo um fim. Por conseq üénda, quando, num plano de autenticídadetotal, reconheciqueo hotnerné um ser no qual a ess éncia é precedida pelaexistencia,que é umser lívre, que nao pode, em quaisquer circunstancias,senáo querer a sua liberdade, reconher¡ ac mesmo tempo que nao possoquerer sen ác a liberdade dos outros. Assim. ern nome desta vontade deliberdade, implicada pela própria liberdade, possc formar jufzos sobreaqcelesqueprocuram ocultar-se a totalgratuidade de sua existenciae suatotalliberdade.

Esses, segundoSartre,estariam escraviaando-se em suas própriasmasmorras, traídos por sua própria fraqueza de nao se desejarem Iivre,enganados pela própria obscuridade de sua visáo que nao enxerga suatotal liberdade e responsabil idade de acáo. Se sou livre, devo ver-mecomo tal , e ver nos outros um refiexo dessa liberdade de que disponho.Urna humanidade livre, responsável, diretamente conseqüente de seus

atos de escolha soberana.Se represento urna d asse social determinada, ou se sou filiado

au sindicato de minha categcria, reallzo, individualmente, o projeto

de toda urna coletividade mais ou menos envolvida em meu projetoindividual. O que nao posso deixar de fazer, enquanto homem livre eser social consciente, é engajar-me de todas as formas pelas quais souchamado a construir meu projeto de ser humano , atuante , político,politizado e cidadáo.

Os ...alores eristencialistasAté o momento vínhamos conversando sobre a acáo do único

existente cuja existencia precede a essénda, esta acáo que é resultantedo projetar-se do hornero, roas que é também fazer-se e escolher-se,

esta forma de existir, agindo como ser-para-si, acaba (como também jávimos) por const ituir a humanídade, acaba por julgar, acaba por valoraros atos e escolhas de outrem, ent áo pode-se dizer que os valores saoinventados pelo homem amedida que ele vive, a vida adquire sentidoenquanto vai-se vivendo, nao há essénda antes disso, nao há senti doantes da vivencia. Agora podemos verificar que os valores, para o enteque é o ser-para-si, sao construidos amedida que se vive, sao definidos ,sao estabelecidos, sem covardia, poís os sentidos, os valores, sao dadosna escolha, e só escolhe aquele que é e que tem consciencia de ser aser-para-si, aquele que na escolha carrega e altera o ser-ero-si, carregaporque existe at ravés dele, altera porque sempre ero processo de busca ,de escolha, de acáo, sempre nega o ser-em-si, fazendo dele algo diferen ­te do que era, posto que sempre está, o ser-para-si, ero projeto , sempreestá em construcáo, em realizacáo (p.21).

A1ém de que, dieer que inventamos os valores nao significa senáo isto: avida nao tem sentido a priori. Antes de viverdes, a vida nao enada; masde vós depende dar-lhe um sentido, e o valor naoeoutra cotsasen ác estesentido que escolherdes. Por isso vedes que ha possíbílidade de criar urnaromunídade humana. Criricaram-me por perguntar se o exístendalísmoera um humanismo. Responderam-me: mas vecéescreveu na Náusea queos humanistas nao tinham razño. Vace trorou de um cerio tipo de huma­nismo,para quevcltar a eleagora? Na realidade, a palavrahumanismo temdoissigni(jLdJu~ uruhu diferentes. Purhumanismo pudeentender-se urnateoria que toma o homem como fim e como valorsuperior. Neste sentidohá o humanismo em Cocteau. por exemplo, quando na sua narrativa AVo/ta ao Mundo em Oitenta Horas. urna personagem declara, por sobre­voar montanhas de aviáo: o hornem é espantoso. Significa ísto que eu,pessoalmente, que nao constru íavióes, beneficiar-me-e¡destas invenróesextraordinarias, e que poderei pessoalmenre. na qualidade de homem,considerar-me como responsável e honrado com os ates particulares dealguns homens. Isso impllcaria que poderíamas dar um valor ao homemsegundoos ates mais altos de certos hornens. Este humanismo é absurdo,porque só o cáoe o cavalo poderiam emitir um julzode conjunto sobre ohomem e declarar que o homem é espantoso, cotsa que eles estáo longede fazer, tanto que se¡... Mas, quantc a um homem, nao se pode admitir

IV; O EXISTENCIALISMO ~ UM HUMANISMO· SARTRE Textos filosóficos emdlscussác

(1)

Page 71: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

que POSs.l emitir um juizo sobre o homem. O existencialismo dispensa-ode todo julgamento deste genero; o exíst encíalís ta nao tomará nunca ohomem como fim, porque ele está sempre por fazer .... O culto da huma­nídade conduz ao humanismo fechado sobre si de Cornre e, enecessariodiaé-lo,ao fascismo.Éum humanismo com o qualnao queremos nada.

Os juízos de valor sao constantemente fundados nu ma per spec­

t iva limitada da acáo humana e, porque nao dizer, num entendimento

limitado daquilo que significa, efetivamente, ser humano. Urna lista

de regras e regulamentos que acabarn por tolher as acées humanas

aproximam o homem da ditad ura, dos regimes total-totalit ários,de urna viséo de mundo engessada, na qual toda acáo corresponde a

um ideário que deva ser correspondido prontamente por aqueles que

praticam efetivamente essas acóes . Ora, é claro que o existencialismo

de Sart re vai rigorosamen te contra essa posicáo, urna vez que trata o

ser humano de um ponto de vista livre, autónomo, ccerente, em que as

responsabilidades individuais visam, sobretudo, ao bem comum.

ohumanismo existencialistaA resultante do projetar-se do hom em faz uro outro humanismo, um

humanismo que considera, que percebe, que o homem está constantemente

em projeto, enquanto ele existe em-si e para-si ele está na busca de suprir

a falta , ele é responsável entáo por sua realizacáo, mas suas acóes sao cau­

sadoras da humanidade, ao fazer-se existir em sua ess énda em processo,

faz e escolhe também a humanidade, entáo ele vive e faz este universo, o

universo humano que ele vive, que ele provoca, que ele póe.Nesse sentido o

existente, o ser-para-si,o existencialista faz o humanismo, este humanismo

real e concreto, que acorre no día-a-día, que está presente em toda a~a.ohu­

mana, com toda sua carga, coro todas as responsabilidades, sem desculpas ,

mas com muita responsabilidade e compromisso, já que compromete toda

hurnanidade ero sua acáo, em seu existir, ero sua realizacáo de ser-em-si,

que nao é atingível senáccom a inexistencia, e numa existencia que só pode

ser humana, que só pode ser num universo humano, este é o sentido do

humanismo existencialista (p.21).

Mas há um outro sentido de humanismo, que significa no fundo isto:o homem está constantemente fora de si mesmo, eprojetando-se eperdendo-se fora de si que ele faz existiro homem e, por outro lado, é

perseguíndo fins transcendentes que ele podeexistir; sendoo homemesta superacáo e nao se apoderando dos objetos senác em referencia aesta superacáo, ele viveno coracá o, no centro desta superacáo. Nao haouu o universo senáo u universo h umano , u universo da subjetividadehumana. É a esta liga~o da transcendencia, como estimulante dohomem ... e da subjetividade, no sentido de que o homem nao estáfechado em si mesmo mas presente sempre num universohumano, é

a íssc que chamamoshumanismoexistencialista. Humanismo, porquerecordamos ao homemque nao ha cutre legislador alémdele próprio,e que eno abandono que ele decidirá de si; e porque mostramosqueissc se nao decidecom voltar-separa si, mas que procurandosemprefora desi umfim- queé tal líbeztacáo, tal realíaacác particular - queo homem se realizará precisamente comoser humano. (...) O existen­cialismo nao é senác um esfcrcc para tirar todas as conseq üénc ias

duma pcskáo atéía coerenre. Tal ateísmo nao visade maneira algumaa mergulhar o homem no desespero. Mas se se chama desespero,comofazem os cr istáos, a toda a atitude de descrenca. nossa posicáo

at éia parte do desespero original. O existenc jalismo nao ede modoalgum um ateísmo no sentido de que se esforca por demonstrar queDeus n áe existe. Ele declaraantes: ainda que Deus existisse, em nadaalteraría a questáo; esse é nosso ponto de vista. Naoque acredi temos

que Deus exista; pens.lmos antes que o problema náo está ai, no desua existencia: é necessario que o homem se reencontre a si próprio ese persuada de que nada pode salva-le de si mesmo,nem mesmo urnapreva válida da existenciade Deus. Neste sentido,o existencialismo é

um otimismo,urna doutrina de a¡;:ao...

Oti mismo na exata medida em que coloca o hornem como único

senhor e artífice de seu próprio destino. Nao é um Deus soberano quem

alimenta os planos de ascenséo in dividual do homem, nem é esse mesmo

Deus quem cria para a humanidade um futuro de delicias, seja na pr ópria

exíst énda terrena de que dispomos, seja num mundo futuro no além.

A vida é aqui, agora, está aí pra ser feita, está aí para ser vivida .

Cabe apenas e tao somen te ao ser humano colocar-se como senhor

soberano de sua própria existencia , de nao esperar pela bondade divina,

Iv. o EXISTENCIALlSMO ÉUM HUMANISMO-SARTRE Textosfilosóficos emdiscussáo(1)

Page 72: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

nao sonhar com a divin a providencia. Cabe apenas ao ser humano ter

a forca de vontade para fazer sua própria historia, enquan to ser pen­

sante. capaz de cons truir todo um mundo de slgnificacóes, completo e

pulsante, por meio de seu projeto.

Ha muitos livros de comentadores da doutri na de Sartre. dentre

eles destacam-se como comentadores de expressáo, no Brasil . Gerd

Bomheim, Paulo Perdígáo. este último escreveu in Existéncia &

Liberdade: "Os sistemas de dominacáo procuram ocultar a verdade

intolerável do existencialismo" p.26.

IVA CONCLUSÁO

De tuda o que lemas podemos afirmar que o homem nao e s6

existencia objet iva, nao existe somente como ser-em-si, nas palavras de

Sartre. ele e também consciencia, e o projeto, é o projetar-se, entáo faz

parte do hornero este mundo subjetivo, que e um mundo humano, seudo

só este mundo humano o existente, posta que quem póe o mundo, quem

organiza o mundo e o homem. E ac tomar consciencia, ao perceber-se

assim, ac ver-se ern sua existencia consciente. ele se conquista em sua

plena liberdade e toma-se senhor de si, e o ser-para-si.

Quando ajo. nao como quera, dessa forma (conscie nte de mim) ,

mas qua ndo faco exatamente como os outros esperam que eu faca, por

submissáo, por alienaráo, acorre aí um erro - ama-fe. pois vejo-me eporto-me pelo outro, como o ou tro espera que seja, - e a a~ao é sem au­

tentlddade, é somente a acáo do existente. do ser-cm-si. o qual, segundo

Sar tre, e o absurdo. Mas para ter o controle e pa ra viver a existencia de

man eira plena, tem o homem que ass umir seus atas e dirigí-los, com

responsabilidade e corn a con sciencia de que em agindo assim estará

realizando el. liberdade.

Senda assim o hornem é res ponsével por sua liberdade, por sua

acáo, ele existe e tem que dar conta des ta existencia, tem que da r canta

dos costumes , tem que dar canta da moral, tem que dar canta da Ética,

tem que fazer-se , tem que fazer a huma nidade , entáo, assim, ele pode,

ele está na condkác e em condícaode realizar a utopia, faaer um mundo

melhor com a máxima liberdade hu mana.

Por isso a obra O existendalismo é um humanismo é urna

necessidade e um pretexto para que comeremos a refíexáosobre nossa

existencia. nossas acóes e sobre a humanidade e ainda sobre as coisas

que estáo ocorrendo no mundo. O hornem e o único responsável por

tuda, o que de bom e de ruim estiver ocorrendo no mundo. visto que

esteé o seu mundo, fruto de sua ac áo, de sua ccnstrucáo.

A acáo do ser-pa ra-si e consciente. e formado ra de objetivos e

caminhos, é formadora de significado, e esta consciencia está na base

da formarác dos valores e dos compromissos; o maior dos valores para

o existencialismo é a Liberdade, ent ác a acác do ser-para-si só pode ser

totalmente livre; se assim ele agir, ele estará pleno de existencia e essén­

da senda que ambas (ess éncía e existencia) sao inseparáveis quando o

ser-para-sí está em sua plenítude: no entanto ele só é totalmente livre

(pleno), se o outro também o foro e a escolha do ser-para-si. implicando

toda a Hum anidade. "Assím nao há atrás, nem a frente de nós, no

do mínio luminoso dos valores. justificativas ou desculpas. Nós estamos

sós, sem desculpas. É o que exprimirei dizendo que o homem e/está

condenado a ser livre" (SARTRE,20D0, p.39).

Estes des taques, todos. que fizemos do texto do Sartre, bem como

os comentários nao excluem a necesstdade . para urna compreensáo

própria e mais completa. de leitura do texto integral. É somente urna

man eira de darmos urna aproximad a as quest óes postas por Sartre, até

porque seu texto possui muitos períodos longos o que as vezes dificulta

a sustentaráo de sentido, di ficultando ent áo o entendimento; nada, pa­

rém, que nao se resolva com urna segunda ou terceira leitura do trecho

em questáo. Esperamos que este trabalho seja de alguma valia pa ra os

estudantes.

IV. o EXISTENCIAl.ISMO ~ UM HUMANISMO - SARTRE TfXIOS filosóficos em discussáo

(1)

Page 73: HORN (org.). Textos filosóficos em discussão I

IV. 5 INDlCA<;:AO DE FILMES

Amarela manga

Este filme brasileiro apresenta questóes existencialistas , que

sempre envolvem as pessoas ao redor. Varias person agens busca m atra­

vés de armadilhas e víngancas ati ngir sua próp ria felicidade. O título é

a cor predominante nas cenas, representando uro amarelo he pático e

pulsante.

Cena importante: Como o filme tem muitas personagens nao há

urna cena só que se destaque, mas siro as seq üéncias das cenas, apresen­

tanda acóes e atitudes que sao tomadas devido a outras acóes. Como aseqüéncia queocorrequandoa esposade urna daspersonagens descobrepor urna carta de outra personagem que seu marido a trai. Ela toma

atitudes que envolvem a que mandoua carta, o marido,a amante e umdesconhecido. Este filme mostra exatamente o que Sarte apresentou no

texto, quando vivemoslexistimos afetamos os outros a nossa volta, seja

positiva me nte ou negativamente: o exístendalismo é um humanismo,

do que basta existir paraser.

Out ros filmes que abordam o tema:

- lhe Wall- O fabuloso destino de Amelie Poulain

REFERENCIAS

SARTRE. Jean-Paul - O eri.tencialismo eum huma nis mo. Os Pensadores ,

Abril Cultural (Editor Victor Civita), selecsc de textos de José América MottaPessanha, t radur óes de Vergilio Ferreira, Luiz Roberto Salinas Fortes, BentoPradoJúnior, 510 Paulo, 1978.

_ _ --,--=-:::_--;- L' eKÍStentiali.me e.t um humanisme, Collectíon folioessais, Gallimard, París, 2000.

BORNHEIM, Gerd - SARTRE. Debates, Pücscfa. 3&ed. 2&reimpr.. EditoraPerspectiva S.A., S10 Paulo, 2000.

COHEN·SOLAL, Annie - SARTRE, Biografias, L&PM Editores. traduráo dePaulo Neves. Porto Alegre, 2005.

PERDIGAD, Paulo- EXISTENCIA& LlBERDADE: Urna introdufio afilosofia de Sartre, L&PMEditores, Porto Alegre. 1995.

IV. O EXISTENCIALI$MOEUM HUMANISMO- SARTRE T..xtos filosóficos ..mdiscussáo a:U:=:I(1)