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CIÊNCIA I CAPA Circuitos do NEUROBIOLOGIA Projeto temático revela funções de estruturas arcaicas do cérebro, acionadas ante um sinal de ! perigo real ou imaginário MARCOS PIVETTA 34 • ABRIL DE 2002 • PESQUISA FAPESP

I CAPA Circuitos do - Pesquisa Fapesp...e se volta na direção do som. Se repetido muitas vezes, o estímulo é ignorado. tensidade moderada para o animal (0,6 miliampêre). A cada

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CIÊNCIA I CAPA

Circuitos do

NEUROBIOLOGIA

Projeto temático revelafunções de estruturasarcaicas do cérebro,acionadas ante um sinal de

!

perigo real ou imaginário

MARCOS PIVETTA

34 • ABRIL DE 2002 • PESQUISA FAPESP

Page 2: I CAPA Circuitos do - Pesquisa Fapesp...e se volta na direção do som. Se repetido muitas vezes, o estímulo é ignorado. tensidade moderada para o animal (0,6 miliampêre). A cada

estudo do percurso neuroquímico das emoções no cé-rebro de mamíferos superiores - e do próprio ser hu-mano - colhe cada vez mais indícios de que o medo,em seu estado mais bruto, é um sentimento que se as-senta em circuitos tão antigos quanto os dos primei-ros répteis da Terra. A partir de uma série de artigosque publicaram nos últimos três anos em revistas in-

ternacionais, como Brain Research, Behavioural Brain Research,Neuroscience and Biobehavioral Reviews, entre outras, pesquisadoresdo Laboratório de Psicobiologia da Universidade de São Paulo(USP) de Ribeirão Preto levantaram evidências de que três estrutu-ras extremamente primitivas na escala evolutiva do cérebro, presen-tes em espécies animais desde a época dos dinossauros, desempe-nham tarefas fundamentais em situações de risco, potencial ou real,antes mesmo de ser acionada a amígdala cerebral- estrutura surgi-da posteriormente, com os primeiros mamíferos, e diretamente im-plicada nas respostas de defesa do organismo diante de um estímu-lo aversivo, algo como um ambiente, um som, uma imagem ou umaluz que provoque medo.

Com o auxílio de experimentos que provocam vários tipos deestresse e pavor em ratos - cujo cérebro, embora menos complexo,assemelha-se ao do homem -, os cientistas acreditam ter encontra-do novas funções para o núcleo mediano da rafe, os colículos infe-riores e a parte dorsal da matéria cinzenta periaquedutal. São as trêspeças primitivas do intrincado quebra-cabeça neuronal envolvidonos caminhos do medo. "Cada uma dessas estruturas cerebrais par-ticipa de forma distinta na geração e elaboração de tipos diferentesde medo': diz o médico Marcus Lira Brandão, coordenador dos es-

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tudos, conduzidos no âmbito de umprojeto temático da FAPESP."Como omedo e a ansiedade são importantescomponentes das doenças psiquiátri-cas, conhecer os circuitos envolvidosem sua elaboração é fundamentalpara encontrarmos novos tratamen-tos para esses distúrbios."

Ambiente traumático - De acordo comesses trabalhos, o núcleo mediano darafe reconhece temporal e espacial-mente um ambiente associado a umtrauma - o local de um assalto, porexemplo - e o decodifica como umestímulo aversivo capaz de provocar omedo contextual condicionado, espé-cie de temor associado a um ambien-te traumático. Já os colículos inferio-res - são dois, um em cada lado docérebro - entram em ação num tipomais particular de medo. Como umfiltro, uma região dessas estruturasauditivas, denominada núcleo cen-tral, distingue especificamente umsom normal de outro consideradoameaçador. Feita a filtragem, o estí-mulo auditivo considerado normalvai para o lobo temporal, região doneocórtex, a parte mais racional - enova, do ponto de vista evolutivo - docérebro. O som tido como perigosovai, com escala no tálamo auditivo,para a amígdala cerebral, que desen-cadeia as típicas reações de medo: pa-ralisia de movimentos, dilatação daspupilas, aumento do batimento car-díaco, arrepio, entre outras. Até então,todas as evidências mostravam que aamígdala recebia sempre um sinal so-noro bruto, sem filtragem, e ela mes-ma tinha de realizar todo o processode separação do que pode ser ameaça-dor ou não ao organismo.

Por fim, os pesquisadores da USPproduziram indícios de que a porçãodorsal da matéria cinzenta periaque-dutal parece estar ligada a uma dasrespostas mais primárias de defesa doorganismo diante de estímulos aversi-vos: a reação de congelamento (imo-bilidade tensa). "Vimos que a estimu-lação elétrica dessa parte da matériacinzenta provoca uma paralisia seme-lhante à que ocorre nos pacientes comdistúrbios de pânico", comenta Lira

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Brandão. O pânico se caracteriza porepisódios recorrentes de ansiedadeexacerbada, que podem durar horasou até dias. Durante essas crises, ospacientes sentem que estão a ponto demorrer, têm medo de enlouquecer efreqüentemente se recusam a andar.

pesar de envolvidas emtipos distintos de medo,as três estruturas sobreas quais os estudos daUSP jogam luz têmalgo em comum: es-tão situadas numa es-

trutura maior, o mesencéfalo, que fazparte do tronco encefálico,ligação entrea medula espinhal e uma região deno-minada diencéfalo. E daí? Perguntariaalguém não familiarizado com a ar-quitetura cerebral. Daí que, na clássi-ca divisão evolutiva do cérebro huma-no e de mamíferos superiores em trêsgrandes unidades, o tronco encefálicoé uma das áreas da parte mais primi-tiva desseórgão, o chamado cérebro dosrépteis. Presente desde o aparecimen-to dos dinossauros, há dezenas, talvezcentenas, de milhões de anos, essaporção primordial do cérebro não é,teoricamente, o território das emoções,mas apenas de instintos de auto-pre-servação e agressão. As emoções são odomínio preferencial da segunda par-te do cérebro, que se formou nos pri-meiros mamíferos e abriga o sistemalímbico, composto por uma série deestruturas responsáveis pelo substratoneuronal dos sentimentos. A terceiraparte do cérebro, presente apenas emanimais superiores, como os primatase o homem, é o neocórtex, responsávelpelo raciocínio. No sistema emotivo, aamígdala cerebral tem sido considera-da uma peça-chave, a estrutura que temrecebido as maiores atenções dos pes-quisadores dos circuitos do medo. Mas,de acordo com os dados da equipe deLira Brandão, o sistema límbico se ex-pandiu - e, em alguns tipos de medo,seus circuitos primários apresentamraízes na região do mesencéfalo.

Neurotransmissores - No caso do nú-cleo mediano da rafe, os cientistas tam-bém conseguiram precisar qual neu-

rotransrnissor - substância liberada porum neurônio excitado com o intuitode passar adiante o estímulo recebidopara outro neurônio - encarrega-se delevar os sinais do medo dessa estru-tura para as demais áreas do cérebro.Trata-se da serotonina, um dos maisimportantes neurotransmissores, cujaação tem sabidamente efeitos no pa-drão de sono, humor, comportamen-to sexual e constrição de vasos, paracitar apenas alguns exemplos. A sim-ples inibição das vias de transmissão daserotonina em ratos, experiência feitanos laboratórios da USP,impediu quea mensagem do medo contextual fosseadiante e atingisse outras estruturasresponsáveis pela elaboração dessasrespostas defensivas, incluindo o hi-pocampo e a amígdala.

O neurotransmissor responsávelpor conduzir os estímulos auditivosdos colículos inferiores para outrasestruturas ainda não foi determinado.Mas há uma boa pista. Esse circuitoparece ser modulado pela dopamina,neurotransmissor comumente asso-ciado à esquizofrenia - grave proble-ma mental que atrapalha o raciocínio,leva ao embaralhamento das emoçõese provoca a perda de contato com arealidade, causando delírios, sobretu-do sonoros. Ou seja, a elevação nosníveis de dopamina aumenta a efi-ciência da transmissão de estímulosaversivos auditivos. No entanto, nãofoi ainda possível determinar se o blo-queio dos canais de transmissão dedopamina interrompe o fluxo dessainformação no cérebro. "Precisamosde mais estudos para ver se não háoutros neurotransmissores envolvi-dos no processo': afirma Lira Bran-dão. No que diz respeito à ação damatéria cinzenta periaquedutal naresposta de congelamento, os experi-mentos com neurotransmissores ain-da estão em fase inicial e não permi-tem maiores comentários.

Pela sobrevivência - É preciso deixarclaro de que tipos de medo as pesqui-sas da USP se ocupam. De forma ge-ral, o objeto de estudo é o medo emsuas manifestações mais primitivas. Éo temor instantâneo que sentimos,

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nós e os animais, diante de qualquersituação interpretada pelo nosso cére-bro como sendo de vida ou morte.Como uma espécie de reflexo condi-cionado, não racionalizado, esse pa-vor inconsciente e ancestral trabalha afavor de nosso instinto de sobrevivên-cia. É o medo que nos faz (re)agir,

sem pensar, diante de algo percebidocomo uma ameaça, real ou imaginá-ria. Sem ele, por exemplo, os animaisnão conseguiriam fugir de seus pre-dadores. Para ser eficiente na tarefa degarantir a perpetuação das espécies,esse medo se apresenta, muitas vezes,exacerbado e infundado. Evolutiva-

mente, a estratégia de errar para maisdo que para menos parece ser maiseficiente. Ou, como diz o neurologis-ta norte-americano Ioseph LeDoux,da Universidade de Nova York, autorde um livro capital sobre as emoçõese o cérebro (The Emotional Brain), "émelhor confundir um pedaço de paucom uma cobra do que uma cobracom um pedaço de pau': Esse medoprimitivo é, portanto, uma forma detemor muito diferente do receio (ra-cional) que um aluno sente ao fazeruma prova para a qual não estudou.O estudante se inquieta perante o tes-te porque sabe, conscientemente, quenão se preparou para o exame.

lgumas formas de medoprimitivo habitam amente humana e a dosanimais desde o seunascimento. São re-ceios inatos, herda-dos geneticamente

dos antepassados - e não decorrentesde experiências traumáticas vivencia-das pelos seres que, agora, manifes-tam esses temores. Nos ratos, a aver-são a lugares abertos se encaixa nessadefinição. No homem, o medo degrandes altitudes é um desses casos.Ninguém precisa cair de um muro de10 metros de altura para recear a que-da. Já viemos ao mundo "programa-dos" com esse medo. A esse tipo de te-mor, os estudiosos dão o nome demedo incondicionado. Essa forma demedo é estudada pelos pesquisadoresda USP, mas não é seu principal focode interesse. A atenção deles está maisvoltada ao entendimento dos circui-tos neuronais usados na elaboraçãode alguns tipos de medo condiciona-do, surgidos em função de uma expe-riência traumática, chamada tecnica-mente de estímulo aversivo.

Nessa linha de trabalho, o estudodo medo contextual condicionado emratos produziu resultados interessan-tes. Como esse tipo de emoção é cria-da nos animais? Vale a pena descreverum experimento clássico para enten-der o processo de indução do medoassociado a um ambiente. Ratos sãocolocados num local diferente do bioté-

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Como surge o medo condicionadoUm estímulo aciona respostas emocionais se associado a um sinal de perigo

Estímulo sonoro Estímulo sonoro mais choque elétrico

Depois, o rato é submetido seguidamente aoestímulo sonoro acompanhado de um choque

elétrico de baixa intensidade nos pés.

Estímulo sonoro

Mais tarde, basta o estímulo sonoro paradespertar respostas de medo, que

incluem aceleração no ritmo cardíaco.

Um rato é exposto a um estímulo sonoroe se volta na direção do som. Se repetido

muitas vezes, o estímulo é ignorado.

tens idade moderada para o animal(0,6 miliampêre). A cada 20 segundos,os bichos recebem um estímulo elétri-co que dura um segundo. Numa mes-ma sessão, o procedimento é repetidodez vezes, o que faz os animais associa-rem o compartimento - o ambiente es-tranho, o contexto - ao choque elétrico.

As conseqüências do trauma .sãovisíveis no dia seguinte: basta colocar

os ratos no mesmo compartimento,ou num ambiente semelhante para queo medo, instantaneamente, tome con-ta dos animais. Os bichos congelamseus movimentos, eriçam os pêlos, di-latam as pupilas, urinam e soltam fe-zes de forma descontrolada e seu co-ração dispara. Ou seja, exibem todasas respostas típicas de quem se encon-tra diante de uma situação codificada

Fonte: Mareus Lira Brandão, Laboratório de PsieobiologiaJUSP

rio em que vivem: um compartimen-to fechado, iluminado por uma luzvermelha (neutra para os roedores,serve apenas para os animais visualiza-rem as características discriminativasdo ambiente-contexto), onde suas rea-ções podem ser filmadas por uma pe-quena câmera de vídeo. Dentro desselugar estranho, as patas dos ratos rece-bem sistematicamente choques de in-

Por que é difícil controlar o medo e as emoçõesPor experiência própria, todo mun-

do sabe que é mais difícil controlar aemoção do que a razão. Amor, ódio,alegria, tristeza, medo e empatia sãosentimentos aparentemente espontâ-neos do homem, que tomam contadas pessoas independentemente desua vontade. Ninguém deixa, porexemplo, de detestar seu pior inimigosimplesmente porque botou na cabe-ça que odiá-lo não serve para nada.Quase por definição, a razão é con-trolável - a emoção, não. Analisandoas conexões nervosas que ligam as

partes do cérebro, onde razão e emo-ção se originam a partir dos mais di-versos tipos de estímulos, os neurolo-gistas formularam uma teoria paraexplicar por que o ser humano penapara dominar suas emoções - medo,entre elas -, ao passo que parece con-siderar-se o senhor da razão.

De acordo com essa abordagem,que não deve ser de todo agrado dospsicólogos e psicanalistas, a chavepara entender esse mistério está nofato de haver mais conexões nervo-sas ligando a amígdala (estrutura ce-

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rebral que é a chave na determina-ção de respostas físicas e comporta-mentais provocadas pelo medo eoutras emoções) ao neocórtex (par-te do cérebro responsável pelo pen-sar cognitivo e racional) do que co-nectando o neocórtex à amigdala.Em outras palavras, a extensão damalha neuronal capaz de levar in-formações da amígdala para o neo-córtex é significativamente maior doque a quantidade de vias habilitadasa fazer o percurso contrário. ''As duasestruturas se comunicam uma com

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pelo cérebro como de perigo. O medocontextual exibido pelos ratos é aná-logo ao experimentado por uma pes-soa que tem pavor de andar por ruasestreitas e escuras em razão de ter sidoassaltada numa viela mal iluminadatarde da noite. Com algumas variaçõesde procedimentos, os pesquisadorespodem fazer com que ratos de labora-tório sejam induzidos a desenvolver,além do medo contextual, o medo aestímulos sonoros e luminosos.

Novas funções - Foi desencadeandoessa gama de temores em roedoresque a equipe de Lira Brandão chegouaos resultados de suas pesquisas, queapontam novas funções para três es-truturas cerebrais. No caso dos ratoscom medo contextual condicionado,os cientistas constataram que roedo-res com o núcleo mediano da rafeinativado, química ou cirurgicamen-te, não apresentavam as respostas típi-cas de quem estava diante de uma si-tuação de perigo. «Já os que tinham onúcleo preservado exibiam as respos-tas esperadas", diz a bióloga VivianeAvanzi, que participa dos trabalhosconduzidos pelo Laboratório de Psico-biologia. Em 1978, pesquisadores daprópria USP de Ribeirão Preto, lidera-dos por Frederico Graeff (hoje aposen-tado), já tinham levantado evidênciasde que a estrutura poderia desernpe-'nhar essa função, mas acabaram não-

prosseguindo com os estudos, que sóforam retomados recentemente.

hipótese de que os colí-culos inferiores, estru-turas sabidamente en-volvidas na captaçãode sons, funcionamcomo filtros dos estí-mulos auditivos, se-

parando os sinais perigosos dos ino-fensivos, ganhou corpo depois queLira Brandão e seuscolegasde laborató-rio, um time de 15 jovens pesquisado-res, fizeram algumas surpreendentesconstatações. Primeiro, verificaramque estímulos elétricos produzidos noscolículos, cujo impacto é similar ao desons sabidamente aversivos aos ani-mais, causavam respostas de medo.Depois, o mais importante de tudo,perceberam que essas reações podiam

o PROJETO

ser neutralizadas pela administraçãode ansiolíticos diretamente nos colí-culos. «Concluímos então que o medode estímulos sonoros é mediado pe-los colículos" diz outro pesquisadordo grupo, o psicólogo Jorge ManuelNobre.

A ligação entre a porção dorsal damatéria cinzenta periaquedutal e a re-ação de congelamento foi determinadapor meio da estimulação elétrica des-sa região da estrutura. Havia uma sus-peita de que a matéria cinzenta comoum todo, ou apenas sua parte ventral,estivesseenvolvida com os mecanismosneurais mesencefálicos que levam à pa-ralisia (congelamento ou imobilidade)associada ao medo. Para mostrar que aporção ventral não é determinante nes-sa reação, os pesquisadores a lesiona-ram, inutilizando-a, e deram estímuloselétricos de baixa intensidade na partedorsal. Foi o suficiente para provocar atípica reação de congelamento da mus-culatura. «Com as nossas pesquisas, nãoqueremos minimizar a importância daamígdala no circuito do medo. O estí-mulo aversivo precisa chegar a ela paraque seja detonado o processo de reaçãodefensiva do organismo': pondera LiraBrandão. «O objetivo de nossos estu-dos é entender melhor todo o circuitodo medo, destacando a importância devárias outras estruturas, que recebem eintegram essas informações mesmo an-tes de elas chegarem à amígdala." •

Neurobiologia do Medoe da Ansiedade

MODALIDADEProjeto Temático

COORDENADORMARCUS LIRA BRANDÃO -Laboratório de Psicobiologiada USP em Ribeirão Preto

INVESTIMENTOR$ 641.059,54

a outra, mas essa comunicação é as-simétrica", diz Marcus Lira Brandão,do Laboratório de Psicobiologia daUniversidade de São Paulo de Ribei-rão Preto. «Durante os estados aver-sivos, as respostas emocionais predo-minam sobre a razão."

O neurologista norte-americanoIoseph LeDoux, da Universidade deNova York, renomado estudioso domedo condicionado, é o maior difu-sor dessa visão. Para ele, essa comu-nicação assimétrica ajuda a explicarpor que a terapia psiquiátrica nemsempre dá bons resultados com víti-mas de ansiedade e outros proble-mas mentais. Um tratamento mais-

eficiente para esses distúrbios, deacordo com os adeptos dessa abor-dagem, poderia ser conseguido sefossem desenvolvidas drogas que fa-cilitassem a interação do neocórtexcom a amígdala.

Embora as emoções já tivessemsido alvo de trabalhos com enfoquebiológico desde a época de CharlesDarwin, na segunda metade do sécu-lo 19, a neurologia começou a explo-rar mais a fundo o terreno movediçoe irracionalmente desafiador dos cir-cuitos cerebrais envolvidos com essessentimentos (e comportamentos) háapenas duas décadas. Na chamadaneurobiologia das emoções, o medo

tornou-se o alvo preferencial de estu-dos por estar na raiz biológica de vá-rios distúrbios mentais e por ser umacondição de fácil identificação e in-dução em laboratório. Em poucotempo, essa linha de pesquisa, tocadaem centros de todo o mundo, pôs emevidência várias estruturas do troncoencefálico que participam da geraçãoe elaboração do medo e que se so-mam a uma pequena estrutura cin-zenta, situada na parte mediana docérebro, cujo formato lembra umaamêndoa - a amígdala, que, aliás, sãoduas, uma em cada hemisfério cere-bral e, claro, nada têm a ver com asglândulas homônimas da garganta.

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