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Houve aplausos, abraços e
telegramas de parabéns.José Alberto Carvalho
terminou o Jornal da Noite
com um vaso deflores na
mão. Antes, chorou com
Rangel, por Lucília Calha
M Ninguém ficou no lugar. Quando, à hora
certa, o hino da SIC arrancou, todos se junta-ram em frenteàstelevisóes. Cantavam em coro
e houve uma primeira salva de palmas na
redacção. "Então, não dançam?" perguntou,entusiasmado, o presidente do Conselho de
Administração da SIC, Francisco Pinto Balse-
mão. Alguns fizeram-no.
Por pouco, a música que apresentou a SIC
ao Pais não ficava pelo caminho. O hino, con-
cebido na Globo, tinha sido trazido do Bra-
sil dias antes pelo então director de Informa-
ção e de Programas da SIC, Emidio Rangel. No
aeroporto, Rangel teimou com os seguranças:não queria que a cassete passasse na máqui-na de raios X; tinha medo que estragasse a
gravação. Disse-lhes: "Isso é uma gravaçãodo hino da estação privada que vai abrir em
Portugal." Não resultou: a discussão subiu
de tom, os seguranças zangaram-se e obriga-ram-no a passar. "Quando cheguei a Lisboa,
a primeira coisa que fiz foi ver se estava tudo
bem", conta à SÁBADO.
Quando o hino terminou, fez-se silêncio.
Os estúdios estavam a ser estreados nessa
terça-feira, 6 de Outubro, ainda havia fios portodo o lado e cabos por esconder. Os berbe-
quins pararam para não interromperem a
emissão. Passou o genérico do telejomal e o
jornalista Ricardo Costa avisou: "É agora!"Só então apareceu Alberta Marques Fernan-
des, com um tailleur cor de cereja. As suas
primeiras palavras foram: "Boa tarde! Estu-
dantes de luto contra as propinas." Seguiu-se uma explosão de alegria: aplausos, abra-
ços e muitos parabéns.Este primeiro momento não foi transmi-
? tido em directo. Por receio de que algo corres-
se mal, Emídio Rangel, José Fragoso e MiguelMonteiro (da equipa de coordenação de In-
formação) entraram na régie às i6h para gra-var o primeiro bloco noticioso. Tudo na pre-
paração do noticiário tinha sido escrutinado,
até os textos da pivô. "Eram três ou quatro
pessoas à volta do texto e, no fim, ainda se
chamou o Emídio Rangel", conta à SÁBADO
Alberta Marques Fernandes. A pivô, então
com 24 anos, só soubera na semana anterior
que ia abrir a estação. 0 director de Informa-
ção manteve a decisão em segredo quase até
ao fim. "Nunca justificou porque me esco-
lheu, mas algumas pessoas da equipa confi-
denciaram-me que ele disse qualquer coisa
como: 'Tenho uma angolana com uma voz!'"
Alberta ficou dentro do estúdio até a emis-
são terminar. Já quase no fim desse noticiá-
rio, ouviu-se na redacção um comentário so-
bre a pivô: "Ela, que é gordinha, até fica mais
magra. Não costuma ser assim."
M Primeiro susto: um solavanco. A seguirao jornal, a emissão parou por segundos e
ficaram todos em suspenso. Sentado à fren-
tedeuma televisão, José Alberto Carvalho sol-
tou um "ai! "e levou as mãos à cabeça. Perce-
beu-se logo que fora uma falha na cassete e
tudo se recompôs.
Começaram a chegar à SIC os primeirostelegramas de parabéns. De uma pilha de
dezenas, Miguel Sousa Tavares, David Bor-
ges e Sérgio Ferreira Borges assinavam os
primeiros. Também houve cartas. Umacontinha um charuto havano e um bilhe-
te escrito por mão própria, felicitando Emí-
dio Rangel.Tomás Taveira, o arquitecto responsável
pelos cenários, comentou: "Estou safo! Os
cenários não caíram." Minutos depois, Fran-
cisco Pinto Balsemão entrou na redacção à
procura de Alberta Marques Fernandes.
Quando os dois se encontraram, tiveram
de repetir o cumprimento duas vezes paraos jornalistas captarem o momento. Ater-
Os que saíram antesde a SIC ir para o arFORAM CONVIDADOS POR EMÍDIO RANGEL
MAS SAÍRAM ANTES DA ESTREIA DO CANAL
MIGUEL BARROSO. Fez parte do pri-
meiro grupo a ser chamado por Emídio
Rangel para a SIC, com Miguel Montei-
ro e José Fragoso. Mas regressou à
RTP antes de 6 de Outubro.
MARIA ELISA. Foi convidada logoem Março de 1992 para a direcçãode Programas. Ainda chamou
Catarina Furtado para apresen- A
tar a Hora MTV. Contudo, sairia jfllogo depois, por "incompati-bilidade com o projecto ou
com as pessoas", recorda .
Miguel Monteiro. ;
ceira, o patrão da SIC disse, bem disposto,
em frente às câmaras: "Já estão a abusar."
§¦ "A partir de hoje não têm desculpa, só se
quiserem é que vão perder as últimas novida-
des discográficas. AHom MTV invade o espa-
ço." Com estas palavras, Catarina Furtado foi
a segunda a aparecer na emissão de estreia. A
apresentadora ficou eufórica ao ver as primei-ras imagens. O seu programa tinha sido gra-vado na véspera. Contudo, passou com uma
gafe:o Festival de Reading, um evento demúsi-
ca, em Inglaterra, apareceu traduzido à letra
como se fosse um "Festival de Leitura".
¦i Houve novo bloco noticioso com Alberta
Marques Fernandes. Assunto do dia: primei-ras eleições em Angola. A jornalista Cândida
Pinto estava em Luanda desde Setembro a
cobrir o acontecimento.
Enviar as primeiras imagens a tempo (e
em condições) para a estreia da SIC não foi fá-
cil. Razão: um boicote. "Tínhamos de enviar
os trabalhos via satélite através da televisão
pública de Angola, que tinha um acordo
I com a RTP. Todos conseguiam enviar mas,l quando chegava a nossa vez, havia uma
avaria. Isto aconteceu uma, duas vezes,até que percebemos que nos estavam a
Quando se ouviu o hino, jornalistas e
apresentadores reuniram-se em frente à televisão
boicotar", conta à SÁBADO.
A partir de então, a jornalista e o repórterde imagem Renato Freitas começaram a fa-
zer uma viagem de 40 quilómetros até à es-
tação, onde podiam enviar as imagens semintermediários. Como o país estava instável,
esse percurso era de alto risco: "íamos mui-to rápido e só parávamos quando nos apon-tavam armas ", conta Cândida Pinto. Aconte-
ceu algumas vezes: numa delas, um militaralcoolizado meteu- se dentro do carro dos jor-nalistas e deixou resvalar a kalashnikov paraas costas do câmara da SIC. "Tive de ir toda a
viagem com o braço a desviá-la, com os se
lavancos havia o perigo de dis-
parar", diz Cândida Pinto.
Apesar dos contratempos,no dia 6 de Outubro de 1992(número eleito por Francisco
Pinto Balsemão para iniciai
os seus projectos; o Expresso,
o PSD e a Caras também co-
meçaram num dia 6), as re-
portagens de Angola foram
exibidas como planeado
M Nuno Santos e Júlia Pinheiro apresenta-ram o Praça Pública - um programa de infor-
mação com pequenas histórias, uma espéciede precursor do Nós por Cá. A apresentadora
apareceu no ecrã com um tailleur amarelo. "Vaisentir-se contagiado com a felicidade dos
outros, sorrir, recordar o que já esqueceu,conhecer de facto o que se passa à sua volta.
Vai ver e ouvir porque está no Praça Pública",disse. Hoje, 20 anos depois, brinca: "Curiosa-
mente, nessa altura falava baixo. Mas aquela
apresentação era uma coisa de deitar as mãosà cabeça. Estávamos demasiado sérios." ?
Paulo Nogueira, pivôdo Último Jornal, e o
jornalista António
Cancela acertam os
pormenores para o
bloco noticioso que
passou depois da
meia-noite
Para poder enviarimagens deAngola, CândidaPinto e RenatoFreitas viajaramna companhia deuma kalashnikov
Tornai a informação mais próxima do es-
pectador fazia parte da estratégia do novo ca-
nal. "A RTP ainda fazia as coisas como no
tempo do fascismo. O cidadão comum não
punha lá os pés", diz Emidio Rangel.
A imagem com cores berrantes também
era propositada. Pivôs e apresentadores fo-
ram seleccionados de acordo com determi-
nados parâmetros, como a simetria dos seus
rostos. "Foram feitas máscaras de gesso com
as suas caras para se estudar cortes de cabe-
lo, expressões, etc", conta à SÁBADO Emí-
dio Rangel. Também fizeram cortes e trata-
mentos de cabelo e estavam proibidos de
usar a própria roupa no ecrã.
Ao fim da tarde, houve um novo alvoroço
na redacção, por causa de um telex da Agên-
cia Lusa. "Dizia que o lançamento da SIC ti-
nha sido noticiado na China. Fizemos umafesta! Ainda o tenho guardado aqui numa
gaveta", conta Miguel Monteiro, então coor-
denador da Informação da SIC.
M A escolha de José Alberto Carvalho para
pivô do Jornal da Noite foi decidida muito
cedo."Lembro- me de um encontro ainda no
inicio de Abril desse ano. Estávamos a tomar
um café, houve um momento em que o Zé
Alberto saiu e o Rangel me disse ao ouvido:
'Podem escrever os nomes que quiserem,
quem vai apresentaroprincipal jornal da SIC
é o Zé'", conta à SÁBADO Miguel Monteiro.
Na altura, havia muita especulação na
imprensa sobre o assunto. Falava-se em
Rangel insistiu em José AlbertoCarvalho para pivô. Diz queBalsemão queria Sousa Tavares
Miguel Sousa Tavares e em José Rodriguesdos Santos. Rangel admite que teve algumas
guerras internas por causa desta escolha:
"Balsemão achava que o pivô da SIC devia
ser o Miguel e eu achei que não. "
O jornal da Noite foi o primeiro progra-ma em directo da estação. Era, por isso, o
momento mais aguardado. "Eu estava numestado de profunda tensão, embora tentas-
se disfarçar. Era uma espécie de prova dos
nove", recorda José Alberto Car-
valho. Tudo estava a ser estrea-
do. "Acho que o cenário do Jor-
nal da Noite foi acabado no pró-
prio dia. Ainda faltava pintar a
mesa, ou algo importantíssimo",diz Miguel Monteiro.
Quando o noticiário arrancou, os jorna-listas reuniram- se atrás do vidro - que se-
parava a redacção do estúdio. Acabou por se
tornar um ritual. "Era sagrado: a redacção
parava para ver o Zé Alberto. 0 realizador
passava o tempo a dizer-nos pelo interco-
municador para sairmos dali, que não fazía-
mos parte do cenário", recorda o jornalistaAntónio Cancela.
Rodrigo Guedes de Carvalho fez uma das
reportagens mais memoráveis da noite:
uma entrevista com Diego Maradona, na
altura uma das maiores estrelas do futebol
mundial. Foi a Sevilha com a indicação de
que a produção da SIC lhe tinha assegura-do uns minutos de conversa - que armai
Conceição Lino, com Júlia Pinheiro e Nuno
Santos, os apresentadores do Praça Pública
A redacção assistiu atentamente ao
primeiro bloco noticioso, com Alberta
Marques Fernandes; Pinto Balsemão
esteve sempre na redacção
não se confirmaram. A entrevista só foi con-
seguida com muita persistência: jornalis-ta e repórter de imagem esperaram das 22h
às 4h no hotel onde o futebolista ficou hos-
pedado. Sem garantias de que ele falasse.
Ao fim desse tempo, Maradona apareceucom um charuto entre os dentes e conce-
deu-lhes 30 minutos. "Comecei a explicar,
atrapalhado, quem éramos e ele interrom-
peu-me: 'Eu não te conheço?' Em 1989,
quando esteve em Lisboa a jogar contra o
Sporting, entrevistei-o e lembrava-se de
mim", conta o jornalista incrédulo. Rodri-
go Guedes de Carvalho ficou com tanto ma-terial que, no próprio dia da emissão, ainda
estava a montar a peça.Quando o jornal acabou, tanto os repórte-
res de imagem no estúdio como os coorde-
nadores na régie estavam emocionados. "En-
traram várias pessoas para dentro do estú-
dio, o Balsemão, o Rangel, e ficámos ali
abraçados a chorar", lembra José Alberto Car-
valho. Mais interno ainda foi o momento quese seguiu: quando saiu dessa sala, o pivô foi
recebido pela redacção em peso. Pegou numvaso com flores que havia ali perto e ergueu--0 como se fosse um trofeu. "Foi o descontro-
lo total", recorda.
Três horas depois, a emoção repetir-se-iauma última vez com o jornal apresentado
pelo Paulo Nogueira. Encerrou com uma re-
portagem sobre o alargamento do metro.
¦I A emissão terminou como abriu, com o
hino. Parte da equipa foi festejar para a 24 de
Julho; outros preferiram o Bairro Alto. Alberta
Marques Fernandes optou por um jantar tar-
dio no restaurante Snob, com o namorado da
altura. "Ofereceu-me umrelógio Gucci que eu
andava a cobiçar há muito tempo", conta. •