ianni - globalização

Embed Size (px)

Citation preview

  • 8/3/2019 ianni - globalizao

    1/17

    Novo paradigmadas cincias sociaisO C T A V I O I A N N IN esta altura da histria, no declnio do sculo XX e limiar doX X I , as cincias sociais se defrontam com um desafio episte-molgico novo. O seu objeto transforma-sede modo visvel,em amplas propores e, sob certos aspectos, espetacularmente. Pelaprimeira vez, so desafiadas a pensar o mundo como uma sociedadeglobal. As relaes, os processos e as estruturas econmicas, polticas,demogrficas, geogrficas, histricas, culturais e sociais, que se desen-volvem em escala mundial, adquirem preeminncia sobre as relaes,processos e estruturas que se desenvolvem em escala nacional, O pensa-mento cientfico, em suas produes mais notveis, elaborado primor-dialmente com base na reflexo sobre a sociedade nacional, no sufici-ente para apreender a constituio e os movimentos da sociedade global.

    O paradigma clssico das cincias sociais foi constitudo e conti-nua a desenvolver-se com base na reflexo sobre as formas e os movi-mentos da sociedade nacional.Mas a sociedade nacional est sendo reco-berta, assimilada ou subsumida pela sociedade global, uma realidade queno est ainda suficientemente reconhecida e codificada. sociedadeglobal apresenta desafios empricos e metodolgicos, ou histricos etericos, que exigem novos conceitos, outras categorias, diferentes inter-pretaes. "Sempre houve um enorme debate sobre como a sociedade eo estado relacionam-se, qual deveria subordinar o outro e qual encarnaros valores morais mais elevados. Assim, ficamos acostumados a pensarque as fronteiras da sociedade e do estado so as mesmas ou, se no,poderiam (edeveriam) ser. (...) Vivemos emestados. H uma sociedadesob cada estado. Os estados tm histria e portanto tradies. (...) Estaimagem da realidade social no era uma fantasia, tanto assim que teri-cos colocados em perspectivas ideogrficas e nomotticas desempenha-vam-se com razovel desenvoltura, utilizando esses enfoques acerca dasociedade e estado e alcanando alguns resultados plausveis. O nicoproblema era que, medida que o tempo corria, mais e mais anomaliasrevelavam-se inexplicadas nesse esquema de referncia; e mais e maislacunas (de zonas da atividade humananopesquisadas) pareciam emer-gir" (1).

  • 8/3/2019 ianni - globalizao

    2/17

    Ocorre que a sociedade global no a mera extenso quantitativae qualitativa da sociedade nacional. Ainda que esta continue a ser bsica,evidente e indispensvel, manifestando-se inclusive em mbito interna-cional, inegvel que a sociedade global se constitui como uma realida-de original, desconhecida, carente de interpretaes.A sociedade global j tem sido objeto de estudos e interpretaes,em seus aspectos histricos, polticos, econmicos, culturais, geogrfi-cos, demogrficos, geopolticos, ecolgicos, religiosos, lingsticos, ar-tsticos e filosficos. Almdas indicaes e intuies que freqentemen-te aparecem nos estudos sobre a sociedade nacional, multiplicam-se asreflexes sobre as configuraes e os movimentos da sociedade global.J somuitos os que pensama sociedade emmbito transnacional, mun-dial ou propriamente global, mesmo quando no esto utilizando estanoo, mesmo quando continuam a pensar a nao. Em forma sinttica,pode-se dizer que essa problemtica est presente nos estudos e interpre-taes sobre relaes internacionais, geopoltica, integrao regional,sistema-mundo, economia-mundo, trs mundos, quatro mundos, guer-ra fria, fim da guerra fria, fim da histria, nova diviso internacional dotrabalho, fbrica global, cidade global, aldeia global, shopping center glo-bal, disneylndia global, planeta terra, norte e sul, ONU, Unesco, Uni-cef, FAO, FMI, BIRD, GATT, OTAN, NAFTA, Mercosul, Casa daEuropa, Estados Unidos da Europa, espao europeu, espao do Pacfi-

    co, imperialismo, ps-imperialismo, dependncia, nova dependncia, in-terdependncia, multilateralismo, multinacional, transnacional, ascen-so e queda das grandes potncias, Ocidente e Oriente, ciclo K o n d r a t i e f f ,telecomunicaes, mdia mundial, indstria cultural, cultura internacio-nal popular, marketing global, globalizao e fragmentao, novo mapado mundo, modernidade-mundo, ps-modernidade.Este um momento epistemolgico fundamental: o paradigmaclssico, fundado na reflexo sobre a sociedade nacional, est sendo sub-sumido formal e realmente pelo novo paradigma, fundado na reflexosobre a sociedade global. O conhecimento acumulado sobre a sociedadenacional no suficiente para esclarecer as configuraes e os movimen-tos de uma realidade que j sempre internacional, multinacional, trans-nacional, mundial ou propriamente global. bvio que a sociedadenacional continua a ter vigncia, com seu territrio, populao, merca-do, moeda, hino, bandeira, governo, constituio, cultura, religio, his-tria, formas de organizao social e tcnica do trabalho, faanhas, he-ris, santos, monumentos, runas. Elaconstitui o cenrio noqual os seusmembros movimentam-se, vivem, trabalham, lutam, pensam, fabulam,

    morrem. Tanto assim que subsistem e ressurgem nacionalismos, provin-cianismos, regionalismos, etnicismos, fundamentalismos e identidades

  • 8/3/2019 ianni - globalizao

    3/17

    em muitos lugares, nos diversos quadrantes do mundo. Mas a sociedadenacional nod conta, nem emprica nem metodologicamente ou hist-rica e teoricamente, de toda a realidade na qual se inserem indivduos eclasses, naes e nacionalidades, culturas e civilizaes. Aos poucos, e svezes de repente, a sociedade global subsume formal ou realmente asociedade nacional, compreendendo indivduo, grupo, classe, movimen-to social, cultura, lngua, religio, moeda, mercado, formas de trabalho,modos de vida. Tudo isto continua vigente, como nacional, com toda asua fora original. Mas tudo isto, simultaneamente, articula-se dinmicae contraditoriamente com asconfiguraes e os movimentos de socieda-de global. Como totalidade geogrfica e histrica, espcio-temporal, emsuas dimenses sincrnicase diacrnicas, a sociedade global se constituicomo um momento epistemolgico fundamental, novo, pouco conheci-do, desafiandoa reflexo e a imaginaode cientistas sociais, filsofos eartistas.Os estudos e as interpretaes da sociedade global apresentamalgumas caractersticas que merecem ser registradas. Cada uma de per si,e todas em conjunto, permitem visualizar um pouco melhor tanto aoriginalidade do novo objeto das cincias sociais como asdificuldadesepistemolgicas que suscita.

    Primeiro, baseiam-se principalmente nos ensinamentos das se-guintes teorias, muito correntes nascincias sociais: evolucionismo, fun-cionalismo, sistmica, estruturalista, weberiana e marxista. Essas so asque predominam, svezesem termos bastante sistemticos, outras vezesutilizadas de modo fragmentrio. Tambm h tentativas de combinarelementos de vrias teorias, em formulaes eclticas. Em vrias casos,no entanto, fica evidente a dificuldade que alguns autores enfrentampara libertar-se dos quadros de referncia representados pela sociedadenacional, como emblema do paradigma clssico, e pensar a sociedadeglobal em toda a sua originalidade.

    Segundo, priorizam determinados aspectos da sociedade global:econmicos, financeiros, tecnolgicos, informticos, culturais, religio-sos, polticos, geopolticos, ecolgicos, sociais, histricos, geogrficos eoutros. So poucos os que formulam abordagens gerais, abrangentes,integrativas. Tambm so poucos os que reconhecem que o conjunto dasrelaes, processos e estruturas que descrevem e interpretam diz respei-to a um objeto novo constitudo pela sociedade global.Terceiro, a maioria situa-seem perspectiva que se pode denominarde convencional. Focaliza este ou aquele aspecto da sociedade global,

    priorizando antecipadamente uma perspectiva: a superpotncia mun-dial; uma ou vrias das naes dominantes ou centrais no cenrio mun-

  • 8/3/2019 ianni - globalizao

    4/17

    dial; uma ou vrias naes do ex-Terceiro Mundo, do sul ou da periferia,tais como as asiticas, africanas, latino-americanase inclusive remanes-centes do ex-bloco sovitico do leste europeu; a comunidade europia;a classe ou as classes dominantes; as classes subalternas, compreendendotrabalhadores assalariados em geral, proletariado e campesinato; as et-nias minori trias; a luta pela soberania nacional, com base em projetocapitalista, socialista ou terceira via; a rede intra e intercorporaes,conglomerados ou empresas, compreendendo muitas vezes alianas es-tratgicas entre elas; a nova diviso internacional do trabalho e da pro-duo; a mdia internacional; um ou outro fundamentalismo religioso,incluindo-se o islamismo, catolicismo, protestantismo e outros; a lutapela hegemonia mundial por parte desta ou daquela nao.

    Quarto, o mtodo comparativo evidentemente est na base de pra-ticamente todos os estudos e interpretaes. Comparam-se naes e con-tinentes, tecnologias e mercadorias, regimes polticos e polticas gover-namentais, indicadores econmicos, financeiros, polticos, sociais e cul-turais, economias estatizadas mistas e de empresa privada, mercado eplanejamento. H casos em que a comparao elege relaes, processose estruturas, procurando combinar configuraes sincrnicas e diacrni-cas. Em outros casos, comparam-se ndices, indicadores, variveis. Eclaro que o recurso ao mtodo comparativo apia-se, em ltima instn-cia, em uma das teorias mobilizadas para a pesquisa: evolucionismo,funcionalismo, sistmica, estruturalista, weberiana ou marxista. Em ge-ral, a comparao toma como referncia aberta ou implcita este ouaquele pas moderno, desenvolvido, industrializado, ps-industrial.

    Quinto, so poucos, muito poucos, os que se posicionam nos ho-rizontes da desterritorializao, uma perspectiva que pode passar pelasconvencionais, mas no se fixa em nenhuma, como a que seria priorit-ria, privilegiada ou mais avanada. Dado ao fato de que esse novoobjeto das cincias sociais no s novo mas tambm muito problem-tico, seria apressado estabelecer precipitadamente uma perspectiva comoprioritria ou exclusiva. A fecundidade possvel da reflexo sobre a so-ciedade global, em suas configuraes e seus movimentos, pode ampliar-se bastante se o sujeito do conhecimento no permanece no mesmolugar, deixando que o seu olhar flutue livre e atento por muitos lugares,prximos e remotos, presentes e pretritos, reais e imaginrios.

    Sim, a sociedade global o novo objeto das cincias sociais. Aolado da sociedade nacional, vista como um todo e tambm em suaspartes, as cincias sociais comeam a debruar-se sobre a sociedade glo-bal, vista como um todo e tambm em suas partes. So dois objetospresentes: um dos quais bastante conhecido, codificado, interpretado,

  • 8/3/2019 ianni - globalizao

    5/17

    ao passo que o outro ainda por se conhecer, se explicar. A sociedadenacional pode ser vista como o emblema do paradigma clssico das ci-ncias sociais, com o qual elas nascem, amadurecem e continuam a sedesenvolver. Enquanto que a sociedade global pode ser vista como oemblema de um paradigma emergente. Envolve um novo paradigma,tanto porque a sociedade global encontra-se em constituio, em seusprimrdios, como porque carece de conceitos, categorias, interpreta-es.

    Acontece que a globalizao em curso no fim do sculo XX podeser algo muito novo, a despeito da impresso de que parece apenas con-tinuidade. A humanidade de que se falava no passado era uma idia,hiptese, utopia. A globalizao que prenuncia o sculo XXI est a,dada, evidente, esperando ser pensada, revelando a humanidade comoela comea a ser. "A idia de humanidade um pensamento antigo epersistente. Mas foi como uma idia potencialmente realizvel, ou comoum ideal a ser procurado, que empolgou a ateno de filsofos. Noentanto, medida em que se expande a sociedade ocidental, desde osculo XVI, acentua-se a distancia entre a realidade e o ideal. A diversi-dade cultural e o freqente desentendimento mtuo parecem caracteri-zar o mundo real. O mtodo comparativo tornou-se central na sociolo-gia precisamente como resposta a essa experincia. Foi a realidade dodesenvolvimento social que mudou essa situao. Desde a SegundaGuerra Mundial, tem havidoum crescente reconhecimento, entre soci-logos, de que a populao mundial est envolvida em um nico sistemasocial mundial. Sociedade, como tal, passa a compreender um a multidode sociedades que, no contexto de um sistema mais amplo, podem so-mente encontrar uma autonomia relativa e condicionada, em grandemedida como naes-estados estreitamente entrelaados (2).Revertem-se perspectivas e possibilidades de ser de uns e outros,em todo o mundo. O local e o global determinam-se reciprocamente,umas vezes de modo congruente e conseqente, outras de modo desi-

    gual e desencontrado. Mesclam-se e tencionam-se singularidades, parti-cularidades e universalidades. "A globalizao pode assim ser definidacomo a intensificaodas relaes sociais em escala mundial, que ligamlocalidades distantes de tal maneira que acontecimentos locais so mo-delados por eventos ocorrendoa muitas milhasde distnciaevice-versa.Este um processo dialtico porque tais acontecimentos locais podemse deslocar numa direo inversa s relaes muito distanciadas que osmodelam. A transformao local tanto uma parte da globalizao quan-to a extenso lateral das conexes sociais atravs do tempo e espao.Assim, quem quer que estude ascidades hoje em dia, em qualquer partedo mundo, est ciente de que o que ocorre numa vizinhana local tende

  • 8/3/2019 ianni - globalizao

    6/17

    a ser influenciadopor fatores tais como dinheiro mundial e mercadosde bens operando a uma distancia indefinida da vizinhanaem ques-to" (3).Esse o contexto em que todas as cincias sociais so postas diantede novo desafioepistemolgico. Muitos dos seus conceitos, categorias einterpretaes sopostos emcausa. Alguns tornam-se obsoletos, outrosperdem parte de sua vigncia e h os que so recriados. Mas logo secoloca o desafiode criar novos. medida em que a realidade social passapor uma verdadeira revoluo, quando o objeto das cincias sociais setransfigura, nesse contexto descortinam-se outros horizontes para opensamento.H noes que sofrem uma espcie de obsolescncia, em certoscasos parcial, em outros total. O estado-nao, por exemplo, entra em

    declnio, como realidade e conceito. No se trata de dizer que deixar deexistir, mas que est realmente em declnio, passa por uma fase crtica,busca reformular-se. As foras sociais, econmicas, polticas, culturais,geopolticas, religiosas e outras, que operam em escala mundial, desa-fiam o estado-nao, com a sua soberania, como o lugar da hegemonia.Sendo assim, os espaos do projeto nacional, seja qual for a sua tonalida-de poltica ou econmica, reduzem-se, anulam-se ou somente podem serrecriados sob outras condies. A globalizao cria injunes e estabele-ce parmetros, anula e abre horizontes. Mas o pensamento cientficoparece um tanto tmido, surpreso ou mesmoatnito, diante das impli-caes epistemolgicas da globalizao.As noes de interdependncia, dependncia e imperialismo tam-bm esto postas em causa, se admitimos que o estado-nao est emcrise, enfrenta uma fase de declnio, busca reformular-se. As grandes epequenas naes, centrais e perifricas, dominantes e subordinadas, oci-dentais e orientais, ao sul e ao norte, todas sedeparam com o dilema dareformulao das condies de soberania e hegemonia. claro que h

    blocos, geopolticas, imperialismos, dependncias e interdependnciasnesse mesmo cenrio. H vnculos antigos e novos que atrelam naesumas s outras, no s em condies de igualdade mas principalmentede desigualdades. Tambm as organizaes internacionais, compreen-dendo a ONU, FMI, BIRD, GATT e outras exercem as suas atividadespriorizando interesses de naes com maior poder econmico, poltico,militar, cultural. Essa continua a ser uma dimenso importante do cen-rio mundial. Simultaneamente, no entanto, declinam e reformulam-se ascondies de soberania e hegemonia, em todos os quadrantes. Mesmoporque j h centros de poder, em escala global, que sobrepassam sobe-ranias e hegemonias. Asempresas, corporaes e conglomerados trans-

  • 8/3/2019 ianni - globalizao

    7/17

    nacionais, em suas redes e alianas, em seus planejamentos sofisticados,operando emescala regional, continental e global, dispem de condiespara impor-se aos diferentes regimes polticos, s diversas estruturasestatais, aos distintos projetos nacionais.Este o horizonte,das naes e metforas que as cincias sociaisesto sendo desafiadasa criar: aldeia global, fbrica global, cidade glo-bal, nave espacial, desterritorializao, re-territorializao, redes inter eintracorporaes, alianas estratgicas de corporaes, nova diviso in-ternacional do trabalho, neofordismo, acumulao flexvel, zona franca,mercado global, mercadoria global, moeda global, planejamento global,tecnocosmo, planeta terra, sociedade civil mundial, cidadania mundial,contrato social universal.No suficiente transferir conceitos, categorias e interpretaes

    elaborados sobre a sociedade nacional para a global. Quando se trata demovimentos, relaes, processos e estruturas caractersticos da socieda-de global, no basta utilizar ou adaptar o que se sabe sobre a sociedadenacional. Asnoes de sociedade, estado, nao, partido, sindicato, mo-vimento social, identidade, territrio, regio, tradio, histria, cultura,soberania, hegemonia, urbanizao, industrializao, arcaico, modernoe outras no se transferem nem se adaptam facilmente.Asrelaes, pro-cessos e estruturas de dominao e apropriao, integrao e antagonis-mo caractersticos da sociedade global exigem tambm novos conceitos,categorias, interpretaes.Logo fica evidente que no se trata de dois objetos distintos, comtessituras e dinmicas prprias, alheias. Implicam-se reciprocamente, emarticulaes sincrnicas e diacrnicas diversas, desde convergentes e an-tagnicas. Envolvem possibilidades diferentesno que se refere s formasdo espao, s duraes do tempo. So duas totalidades bastante articula-das, cada uma a seu modo, mas reciprocamente referidas, sendo que aglobal tende a subsumir formal ou realmente a nacional.

    claro, h autores que reconhecem que as cincias sociais se en-contram em face de modificaes radicais em seu objeto. Reconhecemque a globalizao implica desafios empricos, metodolgicos, tericose, propriamente, epistemolgicos. Mas agarram-se a conceitos, cate-gorias e interpretaes acumulados com base na reflexo sobre os pro-blemas da sociedade nacional, do estado-nao. Procuram transferir oureformular esse patrimnio, induzindo a idia de que a sociedade globalsignifica uma ampliao da nacional, quando no simplesmente umasoma de nacionais. Inclusive h aqueles que tomam as sociedades maisdesenvolvidas, dominantes ou hegemnicas como parmetro do que podeser o mundo. Nestes casos, a globalizao tende a ser vista como euro-

  • 8/3/2019 ianni - globalizao

    8/17

    peizao, americanizao ou ocidentalizao, ainda que se fale em mo-dernizao, secularizao, individuao, urbanizao, industrializaoou modernidade (4).Ocorre que a problemtica da globalizao se encontra ainda emprocesso de equacionamento emprico, metodolgico e terico. Maisque isso, apenas comea a ser percebida em suas implicaes epistemol-gicas. Trata-se de uma realidade que pode ser vista como uma totalidadeem formao. Constitui-se como um jogo de relaes, processos e estru-turas de dominao e apropriao, integrao e contradio, soberania ehegemonia, configurando uma totalidade em movimento, complexa eproblemtica. Trata-se de um universo mltiplo, uma sociedade desi-gual e contraditria, envolvendo economia, poltica, geografia, histria,cultura, religio, lngua, tradio, identidade, etnicismo, fundamentalis-mo, ideologia, utopia. Nesse horizonte, multiplicam-se as possibilidadese as formas do espao e tempo, o contraponto parte e todo, a dialticasingular e universal.So ainda poucas as indicaes, intuies e interpretaes de quea sociedade global corresponde a uma nova realidade, uma totalidadeabrangente, subsumindo formal ou realmente asnacionais. "A idia cen-tral a de que existe um sistema global com vida prpria, indepen-dentemente das sociedades nacionais constitudas que existem dentrodas suas fronteiras. (...) Embora os estudos sobre o moderno sistemamundial envolvam grandes divergncias quanto a objeto, horizontestemporais e metodologias, todos esto de acordo quanto a duas ques-tes: primeiro, reconhecem que um sistema mundial ou global existealm das sociedades nacionais, que podem ser estudadas de p er si. Reco-nhecem que a economia mundial, ou o estado do sistema internacional,possuem vida e dinmica estrutural prprias, podendo ser identificadose interpretados. Segundo, este sistema-mundo exerce influncia sobre odesenvolvimento e, mais importante ainda, o subdesenvolvimento dassociedades nacionais inseridas nas estruturas globais. No h apenas umsistema-mundol,ele tambm determina o desenvolvimento de reasdentro das suas fronteiras. Com efeito, o desenvolvimento ou subdesen-volvimento de um pas tem mais a ver com a sua localizao hierrquicana diviso do trabalho mundial do que com a prpria taxa de desenvol-vimento interno. (...) Denominamos esta cincia emergente da dinmicaglobal como globologia, o que simplesmente significa a cincia de dis-tintos processos globais, sejam econmicos, polticos ou culturais. Se asociologia a cincia dos sistemas sociais, ento globologia a cinciado sistema global. Globologia, pois, anloga sociologia e refere-seaos estudos de estruturas e processos do sistema-mundo como um todo,da mesma forma que a sociologia se refere ao estudo de estruturas eprocessos sociais" (5).

  • 8/3/2019 ianni - globalizao

    9/17

    H autores, no entanto, quesistematizamde modo maisou menosconsistente e convincente suas idias sobre a sociedade global, como umtodo ou em algumas das suas partes. Ultrapassam o nvel das indicaesou intuies preliminares. Focalizam diretamente a problemticada glo-balizao, colaborando no sentido de equacionar essa problemtica emsuas implicaes empricas, metodolgicas, tericas e, em certos casos,tambm epistemolgicas. "Globalizao diz respeito a todos os proces-sos por meio dos quais os povos do mundo so incorporados em umanica sociedade mundial, a sociedade global. Globalismo uma das for-as que atuam no desenvolvimento da globalizao" (6).

    A reflexo sobre a sociedade global, em suas configuraes e mo-vimentos, transborda os limites convencionais desta ou daquela cinciasocial. Ainda que haja nfases e prioridades, quanto a este ou aqueleaspecto da globalizao, logo fica evidente que qualquer anlise envolvenecessariamente vrias cincias.A economia da sociedade global envolvetambm aspectos polticos, histricos, geogrficos, demogrficos, cultu-rais e outros. A cultura da globalizao passa pela cultura de massa,indstria cultural, mdia impressa e eletrnica, religies e lnguas, almde outros aspectos que transbordam limites convencionais da antropolo-gia e da sociologia. No sempre, mas em muitos casos, os estudos e asinterpretaes sobre globalizao reabrem questes epistemolgicas quepareciam resolvidas, quando as cincias sociais trabalhavam principal-mente com a sociedade nacional, como emblema do paradigma clssico."A questo diante de ns, hoje, se h algum critrio que possa serusado para assegurar, com relativa clareza e consistncia, as fronteirasentre asquatro presumidas disciplinas de antropologia, economia, cin-cia poltica e sociologia. A anlise dos sistemas-mundo responde cominequvoco noa esta pergunta. Todos os critrios presumveis nveisde anlise, objetos, mtodos, enfoques tericos ou no so mais ver-dadeiros na prtica, ou, se mantidos, so obstculos a conhecimentosposteriores, antes do que estmulos para a sua criao" (7).

    As noes de espao e tempo, fundamentais para todas ascinciassociais, esto sendo revolucionadas pelos desenvolvimentos cientficos etecnolgicos incorporados e dinamizados pelos movimentos da socieda-de global. As realidades e os imaginrios lanam-se em outros horizon-tes, mais amplos que a provncia e a nao, a ilha e o arquiplago, aregio e o continente, o mar e o oceano. As redes de articulaes e asalianas estratgicas de empresas, corporaes, conglomerados, funda-es, centros e institutos de pesquisas, universidades, igrejas, partidos,sindicatos, governos, meios de comunicao impressa e eletrnica, tudoisso constitui e desenvolve tecidos que agilizam relaes, processos eestruturas, espaos e tempos, geografias e histrias. O local e o global

  • 8/3/2019 ianni - globalizao

    10/17

    esto distantes e prximos, diversos e mesmos. As identidades embara-lham-se e multiplicam-se. Asarticulaes e asvelocidades desterritoriali-zam-se e re-territorializam-se em outros espaos, com outros significa-dos. O mundo se torna mais complexo e mais simples, micro e macro,pico e dramtico. "H, hoje, um relgio mundial, fruto do progressotcnico, mas o tempo-mundo abstrato, exceto como relao. Temos,sem dvida, um tempo universal, tempo desptico, instrumento de me-dida hegemnico, que comanda o tempo dos outros. Esse tempo desp-tico responsvel por temporalidades hierrquicas, conflitantes, masconvergentes. Nesse sentido todos os tempos so globais, mas no hum tempo mundial. O espao se globaliza, mas no mundial como umtodo, seno como metfora. Todos os lugares so mundiais, mas noh um espao mundial. Quem se globaliza, mesmo, so as pessoas e oslugares (8).

    A rigor, a reflexosobre a sociedade global reabre questes episte-molgicas fundamentais: espao e tempo, sincronia e diacronia, micro emacro, singular e universal, individualismo e holismo, pequeno relato egrande relato. Soquestes que se colocam a partir do reconhecimentoda sociedade global como uma totalidade complexa e problemtica, arti-culada e fragmentada, integrada e contraditria. Simultaneamente sforas que operam no sentido da articulao, integrao e at mesmohomogeneizao, operam foras que afirmam e desenvolvem no s asdiversidades, singularidades ou identidades, mas tambm hierarquias,desigualdades, tenses, antagonismos. So foras que alimentam ten-dncias integrativas e fragmentrias, compreendendo nao e nacionali-dade, grupo e classes sociais, provincianismo e regionalismo, localismoe cosmopolitismo, capitalismo e socialismo.

    E bvio que a globalizao envolve o problema da diversidade.Praticamente todos os estudos e interpretaes sobre a sociedade globalcolocam esse problema. A reflexo sobre a diversidade no pode estarausente, j que implica aspectos empricos, metodolgicos, tericos epropriamente epistemolgicos. Logo que se reconhece que a sociedadeglobal uma realidade em processo, que a globalizao atinge as coisas,as gentes e as idias, bem como as sociedades e as naes, as culturas eas civilizaes, desde esse momento est posto o problema do contra-ponto globalizao e diversidade, assim como diversidade e desigualda-de, ou integrao e antagonismo.Mas ocorrem posicionamentos exacerbados. Alguns chegam aoextremo de autonomizar o diferente, diverso, suigener is . Apegam-se ao

    local e esquecem o global, imaginandoque o singular prescinde do uni-versal. Enfatizam a diferena, tornando-a original, estranha, extica; ou

  • 8/3/2019 ianni - globalizao

    11/17

    elegendo-a primordial, isenta, ideal. Incorrem no etnocentrismo ociden-talizante que pretendem criticar, tomando o outro, que querem resgatare proteger, em um ente abstrato, deslocado da realidade, da trama queo constitui como diferente. Alimentamuma nostlgica utopia escondidano prprio imaginrio. Outros, subordinam toda diversidade globali-dade. Reconhecem a diversidade, mas no a contemplam, no percebema sua originalidade. Esquecem que o local pode no s se afirmar comose recriar no contraponto com o global. Naturalmente entre esses doisextremos, uns priorizando o local e outros o global, h toda umagamade posies. Revelam-se nas reflexes sobre os mais diversos aspectos darealidade.

    Esse o contexto metodolgico em que se situam algumas das con-trovrsias correntes nascincias sociais. Uns preocupam-se com a diver-sidade, procurando a identidade, e protestando contra a globalidade.Outros contrapem o saber local ao global, falando em indigeniza-fo ou criolizao das cincias sociais, fazendo reservas ou oposio ocidentalizao. H uma "crescente demanda pela indigenizao dascincias sociais no Oriente Mdio e no Sudoeste Asitico, em substitui-o ocidentalizaoe importao das cincias sociais distorcidas. Recen-temente deflagrou-se um clamor pela pureza dos traos culturais. Aque-les, no entanto, que pedem autenticidade pela indigenizao podem noestar ainda cientes de que o saber local, sobre o qual querem construiruma alternativa, h muito tempo tem sido parte das estruturas globais;ou de que desempenham uma parte do jogo da cultura global, que tam-bm pede a essncia, da verdade local" (9).Neste ponto, cabe relembrar que o problema da diversidade estsempre presente nas configuraes e movimentos da sociedade global.Seria impossvel imaginar a globalizao sem a multiplicidade dos indi-vduos, grupos, classes, tribos, naes, nacionalidades, culturas etc. Soestes que se globalizam, ao acaso ou por induo, sabendo ou no. Damesmo forma que so estes que vivem, agem, pensam, aderem, protes-

    tam, mudam, transformam-se. "O capitalismo global simultaneamentepromove e condicionado pela homogeneidade cultura e pela heteroge-neidade cultural. A produo e consolidao da diferena e variedade um ingrediente essencial do capitalismo contemporneo, que , em to-dos os casos, crescentemente envolvido na mltipla variedade de micro-mercados (nacional, cultural, racial e tnico, de gnero, socialmente es-tratificado e assim por diante). Ao mesmo tempo, o micromercadoocorre no contexto das crescentes prticas econmicas universais-glo-bais" (10).Em bom entendimento, no se trata de priorizar um ou outromomento da realidade e da reflexo. E claro que a anlise da sociedade

  • 8/3/2019 ianni - globalizao

    12/17

    global envolve sempre tribo, nao e nacionalidade, histria e geogra-fia, cultura e civilizao, indivduo, grupo e classe, sindicato, partidopoltico, movimento social e corrente de opinio pblica, indstria eagricultura, mercado e planejamento, campo e cidade, identidade, diver-sidade, desigualdade e contradio, soberania e hegemonia, reforma erevoluo, paz e guerra.Em todos os casos est em causa o contraponto local e global,parte e todo, micro e macro, individualismo e holismo. Em todos oscasos, os momentos lgicos da reflexo cientfica necessariamente envol-vem a dialtica singular e universal. No se trata de priorizar um mo-mento, em detrimento do outro, mas reconhecer que ambos se consti-tuem reciprocamente, articulados harmnica, tensa e contraditoriamen-te, envolvendo mltiplas mediaes. Somediaes indispensveise se-cundrias, evidentes e insuspeitadas, prximas e remotas. Podem sersignos com sinais trocados, reversos, recriados.

    Nesses termos que indispensvel que toda reflexo sobre asociedade global contemple tanto a diversidade como a globalidade, re-conhecendo que ambas se constituem simultnea e reciprocamente.Quando isso no ocorre, a reflexo se arrisca a permanecer na meradescrio, ideologizar este ou aquele momento da anlise, ou ficar ameio caminho da interpretao. difcil, na verdade impossvel, que oconceito, a categoria ou a interpretao deixem de contemplar o contra-ponto singular e universal (11).

    No conjunto, os estudos e as interpretaes sobre a sociedade glo-bal, em suas configuraes e em seus movimentos, permitem algumasobservaes do maior interesse para o esclarecimento desse novo objetodas cincias sociais.Primeiro, a sociedade global seconstitui desde o incio como umatotalidade problemtica, complexa e contraditria, aberta em movimen-

    to. Est impregnada e atravessada por totalidades tambm notveis, svezes tambm decisivas, ainda que subsumidasformal ou realmente pelatotalidade mais ampla, abrangente, global: estado-nao, blocogeopol-tico, sistema econmico regional, grande potncia, empresa transnacio-nal, ONU, FMI, Banco Mundial, indstria cultural e outras; tambmtribo, nao, nacionalidade, etnia, religio, lngua, cultura e outras reali-dades tambm fundamentais. s prprias formas de pensamento inse-rem-se na dinmica da sociedade global, no seu todo ou em suas partes,operando no sentido da constituio de todos os subordinados, ou daconstituio da sociedade global como uma totalidade abrangente, sem-pre problemtica, complexa e contraditria.

  • 8/3/2019 ianni - globalizao

    13/17

    Segundo, a sociedade global o cenrio mais amplo do desenvol-vimento desigual, combinado e contraditrio. A dinmica do todo nosedistribui similarmente pelas partes. As partes, enquanto distintas tota-lidades tambm notveis, consistentes, tanto produzem e reproduzemseus prprios dinamismos como assimilam diferencialmenteos dinamis-mos provenientes da sociedade global, enquanto totalidade mais abran-gente. no nvel do desenvolvimento desigual, combinado e contradi-trio, que se expressam diversidades, localismos, singularidades, parti-cularismos ou identidades. svezes, os localismos, provincianismos ounacionalismos podem exacerbar-se, precisamente devido aos desencon-tros, s potencialidades e dinmicas prprias de cada um, cada parte; etambm devido s potenciaes provenientes da dinmica da sociedadeglobal, das relaes, processos e estruturas que movimentam o todoabrangente. Sob vrios aspectos, a ressurgncia de nacionalismos, regio-nalismos, provincianismos, etnicismos, fundamentalismos e identidadesso fenmenos que se esclarecem melhor quando vistos nos horizontesdos rearranjos e tenses provocados pela emergncia da sociedade glo-bal. medida em que esta debilita o estado-nao, reduz os espaos dasoberania nacional, transforma a sociedade nacional em provncia daglobal, nessa medida reflorescem identidades pretritas e presentes, no-vas e anacrnicas. Tambm por isto a globalizao no significa nuncahomogeneizao, mas diferenciao em outros nveis, diversidades comoutras potencialidades, desigualdades com outras foras. Nesse horizon-te, a sociedade global pode ser vista como uma totalidade desde o incioproblemtica, no sentido de complexa e contraditria; atravessada pelodesenvolvimento desigual, combinado e contraditrio, que se especificano mbito de indivduos, grupos, classes, tribos, naes, sociedades,culturas, religies, lnguas e outras dimenses singulares ou particulares.

    Terceiro, medida em que se constitui e desenvolve a sociedadeglobal, como emblema de um novo paradigma das cincias sociais, al-guns conceitos, categorias e interpretaes podem tornar-se obsoletos,exigir reelaboraes ou ser articulados com novas noes suscitadas pelareflexo sobre a globalizao. J so diversas as noes que comeam apovoar o pensamento global: globalizao, desterritorializao, re-terri-torializao, miniaturizao, cultural mundial, aldeia global, cidade glo-bal, shopping center global, disneylndia global, fbrica global, novadiviso internacional do trabalho, redes de articulaes intra e intercor-poraes, alianas estratgicas decorporaes, modernidade-mundo, sis-tema-mundo, economia-mundo, comunicao mundo, publicidade glo-bal, espao europeu, espao do Pacfico, capitalismo global, moeda glo-bal, capital global, terceiromundializao do Primeiro Mundo, exrcitoindustrial ativo e de reserva global, planeta terra, sociedade civil mun-dial, cidado do mundo, contrato social mundial, pensamento universal.

  • 8/3/2019 ianni - globalizao

    14/17

    Quarto, nos horizontes abertos pela sociedade global, a historiauniversal deixa de ser uma fantasia, metfora ou utopia. medida emque se organiza e movimenta, as histrias das naes e nacionalidadesinserem-se de forma cada vez mais dinmicanos movimentos da histriauniversal. As naes e as nacionalidades continuam a desenvolver-secom ritmos marcados por suas singularidades, tradies, foras, dinmi-cas, historicidades, mticas. Simultaneamente, no entanto, umas e outrasso influenciadas pelos andamentos da histria universal. Esse o contex-to em que se instauram algumas das novas condies da durao, curta,mdia ou longa, histrica ou mtica. J no mais apenas a grandepotncia, a metrpole imperialista, que incute de modo mais ou menosexclusivo o seu andamento neste ou naquele segmento ou em grandeparte do mundo. Desde que se forma e sedesenvolve a sociedade global,com a sua economia poltica, a sua dinmica scio-cultural, desde essemomento ashistrias nacionais tendem a ser, em alguma medida, subsu-midas pela histria universal.

    Quinto, no mbito da sociedade global, com sua economia pol-tica, dinmica scio-cultural, historicidade complexa e contraditria,que se concretizam as possibilidades do pensamento global. O que erafantasia, metfora ou utopia, quando o pensamento se propunha pensaro mundo, equacionar a razo universal, imaginar o cosmopolitismo,diagnosticar as contradies universais, mergulhar nas opacidades doreal, quando se forma a sociedade global, tudo isso pode adquirir outrosignificado, novas possibilidades. Nesse sentido que a emergncia dasociedade global permite repensar a dialtica da histria esboada porMarx; ou a teoria da racionalizao generalizada sugerida por Weber.Talvez se possa dizer que sem Weber e Marx, fundamentalmente masno exclusivamente, no possvel pensar, em toda a sua abrangncia ecomplexidade, a sociedade global que se forma no limiardo sculo XXI.Outra vez, no entanto, isto no significa que se torna possvel a transfe-rncia ou adaptao pura e simples de conceitos, categorias, interpreta-es. Pode-se afirmar que as obras de Marx e Weber constituem duasmatrizes excepcionalmente fecundas para pensar-seconfiguraes e mo-vimentos da sociedade global. Pensar, compreender e explicar essa socie-dade tanto em suas singularidades e particularidades como nos horizon-tes da histria universal.

    Nessa perspectiva, a modernidade propriamente dita encontra ou-tras possibilidades de desenvolver-se, seja como razo instrumental, sejacomo razo crtica. "No fim das contas, pois sua globalidade simulta-neamente estrutural e planetria que define a modernidade do final dosculo XXcomo um momento singular. Globalidade social de um pan-capitalismo onipresente e de um sistema social fundado na imbricaoe

  • 8/3/2019 ianni - globalizao

    15/17

    interconexo de mltiplos processos que so eles mesmos, cada vez maiscomplexos. Globalidade espacial do planeta intercomunicado, do merca-do mundial, do tecnocosmo. Essa a modernidade-mundo. (...)Tal ,pois, a mutao fundamental realizada pela modernidade: com a mun-dializaao da economia, o tecnocosmo, a internacionalizao da vidasocial, coloca-se em evidncia um sistema global, do qual no existiujamais um equivalente ao longo da histria da humanidade. impossvelocultar a fora qualitativa desta mutao em nome da continuidade capi-talista. Tambm seria desarrazoado reduzi-la sua dimenso tcnica.(...) Momento histrico singular, a modernidade mundo impe a suasingularidade tambm reflexo histrica e ao saber histrico" (12).Notas1 Immanuel Wallerstein, Unthinking social science (The limits of nineteenth-century para-digms). Cambridge, Polity Press, 1991,p. 246.Citao retirada do cap. 18: Call for adebate about the paradigm, p. 236-256.2 Martin Albrow & Elizabeth King (eds.), Globalization, knowledge and society (Readingsfrom Internat ional Sociology). Londres, Sage Publications, 1990,p. 155.Citaode Oneworld society, introduo de uma das partes da coletnea reunindo textos de diferentesautores.3 Anthony Giddens, As conseqncias da modernidade, trad, de Raul Fiker. So Paulo,Editora Unesp, 1991, p. 69-70.4 Talcott Parsons, Evolutionary universals in society. New York, American SociologicalRev iew , v. 29, n. 3,1964;Talcott Parsons, Politics and social structure. New York, TheFree Press, 1969, cap. 12: Order and community in the international social system;Harold D. Lasswell, World organization and society, Daniel Lerner e Harold D. Las-swell (eds.), Th e poticy sciences, Stanford, Stanford University Press, 1965, cap. VI; AlexInkles, The emerging social structure of the world, Princeton, World polit ics , v. XXVII,n.4,1975,p. 467-495; Wilbert E. Moore, Global sociology: the world as a singularsystem, Chicago, TheAmerican Journal of Sociology, v. LXXI, n. 5,1966,p. 475-482;Niklas Luhmann, The world society as a social system, Internat ional Journal of General

    Systems, v.8,1982,p.131-138; Robert W.Cox, On thinking about future world order,Princeton, World Politics, v. XXVIII, n. 2,1976, p. 175-196; C. E. Black, The dynamicsor modernizat ion (Astudy in comparative history), New York, Harper & Row Publis-hers, 1966.

    5 Albert Bergesen,The emerging science of the world-system, Internat ional Social ScienceJournal , v. XXXIV, n. 1, UNESCO, 1982, p. 23-36; citao das p. 23-24.6 Martin Albrow, Globalization, knowledge and society, publicado por Martin Albrow eElizabeth King (eds.), Globalizat ion, knowledge and society (Readings from Internat ional

    sociology), London, Sage Publications, 1990, p. 3-13; citao da p. 9.7 Immanuel Wallerstein, World-systems analysis, publicado por Anthony Giddens e Jo-nathan H. Turner (eds.), Social theory today, Cambridge, Polity Press, 1987, p.309-324; citaoda p. 312; consultar tambm: Immanuel Wallerstein, Unthinking social

  • 8/3/2019 ianni - globalizao

    16/17

    science (The limits of nineteenth-century paradigms), Cambridge, Polity Press, 1991,especialmente parte VI: World-systems analysis as unthinking.8 MiltonSantos, Aaceleraocontempornea: tempo mundoe espao mundo, confern-da de abertura do Encontro Internacional O novo m a p a ao m u n d o , Departamento deGeografia, Universidadede So Paulo, l deset. 1992; citaoda p. 4. Domesmoautor:Lesespaces de la globalisation, comunicao apresentada no Seminrio organizado porGemdev. Paris, 4-5 fev.1993.9 Mona Abaza e Georg Stauth, Occidental reason, orientalism, islamic fundamentalism:a critique, publicado por Martin Albrow e Elizabeth King, Globalization, knowledge and

    society, citado, p. 209-230; citao da p. 211.10 Roland Robertson, Globatization(social theory andg loba l culture), London, Sage Publi-cations, 1992, p. 173.Consultar: International Social ScienceJournal, n. 117, UNESCO,1988, n / especial sobre The local-globe nexus; Cliffor Geertz, Savoir local, savoirg lobal(Les lieux du savoir), trad, de Denise Paulme, Paris, Presses Universitaires de France,1986.11Charles Bright e Michael Geyer, For a unified history of the world in the twentiethcentury, Radical History Rev iew , n.39,1987,p. 69-91; George E.Marcus,Past, presentand emergent identities: requirements for ethnographies of late twentieth century mo-dernityworldwide, Anaisda 17 Reunio , Florianpolis, AssociaoBrasileirade Antro-pologia, 1990,p. 21-46.12 Jean Chesneaux, Modernit-monde (Brave modern world), Paris, ditions La Dcou-verte, 1989, p. 196,198e 199. Consultar tambm: Serge Latouche, L'ocidentalisation

    du monde , Paris, Editions La Dcouverte, 1989; Samir Amin, L'emfire du chaos (Lanouvelle mondialisation capitaliste), Paris, Editions L'Harmattan, 1991.

    ResumoAs cincias sociais esto sendo desafiadas a pensar a globalizao do mundo. No fim dosculo XX , quando seanunciao XXI, elas sedefrontam com os dilemasque se abrem coma globalizao das coisas, gentes e idias. H processos e estruturas sociais, econmicos,polticos, culturais e outros que apenas comeam a ser estudados. Alm do que local,nacional e regional, colocam-se problemas novos e fundamentais com a emergncia da so-ciedade global. Asfronteiras geogrficas e histricas, culturais e civilizatrias parecem modi-ficar-se em direes e formas surpreendentes. Indivduo, grupo, classe, coletividade e povoso colocados diante de outros horizontes. O prprio pensamento cientfico desafiadoaelaborar conceitos e interpretaes para dar conta de realidades pouco conhecidas. As teo-rias da globalizao, que comeam a ser esboadas, revelam o empenho das cincias sociaisem explicar o que h de novo no que vai pelo mundo.

    AbstractSocial sciences are now being challenged to think on the world's globalization. At the endof the twentieth century and dawn of the twenty first, they are faced with the dilemas thatopen up with the globalization of things, people and ideas: There are social, economical,political, cultural and other processes and structures that are just begining to be studied.

  • 8/3/2019 ianni - globalizao

    17/17

    Besides what is local, national and regional, new and fundamental problems appear withthe rising global society. The geographic, historical, cultural and civilizatorian limits seemto change in surprising ways and directions. The individual, group, class, colectivity andpeople are put before other horizons. The scientific thinking itself is called upon toelaborate concepts and interpretations to account for little known realities. Theglobalization theories that are just being sketched show the efforts of Social Sciences toexplain what is new going on in the world.

    Octav io Ianni socilogo e professor do Departamento de Sociologia doInstituto de Filosofa e Ciencias Humanas da Universidade de Campinas. autorde A sociedade global (Civilizao Brasileira, 1994), entre outros livros.