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Vicente Estevãm Sandeski HUMANISMO: UMA CONCEPÇÃO ÉTICA DA EDUCAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Universidade de Passo Fundo, como requisito parcial para obtenção do título de MESTRE em EDUCAÇÃO, sob a orientação do Prof. Dr. Ricardo Rossato Passo Fundo 2006.

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Vicente Estevãm Sandeski

HUMANISMO: UMA CONCEPÇÃO ÉTICA DA EDUCAÇÃO

NA CONTEMPORANEIDADE

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Universidade de Passo Fundo, como requisito parcial para obtenção do título de MESTRE em EDUCAÇÃO, sob a orientação do Prof. Dr. Ricardo Rossato

Passo Fundo 2006.

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CIP – Catalogação na Publicação ___________________________________________________________________ S215h Sandeski, Vicente Estevãm Humanismo : uma concepção ética da educação na contemporaneidade / Vicente Estevãm Sandeski. – 2006. 150 f. ; 29 cm.

Orientação: Prof. Dr. Ricardo Rossato.

Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade de Passo Fundo, 2006.

1. Homem. 2. Ser. 3. Modernidade.

4. Ética. I. Rossato, Ricardo, orientador. II. Título. , , ética,.

CDU : 37.015.4

___________________________________________________________________ Catalogação: bibliotecária Jucelei Rodrigues Domingues - CRB 10/1569

2

Aos meus filhos, Rafael e Ana Caroline, e à minha esposa Adnilra, companheiros nesta empreitada, e com gestos de compreensão e carinho me proporcionaram a realização desse mestrado.

3

A Deus, por ter me dado força para concluir este trabalho. Aos meus pais Inez e Victório (in memorian), pela vida e pela educação. Aos meus irmãos Roque, Alcides, Margarida e Otto (in memorian), pela torcida, carinho. Ao meu orientador Prof. Dr. Ricardo Rossato, pela acolhida, por acreditar em mim e acompanhar-me nesse processo de orientação, desafiando, impulsionando: a minha gratidão. Ao Prof. Dr. Agostinho Both, pela disponibilidade com que acompanhou e colaborou e pelas sugestões. Ao Prof. Dr. Euclides Redin, pelas sugestões e por sua disponibilidade em colaborar com o trabalho. Aos professores do Programa de Mestrado em Educação da UPF, meus agradecimentos. Aos colegas de turma do mestrado 2004, por fazerem essa caminhada comigo. À Universidade de Passo Fundo, pelo apoio e pela oportunidade desta capacitação docente. À Universidade Federal de Santa Maria – Colégio Agrícola de Frederico Westphalen, CAFW/UFSM, pela viabilidade e incentivo à capacitação de docentes. Agradeço à direção e colegas – professores, funcionários e alunos - do Colégio Agrícola de Frederico Westphalen da UFSM pelo apoio a realização desse mestrado.

4

“Sempre achei que o menos que um escritor pode

fazer, numa época de violências e injustiças como

a nossa, é acender a sua lâmpada, fazer luz sobre

a realidade de seu mundo, evitando que sobre ele

caia a escuridão, própria aos ladrões e aos

assassinos. Segurar a lâmpada a despeito da

náusea e do resto. Se não tivermos uma lâmpada

elétrica, acendamos o nosso toco de vela ou, em

último caso, risquemos fósforos repetidamente,

como um sinal que não desertamos nosso posto”

(Érico Veríssimo).

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO............................................................................................................... 09

1.1 A vida é uma aprendizagem constante........................................................................ 09

1.2 Questões norteadoras................................................................................................... 27

1.3 Objetivos...................................................................................................................... 27

1.4 Metodologia................................................................................................................. 29

2 DOS CLÁSSICOS À PÓS-MODERNIDADE ............................................................. 32

2.1 Os textos clássicos ..................................................................................................... 32

2.2 Início do renascimento: revisão do mundo grego........................................................ 34

2.3 Iluminismo .................................................................................................................. 43

2.4 Das Humanidades ....................................................................................................... 46

2.4.1 Conceituação de Humanismo ............................................................................ 46

2.4.2 Humanismo e Contemporaneidade .................................................................... 48

2.4.3 Homem .............................................................................................................. 50

2.5 Racionalidade Moderna .............................................................................................. 53

3 HUMANISMO GLOBALIZAÇÃO/PÓS-MODERNIDADE .................................... 58

3.1 Pós-Modernidade: negação das verdades ................................................................... 61

3.2 O Brasil na Pós-Modernidade .................................................................................... 69

3.3 Homem, sociedade e educação ................................................................................... 72

3.4 Educação para a solidariedade .................................................................................... 74

3.5 Novos paradigmas ...................................................................................................... 77

4 EDUCAR = HUMANIZAR ........................................................................................... 83

4.1 Humanismo e Educação ............................................................................................. 83

4.2 Conceituando Educação ............................................................................................. 90

6

4.3 Educação como resgate do Humanismo ................................................................... 95

4.4 A Universidade ......................................................................................................... 98

4.5 A formação docente .................................................................................................. 103

4.5.1 Possibilidades .................................................................................................. 107

4.6 A ética ....................................................................................................................... 115

4.7 A ética em Aristóteles ............................................................................................... 117

4.8 Compreendendo a ética ............................................................................................ 123

4.9 A ética e a globalização ............................................................................................ 130

CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 134

BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................. 144

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RESUMO

A educação ocupa cada vez mais espaço na vida das pessoas e é um processo a

longo prazo, em que a pluralidade de objetivos é uma característica indispensável. Ela

constitui o vínculo entre o passado e o futuro de nossas sociedades. Aquilo que fazemos

hoje será determinante para o tipo de sociedade que desejamos ver instaurar-se, tanto no

que se refere aos seus valores quanto ao bem-estar material e cultural de seus cidadãos. A

educação para a sociedade contemporânea deve projetar no futuro a imagem dessas

sociedades e antever as qualidades que as mulheres e os homens terão de ajudar a

construir. Para isso, ela deve não apenas reagir, mas também agir, fundamentada na ética e

na justiça, portanto, esse é um dos princípio que se propõe entender sobre a educação ao

longo desta dissertação. Trata-se de uma necessidade absoluta, se quisermos nos precaver

contra os efeitos indesejáveis do predomínio, em nossa sociedade, da tecnologia, da

concorrência e das mídias, pois, se não tomarmos cuidado, elas podem levar à

“desumanização” dos valores e da cultura. A questão não é rejeitar o progresso científico e

técnico, mas, ao contrário, zelar para que ele se incorpore de forma harmônica ao tecido

social e cultural e aos valores essenciais do ser humano, cuidando para que as diferenças

não aumentem as desigualdades. Nesta época, caracterizada pelo rompimento dos valores e

estruturas da família e da sociedade, a educação ainda é o meio de reconstruir esse tecido

social, originando um novo Humanismo, centrado no “tornar-se humano” nas relações, no

“viver humano”. Para tanto, nesta pesquisa, a ética é entendida como um processo de

construção do homem, que irá orientar as atitudes, a fim de não sucumbir à reificação de

um mundo globalizado, que acentua o econômico, a fragmentação e a exclusão. O

Humanismo, numa concepção ética, não irá se resumir em definições, mas num modo

fundamental de existir, em um modo de ser, um modo de estar no mundo.

Palavras-chave: Homem, ser, ética, modernidade.

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ABSTRACT

The education occupies more and more space in people's life and it is a long term

process which the plurality of objectives is an essential characteristic. It constitutes the link

between the past and the future of our societies. That we do today will be decisive for the

kind of society that we want to see to establish, as well what it refers to their values as to

their citizens' material and cultural well-being. The education for the contemporary society

should project in the future the image of those societies and before the qualities that

women and men will have to help build. So that, it should not just react, but also to act

based in ethics and in justice, however that is the principle that it intends to understand

about the education along this dissertation. It refers of an absolute need, if we want to

guard against the undesirable effects of the prevalence in our society of the technology, of

the competition and of media, so, if we don't take care, they can take to the

"unhumanization" of the values and of the culture. The subject is not to reject the scientific

and technical progress, but the opposite, to care so that it incorporates itself in a harmonic

way in the social and cultural and in the human being's essential values, being careful so

that the differences don't increase the inequalities. In that time characterized by the

breaking of the values and structures of the family and society, the education is still the

way to rebuilding that social fabric creating a new humanism that is centered in becoming

human in the relationships, in the human living. For so much in that research the ethics will

be understood as a process of the man's construction, that will guide the attitudes in order

to not to give in to the reification of a globalized world that accentuates the economical,

the fragmentation and the exclusion. The humanism in an ethical conception won't

summarize in definitions, but in a fundamental way of existing, in a way of being, a way of

being in the world.

Word-key: Man, being, ethics, modernity.

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INTRODUÇÃO

O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta, esfria, aperta e daí afrouxa, sossega depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem. O que Deus quer é ver a gente aprendendo a ser capaz de ficar alegre e mais, no meio da alegria, e ainda mais alegre no meio da tristeza. O certo era a gente estar sempre bravo de alegre, alegre por dentro, mesmo com tudo de ruim que acontecesse, alegre nas profundas. Podia? Viver é um negócio muito perigoso, porque ainda não se sabe, porque aprender a viver que é viver mesmo. Uma das coisas mais importantes da vida é isso: que as pessoas não estão acabadas mas estão sempre mudando. Afinam, desafinam, verdade maior foi a vida que me ensinou. Mestre é aquele que de repente aprende (Guimarães Rosa).

1.1 A vida é uma aprendizagem constante...

Digo: o real não esta na saída, nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia (Guimarães Rosa).

Trazer ao debate o tema Humanismo, como uma proposta para a educação na

dinamicidade e complexidade atual, é propor uma reflexão que tem como pedra angular o

antropocentrismo. Entendo que só ocorrerá um desenvolvimento, sendo priorizado esse

elemento central que é o homem, frente aos diversos cenários sociais, políticos e

econômicos. A recuperação da concepção histórica dos gregos até alguns fatos marcantes

do presente, proposta nesta pesquisa, não significa prender-se simplesmente ao passado,

numa atitude saudosista; ao contrário, busca-se compreender o processo de construção do

conhecimento humano a partir do humano, em uma perspectiva dialético-reflexiva. Nesse

sentido, faz-se necessário, com base em problemáticas do presente, imergir em elementos

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do passado para melhor compreendê-las e, por conseguinte, conjecturar possibilidades para

o futuro, mesmo que estas sejam utopias.

O objetivo desta pesquisa será entender o Humanismo numa concepção ética no

contexto atual, tendo a educação como possibilidade de resposta às situações. Estará sendo

tomada a ética como linha norteadora do comportamento humano, a qual possibilitaria uma

educação humanística.

A breve existência com a terra só terá sentido se houver a aprendizagem, a

transformação, pois, como diz Bombassaro (2004, p. 08), “não nascemos humanos, mas

nos transformamos humanos com o outro, nas relações”. No p assado, nós encontramos

nosso ponto de partida, a origem de nossos pensamentos, que só terão sentido enquanto

movimento. O movimento é vida, arte, cultura, é transformação, e como dizia Raul Seixas,

“eu prefiro ser uma metamorfose ambulante”. Hobsbawm (2000, p.13) também afirma que

“determinada etapa histórica não é permanente, que a sociedade humana é uma estrutura

bem-sucedida porque é capaz de mudança e, assim, o presente não é seu destino final”.

Esses pensamentos me sugerem uma experiência bem particular, que me leva a

refletir e a me interessar sobre o tema do Humanismo numa ótica educacional. Inicio

minha trajetória de vida, partindo de princípios simples de vida na década de 60, cercados

de necessidades e dificuldades, mas, nem por isso, distantes de princípios morais familiares

de respeito ao ser humano, mas, em todos os momentos, contendo gestos humanos típicos

da vida simples do interior.

A vida pobre e simples do interior, em momento algum, inviabiliza ou possibilita

maior ou menor grau de moralidade e princípios éticos, com isso, acredito no poder que

emerge da educação, na dignidade e ética vinda pelos sentidos, da percepção de como as

coisas são, de como se percebe e de como se aprende. A percepção de que a educação não

se resume em uma instância delegada a educadores em escolas, mas é também junto a isso,

um processo que se dá ao longo da vida, iniciado no meio familiar, social e ocorrerá ao

longo da vida.

Provenho de uma família católica, praticante, de princípios religiosos intensos e em

que se acentuam normas e crenças presentes na religiosidade popular. Na década de 70,

ingressei no seminário franciscano, na Ordem dos Frades Menores Conventuais, e, por

doze anos, convivi com os frades, sendo um deles. Os muitos princípios humanos que

trago são provenientes dessa rica experiência de vida.

Posteriormente, na década de 80, após ter deixado a vida religiosa, parto para uma

experiência de sobrevivência em São Paulo e Curitiba, uma descoberta de um universo

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muito rico e de muitas análises de grande valia para a formação e crescimento do eu

itinerante próprio da natureza humana. Na seqüência, por um período de cinco anos,

mergulho em um universo cultural totalmente diferente do até então conhecido, o norte do

país, mais precisamente o estado do Amapá. A experiência me proporcionou uma revisão

de certos conceitos e de vida, além de grandes e ricos conflitos.

Não bastando essas grandes diferenças culturais, busco uma outra extremidade, o

sul do país, no Rio Grande do Sul, onde trabalho, vinculado à Universidade Federal de

Santa Maria, no Ensino Médio do Colégio Agrícola do município de Frederico

Westphalen.

Minha experiência pedagógica, isto é, minha atuação docente, iniciou como

catequista, com a formação de lideranças jovens e Comunidades Eclesiais de Bases no

ABC Paulista. Também trabalhei com catequese familiar e formação de seminaristas,

enquanto docente na região metropolitana de Curitiba e no norte do país, pelos oito

municípios do estado do Amapá, e, por fim, na capital, Macapá. Há quatorze anos venho

trabalhando no Colégio Agrícola de Frederico Westphalen, como professor, e junto à

comunidade, com trabalhos sociais. Desempenhei a função de Diretor Geral nesta

instituição de ensino por um período de seis anos, o que me possibilitou uma visão

completa do trato e das relações humanas, assim como suas expectativas.

A minha diversidade de atuação enquanto professor e viajante desse mundo,

nenhuma delas distante da relação com o ser humano, levaram-me a refletir a dimensão do

ser e suas relações no contexto com o outro e com o mundo. Percebi, a partir de mim

mesmo, as inúmeras e múltiplas transformações que ocorreram.

Fazendo uma viagem ao universo da experiência de forma mais detalhada, vou

explicitar o que poderia nortear e sustentar as razões de refletir sobre o tema da

especificidade humana, o Humanismo, pelo fato de não haver como duvidar de que a

riqueza dos escritos, dos testemunhos de vida, é um estilo de reflexão e filosofia, e

conforme a problemática do homem contemporâneo, estes constituem um elemento de

orientação, como um farol a iluminar constantemente a trilha de nossa existência.

Em minha experiência, no contato com a estrutura social de norte a sul do país,

após ter saído de uma vida de seminário, fiquei um longo tempo desempregado, batendo de

porta em porta, para desempenhar funções insignificantes, e cada oferta continha

exigências e requisitos esdrúxulos. Hoje isso me possibilita refletir sobre algumas das

bases de equilíbrio humano e cultural, de valoração do indivíduo enquanto sujeito de sua

história, de seus sonhos, metas e utopias.

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O desemprego é uma situação que merece ser melhor explorada em nossa

sociedade, pela existência de um percentual elevado de desempregados, e por sua

implicação na vida do indivíduo, de caráter moral, ético, econômico e familiar. Isso leva a

um desajuste das estruturas que mantêm um sistema. Poderíamos retroceder na história,

pois muitos dos grandes conflitos da humanidade são provenientes de algum desajuste

social ou desequilíbrio econômico, propiciando novos rumos. A situação de desemprego

enquanto experiência, os longos dias e horas nas filas de emprego, que o sistema me

impôs, foram válidos. Isso possibilita uma fala relevante e significativa, proveniente deste

conhecimento de uma realidade, proporcionando uma “práxis educativa crítico -dialógica”

em articulação com algumas das angústias e preocupações do homem moderno. De acordo

com Henz, “Teoria e prática, então, não mais serão dicotômicas, mas uma ajudará a pensar

a outra numa necessária, permanente e dialética relação processual em que uma possibilita

a outra a encontrar a sua razão de ser” (2005 , p.147).

Segundo Bombassaro, “é na aceitação da diferença que se dá ao homem a

possibilidade de construção do mundo propriamente humano” (2001 , p.72). Em minha

prática profissional no norte do país, mais precisamente no Amapá, no contato com a

diversidade cultural, surgiram novos desafios. Lembro-me muito bem de que fiquei alguns

meses em uma situação de desconforto, sem atividades para fazer. Estava acostumado a

um dinamismo, a preencher o tempo com afazeres. Revendo esse período, considero como

a melhor preparação e treinamento que tive, pois o fato de não ter atividade alguma, fez

com que me aproximasse e conhecesse um universo cultural diferente, que inicialmente me

causava estranheza. Mas, com o tempo, os preconceitos, indagações e curiosidades deram

lugar a entendimento, aproximação e à compreensão de que o homem se faz e se constitui

no dia-a-dia, conforme afirma Henz: “é pela reciprocidade de corpos conscientes

pronunciantes, intersubjetivamente, irmos percebendo as forças e possibilidades, os limites

e obstáculos, as correlações e intenções presentes e possíveis no mundo social-humano”

(2005, p.144).

Estando em Macapá, lecionei as disciplinas de Filosofia, Psicologia, História da

Educação, Sociologia e História Geral, com que minha formação possibilitava trabalhar, e

que, além disso, me permitiam manter uma constante reflexão e análise da existência a

partir de fatos ocorridos. Segundo Henz, a atuação do docente em sala de aula tem que ser

crítico-reflexiva, autônoma e democrática, possibilitado um confronto, uma releitura das

teorias e do mundo que lhe dará novos sentidos e horizontes,

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uma vez que as práticas educativas estão perpassadas por um mundo vivo de interações, encontros e subjetividades e reificações que muitas vezes ocultas, precisam ser decodificadas e desveladas para que homens e mulheres possam nos descobrir pelo processo de decodificação da história e do mundo, da vida em que estamos nos fazendo gente, tanto pelo trabalho como pelas palavras, tanto pelos sentimentos e emoções como pelas idéias (HENZ, 2005, p.145).

Percebo uma ontologia humanística, a necessidade da valoração humanística nessas

concepções e correlações que ocorrem.

O homem vive, interage, transforma, se adapta, cria relacionamentos, em busca de

uma sobrevivência de forma simples, alocada ao seu tempo e espaço, com seu universo

constituído. Nesse sentido, a concepção do indivíduo, de valor, de ética, nasce do

interacionismo simbólico. São esses fatos que irão pautar e fundamentar uma reflexão, a

posterior, com o intuito de levantar elementos de uma nova concepção de Humanismo para

a educação, mesmo porque, nosso país, composto de inúmeras células isoladas,

encontrando-se ilhas de prosperidade, distantes da realidade dos demais, é um país de

discrepâncias, agressões e alienações, de injustiça. De norte a sul, de leste a oeste, há

situações que o sistema insiste em não ver. Lugares de escalada violência, e de agressão

aos valores humanos, uma negação aos princípios mais básicos: a dignidade humana.1

“Para o pensamento humanista, somente se admitida a igualdade de todos os seres

humanos pode-se pensar a humanidade” ( Bombassaro, 2001, p.72).

O distanciamento social, político e econômico presente nas mais diferentes esferas

e a crescente colonização do mundo da vida2 são alguns dos principais problemas de nossa

época, orientados pelo poder e pelo dinheiro, gerando, nessa esfera, ações estratégicas

instrumentais com o intuito de conquistar interesses particulares, próprios ou de grupo,

pautados nas prerrogativas “poder” e dinheiro”. A criança, a mulher, o índio, o idoso, o

1 Estou aqui me reportando a uma das questões da pesquisa, da necessidade de rever, diante da situação de abandono humano e da falta de dignidade e justiça, os parâmetros e nossa concepção de vida. Este dado mudou o contexto social e econômico cultural. Precisamos rever os parâmetros do humanismo, precisamos de um novo humanismo, tendo em vista as situações de injustiça, de exploração da vida, de desrespeito aos valores mais básicos, à dignidade humana. 2 Por sua vez, o mundo da vida representa, segundo Habermas, o lado oposto da esfera sistêmica, pois ele é o espaço onde ocorre de modo espontâneo, natural e intuitivo, a produção simbólica e cultural da sociedade. A lógica que orienta as ações que nele se desenvolvem não é só o dinheiro e o poder, mas principalmente o entendimento baseado num “consenso de fundo”. Ao interagirem entre si no mundo da vida, as pessoas empregam a linguagem, via de regra, como fim para se entenderem mutuamente. Portanto, o que marca a diferença entre mundo da vida e sistema é o fato de que a linguagem é empregada no primeiro nem sempre como meio para se atingir fins particulares, mas sim como fim em si mesma para buscar o entendimento entre os participantes. (DALBOSCO, 2003:06) Trabalho vinculado ao Núcleo de Pesquisa em Filosofia e Educação (Nupefe) e ao projeto de pesquisa Teorias da Ação e Educação.

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cidadão em geral, isto é, o ser humano, sua dignidade como pessoa é relegada a esferas

subjacentes, justificada por teorias e fórmulas3.

Na correlação com o Humanismo, revela-se presente o aspecto natural intrínseco do

humano, percebido nas idas experiências do Oiapoque, identificado nas aldeias com o

índio; no Jarí, no contato da vivência nas palafitas, as grandes cheias e alagamentos

evidenciando uma sombra do desespero e da impotência humana; no Mazagão Velho, onde

há resquícios da cultura portuguesa; no Curiaú, um dos redutos ainda vivo de quilombos;

no Calçoene, onde tive contato com o garimpo; no ABCD paulista, meu contato com a

grande metrópole; e também em Curitiba, Frederico Westphalen, Passo Fundo. O encontro

com tal qualidade inerente ao humano, ocorrido em todos esses lugares, vem a elucidar que

“as ações verdadeiramente pedagógicas têm a ver com a vid a das pessoas e as relações

pessoais, exigindo muitas vezes a transgressão do instituído e estabelecido, inovando,

modificado, alargando horizontes em função da sensibilidade e do respeito para com

homens e mulheres que estão buscando ser mais” ( HENZ, 2005, p.151).

A natureza humana é a que nos iguala, nos torna semelhantes nas situações, regiões,

ultura, traços específicos, distantes ou perto. Faz-nos ser humanos. A constituição humana

transpassa esses dados aparentes. A estranheza é momentânea, o tempo e o espaço são

fundamentados em um paradigma temporal que determina as características, com

capacidade de conhecer e transformar, de indagar, de saber.

Lembro-me ainda enquanto religioso, frei, desempenhando minhas atividades,

orientações e ritos religiosos apropriados a cada momento, previstos e solicitados pelo

cristão católico, nesses momentos sentia e percebia a busca incessante do ser humano sua

esperança, na busca de um sentido para a vida, frente às inúmeras adversidades que as

situações lhe opunham. A busca e o acreditar que é possível um outro mundo, de

preferência aqui na terra, com dignidade, justiça e ética.

Nos muitos lugares em que passei, vi o ser humano jogado à própria sorte, que,

levantando as possibilidades de uma vida justa e digna, hoje, é mínima. Há locais

específicos, em nosso país, que necessitam de força extra para o homem continuar a existir.

Não enquanto espaço territorial, mas enquanto espaço de realização da vida humana de

3 Nesse fluir instantâneo, vejamos os últimos acontecimentos na política brasileira, nesse ano de 2005: a partir de influências econômicas (as “maracutaias”), a indignação, a falta de horizonte digno e ético se apodera do povo. Levantam-se, aqui, algumas questões, sem o intuito de respondê-las, mas a título de reflexão: Que valores éticos, permeiam esse cenário? O que faz com que estes políticos permaneçam e retornem ao poder? Por que calamos? Qual a linguagem, o simbolismo presente nesses atos? O que é dignidade humana, poder, política, para esses envolvidos? Deparamo-nos com um grande mosaico humano doente.

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sonhos e desejos. As mudanças ocorridas no cenário mundial de ordem social, econômica,

política, tecnológica, proporcionaram diferentes impactos no modo de o homem conviver e

se relacionar, e são tão grandes que não mais é possível seguir e pensar um mundo digno

para si e para os outros. Isso não é possível individualmente; há a necessidade de

interferência coletiva, para a melhora das condições de vida em certos lugares. Portanto,

Educar-se e educar requer o reconhecimento e a palavra de seres humanos como sujeitos cuja constituição se dá por processos de reciprocidades reflexivas, intersubjetivamente, partindo da realidade para ressignificá-la e tomá-la nas próprias mãos; tomando consciência do instituído que condiciona, mas não determina fatalisticamente, podemos construir tempos e espaços instituintes, onde tudo se põe como projeto, como sonho de “inéditos viáveis”, desafiando a cada uma e a cada um a “dizer a sua palavra” como ação consciente e engajamento na construção e re-construção da história, do mundo, da própria existência humana (HENZ, 2005, p.151-152).

Neste contexto de se fazer educação, de se fazer história, eu percebo, enquanto

professor em um Colégio com sistema de internato, com alunos oriundos de mais de

setenta municípios, provenientes de cinco estados, que muitos alunos residem e estudam no

mesmo lugar, porém, em espaços diferentes, com concepções e sonhos diferentes,

altamente propícios para as indagações e reflexões da existência humana, em meio a uma

diversidade de interesses, informações e perspectivas. Não quer dizer que conseguimos o

resgate da humanidade “perdida”, “roubada”, “diminuída por quem ou de quem quer que

seja”. Na possibilidade de práxis educativo -crítico-reflexiva que se apresenta na realidade

educacional em que trabalho, “os questionamentos e as perguntas vêm carregadas d e

cultura, história, posição e classe, sentimentos, denúncias, esperanças, pré-diálogo, escuta,

problematização, sensibilidade, participação, esperança, saberes”. (HENZ, 2005 , p.148).

Portanto, estou imbuído de um sonho, de uma educação enraizada no Humanismo com

ideais de justiça, ética, dignidade, um jeito de ser e uma forma de valorizar o homem e o

meio.

Acreditando na possibilidade de um outro mundo, melhor, na ação humana, na sua

interferência educativa para enfrentar a colonização do mundo, da vida com seus

desajustes, assim como suas possibilidades, foco a pesquisa educacional humanística como

temática de minha dissertação e de minhas reflexões.

Essa dissertação tem o intuito de não deixar que me distancie da reflexão e de

acalentar algumas angústias e buscas que pairam em minha mente, diante de um cenário de

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crise educacional e da falta de legitimidade da escola. Hoje, nós, educadores, lidamos com

um indivíduo que necessita de bases formativas para viver dignamente e humanamente, a

fim de compreender a existência de outras possibilidades.

Minha formação filosófica, de cunho humanístico, me possibilitou bases sólidas,

como também a educação familiar e religiosa me fizeram aprender, desde muito cedo, o

valor da escola e da educação. Sempre foi-nos transmitido que o passaporte do futuro

estava na escola, ou seja, o segredo do nosso sucesso profissional estava em estudar, e isso

dependia de nós.

Hoje, como aluno do mestrado em educação da UPF, percebo, com muito mais

clareza, a minha certeza na escolha pela Filosofia como curso de graduação e a

especialização em Didática Aplicada à Educação Tecnológica. Penso que a educação no

Brasil não é levada a sério pelos governantes, ou seu ritmo de desenvolvimento é tão lento,

que fica difícil perceber mudanças significativas.

A breve trajetória pessoal acima sinaliza uma força emocional muito intensa e

sincera. Isso é válido, pois sabe-se que algumas pessoas, por diversos motivos, não têm a

certeza de que são únicas ou de que sempre estiveram onde estão, pois a contínua

miscigenação e movimentação ao longo do globo, enfim, a globalização imbrica sujeitos e

acarreta tais indefinições.

A humanidade atravessa momentos difíceis. Os valores de sustentabilidade da

existência da “teia da vida” estão em franca decomposi ção. Através do aumento assustador

da violência generalizada a vida foi banalizada. A violência cresce assustadoramente, em

suas múltiplas dimensões, na família, na escola, na ecologia, nos esportes e na sociedade

em geral, nos quatro cantos do mundo e já há ameaças à paz e a continuidade existencial

do próprio planeta, dos seres humanos e de todos os seres vivos. A humanidade está em

busca de uma saída.

Vivemos uma crise sem igual, por seu aspecto avassalador. É uma crise vital: pela

primeira vez, na parcela histórica conhecida, a espécie humana corre um risco iminente de

autodestruição total. Mais do que isso: a própria vida encontra-se ameaçada no planeta que

os antigos gregos, com sua visão orgânica, denominavam Gaia4, a deusa da Terra.

Bauman, em seu livro Modernidade Líquida, trabalha a questão como “estágio

fluído da modernidade”, que se manifesta nos mercados abertos e no fato de que a elite

4 Gaia, na mitologia clássica, personificava a origem do mundo, o triunfo e ordenamento do cosmos frente ao caos, a propiciadora dos sonhos, a protetora da fecundidade e dos jovens. http://www.nomismatike.hpg.ig.com.br/Mitologia/Gaia.html(Acesso,23/01/2006)

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global domina sem estar presente. “O engajamento ativo na vida das populações

subordinadas não é mais necessário (ao contrário, é fortemente evitado como

desnecessariamente custoso e ineficaz)” e ainda mais a necessidade de reformulações

quanto à eficácia do pensamento modernos e de seus valores, carecendo novos

significados, “agora é o menor, o mais leve e, ma is portátil que significa melhoria e

‘progresso’”. Em outro momento, o autor esclarece ainda a dinâmica do mundo de hoje: “é

a velocidade atordoante da circulação, da reciclagem, do envelhecimento, do entulho e da

substituição que traz lucro hoje – não a durabilidade e confiabilidade no produto” (2001 ,

p.21). Bauman faz saber o que está errado com a sociedade, em seu entender. Ela deixou

de questionar, não reconhece nenhum tipo de alternativa para si mesma, portanto, sente-se

absolvida do dever de examinar, demonstrar, justificar a vaidade de suas suposições. Mas

não quer dizer que deixou ou perdeu a capacidade crítica, ao contrário “somos seres

reflexivos que olhamos de perto cada movimento que fazemos, e que estamos raramente

satisfeitos com os resultados e sempre prontos a corrigi-los”. No entanto, essa reflexão e

crítica, como diz ele, não vai longe. “Somos talvez mais predestinados à crítica, mais

assertivos e intransigentes em nossas críticas que nossos ancestrais em sua vida cotidiana,

mas nossa crítica é, por assim dizer, ‘desdentada’, incapaz de afetar a agenda estabelecida

para nossas escolhas na ‘política-vida’” (2001 , p.31).

E, para entender o pensamento de Bauman a respeito da modernidade,

acompanhamos o que ele diz:

A sociedade que entra no século XXI não é menos “moderna” que a que entrou no século XX; o máximo que se pode dizer é que ela é moderna de um modo diferente. O que a faz tão moderna como era mais ou menos há um século é o que distingue a modernidade de todas as outras formas históricas do convívio humano: a compulsiva e obsessiva, contínua, irrefreável e sempre incompleta modernização; a opressiva e inerradicável, insaciável sede de destruição criativa (ou de criatividade destrutiva, se for o caso: de “limpar o lugar” em nome de um “novo e aperfeiçoado” projeto; de “desmantelar”, “cortar”, “defasar”, “reunir” ou “reduzir”, tudo isso em nome da maior capacidade de fazer o mesmo no futuro – em nome da maior produtividade ou da competitividade) (2001, p.36).

Essa completa desordem social mundial não pode ser explicada simplesmente a

partir de fatos e exemplos estarrecedores que levam ao questionamento da ação do homem,

mesmo que estes possuam fundamentos racionais e uma base de raciocínio lógico. Essa

desordem social reflete antes uma mudança de pensamento, uma nova consciência do

18

homem da pós-modernidade, cujas idéias antes “pareciam tão firmemente controladas ou

pelo menos ‘tecnicamente controláveis’” (BAUMAN, 1999 , p.65).

Bauman, referindo-se à política mundial, diz:

Em poucas palavras: ninguém parece estar no controle agora. Pior ainda – não está claro o que seria, nas circunstâncias atuais, “ter o controle”. Como antes, todas as iniciativas e ações de ordenação são locais e orientadas para questões específicas; mas não há mais uma localidade com arrogância bastante para falar em nome da humanidade como um todo ou para ser ouvida e obedecida pela humanidade ao se pronunciar. Nem há uma questão única que possa captar e teleguiar a totalidade dos assuntos mundiais e impor a concordância global (1999, p.66).

Partindo do exposto acima, a modernidade é uma fênix5 recém-nascida, majestosa e

assustadora, de olhos fechados, de costas para o passado, a nos propor desafios políticos

radicais e intrigantes enigmas éticos.

A nossa tarefa, como educadores, é determinar que tipo de fênix renascerá, com

uma educação pautada para a transformação com rumos, que habita e irradia, somente

assim poderemos visualizar o ser humano e seus valores.

A superação da tradição, da violência, da dominação política, da exploração

econômica, da destruição do meio ambiente, do histórico enfrentamento cruel entre povos

e nações, da barbárie de todas as matrizes, do ódio arraigado, das novas e modernas

apropriações tecnológicas, em detrimento da realização da plena condição humana para

todos, são condições que exigem corações e mentes, mãos e palavras sensíveis e ternas

para empreender a tarefa de produzir a cultura da paz, da tolerância, da igualdade entre os

sexos, povos, nações e religiões.

O 11 de setembro de 2001, assim como suas conseqüências, que resultaram em

guerras “justificadas” pela caça ao terrorismo, e pela morte de americanos “que podem

matar, mas não podem morrer”, e em vários atentados ocorridos em diversos países, com

os seus inevitáveis e imprevisíveis desdobramentos, pode ser compreendido como um

5 A fênix, ave da mitologia grega, ilustra bem a capacidade de reconstrução do ser humano. Conta-se que ela era um grande pássaro, semelhante a uma águia. Alimentava-se de incenso e raízes perfumadas. Vivia 500 anos e, antes de morrer, construía seu ninho em forma de piara, com cinamomo, nardo e mirra. Deitada nesse ninho perfumando, exalava seu último suspiro. Queimado pelo sol, seu corpo transformava-se em cinzas, de onde nascia uma nova ave para viver mais 500 anos. http://www.centro-filos.org.br/?action=materiasCoruja&idCoruja=4, (Acesso, 28/08/2005)

19

fatídico símbolo, que precisa ser navegado e interpretado. Evidentemente, aponta para um

impasse de espécie e para uma humanidade cronicamente doente, numa UTI planetária.

Estamos diante do abismo e não temos mais tempo, a maior doença que se

apoderou do ser humano no final de século XX e início deste século XXI é a normalidade,

a patologia da normalidade. Nos acostumamos a tudo, às grandes aberrações que estão à

nossa volta, já não estranhamos mais as agressões ao ser humano, à natureza, à arte, e à

cultura. “O preço do silêncio é pago na dura moeda corrente do sofrimento humano”

(BAUMAN, 1999, p.11)6.

Uma atitude mundial alheia ao ser humano, atônita, enfraquecida, incomodada, mas

impotente diante da exploração humana, pode ser identificada através das ações em relação

a crianças, mulheres, idosos, pobres, migrantes, negros, nações. Mesmo dentro do

“império”, como pudemos averiguar por ocasião da passagem do furacão Katrina, no dia

31 de agosto de 2005 em New Orleans, nos EUA, existe um despreparo para enfrentar

situações catastróficas, prevalecendo a desigualdade, evidenciando-se a arrogância, e o

imperialismo para com outros povos e nações.

O sistema corrompido predominante, diante dessa patologia social descrita acima,

cria cenários alienantes e satisfaz o indivíduo, proporcionando a manutenção de um

sistema econômico excludente.

Penso que a educação humanística e suas categorias7 é a proposta adequada, que

através dela podemos encontrar a porta de saída desse futuro incerto que escureceu a

abóbada celeste da realidade humana. Urge tomar-se uma decisão, antes que os homens

anunciem seu fim como lobos sedentos, matando uns aos outros. Porque o maior naufrágio

é o não partir. Lembro a metáfora utilizada por Crema8 para entender o papel da educação.

Diz ele:

No ocorrido nas ilhas da Ásia, o tsunami devastou tudo o que estava na área de seu alcance, no entanto, nenhum elefante e nenhum aborígine nativo morador das ilhas estavam entre os mortos. O fato é que eles escutaram a terra, ela avisou com antecedência, enviou recados do que ia ocorrer (informação verbal).

6 Volta-se a fazer referência ao tema proposto da necessidade de pensarmos uma nova educação, que venha a fazer refletir sobre nosso senso de justiça e ética. 7 Essas categorias estão mais explícitas mais adiante em minha dissertação, quando abordo o caráter da educação humanística e da ética. Mas, a princípio, acredita-se que devam partir da mudança de postura do ser humano. Essas mudanças, que são na verdade hábitos, devem ocorrer com indivíduos presentes dentro das estruturas econômicas, sociais, políticas, culturais, criando assim novos modelos. 8 Roberto Crema foi palestrante no 3º Congresso Nacional de Educação para o Pensar e Educação Sexual – Filosofia, Educação e Estética – Educação para Sensibilidade: por uma estética dos relacionamentos, realizado nos dias 18 a 21 de julho de 2005, Florianópolis SC.

20

Ao que me parece, a educação não está ensinando o homem a escutar a terra, há

muitos sinais dos rumos que estão sendo dados, o sistema está desabando. No Brasil, “a

maioria morre de fome, e a minoria morre de medo de quem morre de fome”. Os sinais

estão sendo dados todo o dia, é como um telefone que toca, só que não escutamos.

A metáfora da rã9 expressa a realidade de nossos dias. Acostumamo-nos, não

ouvimos, ficamos inertes. A humanidade está soçobrando, é um titanic sendo partido ao

meio diante de toda a incredulidade e espanto da humanidade. Em tempos de tragédia e

deslocamentos, precisamos educar para a vida, a crise possibilita crescer, possibilita

retomada. Nós não nascemos prontos, estamos nos auto-fazendo, nos auto-constituindo e a

educação é o elo, a possibilidade, a educação passa a ser um processo contínuo e histórico

que se redimensiona a cada momento.

Acredito que, através da educação, podemos responder a um desafio ético

ontológico para a completude humana. Os novos signos, linguagem e sentidos promulgam

um novo tempo. E ela tem de estar sempre interpretando os significados advindos deste,

para dar respostas aos desafios, escutar o que a terra diz estranhar.

Pretendo demonstrar, neste trabalho, que a escola deve ter uma postura reflexiva,10

uma função pedagógica, que o viver em sociedade vai implicar normas e regras que

precisam ser entendidas e cumpridas, além de que, para o funcionamento de uma

sociedade, há que se formar um cidadão que compreenda, que tenha capacidade de se

posicionar. Aí entra o processo educacional formativo, como suporte para o

desenvolvimento humano integral.

Não estamos prontos, nos fazemos, nos constituímos a cada instante nas relações,

nos processos conjuntos de descobertas, nas resignificações de sinais e linguagens do

mundo no instante que vivemos, com afinco e determinação, podendo mudar a própria

história. Um educar que vislumbre um projeto de homem, com capacidades de conviver

em sociedade em um desenvolvimento harmonioso e sadio.

Esta é uma tarefa muito árdua, de modo particular para o educador que tomou

consciência da dramaticidade e desumanidade das atuais estruturas sociais, políticas e

econômicas. O professor Balduíno Antônio Andreola (2005) se interroga se ainda é

9 Conta-se da experiência que foi feita: colocada uma rã em uma panela de água quente ela salta, e ao colocar uma rã em uma panela com água fria e ir aquecendo, a rã morre sem perceber o que causou sua morte. 10 Quando se fala em “postura reflexiva”, parte -se do princípio que, para uma mudança ser duradoura, ela necessita de reflexão, isto é análise da ação. Caso contrário, mergulha-se num ativismo, perdendo-se a dimensão e a condições de parâmetros. A reflexão dita aqui é uma reflexão que leva à conscientização e produz uma ação de mudança e de transformação. Quando se utiliza o temo “reflexão”, é tomado como uma práxis-reflexiva.

21

possível falar em diálogos inter-cultural e inter-religioso diante do quadro atual de guerra,

de fome, de miséria, de doenças, da mortalidade infantil, de destruição galopante do

Planeta Terra e da distância cada vez maior que separa e isola as elites privilegiadas das

massas populares nos países ricos, mas sobremaneira nos países pobres ou com graves

problemas de desigualdades sócio-econômicas.

Acredito que o quadro de inércia, do conformismo social e político, da impunidade

e, mais precisamente, da acomodação, também no sentido de nos acostumarmos com uma

situação, é tão grave como as inúmeras agressões que vêm sendo praticadas abertamente

aos nossos olhos, à luz do dia.

Na perspectiva de Humberto Maturana de que os seres humanos são seres culturais

e não só biológicos, e na premissa de Rocco Caporale de que tornamo-nos humanos no

“viver humano”, o processo de humanização depende da relação cultural com ele, não

ocorre da noite para o dia, é necessário um trabalho exaustivo e de longo tempo. Será

propósito desta dissertação elucidar, através da educação, os ideais de ética, justiça,

dignidade e insatisfação do ser humano, no intuito de promoção dos valores do humano,

projetando um ideal humanista capaz de promover o ser humano como o fim supremo da vida e do desenvolvimento na agenda econômica, social e cultural. [...] A aceitação do ser humano como valor fundamental indica que é a ética o elemento constitutivo do humanismo (BOMBASSARO, 2001, p.71).

Nossa existência não se manifesta só pela representação que nós fazemos de nós

mesmos. Nós somos humanos quando situamos nossas ações. O que me torna humano é a

ação enquanto homem, não sou humano só porque nasci na espécie humana, mas vou me

tornando humano, o homem é o único filhote que precisa de aprendizagem por mais que

esteja no ápice da existência dos seres vivos: eu preciso me educar.

Esse processo de educação humanística se dá através das práticas que se

apresentam frente ao ser humano, na natureza e na própria interioridade. A relação na

natureza segue um processo articulado e a visão que temos dela é a partir de metáforas e da

concepção da relação com o homem, uma relação de poder. Com o ser humano a relação é

hierarquizada, nós não somos iguais, estamos marcados por uma relação de poder. Isso é

próprio da natureza humana, é histórico.

22

A questão que se coloca, diante desse aspecto constitutivo da natureza humana, é

como vamos fazer com que toda essa diferença não se transforme em desigualdade? Nós

temos de achar uma maneira de existir, de que as diferenças não se transformem em

desigualdades. Nós vamos nos humanizar através de práticas humanizantes, através de

ações encadeadas, e não avulsas. Nós nos tornamos humanos a partir de princípios,

significações, ninguém é humano sozinho.

Assim, em certo sentido, a globalização implica um acesso mais amplo, mas não equivalente para todos, mesmo em sua etapa teoricamente mais avançada. Do mesmo modo, os recursos naturais são distribuídos de forma desigual. Por tudo isso, acho que o problema da globalização está em sua aspiração a garantir um acesso tendencialmente igualitário aos produtos em um mundo naturalmente marcado pela desigualdade e pela diversidade. [...] Assim, em minha opinião, um dos problemas do século XXI será determinar quão forte podem ser os obstáculos a essa crescente homogeneização (HOBSBAWM, 2000, p.75).

A educação é a ação mediadora da prática, não se nasce sabendo, é preciso ter uma

reflexão autônoma, é preciso desenvolver uma reflexão, criar condições para esse homem

contemporâneo que não é um ser, mas um devir.

Temos uma referência básica e universal, que irá pautar toda nossa proposta

educacional para uma maior dignidade do ser humano, para um convício humano ético. O

ponto de partida é a dignidade humana: precisamos checar seus valores básicos. Se a

humanidade não abrir os olhos, pode sim cair em um precipício, como vem sendo dito por

muitos críticos contemporâneos.

Nunca foi tão importante o sentido a ser dado às coisas como agora. Faz-se

necessário conhecer para transformar, estudar para mudar o rumo do “trem”, porque “do

jeito que está aí não cabe todo mundo”. É necessário um outro olhar, uma outra lógica,

porque a lógica do sistema que está aí é comprometida.

Há uma sensação de insatisfação e a depressão tornou-se a maior doença do final do século XX. Constata-se que a riqueza traz menos do que parece trazer. Vive-se um paradoxo: riqueza e abundância material, por um lado, e sofrimento interior, psicológico e emocional por outro (ROSSATO, 2002, p.31).

23

Nós somos seres históricos, o processo de humanização é o processo de fazer-se

homem. Em nosso convívio com o outro, no dia-a-dia, há forças humanas e materiais que,

ao invés de ajudar, o transformam em “coisa”. A reificação do homem vai anulando sua

identidade e exigindo dele trabalhos e coisas alienados. A idéia de que o aparato

tecnológico vai resolver os problemas da humanidade, da civilização moderna, implodiu

diante da bomba de Hiroxima.

Vivemos um novo momento, com quebras de paradigmas. Formulações, teorias e

valores tidos como válidos passam a não ter mais sentido de um momento para outro. Os

sistemas e estruturas ao redor estão mudando rapidamente, a cada minuto recebemos

milhões de informações, no estereótipo da pós-modernidade, precisando rever conceitos e

conhecimentos. O cenário global, também chamado de globalização e pós-modernidade,

segue um caráter ideológico produzido pela intelectualidade orgânica a serviço da

burguesia. Existem interesses reais para essa concepção de globalização e pós-

modernidade, razões que pretendem esconder as barbáries e as relações de exploração e

massificação.

E para melhor compreender a situação de crise que instaura a condição humana na

modernidade, Bombassaro nos diz que

Essa crise tem suas raízes na modernidade que encobriu a verdadeira questão sobre o humano, graças ao grande avanço científico e tecnológico e às promessas de um admirável mundo novo. Uma crise que, como doença, constitui o mal-estar de toda a civilização (Freud), uma crise profunda de todos os valores morais, uma crise que destrói a vida (Nietzsche). Como decorrência dessa crise, somos obrigados a reconhecer uma espécie de declínio da confiança na razão e a relativização das posições teóricas que afirmam a excelência do humano [...] Mas essa crise, por outro lado, engendra positividade, pois é ela que põe a filosofia em movimento, no sentido de ampliar a compreensão do sentido do humano no limiar de um novo milênio (2005, p. 10).

Muitos são os desafios para a educação na atual conjuntura. Cabe, antes de tudo,

recuperar seu objetivo e inventar e reinventar a civilização sem a barbárie, sem deixar de

entender a atual crise por que passa a sociedade. Essas crises provêm de modelos

econômicos que não amenizam as distâncias entre ricos e pobres, mas, ao contrário, dão

sustentação à elite econômica, garantindo seu capital e sua ampliação. Os projetos

educacionais, nesse contexto, procuram ajustar e redimensionar, sem grandes choques

sociais. Daí a necessidade de repensar o caráter pedagógico e sua ação educativa.

24

Ao final do século XX e início do século XXI, o manejo das coisas humanas ficou

mais difícil, vivemos uma industrialização e uma urbanização desenfreada. O homem

trancou-se em casa, pôs chave e cadeados nas portas e grades nas janelas, trancando

também seu coração. Saviani ilustra isso, dizendo que estamos em meio a uma “Torre de

Babel”, onde cada um fala uma língua e ninguém se entende.

A educação está nesse meio, sem rumo, sem saber para onde vai. Como humanizar

as relações da escola frente a um quadro difícil como esse? O homem é um ser que

aprende. Cabe à educação desempenhar uma ação de aprendizagem dignificante,

transmitida de geração a geração à condição humana.

Em vista das contradições que tomam o mundo como cenário, não perdendo de

vista os projetos emancipatórios da humanidade, cabe à escola, em sua ação pedagógica

que nasce num contexto, assumir valores que provem a solidariedade com todos os

oprimidos e os fracos, com as exigências de defesa da vida, de promoção de sua qualidade

e de solidariedade. O processo educativo deve favorecer tanto a aquisição de

conhecimentos quanto a construção de atitudes e valores éticos que formam o caráter dos

seres humanos em vista de uma sociedade mais humana.

Com o passar do tempo, a modernidade traz um novo conceito de ser humano, isto

é, “o homem como sujeito de sua própria história”, o sujeito como senhor de seu próprio

destino. Esse sujeito autônomo assume novas características a partir do século XIX: sem

negar a idéia de autonomia, vai obrigar o ser humano, na sua concretude histórica, a não

mais ser desvinculado de sua história e do social.

Emerge desse novo conceito um novo perfil antropológico, isto é, a finitude11 do

homem, e cada vez mais ele toma conhecimento dela. Esse novo perfil de homem deve

apontar um novo perfil de educação, pois educação não se faz sem o conceito de homem

que vai sendo definido na sua ação.

O novo perfil antropológico, como em qualquer outro momento da história

educacional, se for ele comprometido com o conhecimento e com uma educação séria,

precisa do pensamento e da investigação das seguintes questões: Qual é a compreensão de

educação? Qual é a compreensão de ser humano? É necessário verificar o ponto de partida

da reconstrução do conhecimento, que é prerrogativa da escola. O homem se faz e se

humaniza nas inter-relações, éticas e humanísticas, elementos chave de crescimento e

realizações.

11 A finitude, tão importante quanto a maturidade ou outros momentos da vida tidos como essenciais, dá um tom de sobriedade à avaliação dos valores e hábitos do ser humano.

25

A raça humana triunfou indubitavelmente na ciência e na tecnologia, mas fracassou

“redondamente” na construção da dignidade humana e dos valores éticos, culturais e da

paz. Nenhum sucesso obtido pelos seres humanos, nos moldes tecnológicos, em qualquer

setor da sociedade, compensou o fracasso na trajetória de construção da dignidade humana.

Rossato elucida bem esse avanço ocorrido:

Aquilo que aconteceu no século XVIII e XIX, definitivamente será aprofundado no século XX, sobretudo na segunda metade: se antes dominava o ritmo da fábrica, no século XX domina o ritmo da invenção, da inovação e da criação. O processo tecnológico alcança parâmetros impensados e surgem novos conhecimentos diariamente. O ritmo de transformação no campo da produção alcança com a informática um novo patamar. [...] A renovação se faz de maneira tão acelerada que alguns pesquisadores e cientistas afirmam que nos últimos 20 anos do século XX, sob o ponto de vista tecnológico a humanidade avançou tanto quanto nos últimos 20 séculos. Portanto, cada ano do final do século XX, avançou mais ou tanto quanto um século no passado. De forma que em um ano de existência o homem hoje assiste a mais mudanças do que uma pessoa assistia durante o tempo de sua vida. (Artigo não publicado – UPF 2005)

Considerando que é a pesquisa que dá subsídios e embasamento para indagações e

construção da realidade, bem como abertura para novas propostas de atuação, é vital sua

realização, paralela ao processo educativo, descobrindo novos rumos para a educação

humanística, novas concepções de entender e relacionar-se com o outro. Isso possibilitaria

uma nova dinâmica, um novo sentido de ver a vida, sem ignorar os avanços científicos e

tecnológicos, nem as críticas ao Humanismo, que possibilitam uma análise e uma ação

efetiva dos discursos da dignidade humana.

Hobsbawm afirma que não é justo ignorarmos o século XX, pois nele tivemos

muitos avanços, a sociedade vive melhor hoje que no passado, mas a preocupação fica e,

quanto ao futuro, do ponto de vista da tecnologia, sem dúvida, o próximo século continuará

a acelerar o triunfo do gênio humano: em termos econômicos ele será mais rico, e talvez

ele seja capaz de se adaptar aos novos ambientes e de usar as enormes forças à sua

disposição sem destruir a si mesmo.

26

Porém, o que não vejo com clareza é o futuro das relações políticas e culturais entre os seres humanos. Pois grande parte das soluções, grande parte das estruturas que herdamos do passado foram destruídas pelo dinamismo extraordinário da economia na qual vivemos. E isto está lançando um número crescente de homens e mulheres numa situação em que não podem mais recorrer a regas claras, perspectivas, senso comum; uma situação em que não sabemos mais o que fazer de nossas vidas, tanto no plano individual como coletivo. [...] Seu futuro é obscuro. É por esse motivo que, no final do século, não consigo olhar para o futuro com muito otimismo (HOBSBAWM, 2000, p.195).

Cabe, numa perspectiva humanística, refletir o caráter ético e bioético e os avanços

da ciência numa preocupação de construir uma sociedade mais humana. Nesse sentido,

somente uma reflexão ética pode nos levar a reconhecer que a liberdade e a

responsabilidade são valores constitutivos do humano, priorizando algumas reflexões no

sentido de uma responsabilidade solidária, de uma análise crítica das ações direcionadas às

necessidades do ser humano para um viver mais solidário e humano.

Baseado nas ponderações acima, pretendo, com este projeto de pesquisa, entender o

Humanismo e refletir sobre o Humanismo ética da educação na contemporaneidade, em

que procuro identificar elementos ético-ontológicos para a educação na sociedade pós-

moderna como possibilidade de promover o ser humano como o fim supremo da vida e do

desenvolvimento na agenda econômica, social e cultural. Pretende-se, com isso,

compreender que, através da ética, da justiça, da dignidade humana, há a possibilidade de

um desenvolvimento econômico, social, político e histórico; e compreender também as

implicações da formação humanística na escola. Pretendo saber quais elementos seriam

necessários para uma educação humanística nas nossas escolas no mundo de hoje para a

construção de um homem mais ético e justo.

A finalidade da pesquisa é lançar bases para o aprender a viver junto pela educação

humanística, congregando a ética, a filosofia, a ontologia, a dignidade, a justiça, o respeito,

as ciências redimensionadas para a educação. São apresentados um sonho e uma utopia;

enfim, nutre-se esperanças de que um outro mundo seja possível: este é um dos objetivos

desta dissertação. Assim, neste trabalho, coloco as minhas expectativas de aprender e

pesquisar sobre um assunto que me atrai enquanto profissional e enquanto pessoa.

27

1.2 Questões norteadoras

a) Como podemos compreender o Humanismo em uma sociedade pós-moderna e

quais suas implicações junto ao indivíduo?

b) Como entender a ética, no contexto atual?

c) Como entender a educação, em uma sociedade pós-moderna, com a incumbência

de arregimentar forças para uma prática humanística, em uma realidade visivelmente

abatida e estarrecida com fatos grotescos e desumanos?

d) Quais seriam os elementos necessários para uma educação humanística?

e) Como entender a pós-modernidade e suas influência para com o indivíduo?

f) Quais seriam os elementos necessários para um resgate da dignidade humana?

g) De que forma a educação poderia influenciar no processo de integração do

indivíduo no mundo moderno?

h) Ainda é possível falar em Humanismo em uma sociedade desintegrada e pós-

moderna?

i) Quais as necessidades e aspirações do homem da sociedade moderna?

j) Qual o ideal de homem no Humanismo educacional?

1.3 Objetivos

Dentre as questões da pesquisa acima mencionadas, que servirão como viés

norteador, partir-se-á de uma concepção de educação humanística ética, buscando

responder o que é uma educação humanística e qual o novo Humanismo para a educação

hoje.

Para atingir os objetivos propostos, farei uma releitura do Humanismo, tendo como

ponto de partida a concepção grega de homem, educação e Humanismo até a pós-

modernidade. Abordar-se-á o homem na sua complexidade social e existencial na pós-

modernidade, identificando elementos de uma educação humanizadora, a saber: o

Humanismo como concepção ética da educação na contemporaneidade.

Destacarei, a partir de referenciais teóricos, o ser humano como o centro da vida e

das diversas relações sociais na pós-modernidade, detendo-me nas categorias que

28

identificam uma educação humanizadora: a ética; a justiça, a ontologia e a dignidade

humana, características dessa educação. Um dos objetivos, portanto, é propor, a partir de

referenciais teóricos, a educação como processo de humanização, a partir de uma

concepção de Humanismo.

O trabalho partirá do enfoque de um homem fragmentado, sem rumo, perdido em

meio a um universo de informações. Um homem tragado por valores de um sistema

neoliberal que absorve e anestesia em troca de uma relativa satisfação de suas

necessidades.

O presente trabalho está pautado na angústia e incompletude humana da sociedade

pós-moderna, saturada tecnologicamente, mas sedenta de seu autêntico ser, na necessidade

de preencher um vazio existencial.

Este trabalho está situado em uma época de globalização, em uma sociedade pós-

moderna. Portanto, vem no sentido de refletir a necessidade de humanizar as tendências

globalizantes possíveis no mundo de hoje. Analisa, dessa forma, uma possibilidade de

menor desigualdade econômica, social e cultural entre pessoas, grupos e instituições, tendo

em vista ser um agravante a redistribuição de renda praticada atualmente no mundo,

principalmente nos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, o que propicia

maiores desajustes e agressões aos seres humanos.

O presente projeto localiza o homem como resultado da história, de uma opção

feita, mecanicista e racionalista. Neste ponto, é preciso “refazer” 12 o caminho, não

ignorando o que foi feito, mas mantendo vivas fontes e referências de possíveis caminhos,

sob pena de repetir os mesmos erros.

Caminhar-se-á ao longo do trabalho no intuito de obter uma fundamentação

histórica para, só assim, ter subsídios. A história é tomada como referencial, como

exemplo e modelo, e como localização em tempo e espaço, possibilitando um confronto

com o “outro”.

O maior incentivo para a realização desta pesquisa vem da minha necessidade de

buscar sempre, pois penso que ninguém alcança um desenvolvimento sem a oportunidade.

Eu quero ter essa oportunidade de desenvolver muitas coisas, principalmente quando me

vejo pesquisando sobre educação, sobre o Humanismo. Isso me envolve e desafia, ao

12 Refazer, no sentido de propor algo a mais diferente, em meio o que existe. Não no sentido de exclusão e extinção do que foi feito, mesmo porque isso seria absurdo: caminhar dentro de uma possibilidade humana, em que indivíduos precisam viver suprindo suas necessidades e de seus semelhantes; propor algo em um sistema que restringe a viabilidade da expressão humana ante o econômico; refazer, num sentido de que um outro mundo é possível.

29

mesmo tempo em que me realiza profissionalmente, pois é algo em que o elemento

humano é determinante e dominante e em que estão presentes símbolos, valores,

sentimentos, atitudes passíveis de interpretação e decisão. Interpretação e decisão que

possuem, geralmente, um caráter de urgência.

A proposta que pretendo investigar está centrada no “tornar -se humano” nas

relações, no “viver humano”. Não se resume a definições, mas refere-se a um modo

fundamental de existir, a um ser que está no mundo.

Pretendo encaminhar a minha pesquisa na perspectiva de uma formação ética e de

uma prática reflexiva, construindo conhecimentos, problematizando e identificando o

Humanismo como um viés para a educação na sociedade pós-moderna, como possibilidade

de promover o ser humano como o fim supremo da vida e do desenvolvimento na agenda

econômica, social e cultural, como está expresso no título deste trabalho: Humanismo: uma

concepção ética da educação na contemporaneidade.

1.4 Metodologia

Esta pesquisa terá como interlocutor um vasto referencial teórico, especificamente

selecionado e altamente qualificado para a compreensão do tema, através do qual buscarei

entender o processo dialético-reflexivo referente ao assunto e sua abordagem qualitativa.

Ao delinear os procedimentos metodológicos, tem-se presente que a pesquisa não é

uma realidade definitiva, mas é um trabalho em processo não totalmente controlável ou

previsível. Adotar uma metodologia significa escolher um caminho, um percurso, sendo

que, muitas vezes, este requer ser reinventado a cada etapa. Precisa-se, então, não somente

de regras, e sim, de muita criatividade, imaginação e dedicação.

Esta pesquisa inscreve-se numa abordagem bibliográfica, de análise de

posicionamentos, pensamentos, sugestões, análise e estudos já feitos no tocante ao tema

educação e Humanismo. Pesquisar é um conjunto de ações propostas para encontrar a

solução para um problema ou a elucidação da questão em estudo. Escolher um tema de

pesquisa significa eleger uma parcela delimitada de um assunto, estabelecendo limites ou

restrições para o seu desenvolvimento.

Nesse sentido, o tema da proposta em investigação transita por vários autores, que

expressam, em suas diretrizes teóricas, a realidade e a esperança de verem a humanidade e

30

a educação terem maior qualidade e dignidade, mais alegria e aprendizagem, encarando o

Humanismo como um jeito de ser, uma maneira de existir, colocando o homem como

centro da vida humana. Para Paviani, “o humanismo não assume aqui uma forma adjetiva,

mas constitui uma ‘realidade ético-ontológica’ um modo fundament al de existir no mundo”

(2000, p.27). Nesse sentido, faremos uso, para compor a revisão teórica, das escritas de

Arno Dal Ri Junior, Celso Ilgo Henz, Cristóvam Buarque, Edmund O’ Sullivan, Eric

Hobsbawm, Fritjof Capra, Gomercindo Ghiggi, Gilles Lipovtsky, Jacques Delors, Jaime

Paviani, Miguel G. Arroyo, Leonardo Boff, Luiz Carlos Bombassaro, Paulo Freire,

Ricardo Rossato, Ricardo Timm de Souza, Zygmunt Bauman, entre outros, na perspectiva

de que a confluência destes contributivos teóricos enseje a compreensão da realidade

acerca da educação humanística.

Percebe-se, através da leitura dos autores citados, que uma das grandes

aprendizagens é saber compartilhar para redescobrir, já que o olhar de pesquisador

vasculha lugares já visitados, sendo importante o modo diferente de olhar, e, ainda, que

pesquisar é uma grande aventura, que exige rigor, criatividade, dedicação e espírito de

busca.

Essa é a nossa perspectiva, na abordagem do tema “humanismo não é uma religião,

é uma razão de viver” (JUNIOR; PAVIANI, 2001, p.23). Tal concepção supõe a imersão

do cientista no seu objeto de investigação, para assim poder captá-lo em sua realidade

cultural e histórica, na medida em que dela participa. Nessa perspectiva, “a construção do

humanismo é, portanto, obra da humanidade inteira aberta e ecumênica” (JUNIOR;

PAVIANI, 2001, p.23); o pesquisador busca visualizar o seu objeto no contexto cultural e

histórico em que ele se situa, considerando também a sua própria história pessoal e

cultural, que vai direcionar a forma como ele próprio percebe os significados e sua

articulação. No processo de compreensão de sentido, sempre há uma “fusão de

horizontes”: o horizonte dos autores da pesquisa, do contexto da análise e o horizonte do

próprio pesquisador, em tensão permanente.

O objetivo, entretanto, reafirmo, não é generalizar, mas compreender significados,

refletindo sobre as suas implicações, na tensão permanente entre igualdade e diferença, no

que é comum e no que é particular, e no horizonte de compreensão do pesquisador e dos

dados bibliográficos pesquisados, entre o contexto cultural específico e os

condicionamentos materiais concretos que a sociedade pós-moderna sofre nesse contexto.

Para trabalhar o Humanismo como opção ética ontológica da educação na

contemporaneidade, entendendo assim uma seqüência lógica, serão desenvolvidos em

31

quatro capítulos. Tome-se o presente capítulo como o primeiro. No segundo, farei uma

retomada sintética da concepção de Humanismo, homem e educação, desde os gregos até a

idade pós-moderna. Nessa trajetória altamente longa e complexa, deter-me-ei nos aspectos

da concepção de Humanismo, de homem e de educação, partindo dos gregos; a seguir,

abordando a Idade Média, com foco no pensamento da igreja no século XIII e, a seguir, a

Idade Moderna, dando ênfase ao Renascimento e ao Iluminismo, além da Modernidade

propriamente dita. Concluindo esse capítulo, abordarei a Pós-Modernidade.

No terceiro capítulo, serão mais detalhadas a Modernidade e a Pós-Modernidade, os

avanços tecnológicos e o negligenciamento do ser humano em relação à sua totalidade.

Será demarcado o lugar do homem, com todas as problemáticas e diversos referencias

teóricos críticos e dialéticos. Os itens, para uma melhor compreensão desse assunto, serão:

o homem, a globalização, a educação. A temática girará em torno da construção de homem

a partir de um período e de uma mentalidade tecnicistas, vindo a priorizar a máquina, a

tecnologia, em detrimento do homem. Nesse capítulo, serão evidenciados os grandes

desajustes sociais, a discriminação e violência praticadas pelo sistema e pelo homem.

Nesse capítulo, tratarei de um homem fragmentado, violentado ética e moralmente por um

sistema econômico, prioriza elementos que causam um desajuste a seu favor, excluindo

uma maioria.

No quarto capítulo, por sua vez, estará sendo abordada a educação frente ao

Humanismo, suas implicações e perspectivas de esperança no resgate da dignidade humana

e valorização do homem. Buscarei identificar, nas Instituições de Ensino Superior (IES) e

nas escolas, um lugar e um espaço ideal de possibilidade de resgate, desde que

fundamentado cientificamente e humanamente, um espaço legítimo de esperança e de

representação. “Gostaria de pensar numa universidade que retorne a falar à sociedade, que

não seja somente um espaço de erudição ou de produção de diplomas e títulos formais para

inserção na vida social. Enfim, uma Universidade que recoloca valores que os projete na

sociedade” (JUNIOR; PAVIANI, 2001 , p.12).

As considerações finais, que finalizam o presente trabalho, trazem algumas

conclusões, decorrentes da trajetória proposta desde o início, a saber, o Humanismo como

opção ética da educação na contemporaneidade. Concluindo ainda, serão sugeridos alguns

itens para reflexão, a partir de uma concepção de Humanismo e de algumas categorias da

educação, eletivas, quais sejam: a dignidade, a ética, e a justiça; para um posterior

aprofundamento, além de novos vieses de busca.

32

2 DOS CLÁSSICOS À PÓS-MODERNIDADE

Os grandes navegadores devem sua reputação aos temporais e tempestades. Epicuro (341-270 a.C.), filósofo grego.

2.1 Os textos clássicos

O momento presente oportuniza uma reflexão sobre como foi o século XX, quais

foram os momentos importantes e suas conseqüências para as gerações futuras. Oportuniza

uma avaliação dos comportamentos humanos, dos conglomerados econômicos e ações

políticas, possibilita ainda ações e configurações para uma ação pautada no humano, como

demonstra a seguinte formulação: “o século XX é a situação sócio -histórico cultural

particular na qual fracassou definitivamente uma espécie de promessa de conciliação,

vigente na raiz do otimismo não do pensamento, mas do próprio logos grego” (SOUZA

apud SOUZA, p.83).

O estudo dos clássicos vem dar sustentação a ações do presente, numa perspectiva

de resgate do homem, como diz Paviani: “portanto, o humanismo latino, como qualquer

conceito, nasce da necessidade de se buscar uma solução para o perigo que ameaça o

homem contemporâneo” (2001 , p.98).

E, nesse sentido, para uma compreensão, faz mister o retorno aos ideais gregos de

educação e de homem, refletindo, assim, o ideal de Humanismo e de mundo. Daí o sentido

de fracasso empregado acima, que vai muito mais longe do que se pensa, pois abrange a

totalidade das repercussões da Paidéia grega, que “com efeit o, foi uma idéia ou ideal de

homem que inspirou todo o conjunto de procedimento práticos e teóricos da genuína

33

Paidéia grega”, (PERINE, 2001, p. 170), expressa na filosofia através de Sócrates, Platão,

Aristóteles e Isócrates, e que aspirava à idéia de homem universal. “Os gregos adquiriram

progressivamente a consciência de que o processo de educação consistia ‘na modelagem

dos indivíduos pela norma da comunidade’” (Idem p. 170), não de forma demagógica, mas

a partir da realidade no convívio da pólis. E as análises de Perini identificam que a idéia de

homem que se revela na Paidéia grega é a do homem político, isto é, sempre vinculado a

uma comunidade, ao mesmo tempo condição para a sobrevivência dos indivíduos e lugar

do exercício efetivo daquilo que os gregos designaram como o específico do homem, a

saber, a sua capacidade discursiva.

A idéia de homem e a idéia de cidade estão, portanto, profundamente vinculadas na cultura grega, e o vínculo entre elas é estabelecido pela educação. Com efeito, era por meio da educação que se podia fazer com que as capacidades naturais se tornassem possibilidades realizadas, isto é, era a educação que permitia que uma concepção da natureza humana, em estado bruto, pudesse ser conduzida a uma concepção da natureza humana tal como ela poderia ser se realizasse a sua idéia ou, o que é o mesmo, o seu telos (PERINI, 2001, p.171-172).

A idéia de homem dos gregos tem sua validade universal e normativa, uma

concepção de que, através da educação (compreendida como formação física e intelectual),

modela-se o indivíduo e tornam-se possíveis diferentes concepções de natureza humana.

Os gregos dão um salto qualitativo na história em sua visão de educação, homem e

sociedade: educa-se para se viver na pólis13.

A idéia de o homem ser um animal político e de que, na política, estariam presentes

as maiores virtudes, além de um sistema de realização social para proporcionar a felicidade

do cidadão, demonstra uma concepção de homem com justiça e equilíbrio.

Fazer política, para os gregos, era uma arte. Em Roma, aparece o Senado, composto

por homens considerados sábios, na prática, proprietários de terra. Nasce a idéia de nação,

estado, cultura, governo, país.

A idéia de homem grego é de homem urbano, de sociedade. Portanto, a seguir serão

trazidos vários legados da história para melhor compreender esse homem e sua ação, um

13 Naturalmente esse não é o pensamento da Grécia e dos gregos, no entanto, há setores dessa sociedade que fundamentam essa idéia. O mundo grego contém divisões e separações do homem livre e do escravo, e entre estes alguns eram cidadãos. Os traços de grandiosidades e de relevância para o mundo de hoje residem em o homem ser o centro, e na existência de filósofos que fundamentam suas idéias no pensamento. Os romanos, diferentemente, mais transmitem do que criam.

34

universo de fatos e atitudes que marcarão a história. Surgirão os pilares da Modernidade,

surgirão na história idéias liberais: “o homem lobo do próprio homem”; “todos contr a

todos”. O estado natural é superado por um estado social, organizado pela razão. É uma

das temáticas em questão a seguir, com o intuito de fundamentar o homem na história.

2.2 Início do renascimento: revisão do mundo grego

O Humanismo é uma doutrina que tem por objeto o desenvolvimento das

qualidades do homem junto ao outro, na multiplicidade, num processo constante. A

doutrina dos humanistas14 do Renascimento, que não surge da noite para o dia, é

proveniente de uma série de fatos sociais, históricos. A seguir, serão enumerados alguns

deles: por exemplo, o Grande Cisma (1378), que debilitou a autoridade da igreja e

favoreceu a Reforma; a Guerra dos Cem Anos (1328-1453); bem como as grandes

Invenções e os descobrimentos geográficos. Observam-se as implicações que provocaram

as invenções, a exemplo da bússola, que propiciou viagens mais arrojadas e conquistas de

novas terras, resultando enormes benefícios à ciência, à técnica e ao comércio. A pólvora

transformou a arte da defesa e do ataque e abriu perspectivas para a indústria, ainda em

embrião. A imprensa e o papel acarretaram sensíveis mudanças no mundo da cultura;

livros passaram a ser impressos e distribuídos, semeando frutos de vida e de morte,

restritos até então aos copistas, e, mais precisamente, à igreja.15 Tais acontecimentos

14 Ultrapassada a grande fase da Filosofia Escolástica, no final do século XIII, começaram as críticas aos exageros dos silogismos de que se valiam os escolásticos e às banalidades dos assuntos por eles explorados. O grande argumento, que dominou os derradeiros tempos desta escola filosófica, foi outro ponto ferozmente alvejado pelos críticos que desejavam maior apelo à razão. Entre a multidão dos estudantes, todos dirigidos pelas universidades religiosas, o espírito de crítica, que já aparecia nas esferas dos próprios filósofos, tomou o aspecto de sátira, toda ela vazada em versos latinos, espalhados por toda a Europa. Estas poesias sensuais, materialistas, cujos temas principais eram o vinho e o amor, levavam também críticas aos filósofos, aos teólogos, não poupando abades, bispos e arcebispos. Foram estas duas correntes, a primeira filosófica, e a segunda literária, que causaram o descrédito da escolástica e prepararam a volta ao paganismo greco-romano. http://www.nomismatike.hpg.ig.com.br/Humanismo.html 15 O aumento dos manuscritos gregos, mas especialmente latinos, copiados e traduzidos, deu início ao grande movimento de curiosidade intelectual por conhecer, através dessas obras clássicas, o pensamento, a cultura e depois os próprios costumes dos pagãos. O trabalho de procura e de tradução passou a ser profissão rendosa e dignificante. Um grande grupo de homens de inteligência tomou a si esta tarefa, constituindo o que depois se chamou os Humanistas. Ao movimento intelectual e artístico se deu o nome de Humanismo. O fundamento etimológico destas duas palavras (humanismo, humanistas) estava em que as obras dos autores greco-latinos, lidando diretamente com seres humanos, procuram interpretá-los, na poesia, no teatro, nos estudos filosóficos e morais, de que a Idade Média havia se afastado, estudando, de preferência, as relações entre o homem

35

preparam a Renascença que, por sua vez, adotou uma concepção do homem e do mundo

baseada na personalidade humana livre e no momento presente. Esta nova maneira de

encarar a vida provocou um tipo diferente de educação, chamada humanista, cujo objetivo

era a formação da personalidade humana, em contraposição à vida proporcionada pela

igreja, nos monastérios, uma vida claustral. Daí o termo humanidades, para designar

estudos preferencialmente humanos, em oposição aos estudos teológicos, relativos ao

divino. Reabilitando as línguas e literaturas antigas, esse retorno convencionou-se chamar

de Renascimento,16 o renascer da cultura greco-romana. Como escreve NERADUA “Trata -

se do afastamento da escolástica medieval e de dar ao homem uma posição central no

universo” (2000 , p.79).

Os fundamentos do Renascimento são, também, o caminho para o Iluminismo,17

visto existir correlação, de muitos séculos, do antigo regime com o sistema feudal, que era

um aparelho estruturado para uma finalidade específica, a partir de vários elementos

internos e externos que o obrigaram a compor uma estrutura, inicialmente para conter as

invasões dos bárbaros18. Tal sistema teve uma desenvoltura na sua estruturação e

conjuntura, chegando a um ápice. Estando no auge, e não existindo mais viabilidade para

sua estrutura, fez-se necessário buscar e criar medidas para conviver com a culminância do

sistema, e dois séculos após o apogeu, marca-se a queda do sistema feudal.

Ao mencionar “queda”, é importante observar q ue, na queda ou passagem, aparece

implicitamente uma nova sociedade que nasce de uma nova ordem econômica que surge,

de um novo homem que emerge. A queda da estrutura do sistema feudal é inevitável.

Também é entendida como transição, pois nasce para uma finalidade específica, para a

cristão e Deus, colocando-o, portanto, em esfera superior, recolocava o homem no seu plano meramente natural, não supranatural ou religioso. http://www.nomismatike.hpg.ig.com.br/Humanismo.html 16 A Renascença abriu as portas para a liberdade, que procurou afirmar-se no terreno estético e, também no religioso. Relacionando-se com este segundo aspecto, surge a Reforma, movimento que principia na Alemanha, no século XVI, e pelo qual parte da Europa contestou a autoridade do Papa e da Igreja Católica (ROSA, 1999, p.139). 17 Corrente de pensamento, também chamada de Ilustração, dominante no século XVIII, especialmente na França, sua principal característica é creditar à razão a capacidade de explicar racionalmente os fenômenos naturais e sociais e a própria crença religiosa. A razão humana seria então a luz (daí o nome do movimento) capaz de esclarecer qualquer fenômeno. Representa a hegemonia intelectual da visão de mundo da burguesia européia e, assim, rejeita as tradições e ataca as injustiças, a intolerância religiosa e os privilégios típicos do Antigo Regime, abrindo caminho para a Revolução Francesa. Tem início no Renascimento, com a descoberta da razão como chave para o entendimento do mundo, e seu ponto alto no século XVIII, o Século das Luzes, difundido nos clubes, salões literários e nas lojas maçônicas. Fornece o lema principal da Revolução Francesa: "Liberdade, igualdade, fraternidade". Fonte: http://www.conhecimentosgerais.com.br /historia-geral/ iluminismo Acesso em: 17 fev. 2005 18 Povos não romanos: vândalos, visigodos, ostrogodos, lombardos, normandos, suevos, borguihões, alamanos, anglo-saxões, hunos, migiares, mongóis, francos.

36

contenção das invasões bárbaras, assim, no momento que a sociedade feudal estava pronta,

estava também superada.

Alguns elementos que contribuíram para a transformação da Idade Média Central

foram o crescimento demográfico proveniente do período de paz, as inovações

tecnológicas para a agricultura, as guerras e o processo de navegação. Dentre as expansões

européias, o principal elemento vem a ser as Cruzadas, de 1096 a 1270, que marcam o

apogeu do sistema feudal, motivadas pelas mesmas razões e mecanismos que levaram ao

seu surgimento: invasões e expansões para difundir e fortalecer um novo sistema

econômico que passa a ser ponto de sustentação para as grandes transformações que irão se

suceder. Analisando criticamente, o processo de invasão ou expansão ganha sentido a

partir da ótica utilizada.

As Cruzadas tiveram um papel importante no desenvolvimento do comércio,

através da reabertura do Mar Mediterrâneo, isto é, proporcionando um renascimento

comercial. Com este, surgiram associações, a exemplo das corporações de ofício, as

“guildas” e “hansas”, corporações municipais e intermunicipais. Outra conseqüência foi o

fortalecimento das feiras e da moeda e a maior circulação de mercadorias, no entanto,

ainda rudimentar e a partir de uma demanda preestabelecida.

A historiografia da Idade Média apresenta-nos duas visões ao mesmo tempo opostas e complementares do século XIII. De um lado, todos os historiadores reconhecem nesse século o zênite e como que o clímax da civilização medieval. Nos cem anos que separam a criação da Universidade de Paris (1200) e os agudos conflitos doutrinais que a sacodem em torno de 1300, o mundo medieval conhece profundas mudanças nos campos econômico, social, político, religioso e cultural. O eixo do poder desloca-se do sacral ao secular. Aos tempos de prestígio de Inocêncio III sucedem-se os atribulados anos de Bonifácio VIII. Doutro lado, essas mudanças, ao mesmo tempo em que atestam a pujança de uma civilização em movimento, alimentam as crises que a encaminharão para seu declínio e seu fim. O século XIII oferece, portanto, duas visões aos olhos do historiador: a da civilização que avança para atingir a plenitude de suas virtualidades criadoras e a da civilização que anuncia, nesse supremo esforço, a exaustão de suas forças.(LIMA, 2002).

Nos séculos XIV e XV, houve a passagem da Idade Média para a Idade Moderna,

em meio a momentos difíceis e crises de retração de crescimento, proveniente de diversos

fatores, entre eles as mudanças climáticas; a fome; a peste negra, que exterminou um terço

da população européia; a Guerra dos 100 anos, no período entre 1337 e 1453 entre França

37

e Inglaterra, que esvaiu as reservas nacionais19. Após esse período, a Europa passa por um

período de relativa tranqüilidade, que gera outros problemas, como crescimento

demográfico, que demanda mais alimento e mais recursos. As soluções para essa carência

vêm a ser buscadas através das grandes navegações, descobrimentos, invenções e do

mercantilismo, desencadeando o início da Idade Moderna.

A Renascença e o Humanismo marcam um novo estilo de vida, uma filosofia cujas

preocupações não se centram em idéias abstratas, mas no homem concreto.20 Nesse

sentido, o cartesianismo21 é um Humanismo enquanto objeto de estudo. Houve muitas

variedades de Humanismo, religioso ou não, mas todas concordam que o homem é o centro

de seu estudo. Como afirmou o escritor latino Terêncio, há mais de dois mil anos: “Sou

homem e nada reputo alheio a mim do que é humano” (NERADAU, 2000, p. 79). O

Humanismo, por sua vez, prega que todas as pessoas têm dignidade e valor e, portanto,

devem fazer jus ao respeito dos outros homens. É um voto de confiança no ser humano.22

O Renascimento foi expressão do momento humanista, que tinha um sentido amplo

e permeava diversas áreas. Portanto o humanismo tinha sentido universalista, e envolvia

não só as letras como também a arte e as ciências. E se poderia dizer que o renascimento

era revestido de cores nacionais.

Emerge uma nova visão do mundo em que o homem, o indivíduo, no sentido mais

genérico, passou a ser o centro das atenções intelectuais. Segundo Aquino,

19 É interessante identificar a compreensão platônica do homem desse período: uma separação nítida entre corpo e alma. Um mundo perfeito, mundo das idéias, e um mundo imperfeito, o humano. A expectativa de vida girava em torno de 30 a 35 anos. A prioridade das pessoas era salvar a alma, o que denuncia amplo e total domínio da Igreja. Tudo isso era favorecido pela sociedade estamental e de ordem, assim composta: a) Clérigos – oratores –, voltados para o mudo espiritual. b) Nobres – bellatores – cuja atividade era a guerra e a segurança. c) Servos – laboratores – que constituíam a força de trabalho, a quem cabia manter toda esta estrutura. As características principais do sistema feudal eram a manutenção de economias autárquicas, voltadas para a auto-suficiência (mas a busca pela auto-suficiência não quer dizer que ela existia); a sociedade estamental ou de ordem; e a descentralização política, que passava o poder para as mãos dos senhores feudais, sendo a Igreja também uma das maiores estruturas deste sistema, zelando pelo legado cultural da escrita, dos estudos, de “contar a história”. 20 Desde o final do século XIV, na Itália, um certo número de homens cultos, os humanistas (da palavra latina humanus: polido, culto), havia se “apaixonado” pela recordação da Antiguidade Greco -Latina. Esforçam-se, assim, por reencontrar e reunir as obras dos autores antigos, quase todas dispersas nos conventos e mosteiros, onde os monges as haviam conservado e copiado ao longo da Idade Média (GIRARDET, R. e JAILLET, P. apud AQUINO, 1993, p.79). 21 Movimento filosófico cuja origem é o pensamento do francês René Descartes (1596-1650), considerado o fundador da filosofia moderna. http://www.algosobre.com.br/assunto/conteudo/cartesianismo. Acesso: 17 fev. 2005. Seu nome latino era Cartesius, daí seu pensamento ser conhecido como “cartesiano” (ARANHA, 1993, p.104). 22 Em um sentido estrito, os humanistas são os letrados profissionais, geralmente provenientes da burguesia, eclesiásticos, professores universitários, médicos, funcionários, por vezes publicistas, a serviço de uma casa editora, que exprimem a tendência da sociedade e lhe fornecem suas ferramentas intelectuais (MOUSNIER apud AQUINO, 1993, p.79).

38

o rígido teocentrismo medieval, que centrava suas atenções na relação Deus-homem, já foi substituído pela glorificação do humano, pela preocupação homem-natureza. As pessoas interessadas nessa ruptura com as idéias medievais buscavam inspiração nas obras greco-romanas para representar seu próprio mundo (1993, p.78). O Humanismo deve ser entendido como um movimento intelectual de valorização da Antiguidade Clássica. Não se tratava, porém, de apenas copiar as realizações do Classicismo Greco-Romano; tal aspecto retiraria ao Humanismo sua maior amplitude. O Humanismo, embora não sendo a rigor uma filosofia, representou um movimento de glorificação do homem, tornado centro de todas as indagações e preocupações. Constituía, em sentido amplo, uma tomada de posição antropocêntrica em reação ao teocentrismo imperante na Idade Média, época de predomínio da Igreja e da nobreza feudal e de posição social subordinada da burguesia. (AQUINO, 1993, p.79).

Em função disso, os humanistas tenderam à valorização da produção cultural da

Antiguidade Greco-Romana, sem que isso queira dizer que pregavam um retorno ao

passado: tomavam-no apenas como fonte de inspiração.

Os humanistas não mais vão aceitar os valores e o modo de vida, enfim, o conjunto

da Idade Média: “O interesse pela Antiguidade era um meio para atingir um fim”. A

Antiguidade representava

aquilo que correspondia aos desejos que sentiam [...] pretendem encontrar nos antigos o homem, considerado como um ser geral, impessoal, universal, que existe, sob a mesma forma, em toda parte [...]. O humanismo é uma técnica da vida cotidiana (MOUSNIER apud AQUINO, 1993, p.79).

O Humanismo teve suma importância, pois conduziu a modificações nos métodos

de ensino, enriquecidos pelo estudo das línguas clássicas (grego e latim) e pela maior

preocupação em estudar a natureza e desenvolver a análise e a crítica na investigação

científica. Igualmente, possibilitou maior conhecimento da Antiguidade, cujas realizações

poderiam servir de modelo nas atividades humanas, seja no campo literário e das artes

plásticas, seja nas instituições políticas e sociais. Além disso, gerou uma renovação

cultural que influiu diretamente no desencadeamento e na evolução do Renascimento.

39

Quero que o homem da Corte seja bem instruído nas letras e que conheça não apenas o latim, mas o grego [...] Que conheça os poetas e também os oradores e historiadores, e, além disso, que saiba escrever em verso e prosa, particularmente nossa língua: além do prazer que terá, não lhe faltarão temas de conservação com as damas [...] Eu o elogiarei também se souber diversas línguas estrangeiras, particularmente o espanhol e o francês, porque o uso de ambas é muito difundido na Itália [...] Quero ainda mencionar mais uma coisa que, visto a importância que lhe concedo, não gostaria de ver esquecida: é a Ciência do desenho e a Arte de pintar. (Segundo Baltazar Catiglione, em O Homem da Corte, de 1528, apud ISAAC, J. e ALBA, A. apud AQUINO, 1993, p.80).

Paralelamente, o estudo do homem e da natureza conduziu ao Renascimento

Científico.

É importante mencionar que o desenvolvimento que acontece no campo filosófico,

juntamente com as demais ciências que o rodeiam nesse período, no Ocidente, ocorre de

forma semelhante no Oriente. A reflexão a seguir aborda esse momento, de forma simples

e rápida, não desmerecendo sua importância, mas visando, ao contrário, lembrar que essas

reflexões também determinaram o rumo da humanidade.

É comum identificar, na Idade Média, um domínio filosófico cristão, chegando-se

mesmo a concebê-la como uma espécie de “idade cristã”. Mesmo privilegiando um campo

de natureza teológica, de domínio da filosofia cristã, a Idade Média produziu, de forma

independente, algumas outras correntes de pensamento. A inovação filosófica diversificou-

se no Oriente, mantendo, porém, o mesmo tópico em comum de inspiração, isto é: as

doutrinas religiosas. Devido a grandes conquistas, à extensão territorial, à diversidade de

povos e culturas, o Oriente garantiu não apenas grande poderio econômico e político como

também riqueza cultural, principalmente na literatura e na filosofia.

Também ocorre conflito entre fé e razão, como no Ocidente: islamismo e judaísmo

se assemelham ao cristianismo. Diversos pensadores buscam uma filosofia própria para

resolver esse problema, obtendo grande êxito.

De acordo com Chalita (2005, p.136), as reflexões que constituíam o pensamento

muçulmano dessa época se fundamentam no conhecimento científico que o islamismo

acumulou ao entrar em contato com diversas culturas. O principal veículo pelo qual os

adeptos da religião de Maomé absorveram o saber dos outros povos foram os textos

antigos, principalmente dos gregos; os pensadores muçulmanos dedicavam-se, com grande

empenho, à tradução das mais variadas obras científicas e filosóficas, cujos temas iam da

metafísica à medicina, passando por lógica, biologia, astronomia, música, entre outros.

40

Essa série de fatores proporciona à filosofia islâmica autonomia em relação às

doutrinas religiosas, tendo grande influência filosófica o pensamento de Aristóteles, por

ocasião da tradução de suas obras. Entre os pensadores islâmicos destacam-se Avicena23 e

Averróis24, e do judaísmo, Maimônides25.

Entre uma das obras mais importantes de Avicena, segundo Chalita, está O cânone

da medicina, que, por sua vez, agrupa teorias sobre o funcionamento do corpo humano e

métodos de cura de doenças, tal como foram propostos por pensadores da Grécia antiga e

do Império Romano; também estão presentes descobertas feitas por médicos muçulmanos

e, em menor número, observações que o próprio Avicena recolheu durante o atendimento a

seus pacientes (2005, p.138).

Ainda segundo Chalita, a principal contribuição de Avicena para o pensamento

medieval é sua doutrina sobre essência e existência. São dois termos que, para a filosofia,

representam categorias muito importantes.

Avicena argumentava que, na origem de tudo que existe, está Deus, o criador de todas as coisas. Somente nele, Ser infinito, onipotente e eterno, essência e existência estariam unidas, porque Ele não tem origem ou, dizendo de outra forma, Ele é a origem de si mesmo (CHALITA, 2005, p.139).

Averróis foi um seguidor de Aristóteles, tornando-se um dos maiores comentaristas

de suas obras. Através de seus comentários sobre a filosofia antiga, integra-a à realidade

social, histórica e religiosa de seu tempo. Ele não defende que os filósofos devam

23 Ibn Siná, conhecido no Ocidente como Avicena (980-1037), passou toda a sua vida na Pérsia, em terras que hoje fazem parte do Irã, no Oriente Médio. Ainda criança, ganhou fama graças à sua memória prodigiosa; era capaz de decorar extensos poemas e textos religiosos inteiros. Seu pai, diante das potencialidades demonstradas pelo jovem, providenciou que ele recebesse uma educação ampla, em ciências e em doutrina religiosa. O jovem Avicena superou as expectativas do pai e dos mestres, dominando diversos conhecimentos sobre medicina, lógica, teologia, geometria e astronomia. Aos 21 anos, já tinha uma sólida reputação como médico, profissão que exerceu em muitas cidades para onde viajou; dessas viagens nasceram vários de seus escritos (CHALITA, 2005, p.137). 24 Nascido em Córdova, na antiga Espanha sob o domínio muçulmano, Abu al-Walid ibn Ruschd, ou Averróis (1126-1198), descendia de uma respeitada família de juristas. Estudou medicina, teologia e, em filosofia, conheceu a fundo tanto as idéias dos pensadores islâmicos quanto a obra dos filósofos da antiguidade grega, especialmente Platão e Aristóteles. Trabalhou como médico particular do califa, de quem ganhou simpatia num curto espaço de tempo, e posteriormente veio a ocupar em Córdova o cargo de juiz, cujas funções incluíam, além de ministrar a justiça, uma significativa parcela de poder de governo sobre a cidade (CHALITA, 2005, p.141). 25 Nascido em Córdova, (1135-1204), Moshe ibn-Maymon, ou Maimônides, pertencia a uma família culta e respeitada pela comunidade local. Ainda criança, já impressionava os seus mestres com a sua inteligência, dentre eles o seu pai, de quem recebeu boa parte de seus conhecimentos de filosofia e teologia. (CHALITA, 2005, p.143).

41

governar, mas sim as pessoas realmente habilitadas a pesquisar e descobrir o mais

verdadeiro e interior significado da vontade divina, expressa pelo texto sagrado e pela

tradição religiosa. Também chama a atenção para alguns contextos de desigualdade,

porém, de forma parcial, e buscando suporte em elementos econômicos. Entretanto, não

pôde sustentar sua filosofia publicamente, pois esta ia de encontro ao pensamento social e

teológico da época.

Maimônides, considerado o maior dos pensadores judeus medievais, procurou

conciliar os princípios religiosos com os conhecimentos e métodos proporcionados pela

filosofia, tendo exercido grande influência tanto no meio judaico como fora dele.

Portanto, assinale-se que o pensamento oriental, mesmo mantendo as inspirações

teológicas para suas construções racionais, muito contribuiu para a difusão do pensamento

grego, com sua arte e filosofia, representando um grande avanço da experiência, isto é, da

ciência.

O Humanismo se origina da vida e do pensamento da Antiguidade greco-romana e

floresceu, como movimento histórico, na Europa, do século XIV ao XVI. Sua abordagem

do estudo do homem formou a essência intelectual da renovação cultural conhecida como

Renascença. A atitude humanista em relação à vida mantém-se até os dias atuais. Começou

com a redescoberta das obras dos clássicos gregos e romanos, desconhecidos na Europa

desde o declínio do Império Romano ou conhecidos apenas em parte e de forma inexata. O

interesse pelos clássicos era um guia para a compreensão da vida, entravando em conflito

com muitos sábios medievais, que pregavam o desprezo pela vida terrena. A compreensão

que se tinha do homem, na época, era como criatura pecadora que deve devotar sua vida a

tentar ganhar o céu. Os humanistas rejeitavam esta visão da natureza pecadora do homem.

Sua maneira nova de encarar a vida durante este renascimento da cultura começou na Itália

do século XIV e espalhou-se pelos demais países europeus até seu ápice, durante o século

XVI, quando o Humanismo já se constituía em uma verdadeira sociedade internacional de

estudiosos.

42

O humanismo e o renascimento [devem ser encarados] como uma “ruptura com os valores medievais”. Podemos afirmar que o Renascimento é “uma cultura urbana e burguesa”, mas suas bases foram lançadas em plena Idade Média. A visão deformada de Idade Média nos foi transmitida pelos próprios renascentistas, que consideravam a Idade Média “uma noite de mil anos”. Ora, é erro grave e ridículo, em termos de ciência histórica, ignorar-se a produção intelectual de qualquer etapa histórica. [...] O humanismo e o renascentismo representam uma reação aos padrões culturais medievais. Ao teocentrismo opuseram o antropocentrismo, à fé contrapuseram a razão, ao espírito de associação defrontaram o individualismo, à religiosidade opuseram o paganismo, o que não pode ser confundido com ateísmo. Isto mesmo, ateísmo, ateísmo é a falta de crença em Deus, atitude que a grande maioria não adotava: os renascentistas continuaram cristãos, embora contestassem a Igreja Católica, um dos baluartes da sociedade feudal (AQUINO, 1993, p.82-83).

Nos séculos XVI e XVII, desabou literalmente a cosmovisão escolástica

aristotélica- tomista, dominante na Idade Média e que mesclava razão e fé, abalada de

forma profunda e irreversível pela Renascença e, mais tarde, pelo movimento cultural

filosófico do Iluminismo26. Nascia então uma nova idade, denominada pelos historiadores

de Revolução Científica, que desvinculou o profano do sagrado, destacando a razão como

valor fundamental, juntamente com a liberdade de pensamento, e erigindo como meta a

bandeira do progresso.27 O método de investigação empírico-indutivo de Bacon, o

raciocínio analítico-dedutivo de Descartes e a Física Clássica de Newton orientam e

modelam a ciência moderna, com sua tendência à quantificação, previsibilidade e controle.

O mundo passou a ser percebido como uma máquina, gigantesca e maravilhosa.

O movimento cultural renascentista ganhou novo enfoque e interesse, vindo a

desembocar no Iluminismo dos séculos XVII e XVIII, inicialmente na Inglaterra, Holanda

e França, dando origem às idéias de liberdade política e econômica defendidas pela

burguesia,28 a nova classe que surge juntamente com alguns filósofos, que se intitulam

como os propagadores da luz e do conhecimento.

26 O precursor desse movimento foi o matemático francês René Descartes (1596-1650), considerado o pai do racionalismo. Em sua obra Discurso do método, ele recomenda, para se chegar à verdade, que se duvide de tudo, mesmo das coisas aparentemente verdadeiras. A partir da dúvida racional poder-se-ia alcançar a compreensão do mundo, e mesmo de Deus. 27 “Aqueles que se entregam à prática sem Ciência são como o navegador que embarca em um navio sem leme nem bússola. Sempre a prática deve se fundamentar na boa teoria. Antes de fazer de um caso uma regra geral, experimente-o duas ou três vezes e verifique se as experiências produzem os mesmos efeitos. Nenhuma investigação humana pode se considerar verdadeira Ciência se não passa por demonstrações matemáticas” (Segundo Leonardo da Vinci, em Carnets, apud DUPÂQUIER, J. e LACHIVER, M. apud AQUINO, 1993, p.84). 28 Aqui, marca-se o surgimento de uma nova classe, com poder econômico, que vem a desempenhar um papel importante, apoiando os reis e o fortalecimento do poder real, bem como a formação dos estados nacionais e sua centralização política.

43

2.3 Iluminismo29

As idéias iluministas caracterizam-se pela importância dada à razão: para tudo há

uma explicação racional; só a razão leva ao conhecimento dos fenômenos naturais e

sociais; a crença deve ser racionalizada. De acordo com os iluministas, as leis naturais

regulam as relações entre os homens, assim como os fenômenos da natureza.

O iluminismo compreende três aspectos diferentes e conexos: 1º extensão da crítica a toda e qualquer crença e conhecimento, sem exceção; 2º realização de um conhecimento que, por estar aberto à crítica, inclua e organize os instrumentos para sua própria correção; 3º uso efetivo, em todos os campos, do conhecimento assim atingido, com o fim de melhorar a vida privada e social dos homens (ABBAGNANO apud FERNANDES, 2003, p.22).

Sem dúvida, o Iluminismo trouxe grandes avanços que, juntamente com a

Revolução Industrial, abriram espaço para a profunda mudança política determinada pela

Revolução Francesa. Algumas de suas características fundamentais vieram a conduzir uma

linha de pensamento após o período de revoltas. A primeira é a valorização da razão,

considerada como principal instrumento para se atingir o conhecimento, adquirido por

questionamento, investigação e experiência; isso tanto da natureza como da sociedade, da

política ou da economia. Tal concepção revela-se uma crítica ao Absolutismo, ao

Mercantilismo, aos privilégios da nobreza. O iluminismo é anticlerical, negando a

necessidade de intermediação entre os homens e Deus, e exigindo a separação entre Igreja

e Estado. Outra característica é a crença nas leis naturais, nas normas da natureza que

regem todas as transformações que ocorrem no comportamento humano, além da crença

nos direitos naturais, que todos os indivíduos possuem em relação à vida, à liberdade, à

posse de bens materiais. De acordo com o Iluminismo, as relações sociais, como os

fenômenos da natureza, são reguladas por leis naturais. Aqui estão presentes os ideais de

29 O Iluminismo surgiu na Inglaterra, em fins do século XVII. Mas sua supremacia ocorreu na França, onde se destacaram Diderot e d’Alembe rt – os enciclopedistas –, que pretendiam fazer uma obra completa dos conhecimentos filosóficos e científicos da época, a Enciclopédia. O Iluminismo expressava os conceitos da burguesia liberal. Os filósofos iluministas eram críticos ferrenhos do Mercantilismo, do Absolutismo monárquico, do clero, da nobreza e, ainda, das concepções religiosas de mundo. Acreditavam que o universo era governado por uma máquina inflexível, sem intervenção divina. (FERNANDES, 2003, p.23).

44

educação de Rousseau30. O ponto de partida do Humanismo de Rousseau é a tese da

bondade humana. Isto contraria um dogma teológico, mas coaduna com os dados da

observação positiva.

O triunfo da razão gerou o racionalismo científico. Dissociou-se o subjetivo do objetivo, prevalecendo o ideal da subjetividade. A ênfase na quantificação conduziu a perda da dimensão qualitativa-valorativa. Reduziu-se o mistério ao comensurável. A ciência desvinculou-se da mística, da filosofia, da ética e estética, da poesia e, de um certo modo, da própria vida. Enfim, o espírito começou a degenerar em intelecto (CREMA, 1989, p.23).

A visão que os teóricos iluministas têm do homem é que ele é naturalmente bom e

todos nascem iguais, sendo corrompidos pela sociedade, em conseqüência de injustiças,

opressão e escravidão. A solução é transformar a sociedade, garantindo a todos a liberdade

de expressão e culto, e fornecendo mecanismos de defesa contra o arbítrio e a prepotência.

A sociedade iluminista deve ser norteada pelo princípio da busca da felicidade.

Cabe ao governo garantir os “direitos naturais”: liberdade individual, direito de posse,

tolerância, igualdade perante a lei. A doutrina do liberalismo político substitui a noção de

poder divino pela concepção do Estado como criação do homem e entregue a um soberano

mediante um contrato, o contrato social. Como a idéia de contrato implica sua

revogabilidade, abrem-se as portas para diversas formas de governo.

Todo morrer é também um renascer. No caso da Idade Média, houve o parto de

uma nova era, denominada Renascença ou Renascimento, traduzida por representações

30 Jean Jacques Rousseau nasceu em Genebra, Suíça, em 28 de junho de 1712 e faleceu em 2 de julho de 1778. Entre suas obras destacam-se: Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens; Do contrato social, e Emílio ou Da Educação (1762). A educação natural, preconizada por ele, encontra-se retratada na obra Emílio, na qual, de forma romanceada, expõe suas concepções, através dos relatos da educação de um jovem, acompanhado por um preceptor ideal e afastado da sociedade corruptora. Essa educação naturalista não significa retornar a uma vida selvagem, primitiva, isolada, mas sim, afastada dos costumes da aristocracia da época, da vida artificial que girava em torno das convenções sociais. Para ele, a educação deveria levar homem a agir por interesses naturais e não por imposição de regras exteriores e artificiais, pois, só assim, o homem poderia ser o dono de si próprio. Outro aspecto da educação natural está na não aceitação, por Rousseau, de uma educação intelectualista, que fatalmente levaria ao ensino formal e livresco. O homem não se constitui, para ele, apenas de intelecto, pois disposições primitivas, nele presentes, como as emoções, os sentidos, os instintos e os sentimentos existiriam antes do pensamento elaborado; estas dimensões primitivas são, para ele, mais dignas de confiança do que os hábitos de pensamento que foram forjados pela sociedade e impostos ao indivíduo. Rousseau trouxe novas idéias para combater aquelas que prevaleciam há muito tempo em sua época, principalmente a de que a educação da criança deveria ser voltada aos interesses do adulto e da vida adulta. Introduziu a concepção de que a criança é um ser com características próprias em suas idéias e interesses, e desse modo não mais podia ser vista como um adulto em miniatura. Com suas idéias, ele derrubou as concepções vigentes, que pregavam ser a educação o processo pelo qual a criança passa a adquirir conhecimentos, atitudes e hábitos armazenados pela civilização, sem transformações. Disponível em: <www.centrorefeducacional.com.br/Rousseau>. Acesso: 18 fev. 2005.

45

artísticas, científicas e filosóficas que resgataram os antigos clássicos; e, mais tarde,

através do movimento cultural filosófico do Iluminismo, nascia uma nova era denominada

pelos historiadores de Revolução Científica. A partir do método de investigação empírico-

indutivo de Bacon, do raciocínio analítico-dedutivo de Descartes e da Física clássica de

Newton, orientou-se e modelou-se a ciência moderna, com sua tendência à quantificação,

previsibilidade e controle, segundo Roberto Crema.

Finalizando uma abordagem histórica, Neradau faz uma análise bem precisa desse

período, tendo Sêneca como grande teórico, segundo quem o pertencer à humanidade é o

ponto comum entre os habitantes deste imenso império. Dizia Sêneca que tal humanidade

também pertencia aos escravos, “nossos irmãos de escravidão”, aos estrangeiros, às

crianças, às mulheres, a todas as categorias que a lei da cidade submetia à superioridade do

homem livre adulto: o único apto à política, à guerra e à reprodução. Neradau esclarece

ainda que talvez nem todas estas idéias tenham sido cumpridas, mas há um mérito na

civilização romana de ter colocado o homem como o centro.

Outro aspecto ainda abordado por Neradau é a dificuldade de implantação do

Humanismo, assim como sua ligação política ao longo dos tempos, desde o mundo

helênico,31 aos romanos e ao mundo europeu no Renascimento. O Humanismo ultrapassa

as contingências, mas ao mesmo tempo protege, por fazer parte da natureza humana.

Cícero afirmava ter duas pátrias: uma pequena, onde nasceu, e uma grande, que era a urbe romana. Sêneca alargará este conceito afirmando ser cidadão do mundo. O humanismo representa estão uma conciliação entre pequeno e grande, entre individual e universal, particularmente delicada se trata de definir a liberdade, o valor mais importante sobre o qual esse se funda. É próprio a esse respeito que no século XIX, Kierkegaard, Jaspers e Heidegger definem uma filosofia da existência, da qual Sartre teoriza os princípios fundamentais com a famosa frase: “a existência precede a essência”. O próprio Sartre tenta fazer desse pensamento um substituto do humanismo no seu ensaio intitulado: “O existencialismo é um humanismo”, mas na passagem de definido a indefinido, desnatura o humanismo que, por vocação, possui a faculdade de superar todos os conflitos de pensamento (NERADAU, 2000, p.81).

31 A era helenística marcou a transição da civilização grega para a romana, em que inoculou sua força cultural. Não se encontra nela o esplendor literário e filosófico do período áureo da Grécia, mas divisa-se um grande surto da ciência e da erudição. Chama-se civilização helenística a que se desenvolveu fora da Grécia, sob influxo do espírito grego. Esse período histórico medeia entre 323 a.C., data da morte de Alexandre III (Alexandre o Grande), cujas conquistas militares levaram a civilização grega até a Anatólia e o Egito, e 30 a.C., quando se deu a conquista do Egito pelos romanos. Grande parte do Oriente Antigo foi então helenizado e assistiu-se a uma fusão da cultura grega, revitalizada nas áreas conquistadas, com as tradições políticas e artísticas do Egito, Mesopotâmia e Pérsia. Depois da morte de Alexandre, a transmissão da cultura grega persistiu nos grandes centros urbanos, embora sofresse influência dos costumes orientais. Fonte: http://www.nomismatike.hpg.ig.com.br/ Grecia/Helenismo.html. Acesso: 16 fev. 2005.

46

O Humanismo direciona a atividade humana ao respeito e à dignidade do homem, à

valorização do existir, do ser. O ser humano se define como um ser que está no mundo,

que vive uma determinada circunstância sócio-econômica e histórica. A existencialidade

tem de conviver com o indeterminado, a vida é um salto no escuro, a existência implica

conviver com o indeterminado, com o desconhecido.

2.4 Das humanidades

2.4.1 Conceituação de Humanismo

A teoria que fundamenta a abordagem do problema levantado está reunida neste

capítulo, oriunda de um levantamento bibliográfico sobre o significado de Humanismo e

de educação na perspectiva da emancipação humana.

Os conceitos que definem Humanismo e educação, que compõem este marco

teórico, constituirão os recursos necessários para se analisar o homem na sociedade pós-

moderna. O empenho em perscrutar os estudos de alguns teóricos do Humanismo, do

homem e da educação, pretende uma explicitação consistente do tipo de ser humano que

está sendo formado a partir de uma concepção de homem e mundo e das tendências do

mundo moderno.

A reflexão sobre a dimensão humana na Pós-Modernidade exige, de imediato, uma

definição de Humanismo. Historicamente, o Humanismo (do latim humanitas) é

considerado um movimento intelectual que surgiu no Renascimento, protagonizado, dentre

outros, por Erasmo de Roterdã e Tomas Mórus, opondo-se à “esclerose da filosofia

escolástica”. 32 Baseando-se na civilização greco-latina, buscou, de acordo com Japiassu e

Marcondes (1999), com grande esforço, expressar a dignidade do espírito humano e, com

isso, inaugurou-se um movimento de confiança na razão e no espírito crítico. Ainda

segundo esses autores: 32 Filosofia escolástica: “Maneira de pensar e método didático que dominou a educação cristã entre os séculos XI e XV. Sua principal figura foi São Tomás de Aquino. Os escolásticos, de quem o movimento recebeu o nome, eram os eruditos das primeiras universidades européias. [...] O método escolástico levou a uma confiança cada vez maior no formalismo - primazia da forma sobre o conteúdo -, que mais tarde foi considerada a maior fraqueza do método” (ROHMANN, 2000:134 -135).

47

Por uma espécie de deslocamento, o termo “humanismo” tomou dois sentidos particulares: a) na filosofia, designa toda doutrina que situa o homem no centro de sua reflexão e se propõe por objetivo procurar os meios de sua realização; b) na linguagem universitária, designa a idéia segundo a qual toda formação sólida repousa na cultura clássica (chamada de humanidades). Numa palavra, o humanismo é a atitude filosófica que faz do homem o valor supremo e que vê nele a medida de todas as coisas (1999, p.132).

Uma das formas da compreensão do Humanismo é voltar ao passado, aos gregos e

romanos, isto é, aos textos clássicos, nos quais se tem a primeira idéia de Humanismo. “O

conceito de Humanismo surge da paidéia grega e romana como uma noção única e

verdadeira”, desdobrando -se, com a modernidade, em vários humanismos. Como diz

Bombassaro:

Humanitas é a palavra latina usada para traduzir o termo grego paidéia. Trata da formação e do desenvolvimento de um processo civilizatório. Há sempre um sentido pedagógico na raiz semântica da própria palavra humanitas, quer estejamos nos referindo à cultura latina antiga, quer façamos referência à experiência civilizatória da Renascença. Humanitas é o nome que designa o modo constitutivo pelo qual se pode compreender a experiência da formação da cultura, do desenvolvimento e do aperfeiçoamento da experiência humana (2001, p.68).

O termo Humanismo tem uma diversidade de compreensão, assim como também

ganhou vários significados com o passar do tempo, em determinados momentos pela falha

no entendimento, em outros pelas análises tendenciosas. Enquanto análise negativa, a

maioria das vezes se tentou incutir um caráter ideológico e de dimensão metafísica. Paviani

diz que essas críticas não fazem justiça à dimensão histórica do Humanismo. Seja qual for

o conceito usado, o Humanismo sempre defende a dignidade da pessoa humana através de

pensamento emancipatório. Segundo Bombassaro “o termo humanismo é muito mais

recente. Surgiu somente no inicio do século XIX, para designar um modo de pensar o

humano, uma determinada forma de compreender a experiência humana” (2001 , p.68).

Para melhor compreender, não se detendo em levantamentos de forma simples e

supérflua, Paviani defende a necessidade de uma crítica ao pensamento filosófico

humanístico de matriz greco-romana, questionando se, ao tentar tirar o homem da

“barbárie”, não o conduz para uma domesticação. “ Assim, humanista pode indicar um

mero sonhador, um conservador, alguém que não se adaptou à realidade contemporânea.

Pode indicar alguém que não aceita o progresso, que lamenta o processo de globalização e

48

que ainda vive um ideal metafísico superado pela prática histórica e social do homem

ocidental” (PAVIANI, 2003 , p.10).

Tais equívocos relativos à compreensão do Humanismo podem vir a prejudicar uma

orientação das ações em favor do humano em todos os setores sociais de ação. Para tal, não

pode ser pensado como uma ação metafísica, ideológica ou abstrata, distante ou isolada

dos problemas que cercam o homem em seu dia-a-dia, mas, como diz Paviani “nasce da

necessidade de se buscar uma solução para o perigo que ameaça o homem contemporâneo”

(2003, p.11). E, ainda nesse sentido, para uma melhor compreensão do termo como um

jeito de ser:

Temos assim, que o surgimento do humanismo não tem a ver com o uso da palavra que o designa, mas sim com um determinado modo de compreender o humano, com uma reflexão sobre o humano que se consolida como um saber. Desse modo, o humanismo é depositário de um acervo de conhecimento sobre o modo de viver humano elaborado ao longo do tempo, no discurso da história. Como tal, ele guarda aquilo que pareceu mais característico do homem (BOMBASSARO, 2001, p.69).

A partir do exposto por Bombassaro, pode-se compreender o Humanismo como

uma determinada visão de mundo, um jeito de compreender o que há de humano no

mundo, uma forma que transparece valores, um modo de ser, capaz de orientar a própria

ação do homem numa determinada época e numa determinada cultura, “um modo

fundamental de existir no mundo” (PAVIANI, 2000, p.27).

2.4.2 Humanismo e contemporaneidade

Repensar o Humanismo hoje é uma forma de conceituá-lo a partir de uma

reconstrução dos textos clássicos, visto ele estar hoje impregnado de adjetivos e

significados finalistas. Portanto, repensá-lo a partir dos textos clássicos é “tecer os

elementos que constituem a noção de dignidade e de liberdade do ser humano”. Sem

dúvida, ao mencionar dignidade e liberdade do ser humano se está entrando em um

universo altamente complexo nos dias de hoje, e que demanda uma profunda análise e

compreensão para que não seja confundido com aspectos ideológicos. Portanto, uma

49

“análise hermenêut ica dos clássicos, da paideia grega, é indispensável”. Como afirma

Kierkegaard, o passado é importante para compreender a vida, o futuro é importante para

vivê-la (apud PAVIANI, 2003, p.19).

Outro elemento que terá uma influência marcante na conceituação do Humanismo e

sua compreensão é a globalização, esse fenômeno absorvido pela sociedade, que deve ser

analisado criticamente, visto não serem possíveis posicionamentos meramente contrários

ou favoráveis a ela. A globalização exerceu papel de alargamento de possibilidades,

permanecendo, no entanto, o grande desafio da redução da desigualdade e do

individualismo, características mais visíveis do processo.

A presença da globalização em nossa época aponta para um processo de expansão e de uniformização política e econômica sustentado, em grande parte, pela força militar e por agentes financeiros internacionais que se situam além da autonomia dos Estados Nações. Caracteriza-se, igualmente, pelo avanço científico e tecnológico que beneficia uma parcela da humanidade, mas também acelera as diferenças econômicas e sociais. Finalmente, entre os problemas da globalização destaca-se a padronização cultural e dos valores das comunidades que tendem a sucumbir aos interesses ideológicos dos meios de produção e de comunicação. Desse modo, põe-se em questão a especificidade antropológica que plasma a formação humana de cada povo (PAVIANI, 2000, p.25).

Sendo a globalização uma tendência em certos aspectos irreversível, o Humanismo

tende a ser um objeto de reflexão e de mobilização de responsabilidade moral, ético e

cultural, com ações que visam desenvolver um lugar central do homem no universo.

Para compreender, o homem precisa levar em consideração as circunstâncias que o

cercam, “o ser humano não é humano, ele se torna humano. Nesta diferença básica entre o

ser e o tornar-se reside o próprio sentido do humano” (BOMBASSARO , 2005, p 04).

Portanto, a compreensão do humano, o sentido do humano exige uma “hermenêutica dos

atos humanos”, uma compreensão da essência do homem, investigando como ele age no

mundo, como é a relação do próprio com o outro. A compreensão do humano é o ponto

central da concepção humanística, a temática central do Humanismo.

Segundo Bombassaro, a compreensão do sentido do humano está fundada em

princípios que o fundamentam, sendo o primeiro deles a defesa de um princípio básico que

se traduz na aceitação, no reconhecimento e na valorização da divindade pessoal e cultural.

“O conceito de Humanismo pressupõe uma concepção do humano como centro da vida da s

50

relações de produção e de comunicação, das relações entre os indivíduos e as sociedades”

(BOMBASSARO, 2000, p.27).

Essa compreensão, num sentido crítico do Humanismo, vem a ser uma contribuição

necessária na era da globalização, com a premissa fundamental de que o Humanismo é um

“modo fundamental de existir”, “um ser que está no mundo”. Projeta -se aí um ideal

humanista capaz de promover o ser humano como o fim supremo da vida e do

desenvolvimento da agenda econômica, social, e cultural. Para Paviani, “o humanismo não

assume aqui uma forma adjetiva, mas constitui uma ‘realidade ético-ontológica’, um modo

fundamental de existir no mundo” (2000 , p.27).

2.4.3 Homem

A filosofia, as instituições e as organizações atuais buscam um lugar do homem no

nosso tempo, uma redefinição, uma nova concepção de homem; e é imprescindível um

voltar-se sobre ele, visto este ser o pivô central da dissertação: em torno dele desenvolve-se

toda a temática histórica. Com ele, para ele e por ele se cometeram, ao longo da história,

ações louváveis e absurdas. E a história do homem é dinâmica e evolutiva, partindo de

mitologia, Deus, pensamento, razão: ela não tem um início e um fim, está em franco

crescimento; podemos compará-la à Internet, sistema integrado e planetário.

Para Aristóteles, o homem “é um animal racional”, “um animal político”, esta é

uma das grandes contribuições que os gregos deixaram para o mundo ocidental, esta

concepção de homem, essa visão dinâmica e inserida em um plus cultural.

O século XX é de um racionalismo extremo, o homem vive dentro de um sistema

bancário: casa, empresa, escola. Em seu dia-a-dia, tudo está composto em um sistema,

obedecendo a uma série de programas para desempenhar determinadas atividades que irão

“organizar”, “nortear” e “conduzir” as atividades ao longo do dia, sem as quais ele entra

em “pânico”. O homem não consegue mais viver fora do sistema, este está tão presente que

ele não se dá conta.

Tudo é feito em nome de um sistema racional: sistema planetário, sistema terra,

sistema biológico, físico, químico, matemático, não é mais possível viver fora da

cientificidade, mas isso não dá conta do homem, não completa, não satisfaz. Vive-se em

uma sociedade tecnicamente perfeita, mas que é finita enquanto perspectiva para o ser

51

humano, não se vislumbram possibilidades de um desenvolvimento vertical completo no

modelo mecanicista tecnológico em execução que está posto. Vive-se uma crise de crença

religiosa como nunca dantes vista no mundo. Em que se acredita hoje?

Estamos em uma fase da história da vida humana em que se evidenciam estruturas

desumanas, e isso, na maior parte, em decorrência do que se acredita, do que se busca

como essencial e necessário para a vida. No entanto, existem coisas que são definidas e

que se aprendeu a relativizar, como por exemplo o valor da vida humana.

Basta abrir o jornal, folhear uma revista, ouvir um noticiário, conversar com

pessoas de diversos meios, para verificar os diversos desajustes sociais, a injustiça, a

insatisfação que se manifestam nas ações do homem. A violência é companheira constante

e presente nas mais diversas esferas sociais. O planeta está à beira de um caos total, as

guerras retratam a angústia do homem, o tédio se instalou plenamente como uma poeira

que está em todo lugar, sustentado pelo sentido que o indivíduo dá à vida, no sentido de

existir. Conclui-se que é uma fase em que a dignidade da pessoa humana está sendo

banalizada.

Nada do que se faz à pessoa humana é indiferente, tudo o que se diz do humano

interessa e, a partir desta compreensão de mundo, faz-se a humanidade. “Diante disso, o

desafio maior do Humanismo é reafirmar de forma teórica e prática a dignidade do

homem, mas principalmente do outro, reconhecer a alteridade. Assim, como os velhos

humanistas, precisam pensar um humanismo para nossa época” (PAVIANI, 2000 , p.35).

Nesse sentido, também Neradau afirma que “a ciência é concebida como meio para

melhorar a vida na terra, antes de ser o que é. Mas, num segundo momento, é uma

manifestação exaltante do gênio humano. A fórmula de Rabelais: ‘ciência sem consciência

nada mais é que a ruína da alma’ consagra como infinitos os limites da pesquisa científica;

o mesmo vale para a atividade econômica” (2000 , p.81). Um ser humano que está inserido

no mundo com todas as suas peculiaridades e dinamicidade circunstanciais e planetárias

não pode perder de vista os objetivos da ética e da dignidade, que não se concretizarão

sozinhos e a esmo: isso se dará em um processo integrado, que será visto mais

precisamente no terceiro capítulo, quando abordar-se-á a educação e sua ação junto ao

homem.

Na análise sistemática do mundo moderno, o homem se encontra muitas vezes

tragado por um ativismo automático, isto é um fazer sempre não se atendo a seu sentido,

resposta de um sistema mecanicista, racionalista e individualista. É um conjunto de forças

do mundo globalizado que move o homem em aspirações solitárias e compensatórias, o

52

consumir, o ter suplantando o ser. E isso só é possível devido os espaços vazios deixados

pela diversidade e fragmentação, e as profundas mudanças nas concepções éticas. Portanto

o homem ao ser tragado pelo conjunto de forças do mundo contemporâneo assimila os seus

valores e postura da época, pelo simples fato de contínua e complexa atividade de aprender

e ser sempre, a incompletude humana. Por fim há que se ater no fato da subordinação do

homem pela máquina, pelos diversos sistemas e pelo sistema de comunicação, mais

precisamente pela televisão, que proporciona uma vida irreal, ocasionando períodos de

fuga, em uma forma de despir o indivíduo de seu aspecto humano, crítico e ilimitado.

Séculos atrás, a fuga estava contida e expressa no tabaco. No século XX, o uso das

drogas se espalhou por diversos países, é comum nas mais diferentes culturas. Diz-se que

Hobbes se drogava quando se deparava com a miséria humana. Para Teodoro Adorno,

“vivemos em um mundo administrado”, as coisas se modificam, existe uma evolução, a

máquina ensina o homem a ser humano. Basta olhar para as ações e resultados, basta

refletir sobre os passos dados ao longo da história, para percebermos ações insólitas que

possibilitarão uma profunda reflexão e mudanças de nossas ações. Mas essa questão será

melhor abordada no próximo capítulo, quando será tratada de forma mais precisa a

complexidade do homem em um processo de relação e educação.

Este momento vivido pelo homem, essa miséria humana revela uma crise de idéias

e de projetos que já começara com Descartes, a partir de sua idéia de separação de

Deus/homem/mundo. A sociedade “perfeita” que se estrutura na mode rnidade e no capital

é desumana. Em contraposição a isso, existe uma sociedade a ser feita, alicerçada na ética,

por meio da educação.

A verdadeira descoberta da modernidade é o Cogito cartesiano, a idéia de sujeito

que, aos poucos, transforma o poder de autodeterminação do indivíduo sobre o mundo

físico em autodeterminação dos povos.

Segundo Paviani (2000, p.32), uma vez que o humano se constitui enquanto

linguagem, diálogo, a prática democrática é o modo mais eficiente de renovar as

instituições, atualizar o ordenamento social, criar novas formas de prática política e

atender, ao mesmo tempo, à liberdade dos indivíduos e às necessidades sociais. O diálogo

que a democracia torna possível protege as identidades que a globalização tende a sufocar.

53

2.5 Racionalidade moderna

Neste momento é exposta, mais precisamente, a construção da racionalidade

moderna, fundamental para compreender as raízes da fundamentação contemporânea.

A expressão Humanismo, na sua origem, vincula-se à confiança na razão e no

espírito crítico. Isto impõe a necessidade de se determinar o significado de razão ou de

racionalidade, visando explicitar o entendimento de Humanismo através do qual serão

feitas as análises deste estudo. Habermas (1993, p.45) refere-se a Max Weber como sendo

o pensador que introduziu o conceito de racionalidade, entendendo que trata de uma “ação

racional relativamente a fins”. O que vem a ser uma ação racional com relação a fins? Que

é racionalidade para Weber? O que é ação social na concepção weberiana, a partir da qual

o conceito de Humanismo, historicamente ligado à racionalidade, possa ser explicitado?

Partindo das considerações acima mencionadas, faz-se mister levantar aspectos da

racionalidade da ciência moderna presentes nos trabalhos de alguns de seus fundadores e

nos principais problemas por eles discutidos. A esse respeito, far-se-á menção às

contribuições científicas de Bacon, Descartes e Galileu, a cujos estudos a racionalidade da

ciência e tecnologia modernas é por demais devedora. Não é objetivo do presente trabalho

explorar à exaustão a obra daqueles pensadores, mas avançar, nesta pesquisa, passando ao

largo dos referidos fundadores pode comprometer a qualidade da análise que se pretende

levar a cabo.

O filósofo Francis Bacon (1561-1626) exerceu grande influência sobre os destinos

tomados pela atividade científica nos tempos modernos. Suas propostas metodológicas

para a investigação científica comportam tal importância que, amiúde, tornam-se objeto de

reflexões para o entendimento da racionalidade da ciência moderna. Japiassu (1995)

atribui-lhe o papel de arauto mais significativo da aurora da modernidade, seu profeta mais

importante, um precursor do domínio do ser humano sobre a natureza, o primeiro a lançar

as bases da filosofia e da ciência moderna:

o primeiro a propor um método susceptível de libertar o pensamento da esterilidade dos métodos escolásticos de pensar e a indicar as razões pelas quais devemos conhecer: dominar a Natureza pelo saber, a fim de converter nosso conhecimento em algo útil e proveitoso para a vida dos homens. Muitos o consideram o inventor do método experimental indutivo, conseqüentemente, o fundador da ciência moderna, apoiada numa concepção empirista da Natureza (JAPIASSU, 1995, p.5).

54

O comentário de Capra (1998) sobre Bacon assinala que o “espírito baconiano” deu

novo rumo à investigação científica. Afastando-se da visão contemplativa da ciência, vinda

dos antigos e caracterizada pela busca da sabedoria, da compreensão da ordem natural e a

harmonia com ela ou da maior glória de Deus, Bacon altera substancialmente estes

objetivos, projetando como novo horizonte o domínio da natureza.

Já nos primórdios da ciência moderna aparece a preocupação de tornar idênticos o

saber e o poder, tendo sido Francis Bacon seu destacado defensor. Seguindo explicitação

de Japiassu (1995), nota-se que a matematização da natureza que começa a acontecer

naquele momento possibilita a previsão e a aplicação rigorosa dos princípios daí derivados

às coisas. Torna-se importante converter em ação os conhecimentos que vão surgindo,

implicando nisso o esforço de dominação, de apropriação. Assim, a ciência acaba

alastrando-se para as esferas do poder político, que dela passa a se apropriar, tendo em

vista a utilização pragmática destes saberes, em função da administração no trato da

atividade política e dos negócios.

No início da ciência moderna, os inovadores ojerizavam o saber estabelecido a partir

da tradição grega, o saber contemplativo (theoria), contra o qual propunham o saber ativo

(techné). Os iniciadores da ciência moderna almejavam a um saber que revertesse a antiga

mentalidade, para a obtenção de benefícios práticos.

No século XVII, prossegue Japiassu (1995), os velhos professores universitários,

embebidos da mentalidade aristotélica sobre a ciência, passaram ao largo das discussões

levantadas por Bacon no sentido da ciência experimental, que teve o seu sucesso através de

Galileu e das formulações elaboradas por Descartes. Tais professores permaneceram

vinculados à mentalidade teorética ou contemplativa de ciência, que estaria reservada aos

homens livres, produtores das chamadas obras liberais; contrariamente a isso, havia a

técnica, que correspondia aos empreendimentos dos artesãos, produtores das obras

“servis”. O preconceito dominante rezav a que a técnica ou atividade dos artesãos, a techné,

era inferior à theoria: conseqüentemente, “assim como a técnica é inferior à ciência, da

mesma forma o artesão é inferior ao homem livre” ( JAPIASSU, 1995, p.75).

Tal preconceito atávico atrapalhou o sucesso perseguido pela moderna ciência, que

contava com a matemática e a teoria mecanicista para abordar a natureza, dominá-la e

transformá-la, nos moldes das indicações de Bacon. Portanto, a resistência encontrada

pelos espíritos inovadores constituiu-se em notável dificuldade, que demandou a criação

de espaços alternativos para contornar os obstáculos.

55

Os pioneiros da nova ciência driblaram os entraves a partir do apoio encontrado em

instituições e organizações abertas às suas propostas. A bem sucedida participação da nova

ciência nos projetos náuticos e na arte militar permitiu vislumbrar-se a aplicabilidade dos

conhecimentos científicos na atividade comercial.

Ao tempo em que Galileu desenvolvia prodigiosos experimentos na Itália, Bacon

registrava, na Inglaterra, o método empírico da ciência. Mas a paternidade da ciência

moderna é atribuída a Galileu: foi ele o primeiro a combinar a experimentação científica

com a linguagem matemática para formular as leis da natureza que ia descobrindo

(CAPRA, 1982), como se evidencia deste texto do próprio Galileu:

A filosofia encontra-se escrita neste grande livro que continuamente se abre perante nossos olhos (isto é, o universo), que não se pode compreender antes de entender a língua e conhecer os caracteres com os quais está escrito. Ele está escrito em língua matemática, os caracteres são triângulos, circunferências e outras figuras geométricas, sem cujos meios é impossível entender humanamente as palavras; sem eles nós vagamos perdidos dentro de um obscuro labirinto (GALILEU, 1991, p.21).

Constata-se que René Descartes (1596-1650) viveu na mesma época de Bacon e

Galileu e se envolveu ativamente com os novos interesses que atraíam a curiosidade do

pensamento humano; usualmente considerado o fundador da filosofia moderna, somou

seus esforços ao conjunto das investigações daquele período, e contribuiu para a

sedimentação do antropocentrismo.

Miccinilli (1976, p.41, apud QUEIROZ, 2001, p.28) observa que, “a partir de

Descartes, Deus e sua existência dependerão do ‘cogito’ subjetivo e assim também o

mundo”. A partir do “cogito”, “o homem deixa de ser considerado como criatura, como

filho de Deus, para ser considerado como Sujeito, como artífice de qualquer criação

histórica”. A atmosfera cultural em que se inseriu esta personagem é lembrada por

Cottinghan:

56

Descartes nasceu em 1596, uns cem anos depois de Colombo ter descoberto a América, uns setenta anos depois de Magalhães ter circumnavegado o globo e uns cinqüenta anos depois da publicação do De Rebolutionibus Orbium Celestium, no qual Copérnico declarara que a Terra gira diariamente sobre o seu eixo e roda anualmente em torno de um Sol central. Morreu em 1650, uns quarenta anos antes de Newton ter formulado as leis da mecânica e da gravitação universal, uns 100 anos antes das experiências de Franklin com a electricidade e uns 150 anos antes de Francis Dalton ter publicado a sua teoria atômica dos elementos (1986, p.13 apud QUEIROZ p. 29, 2001).33

A filosofia de Descartes caracteriza-se pela hiper-valorização da razão, do

entendimento, do intelecto. A razão, com suas próprias forças, poderia chegar a descobrir

todas as verdades possíveis. Além disso, ele estabeleceu uma separação entre o corpo e a

consciência, admitindo dois domínios: o da res extensa e o da res cogitans (substância

extensa e substância pensante, respectivamente). O corpo (res extensa) torna-se objeto de

estudo da ciência, devido às suas propriedades materiais, que o sujeitam às leis

deterministas da natureza; a mente (res cogitans), por sua vez, torna-se objeto da reflexão

filosófica. Descartes enfatiza, ainda, a matematização da realidade, isto é, “usar o seu tipo

de conhecimento, que é completo, inteiramente dominado pela inteligência e baseado na

ordem e na medida, permitindo estabelecer cadeias de razões” (ARANHA; MARTINS,

1993, p.105).

Capra destaca o significado e o alcance da filosofia cartesiana para os séculos

posteriores:

Para Descartes, o universo material era uma máquina, nada além de uma máquina. Não havia propósito, vida ou espiritualidade na matéria. A natureza funcionava de acordo com leis mecânicas, e tudo no mundo material podia ser explicado em função da organização do movimento e de suas partes. Esse quadro mecânico da natureza tornou-se o paradigma dominante da ciência do período que se seguiu a Descartes. Passou a orientar a observação científica e a formulação de todas as teorias dos fenômenos naturais, até que a Física do século XX ocasionou uma mudança radical.Toda a elaboração da ciência mecanicista nos séculos XVII, XVIII e XIX, incluindo a grande síntese de Newton, nada mais foi do que o desenvolvimento da idéia cartesiana. Descartes deu ao pensamento científico sua estrutura geral - a concepção da natureza como uma máquina perfeita, governada por leis matemáticas exatas (1982, p.56).

33 A viagem de Colombo efetuou-se em 1492; a circumnavegação de Magalhães, em 1522; De Rebolutionibus, de Copérnico, apareceu em 1543; Principia, de Newton, 1687; as experiências de Franklin realizaram-se em 1752; a teoria de Dalton foi publicada em 1808 (Nota de COTTINGHAM p. 13).

57

Preocupado em construir uma ciência natural completa, como demonstra Capra,

Descartes aplicou sua concepção mecanicista da matéria aos organismos vivos. A partir

dessa premissa, vegetais, animais e seres humanos passaram a ser considerados simples

máquinas. O ser humano seria uma máquina especial porque dotada de uma substância

pensante, a alma racional, ligada ao corpo através da glândula pineal, alojada no centro do

cérebro. Mas o corpo humano não passava de uma máquina animal. Na época de

Descartes, a fabricação de relógios atingira notável perfeição e ele utilizou-os como

metáfora dos corpos dos animais.

Avaliando a influência do pensamento de Descartes sobre a ciência, Capra estima

que “seu método de raciocínio e as linhas gerais da teo ria dos fenômenos naturais que

forneceu embasaram o pensamento científico ocidental durante três séculos” (1982, p.58).

Este pensamento base vai nortear e construir uma nova concepção de homem e de

mundo, vindo a dar sustentação à ostentação científica e tecnológica nos séculos seguintes.

Após ter prevalecido por mais de três séculos, a cosmovisão moderna, sustentada por esse

paradigma, encontra-se decadente sob o peso de suas próprias contradições e incapaz de

responder aos novos desafios.

A concepção moderna de mundo, racionalista, mecanicista e reducionista, deixa um

lado sombrio, uma atitude fragmentada, geradora de alienação e conflitos. Esse

pensamento moderno impõe uma moral laica, o homem é o centro de seu próprio destino,

construtor das instituições e realizador da ordem social, não natural como pensavam os

antigos, nem produto da vontade divina como afirmavam os medievais.

É inegável que o último século tenha sido palco de um notável e extraordinário

progresso científico e tecnológico, que determinou um ritmo acelerado de mudanças

sociais, não de forma solta e casual, mas como resultado de esforços conscientes.

O capítulo seguinte abordará a dinâmica contemporânea, que, evidentemente, será

exposta de forma breve, mas que, no entanto, é indispensável para a compreensão da

temática humanística proposta.

58

3 HUMANISMO, GLOBALIZAÇÃO/PÓS-MODERNIDADE E EDUCAÇÃO

Nenhum ser humano é uma ilha... por isso não perguntem por quem os sinos dobram. Eles dobram por cada um, por cada uma, por toda a humanidade. Se grandes são as trevas que se abatem sobre nossos espíritos, maiores ainda são as nossas ânsias por luz. (...) As tragédias dão-nos a dimensão da inumanidade de que somos capazes. Mas também deixam vir à tona o verdadeiramente humano que habita em nós, para além das diferenças de raça, de ideologia e de religião. E esse humano em nós faz com que juntos choremos, juntos nos enxuguemos as lágrimas, juntos oremos, juntos busquemos a justiça, juntos construamos a paz e juntos renunciemos à vingança. (Leonardo Boff, teólogo brasileiro)

O objetivo do presente capítulo é fazer uma releitura da educação humanística a

partir de diversos tópicos a serem abordados, possibilitando, assim, um apanhado geral das

ações do homem. Isso possibilitará listar elementos para, em um terceiro momento,

trabalhar as bases e condições necessárias para que ocorra, de fato, uma educação pautada

no Humanismo, que venha a considerar o homem na sua totalidade. Parte-se do particular,

das partes, para chegar a um todo, concebendo que o todo é maior que as partes, como

também a parte é maior que o todo na sua especificidade e em sua profundidade de

abordagem.

Com isso, se expressa um pensamento de valorização dos aspectos isolados, das

construções soltas e individuais, sem expressão, uma vez que a ótica do sistema capitalista

globalizante é outra, mas contendo um poder reflexivo e transformador. Será um capítulo

pigmentado de fatos, expressando-se, através destes, os valores humanos, dando a idéia de

que falta sempre algo, num sentido que o homem está sempre em um processo de

formação, de que o ser humano é como um ser inacabado. Esse algo pode ser entendido

nesse contexto como a ética, a educação ética, a educação humana, que estará presente em

um momento seguinte, ficando, em muitas situações, esquecida e relegada a um segundo

plano.

59

Neste sentido, será feita uma análise educacional refletida a partir de parâmetros

críticos, uma educação para toda a vida, que acontece ao longo desta: dialética, ciente das

ideologias dominantes de nosso tempo, que tendem a massificar e criar desejos comuns,

uma uniformidade de pensamento e de comportamento simplistas.

A análise da globalização é fundamental para conceituar o homem dentro dessa

nova realidade, podendo, assim, entender melhor algumas ações e qual a formação

necessária para o momento. Ao pontuarmos o momento, tendo a história social e política

como parâmetro, o conceito de globalização vai divergir no transcorrer dos acontecimentos

e também a partir do viés analisado, a educação humanística. Há que se ter em mente que a

globalização é um fato, não tem volta, está presente, totalmente ou em parte, em todos os

lugares. Faz-se necessário buscar novas formas de agir, de encarar o mundo e a vida

pessoal, de identificar melhores maneiras de viver, de forma salutar e humana. Questionar

de como conviver nesse mundo globalizado, como ter uma educação ética sensibilizando o

indivíduo do imprescindível processo de mudança de forma acelerada?

Esse indagar se faz necessário porque as velhas formas tradicionais não mais

funcionam a contento para a sobrevivência e a perpetuação da raça humana. Novos

comportamentos exigem formas alternativas de pensar, é necessário estabelecer

perspectivas e possibilidades dentro do cenário “instantâneo” e de mud ança globalizado. A

unilateralidade de pensamento e de posicionamento é falha em si mesma e nela reside a

contradição. O homem precisa da flexibilidade reflexiva racional, mesmo porque a todo

momento as coisas mudam, e é imprescindível que se acompanhe essas mudanças. Porem

em nenhum momento perder o foco da ética, do questionamento e do ser humano.

Essas mudanças são características de um mundo marcado de forma espetacular

pelo avanço da tecnologia de comunicação, criando e recriando signos e significados

geralmente ligados a um pensamento hegemônico. É necessário um pensamento crítico

para entender a complexidade cultural da sociedade contemporânea, a capacidade e a

velocidade com que se criam e destroem estruturas, a reprodução de símbolos que mantém

a assimetria do poder.

Segundo Perine, um dos mais refinados produtos da ideologia neoliberal é o

processo de globalização da economia atualmente em curso34. No seu entender, dele é

retirado o aspecto humano, o sujeito, o indivíduo, restando apenas como objeto, coisa,

como meio para se conseguir algo. A nova concepção do indivíduo é o individualismo, e

34 Este pensamento é um novo conceito de humanismo, contido no artigo de Marcelo Perine, p.176, do livro de Arno Dal Ri Junior e Jayme Paviani – Humanismo Latino no Brasil de Hoje.

60

em cima dessa concepção é fundamentada a ideologia liberal, bem como a “tríade”

dominante da sociedade moderna, sendo esta o cálculo, a matéria e o mecanismo. O ser

humano passa a valer, nesse sistema, pelo que tem e pelo que pode ter, ocorrendo a

deterioração do indivíduo e de uma sociedade, criando um vazio35. A sociedade moderna

fundamentada nos pilares do individualismo, no poder no ter, abre sérias lacunas quando se

leva em consideração o humano. Novos paradigmas se instituem, novos valores se

instalam. Um dos grandes problemas por que passa a humanidade, a solidão na multidão, o

“corre -corre” da sociedade moderna. “Mounier chegou mesmo a afirmar que o

individualismo não era apenas uma moral, mas acima de tudo uma metafísica da solidão

integral, a única que nos resta quando perdemos a verdade, o mundo e a comunidade dos

homens” (MOUNIER apud PERINE, 2001, p.173).

Algo não está funcionando direito, pois a miríade de seres vivos a nossa volta parece estar morrendo. Se estamos educando para o mundo que leva à extinção tantos seres vivos, precisamos repensar as forças mais profundas em ação em nossos programas educacionais. Ninguém é capaz de viver apenas consigo mesmo. Nosso mundo interior é uma resposta ao mundo exterior (SULLIVAN, 2004, p.19).

Muitos outros problemas são reflexo de um conceito proveniente da opção e da

criação feitas pelo homem ao longo da história, sendo muitas vezes impensados e

ignorados seus resultados, tornando-os tão complexos e tão intrincados, que o próprio

homem acaba por não os entender. E ainda “é possível ver com certa clareza que o

processo de globalização, cujas características mais salientes são a homogeneização do

mundo e a glorificação da tecnologia, representam à realização acabada e a perfeição do

projeto de modernidade e de seu paradigma de progresso” (MUZIO apud PERINE, 2001,

p.177). A sociedade moderna é “mecanicista” e “materialista”, em seu interior nutre um

alto grau de desigualdade e frieza, embrutecendo o indivíduo, distanciando-se das mais

reais necessidades da sobrevivência da espécie. A competição e o lucro, a mais-valia,

tornou-se “regra de ouro” da sociedade, tudo em vista do sucesso.

35 Nessa direção, assume proporções enormes o debate contemporâneo bem trabalhado de Gilles Lipovetsky, em sua obra A Era do Vazio: ensaio sobre o individualismo contemporâneo. A Era do Vazio focaliza o enfraquecimento da sociedade, dos costumes, do indivíduo contemporâneo da era do consumo de massa, a emergência de um modo de socialização e de individualização inédito.

61

O ser humano encontra-se frente a uma dúbia concepção de “sucesso”, a partir da

lógica neoliberal. É um pensamento proveniente de um sistema regido por normas,

estruturas e valores, que sustenta e aliena, fazendo-os reprodutores de uma situação de um

contexto desumano e excludente. “Parece que, com o fim da II Guerra Mundial e o grande

clarão de Hiroshima, o mundo mudou radicalmente. Como que perdeu sua virgindade e

pureza. Mais do que isso, todas as modificações que passaram a ocorrer adquiriram uma

aceleração inusitada, com a qual não estávamos acostumados” (CARAVANTES, 2000,

p.19).

Esta situação de desajuste, dos parâmetros que esvaziam o ser humano e dão novos

valores, já vem sendo difundida e trabalhada por muitos pesquisadores, dentre os quais

pode-se mencionar Bobio, Hobsbawm, Morin, Rossato. Vive-se o final de uma época, o

final de uma era de mudanças tecnológicas, políticas, econômicas, religiosas. Vive-se uma

fase em que o homem esta desestruturado como pessoa, isso em parte do que se acredita.

As mudanças são grandes, e os problemas são também na mesma proporção.

3.1 Pós-modernidade negação das verdades

Antes de adentrarmos na discussão proposta no tema, cabe neste instante uma

abordagem sobre os diversos termos que estão sendo utilizados e serão empregados ao

longo da dissertação, tais como “globalização”, “neoliberalismo”, “modernidade”, “pós -

modernidade”. Sua conceituação dará uma visão mais precisa dos dilemas enfrentados pelo

homem.

Como um dos primeiros: a globalização caracteriza-se pela crescente

interdependência de todos os povos e países da superfície terrestre. A partir da década de

1960, passou-se a falar em “aldeia global”, pois a impressão que se tem é de que o mundo

está ficando cada vez menor. É uma particularidade do final do século XX e tem como

conseqüência a desarticulação dos movimentos operários e a derrota da revolução social.

Conseguiu-se a homogeneização da produção e dos padrões de consumo, a imposição

planetária de mecanismos protecionistas das economias nacionais, a oposição à soberania e

o consumo artificialmente criado, tendo a mídia um papel decisivo para o sucesso da

globalização.

62

O significado mais profundo transmitido pela idéia da globalização é o caráter indeterminado, indisciplinado e de autopropulsão dos assuntos mundiais; a ausência de um centro, de um painel de controle, de uma comissão diretora, de um gabinete administrativo. A globalização é a “nova “desordem mundial” de Jowitt com um outro nome. [...] A idéias de “globalização” refere -se explicitamente às “forças anônimas” de von Wright operando na vasta “terra de ninguém” – nebulosa e lamacenta, intransitável e indomável – e em ação de quem quer que seja em particular (BAUMAN, 1999, p.67-68).

No sistema globalizado os donos do mundo estão sentados atrás dos bancos. São os

que controlam os mercados financeiros, as taxas de juros, as infovias de comunicação, as

tecnologias biogenéticas e as indústrias de informação36. É ilusório pensar que os

presidentes eleitos têm poder sobre o país.

A globalização é um fenômeno que vem ocorrendo desde os primórdios da

revolução comercial e que impulsionou os grandes descobrimentos, com o

desenvolvimento do mercantilismo, da Revolução Industrial, do imperialismo, do

neocolonialismo, e está diretamente relacionada com o modo de produção capitalista. Sua

origem está no desenvolvimento das forças produtivas capitalistas, na produção em larga

escala – acima da capacidade dos mercados nacionais37.

No cabaré da globalização, o Estado passa por um strip-tease e no final do espetáculo é deixado apenas com as necessidades básicas; seu poder de repressão. Com sua base material destruída, sua soberania e independência anuladas, sua classe política apagada, a nação-estado torna-se um mero serviço de segurança para as mega-empresas... Os novos senhores do mundo não têm necessidades de governar diretamente. Os governos nacionais são encarregados da tarefa de administrar os negócios em nome deles (BAUMAN, 1999, p.74).

36 A globalização é alavancada num tripé financeiro: o sistema bancário, que se assenta no fabuloso valor patrimonial de várias centenas de bilhões de dólares dos vinte maiores bancos do planeta, e das enormes quantias depositadas com ativos que chegam a mais de seis trilhões de dólares; os fundos de pensão – que nos E.U.A. chegaram, em 1997, a quase cinco trilhões de dólares, cifra que supera todos os PIBs do mundo, excetuando-se o norte-americano e possuem 31% das ações cotadas em Wall Street – e os fundos mútuos de ação – que nos E.U.A. cresceram de quinhentos bilhões em 1985 para mais de três trilhões em 1996; e as seguradoras que, junto com os fundos de pensão, dispõem de mais de cinco trilhões e setecentos milhões de dólares na França, na Alemanha, no Japão e na Inglaterra. (DREIFUS apud FERNANDES, Miriam Munhoz. A política econômica da globalização e suas implicações no sistema educacional brasileiro. Banco de Teses, CAPES, 2003). 37 Nas palavras de John Kavanagh, do Instituto de Pesquisa Política de Washington: “A globalização deu mais oportunidade aos extremamente ricos de ganhar dinheiro mais rápido. Esses indivíduos utilizam a mais recente tecnologia para movimentar larga soma de dinheiro mundo afora com extrema rapidez e especular com eficiência cada vez maior. Infelizmente, a tecnologia não causa impacto nas vidas dos pobres do mundo. De fato, a globalização é um paradoxo: é muito benéfica para muito poucos, mas deixa de fora ou marginaliza dois terços da população mundial (apud BAUMAN, 1999, p.79) .

63

Um dos grandes problemas da globalização é a questão da homogeneização da

cultura e o desrespeito pelas particularidades regionais. Há a imposição cultural de um

povo sobre o outro e as conseqüências desta mundialização são o aumento do desemprego,

da criminalidade e a manipulação das pessoas. Esse fenômeno é bastante acentuado através

das empresas transnacionais38, que se movimentam além das fronteiras nacionais e estão

acima do poder do estado; são empresas mundiais com interesses próprios. Esse é um

sistema econômico sem fronteira chamado neoliberalismo39.

Com as transnacionais, observa-se uma crise generalizada do estado-nação,

principalmente aqueles que não fazem parte do bloco econômico. Através delas os

governos reduzem sua capacidade decisória. Assim elas acabam com a nacionalidade, com

as necessidades dos cidadãos para dar continuidade aos interesses internacionais.

O mundo moderno é vazio, está em transição, é uma junção de conceitos sem um

conceito definido, uma leitura de mundo que tem significados para uma restrita parcela da

população que detêm o poder da linguagem das infovias de comunicação, deixando grande

parte da humanidade fora.

O discurso dos pós-modernistas também é ideológico e vazio na medida em que visa a destruição da “ordem” existente para a reformulação de outra ainda, totalmente indefinida.

Não há nada mais ambíguo do que o termo Pós-modernidade. Expressão usada a torto e a direito, no pressuposto de que o interlocutor participe de um mundo comum no interior do qual a linguagem adquire significado. Essa ambigüidade constitui, entretanto, a sua marca. Ela é o pós-moderno da Modernidade: indefinível, fluído e inconsistente (BENEDETTI, 2003, p.53).

38 As empresas transnacionais, por sua vez, caracterizam-se pela fragmentação da produção: as fábricas instalam-se onde houver vantagens econômicas para elas. Nunca trazem benefícios duradouros, apenas dão a ilusão de que irão gerar lucros, mas, na realidade, ali se instalam, devido a todos os subsídios fiscais que recebem do Estado subserviente. 39 O neoliberalismo afina-se com qualquer regime que assegure os direitos da propriedade privada. Para ele é indiferente se o regime é democrata, autoritário ou mesmo ditatorial. O regime político ideal é o que consegue neutralizar os sindicatos e diminuir a carga fiscal sobre os lucros e fortunas, ao mesmo tempo que desregula o máximo possível a economia. Pode conviver tanto com a democracia parlamentar inglesa, como durante o governo da Sra. M. Tatcher, como com a ditadura do general A. Pinochet no Chile. Sua associação com regimes autoritários é tático e justificada dentro de uma situação de emergência (evitar uma revolução social ou a ascensão de um grupo revolucionário). A longo prazo o regime autoritário, ao assegurar os direitos privados, dará lugar a uma democracia. Conferir o endereço eletrônico http://educaterra.terra.com.br/voltaire/ neoliberalismo.

64

O mundo pós-modernista é o da imaginação; nele predomina a imagem, o homem

passa a ter experiências através da realidade virtual. A própria história na era eletrônica é

fantasiada e deturpada através dos meios de comunicação que não têm a preocupação

científica ao montar a história.

Conforme a seguir Benedetti, fala do projeto inacabado da modernidade, um tanto

que vazia:

Fica o indivíduo como entidade suprema, destituído do seu caráter de sujeito. Um “eu” como referência de um fluxo contínuo de afetos, sentimentos, emoções e desejos. A satisfação efêmera, momentânea, torna-se um fim em si mesma, uma vez que é próprio das grandes narrativas aprisionar a vida humana numa finalidade, quase sempre de caráter metafísico, reificado (BENEDETTI, 2003, p.62).

A noção de espaço adquire uma concepção toda própria. “A Pós -Modernidade se

movimenta pelo contemporâneo e pelo simultâneo, em tempo antes sincrônico do que

diacrônico. Relações de proximidades e distância no espaço, e não no tempo, tornam-se

critérios de importância” (BENEDETTI, 2003 , p.64).

A pós-modernidade afeta diretamente as relações sociais contemporâneas. Ela é

constituída de diversos elementos, de pedaços juntados ao acaso, assemelhando-se assim

também a sua ação. E conforme Benedetti, “o provisório, o efêmero, o fútil e o temporário

são mais expressivos que o eterno, o imutável, o integrado, o harmônico e o sublime. A

mistura é melhor que a pureza, é preciso levar a sério a sociedade que se reconhece nessa

mudança de valores” (2003 , p.69-70).

Deus, Rei, Pai, Razão, História e Humanismo, todos vieram e todos desapareceram, embora seu poder ainda ressurja em alguns círculos de fé. Matamos nossos deuses – por raiva ou lucidez, não sei –, mas ainda assim permanecemos escravos da vontade, do desejo, da esperança e da crença. E agora nada temos – nada que não seja parcial, provisório, autocriado – para fundamentar nosso discurso.( HASSAN, I. apud KUMAR apud BENEDETTI, 2003, p.70).

Esclarecidos alguns termos, retorna-se ao objeto do discurso proposto da

modernidade como negação de algumas verdades.

No campo social o indivíduo lida com fenômenos com os quais ainda não se tinha

deparado. O crescimento populacional é um deles. Há um aumento da longevidade das

65

pessoas, somando-se a isso o despreparo para enfrentar esse fato, de forma mais acentuada

em países do terceiro mundo. Passa-se por um momento da vida nunca dantes pensado.

Um estágio em que não se sabe o que fazer com o indivíduo que tem mais de 60 anos de

idade40. A humanidade está dando saltos quantitativos em idade, mas ainda deixando a

desejar na qualidade de vida.

Nesse caminho natural do envelhecimento humano, urge a ação da educação de

interferência nas instituições para que tenham novas alternativas, novas ofertas.

Reportando-se ao termo utilizado por Both41, o idoso é como artefato que é enviado ao

espaço para se tirar foto e, depois de cumprido seu papel, segue seu rumo sem finalidade.

Na sociedade utilitarista contemporânea, não se tem o que fazer com o idoso. O sujeito

perde o sentido da vida quando se vê sem os parâmetros de uma sociedade que prepara

para ter família e trabalhar, é uma instância máxima de realização pessoal, mas frustrantes

quando cumpre e ultrapassa tal função. Com a revolução industrial, o homem se finda com

o trabalho, isto é, muitos dos seus sonhos e aspirações estão centrados em um produzir,

pensamento que corresponde aos interesses modernos. Essas concepções são características

dessa sociedade contemporânea que trouxeram importantes modificações no campo das

relações sociais.

O processo educacional fundamenta-se numa noção muito básica: O mundo faz sentido e estamos envolvidos tanto em detectar quanto em criar esses sentidos. Praticamente desde o começo de sua vida as pessoas tentam compreender e controlar seus mundo e as instituições educacionais devem elaborar e incentivar tais impulsos (SULLIVAN, 2004, p.394).

O homem constantemente está em movimento, podendo ocorrer a aprendizagem,

que é um processo positivo, como também o processo de estagnação, provocando a

degeneração e conflitos: o negativo. A situação negativa ou positiva vai depender do meio

freqüentado e de seus estímulos. O Afastamento dos contextos da linguagem, da inter-

relação com o meio, provoca rupturas e conflitos, visto o ser humano dispor de um sistema

nervoso para aprender. Em uma estância de inter-relações, um encadeamento de sistemas, 40 Segundo informações do INE (1999 e 2001) e do Eurostat (2000): em 1950 a percentagem (média não ponderada) da população européia com mais de 65 anos era de 9,4%; em 1980 era de 13,2%; e em 1990 era de 14,3%. De outra forma, em 1984 existiam 49 milhões de idosos na Europa, e em 2025 prevêem-se 80 milhões. A Europa sofre de um papy-boom como lhe chama Robert Rochefort (Veríssimo, 2002, p.69), em oposição ao baby-boom das décadas de 1950 e 1960. JACOB, Luís. A velhice (Dissertação de Mestrado), ISCTE. Disponível em: <http://www.socialgest.pt/gerontologia.htm>. 41 Agostinho Both: graduado em Pedagogia (UPF), especialista em Gerontologia Social (UPF), mestre em Psicologia (PUC) e doutor em Educação (URGS).

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se não houver a possibilidade de reproduzir sentimentos, obviamente isso vai levar à

doença: baixando o sistema afetivo, baixam também os sistemas fisiológicos.

Consideramos ainda o envelhecimento como um processo biológico progressivo e natural, caracterizado pelo declínio das funções celulares e pela diminuição da capacidade funcional, que é vivido de forma variável consoante o contexto social de cada indivíduo. Envelhecimento é diferente de velhice, dado que se o envelhecimento começa assim que somos gerados, a velhice ou os seus sinais e sintomas físicos e mentais só se manifestam de forma clara a partir de determinada idade (JACOB, 2001, http://www.socialgest.pt/gerontologia.htm).

A velhice dificilmente poderá se comparar com um entardecer tranqüilo. Muitos

idosos vivem extraordinários dramas, sem casa, sem apoio familiar, sem compreensão e

sem afeto. No meio social, é alvo de vários agentes mórbidos, dado que vários direitos são

negados ao idoso tendo por base unicamente a sua idade, tal como o direito ao trabalho.

Um sistema econômico que se restringe a focar no capital tem uma considerável

fragilidade e falha, o que evidencia um lado complexo e dramático: o idoso é visto como

um grande custo para o sistema, traduzindo-se num encargo brutal para o Estado e para os

contribuintes.

De acordo com Agostinho Both, a política educacional, no que se refere ao

planejamento, em nenhum momento tem o olhar sobre o idoso. O processo de envelhecer

está bastante longe dos olhos de quem planeja a educação, e mesmo quando se pensa a

técnica para facilitar a vida do idoso, pensa-se em um lado competitivo, e na preparação do

estudante para este mercado competitivo42.

Não é possível esquivar-se da realidade do envelhecer humano, que vem se

apresentando de forma gradativa em todos os países. É necessário mostrar que há pessoas

envelhecendo e que há dignidade em morrer, e fazê-lo como uma forma de conscientização

de que o essencial no humano é a humanidade, e não o aspecto aparente – cor, sexo, idade.

Os educadores poderiam aceitar e agir de acordo com os princípios morais da ética,

da justiça, da compaixão, de igualdade e do bem-estar para todos. Ao mesmo tempo, em

função dos preceitos que regem a sociedade moderna, é importante que todos aceitem as

42 Muitos resultados positivos em prol da raça humana, na questão da saúde, educação, segurança, ecossistema, qualidade de vida, tiveram progressos depois que houve alteração curricular. Muitas alternativas existem, entre elas, a começar em salas de aulas, nas diversas disciplinas trabalhadas pelos professores, trazer junto a estas uma reflexão dos problemas que afligem a sociedade, focando de modo preciso possíveis soluções. Veja, edição 1862, ano 36, n.7, 16 fev. 2005; Época, n.408, 13 mar. 2006; Publicações do Fórum Social Mundial realizado no mês de janeiro dos ano de 2001, 2002, 2003 e 2005.

67

enormes dificuldades inerentes às formas pelas quais esses termos são defendidos, vividos

e implementados.

No campo político, há uma nova ordem em andamento. Depois da queda do muro

de Berlim e dos conseqüentes alinhamentos, da reunificação alemã, da Glasnost e da

Perestroika, de Gorbatchev, nada mais parece ser impossível. Muitas mudanças ocorrem e

estão ocorrendo procedidas de acordo com o espírito da época, de forma rápida e eficaz.

Grandes acontecimentos em diversos pontos do planeta acontecem com implicações em

vários setores de muitos países. Aqui é possível citar alguns para ampliar a idéia de

complexidade e falta de referência: o ataque às torres gêmeas do World Trade Center,

ocorrido no dia 11 de setembro43 de 2001, nos EUA, e, em justificativa a este, os diversos

ataques bélicos a países como Afeganistão, Iraque, os possíveis culpados do ataque ao

império americano44. Dessa política imperialista norte-americana de desrespeito à vida e ao

planeta, resultam os diversos atentados terroristas por diversos países, matando e

destruindo, causando um caos. Disso ficam grandes incógnitas e perguntas, sobre o valor

da vida, sobre concepção do homem contemporâneo de ser humano e seus projeto para a

raça humana. Fica a pergunta: quais os valores morais e éticos presentes e que fazem parte

da contemporaneidade? São algumas das perguntas e indagações que ficam diante de

atrocidades visíveis no convívio humano. Uma nova ordem manifestando-se em múltiplos

locais, com ações plausíveis e ações condenáveis, distanciando e relegando o ser humano

como peça de um tabuleiro. Como exemplo pode-se citar o caso de Israel, Palestina, China,

Japão, Coréia, Irã, Rússia, países do continente africano, são alguns de atos que estão mais

visíveis na mídia de distanciamento da dignidade humana.

43 Os ataques de 11 de setembro foram uma série de ataques terroristas contra os Estados Unidos em 2001. Membros do grupo islâmico al-Qaeda seqüestraram quatro aeronaves, fazendo duas delas colidirem contra as duas torres do World Trade Center em Manhattan, Nova Iorque, e uma terceira contra o quartel general do departamento de defesa dos Estados Unidos, o Pentágono, em Arlington County, Virgínia, próximo à capital dos Estados Unidos, Washington, D.C. O quarto avião seqüestrado foi intencionalmente derrubado em um campo próximo a Shanksville, Pensilvânia, após os passageiros enfrentarem os terroristas. http://pt.wikipedia.org/wiki/World_Trade_Center 44 O termo “imperialismo” provavelmente se impôs pela primeira vez na década de 1870, na Inglaterra Vitoriana. Foi usado para designar a política de Disraeli e, com isso, criar a Imperial Federation. A partir dessa década, deu-se a partilha da África entre os Estados europeus e a ocupação de vastos territórios da Ásia (China, Pérsia, Império Otomano) (BOBBIO, 2000, p.611). O imperialismo econômico foi definido como controle (direto ou indireto) de um país subdesenvolvido por uma potência industrial; o imperialismo surgido do século XIX substituiu a competição entre muitas firmas por um punhado de corporações gigantescas, em cada indústria. Houve, ainda, o avanço tecnológico de transportes e comunicações, além do desafio que as demais nações industrializadas lançaram à Inglaterra. A competição entre os grupos de corporações gigantescas ocorreram em todo o globo (MAGDOFF, 1978, p.10), o que levou Magdoff a considerar que “O imperialismo não é uma questão de escolha para uma sociedade capitalista: é seu modo de vida” (MAGDOFF apud FERNANDES, Miriam Munhoz. A política econômica da globalização e suas implicações no sistema educacional brasileiro. Banco de Teses, CAPES, 2003).

68

A civilização oriunda desse sistema trouxe consigo outro tipo de escassez, em

decorrência de um modelo de homem vinculado à satisfação de necessidades criadas pelo

próprio homem. Para o homem selvagem, não há estoque, não há acúmulo; o estoque de

bens é a própria natureza e a todos pertence, e deles se utiliza com moderação. O homem

tido como civilizado, ao contrário, acumula e disso faz um meio de vida: ele tira partido da

escassez. A conseqüência mais imediata da escassez foi o surgimento da política, a partir

do conflito gerado no processo de apropriação de bens45. Ubiratan Rocha da Silva faz um

questionamento da capacidade do homem em ações futuras: “O que somos finalmente? O

primeiro ser na escala evolutiva, somente porque foram humanos que a escreveram, pois se

ela tivesse sido escrita por formigas, provavelmente estaríamos entre os últimos. A

humanidade vai testar se é a única inteligente no século XXI” 46.

A partir da concepção humanística, com fundamentação ética tendo o ser humano

como valor central, o sistema de desenvolvimento hoje em vigor emerge com base em

determinados pressupostos que constituem um sistema errôneo. Por estar pautado em uma

compreensão errada, tudo o que é constituído sobre esses pressupostos torna-se falho. Para

uma melhor compreensão, a seguir serão enumeradas algumas dentre tantas ações no

sentido falho aqui enunciado: a compreensão de que a natureza foi criada por Deus para o

homem transformar a seu bel prazer; de que os recursos presentes na natureza são

gigantescos e inesgotáveis; a crença da necessidade de um crescimento contínuo e na sua

distribuição na medida do aumento do bolo econômico47; a manutenção de um sistema

econômico onde existem países transformadores e fornecedores de matéria-prima para

45 As regiões mais afetadas são o sudoeste asiático e o Subsahara africano. Nessas áreas, três quartos da população subsiste com menos de dois dólares diários e os habitantes carecem de água potável. Enquanto isso, os países mais desenvolvidos usam cinco vezes mais energia, por pessoa, do que os países menos desenvolvidos. Segundo o estudo divulgado em Washington, na África a mortalidade infantil é 15 vezes superior à dos países desenvolvidos. As previsões constantes no relatório do PRB (pesquisa do Departamento de Referência da População, de Washington, em seu relatório 2005) sobre população indicam que a população do planeta chegará aos 9 bilhões em 2050 e que o país mais populoso será a Índia. http://www.parceria.nl/sociedade/so050824pobreza_mundo e http://www.parceria.nl/sociedade/at_051013criancas 46 SILVA, Ubiratan Rocha da. Sobre a pobreza do mundo. Disponível em: <ttp://urs.bira.sites.uol.com.br/ pobre.htm>. 47 Segundo relatório do WWF já estamos a mais de 20% além da capacidade de suporte e reposição do planeta. Usamos em média 2,3 hectares de recursos naturais por pessoa no mundo para atender às necessidades de alimentação, energia, etc. Um americano precisa de mais de 9 hectares; um europeu precisa de mais de 5 hectares; um africano, em média, menos de 1,3 hectares; no Brasil o consumo é de 2,3 hectares; e o suportável seria de 1,9 hectares. “Se imaginarmos um crescimento modesto de 3% ao ano e projetarmos sobre os níveis de hoje, o produto mundial bruto, que é hoje de vinte e poucos bilhões, chegaria, no ano de 2050, a 158 trilhões de dólares, o que é impossível, pois não há recursos naturais suficientes. O crescimento econômico, sozinho, não é o caminho” (WILSON, Edward apud SILVA, Ubiratan Rocha da. Sobre a pobreza do mundo. Disponível em: <ttp://urs.bira.sites.uol.com.br/ pobre.htm>.

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atingir as necessidades; a despreocupação com os resíduos criados pelo sistema industrial,

classificados como insignificantes, que não são tão nocivos. Isso tudo evidencia a noção de

homem e de mundo que se criou, emergindo indiferença e irresponsabilidade sobre seus

atos. Em cima de premissas enganosas e falhas se criou todo um modelo de mundo. E num

sentido ecológico, de respeito ao planeta Terra, poder-se-ia dizer que “De repente

descobrimos que a espaçonave Terra é modesta em tamanho e tem uma capacidade

regenerativa mais modesta ainda. Geramos mais lixo e poluição do que o planeta pode

suportar” (CARAVANTES, 2000 , p.23).

3.2 O Brasil na modernidade

Tem-se uma visão de uma sociedade construída eficazmente sobre a égide do

capitalismo, de forma eficiente, no entanto cega e surda a quaisquer outros valores que não

o de acúmulo de capital, serão evidenciados diversos dados a seguir. Sobre o contexto

brasileiro, no entanto, alguns poderão obter múltiplas interpretações, assim como também

suas razões. Segundo o Sebrae, existe falta de acesso a benefícios legais, exclusão atribuída

a uma grande burocracia48. A educação também é entendida como custosa e de má

qualidade, e, além disso, evidenciando dificuldade ao acesso e até discriminação49.

O Brasil na modernidade está repleto de afronta a dignidade humana, entre tantos a

pobreza é um mal exibido e bem conhecidos de todo o povo brasileiro, e a pobreza é

apenas um dos muitos sinais de desajuste social. Da pobreza resultam inúmeros outros

problemas de ordem social50, que é inconcebível neste país devido à riqueza que dispõe.

Recursos esses propícios para desenvolver uma justiça social. Além desse fator, o Brasil é 48 Segundo o Sebrae, no mercado brasileiro cerca de 13 milhões de pequenos empreendimentos, cerca de 2/3 constituído de micro e pequenos negócios informais, são responsáveis por mais de 60% dos empregos e ocupações gerados. No entanto, 95% desses empreendimentos não têm acesso ao sistema oficial de crédito, sobretudo financiamento à produção. Tal exclusão é basicamente atribuída às dificuldades dos pequenos negócios em atender às exigências de garantia dos financiamentos. 49 Segundo o IPEA, 4,2 milhões de jovens vivem em extrema pobreza. Desses, 67% não concluíram o Ensino Fundamental e 30,2% não trabalham e não estudam. Os jovens afro-descendentes são os mais excluídos: 73% dos jovens analfabetos são negros e 71% dos extremamente pobres que não trabalham e não estudam são afro-descendentes. 50 Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, o Brasil tem 53,9 milhões de pobres. O estudo Radar Social 2005 considerou pobres as pessoas que vivem com renda domiciliar per capita de até meio salário mínimo (R$ 120 em 2003). Foram consideradas muito pobres ou indigentes as pessoas com renda de até um quarto do salário mínimo de 2003 (R$ 60, na época do estudo). Nessas condições vivem 21,9 milhões de brasileiros. A pobreza no país também é maior entre a população negra. Segundo o IPEA, 44,1% de negros viviam com renda inferior a meio salário mínimo em 2003. Entre os brancos, o percentual era 20,5.

70

um país de grande disparate na distribuição de renda51, um país de contrastes, bolhas de

desenvolvimentos52.

Somando-se a estes problemas existentes, há uma grande taxa de mortalidade

infantil, um grande descaso com o povo, uma falta de sensibilidade e marginalização53.

Amplia-se o número dos excluídos do sistema econômico, dos abandonados, e

determinados grupos aparecem somente quando ocorrem incidentes de grandes proporções.

Um país de dimensões de enormes como o Brasil, com riqueza e potencialidades

como dispões, que adota um sistema econômico neoliberal vem se tornando um “ quintal”

de um sistema econômico, que é perverso ao julgamento da ética e da dignidade humana.

O sistema neoliberal vale-se de políticas imperialistas de nações vorazes que passam por

cima de qualquer cultura, valor na finalidade da obtenção do lucro e do controle. É um

momento da modernidade que caminha com o princípio da “ fluidez” , “ rapidez” e da

“ mobilidade” . De acordo com Bauman,

É a velocidade atordoante da circulação, da reciclagem, do envolvimento, do entulho e da substituição que traz lucro hoje – não a durabilidade e confiabilidade do produto. Numa notável reversão da tradição milenar, são os grandes e poderosos que evitam o durável e desejam o transitório, enquanto os da base da pirâmide – contra todas as chances – lutam desesperadamente para fazer suas frágeis, mesquinhas e transitórias posses durarem mais tempo. Os dois se encontram hoje em dia principalmente em lados opostos dos balcões das mega-liquidações ou de vendas de carro usados (BAUMAN, 2001, p.21).

Somando-se a esses dúbios princípios que norteiam e comprometem, o mundo

passa por um momento de estrangulamento do uso de recursos energéticos, alguns com seu

uso máximo (petróleo), não apropriado e calamitoso (nuclear), restrito (hidrelétricas),

como também o estrangulamento de uso de outros recursos a exemplo o ar, a água. Urge

indagar e buscar soluções para esses atos de uso descontrolado dos recursos existentes e 51 Ainda segundo o IPEA, o Brasil tem a segunda pior distribuição de renda do mundo. Cerca de 1% dos brasileiros mais ricos detém uma renda equivalente à soma da renda dos 50% mais pobres. O País está na frente só de Serra Leoa no ranking da desigualdade social. Alagoas é o estado com mais pobres no Brasil. 52 Segundo o Atlas da Exclusão Social, o Brasil é a 15ª economia mundial, dono da 31ª maior renda per capita do planeta, mas ocupa a 109ª posição pelo IES, Índice de Exclusão Social. Foram pesquisados 175 países e, diferente do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), que reúne indicadores de renda per capita, saúde e educação formal, o IES identificou variáveis como a desigualdade de renda, o desemprego aberto, a presença da população infantil e a violência. 53 Segundo os dados da Organização das Nações Unidas – ONU bastariam US$ 19 bilhões anuais para eliminar a fome no mundo (mais de 800 milhões não têm o que comer), US$ 10 bilhões por ano para prover todas as pessoas com água de boa qualidade (1,1 bilhão não têm), US$ 1,3 bilhão para imunizar todas as crianças contra doenças transmissíveis, US$ 12 bilhões para dar saúde reprodutiva a todas as mulheres. São gastos por ano US$ 18 bilhões com maquiagem, US$ 15 bilhões em perfumes e US$ 11 bilhões em sorvetes na Europa.

71

buscar um limite para as ações dos seres humanos no planeta. “Aquilo que chamamos mar

de turbulências é exatamente o produto das inter-relações e interdependências de todas

estas mudanças, que se dão de forma radical, acelerada e, muitas vezes, fora de toda e

qualquer expectativa” (CARAVANTES, 2000, p.26). É importante aqui uma reflexão

sobre os pressupostos que nutrem ações e concepções de vida, que “muitas vezes são

cultivadas sem saber de onde provém” (Idem, p. 26). A não-reflexão e o desconhecimento

podem levar essas ações justamente a resultados indesejados.

o amor é o fundamento do viver humano, não como uma virtude, mas como a emoção que no geral funda o social, e em particular fez e faz possível o humano como tal na linhagem de primatas bípedes a que pertencemos, e ao negá-lo na tentativa de dar um fundamento racional a todas as nossas relações e ações nos desumanizamos, tornando-nos cegos a nós mesmos e aos outros. Nessa cegueira perdemos na vida cotidiana o olhar que permite ver a harmonia do mundo natural ao qual pertencemos, e já quase não somos capazes da concepção poética que trata desse mundo natural, da biosfera em sua harmonia histórica fundamental, como é o reino de Deus, e vivemos em luta contra ele. (MATURANA e VARELA, 1997).

Parece poético, ou até de relativa superficialidade; no entanto, ao adentrar no

campo da razão real dos diversos problemas, constata-se estar aí, no afastamento do

humano nas ações praticadas pelo homem54.

Na questão política, questionam-se os representantes brasileiros: onde fica a ética

diante dos últimos fatos que vêm acontecendo agora (em meio ao ano de 2005)? Quem são,

onde estão e o que fazem as autoridades? A quem faz? De uma forma meio descrente, mas

ainda acreditando em caminhos para esse país, poder-se-ia até dizer que se perdeu a ética

nesse país. A violência impera de forma desumana. Matar, roubar virou banalidade –

quando veiculado em um meio de comunicação, esses fatos são esquecidos no primeiro

intervalo comercial. Infrações, subornos, autoritarismo, regalias, os valores de justiça, de

igualdade, de dignidade humana se distanciaram. Onde está a justiça social, a honestidade,

a solidariedade, a “vergonha na cara”?

54 Sem tentar responder nada, no entanto numa postura de entendimento, constata-se que um dos reais motivos que levam a essa parafernália social são os valores dados às ações, aos atos e aos objetos. Com a mudança de valores, a sociedade está ruindo padrões e valores humanos que mantinham estruturas em pé. Conforme Guareschi, “podemos dizer, com respeito à educação, que a ética, na era anterior à Modernidade, era a ética da tradição, ou seja, a medida das coisas, do que era correto ou incorreto era a tradição. [...] com a modernidade era preciso pensar racionalmente para saber qual a melhor forma de agir. [...] A Modernidade se construiu dentro de três valores: a racionalidade, o individualismo e o experimentalismo” (GUARESCHI, 2003, p.150).

72

O mundo atual vive uma crise de valores muito grande. Há uma confusão entre os

conceitos adequados de postura das pessoas diante da vida neste planeta. O que existe é a

idéia de que é preciso sobreviver a qualquer custo não importando o que venha a ser feito,

ofuscando uma série de valores concebidos como necessários para a perpetuação da raça

humana, destruindo com isso o pouco que ainda resta. A ausência de parâmetros precisos

de conduta faz com que muitos vivam a ilusão de que tudo se pode, tudo se faz tudo se diz.

A realidade é outra; faz-se aquilo que os meios de comunicação ditam devido a seu grande

poder de influência sobre o comportamento humano.

A modernidade absorveu uma crítica sem consistência e eficiência, pois passou a

existir uma crítica como modismo, existindo, em um primeiro momento, um estanhamento,

que em seguida dá lugar ao normalismo. Aqui reside a doença desse mundo moderno no

que tange às agressões ao ser humano, a falta de indignação às agressões que o cercam.

O homem atual está constantemente compelido a não pensar, porque tem a máquina

que o faz por ele. Cada vez convive menos com outras pessoas, porque tem televisão, jogos

eletrônicos e internet, em que passa horas a fio interagindo com uma máquina. Está

empobrecido intelectualmente, porque perdeu o controle do processo produtivo, já que a

máquina faz quase tudo e o homem está acomodado nesta situação. Na medida em que a

máquina aprende, o homem reduz sua inteligência, uma vez que não a usa.

3.3. Homem, sociedade, educação

O ser humano encontra-se diante de um grande dilema, ou, melhor dizendo, “o

grande dilema”, homem, edu cação, sociedade – como entender esses três elementos, e

como eles se relacionam e constituem um todo. Em função de ações e reações, o homem

entra em crise, e agora, põe todos os valores em dúvida. A dúvida permanente está na

própria crise dos acontecimentos, através de seus “cacos” com os quais se perde qualquer

noção de conjunto.

Diante da crise que passa a fazer parte do homem moderno, inúmeros valores foram

destituídos diante de uma fragmentação, de um hedonismo. O homem ficou e está à mercê

de uma sociedade andante, que se constitui no tempo – o tempo enquanto historicidade,

enquanto finitude.

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O momento dos educadores é complexo. Existe um desencantamento da sociedade,

dos professores, frente à educação. A sociedade está estática, sem ação e sem possibilidade

de visualizar melhoras. É uma sociedade doente, sem previsões animadoras. Entre todos os

problemas, o salário é um dos menores. Existe um “sintoma de desistir” presente em

muitas instituições sociais, escola, família, religião, política. Urge que se tenha uma

reflexão do porquê desses sintomas. Por que isso acontece? Por que esse mal? O que leva o

ser humano a isolar-se?

Na esfera social, em uma simples comparação, o homem é totalmente diferente dos

animais: ele não pode suprir sozinho sua existência, não produz naturalmente sua

perpetuação, precisa de outros para sua subsistência. Há uma fraqueza humana. A única

forma de suprir essa fraqueza humana foi através das instituições, como família, escola,

igreja, estado. A sua distinção está na capacidade de pensar, planejar, projetar, raciocinar,

enquanto que os animais permanecem a repetir comportamentos desde quando estes são

animais, isto é, parou seu estágio evolutivo enquanto espécie.

Essa impossibilidade de se autogerir caracteriza uma “fraquez a”. A fraqueza

possibilita ao homem na sociedade um lugar de complementação de humanização. O outro

é visto como complemento, como necessidade para constituir-se como indivíduo. Nesse

sentido percebe-se que o homem está sempre em formação, que não existe um fim

enquanto formação, o homem é um constante “vir a ser” que se constitui nas relações.

O século XX vai falar da incompletude da finitude do ser humano, do ser

inacabado. De estar sempre em processo de se fazer, “vir a ser”. Essa nova visão tira as

certezas do homem, tira-lhe o chão, necessitando um encontro de si mesmo, que se dará a

todo momento.

O século XXI, é também um reflexos das ação humana tecnicista do mundo

moderno, o homem está vivendo em um perfeito individualismo, cada um querendo

garantir o seu lado. Esta sensação egoísta, mesquinha e insaciável está presente na

sociedade como um todo, com reflexos na família. Diante de uma situação que é instigante

e resultado, existe uma sensação de impotência, de desalento, “o trem descarrilou”, e ,

dilacerado, o homem busca soluções educacionais na busca de conhecimento. Nisso tudo,

o princípio de onde se parte para essa construção torna contundentes os conceitos

imbricam uma análise profunda e contextualizada com suas implicâncias e vieses. Há que

se ater, mantendo critérios críticos as diversas alternativas educacionais para os muitos

problemas alocados.

74

De que forma o indivíduo constrói sua identidade vivendo socialmente? Para

entender sua posição é necessário entender a situação social da época, do momento, a

circunstância em que o homem se encontra. A noção de igualdade e de moralidade começa

a surgir no processo de socialização. A moralidade tem noção social, é resultado da

sociedade, não tem como ser diferente.

Nesta relação social, homem, educação, reporta-se de forma isolada ao que

Rousseau diz, e que vem a ser uma de suas grandes questões: tornar-se humanos com o

outro, mas o outro os corrompe. Aí reside o problema: como tornar-se humano sem deixar-

se corromper ou absorver conceitos estéreis. O homem acredita exageradamente no poder

da educação, na possibilidade de desenvolvimento integral do homem obedecendo a um

processo natural. A realidade a possibilita ao homem ser mais crítico porque se tem mais

condições de visualizar o todo, cria possibilidade de formar uma sociedade igual para

todos. Não inviabiliza a necessidade de acreditar na educação, somente amplia os

horizontes, possibilitando um pensar centrado.

O pensamento moderno destrói estruturas tradicionais, transformando-as em formas

ultrapassadas e obsoletas. Há o predomínio da razão da técnica, que envolve novas

estruturas e construções, onde o homem passa a viver isoladamente, cada vez mais egoísta

e sem nenhuma preocupação com o outro.

Vivemos no mundo da velocidade: velocidade da informação que não nos permite

aprofundar, questionar, ou criticar o que está sendo transmitido; velocidade nos encontros

entre as pessoas, uma vez que, para tudo, precisa-se de hora marcada. Somos escravos do

relógio, dele não podemos nos afastar porque senão criamos um caos na nossa vida e na de

outros.

3.4. Educação para a solidariedade

As mudanças de comportamentos inadequados para atitudes plausíveis vêem

acontecendo em decorrência de atitudes desastrosas da história da humanidade. Atitudes de

desrespeito ao ser humano enquanto raça, cor, credo, atitudes de negligência ao

ecossistema, atitudes reprováveis de falta de sensibilidade sutileza no trato com o diferente,

com o outro. Esses deslizes humanos resultam em atitudes bruscas e repentinas para

amenizar situações impróprias de momento. Atitudes de distanciamento do “ outro” , de

75

exclusão vem se concretizando e deteriorando a qualidade de vida do planeta55. Levou

muito tempo para que o meio científico absorvesse a idéia da necessidade de preservação e

respeito ao meio ambiente, e de que estes recursos não são infinitos. A noção de uma

catástrofe e de escassez causava descrédito nos cientistas e na opinião pública. Levou

muito tempo para mudar esse pensamento.

Na visão de biólogos competentes, nada de parecido com a atual escala de extinção de biossistemas do planeta aconteceu nos últimos 65 milhões de anos da história da terra... [...] Quando perdemos o respeito pelo mundo natural, a terra passa a correr riscos em toda sorte de manifestações. Torna-se uma mercadoria, uma série de artigos a ser comprados e vendidos. Sua nobreza, sua dimensão sublime e sagrada foram perdidas. O respeito à comunidade humana desapareceu. A reverência sentida pelos atributos assombrosos da natureza dissolveu-se num mundo mecanicista. Só a medida crassa do valor comercial determina o valor de qualquer coisa. (SULLIVAM, 2004, p. 20-22) .

As conseqüências desastrosas provenientes de atitudes inadequadas para com o

meio ambiente que foram previstas pelos cientistas há mais de meio século tardaram, mas

chegaram: situação crítica da água potável, efeito estufa, lixo nuclear, chuva ácida,

destruição da camada de ozônio, extinção de animais e plantas, desertificação.

Esse gigantesco problema ambiental compromete a manutenção da vida do planeta,

gerando um maior distanciamento de acesso em igualdade a todas as pessoas, é necessário

a sociedade ater-se a esse problema, de forma critica e reflexiva para a sobrevivência

humana. Essa situação gera privilégio de poucos que detêm o poder econômico,

marginalizando os demais.

Somente ações educativas podem mudar comportamentos inadequados e formar um

comprometimento com a manutenção da vida. Não se pode esperar a vida adulta para

empreender tal programa. O futuro do planeta e da qualidade de vida requer ações

imediatas de formação da consciência ecológica no educando, estimulando-o para a ação

ética e científica que visa conservar o meio ambiente.

A formação dessa consciência fundamenta-se em assimilar valores éticos e morais

de caráter universal, na valorização da auto-estima, na formação do autoconceito e da

55 A sociedade de Crescimento Industrial nos exilou da Terra e nos fez romper os laços com a vida. Precisamos voltar ao nosso nicho natural. Essa consciência é a base de uma Sociedade de Sustentação de toda a Vida, aquela que fará nossa desintegração ser criativa e nos garantir ainda futuro. Conferir: www.leonardoboff.com.br.

76

compreensão científica dos conceitos ecológicos, uma ressignificação constante que

ocorrerá ao longo da vida, uma educação ao longo da vida.

Essa ação educativa centrada no processo ético universal, com ações precisas e

centradas, visa mostrar que não existe a separação entre homem e meio ambiente. Essa

separação vem a favorecer a perpetuação de comportamentos inadequados, e chama a

atenção sobre o fato de estar num sistema fechado, cíclico. Portanto, toda ação destrutiva

do meio ambiente volta-se contra o próprio homem. Somente através da educação

ambiental de base – base aqui entendida sob dois aspectos, o primeiro sendo a formação

desde criança, proporcionando noções e consciência na família e escola, e o segundo como

fundamento, estruturas – é que faculta ter a esperança em preservar o valor da vida no

planeta.

A incapacidade de expressar nosso êxtase e gratidão pela dádiva da vida constitui uma perda de sentido em nossa vocação e lugar nos processos mais amplos da existência. Estamos em um momento incrível da terra e temos de captar o sentido da vida celebrando a plenitude da nossa vida, tanto no tempo quanto no espaço (SULLIVAN, 2004, p.405).

Os problemas críticos em que se encontra a humanidade, tais como a ameaça de

uma guerra nuclear, o esgotamento dos recursos naturais não-renováveis, a poluição

hídrica e atmosférica, não são fatos estranhos ao homem. São criação e produto do homem.

Para que o homem e as instituições sobrevivam, várias transformações e novos

aprendizados necessitam ocorrer. O grande desafio com que se defronta é a busca de uma

sociedade auto-renovável, isto é, imune à decadência e à entropia56. Tal sociedade é vista

por John Gardner como uma sociedade de homens livres, em que a liberdade individual é

conseguida através do autoconhecimento e onde a educação formal é apenas parte deste

processo global de aprendizagem. “Para o homem a auto -renovação, o desenvolvimento de

suas potencialidades e o processo de auto-descobrimento nunca terminam. Além disso, ele

56 Originalmente, “entropia” (troca interior) surgiu como uma palavra cunhada do grego de em ( en - em, sobre, perto de...) e sqopg (tropêe - mudança, o voltar-se, alternativa, troca, evolução...). O termo foi primeiramente usado em 1850 pelo físico alemão Rudolf Julius Emmanuel Clausius (1822-1888). “Os Sistemas Não -Lineares – segundo a 2º Lei da Termodinâmica: “Quanto maior a desordem de um sistema, maior a sua entropia”. O primeiro exemplo de Vida Artificial, o autônomo celular universal idealizado por John Von Neumann, se reproduzia sem estar explicitamente programado correndo contra a entropia.” Disponível em: <geocities.yahoo.com.br/paradoxosdafisica/entropia.htm>.

77

é altamente motivado, criativo e inovador, respeitando as fontes de sua própria energia e

motivação” ( CARAVANTES, 2000, p.50).

A tarefa crucial do educador é desenvolver uma consciência que procure ver através

da lógica da globalização destrutiva e combiná-la com qualificações críticas para resistir à

retórica que ora nos satura.

No Contexto da educação, é preciso que o educador sinta um desempenho autêntico em relação ao quadro de referência das instituições educacionais. Com o estabelecimento de conseqüências insipientes, há uma compreensão de que as instituições educacionais convencionais estão incrustadas na natureza problemática dos valores dominantes de nossa cultura (SULLIVAN, 2004, p.71).

Uma das tarefas fundamentais para o homem, hoje, é resistir às vozes do mercado

de um sistema capitalista voraz. Essas vozes fazem perder o bom senso e impedem o ser

humano de encarar a situação da crítica necessária à realidade precária. Essas vozes

transformam um mundo devastado num “país das maravilhas”. No país da maravilhas, as

vozes da propaganda dizem que a exploração irresponsável da terra é um processo criativo

que levará o homem a viver num país das maravilhas. Chamam a isso de progresso.

O homem faz parte da história, tendo participação e responsabilidade efetiva nos

processo descabido de devastação em prol de um errôneo conceito de progresso. E ele

continua nesse processo, em que só enxerga lucro e meios econômicos. Cabe a ele mesmo

a tarefa e o desafio de sair desse estado de transe industrial em que está desde o começo do

século XX.

A educação terá uma tarefa educacional fundamental na atual situação: a de

demonstrar a possibilidade e a viabilidade de um mundo melhor, um habitat planetário

global e sustentável, de seres vivos interdependentes, com igualdade e respeito ao outro.

3.4 Novos paradigmas

A dinâmica da busca pela perfeição e pela eficiência é altamente exigida pela

sociedade; em muitos setores, chega-se a dizer que se está gerenciando sistemas e

organizações do século XXI com pensamento e filosofias do século XIX. Esse é o

78

pensamento que ronda nas altas esferas administrativas voltadas para uma grande

rentabilidade. A era do amadorismo na gestão das organizações está findando e

paulatinamente sendo substituída pelo profissionalismo.

A “era das incertezas” , caracterizada pelo desajuste do homem, de suas relações e

valores, envolve o ser humano em momento de ativismo, do ter, do consumismo do

descartável, do imediatismo, do produto, sendo o homem conceituado como coisa como

mais um produtos entre tantos outros57.

Os novos paradigmas desconstroem os tradicionais e, de repente, estão sendo

questionados e substituídos por novos valores. De outro lado apresenta-se uma sociedade

esgarçada, cansada, fragilizada, violenta, corrupta. Ao mesmo tempo em que se constrói a

civilização, implanta-se a barbárie. Aqui se instala um questionamento de como será

oferecida uma formação integral, e quais as condições nesse momento. Fica a impressão de

que se “rema contra a maré”, uma sensação de impotência diante de tudo. Urge que se

tenham alternativas educacionais, que inicie a formação, a “moldagem ” 58 do homem desde

“cedo”, uma concepção nova e diferente de homem, mundo e educação.

Nesses novos paradigmas concebidos pela sociedade com a modernidade, se

apresenta simultaneamente ao homem novas concepções de mundo, com isso novos

comportamentos e valores entram na vida humana sem serem questionados e refletidos,

isto é, não ocorre uma auto-reflexão instaurado pela consciência humana no decurso da

experiência histórica, advindo dessa ausência de reflexão controvérsia e insatisfação na

atividade humana. O homem passa hoje por um novo momento, com novo ritmo sendo

implementado na história que, segundo Caravantes, implicará mudanças:

O que muitos dirigentes, tanto do setor público como do privado, ainda não perceberam é que a aventura humana está no limiar de sua história. E como acontece em qualquer período de transição, certo número de instituições irá desaparecer, outras serão transformadas, outras ainda crescerão e se desenvolverão. O certo é que todas serão afetadas de uma forma ou de outra pela nova situação global, e viver sob tão grandes mudanças requer flexibilidade e sabedoria (CARAVANTES, 2000, p.49).

Percebe-se a concretização de um fenômeno há muito previsto, uma situação de

mudança, “um ciclo”. A questão que fica é em que situações e condições estar -se-á

57 Esse pensamento vem sendo muito bem trabalhado por Zigmunt Bauman, em seu livro Modernidade Líquida. 58 Moldagem no sentido de uma formação humanística, contendo as bases da ética, justiça e dignidade.

79

enfrentando esse “mudar”. Trazendo essa questão para um nível mais pessoal, familiar,

identificam-se inúmeras angústias e situações não claras para o homem hoje, que

necessitam ser determinadas para não se incorrer num esmaecer do “ser” humano 59.

A situação é bastante complexa em um momento em que todos estão desesperados.

O homem não sabe como educar seus filhos, que futuro eles terão, qual a melhor forma de

educar. O homem encontra-se literalmente perdido quanto ao futuro. Os sonhos, a utopia

está distante de uma realidade vivida agora no século XXI, apregoada no século XX como

o século do futuro da realização humana. Parece que isso ficou só nas palavras sendo

levadas pelo ralo do sistema econômico. Ser normal é manter o sonho, manter a indignação

e, apesar de tudo, acreditar num projeto educacional, na possibilidade. Poder-se ia até dizer

que toda pessoa saudável é uma pessoa desajustada.

“Toda sociedade se defronta com o problema de sua existência pragmática e ao

mesmo tempo com a verdade de sua ordem” (SHELDON VOEGLIN apud

CARAVANTES, 2000, p.58). Entretanto, a sociedade vem enfrentando sérios problemas

desenvolvidos ao longo destes tempos, manifestando de forma clara a ineficiência e a

inadequada solução de forma criativa e ética. Frente a isso, os problemas se acumulam e se

avolumam, e um “sentimento de desamparo” e de “perplexidade torna -se característica

principal do mundo contemporâneo” (Idem, p. 58).

A partir da Revolução Industrial, a racionalidade funcional passou a predominar em

meio a um cenário de busca de práticas utilitaristas. Essa busca é própria de uma sociedade

que está buscando comodidade e facilidades, mesmo que esse modelo seja proporcionado a

uma minoria, detentora de um poder econômico, que o sustenta. Cria-se, com isso, uma

visão distorcida de homem e de mundo. A partir de certo momento, a economia

neoclássica e sua racionalidade tornaram-se a única forma de analisar toda a história da

humanidade60. Esse parâmetro de análise e julgamento resulta numa forma de

planejamento e se estendeu a todos os setores. O mundo torna-se uma aldeia global

capitalista, e o pilar central de toda uma política mundial é o econômico. O ser humano, o

ser, o humanismo cedeu lugar à racionalidade, à oferta e à procura, à mais-valia, à

quantidade, ao ter, valores desprovidos de qualquer qualificação ética. Um ponto de

referência falso passou a ser considerado como o mundo real.

59 É necessário muitas vezes fugir às regras. Em determinadas situações, ser normal é gritar, contestar, não aceitar o que parece óbvio à maioria, transgredir normas, e freqüentemente ver-se só, um profeta. O problema está em agüentar aquilo que não pode ser suportado. 60 Falácia econômica de Karl Polanyi – falácia é uma armadilha enganosa resultante de um erro lógico.

80

A sociedade industrial encontra-se em uma encruzilhada com senso de urgência.

Manter o ritmo atual, sem ponderações e correções, poderá ser mortal. O repensar dos

valores atuais está se tornando uma necessidade vital, não podendo ser adiada e delegada,

pois está conectada à sobrevivência do homem enquanto espécie. No ritmo estabelecido e a

ótica trabalhada na realidade atual frente toda a complexidade social, política, mundial. há

que se ter atitudes concretas, eficientes, não esquecendo considerações de ordem ética na

busca desses objetivos.

Muitas ações isoladas vêm sendo feitas pelo mundo afora, tantas que seria

necessário um tempo exaustivo de pesquisa para enumerá-los, entre os organismos

nacionais e internacionais: ONGS, instituições religiosas, políticas, sindicatos,

cooperativas, industriais, organizações, fundações em prol do respeito à vida, do respeito

ao outro. Esses organismos todos vêm desenvolvendo ações concretas de crer na

possibilidade de um mundo diferente, que irão desencadear ações e um sentimento de que

as utopias poderão ser concretizadas.

Claro que, para essa política funcionar, é necessária a transformação da sociedade

através da educação, e segundo Maturana, se a vida é um processo de conhecimento, os

seres vivos constroem esse conhecimento não a partir de uma atitude passiva e sim pela

interação. Aprendem vivendo e vivem aprendendo. Essa posição é estranha a quase tudo o

que chega por meio da educação formal. (MATURANA, 2004 p. 12). Existe hoje todo um

discurso dentro da escola onde o que é menos valorizado é o saber. Ela está se

preocupando mais com os aspectos físicos e psicológicos do que o desenvolvimento do

saber. São pouco os que estimulam o questionamento, visto não ser esta a política a ser

seguida61.

Essa encruzilhada em que a civilização se encontra chegou a patamares elevados de

técnicas, de produção em escala de bens e serviços cada vez mais sofisticada, buscando

suprir as necessidades criadas pelo sistema, de mídia e comunicação, podendo ocorrer a

massificação e a uniformização de pensamentos. É uma evolução que ocorreu, mas que

não basta a si mesma e não se completa, deixando lacunas e um sentimento de insatisfação

e vazio. É uma necessidade de buscar algo mais. “Pessoalmente, tenho a s ensação de estar

navegando em um barco veloz, à noite, sem um único instrumento de navegação a bordo, 61 De acordo com o Documento de Santa Fé (PADARÓS, 1996), “quem controla a educação define seu passado e – como já se viu – também o futuro. O amanhã está nas mãos e no cérebro dos que estão sendo educados hoje”. Ainda, “os E.U.A. devem tomar a iniciativa ideológica. É essencial que se estimule a herança cultural comum das Américas. A educação deverá inculcar o idealismo que serve de instrumento para a sobrevivência”. (PADARÓS apud FERNANDES, Miriam Munhoz. A política econômica da globalização e suas implicações no sistema educacional brasileiro. Banco de Teses, CAPES, 2003).

81

nem mesmo uma bússola e uma carta náutica. Dá para entender onde estamos nos metendo

e quais as possíveis conseqüências?” (CARAVANTES, 2000, p.67-68). Isso leva a pensar

onde se quer chegar, com quem se quer chegar e qual o estado que lá irá se encontrar.

Sêneca dizia: “Se não tiveres um porto de chegada, nenhum vento lhe será favorável” ;

ainda mais, o ponto de partida será relevante no percurso a seguir, será determinante. Serão

os momentos mais precisos. Sem planos e metas e reflexão não se empreende longa

viagem; dessa forma não terás “embarcação” para longos empreendimentos, longos

“sonhos”. Portando , a preparação, as horas dedicadas, planejadas, revisadas marcarão o

“sucesso” sem acontecimentos trágicos. Poderá até ocorrerem imprevistos ao longo do

percurso, mas estarão sob controle62.

Viver em sociedade nunca foi uma tarefa fácil, em nenhum momento da história

isso ficou demonstrado. O convívio social é uma aproximação dos contrários, dos

desiguais, de opiniões e interesses diferentes. A postura de indivíduos pautando a ética,

posturas em benefícios morais, tende a ter menor resistência e maior credibilidade.

Ao perguntar se “é possível ser ético”, est ar-se-á expondo um problema gravíssimo

da atualidade, demonstrado que os princípios que regem e norteiam os comportamentos

estão em crise. “O bom cedeu lugar ao útil, o correto, ao funcional, o futuro, ao

imediatismo, e o social ao individualismo exacerbado. Nesse contexto há uma inversão de

valores, onde o honesto é visto como tolo, e o malandro é visto como um exemplo a ser

seguido” (CARAVANTES, 2000, p.71). Há que se pensar e agir eticamente. Não se

concebe ética sem ação; elas andam juntas. Agir eticamente é uma opção, ninguém obriga

ninguém a ser ou deixar de ser ético, a escolha é rigorosamente individual.

A situação que envolve o homem no dia-a-dia exige posicionamento e postura

diante das estruturas do mundo agitado, em franco processo de transformação, que é

reflexo e também vem incidir sobre os valores. Parte da tarefa e desafio do homem é sair

desse estado de transe industrial em que se encontra alheio aos acontecimentos, distante

das ações futuras, imerso em vãos valores.

62 De uma forma ilustrativa aborda-se a educação, o caráter imprescindível a ser dado enquanto formação e preparação de jovens para a vida adulta. Ilustra que uma boa educação resultará um homem equilibrado e seguro. Ilustra-se que é o momento enquanto jovens na escola que deve ser trabalhado os preceitos morais e éticos.

82

O homem hoje perdendo a relação com os valores hierárquicos, perde o sentido da vida, por não considerá-los. O homem imerso em meio a tanta tecnologia e o predomínio da ciência, se “entope” com coisas fúteis e se esvazia de sentido. Perde a capacidade de contemplação por priorizar a práxis, absolutizando-a, tornando-se individualista, subjetivista e relativista, não se importa com a ética, com os valores que norteiam a vida humana, com o transcendente, acaba buscando o próprio prazer, o lucro. É capaz de manipular tudo, natureza, pessoas, etc. para desfrutar de um prazer egoísta e mesquinho (VAZ, 1997, p.101-118).63

Optar por ser ético, portanto, é optar por dar algum significado à própria existência,

de forma responsável, digna, humana e comunitária, sabendo que essa ação tem

conseqüências a curto e longo prazo e terão implicância na vida dos seres humanos, a

reflexão ética norteará as ações humanas. Os próprios filósofos, como John Locke, Jean

Jacques Rousseau, Emile Durkheim, destacam que nenhuma consideração ética tem

sentido senão dentro de um sistema coerente que inclua pressupostos relativos à natureza

do mundo ou do contexto dentro do qual se esteja atualizando; noções sobre a natureza do

homem, sua capacidade e suas limitações; alguma noção de propósito, que dê significado

às ações próprias que realize, aos hábitos e à educação moral. Como se pode ver, nenhuma

regra de bolso poderia substituir o processo de reflexão pessoal, seus hábitos e a educação

moral. Ao final de tudo, trata-se de como se quer portar diante da vida e de como deseja

sentir-se, cada manhã, ao olhar no espelho. Não há como mentir para si mesmo.

A finalização deste capítulo aponta que o homem encontra-se imerso em uma

grande crise: a crise do sentido, dos valores. Tentativas de pensar o homem sem valor,

sem ética, sem princípios que o norteiam não podem ser consideradas como princípios

educacionais, pois, fora dos valores da moral, da ética, dos hábitos, as coisas perdem o

sentido. Perderam-se os sentidos no momento em que se afastou dos valores reais e

absolutos, dos princípios norteadores de toda a vida humana, de toda cultura humana.

63 Vaz, Henrique C. de Lima, “Filosofia e Cultura: o problema dos fins”, in: Escritos de Filosofia III – Filosofia e Cultura, ed. Loyola, São Paulo, 1997:101-118)

83

4 EDUCAR = HUMANIZAR?

Hoje entendo bem meu pai. Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livro ou TV. Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar suas próprias árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar do calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto. Um homem precisa viajar para lugares que não conhece, para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como imaginamos e não simplesmente como ele é ou pode ser. Que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver. (Amy Klink, conceituado velejador brasileiro).

4.1 Humanismo e a educação

A reflexão de caráter humanístico manifesta haver uma possibilidade de a educação

enquanto ação reflexiva e transformadora, ações pautadas em princípios éticos. Consciente

o homem pode ver presente aí possibilidades, é acreditar no homem e sentido nos seres que

o cercam de valorização e revalorização, ganhando sentido e comprometimento. Homem e

mulher, enfim preocupados em aprimorar o conhecimento da complexidade desta casa

comum, que é a Terra, e poder, desta maneira, atuar de forma a garantir a sua

habitabilidade.

Para um estudo da educação humanística, levam-se em consideração alguns dados

já fundamentados nessa dissertação em capítulos anteriores, onde são enfocados

acontecimentos com fatos, dados, possibilitando dar seqüência à análise, neste capítulo.

Esse é um conhecimento que possibilita uma compreensão do ser humano e a resposta às

indagações e angústias que rondam o presente. Um passado que possibilitará fazer uma

conexão com o presente, não dissociado, estanque, mas num sentido de continuidade, de

um processo constante da humanidade.

84

Portanto o que se pretende, munido de uma relativa historicidade humana e de

pensamento enquanto conhecimento feito através do tempo, é ter uma reflexão das diversas

incógnitas em que o homem se encontra, algumas delas suscitadas nessa dissertação em

momentos anteriores. Acredita-se, dessa forma, ser possível ter uma compreensão e uma

reinterpretação, como também buscar respostas às perguntas e muitos questionamentos.

Nesse momento em que se encontra o homem, quais e que respostas serão dadas? Em uma

relação com o passado, o que poderá ser dito do presente? O que se espera da educação?

Que educação? De quem esperar? Qual a formação exigida, a situação dos educandos e

educadores, e muitas outras.

Na tarefa educacional quanto a formação do homem moral, partindo das idéias

essenciais de Sócrates e Platão, vê-se que a formação do homem moral, se dará dentro de

um estado64 justo, e dentro desse estado justo se fará o projeto de homem. Vejamos a

concepção dos gregos de educação a partir de Jaeger:

Ela é o princípio por meio do qual a comunidade humana conserva e transmite a sua peculiaridade física e espiritual. [...] Na educação, como o Homem a pratica, atua a mesma força vital, criadora e plástica, que espontaneamente impele todas as espécies vivas à conservação e propagação de seu tipo. É nela, porém, que essa força atinge o mais alto grau de intensidade, através do esforço consciente do conhecimento e da vontade, dirigida para a consecução de um fim. (JAEGER, 2001, p.3-4).

É no presente, na descoberta do lugar do homem enquanto sujeito que se descobre a

essência da educação. Já dizia Heidegger: “a existência precede a essência”, ou seja, a

razão de ser, o seu sentido, o seu lugar. Nisso tudo se desvenda a necessidade de identificar

qual a função da educação hoje. De que obrigações ela não pode se furtar, e qual o local de

trabalho da educação?

Nesse sentido, na busca de dar respostas a uma situação de incompletude do ser,

frente a todo um quadro social que na maioria das vezes recai sobre o educador, muito se

tem escrito, com uma diversidade de assuntos e enfoques.

Existem muitos escritos apocalípticos, psicologias de momentos e pedagogias de

épocas, tentando desvendar o papel da educação e do educador. Faz-se mister um olhar

sério e crítico, visto estas ações terem implicações no futuro. O avanço da técnica e o

mundo moderno geraram inúmeras indagações. Junto a isso se gerou uma avalanche de

64 “Polis, traduzida por estado. Significa também cidade. Cada cidade era um estado” (ROSA, 1995, p.39).

85

conteúdos – a educação entendida como informações conteudistas. Todavia, essa grande

quantidade de informações presentes no mercado é bem diferente de qualidade. Nos

diferentes enfoques que vem sendo dados à educação, aos processos educacionais, impõe e

exige mudanças. Essas inovações geralmente provenientes da evolução tecnológica, dentre

elas muitas resultante de exigências do sistema econômico. Como diz Gamboa, “Nesse

universo de contradições, a educação parece sobreviver às quedas e às destruições,

entretanto é pressionada a assumir novos papéis” (2003, p.79).

Nessa reflexão trilhar-se-á por dois caminhos. Um deles é a educação enquanto

uma base de inserção do indivíduo na sociedade capitalista, aquela originária no momento

do Iluminismo, refém de um sistema capitalista, em constante processo de evolução, que

não tem cara nem forma, pode-se dizer “um camaleão”. O outro é a educação enquanto

processo de formação humana, enquanto base do desenvolvimento pessoal, não impedindo

a outra de existir, interagindo em meio a um processo em desconformidade, justificando

seu existir. Daí novamente as indagações a serem pensadas, da educação nos dias de hoje,

dos elementos que a tornam vitais. Quem é o professor do século XXI? Qual o papel das

universidades no século XXI? A universidade vem exercendo um papel em conformidade

com o ser humano? Diante do processo tecnológico, da pós-modernidade, que saberes são

necessários para os dias atuais?

Para dar seqüência à abordagem dos dois modelos de educação, será feito um

momento de reflexão sobre o presente, a partir de algumas situações da sociedade

contemporânea.

O homem se encontra em um “mal -estar” progressivo, e uma definição de

progresso incerta, problemas de diversas ordens surgiram ofuscando o brio tecnológico.,

perdeu-se o sentido sobre diversas relações existentes para ser humano. O homem se

encontra em um mal-estar geral. Para corrigir isso há a necessidade de transformar o

habitat humano em um lugar realmente habitável; isso é um desafio para a humanidade,

pois implica rever conceitos, mudanças, incluir o diferente, criar novos paradigmas, isto é,

uma nova postura de homem e de ser humano. O sistema presente até então denuncia o

modelo econômico praticado há mais de cem anos, que é emergente das ciências e

excludente, tecnicista, fragmentado e finalista.

No entanto, esse sistema, essa nova ordem social vista enquanto denúncia,

possibilita denunciar o mal estar da humanidade, levando a partir do oposto, uma reflexão

com possibilidade de uma ética universal que privilegie a relação do ser humano com o

planeta Terra, apontando limites e possibilidades de desenvolvimento.

86

A questão central que atinge a sociedade global é que os rumos do avanço

tecnológico desencadearam uma corrida autônoma da tecnologia. Ela, que teoricamente

deveria estar a serviço do homem, em última análise está a serviço de si mesma, ou

melhor, a serviço da lógica das grandes corporações. O Papa João Paulo II, em uma de

suas viagens, disse: “ O homem é muitas vezes tratado como mero instrumento de

produção, como uma matéria-prima que deve custar o mínimo possível. Em situações

como essa, o trabalhador não é respeitado como um autêntico colaborador do Criador”

(Homilia na Coréia do Sul, 1984). A conseqüência de tudo isso é que os processos

tecnológicos levam em conta custo, meio, consumidor. Resultado disso é o ser humano,

enquanto pessoa, desaparecer para ser um cliente que tem desejos satisfeitos. Abismos

tecnológicos se criam, assiste-se a avanços tecnológicos fantásticos, mas, ao mesmo

tempo, há um crescimento imenso da poluição ambiental, da destruição do meio ambiente,

da pobreza e da concentração de renda, dos níveis de poluição nos grandes centros

alarmantes, a saúde está deteriorada, a educação e o acesso à cultura são restritos, além de

um sentimento geral de vazio e insatisfação. No final do século XX e início deste século

XXI se evidenciou a fragilização e a banalização da vida humana.

Esse momento tem suas raízes em momentos anteriores enfocados no primeiro

capítulo desta dissertação, também bem representadas por Gamboa, que diz:

A modernidade caracterizada pela era da razão (cogito cartesiano), a recuperação da experiência sensível (novo organon baconiano) e a confiança no poder transformador do homem proclamaram, no século XIX, uma escola capacitada para disseminar os conhecimentos acumulados e as luzes da razão: uma escola pública, obrigatória, universal e laica. [...] Entretanto, esse ideário liberal-iluminista, construído ao longo dessa modernidade, é ambíguo. (GAMBOA, 2003, p.80).

Esse racionalismo tecnológico tem suas origens no ideal racionalista gestado na

idade moderna. Em relação à educação e ao papel do Estado, mantém-se o mesmo link da

racionalidade utilitarista. Nessa mesma linha, Adam Smith, em riqueza das nações,

defendeu a educação pública e gratuita argumentando que, com gastos muito pequenos, o

Estado pode facilitar e disseminar os pontos necessários e comuns a todos através da

educação. Visto de outra forma, seria delegar ao Estado a função de treinar e qualificar

87

uma mão de obra, expressando assim uma finalidade que é entendida ser a da educação,

como também a uniformização de um mercado consumidor65.

É evidente que a educação não é um ato neutro, pois está carregada de interesses e

de valores próprios da cultura de cada sociedade. Isso é possível identificar em diversos

projetos de leis e reformas.

No final do século XX, por exemplo, pôde-se começar a constatar a expansão do tecnicismo educativo atrelado aos interesses do capitalismo global que exige investimentos em recursos de informática e de multimeios para formar um homo faber mais eficiente e útil no atendimento às necessidades dessa nova fase do capitalismo (GAMBOA, 2003, p.86).

Com isso, evidenci-se um sistema educacional atrelado aos interesses dominantes e

que exerce formas de exclusão num discurso em sintonia com as políticas mundiais e do

Banco Mundial. Existe uma compreensão do emprego da educação para qualificação,

como uma variável para o desenvolvimento econômico, uma redefinição do “homo faber”

para essa nova fase do capitalismo. De acordo com a política do Banco Mundial, segundo

Gamboa, no final do século XX e início do século XXI, há uma delimitação de nove anos

de escolaridade básica, entende ele haver um paradoxo, e não corresponde com as políticas

do Banco Mundial, como se observa:

E, obviamente, o Banco Mundial não tem nenhum interesse real em pagar uma educação básica de nove anos [...] que saindo da escola ingressam no setor de empregos precários, ou no exército de desempregados, cujos ingressos raquíticos não garantem a reprodução da força de trabalho e em cujo infra-mundo as habilidades educativas formais adquiridas não são instrumentos necessários na luta pela sobrevivência (STEFFAN apud GAMBOA, 2003, p.98).

Gamboa prossegue na sua análise: “ a pessoa deve evitar que sejam dotados de

armas intelectuais, as quais podem transformar esses futuros cidadãos num risco político

para a estabilidade da ordem mundial” (2003 , p.99). É só observar ao redor o que vem

acorrendo: o sistema mundial econômico pós-moderno trabalha no sentido de preparar o

65 A exemplo, o que ocorre no Brasil na forma de diversas leis, principalmente a lei 5.692/71 que fixa as Diretrizes e Bases para o ensino de 1° e 2º graus, e dá outras providências. http://lise.edunet.sp.gov.br/paglei/notas/lei5692_71.htm

88

homem em um aspecto, de que ele não precisa pensar, alguém o faz por ele. Até seu

próprio lazer, alguém sabe o que é melhor para ele. “A implementação dessa política de

formação de ‘capital humano’ vem sendo dirigida pelo Proto-Estado Mundial, por

intermédio do Banco Mundial, FMI e UNESCO. Tal política prioriza a formação técnica,

desprezando o potencial humano para a criatividade e a produção científica” (GAMBOA,

2003, p.99). Sobre essa situação, Christian Laval diz que “o ‘homem flexível’ e o

‘trabalhador autônomo’ constituem assim as referências do novo ideal pedagógico” (2003 ,

p.03). E esse potencial humano e criativo entendido como um ideal pedagógico é

necessário para romper uma estrutura de servidão momentânea e conformista.

Na sociedade flexível, instantânea, a escola não pode ser camaleônica, não pode ser

instantânea – não é possível o instantâneo para o pensamento. O humanizar-se, o tornar-se

humano passa por uma sociedade livre e igual para todos. É necessário o homem estar na

“onda” 66, mas ele precisa ver a construção de desigualdade social que se instaura no

sistema.

No entanto existe certa autonomia pelo fato de o ser humano ser dotado de

liberdade. Citando FREIRE, que vê a educação como “ prática da liberdade” (1996,

passim), o ser humano é entendido e se descobre como produtor de cultura. Os homens se

vêem como sujeitos e não como objetos da aprendizagem. O ato de liberdade está presente

a partir da leitura de mundo de cada educando e educador através de trocas dialógicas,

constrói novos conhecimentos sobre leitura, escrita, cálculo. Vai-se do senso comum ao

conhecimento científico num processo contínuo de troca e avanços, necessitando

evidentemente a predisposição do sujeito.

A educação, segundo FREIRE (1996), deve ter como objetivo maior desvelar as

relações opressivas vividas pelos homens, transformando-os para que eles transformem o

mundo. Paulo Freire é um educador com profunda consciência social. Mais do que ler,

escrever e contar, a escola tem tarefas mais sérias, como desvelar para os homens as

contradições da sociedade em que vivem. Portanto, por mais que se construa um protótipo

de homem, há sempre o caráter de liberdade, de construção. A educação é um devir. Nada

pode afirmar a priori sobre o que vai acontecer com o sujeito, situado em um vir a ser, que

possibilita ao homem ser e refazer-se a cada momento. Portanto, a educação tem a

responsabilidade de constituir o homem enquanto ser dotado de liberdade. Nesse viés,

ARROYO diz:

66 Onda aqui é entendido como os momentos fortes do mercado mundial, das tendências. Ilustrativamente a onda, vai, volta e se refaz de diferentes formas, mantendo-se constante.

89

Este mundo humano para o qual educamos é mais do que um mercado onde devemos aprender a sobreviver. É um mundo de cultura, de valores, de representações coletivas, de normas, de “modelos” de homem e de mulheres, de criança, de jovem ou de adulto. Onde está a diferença entre cuidar, adestrar o filhote do animal e o filhote humano? “[...] não é tanto o entendimento que faz, entre os animais, a distinção específica do homem, mas sua qualidade de agente livre. A natureza comanda o animal e a besta obedece. O homem experimenta a mesma impressão, mas se descobre livre para aquiescer ou resistir [...]”, nos lembra Rousseau. O que há de novo em cada criança que chega ao mundo? (ou que chega à escola?) A essência do novo é a liberdade de que é dotado o pequeno ser humano (ARROYO, 2004, p.231).

O ato de liberdade está presente em diferentes momentos, mesmo na instância atual,

de um paradoxo existencial da época pós-moderna, em que se tem um reordenamento das

políticas educacionais para um modelo capitalista, neoliberal, persistindo nesse sistema o

caráter de responsabilidade, de liberdade e da prioridade educacional. Diz ARROYO:

Educar para a liberdade e, ao mesmo tempo, educar para que cada filhote humano interiorize os valores de todos: a cultura. O que nossa sociedade institui como sentidos para sermos humanos. E mais, colaborar para que se descubra livre para aquiescer ou resistir. Esse o enigma de toda ação educativa (2004, p.231).

Emerge um caráter de liberdade como capacidade crítica, o livre-arbítrio de

transitar em diversas culturas sem oprimir e ser oprimido. Essa educação para a liberdade

pode ser entendida como uma educação planetária.

O século XXI é uma época em que as mudanças são constantes, atingem todas as

áreas e têm um caráter universal. Há de se pensar que tipo de educação é necessária para

esse momento. Qual o papel da educação nesse cenário? E diante da afirmação de Jacques

Delors de que “sob diversos aspectos a educação continua sendo o pulso da sociedade. Ela

reflete as tensões de hoje e as aspirações de amanhã” (2005 , p.8), qual o saber necessário

requerido para essa época? Qual o saber para que o ser humano não seja tratado e abordado

como mais um produto que precisa ser reciclado, trocado ou substituído? Há que se refletir

se esta mentalidade consumista não vem sendo aplicada ao ser humano?

Questões estas que devem ficar como um constante questionamento diante da

concepção de liberdade, opondo-se a modelos conformistas, excludentes e finalistas.

Algumas das questões para a reflexão serão propostas a seguir, precisando uma

conceituação do que vem a ser educação.

90

4.2 Conceituando educação

A educação é um direito de todos, garantida e presente na Constituição Federal

brasileira67. Ela tem um papel estratégico na construção de um novo projeto de

desenvolvimento, que compatibilize crescimento sustentável com ética e justiça social.

O conceito de educação68, como sendo de caráter universal, vem sendo trabalhado

desde a Idade Média, sendo evidenciados diferentes enfoques em cada período histórico.

No período da Idade Média e em outros ela é a base de uma sociedade burguesa que surge.

No princípio a burguesia, enquanto classe, é tida como revolucionária, pois vem de

encontro a uma estrutura aristocrática, legitimada pelo poder de então (Igreja e Estado),

propondo algo novo e rompendo certos conceitos. As transformações que surgem nesse

período provocam grandes mudanças no campo social, político, econômico, no saber e em

sua organização. Com Comenius (1592-1670) ocorre a organização do saber. Com a sua

Didática Magna (1632), propõe a todos os homens, pelo fato de todos serem iguais, um

mínimo de saber necessário, sendo este “universal, público e padronizado” . E conforme

Buffa:

Ensinar a todos porque o homem tem necessidade de se educar para se tornar homem. O homem tem as sementes da piedade, da moralidade e da sabedoria, que deverão ser desenvolvidas pela educação. Devem ser enviados às escolas não apenas os filhos dos ricos ou dos cidadãos principais, mas todos, por igual, nobres e plebeus, ricos e pobres, rapazes e raparigas em todas as cidades, aldeias e casas isoladas. Assim, todos saberão para onde devem dirigir todos os atos e desejos da vida, por que caminhos devem andar, e de que modo cada um deve ocupar o seu lugar (BUFFA, 1993, p.20).

É evidente que a ideologia burguesa de educação daquele período, como o sistema

capitalista neoliberal, não esteve e nem está voltada para os direitos dos cidadãos, para o

respeito e a valorização de seus ideais, de sua dignidade como pessoa humana. Mas

permanece voltado para uma melhor organização na economia industrial.

67 Artigo 205: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. E no artigo 206, também vem garantir “liberdade”, “igualdade”, “valorização”. 68 Pelo dicionário, educação é um conjunto de normas pedagógicas para o desenvolvimento geral do corpo e do espírito; ação de educar; cortesia; polidez.

91

Como um dos primeiros reflexos disso tudo, vê-se uma educação sendo fracionada

e escalonada. O trabalhador desempenhando atividades iguais e rotineiras acaba alienando-

se, imbecilizando-se. Portanto SMITH (1723-1790) em sua obra Riqueza das nações,

expõe a necessidade de uma educação essencial – escrever, ler, contar e aspectos básicos

de mecânica. Isso não quer dizer que esteja preocupado com a formação; a proposta é de

um caráter de educação voltado para a empresa, para um maior aproveitamento das

potencialidades do trabalhador.

Também BUFFA analisa o aspecto de manipulação da educação, isto é, o caráter

ideológico e demagógico que a educação passa a exercer: “ “O E stado, afirma ele, pode

fazer isso com poucos gastos e com enormes vantagens, de vez que um povo instruído e

ordeiro obedece aos seus legítimos superiores e não é presa fácil de ilusões e superstições

que dão origem a terríveis desordens (SMITH, 1983, p.213-8, apud, BUFFA, 1993, p.28).

“ Assim, a educação dos trabalhadores pobres tem por função discipliná-los para a

produção. O que vem sendo proposto para a maioria da população é pouco, é o mínimo,

um mínimo necessário para fazer do trabalhador um cidadão passivo que, apesar de tudo,

têm alguns poucos direitos” ” , (idem, p.28), papel que também a universidade vem a

exercer, fragmentando de certa forma o saber e concebendo-o dissociado da realidade,

segundo ROSSATO:

A pluralidade de Universidades diversifica amplamente os modelos afastando-se das origens e relegando o antropocentrismo do Renascimento a uma área de estudos. A universidade abrange a universidade do conhecimento, mas os universitários recebem este mesmo conhecimento fragmentado, desconexo, descontínuo, sem compreender sua relação profunda com a evolução humana e com todo o processo de construção do mesmo. Desta forma é possível diplomar-se, em muitas universidades, sem noção básicas sobre direitos humanos ou, mais grave ainda, sobre as origens e o destino do homem (2005, p.230).

Levanta-se brevemente essa questão da universidade e da formação do professor,

somente para expressar a amplitude e sua importância e fundamentação do aspectos

críticos da educação. Entretanto, esses dois temas serão abordados logo adiante. Para

ASSMANN, a “educação terá um papel determinante na criação da sensibilidade social

necessária para reorientar a humanidade” (1998, p.26). Nas condições atuais de um grande

avanço técnico científico que prezou pela qualidade de produtos e serviços com o intuito

da satisfação das necessidades de um relativo grupo, e por um outro lado, pela quantidade

92

de produtos focando o lucro, é imprescindível a análise do papel da educação, a práxis.

“Está surgindo uma hipótese desafiadora: a hu manidade entrou numa fase na qual nenhum

poder econômico ou político é capaz de controlar e colonizar inteiramente a explosão dos

espaços do conhecimento. [...] Por isso a dinamização dos espaços do conhecimento se

tornou a tarefa emancipatória politicamente mais significativa” (ASSMANN, 1998, p.27).

Essa idéia desafiadora mencionada acima faz mais sentido ainda no contexto atual,

de globalização, na limitada situação reguladora ao acesso no contexto pós-moderno, não é

concebível somente a alguns o acesso as informações. A pós-modernidade traz a

possibilidade ao acesso a todos, e segundo Barreira “hoje a circulação de conhecimento

depende em grande medida das máquinas informatizadas. Uma das conseqüências disso é a

alteração da relação entre sujeito e conhecimento”. ( BARREIRA, 2003, p. 443) Mas essa

eficiência anunciada fica ainda enquanto possibilidade, como diz Barreira, “a modernidade

avançou deixando vazios gerados pela expectativa de suas promessas”(idem, p. 446).

Entende-se estar envolto os termos pós-modernidades e modernidade, onde aborda

a primeira como uma radicalização da segunda69. O modo liberal de vida adotado pela

sociedade moderna libera dos modelos tradicionais provocando profundas mudanças nunca

vista. Segundo BARRERA, “o resultado não se rá algo novo, mas aperfeiçoado ou

radicalizado, [...] Trata-se de uma destruição de origem interna, e não externa”.(idem,

p.448). É um tipo de modernização, modificando-se ao se desenvolver onde não é possível

fazer um trabalho de valorização das relações pessoais e ressignificar espaços apropriados

para uma sociedade em constante mudança sem dar um sentido humanístico nos espaços

propícios, escola, família, espaços diversos de relações sociais. Nesse sentido há um viés

transformador e desafiador, como diz ASSMANN:

A humanidade chegou numa encruzilhada ético-política, e ao que tudo indica não encontra saídas para a sua própria sobrevivência, como espécie ameaçada por si mesma, enquanto não construir consensos sobre como incentivar conjuntamente nosso potencial de iniciativas e nossas frágeis predisposições à solidariedade (1998, p.28).

É um processo estanque, que precisa urgentemente de medidas eficientes, nascidas

dentre os mesmos indivíduos, nas muitas relações sociais, a partir de um processo

consciente, crítico.

69 Os principais autores dessa vertente são Gilddens, Beck e Lash, apud BARREIRA, 2003, p. 446)

93

Nesse sentido FREITAG desponta com uma clareza, abrindo possibilidades ao

dizer que

O homem somente pode vir a ser homem através da educação. Ele não é outra coisa senão o produto de sua educação. E cabe mencionar que o homem só pode ser educado por homens, que por sua vez foram educados. Por isso a ausência de disciplina e instrução em certas pessoas faz delas maus educadores de seus educandos (FREITAG, 1994, p.22).

Frente esse excerto, o que se entende por disciplina hoje? Qual o limite da

disciplina70?

Na verdade a educação aparece como a esperança, como um elemento constituinte

do novo modelo de desenvolvimento que se espera para o ser humano numa ótica

humanística e cidadã que contempla o indivíduo na sua totalidade, possibilitando

realização pessoal e melhoria de qualidade de vida. Ela é vital para romper com a histórica

dependência científica, tecnológica e cultural, é o espaço que consolida nações e ações

democráticas, autônomas, soberanas e solidárias71.

Nesse viés, o “humanism o latino, como qualquer conceito, nasce da necessidade de

se buscar uma solução para o perigo que ameaça o homem contemporâneo” (PAVIANI,

2000, p.98). Não se fala mais em avanço, fala-se em garantias mínimas, e que as outras

gerações continuem tendo a chance de existir em um mundo habitável, com ética e

cidadania.

Pensar, portanto o humanismo neste alvorecer de novo século e milênio se constitui, assim, em reencontrar na raiz mais profunda do existir a razão de ser do existir. Isto é, constitui o sentido da convivência realmente humana em direção definitivamente plural, para além de qualquer generalização e banalização desse sentido; desconstruir as lógicas totalizantes, violentas e falsamente conciliatórias, que proclamam humanismos grandiloqüentes, ao mesmo tempo em que semeiam a morte e a destruição, e que se revestem de formalidades e sutilizas filosóficas para evitar que seu núcleo real seja percebido; e apostar no propriamente desconhecido: o Outro que, vindo de infinitamente longe, suporta minha existência ao chamá-la inelutavelmente à responsabilidade ética (SOUZA, 2001. p.93-94).

70 A disciplina é vital para a manutenção de qualquer sistema. Através dela, corporações, sistemas e instituições perduram por séculos. Exemplo: religião, igrejas, ordens religiosas, cultura, escolas, crenças. 71 Tomemos o exemplo da Coréia do Sul: o investimento em educação num país devastado pela guerra civil o fez emergir para o primeiro mundo, galgando espaço no meio científico e tecnológico. Muitos outros países, ao assumirem a educação como ponto central, transformaram-se gradativamente e qualitativamente.

94

A educação aparece como um elo de humanização a ser construído e propõe-se a

ser o espaço legal, legítimo e possível de igualdade entre os homens. No instante em que

for negada a possibilidade de se galgar um outro quadro social, no momento que o

indivíduo deixar de sonhar com a possibilidade de existência de um outro mundo, mesmo

que inicialmente seja de forma utópica, perde-se o caráter mágico e encantador da

educação72. Principalmente no cenário atual de globalização, há um desafio

socioeconômico e ético para a educação.

Até poderia ser dito que o ponto nevrálgico na construção de uma sociedade

democrática, centrada a partir da escola, está na “esperança” e na “ética”. E por uma das

razões ser esta, propõe-se a reflexão do humanismo numa concepção ética da educação na

contemporaneidade.

O mundo é o ser humano que constrói e atribui significados. Sendo que cabe a cada indivíduo e a cada geração perceber-se dentro de seu mundo já construído, reconstruí-lo e ressignificá-lo. E por que não construir um mundo mais humano, com justiça e dignidade, onde todos se sintam bem e cooparticipantes dessa morada comum? A educação é parte da construção coletiva do mundo (CASALI apud HENZ, 2005, p.329).

Também a educação adquire um conceito social, no dizer de ASSMANN:

É fazer emergir vivências do processo de conhecimento. O “produto” da educação deve levar o nome de experiências de aprendizagem (learning experiences, como se frisa em inglês), e não simplesmente aquisição de conhecimentos supostamente já prontos e disponíveis para o ensino concebido como simples transmissão (1998, p.32).

A escola não pode ser lembrada como simples repassadora de conhecimento, ou

como a educação bancária dita por Paulo Freire, principalmente na Pós-Modernidade, uma

época altamente flexível e rápida, em que se faz necessária uma decodificação crítica dos

desafios pedagógicos que expressam uma nova linguagem. “ A educação só consegue bons

‘resultados’ quando se preocupa com gerar experiências de aprendizagem, criatividade

72 Contribuindo com esse pensamento, existe um fragmento da fala de Chico Xavier que diz o seguinte: “O desespero é uma doença. E um povo desesperado, lesado por dificuldades enormes, pode enlouquecer, como qualquer indivíduo. Ele pode perder o seu próprio discernimento. Isso é lamentável, mas pode-se dizer que tudo decorre da ausência de educação, principalmente de formação religiosa” (Chico Xavier, em mensagem recebida via Internet).

95

para construir conhecimentos e habilidades, para saber ‘acessar’ fontes de informação

sobre os mais variados assuntos” (1998 , p.32). Paulo Freire, nesse sentido, diz que à escola

não cabe somente ensinar a ler, a escrever e a contar, mas a fazer uma leitura do mundo.

Diz que o homem é alfabetizado quando tem o domínio das ferramentas que possibilitam a

leitura do mundo.

Na compreensão de uma educação contextualizada de época, faz-se mister dialogar

com o homem, com as novas linguagens que surgem desses novos cenários, pós-modernos,

que incidem também na transgressão à ética e aos valores do humano. Uma educação que

resista ao fatalismo, a um discurso hegemônico, imposto por um sistema neoliberal

excludente, que faz vítimas, marginaliza e nega a dignidade humana a quem de direito: o

ser humano. E no embate dessa compreensão, faz-se necessária uma reflexão da proposta

da educação humanística, visto que “o humanismo só é concebível na mul tiplicidade dos

humanos, e em nenhum outro lugar – nem como conceito, nem como parte de uma

fórmula, muito menos como objeto de razão”. ( SOUZA, 2001, p.89).

A educação humanística torna o homem sensível aos demais, participante de uma

mesma família, e também sensível ao meio, isto é, sua morada. Ela também enfoca o

homem como possibilidade, aberto, que se faz e refaz em todos os momentos, o que é

possibilitado pela reflexão crítica. Esses são alguns dos aspectos abordados a seguir.

4.3 Educação como resgate ao humanismo

A educação humanística consiste em uma via de fato, de resgate do homem em seu

todo. Existirão contrapontos a serem superados e reestruturados, que necessitam ser

adequados a cada momento. Há um grande problema na forma como ela vem sendo

entendida e trabalhada, de forma fragmentada. É dessa forma que ela vem sendo

implementada em muitas escolas, sendo algumas de ênfase técnica e profissionalizante. O

resultado disso é uma pessoa treinada e habilitada para áreas afins, produto de uma época e

de um sistema, entretanto pouco humana, com uma relativa capacidade crítica. É uma

situação típica desse século que se deve buscar alternativas para reparação, e de forma

urgente.

96

Só se entende a guinada dos rumos ocorrida do início da década passada, que rompe com a propositura de uma educação emancipatória, centrada na dimensão política e ética e consubstanciada na formação da cidadania, se forem considerados os determinantes sociopolíticos e econômicos que estão provocando mudanças radicais na área educacional e que se consubstanciam no neoliberalismo, na globalização, nas novas tecnologias e na denominada pós-modernidade. (OLIVEIRA E SILVA, p.560).

Nesse contexto, basta olhar as diversas medidas sugeridas e proporcionadas pelos

organismos nacionais e internacionais no tocante às reformas educacionais. Poucas delas

vieram no sentido de adequar um desenvolvimento íntegro e completo do indivíduo. Muita

ação tem sido feita por se acreditar que mudanças educacionais e culturais venham a partir

de pacotes e reformas, de cima para baixo, pensadas em gabinetes. Basta olhar os muitos

“pacotes” educacionais brasileiros, reflexos descabidos, gestados em atos desconexos,

emergenciais, paternalistas, e tantos outros absorvidos de outras realidades que não

refletem os anseios dos cidadãos.

Enquanto os educandos, educadores, pais, sociedade, governos e demais

organismos não considerarem a educação como uma forma de realização pessoal, como

uma maneira de amenizar a discriminação social e econômica, e como direito de todos não

será possível garantir um futuro harmônico e de justiça às gerações.

As futuras gerações estarão à mercê de especuladores, de um pragmatismo

filosófico e de uma sociedade vazia e sedenta, saciada com consumismo. Um conformismo

paira sobre as pessoas, manifestando uma forma de desconhecimento e impotência. Num

ponto de vista, o tecnicismo defendido em muitos momentos e implementado por muitas

escolas contrapõe a “centralidade na formação da pessoa humana, isto é, em uma

concepção ontológica em detrimento de uma concepção meramente técnico-científica;

respeito às diferenças individuais; uma formação enquanto cidadão, uma formação

integral” (OLIVEIRA; SILVA, p. 561). Esses são alguns dos princípios que compõe uma

concepção humanista de educação em contraposição a uma educação técnico-científica.

A concepção de Educação de Jacques Maritain, a partir do texto de Oliveira e Silva,

pode se constituir como uma alternativa tanto para enfrentar a primazia de uma educação

conservadora e mercantil, quanto para o resgate de uma educação emancipatória, fundada

no sonho vanguardista de uma pedagogia propulsora do crescimento humano, na formação

da cidadania, do sujeito ético e no embalo do homem superar-se a si mesmo”. (2001, p.

561)

97

É inevitável uma formação humanística para o resgate do homem, com conceitos

universais de dignidade e justiça presente em todos, com um mínimo de respeito as

diversidades que fazem parte da teia social. No atual quadro social os conceitos de

humanismo são cada vez mais imprescindíveis para conter as mazelas sociais, situações de

injustiças e desigualdades, um tanto que esquecida e ignorada73.

A passividade humana parece ser uma das ações que imperam o desenvolvimento

cultural e ético de muitos locais. Nesse sentido, Crema diz que o homem padece de uma

patologia social, “a normose”, a normalidade. Ele está se acostumado com as agressões,

entranhadas em um primeiro momento, posteriormente se acostuma com a constância dos

fatos. O sistema educacional se encontra contaminado por essa insidiosa moléstia que leva

à conseqüência trágica.

O primeiro fundamento desta patologia é o sistêmico. A normose surge quanto o sistema encontra-se dominantemente desequilibrado. Quando predomina o caos, a morbidez, a violência, a execução, o desamor, o desrespeito, o cinismo e a corrupção. Quem pode afirmar que não é este o caso onde o homem se encontra? Então, ser normal implica em se adaptar ao contexto patológico reinante, realimentando-o e fortalecendo o status quo (CREMA, 1989, p.17).

João Paulo II, na sua encíclica Sollicitudo Rei Socialis, dá mostra de sua

preocupação com relação a tal questão nos países “em desenvolvimento” devido às

injustiças sociais decorrentes da “dominação” do ambiente, baseadas na especulação

imobiliária desordenada e no nivelamento por baixo, deflagrado pela “instit uição” das

“sub -culturas” e do “subpovo” , o que prejudica o “crescimento econômico” de forma

equilibrada.

Isso posto, pode-se afirmar que não é possível deixar um sistema econômico às

soltas, que se auto-regule e estabeleça as próprias normas, regras e críticas. Faz-se

necessário uma instituição com representação, isenta, e que assegure ideais humanos

universais. E, que de fato assegure o conhecimento à cidadania. A universidade é uma

possibilidade de fato de exercícios de humanismos.

73 Se, por exemplo, analisar o Congresso Nacional Brasileiro, o comportamento de muitos não condiz com o de legislador representante do povo. Hábitos impróprios são praticados sob patamares de imunidades e benesses. Constrói-se uma imagem humana cada vez mais egoísta, mais centrada em projetos pessoais, sem preocupação com a conseqüência de seus atos, banalizando os crimes contra o outro, contra a sociedade, contra o patrimônio público, contra o meio ambiente, relegando a ética e a moral a instâncias sem representação. “Refletindo uma imagem humana cada vez mais egoísta e niilista do ponto de vista político, cultural e social.

98

Portanto, a seguir, abordar-se-á a Universidade, como um espaço ideal e legítimo

da construção do saber.

4.4 Universidades

A universidade precisa ser um espaço legítimo de busca do conhecimento local e

respeitado, que propicie a construção de um pensamento ético e científico e a construção

do humano, num ambiente de humanidade.

Passando os olhos rapidamente ao enunciado acima, ele parece obscuro e

impreciso; no entanto, é uma das questões imprescindíveis, perpassa pela necessidade de

compreender, de entender a realidade. Somente a partir de uma leitura do mundo é possível

uma ação transformadora. O modo como se enxerga o mundo corresponde ao modo como

se age para o mundo. Essa é uma das contribuições mais importantes que a universidade

pode dar, a de reconsiderar a leitura de mundo e buscar a máxima clareza acerca das

interpretações que se faz dessa leitura.

Outro aspecto a ser considerado é a existência de somente um único mundo externo

a nós. Não há uma “reali dade” independente dos seres humanos, porque a realidade é

precisamente o modo pelo qual se lida com esse mundo. E, além disso, realidade não é

algo estático para ser observado passivamente, é algo a ser conquistado. A realidade é algo

que se faz na leitura no fazer humano.

Este mundo externo ao homem muitas vezes deixa-o chocando e estarrecido. Foram

ações resultantes de um pensamento de época, da construção histórica da humanidade,

portanto a concepção de mundo que se tem, e, em algumas instâncias, que se adquire nos

bancos das universidades dará os destinos e concepções das gerações futuras. Urge que o

professor, o cientista e o técnico, para serem eficientes e competentes em suas áreas, se

humanizem, saindo da especialização para ingressarem em um novo renascimento,

possibilitando novas leituras.

É um pouco difícil pensar isso para a universidade, visto que “ela continua

prisioneira da convicção das certezas apreendidas nos textos filosóficos do começo do

século” (BUARQUE, 1994, p.35). É um novo conhecimento, uma nova forma de buscar o

conhecimento, exigindo dela um navegar em meio às mudanças que estão ocorrendo no

99

mundo. E poderia ser dito mais: ou está no mundo, fazendo uma real leitura, pois não há

finalidade na sua existência isolada.

Segundo Buarque, a universidade ao eximir-se, ignorando as crises, perde a sua

característica de contemporaneidade, como também sua perspectiva de mudança e destino.

É a crise que vai mostrar a necessidade de uma reorientação do conhecimento e da realidade do mundo à qual este conhecimento serve. Vai forçar a universidade a buscar um novo caminho, a reencontrar seu destino. Vai fazê-la voltar a ser instrumento de transição. Vai fazê-la viver a contemporaneidade da mudança (BUARQUE, 1994, p.32).

Portanto, em vez de temer a crise, deve-se se aproveitar dela para seguir

respondendo aos anseios do homem, fazendo uma real leitura, possibilitando ser um agente

de transformação para um futuro mais humano, justificando assim seu papel e sua

existência, saindo do isolamento.

A universidade, no momento em que se encontra, não pode ficar parada observando

que rumo segue as coisas. Ela precisa assumir seu papel, legitimar-se diante do mundo.

Isso exige heroísmo, falta de preconceito, uma visão ampla e abrangente do mundo e do

conhecimento. Exige, sobretudo, uma forte postura ética diante do mundo e de sua crise,

diante do destino da humanidade e do papel de cada intelectual, como também otimismo

em relação ao futuro, ciente das potencialidades geradas pelo desfio da crise.

Mas a universidade, como instituição, ainda não conseguiu dar o salto a esta nova realidade de ruptura. Os economistas, os sociólogos, os filósofos ainda não conseguiram transformar uma preocupação em uma teoria. Pior ainda, não incorporaram a nova preocupação de forma generalizada (BUARQUE, 1994, p.41-42).

Segundo ROSSATO74, “No campo do conhecimento há uma mudança substancial.

A universidade não é mais a que ensina a verdade, mas aquela que procura as novas

verdades e ensina a produzir e, sobretudo busca novos meios de aumentar a

produção” (Artigo UPF. 2004). As transformações que vêm ocorrendo no mundo são

74 Autor do livro Universidade - nove séculos de história. 2.ed. UPF: Passo Fundo, 2005.

100

grandes75. Com isso é inadiável uma reflexão do atual desempenho da universidade na

construção do conhecimento, como também estabelecer uma reflexão: que tipo de

humanismo a universidade concebe? Quais são os valores éticos despendidos e trabalhados

no seio da universidade?

Espera-se a recuperação da lacuna aberta na construção de um pensamento social,

sobre a sociedade atual, visto a dignidade da pessoa humana ter sido banalizada ao longo

dos tempos sem que a universidade tenha feito coisa alguma, ocorrendo o esvaziamento da

ética, e um esvaziamento de toda uma sociedade de humanismo. Entende-se ser o desafio

constante da universidade no mais variados cursos e instância, de promover o ser humano

na mais alta esfera de dignidade.

A tecnociência precisa de uma orientação consciente, ética e solidária, para deixar de estar a serviço de um egocentrismo desvairado, determinante de pequenas e imensas catástrofes. O ego, como um fator pessoal básico de separatividade, encontra-se no fundamento mesmo da crise planetária atual. E não será pela lógica que criou o problema que se irá solucioná-los, evidentemente (CREMA, 1989, p.13).

Não que a sociedade nem a universidade deva subordinar quem quer que seja, mas

há novos parâmetros éticos que podem ser trabalhados e difundidos dentro desses

organismos sem comprometer sua finalidade, dando apenas um caráter ético, moral e

humano.

Segundo Buarque (1994, p.45) “percebe -se que o processo econômico ameaça

setores fundamentais sobre a terra, com riscos para o processo civilizatório em marcha” 76.

Não existe uma consciência exata dos riscos, dos muitos problemas que cercam o homem,

comprometendo os ideais de justiça, a natureza e o equilíbrio ecológico, inviabilizando um

projeto ético humano.

Em um mundo que está em mudança, em que novos significados, indagações e

angústias surgem ao homem, a universidade não pode ficar isolada, acreditando ainda 75 Vale recordar as palavras de Martin Haidegger: “Nenhuma época acumulou sobre o homem conhecimentos tão numerosos quanto a nossa. Nenhuma época conseguiu apresentar seu saber do homem sob uma forma tão pronta e tão facilmente acessível. Mas também nenhuma época soube menos o que é o homem” (apud, CREMA, p. 16) 76 “O pensamento moderno se forma, desde os gregos, com uma visão antropocêntrica arrogante, na qual a natureza é vista como elemento estranho a ser conquistado. O progresso material conquistado com a revolução industrial leva essa visão ao limite máximo do desprezo à natureza. A universidade se alia nesse processo em que todo o esforço se dá no sentido de conhecer para dominar a natureza, transformando-a em bens e serviços à disposição da sociedade” (BUARQUE, 1994, p.41).

101

ostentar poder e status, valendo-se, pela eternidade a fora, do que fora um dia. Nas atuais

condições, cabe à universidade situar-se como espaço de busca e de definição de uma nova

modernidade de estruturas éticas, mostrando-se um espaço inovador criativo e de respeito,

onde todos gostariam de estar, não imitando uma modernidade arcaica e sem perspectiva,

mas avançando na direção de um futuro, de uma nova realidade que pode ser criada e

viabilizada.

Entretanto, se for capaz de navegar as mudanças, de cumprir seu papel de revolucionária das idéias, a universidade pode ser, no próximo século, a principal instituição de construção do novo. Constitui, assim, a nova universidade. Para tanto, o primeiro passo deverá romper as amarras que aprisionam a universidade hoje (BUARQUE, 1994, p.51).

A atual estrutura desencadeou diversas transformações sociais, exigindo do homem

novas capacidades e conhecimentos, que não eram oferecidos por escolas e universidades,

provocando uma falta de sintonia entre mundo real e a escola. “um currícu lo vicioso que

aprisiona a própria universidade”, “uma ilha se saber em um oceano de ignorância”, o

diploma como a única chance legal para o uso do saber”, “mais uma vez estão dentro da

universidade grandes partes das amarras que impedem as mudanças” (BUARQUE, 1994,

p.57).

Esquecidos ficaram esses grandes problemas da vida, e a universidade não ofereceu

resposta diante das grandes transformações em curso que põem em perigo a identidade do

indivíduo, gerando um risco ao homem e ao sentido da vida. “Toda for mação que

desconsidera o humano, a humanidade, as humanidades, torna-se uma pregação contra o

homem, e não responde ao sentido do viver e do conhecer” (ROSSATO, 2005, p.234).

Volta para a universidade a necessidade de passar por cima de todos esses desafios

e dificuldades e dar respostas satisfatórias, assumindo seu lugar no mundo como

revolucionária. Esse é um desafio que se apresenta às universidades, o de encontrar o local

do homem em uma sociedade conturbada, ferida por inúmeras chagas em diversas áreas

sociais, por diversos profissionais. E em dados momentos compactuando com o

pensamento e ações de época, com as feridas do descaso, subserviência, corrupção,

agressão, comodismo, inércia, situações que fazem parte do cotidiano escolar universitário,

e possivelmente dos futuros profissionais que dela sairão e estarão inseridos no mercado de

trabalho com esse contraste social.

102

O homem traz em si algo absoluto que não podemos reduzir. Ele exprime a humanidade do homem. É tarefa essencial da educação buscar o melhor lugar para o homem. Assim como a Anistia Internacional propõe que nenhum estudante deveria receber seu diploma sem possuir as noções básicas dos direitos humanos, assim também nenhum formando deveria chegar ao final de qualquer curso universitário sem os rudimentos das humanidades e sem estar minimamente apto a definir o seu lugar na história e interpretar o seu papel na construção da história dos homens (ROSSATO, 2005, p.234).

Rocco Caporale diz que “As crises [...] são algumas das coordenadas que desafiam

e, ao mesmo tempo, exigem uma ação humanista capaz de devolver ao homem seu lugar

central no universo” (2000, p.26). A crise provoca mudanças, substituição de valores, de

comportamentos frente a um processo de perda gradativa do humanismo, em muitos casos

provenientes da omissão.

A universidade passa por crises, no entanto é um lugar legal e legítimo do saber,

um espaço propício para a leitura do mundo e para a interpretação de seus desajustes, que

possibilitam criar uma consciência ética nos profissionais que irão atuar na realidade

diretamente. Portanto, cabe à universidade compreender e assumir seu papel de

transformar uma realidade em crise e propor soluções em áreas sociais desajustadas

imperceptíveis aos olhos de um sistema neoliberal.

De toda forma, há razões para otimismo. A própria consciência da crise faz da universidade a instituição social com mais condições de dar o salto de sua postura segregacionista a uma postura integracionista do conjunto do país, de um apego ao presente para um compromisso com o futuro, de uma visão dependente para a formulação de um pensamento nacional consistente com a evolução internacionalista que todos anseiam (BUARQUE, 1994, p.102).

É possível pensar uma transformação, um mundo melhor, buscar encontrar o lugar

do homem enquanto sujeito. A educação pela universidade é o ponto de sustentação de

revitalização do homem. Conforme Rossato, “o papel da educação como instrumento de

libertação da escravidão da máquina e como único credencial de dignidade” (2005, p.232).

No contexto da universidade levantado até agora, se espera um começo de mudança

centrado no humano com dimensões éticas. Ações que conduzirão outras e servirá como

ponto de referência, partindo de uma instituição não comprometida com ideologias

políticas e econômicas neoliberais.

103

O otimismo faz parte da construção de um mundo melhor, portanto é necessário

acreditar, ter esperança, e, com base nesses ideais, ir identificando e buscando soluções

para cada momento e realidade, a criação de novos modelos, de uma Nova Universidade.

Segundo Buarque (1994, p.156), a nova universidade deverá ter o sentimento

planetário. Ela não poderá se limitar a ser uma universidade que pense seu país. Por isso,

ela surgirá em algum país que seja um retrato do planeta. Ela será filha dos assombros que

vivem os homens em seu planeta de hoje, com ela foi filha, na Europa, do assombro dos

homens que, no meio das crenças, descobriram o pensamento grego.

4.5 A formação docente

Sou professor a favor da decência contra o despudor, a favor da liberdade contra o autoritarismo, da autoridade contra a licenciosidade, da democracia contra a disputa de direita ou de esquerda. Sou professor a favor da luta constante contra qualquer forma de discriminação, contra a dominação econômica dos indivíduos ou das classes sociais. Sou professor contra a ordem capitalista vigente que inventou esta aberração: a miséria na fortuna. Sou professor a favor da esperança que me anima apesar de tudo. Sou professor contra o desengano que me consome e me imobiliza (FREIRE, 2004, p.103).

A formação docente envolve muitos fatores, que precisam ser aclarados, e

compreendidos, partindo do simples fato de que não posso ensinar o que não sei

corretamente. Esse aprendizado só vai brotar no momento em que despertar a curiosidade

no professor, será o que inquieta e move a ação de busca. Do contrário, ficará na

estagnação e não ocorrerá a formação do docente ou a educação continuada. Como diz

Paulo Freire: “O professor que não levar a sério a sua form ação, que não estude, que não se

esforce para estar à altura de sua tarefa não tem força moral para coordenar as atividades

de sua classe” (2004, p.92).

É preciso, indispensável mesmo, que o professor se ache “repousado” no saber de que a pedra fundamental é a curiosidade do ser humano. É ela que faz perguntar, conhecer, atuar, mais perguntas, reconhecer (FREIRE, 2004, p.86).

104

A proposta do professor é “dialógica”, “aberta”, “, curiosa”, “indagadora” e não

“opressiva” . Ela reproduz uma atitude de curiosidade, fundamental para que ocorra o

conhecimento. Um conhecimento que nascerá do desejo de saber mais, de justiça, de

insatisfação, de indignação. Um saber que ocorre quando se espanta para bem longe o

imobilismo e a inércia diante dos grandes problemas sociais e éticos. Como disse Freire:

“Não é possível formação docente indiferente à boniteza e à decência que está no mundo,

com o mundo e com os outros, substantivamente, exige de nós. Não há prática docente

verdadeira que não seja ela mesma um ensaio estético e ético” (2004, p.45). E di z ainda

mais: que “a educação é uma forma de intervenção no mundo” (2004, p.98).

Uma intervenção que inicia num clima de respeito proporciona uma relação justa,

séria e humilde77, de gente incompleta e curiosa que pode saber e que sabe, e o fazer faz

saber. “Movo -me como educador porque primeiro me movo como gente” (FREIRE, 2004,

p.94).

Não importa com que faixa etária trabalhe o educador ou a educadora. O nosso é um trabalho realizado com gente, miúda, jovem ou adulta, mas gente em permanente processo de busca. Gente formando-se, mudando, crescendo, reorientando-se, melhorando, mas, porque gente, capaz de negar os valores, de distorcer-se, de recuar, de transgredir (FREIRE, 2004, p.144).

Na construção do conhecimento, que não ocorre solto “ao vento”, é necessário levar

em consideração os locais, as instituições que possibilitam e viabilizam a educação

continuada. Geralmente vai estar implícito no processo o caráter, os objetivos, a ética que

acabaram sendo absorvidos indiretamente pelos professores.

Portanto, um fator a ser considerado a partir das novas tecnologias e com ela sua

possibilidades, de os professores não mais se dirigirem às universidade tradicionais, que

vivem em uma civilização apartada, isolada, com as técnicas subordinando a ética, que

mantém a indiferença entre os seres humanos, que se movem unicamente pelo capital que

as mantêm. Mas buscar as universidades tradicionais, que farão avançar o pensamento,

combinando o avanço técnico com a ética dos direitos iguais de todos os homens.

77 “O que a humildade não pode exigir de mim é a minha submissão à arrogância e ao destempero de quem me desrespeita. O que a humildade exige de mim, quando não posso reagir à altura da afronta, é enfrentá-la com dignidade. A dignidade do meu silêncio e do meu olhar que transmitem o meu protesto possível” (FREIRE, 2004, p.121).

105

O que nos parece indiscutível é que, se pretendemos a libertação dos homens, não podemos começar por aliená-los ou mantê-los alienados. A libertação autêntica, que é a humanização em processo, não é uma coisa que se deposita nos homens. Não é uma palavra a mais, oca, mitificante. É práxis, que implica a ação e a reflexão dos homens sobre o mundo para transformá-lo (FREIRE, 2004, p.77).

Freire ratifica sempre a necessidade da humanização do homem, esse homem que

tem que buscar e conhecer a si mesmo como pessoa, como ser humano no mundo. A

liberdade depende do modo como agimos ou pensamos em relação ao outro, pois vivemos

em comunidade. O homem tem que ser crítico, ser sujeito, pois só assim ele saberá

valorizar a sua liberdade, liberdade aqui visualizada como humanização na relação do eu

com o outro.

Gosto de ser homem, de se gente, porque sei que a minha passagem pelo mundo não é predeterminada, preestabelecida. Que o meu “destino” é um dado, mas algo que precisa ser feito e de cuja responsabilidade não posso me eximir. Gosto de ser gente porque a História em que me faço com os outros e de cuja feitura tomo parte é um tempo de responsabilidade e não de determinismo. Daí que insista tanto na problematização do futuro e recuse sua inexorabilidade. (FREIRE, 2004, p.52-53).

A formação continuada do docente compreende também a construção de processos

emancipatórios como práticas necessária à vivência permanente de uma cidadania ativa,

entendendo a unidade teoria-prática como algo indissociável e mantendo a metodologia da

práxis como princípio de trabalho.

O professor consciente e reflexivo é capaz de compreender a influência da

tecnologia no mundo moderno e é capaz de colocá-la a serviço da educação e da formação

de seus alunos/formadores, procurando articulá-la a sua prática docente, no papel de um

agente de mudança, com seriedade e ética. Freire diz que “o preparo científico do professor

ou da professora deve coincidir com a sua retidão ética. É uma lástima qualquer

descompasso entre aquela e esta” (2004, p.16).

É imprescindível, no mundo de hoje, na sociedade de conhecimento, que o sistema

educativo possibilite a formação de pessoas que assimilem a mudança e se adaptem

rapidamente a novas situações, trazendo transformações no que ensinar e em como ensinar.

Quando se fala em formação continuada, serão usadas as palavras de Kant:

106

O homem é a única criatura que precisa ser educada [...] Por ser dotado de instinto, um animal, ao nascer, já é tudo o que pode ser; uma razão alheia já cuidou de tudo para ele. O homem, porém, deve servir-se de sua própria razão. Não tem instinto e deve determinar ele próprio o plano de sua conduta. Ora, por não ter de imediato capacidade para fazê-lo, mas, ao contrário, entrar no mundo, por assim dizer, em estado bruto, é preciso que outros o façam para ele (KANT apud CHARLOT, 2000, p.51).

Diferentemente dos animais, os seres humanos aprendem uns com os outros, pois

nascer significa aprender, aprender a tornar-se homem e a socializar, pois vivemos em

sociedade. E essa sociedade é hoje chamada de sociedade do conhecimento, na qual novas

formas de aprender, novas competências do professor são exigidas, novas formas de se

realizar o trabalho pedagógico são necessárias e fundamentalmente é necessário formar o

professor para atuar nessa sociedade, em que as tecnologias servem como mediadoras do

processo de aprendizagem.

Dentro do contexto educacional contemporâneo, a formação continuada é uma

saída possível para a melhoria da qualidade do ensino. Por isso, o profissional consciente

deve saber que sua formação não termina na universidade. É preciso formar (ou reformar)

o formador para que ele se atualize, através de uma formação continuada, que deverá

proporcionar independência profissional, autonomia para decidir sobre o seu trabalho e

suas necessidades.

Essa formação continuada78 não deixa de ser o desafio do professor, para que ele se

mantenha reflexivo e atuante na sua prática. A formação permanente79 é uma conquista da

maturidade, da consciência do ser. Quando a reflexão permear a prática docente, dotando-a

de vida, a formação continuada será exigência sine qua non para que o homem se

mantenha vivo, energizado, atuante no seu espaço histórico, crescendo no saber e na

responsabilidade.

O objeto de trabalho dos professores é o ser humano, individualizado e socializado

ao mesmo tempo. As relações que eles estabelece com seu objeto de trabalho são, portanto,

relações humanas, individuais e sociais.

78 A Formação Continuada – Um desafio que se apresenta ao profissional de manter-se atualizado, atuante na sua prática. A modernidade impõe mudanças e ao mesmo tempo condiciona a necessidade de adaptações, especializações, qualificações, aperfeiçoamento, as exigências do mundo moderno. Um equacionar da educação para empregabilidade como via para a superação da exclusão, seguindo a lógica do mercado, as políticas de governo, estando atrelada ao sistema econômico. 79 A Formação Permanente – uma conquista da maturidade uma necessidade para que o homem se mantenha vivo, uma integração no dia a dia. O homem é um ser inacabado está em um processo de aprendizagem constante, a interrupção desse processo é uma ruptura as novas linguagens e interpretações. O homem é um ser que aprende e se relaciona permanentemente.

107

Assim como não posso ser professor sem me achar capacitado para ensinar certo e bem os conteúdos de minha disciplina, não posso, por outro lado, reduzir minha prática docente ao puro ensino daqueles conteúdos. Esse é um movimento apenas de minha atividade pedagógica. Tão importante quanto ele, o ensino dos conteúdos, é o meu testemunho ético ao ensiná-lo. É a decência com que o faço. É a preparação científica revelada sem arrogância, pelo contrário com liberdade (FREIRE, 2004, p.103).

A profissão docente se faz no coletivo, na troca entre professor e aluno, nas

intermediações e reflexão, fazendo com que se exteriorizem as múltiplas compreensões de

mundo, e manifestações das diversidades culturais.

Freire (1996, p.59) fala que somos condenados ontologicamente a ser mais.

Portanto, somos seres inacabados, inconclusos. “Conscientes do inacabamento sei que

posso ir além”, diz o autor. “A consciência do mundo e a consciência de si como ser

inacabado necessariamente inscrevem o ser consciente de sua inconclusão num permanente

movimento de busca” (1996, p.64). E é nesse movimento de busca que professores e

professoras permanentemente se constroem como tal durante toda a trajetória profissional.

Por isso é importante continuarmos pesquisando, pois a prática docente não é algo

que se esgota em si mesma, e dada a sua complexidade, é sempre algo que estaremos

buscando melhor compreender, sem a pretensão de querer explicar tudo.

4.5.1 Possibilidades

No início do século XXI, assiste-se, em todo o mundo, a uma profunda

transformação das dimensões, da estrutura e da concepção do que constitui a educação.

Isso se dá, em grande parte, devido às evoluções esboçadas ao longo das últimas décadas.

Assim, os responsáveis nacionais e internacionais enfrentam atualmente desafios

essenciais, que decorrem da necessidade de dar ao homem e à humanidade um sentido

positivo para as grandes tendências.

Neste embate, abordar-se-á a educação como também sendo uma utopia

necessária. Ela deve de fato aspirar à utopia para levar a bom termo mesmo suas tarefas

mais prosaicas. Uma proposta em que a educação repouse sobre os pilares do “aprender a

conhecer, aprender a fazer, aprender a ser e aprender a viver em conjunto” (DELORS,

2005, p.08).

108

Será uma abordagem no sentido de que a educação tornou-se uma condição prévia,

indispensável ao desenvolvimento social, cultural e econômico, não apenas por sua

capacidade de reduzir as diferenças, mas também como uma compreensão comum entre

pessoas ou grupos étnicos e culturais diferentes.

A educação não é a solução para todos os problemas humanos, pode sim ser

pensada em um espaço de reflexão e construção dos ideais de uma sociedade, pode se

pensar a sociedade ideal e com ela buscar concretizar. A educação sozinha não é o espaço

de transformação, mas sem ela não será possível pensar um mundo mais humano mais

ético, um mundo diferente.

Nesse contexto, a ação educativa requer uma ação direta. Derrubando o mito da

neutralidade, o ato educativo é um ato político de escola, e, como educadores, é importante

que se possa trabalhar por uma educação eficiente e impulsionadora da cidadania.

Não é possível pensar uma educação ética sem haver a participação de todos,

criança, professores, escola e família, isto é, a sociedade como um todo, o projeto

educacional ético não pode desenvolver de forma unilateral, como diz Piaget: “quando há

cooperação, há responsabilidade subjetiva e julgamento em função das

interações” (PIAGET, 1996, p. 07). E, ainda mais, as reflexões éticas, estando amparadas

por ações éticas, têm possibilidade de viabilizar uma consciência da construção de um

novo caminho.

Para que as realidades morais se constituam é necessário uma disciplina normativa, e para que essa disciplina se constitua é necessário que os indivíduos estabeleçam relações com os outros. Que as normas morais sejam consideradas como impostas a priori ao espírito ou que nos atenhamos aos dados empíricos, é sempre verdade, do ponto de vista da experiência psicopedagógica, que é nas relações que se constituem entre a criança e o adulto ou entre ela e seus semelhantes que a levarão a tornar consciência do dever e a colocar acima de seu eu essa realidade normativa na qual a moral consiste. Não há, portanto, moral sem sua educação moral, “educação” no sentido amplo do termo, que se sobrepõe à constituição inata do indivíduo (PIAGET, 1996, p.3).

A pobreza de noções, conceitos e ações éticas é resultado de um processo

educacional desprovido de recursos, comprometimento, responsabilidade, indo ao encontro

de um sistema que disciplina para a construção de seres estereotipados a serviço da

racionalidade voltada para o domínio e o sucesso de ideologias de um sistema econômico.

“As aprendizagens não são postas a serviço das pessoas, mas a serviço dos organizadores

109

econômicos e políticos, geralmente distanciados da expressão da personalidade” (BOTH,

SCORTEGANHA, 2005).

A sociedade tem a tarefa de produzir condições favoráveis ao desempenho humano nas suas funções biopsicossociais. Para tanto, existem momentos instituidores de identidade altamente significativos e diferentes. A infância exige a presença qualificada do Outro, representada nos pais, familiares, vizinhança e escola. A criança passa de objeto apreciável, ou seja, de sua fase narcísica produzida nas relações íntimas da família, para uma fase de identificações com objetos externos em que projeta seus desejos e aprendizagens. A qualidade e extensão dos objetos ideais dados e assumidos pela criança distribuem-se para o resto da vida, regulando as oportunidades e mesmo o sucesso afetivo e cognitivo de todas as fases seguintes, incluindo a velhice.

Aí reside uma das tarefas fundamentais da escola, na geração de ações que

desencadeiem ações efetivas e éticas. A escola passa a ser um laboratório de ética e de

ações éticas futuras. Segundo Piaget (1996, p.09), “Somente cada um, tendo em vista a

educação que recebeu, pode, no que concerne à ‘forma’ , diferenciar o sentimento de dever

do livre consentimento próprio do sentimento do bem”. E diz ainda mais : que o objetivo de

uma educação moral na escola é o de “constituir personalidades autônomas aptas à

cooperação”

Logo o homem é um ser em permanente processo que permite o fazer e o refazer

constante do homem no mundo. A busca da transcendência do inacabado abre espaço para

a construção do seu destino, pois a capacidade de aprender pode ser orientada não apenas

para uma adaptação, mas, sobretudo para transformar a realidade.

De acordo com FREIRE, a educação é imprescindível para permitir que o ser

humano possa interagir, relacionar-se com o outro e o mundo de forma ética. A prática

formadora de natureza ética conduz a um futuro esperançoso e de natureza humana.

À medida que se problematizam as relações entre os seres humanos e o mundo,

acredita ser possível reinventá-lo, numa unidade dialética entre reflexão e ação. O

cotidiano é ponto de partida para a revolução permanente estabelecida na consciência da

inconclusão. A educação, assim, tem um papel importante a desempenhar, como prática de

formação que se opõe ao mero treinamento de habilidades técnicas.

Como se evidencia, vem se imprimindo uma necessidade de uma formação

permanente a todos os atores da sociedade, mas só saber não basta. É necessário um saber

alicerçado na travessia da diminuição da distância entre a perversa realidade da exploração

110

dos homens pelos homens mesmos para um nível almejado de justiça igualdade e

dignidade. O desafio educacional é saber como atingir um nível constante de

conscientização em relação a esses problemas e mantê-los em primeiro plano na percepção

cultural, visto que o homem não foi educado para ter uma consciência humanística e

planetária.

No contexto da educação, ao professor cabe permear esse universo de desafios e de

tensões, desempenhando sua tarefa. “A tarefa crucial do educador é desenvolver uma

consciência que procure ver através da lógica da globalização destrutiva e combiná-la com

qualificações críticas para resistir a retórica que ora nos satura” (O´SULLIVAN, 2004,

p.66-67).

Uma educação de possibilidades, que não tenha a escola como a principal fonte de

informações, “terá de aprender a dest acar o interesse pedagógico desse novo ambiente e

ajudar os alunos a terem discernimento diante da massa de informação que recebe todos os

dias” (DELORS, 2005, p.21). Nesse contexto da chamada “sociedade do conhecimento”,

necessita-se de flexibilidade, e cada vez mais esta é imprescindível para o conhecimento no

viés ético e social.

A pedagogia escolar deve estar ciente, por um lado, de que não é a única instância educativa, mas, pelo outro lado, não pode renunciar a ser aquela instância educacional que tem o papel peculiar de criar conscientemente experiências de aprendizagem, reconhecíveis como tais pelos sujeitos envolvidos. Para adquirir essa consciência deve estar atenta, sobretudo, ao fato de que a corporeidade aprendente de seres vivos concretos e é a sua referência básica de critérios (ASSMANN, 1998, p.26).

O espaço vivido pelo ser humano é o ponto de partida para a construção de uma

sociedade mais humana. Esta é uma experiência social, e em contato com esta o jovem

aprende a descobrir-se a si mesmo, desenvolvendo as relações com os outros e adquirindo

bases no campo do conhecimento e do saber fazer.

Há o reconhecimento de que um corpo docente bem formado e motivado é um

elemento essencial de um ensino de qualidade. Esse saber, esse professor, está preso a uma

realidade, contexto que também necessita ser considerado.

111

É fundamental que seja desvendado o contexto onde o professor vive. A análise da realidade, das forças sociais, da linguagem, das relações entre pessoas, dos valores institucionais é muito importante para que o professor compreenda a si mesmo como alguém contextualizado, participante da história. [...] O desvendamento da prática é que, provavelmente, passa a dar mais clareza à trajetória rumo à transformação, uma vez que não há mudança que não ocorra a partir do concreto, da realidade (CUNHA, 2004, p.169-171).

Cada sujeito é único, com sua realidade, suas percepções, suas experiências que

permitem dar um significado a sua história na construção do cotidiano.

A educação é um elemento necessário do progresso que permite encontrar uma

solução para a eqüidade, mas as exigências do mercado são grandes demais para poderem

ser satisfeitas apenas pela escolarização. Inúmeras culturas começaram a se dar conta de

que inadequados não são simplesmente seus métodos, mas também seus objetivos e seus

valores fundamentais. Em sua análise da sociedade ocidental, Eckersley fala de uma

derrocada dos valores.

Os flagelos modernos da civilização ocidental, como o suicídio de jovens, o uso de drogas e a delinqüência, costumam ser explicadas em termos pessoais, sociais e econômicos: desemprego, pobreza, maus-tratos infligidos às crianças, dissolução das famílias e outros fatores. Minhas pesquisas pessoais e outros trabalhos parecem indicar algo mais fundamental na natureza das sociedades ocidentais. Penso que esse algo mais é um fracasso profundo e crescente da cultura ocidental, uma incapacidade de dar um sentido, um sentimento de fazer parte e um objetivo às nossas vidas, assim como um sistema de valores. As pessoas precisam acreditar em alguma coisa, sentir que pertencem a uma comunidade e que são membros estimados da sociedade, além de terem um sentimento de realização espiritual, isto é, o sentimento de estarem ligados e incorporados ao mundo e ao universo em que vivem (ECKERSLEY apud DELORS, 2005, p.42).

As razões são muitas para a derrocada dos valores éticos sociais, no contexto atual

um fato importante é a mídia, construindo falsos valores pairando na superficialidade, vem

alcançando níveis sem precedentes na formação de idéias, e um modo de ver a vida com

superficialidade. Tendo como foco o materialismo a capacidade de obter dinheiro,

relegando demais valores do “eu” para um segundo plano.

112

A moral da cobiça deve ser substituída por um devotamento à família, e por uma participação na vida da comunidade sem recompensa material. Programas corretivos não conseguiram combater uma desintegração social que se manifesta por meio da violência, da morte e do uso de drogas (ETZIONI apud DELORS, 2005, p.42).

No âmbito local, assim como no mundial, constata-se a necessidade de um amplo

engajamento social em favor de sociedades que gerem, ao mesmo tempo, harmonia e

eqüidade. Para atingir proporções humanísticas, há que se perceber que a educação não é

uma atividade de entradas e saídas, mas um processo permanente. Percebendo dessa forma

é que instituições e sociedades poderão ter êxito, atenuando as desigualdades.

Na compreensão de a educação expressar uma ação de minimizar as desigualdades,

urge a necessidade de um ensino de qualidade que esteja presente desde o primeiro contato

da criança com a escola, e não a partir de um estágio da vida escolar do jovem ou da

criança. É evidente que isso permeia toda uma ação complexa que envolve a escola, sua

infra-estrutura, a política administrativa e pedagógica, a ação dos professores e sua

capacitação80.

A educação e a formação inicial têm uma importância primordial, se pretendemos que o aprendizado para a vida decole de uma boa base [...]. Devemos lançar as bases de um saber sólido em todos os jovens e alimentar neles o gosto e a capacidade de adquirir novos conhecimentos – aprender a aprender – sem o que não se consegue nenhum progresso (DELORS, 2005, p.25).

É de fundamental importância a clareza da ação precisa da escola, para evitar

abarcar situações que fogem de sua responsabilidade e de sua capacidade de solucionar, e

evitar prender-se em um ativismo assistencialista. “Deve -se evitar impor à escola um

excesso de exigências. Evidentemente, ela tem um papel nisso tudo, mas seria ilusório e

ineficaz sobrecarregá-la de tarefas que não são de sua responsabilidade” (DELORS, 2005,

p.23). A ação pedagógica deve ser consciente a longo prazo, tendo políticas de

compromisso social, flexibilidade e capacidade de adaptação as novas necessidades.

“Portanto a escola não pode ser planejada , organizada ou orientada apenas em função dos

80 Essa ação de qualidade, de base educacional para o estudante, evitaria atitudes paliativas, discriminatórias, a exemplo as cotas nas universidades brasileiras. É evidente que existem problemas, mas não é criando um problema que se resolve outro.

113

imperativos momentâneos da conjuntura econômica ou das filosofias sociais em voga”

(DELORS, 2005, p.24).

Estando certos das limitações de abrangência da educação, prossegue-se na

propositura de explicitar uma agenda mínima que expresse ações concretas, por pequenas

que sejam. A reflexão contemporânea possibilita o resgate à centralidade dos sentimentos,

a importância de pensar novos paradigmas e um cuidado com o outro, um educar.81

A ética deverá ser o baluarte das atividades dos educadores, com propostas

educacionais emancipatórias, fundamentadas em uma ética universal do ser humano,

perseguindo o sonho de uma sociedade mais justa, digna, isto é, uma sociedade humana.

Entende-se aqui de uma interação e preocupação com os problemas nacionais

brasileiros, que necessita se trabalhar em sala de aula, questões e problemas reais, questões

que afligem a sociedade e a família brasileira82. Identificar junto a estes a violência da

mídia, com seus incisivos comerciais, corroborando na construção da linguagem do

mundo, intitulando-se como a única verdade suprema. É necessário entender e dialogar a

tendência de uniformização de pensamento e cultura.

Trabalhar a ideologia consumista adotada, que a tudo justifica, e nesse viés tudo se

constrói e caminha. Essa chamada "slow attitude" dos americanos, apologistas do "Fast"

(rápido) e do "Do it Now" (faça já). Fast Food e o que ele representa como estilo de vida.

A base de tudo está no questionamento da "pressa" e da "loucura" gerada pela

globalização, pelo apelo à "quantidade do ter" em contraposição à qualidade de vida ou à

"qualidade do ser".

81 Não deve ser desconsiderada a importância da educação junto ao mercado de trabalho, a qualificação para uma vida profissional. A educação profissional deve ter dimensões humana e planetária. No entanto tem também que ter a contribuição social da empregabilidade, isto é, na preparação de jovens para o emprego e na reciclagem dos ativos, ficando atendo a educação sala de aula, não fique estéril de valores humanos, ou na total crença de solução para os males sociais, é preciso resistir à tentação de considerá-la como um remédio para o desemprego. Ela pode sem dúvida melhorar as chances do indivíduo na corrida pelo emprego, mas não pode criar emprego (DELORS, 2005, p. 22) 82 Trabalhar em sala de aula, a drogas e suas reais conseqüências, com fatos e dados, depoimentos, não só enquanto teoria, ou um encarte, ou uma mídia bem feita que se perde em meio a tantas outras notícias e propagandas consumistas. O aleitamento materno, a fome, a desnutrição, morte, estupro, afinal toda e qualquer tipo de violência ao ser humano, urge ser abordados em sala de aula, com naturalidade, num processo de reflexão crítica transformadora. O comodismo, o descaso, estender a responsabilidade, incluir como cidadão participante desde pequeno numa sociedade ativa, estar lá, visualizar, batalhar, querer o diferente através de ações pequenas que sejam, mas eficientes enquanto processo educativo. Escola como um lugar de trabalhar a família, o planejamento familiar, métodos contraceptivos, qualidade de vida, dos direitos, da paz, da harmonia, dos diferentes lares, das diferentes formas de se viver uma harmonia.

114

A educação não se faz sem a perspectiva de transformação do homem e da

sociedade. O que move o ser humano a conhecer é justamente a possibilidade de fazer-se

histórico intervindo no real. A esperança caminha junto com a ética, em direção a um

projeto de homem em sociedade. Conforme Freire:

A ética de que falo é a que se sabe traída e negada nos comportamentos grosseiramente imorais como na perversão hipócrita da pureza em puritanismo. A ética de que falo é a que se sabe afrontada na manifestação discriminatória de raça, de gênero, de classe. É por essa ética inseparável da prática educativa, não importa se trabalhamos com crianças, jovens, ou adultos que devemos lutar [...] O preparo científico do professor ou da professora deve coincidir com sua retidão ética. É uma lástima qualquer descompasso entre aquela e esta. [...] Na verdade, falo da ética universal do ser humano da mesma forma como falo de sua vocação ontológica para o ser mais, como falo de sua natureza constituindo-se social e historicamente não como um a priori da História. (FREIRE, 1996, p. 16-18)

Os princípios éticos norteadores das ações educativas no presente elucidam muitos

dos comportamentos praticados na sociedade, e as subseqüentes ações e posicionamentos

que acontecerão no futuro, homem, comportamento e sociedade, não podem ser

compreendidos separadamente, estão todos entrelaçados. E as perspectivas de Freire para o

século XXI constituem um desafio de problematizar a sociedade contemporânea. Significa

rever a escola a partir de novos parâmetros capazes de resistir aos modismos e o

instantaneísmos, efeito de uma sociedade liberal consumista.

Conforme Bombassaro (2001, p.71), aquilo que tem significado para o humanista

aparece sobre um pano de fundo ético no qual o humano ocupa a posição central. No

humanismo, a ontologia e a ética mantêm assim uma estreita relação de

complementaridade.

Partindo das conceituações de Paviani (2000, p. 27), “ o humano não é um adjetivo,

uma qualidade, mas um modo fundamental de existir no mundo”, e para Bombassaro

(2001, p. 71), o “humanismo pressupõe um a concepção do humano como centro da vida,

das relações de produção e de comunicação”. Ainda Bombassaro (idem, p.71), o

humanismo do qual falamos não adquire uma formulação abstrata nem é um conjunto de

intenções, mas consiste num sistema de crenças e valores vivenciados de um determinado

modo na nossa práxis cotidiana. “O próprio mundo é compreendido como um valor” e o

humano “ocupa a posição central” (idem, p.71).

115

Desse modo, o humanismo é depositário de um acervo de conhecimento sobre o modo de viver humano elaborado ao longo do tempo, no decurso da história. Como tal, ele guarda aquilo que pareceu mais característico do homem. Por isso, o humanismo pode ser compreendido como uma determinada visão de mundo, uma forma de compreender o que há de humano no mundo, uma forma na qual transparece um conjunto de valores capazes de orientar a própria ação do homem, numa determinada época e numa determinada cultura (BOMBASSARO, 2001, p.68).

O humanismo, numa concepção ética, manifesta um aspecto real, concreto, pois é

por valores que nos movemos e somos. A ética é o elemento norteador de toda atividade

humana.

Neste século XXI o ser humano passa por um distanciamento da ética, e, por

conseqüência, por um esvaziamento de valores. A seguir, será discutida a ética como

processo de construção do homem, numa concepção que orienta as atitudes.

4.6 Ética

Falar de ética é, certamente, uma das questões mais desafiadoras nos dias atuais,

diante das inúmeras situações e transformações que vêm ocorrendo. Também não é

novidade falar em ética, comenta-se o assunto quando se fala de política, de educação, de

família e até mesmo de futebol. Parece que há uma corrida em busca de ética. Muitas vezes

vê-se a palavra sendo usada como chavão, vazia de conteúdo.

O que esta se propondo é, a partir de subsídios contidos nessa dissertação, extraída

da compreensão da realidade atual mais precisamente o século XXI, e juntamente com os

conceitos que possuímos de ética, lançar um olhar crítico sobre o comportamento humano.

Com isso chega-se onde reside a grande dificuldade do homem atual de resgatar os valores

esquecidos, reconstrução dos valores decompostos e adaptar-se aos valores emergentes,

tanto para a família, escola e sociedade. Chega–se a realidade do século XXI, o homem

encontra-se em um conflito existencial proveniente da degradação dos valores, oriundo do

individualismo, avanço tecnológico e os paradigmas da globalização.

A ética se constitui em algo que guarda um regime de interdependência com bens

concretos de todas as dimensões do mundo, se constitui em algo que se liga a todas as

coisas associadas à realidade, também não é somente algo construído sobre a realidade,

116

como também não é algo separado da realidade. O valor se constitui num estado das

coisas, numa propriedade delas.

Também a ética não vem a ser um tema meramente teórico, totalmente distante da

prática, devido os diversos sentidos empregados a ela83, como também a dinâmica do

mundo moderno e suas relações. No entanto, a ética está presente em todas as ações e

atitudes do homem.

Ética é um pouco como a luz: ela está por tudo, sem ela ninguém vê nada. Mas quando se pergunta o que é, ficamos sem saber o que responder. E ao mesmo tempo, ela é tão ou mais importante que a própria luz. Falar dela é difícil e arriscado, mas imprescindível (PAGGI, 2003, p.160).

Toda ação sempre terá uma dimensão ética, e o maior desafio hoje da humanidade,

através da família, da escola e da sociedade humana, resida na tarefa de resgate dos valores

de sustentabilidade da vida perdidos, na manutenção dos que ainda existem e na construção

de novos valores universais de sustentação do planeta, e dignidade da pessoa humana. Esta

tarefa se torna difícil e ganha graus de complicação cada vez maior devido aos meios de

comunicação, principalmente o televisivo da mídia. A televisão, infelizmente se tornou

uma ferramenta poderosa de desconstrução dos valores morais, espirituais e éticos84.

Existe uma grande dificuldade para a maioria da humanidade compreender o que é

correto e o que não é correto, diante da grande crise mundial dos valores – “crise”,

“inversão” ou até confusão. A sociedade como um todo está a esmo, insegura, agarrando-

se aos pequenos sinais que legitimam sua ação diante das inúmeras tensões sociais. Diante

disso, as crises e tensões sociais aparecem como oportunidades de ir às raízes da ética,

chegando às instâncias na qual se formam continuamente valores. De acordo com Boff, “é

por valores que nos movemos e somos” (2003, p. 30).

Cabe, antes de qualquer coisa, buscar um entendimento da compreensão da ética e

sua relação com a moral. Aparentemente, em uma linguagem comum, ética e moral são

iguais, isto é, a partir do julgamento das ações, se diz, “esta é uma ação ética”, ou “esta é

83 “Na ver dade, houve certo abandono da ética a partir da modernidade e criou-se certo pudor de discuti-la, como se isso fosse coisa de ‘religião’ e não pudesse ser ligado à ciência” (PAGGI, 2003, p.147). 84 A televisão, essa última luz que te salva da solidão e da noite, é a realidade. Porque a vida é um espetáculo: para os que se comportem bem, o sistema promete uma boa poltrona. (Eduardo Galeano, escritor uruguaio).

117

uma ação moral”. Mas , aprofundando a questão, percebe-se que ética e moral não são

sinônimos.

Numa rápida distinção entre os termos, a ética considera concepções de fundo

acerca da vida, do universo, do ser humano e de seu destino, estatui princípios e valores

que orientam pessoas e sociedade. Uma pessoa é ética quando se orienta por princípios e

convicções. Dizemos, então que tem caráter e boa e boa índole. A moral é parte da vida

concreta. Trata da prática real das pessoas que se expressam por costumes, hábitos e

valores culturalmente estabelecidos. Uma pessoa é moral quando age em conformidade

com os costumes e valores consagrados, que podem ser, eventualmente, questionados pela

ética.

No entanto, esses conceitos ficam vagos e meramente teóricos, não existindo uma

clareza no surgimento deles. Para se chegar à compreensão, vale-se dos gregos para um

melhor entendimento da palavra “ ética” . Parte-se de dois sentidos da palavra “éthos” de

onde se deriva “ ética” . “ Éthos”, em uma acepção, significa a morada humana e também

caráter, jeito, modo de ser, perfil de uma pessoa. Em uma outra acepção, quer dizer

costumes, usos, hábitos e tradições.

Buscando a total compreensão dessa questão, Boff serve-se de duas palavras

gregas, “ éthos” e “ daimon” 85.

Com elas os gregos enfrentaram a maior crise de sua história estruturalmente semelhante a nossa, quando no século VI a.C. surgiu a razão crítica. Esta ameaçava esvaziar as tradições e os valores que garantiam até então, pela razão mítica e religiosa, a sociabilidade da cidade grega (polis) (2003, p.33).

A seguir, um entendimento da ética em Aristóteles.

4.7 A ética em Aristóteles

Apreender a idéia aristotélica de ética requer, de qualquer maneira, algum

deslocamento de nosso modo usual de perceber o tema. Para Aristóteles, o objetivo da 85 “O termo daimon em grego clássico não é demônio, ao contrário, é o anjo bom, o gênio protetor. E éthos não é primeiramente ética, mas a morada humana. (BOFF, 2003, p.33).

118

ética era a felicidade. A felicidade, para ele, era a vida boa, o que corresponderia à vida

digna. Em uma correlação entre ética e política – por política compreendia-se a forma de

vida que melhor corresponde à condição humana –, haveria uma subordinação da ética à

política: “os tratados éticos e os tratados políticos pertencem a um mesmo estudo,

classificado como política” (RUSS apud BOTO, 2002 , s/p86). Fica difícil entender, nos

séculos XX e XXI, essa relação estreita de ética e política, devido aos rumos e agravantes

da relação humana com o termo “ política” . Os gregos partem compreendendo o homem

como um animal político. E ética e política tratavam de postular a obtenção da virtude.

Na ética a Nicômaco, há um trecho que expressa, de maneira exímia, o intuito, o

propósito, o objeto e o sujeito do estudo da ética:

Estou falando da excelência moral, pois é esta que se relaciona com as emoções e ações, e nestas há excesso, falta e meio termo. Por exemplo, pode-se sentir medo, confiança, desejos, cólera, piedade, e, de um modo geral, prazer e sofrimento, demais ou muito pouco, e, em ambos os casos, isto não é bom: mas experimentar estes sentimentos no momento certo, em relação aos objetos certos e às pessoas certas, e de maneira certa, é o meio termo e o melhor, e isto é característico da excelência. Há também, da mesma forma, excesso, falta e meio termo em relação às ações. Ora, a excelência moral se relaciona com as emoções e as ações, nas quais o excesso é uma forma de erro, tanto quanto a falta, enquanto o meio termo é louvado como um acerto; ser louvado e estar certo são características da excelência moral. A excelência moral, portanto, é algo como eqüidistância, pois, como já vimos, seu alvo é o meio termo. Ademais é possível errar de várias maneiras, ao passo que só é possível acertar de uma maneira (também por esta razão é fácil errar e difícil acertar – fácil errar o alvo, e difícil acertar nele); também é por isto que o excesso e a falta são características da deficiência moral, e o meio termo é uma característica da excelência moral, pois a bondade é uma só, mas a maldade é múltipla (ARISTÓTELES, 1991, p.36).

Para Aristóteles, a virtude seria a forma mais plena da excelência moral. A

excelência moral, revelada pela prática da virtude, seria, antes de tudo, uma disposição de

caráter. Para o exercício da virtude seria, pois, necessário conhecer, julgar, ponderar,

discernir, calcular e deliberar. A virtude, como excelência moral, corresponderia à idéia de

uma razão reta relativa às questões da conduta. Ora, tal disposição do caráter humano teria

por suposto a precedência de uma escolha dos atos a serem praticados e de um hábito

firmado pela repetição para conduzir à ação reta. Nesse sentido, pode-se dizer que, na

Ética de Aristóteles, virtude é hábito – hábito construído pela contigüidade da relação

potência e ato:

86 Artigo sem numeração de página.

119

quanto às várias formas de excelência moral, todavia, adquirimo-las por havê-las efetivamente praticado, tal como fazemos com as artes. As coisas que temos de aprender antes de fazer, aprendemo-las fazendo-as – por exemplo, os homens se tornam construtores construindo, e se tornam citaristas tocando cítara; da mesma forma, tornamo-nos justos praticando atos justos, moderados agindo moderadamente, e corajosos agindo corajosamente. Essa asserção é confirmada pelo que acontece nas cidades, pois os legisladores formam os cidadãos habituando-os a fazerem o bem; esta é a intenção de todos os legisladores; os que não a põem corretamente em prática falham em seu objetivo, e é sob este aspecto que a boa constituição difere da má (ARISTÓTELES, 1981, p.35-36).

O comportamento seria, pois, o grande fator distintivo da ética; o modo de agir

perante os outros, perante si próprio, perante os que são próximos, perante a Humanidade.

A natureza da reta razão estaria potencialmente presente no ser humano.

Para Aristóteles, mesmo nos casos difíceis, que envolvem o dilema da moralidade

em seu limite máximo, o pior mal residiria na ação injusta, já que esta pressupõe a

deficiência moral do agente. “Às vezes, é difícil decidir o que devemos escolher e a que

custo, e o que devemos suportar em troca de certo resultado, e ainda é mais difícil firmar-

nos na escolha, pois em muitos dilemas deste gênero o mal esperado é penoso”

(ARISTÓTELES, 1981, p.501 apud BOTO, 2002). E, de qualquer modo, não se pode

esquecer que, para Aristóteles, a felicidade, seja do Estado, seja do indivíduo, corresponde

ao exercício continuado da prática da virtude e da prudência.

Para Aristóteles, em matéria de ética, há de lembrar que existem formas variadas de

errar e uma só de acertar. Além disso, são boas as ações que dirigem a condição humana ao

exercício da sua plenitude ou da realização. Ninguém realiza sua essência enquanto

potencialidade. É somente ao transformar a potência em ato que poderemos desenvolver ao

limite nossas faculdades humanas, obtendo, por tal atividade, a suprema felicidade –

contida na auto-realização, nesse ideal intrinsecamente grego de se “realizar aquilo que já

se é” (BOTO, 2002).

Pela equidade na ação particular se poderia chegar ao gesto da equidade no seu

sentido universal. Daí, mais uma vez, a tônica do pensamento aristotélico de demarcar a

virtude como um hábito, que só se consolida na ação. Por se tratar de assunto variável, não

seria tema ensinável enquanto saber teórico. Seria, antes, um rol de costumes a ser

repetidamente exercitado para com as gerações mais jovens, com o fito de que estas

venham a adquirir a força moral extraída de três estratégias educativas essenciais:

“exortação, exemplo e envolvimento” (MARQUES apud BOTO, 2002). Segundo Boto,

sob tal tripé estaria colocada a missão do educador quanto à formação dos valores: trata-se

120

de crenças, de formação de hábitos, de constância, de perseverança, de uso repetido, de

exercício refletido, de exemplos a serem seguidos, de ações ponderadas nas trilhas de um

percurso sempre e inevitavelmente incerto.

Segundo Boto, a política para Aristóteles é interesse público, bem comum, justiça e

equidade. O objetivo da associação política não seria, pois, apenas o viver em conjunto,

mas fundamentalmente o bem viver em conjunto, e, se o homem é feito para a sociedade

civil, é ofício do homem a boa vontade na convivência, em que “cada um melhor encontra

aquilo de que necessita para ser feliz” (ARISTÓTELES apud BOTO, 2002). A ética de

Aristóteles não é uma disposição de coração: é a revelação da potência em ato, disposta a

agir em direção ao bem comum, à felicidade pública.

Na ética se debatem conflitos de atitudes, não de crenças [...] Por um lado a educação ética é uma formação do gosto e da sensibilidade, em direção a determinadas atitudes: a criação e a aquisição de um ethos, no sentido originário de ‘caráter’ e conjunto de ‘hábitos’, sem permitir que se caia na inércia do ‘habitual’. Com tal finalidade, a educação deve tender também a formar a razão autônoma, que assume a responsabilidade de deliberar, argumentar e justificar seus pontos de vista. Sem dúvida alguma, a melhor via não dogmática para se conseguir esses dois objetivos – educação de atitudes e educação na autonomia – é o exemplo; também na retórica clássica a personalidade moral do orador constituía um elemento importante para atrair a atenção e a adesão do público. O exemplo persuade do valor intrínseco a certas atitudes e a certos modos de julgar. As idéias se impõem quando se sabe defendê-las, e a defesa que revela suas próprias perplexidades e ambigüidades – e se mostra capaz de ponderar sobre elas – pode ser mais convincente que uma firme e segura declaração de princípios (CAMPS apud BOTO, 2002).

A partir do excerto acima, é possível estabelecer algumas formas de trabalhar a

ética no campo educacional, princípios educacionais éticos da formação humana.

Possibilita levantar algumas reflexões sobre valores, e se é possível pensar em um

consenso no plano da moralidade? Nas noções de bem, de bem comum, de felicidade – e

até de amizade – teriam um mínimo comum passível de ser posto como universal? Sabe-se

que, em tal encruzilhada, situam-se inúmeros dos debates e impasses do mundo

contemporâneo. Trazendo o tema para o cenário educativo, como pensar a educação para o

bem agir?

121

Quando louvou a justiça como primeira virtude da vida política, Aristóteles o fez de maneira a sugerir que a comunidade que carece de acordo prático com relação a um conceito de justiça também deve carecer da base necessária para a comunidade política. Porém, a falta de tal base deve, portanto, ameaçar nossa própria sociedade. Pois o resultado dessa história [...] não tem sido apenas a incapacidade de concordar a respeito de um catálogo das virtudes, e a incapacidade ainda mais fundamental de concordar acerca da importância relativa dos conceitos de virtude dentro de um esquema moral no qual as noções de direitos e de utilidade também têm um lugar essencial. Também tem sido a incapacidade de concordar com relação ao teor e o caráter de determinadas virtudes. Já que a virtude agora é compreendida em geral como uma disposição ou sentimento que produz em nós obediência a certas normas, o acordo com relação a quais serão tais normas é sempre pré-requisito para o acordo sobre a natureza e o teor de determinada virtude. Mas esse acordo prévio quanto à normas é [...] algo que nossa cultura individualista não pode oferecer” (MACINTYRE apud BOTO, 2002).

A ética se definirá mediante relações de cuidado para com os outros, e os outros são

sempre outros, e nunca serão “ eu” mesmo. Por outro lado, somente a partir de seu

reconhecimento social é que se poderá, na coletividade, assegurar critérios para regular

intenções de “vida boa, com e para os outros, em instituiçõ es justas” (RICOEUR, 1995,

p.162). Nos termos desse autor:

Se implica o outro de si, a fim de que se possa dizer de alguém que ele se estima a si mesmo como um outro. A dizer a verdade, é só por abstração que se pode falar em estima de si sem pô-la em dupla com uma demanda de reciprocidade, segundo um esquema de estima cruzado, que resume à exclamação tu também: tu também és um ser de iniciativa e de escolha, capaz de agir segundo razões, de hierarquizar teus fins; e, estimando bons os objetos da tua busca, és capaz de estimar a ti mesmo. O outro é, assim, aquele que pode dizer eu como eu e, como eu, ser considerado um agente, autor e responsável pelos seus atos. Do contrário, nenhuma regra de reciprocidade seria possível. O milagre da reciprocidade é que as pessoas são reconhecidas como insubstituíveis umas às outras na própria troca. Essa reciprocidade dos insubstituíveis é o segredo da solicitude [...] Viver bem, com e para o outro, em instituições justas. Que a intenção do bem viver envolva de algum modo o sentido da justiça; isso é exigido pela própria noção do outro. O outro é também o outro do tu. Correlativamente, a justiça estende-se para além do face-a-face. Duas asserções estão aqui em jogo: de acordo com a primeira, o viver bem não se limita às relações interpessoais, mas estende-se à vida nas instituições; de acordo com a segunda, a justiça apresenta traços éticos que não estão contidos na solicitude, a saber, essencialmente uma exigência de igualdade de uma espécie diferente da daquela da amizade. [...] Pode-se, com efeito, compreender uma instituição como um sistema de partilha, de repartição, que se refere a direitos e deveres, rendimentos e patrimônios, responsabilidades e poderes; vantagens e encargos. É esse caráter distributivo – no sentido amplo da palavra – que põe um problema de justiça. Com efeito, uma instituição tem uma amplidão mais vasta do que o face-a-face da amizade e do amor (RICOEUR, 1995, p.163-164).

122

Se a ética requer a vida ativa, que é o que caracteriza a própria condição humana, o

indivíduo atua como ser ético perante os outros. Não se pode ser ético quando não se

convive; é, portanto, a esfera pública e coletiva que possibilita a expressão da virtude.

Além disso, as virtudes do comportamento traduzem-se no hábito, e não no postulado de

intenções. Será, portanto, necessário percorrer com ética a própria vida, uma vez que é

mais trabalhoso agir pelo bem do que dizê-lo. Para Aristóteles, ética e política são práticas

que se definem pela ação. Agindo eticamente é que se adquire a prática da virtude.

Educando com correção é que se torna educador.

Segundo Boto(2002), a magia da ação educativa está quando assume a confluência

proposta por Aristóteles da imitação/representação do bom, do belo e do bem, é uma tríade

necessária para pensar a formação da virtude ao educar. Trata-se de criação de hábitos

justos precisamente no meio, pela prudência do discernimento; alicerçados pela eqüidade

das práticas; e de criações de rotinas e de rituais coletivos, públicos e dirigidos ao bem

comum.

O ser humano é o único ser vivo, na Terra, capaz de emitir juízo de valor, valorar as

coisas que estão ao seu redor. Deve-se lutar para ampliar a consciência, a fim de aumentar

a percepção, a incorporação e a construção de novos valores no contexto social no qual se

encontra imerso, que ganham sentidos novos. E com sua capacidade racional deve o

homem construir uma hierarquia de valores, resgatando os desconstruidos na história

através da ação das ideologias dos tempos.

Os valores éticos possuem, na família, a sua principal fonte de apoio, para, a partir

daí, encontrar ressonância em todas as esferas da vida humana, vinculados ao seu mundo

social e histórico, à subjetividade das pessoas e ao inter-relacionamento interdependente

destas pessoas com a natureza e com os demais seres vivos.

A questão que se levanta é como entender tudo isso, não ficando em uma mera

teoria, ou tão somente em uma reflexão. Na verdade a ética é um ensaio humano, pode-se

chegar até ela, na medida em que se habilitar a “fazer”, a “praticar”, o entendimento do

“aprender fazendo”, portanto se entende que somente se entenderá o significado da ética na

vida real criando hábitos e rotinas de vida.

123

4.8 Compreendendo a ética

Èthos é então sinônimo de ética, o conjunto ordenado dos princípios, valores e das

motivações últimas das práticas humanas, pessoais e sociais. Éthos significa também o

caráter, o modo de ser de uma pessoa ou de uma comunidade.

A ética é de ordem prática, uma perfeita relação de convivência com o outro. Uma

pessoa não pode ser ética sozinha. A ética requer uma relação, e é essa relação que vai ser

ética ou não. Conforme Guareschi, “Não pode uma pessoa ser ético sozinha, quem vai

decidir se o sujeito é ético ou não são os outros” (2003, p.156).

Acredita-se estar aqui implícita uma das questões fundamentais do humanismo,

uma indagação presente ao longo dos textos. Conclui-se que, para se falar em ética, há a

necessidade de levar em conta duas coisas: que ética é uma relação e existe ética na medida

em que as ações-relações respeitam os direitos dos outros. Como diz Boff (referência), é

uma ação de cuidado, ou melhor, uma forma aqui de entender, de reproduzir a ética como

cuidado87.

Vê-se, portanto, que a ética é a relação do homem com o outro, e essa relação não

se dá de forma automática. Ela ocorre a partir de um processo, e esta relação com o outro

necessitam de um aprendizado, noções e conceitos. Aristóteles diz que o homem é um ser

social. Entende-se, portanto o homem desde a infância até o final da vida. O homem não

nasce um ser social, mas se faz, o homem é um ser que se constrói. O seu comportamento,

a sua conduta, as suas regras ou suas leis são construídas ao longo dos tempos e da sua

história. Se não houvesse uma interação social, a sociedade não se desenvolveria e ficaria

em um nível instintivo88. O educador Paulo Freire explana essa questão da seguinte forma:

“O inacabamento do ser humano, ou a sua inconclusão, é próprio da experiência vital.

Onde há vida, há inacabamento. Mas só entre mulheres e homens o inacabamento se

tornou consciente” (2004, p.50).

87 “O termo cuidado vai ser amplo, a falta de cuidado no trato da natureza e dos recursos escassos, a ausência de cuidado com referência ao poder da tecnociência que construiu armas de destruição em massa e de devastação da biosfera e da própria sobrevivência da espécie humana nos está levando a um impasse sem precedentes. Ou cuidamos ou perecemos” (BOFF, 2003, p.48). 88 De acordo com Guareschi, (2004, p. 162), o cerne da questão está em ser a ética algo inacabado e em contínua elaboração e que dia a dia deve ser discutido e melhorado. Isso só é possível através da comunicação, do discurso, do diálogo, da fala, mas um discurso de que todos podem e deve participar, em igualdade de posições, em que cada um fala livremente o que pensa e escuta com respeito o que o outro diz.

124

O homem, esse ser inconcluso, subentendendo nisso sua condição no mundo, de um

ser que está numa perspectiva de aprender e aprender sempre, daí o fato de estar sempre

em conexão com o mundo89.

Uma consciência e uma aprendizagem constante numa práxis contínua realizada em

direção aos sonhos e leitura de mundo visto que o desenvolvimento social da pessoa

depende de fatos externos. Como o desenvolvimento da lógica, na criança, é uma função

que está em relação direta com sua fala socializada.

O aprendizado no diálogo começa cedo junto à família. As curiosidades da criança

são supridas e dirigidas a partir das conversas familiares, aprendendo a reconhecer

momentos certos da participação em diálogos fundamentados em valores, e de seqüência

lógica. Quando em idade de ingresso à escola, esta vem dar continuidade ao processo

iniciado na família, da garantia dos hábitos morais e intelectuais90.

Essas são as implicações positivas de se buscar com as crianças a educação moral,

que se iniciada cedo, na infância, e se prolonga por toda a vida, porque a educação moral

não tem fim. O processo é gradual, e a consciência da complexidade das situações morais e

da relativa utilização de métodos para resolver problemas morais vai se instaurando

gradativamente. Não vai existir regras e manuais de bolso para determinadas situações,

eles acontecem e a ação ou reação estará alicerçada nas concepções de vivência ética. O

mundo que está constantemente mudando, um mundo onde são necessárias habilidades

para se adaptar às novas situações que vão surgindo ao longo da existência. Somente com

responsabilidade e capacidade, poder-se-á dar respostas eficazes aos problemas e desafios

encontrados na educação humanística.

A educação ética, de valores, carece ser conduzida para um reflexão da realidade

comunitária, tendo como objetivo equipar o educando com ferramentas de reflexão dentro

de um contexto de investigação, numa educação para a cidadania, para o social. Os

educandos precisam aprender como viver de modo a diminuir as chances das crises sociais

e melhor controlá-las. É a educação ética um instrumento sólidos que vai prevenir, no

futuro, os vícios, o crime, o uso das drogas e, conseqüentemente, diminuir a incidência de

89 Entendendo nesse sentido de estar aberto para o mundo, numa contínua aprendizagem, sobrecai uma grande responsabilidade para professores. Muitas posturas na vida virão desse diálogo e leitura feitos junto aos professores criando as sensibilidade e resistências. Como diz Paulo Freire, “de criar resistência, como uma forma de dizer não à fome, à dor, à injustiça, ao desconforto. “Nã o é na resignação, mas na rebeldia em face das injustiças que nós afirmamos” (1996, p.78.) 90 A relação professor-aluno precisa possuir um nível semelhante de diálogo e de comunicação direta. Estarão expressos na ação simultaneamente tanto o aprendizado como o respeito mútuo.

125

doenças sexualmente transmissíveis, de desrespeito às raças, a deficientes físicos, idosos,

estrangeiros e que as diferenças naturais necessárias não se tornem em desigualdades.

A educação tem andado muito distante da realidade. Faz pouco tempo que alguns

educadores e determinadas instituições vêm propondo e trabalhando outros enfoques dento

desse cenário educacional altamente fragmentado. Segundo Freire “a presença no mundo

não é a de quem a ele se adapta, mas a de quem nele se insere. É a posição de quem luta

para não ser apenas objeto, mas sujeito também da história” (2004, p.54). Urge esse

reencontro com o ser humano, a necessidade de identificar que ele faz parte de um todo,

que todos fazem parte de uma mesma e grande família, de ter uma educação planetária,

uma educação que desenvolva as habilidades de pensamento de maneira que seus aspectos

éticos possam ser manejados a partir de sua própria perspectiva e situação.

A educação humanística estende ao educando de ter atitudes mais abertas e

flexíveis em relação às possibilidades de uma determinada situação de complexidade da

existência humana, e assim sendo, a desenvolver um senso de proporção ética sobre sua

própria situação. Nesse viés os educandos vão se envolvendo cada vez mais na prática

habitual de considerar com flexibilidade e respeito o outro, e demais ações de seu exterior,

tornando-os sensíveis à complexidade das situações e a necessidade de levar em conta o

maior número possível de dimensões. Portanto, demanda à educação uma atitude que

implique práticas e exercício de cidadania de dimensão moral tais como “consolar, cuidar,

aconselhar, compartilhar, respeitar, interagir, criar, inovar” envolvendo-os os educandos na

ação, desenvolvendo-lhes o cuidado e a dignidade, a justiça, porque, como diz FREIRE, a

educação é uma forma de intervenção no mundo.

Ninguém pode estar no mundo, com o mundo e com os outros de forma neutra. Não posso estar no mundo de luvas nas mãos constatando apenas. A acomodação em mim é apenas caminho para a inovação, que implica decisão, escolha, intervenção na realidade. Há perguntas a serem feitas insistentemente por todos nós e que nos fazem ver a impossibilidade de estudar por estudar. De estudar descomprometidamente como se misteriosamente, de repente, nada tivéssemos que ver com o mundo, um lá fora distante mundo, alheio de nós e nós deles (FREIRE, 2004, p.77).

O objetivo da educação ética é proporcionar as condições necessárias para a

identificação das situações que clamam por uma postura moral e para a capacidade de

126

avaliação moral recorrente a tal postura. A sensibilidade para os contextos ou situações é

fundamental, em função do tipo de critério que a eles deve ser aplicado.

A escola pode oferecer condições para o estudante envolver-se em procedimentos

que alimentem hábitos participativos, racionais e cooperativos, não só discutindo questões

morais, mas também praticando a moralidade na micro sociedade que é. A vivência de atos

morais dentro de um espaço investigativo avalia e consolida atos de cunho ético.

Logo, educar para o exercício da cidadania e para a justiça e dignidade humana,

pessoal e social é um processo que tem, na comunidade de investigação, um modelo a ser

internalizado e praticado não só na escola, mas também na sociedade. Essa educação deve

criar, em todas as pessoas, interesses em promover o bem geral, a fim de que encontrem

sua própria felicidade realizada naquilo que podem fazer para melhorar as condições dos

outros.

Segundo THEOBALDO,

nesta perspectiva utilitarista, o papel da escola em relação à educação está em alimentar o convívio social e em promover a educação através da interação e conjugação dos interesses individuais e sociais. Esta é a única forma de a educação moral escapar da inocuidade da recitação de regras e, efetivamente, formar o caráter para a consideração das causas sociais (1998, p.28)

Portanto, é possível perceber que a educação ética está interligada em dois pontos

fundamentais, sendo um deles o desenvolvimento cognitivo e o outro o da sensibilidade

descentralizada. Esses elementos são fundamentais para o desenvolvimento e

comportamentos autônomos éticos.

Foi defendido desde o princípio dessa dissertação a idéia de que a sala de aula é o

espaço fundamental para realizar a educação humanística, isto é, cidadã, digna e com

justiça. Expressando de outro modo, é o fio condutor que possibilita uma reflexão

comprometida, baseada em critérios teóricos, norteando uma verdadeira discussão ética.

Na opinião de FÁVERO et al. (1998, p.40), conhecer alguns pontos fundamentais

sobre a ética não é apenas uma questão acadêmica ou restrita a alguns momentos em que a

sociedade discute mais acaloradamente. È também uma necessidade para a convivência

social e a realização humana. Não é possível pensar em sociedade digna, democrática,

127

feliz, justa sem passar pela discussão ética. “Viver eticamente é viver conforme a

justiça” (apud, FÁVERO, 1998, 40)91. A seguir, Fávero exemplifica essa questão:

A Ética é uma espécie de bússola que aponta o rumo de nossa navegação no mar da história. O não uso dessa “bú ssola” possibilita ao homem entrada por atalhos desviantes, declinantes e destrutivos da vida. O Ódio, as lutas, as guerras são exemplos que encontramos no decorrer da história do não uso da “bússola” orientadora, que levam a humanidade à beira do desaparecimento. Portanto a “ética administra exatamente as encruzilhadas da vida e os conflitos da liberdade: por um lado, aponta os caminhos da construção pessoal e coletiva e, por outro, adverte contra as ameaças da autodestruição” (1998, p.40).

O ser humano é um ser de potencialidades. Isso significa que deve, portanto,

construir ou conquistar seu próprio ser. Ele não nasce pronto, mas se faz humano, se torna

pessoa. O grande desafio da vida do ser humano é esse processo de construção do próprio

ser. Essa construção é uma permanente possibilidade e não acontece individualmente, de

forma isolada, mas num contexto de relações e situações que o ser humano estabelece com

o mundo.

O homem é dotado de relativa liberdade nas suas ações, e, tem como embasamento

as experiências, os ensinamentos, as instituições de ensino e a convivência. É nesse sentido

que se fala da aprendizagem ética. A forma como se organiza o sentido que se dá à

existência e o modo como se soluciona os problemas que surgem na relação com outras

pessoas e com a natureza, que são de nossa inteira responsabilidade – e esta

responsabilidade deve se estender sobre todas as ações e suas conseqüências. Depende da

responsabilidade a convivência humana e a realização de um mundo mais humano. È

necessário e urgente criar consciência da responsabilidade do ser no mundo, somente será

melhor se houver o empenho nessa direção. Nesse sentido FREIRE nos diz que:

A prática educativa tem de ser, em si, um testemunho rigoroso de decência e pureza. Uma crítica permanente aos desvios fáceis com que somos tentados, às vezes ou quase sempre, a deixar as dificuldades que os caminhos verdadeiros podem nos colocar. Mulheres e homens, seres históricos sociais, nos tornamos capazes de comparar, de valorar, de intervir, de escolher, de decidir, de romper, por tudo isso nos fizemos seres éticos. Só somos porque estamos sendo. Estar sendo é a condição, entre nós, para ser. Não é possível pensar os seres humanos longe, sequer, da ética, quanto mais fora dela. Estar longe, ou pior, fora da ética, entre nós, mulheres e homens, é uma transgressão (FREIRE, 1996, p.33).

91 É a tese principal de Olinto Pegoraro, em seu livro Ética e justiça, onde defende que o ser humano tem em suas mãos o seu destino: pode construir-se ou perder-se, dependendo do rumo que ele imprime às decisões e ações ao longo da vida.(apud, FÁVERO,1998, 40).

128

Reafirmando o caráter reflexivo que se deve ter, principalmente quando se está

demasiadamente envolto em uma realidade, acostuma-se a viver na injustiça com a

convicção de que não há outra saída, se não houver um espaço consciente de reflexão que

possibilite abrir novos horizontes.

A indignação é a experiência que permite também desmascarar o mal travestido de

normalidade92, e descobrir, mesmo que parcial e superficialmente, o bem e a justiça,

abrindo assim a possibilidade de construir um futuro diferente e melhor que o presente. Foi

essa postura de indignação ética que possibilitou as mudanças ocorridas no decorrer da

história.

Acredita-se que não existam fórmulas prontas nem soluções mágicas que possam

reverter situações de injustiça. Não temos um mundo melhor, nem uma sociedade justa,

digna e humana, se continuarmos acreditando ingenuamente que as mudanças passam pelo

campo das leis, dos decretos, da forma de governo ou até mesmo dos discurso moralistas

que se escuta93, há muito tempo, pronunciados por aqueles que se consideram os “perfeitos

cidadãos”. Também seria ingênuo acreditar cegamente que a escola é capaz de educar o

cidadão integralmente. Entretanto, ela ainda possui um papel importante e fundamental.

Não é possível pensar que a escola sozinha pode transformar o mundo, mas também é

verdade que não é possível pensar em nenhum tipo de sociedade diferente, mais justa, mais

fraterna, sem contar com a contribuição da escola.

Umas das tarefas mais importantes da prática educativo-critica é proporcionar condições em que os educandos, em suas relações uns com os outros e todos com o professor ou a professora, ensaiam a experiência profunda de assumirem-se. Assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante, comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de amar (FREIRE, 2004, p.41).

Nesse sentido, acredita-se que a escola é o lugar privilegiado para a vivência dos

valores, e a sala de aula, o lugar por excelência da discussão ética. Isso não significa dizer

que a escola deve-se omitir de trabalhar com os conhecimentos historicamente produzidos,

mas, sim, que esses devem ser discutidos, recombinados, reinventados, reproduzidos,

92 Utilizado em outro momento da dissertação de CREMA como “normose”. 93 Se assim fosse, o Brasil seria um exemplo às outras nações por causa de belas leis, normas, decretos, pareceres, projetos. Porém, em muito deixa a desejar, ficando em baixos níveis estatísticos em diversas áreas tais como: a distribuição de renda, saúde, educação, justiça. No Brasil as relações democráticas e cumprimento dos ditames da lei funciona muito bem na teoria, no papel.

129

aprovados à luz da ética. A escola deve optar, em seu fazer pedagógico, por um dos

caminhos: ou ela serve para conservar uma situação de dominação, de injustiça, de

exploração, ou ela está a serviço da transformação, da mudança, da cidadania. Pois,

segundo FREIRE (1996, passim), é impossível na verdade a neutralidade da educação.

Quanto aos educadores, eles têm o privilégio e o desafio de estar em contato com

crianças, adolescentes e jovens. Por isso, não podem ser meros repetidores de uma moral

que já existe. A prática pode ser mais construtiva, de modo que elabore, dentro da

realidade em que se vive, uma ética que não fira os preceitos básicos da vida humana em

sociedade e também ajude a manter os sonhos e ideais capazes de se tornarem realidade.

De acordo com Freire (2004, p.94), é necessário o professor “deixar claro , com seu

testemunho, que o fundamental no aprendizado do conteúdo é a construção da

responsabilidade que se assume”.

O espaço da escola pode ser o espaço do saber em construção, portanto provisório,

e também o espaço da construção de instrumentos de emancipação, onde professor e aluno

se percebam como sujeitos do fazer e refazer, comprometidos com o homem real. Para

isso, ambos precisam entender o processo social e situar-se nele através das ciências, da

reflexão ética e da ação política.

Educar é mais do que transmitir conhecimentos: é construir o próprio ser humano, é

buscar a motivação do viver, que só poderá ser pleno se comprometido com os demais

viveres. Portanto, um viver esperançoso e solidário, que acredite nas possibilidades no

amanhã e que seja gestado na concretude do pensamento da práxis cotidiana. Segundo

Paulo Freire,

A raiz profunda da politicidade da educação se acha na educabilidade mesma do ser humano, que se funda na sua natureza inacabada e da qual se tornou consciente. Inacabado e consciente de seu inacabamento, histórico, necessariamente o ser humano se faria um ser ético, um ser de opção, de decisão. Um ser ligado a interesses e em relação aos quais tanto pode manter-se fiel à eticidade quanto pode transgredi-la (2004, p.110).

Uma pratica educativa jamais pode desvincular-se de um posicionamento político e

social, uma vez que o conhecimento e sua construção só têm sentido se atrelados à busca

de uma sociedade mais justa. Não é possível falarmos em educação sem vislumbrarmos o

papel que ela desempenha para situar o homem como sujeito histórico, consciente do seu

lugar no mundo e crítico o bastante para nele intervir. Portanto, também não é possível

130

desvincular a pedagogia da utopia. E, para agir no mundo, é preciso desvelá-lo,

compreendê-lo, e engajar-se na busca do devir.

4.9 A ética e a globalização

Um dos efeitos mais avassaladores do capitalismo globalizado e de sua ideologia

política, o neoliberalismo, é a demolição da nação e do bem comum ou do bem-estar

social. Sua palavra de ordem é conquistar.

praticamente tudo está sob o signo da conquista. Conquistar a terra inteira, os oceanos, as montanhas mais inacessíveis e os recantos mais inóspitos. Conquistar povos [...], espaços extraterrestres, [...] a vida e manipular seus genes [...], tudo é objeto de conquista (BOFF, 2003, p.20).

Esse é o pensamento pós-moderno94 característico dessa época, que entende tudo

como espaço para conquista, voraz e insaciável95. O pensamento pós-moderno96 entende a

si mesmo como justificativa e solução mediadora das diferenças, instituindo novos sentidos

e novas linguagens.

Para enfrentar esse descalabro humano faz-se urgente uma revolução ética, mais

que uma revolução política, despertar um sentimento profundo de irmandade e de

familiaridade que torne intolerável essa desumanização que imprecam os vorazes

dinossauros do consumismo de continuarem em seu vandalismo individualista. Precisa-se

de uma ética que se solidarize com todos esses caídos, abandonados e esquecidos.

94 Termo ainda contestado, por muitos autores quanto o emprego da palavra “pós -moderno”, se questiona se realmente a pós-modernidade existe ou ela é um braço da modernidade individualista. 95 “Já conquistamos 83% da Terra e nesse afã a devastamos de tal forma que ela ultrapassou em 20% s ua capacidade de suporte e regeneração” (BOFF, 2003, p.20). “Vivemos tempos de grande barbárie, porque é extremamente parca a solidariedade entre os humanos. 1.4 bilhão de pessoas vivem com menos de um dólar por dia. Dois terços destes são constituídos pela humanidade futura: crianças e jovens com menos de 15 anos, condenados a consumir 200 vezes menos energia e matérias-primas do que seus irmãos e irmãs norte-americanos. Mas quem pensa neles? Os países opulentos não têm o mínimo senso de solidariedade, pois destinam menos de 1% de sua riqueza interna para debelar este flagelo” (BOFF, 2003, p.53). 96 O pensamento pós-moderno se constitui dentro de três valores: a racionalidade, o individualismo e o experimentalismo.

131

Segundo Paulo Freire, no discurso do pensamento moderno fala muito em ética,

mas esconde que a sua ética é a ética do mercado, não a ética universal do ser humano,

que, pela opção de ser gente, deve-se lutar bravamente:

O discurso da globalização astutamente oculta ou nela busca penumbra a reedição intensificada ao máximo mesmo que modificada, da medonha malvadeza com que o capitalismo aparece na história. O discurso ideológico da globalização procura disfarçar que ela vem robustecendo a riqueza de uns poucos e verticalizando a pobreza e a miséria de milhões. O sistema capitalista alcança no neoliberalismo globalizante o máximo de eficiência de sua malvadez intrínseca (FREIRE, 1996, p.128).

No pensamento pós-moderno, ninguém é levado a construir algo em comum. A

única coisa em comum que resta é a guerra de todos contra todos em vista da sobrevivência

individual, pensamento desenvolvido dento das salas de aula. O liberalismo incute a

necessidade da competição.

Neste contexto, quem vai cuidar do ser humano, de seu destino, da morada humana

coletiva, a Terra? Como diz Boff (2003, p. 64), o neoliberalismo é surdo, cego e mudo a

essa questão fundamental. E seria contraditório, pois defende políticas contrárias ao bem

comum. Cita-se a carta da terra97, que reproduz o momento preocupante que se encontra a

humanidade:

Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro. À medida que o mundo torna-se cada vez mais interdependente e frágil, o futuro enfrenta, ao mesmo tempo, grandes perigos e grandes promessas. Para seguir adiante, devemos reconhecer que no meio de uma magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família humana e uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos somar forças para gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz. Para chegar a este propósito, é imperativo que nós, os povos da Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade da vida, e com as futuras gerações (Disponível em: http://www.mma.gov.br/estruturas/agenda21/_arquivos/carta_terra.doc

97 Carta da Terra será o equivalente à Declaração Universal dos Direitos Humanos, apropriada para os tempos atuais. Será um documento baseado na afirmação de princípios éticos e valores fundamentais que nortearão pessoas, nações, estados, raças e culturas no que se refere ao desenvolvimento sustentável com eqüidade. Ela será proclamada pelas Nações Unidas nos primeiros anos do Século 21. www.paulofreire.org.

132

A modernidade é a ruptura, um discurso de unidade da pretensão de universalidade

contra um discurso que tenta articular o mundo como totalidade, capaz de abranger todas

as dimensões do real, “construída dentro de três valores: a racionalidade, o individualismo

e o experimentalismo” (GUARESCHI, 2003, p.151).

Segundo Guareschi, o pensamento liberal minou as estruturas da sociedade anterior

às classes especificas, a nobreza, aristocracia, poderes e benefícios hereditários. A grande

virada com o liberalismo que surge está baseada no individualismo, e, tendo o indivíduo

como centro, de que as coisas não ocorrem naturalmente, traduzir a necessidade de

barganhar, impor desafios, dando um sentido de um prélio constante. Esse pensamento não

ficou só restrito ao campo político ou econômico, ele se expandiu por todos os segmentos,

chegando ao Estado e à educação98.

Esse pensamento e a prática neoliberal chegam a um individualismo exacerbado

que se transformou em uma “selvageria” econômica, incutindo uma mentalidade de “quem

pode mais, chora menos”, “cada um por si”, cuidando do seu e ninguém por todos.

O liberalismo cria modelos e linguagens. Sua influência está presente na educação e

na família, evidenciando alterações enormes na relação entre pais e filhos, como

ambivalências, individualismo, valores, e a interferência na construção da personalidade.

Existe também nas relação escolares, entre professor e aluno e entre este e os colegas. Uma

valorização exacerbada no consumismo na competição uma verdadeira guerra pela

sobrevivência. “A construção da personalidade de uma pessoa se dá na e a partir da relação

com outra e não como um átomo isolado, determinado de dentro para fora. [...] o

liberalismo que prega um tipo de relação em que cada um se guia por si sem depender do

outro [...]” (GUARESCHI, 2003, p.154).

Segundo GUARESCHI, vive-se hoje uma época ainda marcada por uma censura

camuflada, talvez muito pior do que aquela divulgada amplamente, porque ela não só inibe

o ser humano ao silêncio aterrador, como também ao conformismo de fazer acreditar,

aceitar passivamente na “nulidade” da capacidade de ser, pensar e agir.

Hoje o homem enfrenta uma realidade em que a ética parece uma palavra

esquecida no campo social por grande parte da população, outros substitutos de benefícios

econômicos a grupos minoritários da sociedade passam a ter maiores espaços e defendidos

98 “Isso foi assim em todos os campos. [...] No campo político, começaram as revoluções, c omo é o caso da Revolução Francesa. No campo econômico, isso fica mais claro ainda no fundamento legitimador que dá sustento ao capitalismo, expresso pelo lema: “laissez -faire, laissez-prasser”, isto é, deixe fazer, deixe passar. Ninguém deve interferir. Nem mesmo o Estado. A única tarefa do Estado é cuidar pra que ninguém tire as coisas dos outros. Estado mínimo. Mas o que é meu, é meu e ponto final” (GUARESCHI, 2003, p.152).

133

pelos beneficiados. Nessa mesma ótica de pensar se instaurou o “ jeito de levar vantagem”,

“o jeitinho para resolver contratempos” em qualquer segmento da sociedade nos mais

diversos grupos sociais, a lei do menor esforço, do descaso, da insensibilidade.

Fica a impressão de que um egocentrismo atroz ocupou o interior de cada cidadão

e originou toda a atual miséria das relações. O outro estranho a mim, políticas

governamentais, as organizações públicas e privadas a responsabilidade, romperam-se

relações de cooparticipação, de solidariedade.

Esse quadro social, aparentemente irreversível, pode ser transformado através da

educação – uma educação com um caráter ético humanístico. Ela tem o poder de iniciar em

sala de aula a mudança, a formação de um novo homem mais humano e ético.

Quando falo em educação como intervenção me refiro tanto a que aspira a mudanças radicais na sociedade, no campo da economia, das relações humanas, da propriedade, do direito ao trabalho, à terra, à educação, à saúde, quanto a que, pelo contrário, reacionariamente pretende imobilizar a história e manter a ordem injusta (FREIRE, 2004, p.109).

É o momento de unir as ciências e fazê-las instrumentos eficazes na busca de

relações humanas mais qualitativas e menos egoístas. É tempo de admitir as falhas e

enxergar o quanto insustentável está a situação existente. Nenhuma mudança virá num

“passe de mágica”, mas desenvolvendo desde cedo nas crianças nos jovens, nas escolas

uma reflexão, isto é, a capacidade de pensar com autonomia e confiança em si mesma.

Uma reflexão que leve à ação, a partir de seu mundo, a partir da sala de aula. Uma reflexão

que converta as relações do homem em relações éticas e humanas.

134

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa surge a partir da reflexão sobre o comportamento humano

contemporâneo. Uma série de questionamentos e de indagações não respondidas conduziu

à pesquisa e à reflexão do comportamento humano e de seus valores.

Esta pesquisa não respondeu a todas as questões levantadas; elas, porém, serviram

como elemento norteador. Muitas perspectivas e campos de investigação ficaram abertos,

ficando um convite para novas pesquisas e aprofundamento.

A temática educação, homem, mundo é altamente complexa e ampla, portanto o

foco da pesquisa fixou-se no entendimento de ser o humanismo uma concepção ética da

educação na contemporaneidade.

Procurou-se aqui abordar o humanismo como um jeito de ser, um modo de ser que

acontece no fazer humano, no constituir-se humano, estabelecendo referenciais éticos na

construção de uma sociedade menos desigual.

Outro aspecto importantíssimo que norteia este trabalho é a consciência de ser, do

ser humano inacabado, um contínuo processo de aprendizagem, o poder de refletir sobre si

mesmo, de buscar, da construção de seu mundo e de suas relações, o saber de que se pode

ir além. A educação como possibilidade do deixar ser, isso é uma característica própria do

humanismo, também presente em muitos momentos da história da humanidade.

No intuito de entender a educação como uma importante aliada na construção de

um mundo mais digno para todos, buscou-se entender os fundamentos da racionalidade

iluminista e a conseqüente razão tecnológica instrumental que se mantém até os dias de

hoje como forma de compreensão e intervenção na realidade.

Também se buscou um estudo dos textos clássicos com o intuito de entender um

dos muitos momentos da construção do pensamento da humanidade e sua diversidade

135

estrutural, tendo com isso uma visão do passado possibilitando passos mais claros para um

futuro da educação.

Os diversos referenciais teóricos abordados vão abrir possibilitaram a compreensão

do sentido humano, vão possibilitar que em muitas ações praticadas pelo homem nos dias

atuais são respostas de uma conjuntura histórica, não são fatos isolados necessita estar

atento ao ocorrido. Com isso, muitas das diversas “crises” humanas, sejam elas de ordem

sociais, políticas, econômicas tem alguma relação com ações e opções feitas pelo homem

ao longo da história.

Compreendeu-se na dissertação que o homem é temporalidade, isto é, que ele é e se

faz nas ações e situações provocando uma cadeia de fatos subseqüentes proveniente de sua

concepção de mundo, isto é sua razão e vontade. O sujeito não age automaticamente,

existe uma justificativa para seus atos, o diferencial está na liberdade de decidir e agir sem

a submissão. Portanto percebe-se que a modernidade ao mesmo tempo em que cria

situações de engessamento nos múltiplos campos da ação humana que é próprio de um

sistema neoliberal, também propicia condições favoráveis para a critica e a compreensão,

necessitando ai a intervenção da educação. E a ação educativa é um ato de minar a

uniformidade de pensamento da compreensão do mundo no qual vivemos e podemos

transformar.

Compreendeu-se que, apesar dos atos de atrocidades cometidos na história, desde

os gregos e romanos antigos, e nos diversos processos de colonização como também nos

incessantes conflitos que eclodem a todo momentos por inúmeros motivos ao redor do

planeta, o humanismo é um projeto de valores dignos, e as ações impróprias, recriminadas,

detestadas pela humanidade, não invalidam o cultivo desse ideal.

A pesquisa transitou entre os temas Modernidade, Pós-Modernidade, Globalização

com o intuito de compreender a velocidade das mudanças tecnológicas e econômicas, uma

intrincada rede de relações que afeta a todos.

O homem é protagonista de uma história com a característica de mudanças rápidas,

de atitudes e comportamentos dinâmicos e velozes. Nesse sentido, se faz necessária uma

ação com a mesma dinâmica, valendo-se de parâmetros justos e éticos. Urge, na atual

conjuntura, uma leitura da história e do ambiente, visto que nos séculos XIX e XX o

equilíbrio entre formação racional, prática e humana foi mal estabelecida. Sobre essa

perspectiva de releitura da história e do ambiente, pode-se sugerir que uma educação de

qualidade para todos deve ser diferente da educação dos séculos referidos, devendo

136

abranger, ao mesmo tempo, as formações ética com práticas de justiça e dignidade aliada a

racionalidade e a tecnologia.

Considerando o modo como o mundo tecnológico invadiu as formas cotidianas de

vida, jogando o homem num ritmo frenético e transformando-o em mero espectador

passivo dos aparelhos eletrônicos, que são os mais diversos possíveis. Percebe-se por um

prisma, que isso tudo traz um relativo bem estar ao indivíduo. Isso posto, talvez soe um

pouco estranho, diante desse contexto, compreender o significado de educação do resgate

de valores para consigo mesmo e para os outros, uma educação como atitude reparadora de

perdas do sentido da vida, como protagonista de novas inserções e proposta e com

aquisições específicas em razão de conhecimentos e dos novos espaços e sentido para a

vida. Não é uma atitude saudosista de ações do passado, mas crer na possibilidade de a

educação romper o individualismo e o bem estar particular, trazendo o homem para uma

realidade de responsabilidade. E bastante alentador a posição de Kaku:

A retomada da idéia do humanismo, como movimento que resgata o ser humano e seus valores, e tudo que a partir daí construiu-se em diversas áreas do saber humano, a fim de continuar construindo a partir de valores humanos – ou seja, valores éticos – é um resgate capital para repensar a complexidade do momento histórico vivido pela humanidade. O estágio de coisificação do ser humano, a perda da solidariedade em vasta parcela da população, a ausência da capacidade transformadora de uma realidade com a aceitação impassível e conformista da situação em vigor são indícios da naturalização da desumanidade e barbárie por que passamos atualmente; é uma situação que não pode perdurar, sob pena de produzir e reproduzir-se um ciclo de realimentações negativas, que levaria a humanidade como um todo a estágios mais profundos de dor e sofrimento, situação assistida impassivelmente por todos. Seria o maior retrocesso da humanidade e da condição humana jamais registrada. (KAKU, 2001, 518)

O homem precisa aprender a refletir e a enxergar além das aparências, a fim de que

possa separar o “joio do trigo”, o “veneno do alimento”, aquilo que o torna “feliz do que o

torna escravo” da ganância dos que visam apenas ao culto do ter, do “poder e do prazer".

Os benefícios da evolução e do progresso da ciência e da tecnologia devem ser

dirigidos para o bem comum e não permanecer concentrados nas mãos de poucos

poderosos, que escravizam milhões de seres humanos, não lhes propiciando as mínimas

condições para uma vida digna.

Esses temas a serem feitos pelo homem está idealizado em uma educação ética,

demonstrada nos exercícios de cidadania, justiça, igualdade, de uma reflexão que envolva e

137

responsabilize o homem, possibilitando assim ações efetivas de maior dignidade humana.

Esse delineamento de temas vem dizer em parte sobre os possíveis caminhos para entender

o campo da educação transformadora, presente em um estado real, como também

idealizando um mundo humano possível.

Pôde-se perceber que humanização é reconhecer o outro como ser humano, como

potencialidade realizadora, que não se dá de maneira neutra e secundária, mas num sentido

de relações e aliança. Uma aliança com a sociedade, com a família, a escola para o resgate

dos valores de sustentabilidade do humanismo, de uma ética educacional, pelo fato de ser

por valores que nos movemos e somos.

As inúmeras reflexões e indagações sobre o humanismo geralmente resultam da

leitura de recortes e quadros sociais anti-humano, de situações que levam a

questionamentos da ações humanas. E o mais trágico nisso tudo é o fato de o humano estar

ameaçado pelo próprio humano, isto é, por uma concepção da existência humana que não

corresponde àquilo que a experiência histórica procurou alcançar, seguindo idéias de

igualdade, justiça e dignidade humana.

O que está em jogo nesse conflito não é apenas a sobrevivência de uma tradição de pensamento. Se o conflito atual de humanismo. Se o conflito atual de humanismos que disputam a hegemonia da nossa adesão for resolvido em uma direção, nós podemos ainda falar de cidadãos, de relações de cooperação, de bens partilhados, de comunidade moral, de ideais de justiça e de felicidade, esta entidade como a realização das cidades e aspirações dos indivíduos e das comunidades vivendo solidamente, como disse Celso furtado. Caso contrário, só nos resta prepararmo-nos para sucumbir aos novos bárbaros que já não estão do outro lado da fronteira, mas que nos governam há alguns anos. (PERINE, 2001, p. 180-181).

Uma das grandes falhas do mundo moderno é de ter relegado o ser humano a um

plano secundário, elegendo como prioridades o lucro, o poder, o prestígio, isto é, vãos

valores tornando o homem vazio de si mesmo e de significados para a vida, ofuscando as

noções de liberdade, felicidade e da verdadeira educação.

Na modernidade, a globalização coloca em xeque o humanismo, pelo seu sistema

individualista, centralizador, que rompe a diversidade cultural e as diferenças,

substituindo-o por uma característica universal niveladora. Segundo Perine:

138

o desafio que se coloca no umbral do século XXI é nada menos do que mudar o curso da civilização, deslocar o seu eixo da lógica dos meios a serviço da acumulação, num curto horizonte de tempo, para uma lógica dos fins em função do bem-estar social, do exercício da liberdade e da cooperação entre os povos. Devemos nos empenhar para que esta seja a tarefa maior dentre as que preocuparão os homens no correr do próximo século: estabelecer novas prioridades para a ação política em função de uma nova concepção do desenvolvimento, posto ao alcance de todos os povos e capaz de promover o equilíbrio ecológico. O objetivo deixaria de ser a satisfação das necessidades fundamentais do conjunto da população e a educação concebida como desenvolvimento das potencialidades humanas nos planos ético, estético e da ação solidária. (PERINE, 2001, p. 179)

Conclui-se que o humano só é concebível na multiplicidade dos humanos e em

nenhum outro lugar. O humanismo é uma concepção de homem que se dá nas diversas

relações, um “modo de ser”, um “jeito de ser no mundo”, Um jeito de agir livre e com

dignidade, opondo-se aos anti-valores anti-humanos, que cria fornecedores e usuários

vistos como mercadorias no modelo de globalização neoliberal em curso.

É exatamente por isso que hoje, mais do que nunca, a principal questão básica da educação volta-se para o processo de constituição do humano. Somente podemos responder quem somos, nós, os seres humanos, se tivermos presente que não nascemos humanos, mas que nos tornamos humanos pela educação.(BOMBASSARO, 2005, p. 13).

O tornar-se humano é a maneira de ser do homem, a maneira de viver. Como diz

Bombassaro, “não nascemos humanos, nos tornamos humanos na convivência. Tornamos

humanos na medida em que, para além de nossa constituição biológica, crescemos numa

determinada maneira de viver dentro de uma comunidade humana” (2001p. 60).

Os homens são seres de relações, e é nessa analogia que acontece a ética, a ética é

afinidade com o outro, é nas relações que se constituem como seres humanos, e constroem

um mundo propriamente humano. Segundo Paulo Freire (1996, passim), a prática denuncia

o que o homem é. Para o professor, não é possível existir a ruptura entre teoria e prática,

assim como também não é possível ser a favor do homem adotando concepções e idéias

contrárias. Isso a princípio, enquanto a favor da dignidade, da justiça, ética, da democracia,

o professor mantém um comportamento contrário qualquer forma de discriminação e

dominação. Com essa postura é a favor da esperança e contra o desengano. Para um

educador é imprescindível a coerência entre o que se diz e o que se faz.

139

Tem-se conhecimento do avanço tecnológico da modernidade, das inúmeras

práticas e idéias equivocadas que se apresentou na forma de “ tempos de superação” , de

todas as descobertas e necessidades humanas, mas também a época da destruição do

próprio habitat na qual o ser humano vive e, por extensão, a época que instaura a

possibilidade da destruição do próprio homem.

No entanto, uma educação humanística requer a valorização humana, da

diversidade cultural e do ecossistema. É preciso redescobrir, reinventar o homem, o

humano, a fim de não sucumbir à reificação de um mundo globalizado que acentua o

econômico, a fragmentação e a exclusão. O avanço tecnológico em nenhum momento se

colocará a serviço de liberdade, igualdade e consciência social se não houver a intervenção

da consciência humana.

No movimento da história percebe-se a necessidade da educação continuada devido

ao crescimento exponencial do conhecimento, que multiplica-se a passos largos,

determinando que haja cada vez mais conceitos e procedimentos que devam ser aprendidos

e desaprendidos ao longo de uma vida.

A dinâmica do mundo de hoje aponta para uma nova estrutura necessária ante as

mudanças no processo de conhecimento, sinaliza para uma formação contínua, tanto em

sentido profissional como também no aprendizado, suscitando novas formas de perceber,

conhecer e de relacionar-se. A educação permanente possibilita uma interação com as

novas linguagens, reduzindo os conflitos, possibilitando uma menor defasagem dos

conteúdos a serem apreendidos, reduzindo possibilidades de distanciamento e

desigualdades.

O processo de construção de uma educação humanística não termina nunca.

Quando avançamos alguns passos, o objetivo se afasta, porque o mundo se modifica, as

demandas aumentam e as relações ganham novas linguagens. No entanto, é possível

produzir um tipo de radiografia a cada momento. A radiografia atual pode mostrar que, no

caminho, existem algumas heranças perigosas e determinados indícios alentadores.

Na perspectiva educacional para as universidades, se pensa serem elas uma real

possibilidade da gestação e construção de espaços éticos e dignos. Ela é composta por

seres humanos que interagem em um processo dinâmico, contínuo e interdependente,

ocorrendo, contudo de em muitos momentos agirem criando algumas lacunas que

marginalizam e relegam o ser humano a partir da lógica do mercado. Essa lacuna, porém,

pode ser transposta por um processo educativo que vislumbre o futuro, permitindo que as

140

crianças, adolescentes e jovens transcorram as fases da vida de forma plena e ética,

desenvolvendo uma atitude ativa na busca do ser humano saudável.

Há a necessidade de a educação ter alguns princípios de ação, e, segundo Piaget

(1996, p. 02), uma educação com espírito de disciplina, isto é, um sistema de regras, uma

educação que cultive a solidariedade, uma educação que propicie autonomia e liberdade.

Segundo Both (2005, p.7), uma educação que possibilite a releitura dos conteúdos e dos

mundos, que promova o cuidado ao possibilitar o conhecimento, o hábito e a ação. Uma

educação como forma de comprometimento e de responsabilidade para consigo e para com

os outros, resultando, assim, no cuidado mútuo. Uma educação como forma de

emancipação na vida escolar, despertando para o exercício da cidadania e o senso de

responsabilidade. Uma educação como forma de buscar uma melhor qualidade de vida

frente à dinâmica do mundo, dando capacidade de cada ser atingir seu objetivo.

Foi constatado nos referenciais teóricos que a civilização trouxe para o homem uma

série de problemas com os quais ele tem de conviver, dando sentido aos novos “valore s” .

Há de existir em momentos de sua vida, a começar pela escola, uma reflexão desse novo

homem que se faz, desse jovem de hoje, adulto de amanhã, modelo e ação de uma

sociedade que acontece. Os modelos de justiça, de ética, de dignidade humana deverão ser

cultivados, acreditando que a educação trabalhe a partir da realidade do aluno e que

proceda a práticas críticas e transformadoras, para que seja possível se levar a sério uma

educação humanística.

Estar na luta por um mundo melhor, mais justo, humano e ético, esse é o desafio da

época. É o desafio da educação. Portanto, o momento seria de reinterpretar e redefinir o

conhecimento humano, estabelecendo as bases do conhecimento experimental como as

bases de todo o conhecimento, isto é, uma educação planetária, desde que exercidas com o

vivo sentimento do seu uso e sua conseqüência humana.

a educação que move a escola porque é a sua seiva vital, transformado-a em centro cultural de articulação social, caracteriza-se como centro do fazer ciência, arte, política, ética, comunicação com várias linguagens, [...] construir uma convivência solidária, pela crítica e superação dos conflitos (ALBUQUERQUE, 2005, p.332).

A educação vem sendo colocada no centro da modernidade, aí é que reside a

esperança, a utopia de o conhecimento possibilitar o viés ético-ontológico-humanístico.

141

A sala de aula é um espaço propício para o desenvolvimento da sensibilidade, da

dignidade, da ética e da justiça no ser humano, sendo necessário, para tanto, o professor e a

escola terem as habilidades e estratégias para o desenvolvimento das atividades formativas,

o que irá desencadear uma ação pedagógica crescente.

A sala de aula como um espaço produtivo e interativo, segundo Both, permite que o

saber seja construído coletivamente, respeitando a diversidade dos sujeitos envolvidos,

pelo confronto e intercâmbio das experiências e vivências, pela análise da realidade como

participante ativo, estimulando o conscientizar e o agir. O tomar consciência possibilita

tanto transformar-se como ser agente de transformação (2005, p. 06).

Pode se dizer que a educação é um instrumento fundamental para a formação de

hábitos que resultarão em ações em prol do humano. Sem a educação as ações ficariam

avulsas e sem consistência; através dela, molda-se e idealiza-se um jeito humano de ser –

um jeito de ações éticas, resultado de longa “preparação” desde a infância, por meio do

diálogo reflexivo, de relação com o outro. Ações de dignidade, de justiça, são resultados de

um processo formativo que acontecem também na escola. As pessoas precisam ser

educadas a se relacionar dialogicamente. Segundo Piaget, “nenhuma realidade moral é

completamente inata” (1996, p.02).

Não é possível falar em educação sem vislumbrar o papel que ela desempenha para

situar o homem como sujeito histórico, consciente do seu lugar no mundo e crítico o

bastante para nele intervir.

Não é possível pensar uma educação ética sem haver a participação de todos,

criança, professores, família, sociedade. Assim como também as perspectivas

educacionais, os projetos da escola. O projeto educacional ético não pode se desenvolver

de forma unilateral, como diz Piaget: “quando há cooperação, há responsabilidade

subjetiva e julgamento em função das interações” (1996, p.07). E, ainda mais, as reflexões

éticas amparadas de ações éticas têm possibilidade de viabilizar uma consciência da

construção de um novo caminho.

Conforme Bombassaro (2001, P. 79), que em cada uma das universidades e escolas,

que em cada sala de aula, em cada disciplina, possam se transformar os valores do

humanismo em uma forma de vida. Isso pode não parecer uma proposta ousada, mas ainda

continua sendo um autêntico desafio. É um começo, um sonho pequeno, todavia urgente e

real.

Paulo Freire esteve sempre preocupado com a humanização, portanto, em suas

obras, está presente uma leitura da humanização do homem, não assistencialista, mas uma

142

humanização no sentido de se colocar no lugar do outro, no lugar do oprimido, do

injustiçado. Sempre voltado para a liberdade do homem, ele escreveu:

O sonho pela humanização, cuja concretização é sempre processo, e sempre devir,

passa, pela ruptura das amarras reais, concretas, de ordem econômica, política, social,

ideológica etc., que nos estão condenando à desumanização. O sonho é assim uma

exigência ou uma condição que se vem fazendo permanente na história que fazemos e que

nos faz e refaz (FREIRE, 1996, p.99).

Segundo Both (2005, p.2), a escola é o espaço oportuno para refletir sobre a

posição social que velhos e crianças ocupam na sociedade brasileira e desenvolver, nos

sujeitos envolvidos, a criticidade de si mesmo e da realidade que vivenciam, bem como o

uso da criatividade para a elaboração interna de conceitos, através da conscientização e do

comprometimento pela vida. Isso revela a necessidade da implementação de novas

pedagogias, tendo a escola como um espaço aberto para uma prática educativa

participativa e dialógica que permita a reflexão sobre a realidade vivida, com a finalidade

de que crianças e jovens, ao desenvolverem uma consciência crítica, sejam construtores

ativos da sociedade em que vivem. Para tanto, a escola deve estar articulada com a vida

social, econômica e política do país, aproximando o ensino ao contexto em que está

inserida e à vida do grupo a que está integrada.

Portanto, a educação humanística, numa dimensão ética na contemporaneidade, é

construída sobre valores e ideais que ultrapassam o conhecimento que está situado nas

esferas do saber, do pensar e do julgar. Ela acontece na ação e na relação de tornar-se

humano, sendo a educação uma via permanente voltada para a realidade da vida. Sem os

alicerces de uma educação básica profissional adequada, não se pode reestruturar as formas

de trabalho, de produção, de lazer, de organização social.

O tipo de homem contemporâneo que a sociedade precisa, é um homem ético, essa

ética deve ser visualizada na maneira de observar, de captar problemas que estão a sua

volta, na forma de pensar as possibilidades de solução, seja na educação, na família, no

trabalho, no clube, em qualquer lugar. “O resgate do ser humano como valor, para além de

uma retomada do individualismo egoístico que marca os tempos mais recentes da história

da humanidade, é a retomada do humano enquanto humano valor e que pertine diretamente

aos seus sentimentos, afetos, razão etc., num resgate ético e contraponto da coisificação

existencial do ser humano [...]. (KAKU, 2001, p. 524) diante perda de sentido,

possibilidades e utopias.

143

A dignidade da pessoa humana é algo que deve ser considerar sempre e, é esta

condição que deve mover leva à ação; a cada novo passo, uma nova caminhada, a cada

nova caminhada, um novo obstáculo e, a cada novo obstáculo, uma nova conquista. Isto é

uma concepção Ética de humanismo: Reconhecer a dignidade de pessoa humana e a partir

daí identificar um modo de ser, um jeito de ser humano.

Esta dissertação compreendeu a ética como sendo a linha norteadora do

comportamento, ou melhor, de uma forma humanística de comportamento. E, nesse

comportamento, a ética não se apresenta como um conjunto de elementos e nem é como

categoria, dado o distanciamento da sociedade e da educação. Ela é bem mais abrangente.

A ética se configurou como um processo de construção do homem.

A ética é uma concessão que orienta atitudes humanísticas.

144

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