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    REGIME TRIBUTRIO DO ICMS NAS TRANSAESINTERESTADUAIS - HARMONIZAO TRIBUTRIA

    OU AUTONOMIA ESTADUAL?*

    Gedalva Baratto**Mariano de Mattos Macedo***

    * Este artigo foi escrito em dezembro de 2005 com elementos da dissertao de mestrado Alternativas para Tributaras Operaes e Prestaes Interestaduais e para Partilhar o Produto da Arrecadao, defendida em junho de 2005 noPrograma de Ps-Graduao em Desenvolvimento Econmico - Mestrado Profissionalizante, do Departamento de Economiada Universidade Federal do Paran (UFPR).

    ** Economista, mestre em Desenvolvimento Econmico pela Universidade Federal do Paran (UFPR). AuditoraFiscal e Chefe da Coordenao de Assuntos Econmicos da Secretaria de Estado da Fazenda do Paran. E-mail:[email protected]

    *** Economista, doutor em Economia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Professor Adjunto doDepartamento de Economia da UFPR. E-mail: [email protected]

    RESUMO

    O ICMS o imposto com a maior arrecadaono Brasil. A atribuio de competncia aosestados para tributar imposto do tipo valoragregado lhes permite obter maior grau deautonomia, mas pode provocar distoreseconmicas em virtude da caracterstica

    nacional do tributo. Um de seus principais problemas reside na sistemtica adotadanas operaes e prestaes interestaduais,mediante adoo de alquotas interestaduaisdiferenciadas e inferiores s que so aplicadasnas operaes e prestaes dentro do estado,denominada princpio de tributao de origemrestrita, e que tem por propsito partilhar o

    produto da arrecadao entre o estado deorigem e o estado de destino. O objetivodo presente artigo demonstrar que este

    sistema precisa ser alterado, verificando asconseqncias que a sistemtica provocana economia e no pacto federativo. Visademonstrar que est sendo pago um preomuito alto e coloca em dvida a eficcia do

    ABSTRACT

    The ICMS is a Brazilian value added taxregulated and charged by sub-national states.It is also a record tax in terms of revenuecollection in Brazil. To empower sub-national

    states to regulate and charge ICMS at theone hand may ensure a greater degree ofautonomy to them. On the other hand, it maycause a number of economic distortions. Oneof the problems of ICMS gives respect to its

    system applied to inter-transactions. Those arecharged at lower rates than intra-states. Ratescans also differ according to the geographicregion of the state of origin and of the stateof destination. This system, which is knownas principle of origin restrict, mixed or hybrid,aims at the sharing of revenue between the

    state of supply and the state of origin of goods

    and services. The main goal of the paper isto discuss the undesirable effects on Brazilian federalism and on Brazilian economy, andprove that there must be a change in the ICMSapplied to interstate transactions. It also seeks

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    to demonstrate that the current system hasnot even been successful in which concerns

    to that aim of dividing revenue between theorigin and the destination state Its final purposeis to call attention to some solutions to ICMS,

    such an important Brazilian value added tax,taking into account the dilemma involved inmaking a choice between autonomy of sub-national states and economic neutrality. TheICMS is the largest tax collection in Brazil. Theempowerment of sub-national states to levy

    value added tax type, such as ICMS, ensurethem to achieve greater degree of autonomy,but it can cause economic distortions due to thenational feature of the tribute. One important

    problem related to ICMS is the system usedin interstate operations and services throughadoption of interstate rates, which are differentand lower than those applied to the operationsand services within the state. This system,known as a principle of taxation of restrictedorigin, aims at sharing the revenue between

    the state of origin and the state of destination.The aim of this paper is to demonstrate that

    this system needs to be changed by showing that this systematic produces impacts on the Brazilian economy and on the Brazilian

    federalism as well. The paper also seeks notonly to demonstrate that a very high price hasbeen paid, but also to raise questions about theeffectiveness of the model for sharing revenuebetween the state of origin and the state ofdestination. The analysis takes into accountan inherent dilemma in the choice betweenautonomy of sub-national states and economicneutrality.

    Keywords: ICMS; IVA; states; interstate transactions; rates; principle of origin;principle of destination; autonomy; neutrality;

    harmonization; fiscal war.

    modelo para partilhar receita entre o estado deorigem e o de destino. A anlise leva em contao dilema inerente escolha entre autonomia

    federativa e neutralidade econmica.

    Palavras-chave: ICMS; IVA; estados; operaesinterestaduais; alquotas; princpio de origem;

    princpio de destino; autonomia; neutralidade;harmonizao; guerra fiscal.

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    Gedalva Baratto e Mariano de Mattos Macedo

    INTRODUO

    So decorridas quase quatro dcadas desde que o Brasil instituiu o Imposto

    Sobre Circulao de Mercadorias (ICM), que, a partir da Constituio Federal de 1988(CF/88), denominado Imposto Sobre Operaes Relativas Circulao de Mercadoriase Sobre Prestaes de Servios de Transporte Interestadual e Intermunicipal e deComunicao (ICMS). O tributo1 ostenta a primeira posio no ranking de arrecadaono Brasil, com R$ 154,9 bilhes em 2005, o equivalente a 21,58% da carga tributriatotal do Pas e a 8,14% do Produto Interno Bruto.

    O ICMS imposto plurifsico porque incide em todas as etapas da produo edistribuio de bens e servios (at alcanar o consumidor final); do tipo IVA (ImpostoSobre o Valor Agregado), pois permite que o imposto incidente sobre as compras

    (aquisies) seja deduzido do imposto debitado sobre as vendas (remessas) mtododo crdito do imposto.2 Como imposto do tipo IVA, atende ao princpio da no-cumulatividade, resiste bem ao teste da neutralidade econmica, no provocando,teoricamente, distores na organizao ou entre os elos da cadeia de produo.

    Em comparao com o tributo plurifsico cumulativo, o IVA possui a vantagemde ser neutro em relao estrutura organizacional das empresas, entre outros fatoresporque no induz integrao vertical. Comparativamente com o tributo monofsicono-cumulativo (tipo vendas a varejo), tambm apresenta vantagem porque no estimulao deslocamento do valor agregado para estgios no tributados do ciclo econmico.

    Inerente tcnica plurifsica, grande parte da receita arrecadada nosestgios pr-varejistas, de modo que, mesmo havendo evaso no estgio varejista, emque a fiscalizao mais difcil e pulverizada, o fisco ter assegurado uma boa parteda arrecadao nos estgios anteriores, nos quais a atividade econmica tipicamentemais concentrada.

    Quanto fiscalizao, e em comparao com os outros tributos sobremercadorias e servios, o IVA com mtodo do crdito do imposto facilita o controle fiscalmediante cruzamento das informaes prestadas pelos contribuintes, uma vez que ovalor do crdito do comprador no pode ser diferente do valor que o vendedor lanoua dbito na operao anterior, ou seja, o mecanismo de dbitos e crditos forma umatrilha que pode ser seguida.

    O primeiro pas que adotou imposto no-cumulativo sobre transaes combens e servios foi a Frana, mas o Brasil foi o primeiro a institu-lo em todos osestgios econmicos (at o varejo), bem como a atribuir sua competncia a uma esfera

    1Tributo tem sentido mais amplo do que imposto. Pode ser: imposto, taxa, contribuio de melhoria, outrascontribuies ou emprstimo compulsrio.

    2IVA designa de modo genrico os impostos sobre o valor agregado. Este artigo trata apenas de IVA submetido aomtodo do crdito do imposto, tambm denominado mtodo indireto subtrativo ou das faturas. A norma jurdica refere-seao IVA como imposto sobre transaes, operaes, circulao ou negcios, pois o mandamento da no-cumulatividadeque permite que o valor devido (dbitos menos crditos) seja prximo ao que resultaria aplicando a alquota diretamentesobre o valor agregado.

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    subnacional de governo, os estados3, em que pese a boa tcnica recomendar que sejaatribuda Unio4 a tributao de impostos sobre o valor agregado. A razo foi que,na organizao poltico-administrativa da Repblica Federativa do Brasil, os estados

    tradicionalmente tributam a expressiva base contributiva que o consumo de bens eservios representa. O imposto tipo IVA irradiou-se como principal forma para tributar oconsumo, com uma expanso impressionante nos ltimos cinqenta anos. So 132 pasesque o adotam recentemente (GUIMARES, 2004), nove das dez principais economias nomundo, com exceo apenas dos Estados Unidos da Amrica.

    H muitas crticas dirigidas ao ICMS, alvo freqente de propostas de reformatributria5, ainda que estas no se restrinjam a alteraes neste imposto e que fatoreseconmicos e polticos dificultem e at impeam a sua aprovao.

    As questes que referenciam essas crticas so de diversas ordens. Em primeiro

    lugar, podem ser considerados os fatores que modificaram o ambiente econmico no qualas empresas brasileiras passaram a operar a partir da dcada de 1990: a ampliao doprocesso de abertura econmica, que exps as firmas a um choque de competitividade;intensificao no processo de globalizao, que aumentou as relaes internacionais decomrcio; estabilidade econmica e monetria no Brasil, ps Plano Real, que estancouo processo inflacionrio e possibilitou que as empresas voltassem a formar os preoscom base nos custos de produo.

    Em decorrncia desses fatores, problemas, inadequaes e ineficincias existentesno Sistema Tributrio Nacional Brasileiro, ainda que antigos, tornaram-se mais visveis

    e prejudiciais, de modo que a reforma tributria passou a ser um tema presente naagenda de discusses das polticas macroeconmicas no Brasil, logo depois de editada aCF/88. O ambiente poltico-institucional em que esta Constituio foi discutida no levousuficientemente em conta fatores que j se faziam visveis, relacionados nova ordemeconmica mundial, antes tendo privilegiado o estabelecimento de um maior grau deautonomia financeira e poltica para as esferas subnacionais de governo. To logo editada,a CF/88 revelou-se inadequada nova realidade que seria enfrentada pelas empresas.

    Em que pese essa constatao genrica, sobre a qual fcil obter consenso,a tarefa de uma reforma tributria para alterar o sistema revela-se herclea,sobrecarregada de desafios, obstculos e resistncias, em muitos aspectos considerados

    intransponveis. Se no plano do discurso o consenso sobre a necessidade da reformatributria praticamente absoluto, na prtica e no especfico o dissenso generalizado.S tem sido possvel aprovar aspectos pontuais ou alteraes motivadas por premnciade crises econmicas e dificuldades financeiras. O sistema tributrio alicerado nadcada de 1960, data da nica reforma profunda e consistente que o Brasil teve, estcada vez mais distante e esboroado.

    3 Em todo o artigo, a referncia aos estados deve ser entendida como extensiva ao Distrito Federal.4 Unio, governo central, governo federal e instncia superior de governo so tratados de modo equivalente.5 Para efeito didtico, utilizada a terminologia reforma tributria em sentido genrico, seja atravs de Emenda

    Constitucional, seja no plano infraconstitucional.

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    Gedalva Baratto e Mariano de Mattos Macedo

    Uma segunda ordem de questes refere-se ao aumento da importncia quea tributao da dita base consumo6 passou a representar para os governos a partirdos anos 1980. Desde ento, as preocupaes vm se centrando na reduo de

    tributos sobre a poupana e o investimento, paralelamente ampliao dos limitespara impor, sobre a renda pessoal, taxao elevada e com a progressividade que seriarecomendvel eqidade tributria e solvncia das finanas pblicas. A imposiosobre a renda ganha passa a ser substituda por aumento na tributao da rendagasta, a base consumo (REZENDE, 1993). Nesse contexto, os tributos sobre esta basesofreram mudanas conceituais e estruturais, que, no geral, vieram a acentuar distoresem relao ao princpio da no-cumulatividade. De forma a manter a neutralidadeeconmica torna-se necessrio harmonizar e simplificar os sistemas, reduzir as incidnciascumulativas, presentes em todos os estgios das atividades econmicas pelo seu valor

    integral, que provocam a dita tributao em cascata, ou seja, a incidncia de impostosobre imposto. Nesse caso, a tendncia de reformas pela adoo de duas formasmodernas e principais de tributao dos bens e servios (BINS, 1999):

    um imposto geral sobre as transaes, plurifsico, no-cumulativo, combase ampla sobre o universo de bens materiais e imateriais, dotado deum nmero mnimo de alquotas, avesso a desoneraes e benefciosfiscais o IVA;

    um imposto especial sobre as transaes, monofsico, tambmdenominado de imposto especfico ou seletivo, incidente sobre

    determinados tipos de bens.7Uma terceira ordem de questes est relacionada atribuio de competncias

    tributrias e de encargos entre as diferentes instncias de pases federativos. Sempreh uma incompatibilidade entre os tributos que podem ser atribudos competncia tributria de esferas subnacionais de governo, sem provocar graves distores economia, alocao de recursos, racionalidade dos tributos e s necessidades degastos destes governos, pressionados com a tendncia crescente descentralizaode encargos. A doutrina recomenda que, sempre que possvel e que no impliquedistores, deve-se atribuir s instncias subnacionais a tributao de bens e servios,

    pelas seguintes razes (MCLURE, 1998): a) diversificar as fontes de financiamentodas instncias subnacionais, de modo que seja possvel reduzir sua dependncia detransferncias de instncias superiores de governo; b) descentralizar a receita de formaa permitir que a sociedade associe mais diretamente os benefcios das funes pblicas(gastos) sua fonte de financiamento; c) ampliar a produtividade fiscal (arrecadatria),pois a arrecadao advinda de impostos sobre a renda e sobre o patrimnio estreita

    6A tributao de bens e servios alcana, regra geral, a renda gasta, que se desdobra em bens de investimento(ativo imobilizado) e bens e servios de consumo (consumo intermedirio e consumo final). A depender da configuraodada a cada tributo, diferente pode ser o seu alcance e grau de abrangncia.

    7Caractersticas de amplo consumo, no-essencialidade, procura inelstica e produo oligopolizada propiciam aestes bens elevada produtividade fiscal.

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    em pases em desenvolvimento; d) a tributao de bens e servios mais compatvelcom as instncias subnacionais do que os impostos diretos.

    No Brasil, a competncia tributria do ICMS atribuda aos estados8 dificulta a

    obteno de nveis satisfatrios de harmonizao tributria e coordenao. O objetivodeste artigo demonstrar que os estados precisam alterar o regime tributrio (modelo,mecanismo, sistema) aplicado s operaes interestaduais (OIs) e adotar mecanismoalternativo mais adequado para a tributao, cobrana e repartio do produto daarrecadao incidente nestas operaes.

    Ainda que no seja possvel analisar modelos alternativos para o ICMS das OIsno espao que este artigo comporta, procura-se sinalizar que a tarefa complexa, poisenvolve inmeras determinaes, tanto no plano tcnico quanto poltico. Informa-seque a questo deve ser analisada luz do maior grau possvel de autonomia federativa(um valor poltico) e do maior grau possvel de neutralidade econmica (um atributotcnico). Alm disso, necessrio reduzir a sonegao, restringir a guerra fiscal entreos estados e simplificar o imposto. So dilemas, princpios e objetivos interdependentese antagnicos, que precisam ser conciliados, sinalizando por que to difcil aprovaruma reforma tributria.

    Quanto estrutura do artigo, primeiro analisam-se os conceitos vinculadosao princpio tributrio de coordenao jurisdicional internacional e interestadual paraa tributao de bens e servios, atravs dos princpios de origem e de destino e suas

    combinaes, uma vez que eles esto diretamente vinculados ao mecanismo de ICMS(ou IVA) para as operaes interestaduais (OIs). Procuramos aprofundar o entendimentodestes conceitos e trazer uma contribuio adicional a este assunto em particular.

    Em seguida explicitada a sistemtica de ICMS vigente nas OIs, abordandobrevemente a histria da escolha pelo denominado princpio de origem restrita.Comentam-se alguns problemas e dificuldades para lidar com o ICMS, a afetaoaos princpios da neutralidade e eqidade, as dificuldades para obter harmonizaotributria, enfatizando os entraves que advm da sistemtica vigente nas transaesinterestaduais, procurando demonstrar que a forma adotada complexa, indutora defraude e guerra fiscal, e no contribui para reduzir as desigualdades regionais no Brasil.No ltimo tpico apresentam-se algumas concluses.

    1 COORDENAO INTERJURISDICIONAL DE TRIBUTOS SOBREBENS E SERVIOS PRINCPIOS DE ORIGEM E DE DESTINO EHARMONIZAO TRIBUTRIA

    Este tpico analisa o princpio tributrio de coordenao jurisdicional, de origeme de destino, em virtude do estreito vnculo com o mecanismo de ICMS aplicado soperaes interestaduais (OIs).

    8Vinte e cinco por cento do produto da arrecadao pertence aos municpios.

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    As transaes comerciais internacionais, bem como as transaes interestaduaisem federaes, so regidas pelos princpios de jurisdio/ territorialidade/ no-discriminao. Isto necessrio para que no ocorram distores no comrcio, evitando

    que os produtos sejam duplamente tributados, ou seja, tanto pelo pas/estado exportadorquanto pelo pas/estado importador. Visa tambm obter eqidade na distribuio dosrecursos tributrios entre os pases e instncias da federao. Para que estes objetivossejam atingidos, necessria uma coordenao interjurisdicional dos impostos sobrebens e servios.

    O princpio de jurisdio fiscal instrumentalizado por meio dos princpios deorigem e de destino. A matria fiscal, circunscreve-se no campo do direito tributrio,mas seu suporte terico advm do direito econmico.

    A operacionalizao dos princpios de origem e destino para o caso da tributao

    de bens e servios feita atravs de ajustamentos fiscais de fronteira (border taxadjustments). Em cada um dos princpios difere a forma como a arrecadao entre ospases ou estados alocada.

    No princpio de origem, a competncia para tributar as transaes internacionaisou interestaduais atribuda ao pas ouestado de origem das mercadorias, abstendo-seo pas ou estado de destino de gravar estas transaes (BASTO, 1991). Em cada pas ouestado a arrecadao guarda relao com a produo. Todavia, o princpio de origemexige harmonizao. As alquotas devem ser uniformes porque uma tributao menor nopas ou estado de origem (exportador) do que a aplicada no pas ou estado de destino

    (importador) sobre os bens e servios produzidos internamente afeta a competitividadedo pas de destino e vice-versa.

    Em processos de integrao regional avanada ou em federaes cujacompetncia tributria de bens e servios atribuda aos estados, recomendvel adotaro princpio de origem, ou seja, tributar e cobrar integralmente no estado de origem, masveremos que isto requer instituir mecanismos para alocar o produto da arrecadao, notodo ou em parte, ao estado de destino. Uma grande vantagem da tributao de impostotipo IVA no estado de origem, e que indica ser uma forma mais adequada para mercadosintegrados, reside em que no ocorre interrupo na cadeia normal dos dbitos-crditos,

    que a grande virtude deste tipo de imposto. Outra vantagem est no controle fiscal,pois as exportaes tributadas permitem suprimir barreiras fiscais de fronteira.

    No princpio de destino, desoneram-se as exportaes e tributam-se asimportaes com carga tributria equivalente que aplicada ao produto nacional ouestadual (BASTO, 1991). A arrecadao de cada pas ou estado guarda relao como seu consumo. No comrcio internacional esta sistemtica requer ajustes fiscais defronteira por parte das jurisdies envolvidas (alfndega, aduana). Princpio de destino,ento, a soluo prpria para mercados no integrados, sendo a regra aplicada aocomrcio internacional de um modo geral.

    As diferenas entre os princpios de origem e de destino no se restringem aocontrole alfandegrio, existncia ou no de ajuste fiscal de fronteira. Do ponto de vista

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    do princpio da eqidade, desejvel que a receita de tributos sobre bens e serviosseja apropriada/ alocada/ atribuda ao pas ou estado onde ocorre o consumo final dosbens e servios, que onde, preponderantemente, os consumidores demandam os

    servios pblicos.Complicaes ocorrem quando a competncia de imposto do tipo IVA atribuda

    a instncias subnacionais de governo, no caso de pases organizados politicamentesob regime federativo, pois a interferncia das jurisdies umas nas outras maior.Neste caso, alm da coordenao internacional necessrio coordenar e harmonizarinternamente o princpio de jurisdio fiscal, com a grande diferena de que nastransaes interestaduais no existem barreiras alfandegrias entre as jurisdies9, paraajustar os distintos sistemas tributrios. Sinteticamente, so apontadas duas formas paraalocar o produto da arrecadao ao estado de destino:

    a primeira reside em adoo de alquota zero (na sada do estado de origem) combinada com concesso de diferimento do pagamento doimposto (na entrada do estado de destino). Esta forma acaba por resultarem tratamento semelhante ao aplicado ao comrcio internacional, com agrande diferena de que nas relaes interestaduais no existe ajuste fiscalde fronteira, pois se est diante de um mercado integrado. Em decorrncia,outro tipo de controle tem que ser adotado para evitar fraudes, como o caso do cruzamento de informaes, mudando a nfase do controlede fsico para contbil;

    a segunda forma se d pela cobrana integral do imposto no estado de

    origem da transao, escolha que prescinde de ajuste fiscal de fronteira,mas que requer a instituio de mecanismos para atribuir o produto daarrecadao ao estado de destinao dos bens e servios. Isto pode serfeito por diversos instrumentos: cmara de compensao, clearing house,instituio de fundos e sistemtica de substituio tributria.

    As duas formas para atribuir ao estado de destino o produto da arrecadaopossuem vantagens e desvantagens. O relevante que, em mercados integrados, aatribuio de receita ao estado de destino no requer obrigatoriamente que a cobranaocorra no local de destino. possvel tributar e cobrar na origem e atribuir o produto

    da arrecadao ao destino.Referimo-nos ao princpio da neutralidade econmica para que os tributos

    interfiram o menos possvel nas decises de alocao de recursos e sejam, portanto,eficientes economicamente. A harmonizao tributria um instrumento para obterneutralidade econmica e para cumprir objetivos de integrao. Em decorrncia, maisdifcil de ser alcanada em impostos de competncia tributria estadual, pois restringea autonomia estadual para estabelecer alquotas e conceder benefcios fiscais. Quantomaior o grau de integrao desejado, maior a necessidade de harmonizar o sistemaou determinado tributo.

    9Postos fiscais so instrumentos de controle s fraudes, mas no fazem ajuste fiscal de fronteira.

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    Gedalva Baratto e Mariano de Mattos Macedo

    Para obter harmonizao, imposto do tipo IVA deve ser integralmente tributadoe cobrado no e pelo estado de origem da operao. Isto porque o princpio de origem o mais adequado para mercados integrados ou que desejem aumentar o grau de

    integrao (no caso de blocos regionais de comrcio), principalmente em contextode ausncia de ajustes fiscais de fronteira. Dissemos que no comrcio internacionalvigora como regra de jurisdio o princpio de destino, mas h que se levar em contaque a presena das aduanas (alfndegas) permite manter sob (relativo) controle asfraudes fiscais. Em que pese o ajuste fiscal de fronteira representar entrave e embaraoao comrcio internacional, tem havido crescimento no comrcio mundial e o sistemafunciona relativamente a contento. Segundo Arajo (1999, p.9):

    No h fronteiras fiscais entre as unidades que compem um mesmo nvel de governo (ouuma confederao), o que torna amplo o escopo para que os impactos de uma dada poltica

    tributria sejam exportados de uma jurisdio para outra. A movimentao interestadual demercadorias e de capitais livre de restries legais de modo que, se a questo da autonomia levada ao extremo e no h harmonizao entre as prticas tributrias subnacionais, sograndes as chances de que as decises dos agentes econmicos e a distribuio geogrficada produo sejam distorcidas por motivos essencialmente tributrios.

    Vimos que mudanas impostas pelo novo contexto internacional tmcomo conseqncia que os impactos de determinada poltica tributria no maisse circunscrevem s fronteiras do territrio nacional, impondo limites at mesmo snaes. Ento possvel que limitaes devam ser impostas tambm autonomiados estados, como o caso da competncia legislativa de imposto tipo IVA (do qual oICMS espcie), em favor de grau mais elevado de harmonizao tributria, para obterneutralidade econmica.

    1.1 DISTINO CONCEITUAL RELEVANTE QUANTO AOS PRINCPIOS DEORIGEM E DE DESTINO NA TRIBUTAO

    Quando os bens e servios so tributados e cobrados no e pelo estado dedestino e a receita a ele pertence, certo que se est diante do princpio de destinopuro, afinal tudo destino (competncia tributria, local de cobrana, titularidadeda receita). Trata-se da desonerao integral das exportaes, modelo mais simples e

    automtico para obter o princpio de destino puro.No obstante, os instrumentos da imunidade, da iseno e da alquota zero, nas

    exportaes para outros pases ou estados, no so as nicas alternativas para alcanaro princpio de destino para alocar o produto da arrecadao. Tributar e cobrar no estadode origem no significa que o titular do produto da arrecadao deva ser o estado deorigem. Princpios de origem e de destino quanto tributao e cobrana so questesque se reportam ao titular da competncia tributria, o sujeito ativo. A cobrana emgeral tambm feita pelo prprio titular da competncia, embora a tarefa possa serdelegada. Origem ou destino quanto alocao (atribuio, repartio, partilha) do

    produto da arrecadao uma outra questo, relacionada ao Ente Poltico titular da

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    receita, o que no precisa estar no campo do direito tributrio, pois pode ser tratadoadministrativamente, no campo do direito financeiro.

    Quando a obrigao tributria estipula como norma que a cobrana no estado

    de origem e que a arrecadao pertence ao estado de destino, est-se diante de queprincpio? Primeiro necessrio identificar se a escolha tem implicaes no campo do direitotributrio se o mecanismo requer a atuao do contribuinte para produzir os resultadosdesejados ou se est no campo do direito financeiro se o mecanismo de partilha,posterior ao ingresso do tributo, afeta os cofres do detentor da competncia tributria, osujeito ativo. As alternativas so vrias, algumas delas exemplificadas a seguir.

    QUADRO 1 - ALGUNS MECANISMOS PARA OPERACIONALIZAR OS PRINCPIOS DE ORIGEM E DEDESTINO

    CAMPO DO DIREITO TRIBUTRIOAdoo de alquota zero nas transaes interestaduais: princpio de destino, tanto em relao tributaoe cobrana quanto em relao alocao do produto da arrecadao.

    Alquota interestadual inferior interna ( o caso do ICMS): princpio de origem restrita (ou misto) com tributao e cobrana parte na origem e parte no destino, com alocao de receita proporcional srespectivas cobranas.

    Sistemtica de substituio tributria, em que a tributao e cobrana ocorrem no estado de origem porparte do estado destinatrio (sujeito ativo o estado de destino): princpio de origem quanto tributaoe cobrana e princpio de destino para alocar o produto da arrecadao.

    CAMPO DO DIREITO FINANCEIRO

    Criao de Fundo para repartir o produto da arrecadao segundo critrio proporcional ao consumo dasjurisdies = princpio de origem quanto tributao e cobrana e princpio de destino para alocar o produtoda arrecadao.

    Cmara de compensao ou encontro de contas para que a jurisdio de origem compense a jurisdio dedestino pelos crditos de imposto que esta ltima suporta em decorrncia de imposto cobrado na jurisdiode origem: princpio de origem quanto tributao e cobrana e princpio de destino para alocar o produtoda arrecadao.

    FONTE: Os autores

    Em mercados integrados recomenda-se que seja adotado o princpio de origem

    para tributar e cobrar campo do direito tributrio e o princpio de destino para alocaro produto da arrecadao, sendo que esta ltima escolha pode afetar o campo dodireito tributrio ou do direito financeiro, a depender do modelo operacional. A receitadeve pertencer ao estado de destino, integralmente ou em elevada proporo, para quea receita disponvel de cada estado guarde relao com o tamanho de seu mercadoconsumidor, o que mais compatvel com o lugar em que o cidado demanda os serviospblicos, minimizando, assim, a competio fiscal entre as jurisdies.

    Com os referenciais tericos a respeito dos princpios de origem e de destino,parte-se para a anlise da coordenao jurisdicional interestadual aplicada ao ICMS.

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    Gedalva Baratto e Mariano de Mattos Macedo

    2 REGIME TRIBUTRIO DO ICMS NAS OPERAES10 INTERESTADUAIS PRINCPIO DE ORIGEM RESTRITA

    Como o ICM (Emenda Constitucional 18/1965 Constituio de 1946) foiatribudo competncia tributria dos estados, desde a sua instituio foi necessrioestabelecer o princpio interjurisdicional, ou seja, o tratamento para as transaesinterestaduais, tendo-se inicialmente optado pelo princpio de tributao no epelo estado de origem. Em 1967, no incio de sua vigncia, o ICM era um impostoharmonizado. A alquota era de 15%, uniforme em todo o territrio nacional, inclusivenas operaes interestaduais (OIs) e de exportao. Ento percebeu-se que se aalquota interestadual fosse inferior aplicada dentro do estado haveria uma partilhamais eqitativa de receita entre o estado de origem e de destino e, assim, a alquotainterestadual poderia ser reduzida para menos que 15%. Foi o incio da saga entreestados consumidores e estados produtores.

    No era factvel que o titular da receita das OIs fosse integralmente o estadode origem, pois concentrava a arrecadao nos estados produtores. Neste aspecto asdivergncias eram menores. O que os especialistas procuraram alertar foi a respeito daforma proposta (utilizada at hoje) para aumentar a receita dos estados consumidores. Asoluo brasileira no foi a de criar cmara ou fundo de compensao, ou mesmo outromecanismo alternativo para carrear receita ao estado de destino. Para no enfrentarum conflito federativo distributivo, a opo foi a de atribuir ao contribuinte (campo dodireito tributrio) a partilha de receita entre origem e destino. O Senado deve fixar asalquotas interestaduais e o faz de modo que as OIs so em parte tributadas no estadode origem e em parte no estado de destino, inclusive com critrios distintos quanto destinao: se a operao oriunda do Sul e Sudeste, exclusive Esprito Santo (S/SE-ES),com destino ao Norte, Nordeste e Centro-Oeste, inclusive Esprito Santo (N/NE/CO+ES),a alquota inferior aplicada para as demais OIs11. O princpio de origem, mas,como financeiramente h uma repartio do produto da arrecadao entre origem edestino, tem sido denominado de princpio de origem restrita (ou misto).

    O risco de distores econmicas e de aumento da sonegao fora alertadopor Wilberg (1972) j no incio da polmica estados consumidores versus estados

    produtores. A autora demonstra matematicamente a distoro na formao dos preosdas empresas, comprovando que uma menor alquota nas OIs daria maior poder decompetio aos produtos oriundos de outros estados em detrimento da oferta internade similares, bem como um desinteresse pela industrializao dentro do estado. Assim,o remdio apontado para melhorar a distribuio de receita de ICM entre os estadospromoveria uma contradio entre a comercializao interna e a interestadual. A autoraconclui que a adoo de alquotas menores nas OIs relativamente s internas constitua

    10 Neste artigo, considerem-se operaes e transaes extensivas a prestaes de servios.11 As alquotas interestaduais devem ser inferiores s internas. possvel que sejam iguais s internas, em vista do

    princpio da seletividade nas alquotas a partir da CF/88, mas trata-se de exceo regra.

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    paliativo financeiro de curto prazo que prejudicaria a economia dos prprios estadosconsumidores futuramente.

    Como na dcada de 1970 as diferenas entre as alquotas internas e as

    interestaduais eram baixas, foi possvel conviver com a sistemtica. Contudo, asdiferenas foram sendo gradativamente elevadas, com a Resoluo do Senado 07/1980,com a Emenda Constitucional 23/1983 e com a Resoluo do Senado 22/1989. Nestaltima, as operaes do S/SE-ES com destino ao N/NE/CO+ES so sujeitas a alquotade 7%; em todas as demais OIs (exportaes e importaes por vias internas) aplicadaalquota de 12%.

    As alquotas interestaduais prevalecem nas operaes entre contribuintes. Nasque destinem bens e servios a consumidor final aplicada a alquota interestadualquando o destinatrio contribuinte do imposto12 e a alquota interna vigente no estado

    de origem quando o destinatrio no contribuinte do imposto (art.155, 2, VII, ae b, CF/88).13

    Importante exceo a esta regra (ao princpio de origem restrita) que o impostono incide sobre OIs relativas a energia eltrica e petrleo inclusive lubrificantes ecombustveis lquidos e gasosos dele derivados quando destinados industrializao ou comercializao (art. 155, X, b, CF/88). Nestes casos vigora o princpio de destinopuro. O assunto polmico, entre outros fatores, porque mercadorias cuja produotambm altamente concentrada em alguns estados, favorecendo suas arrecadaes,no foram excetuadas da regra geral, o princpio de origem restrita.14

    Na importao e na prestao de servio iniciado no exterior incide a mesma erespectiva alquota vigente nas operaes internas, em consonncia com o princpio dedestino, mediante o qual desoneram-se as exportaes e tributam-se as importaes. Nassadas para o exterior, desde o advento da Lei Complementar 87/1996, vigora o princpio purodo pas de destino, ou seja, as exportaes esto integralmente desoneradas de ICMS.

    Quanto ao mrito, esperado que as alquotas interestaduais permitam aosestados mais pobres ditos consumidores auferir um saldo maior de ICMS, resultantede uma menor proporo de crdito de imposto suportado por aquisies em outrosestados. Com alquota interestadual inferior interna o estado de destino suporta valor

    menor de crdito de imposto que incidiu no estado de origem e, em decorrncia, resultaum saldo maior de imposto na operao subseqente (e.g., destinada para consumidorfinal). Como os estados do N/NE/CO+ES compram dos estados do S/SE-ES com alquotade 7%, inferior incidente nas demais OIs (12%), o crdito do imposto suportadopelos primeiros e advindo dos ltimos ainda menor e o efeito distributivo de receita

    12 Hiptese em que cabe ao estado de destino o imposto correspondente diferena entre a alquota interna e ainterestadual (art. 155, 2, VIII, CF/88).

    13 Esta constitui uma das razes pela qual as alquotas internas no podem ser inferiores s interestaduais, entendidasestas pelo piso de 12% e no de 7%, que exceo regra.

    14 Uma outra exceo a Resoluo do Senado n 95/1996, que estabelece em 4% a alquota aplicvel s prestaesde servio areo interestadual de passageiro, carga e mala postal.

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    Gedalva Baratto e Mariano de Mattos Macedo

    potencializado. Este o objetivo da adoo de alquotas interestaduais inferiores sinternas, fcil de ser comprovado do ponto de vista matemtico (financeiro), pois em tesea carga tributria final com alquotas uniformes ou diferenciadas a mesma, diferindo,

    todavia, a apropriao de receita entre os estados nas operaes intermedirias, a favordo estado de destino, vis--vis o princpio de origem pura.

    Desde o incio, ento, s foi levado em conta o efeito matemtico/ financeiroesperado no curto prazo, sem uma reflexo cuidadosa sobre as conseqncias econmicas,apesar do alerta dos especialistas. Demonstraremos que os estados foram tomados poruma iluso tributria, terminologia que emprestamos de Pedrosa (1999, p.8).

    3 ALGUNS PROBLEMAS DECORRENTES DA SISTEMTICA DE ICMSNAS OPERAES INTERESTADUAIS

    claro que se o ICMS fosse de competncia da Unio seria possvel obter maiorneutralidade fiscal, pois para um imposto de competncia do governo central no h oproblema da coordenao jurisdicional interestadual. Dado que nesta circunstncia oimposto opera igualmente em todo o territrio nacional, apenas nas relaes comerciaiscom outros pases necessrio considerar o princpio de jurisdio. Mas se assim fosse,o que dizer da autonomia estadual? Nossa posio pela manuteno da competnciaestadual para o ICMS (ou IVA) no Brasil, ento preciso encontrar e adotar formasmais adequadas para a sistemtica do imposto. Tendo presente que no existe impostoneutro15, o grau possvel de neutralidade que pode ser obtido com atribuio de

    competncia aos estados menor do que se a competncia do imposto fosse federal.No h que se negar o preo pago pela sociedade por um arranjo federativo.

    Vimos que h aproximadamente 35 anos os estados se meteram no matosem cachorro ao optarem por um mecanismo de partilha de receita que delega aocontribuinte a tarefa de cumprir uma obrigao tributria que pretende resultar em umaadequada repartio do produto da arrecadao entre o estado de origem e o estadode destino. Em virtude da fragilidade histrica no federalismo fiscal brasileiro, nuncahouve confiana, cooperao e segurana para criar um sistema de partilha que senvolvesse os estados, prescindindo da atuao do contribuinte. O modelo atual trazuma srie de conseqncias, com afetao neutralidade econmica.

    Um dos problemas que h implicaes em conciliar poltica econmica externae interna utilizando princpios diferentes de tributao, qual seja: nas relaes com oexterior, por inexorvel, adota-se o princpio de destino; e, nas relaes interestaduais, oprincpio de origem restrita. a realidade econmica de uma escolha que j foi feita emnvel global que requer compatibilizar os dois princpios jurisdicionais, independentementeda escolha que venha a ser feita no plano operacional, relativamente ao local detributao e cobrana.

    15 inevitvel a influncia do imposto sobre a composio do preo. Imposto neutro ser o que, provocando como qualquer imposto no pode deixar de provocar efeitos de rendimento, isento, porm, de efeitos de substituio.(BASTO, 1991, p.29).

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    Em que pese o modelo atual ser frgil desde quase o incio do ICM, foi possvelconviver com a sistemtica por um longo perodo, podendo-se mesmo dizer que oarranjo brasileiro apresentava vantagens, pois permitia gerenciar de forma relativamente

    satisfatria o conflito inerente aos princpios da autonomia federativa e da neutralidadeeconmica. Mas a abertura da economia, o aumento da interdependncia entre aseconomias, a concorrncia no plano internacional, a estabilidade monetria que obrigaas firmas a formarem preos a partir de seus custos de produo so fatores que impedemempurrar as ineficincias para os preos.

    Exposto competitividade, o contribuinte cada vez mais se vale da fragilidade domodelo de ICMS nas OIs para sonegar. Como o mecanismo perdeu sua funcionalidade evai contra a lgica econmica, os estados empregam vrias atitudes para desmancharos seus efeitos. Tanto as firmas como os estados, portanto, se defendem da sistemtica

    como podem, conforme exemplos ilustrativos que seguem.Os contribuintes tambm perceberam que poderiam brincar com as alquotas,

    para fazer planejamento tributrio, operao triangular, praticar preos de transfernciae toda sorte de manipulaes que um IVA no-neutro enseja, valendo-se das alquotasinterestaduais mais baixas para, ao fim e ao cabo, suportarem uma carga tributriaefetiva de ICMS menor. Um tipo de sonegao encontra-se nas OIs simuladas:a mercadoria fica no prprio estado de origem, com imposto equivalente a uma alquotamenor do que a que incide nas operaes dentro do respectivo estado. A arrecadaoresulta menor no estado de origem e a diferena no vai para o estado de destino, ficando

    com o contribuinte sonegador. Se a destinao for mesmo outro estado, tambm podeocorrer de o imposto da diferena de alquota no ser recolhido ao estado de destino,desta feita porque a diferena muito elevada e, acrescida da margem de lucro dorevendedor, induz o contribuinte do estado destinatrio a no escriturar a entrada damercadoria, mesmo renunciando ao crdito do imposto, para no escriturar a sada naoperao subseqente.

    A diferenciao de alquotas interestaduais, mais a variedade de alquotasaplicadas s operaes intra-estaduais em virtude do princpio da seletividade em razoda essencialidade dos bens e servios , por si ss j resultam em uma variedade de

    alquotas que provoca uma situao extremamente diversificada, complexa e imprevisvelem termos de tributao. Alm das dificuldades para os contribuintes e para o fisco e deservirem de estmulo sonegao, potencializam as distores no comrcio interestaduale na localizao de investimentos produtivos. Adicionalmente, levando em conta osbenefcios fiscais nas suas mais diversas modalidades, o resultado a ocorrncia deinfinitas alquotas efetivas. Na discusso do Projeto de Emenda Constitucional 41/2003,a imprensa publicou que o Brasil teria 44 alquotas de ICMS. Ocorre que o nmero dealquotas efetivas incontvel quando se consideram as redues na base de clculo,as alquotas reduzidas, os crditos presumidos e outorgados. Pois bem, multiplique-

    se esta diversidade de benefcios pelas alquotas legais praticadas nos 27 estados e

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    veja-se o nmero de alquotas efetivas possveis. Assim, a diversidade de alquotas uma realidade, ainda que no seja correto afirmar que existe uma legislao de ICMSpara cada estado, pois a Lei Complementar que regula o imposto uma s e apenas

    os regulamentos estaduais so diferentes.Com a sistemtica atual, o contribuinte tem que formar um preo diferente

    para cada destinao, o que fica ainda mais complicado pelo fato de o ICMS integrarsua prpria base de clculo.16 Como na prtica a firma no tem como formar tantospreos, em geral ele determinado tomando por referncia a (maior) alquota internae no a (menor) alquota interestadual. Em decorrncia, os contribuintes dos estadosdo N/NE/CO+ES pagam imposto includo nos preos dos bens e servios adquiridos noS/SE-ES com uma alquota equivalente das operaes internas vigente nestes ltimos,inviabilizando a cobrana eficiente, pelo respectivo estado de destino, da diferena de

    alquota e do valor agregado s mercadorias e servios, na operao subseqente.Iseno, reduo de base de clculo, crdito presumido, anistia, remisso

    s podem ser concedidos mediante lei especfica do Ente Poltico ao qual competeinstituir o tributo (art. 150, 6, CF/88; art. 97, VI, Cdigo Tributrio Nacional). Dadaa caracterstica de imposto nacional do ICMS, os benefcios devem ser aprovados pordeliberao dos estados (art. 155, 2, XII, g, CF/88). A Lei Complementar 24/1975,recepcionada pela CF/88, regulamentou a forma de deliberao do Conselho Nacionalde Poltica Fazendria (Confaz), sendo necessria a unanimidade dos representadospara a aprovao das concesses e quatro quintos para a revogao. Os convnios

    podem ser impositivos ou facultativos e, aps ratificao nacional, devem ser acatadospor todos os estados.

    A variada tipologia de benefcios e incentivos fiscais por si s o bastante paraafetar a neutralidade e a simplificao tributria do ICMS e as chances de harmonizaotributria no contexto do Mercosul. Contudo, um aspecto preocupante que se tornoucomum conceder benefcios revelia do Confaz, no contexto da denominada guerrafiscal (BINS, 1999, p.60). O equilbrio e a neutralidade que se espera do ICMS soafetados, renuncia-se vantagem de um tributo que, por ser no-cumulativo, pode sereconomicamente neutro.

    Como h uma contradio entre a comercializao interna e a interestadual,dissemos que os estados adotam medidas para desmanchar/neutralizar o efeito daalquota interestadual menor que a interna. Por exemplo: o sistema prev que o estado A(do N/NE/CO+ES) venda para o estado B (tambm do N/NE/CO+ES) com alquota de12%. Mas o estado A renuncia vantagem inerente ao modelo e razo de sua existncia,edita norma para vender a 7%, revelia do Confaz (guerra fiscal), para poder competir nomercado dos estados do N/NE/CO+ES, caso contrrio os contribuintes neles localizadospreferiro comprar com alquota de 7% nos estados do S/SU-ES.

    16 Como o ICMS incide sobre ele mesmo, a alquota aplicada por dentro, e.g., para uma alquota legal de 17%tem-se uma alquota efetiva de 20,48%, ou seja, 17% / (100% - 17%).

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    Um problema da alquota interestadual menor que a interna quando ocontribuinte adquirente, no estado de destino, no submetido ao regime normal doimposto, como o caso de contribuintes enquadrados em regimes simplificados de

    pagamento microempresas e empresas de pequeno porte sobre os quais incidemalquotas (baixas) sobre o faturamento. Nestes casos no ocorre o efeito recuperao(no estado de destino) do imposto menor incidente no estgio anterior no estado deorigem. Em conseqncia, no acontece a partilha de receita em favor do estado dedestino. Como estes contribuintes no podem apropriar os crditos do imposto incidentenas compras, pois no regime simplificado h um rompimento na cadeia normal dedbitos-crditos, contribuintes destes regimes preferem comprar em outro estado comalquota de 12% ou 7% (a depender da origem) do que dentro do prprio estado.

    Outra modalidade que os estados empregam para lidar, melhor dizendo, para

    neutralizar o efeito das alquotas interestaduais inferiores s praticadas nas operaesintra-estaduais, para que o contribuinte no prefira comprar em outro estado, a adoodo regime do diferimento17 nas operaes intra-estaduais praticadas entre contribuintes,com o objetivo de equiparar a carga tributria interna interestadual. O diferimento comeste objetivo equivale a adotar alquotas efetivas uniformes nas operaes internas einterestaduais, anulando a contradio entre os dois comrcios, todavia s pode faz-lonivelando as alquotas por baixo. Operacionalmente e como exemplo, para uma alquotaintra-estadual de 18% concedido diferimento de 33,33% do ICMS, de modo que aalquota efetiva resulte em 12%, sendo a diferena de tributao deslocada para incidir

    em estgio posterior de circulao, por ocasio da sada destinada a no-contribuintedo imposto e para consumidor final (ltimo estgio).

    Logicamente, o diferimento deve ser encerrado em determinado estgio dacirculao, para que a parcela da carga tributria diferida seja recuperada. O mecanismodeve ser automtico, pois no estgio em que se encerra o diferimento o contribuinte tem umdbito maior do que o crdito por entradas, resultando em maior saldo devedor de impostodo que aquele que resultaria na ausncia do diferimento em qualquer dos estgios.

    Contudo, nem sempre o efeito recuperao acontece. No ocorre secontribuintes enquadrados em regime simplificado de pagamento puderem comprar com

    tal diferimento, pois na operao posterior eles no so sujeitos a alquotas normais esistemticas de dbitos-crditos, conforme antes referido. Dispensados do pagamentoda parcela de imposto que foi diferida, o efeito de iseno. Perdas de arrecadaotambm podem ocorrer porque o estgio em que a parcela de imposto diferido deveser recuperada mais exposto sonegao, por ser mais pulverizado, pois em geraltrata-se de estabelecimentos do comrcio varejista.

    Esse tipo de diferimento demonstra o malabarismo dos estados para contornara verdadeira barreira alfandegria s avessas que representa a sistemtica de ICMSnas OIs, com alquotas menores que as intra-estaduais.

    17 Diferimento equivale ao regime de substituio tributria para as operaes antecedentes.

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    Outro problema a afetao nas decises sobre a localizao das unidadesprodutivas. Como o princpio de origem restrita vigente aloca proporo significativa doproduto da arrecadao ao estado de origem da operao, indutor de uma verdadeira

    guerra fiscal travada entre os estados.Os problemas anteriores descritos tambm podem ser caracterizados como

    instrumentos da guerra fiscal, a depender da interpretao que se d ao fenmeno.Do ponto de vista jurdico, sempre que concedido benefcio revelia do Confaz est-se diante do fenmeno da guerra fiscal. Muitas so as batalhas e as armas utilizadas,a munio parece ser infindvel, tamanha a criatividade dos estados para as estratgiasda guerra, sendo impossvel descrever tudo neste artigo.

    H um vnculo muito estreito entre a guerra fiscal e a atribuio de competnciaestadual para imposto do tipo IVA no Brasil, notadamente com adoo do princpio de

    origem restrita e alocao do produto da arrecadao. Como a apropriao de receitado imposto fica fortemente vinculada ao local da produo, o estado de localizao daatividade produtiva, torna-se bastante conveniente para o estado atrair a instalao domaior nmero possvel de empresas, bem como estimular a expanso das empresas jexistentes, concedendo benefcios fiscais.

    A crise econmica e o esvaziamento dos recursos federais destinados a polticasregionais acirraram a autofagia entre os estados. Na ausncia de uma poltica regionalde desenvolvimento, os dirigentes pblicos lanaram mo do nico instrumento de quedispunham, o ICMS.

    Quanto s armas da guerra, em uma primeira dimenso pode-se separaros benefcios concedidos pela via oramentria (despesa pblica) e pela via da receita.Benefcios previstos no oramento pblico so mais transparentes, sempre existiro,e no provocam graves distores no funcionamento do imposto (cadeia normal dedbitos-crditos). No obstante, esta alternativa tem sido evitada pelos estados devido limitada margem de manobra oramentria, decorrente de excessivas vinculaes.Ento resta a via da renncia de receita, mediante concesses de benefcios fiscais,tais como os que:

    a) reduzem o dbito do imposto: reduo de alquota, iseno, reduo de

    base de clculo;b) aumentam o crdito do imposto: crdito presumido ou outorgado;

    c) reduzem o saldo devedor do imposto: diretamente (desconto sobre o valornominal ou real devido) e indiretamente (recolhimento em prazo maiorque o normal, sem correo monetria e sem juros, ou com correomonetria parcial).

    A sangria das batalhas foi (relativamente) contida pela Lei Complementar24/1975, enquanto o contexto poltico era ditatorial. Em contexto democrtico esta

    lei no cumprida, pois ela no estabelece punies eficazes para a nova realidade.Ainda que um estado impetre ao direta de inconstitucionalidade (ADIN) no Supremo

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    Tribunal Federal e ganhe a causa, quando isto ocorrer o dano na economia j ter sidofeito e, no raro, irreversvel. Como no Brasil as instituies legais so historicamentefrgeis no sentido do cumprimento das normas, necessrio que elas sejam aderentes

    lgica econmica para aumentar a chance de serem acatadas.A Lei Complementar 24/1975, que j tem mais que 30 anos, no cumprida

    e ningum punido. H que se concluir que a realidade est se impondo ao formal/legal. inerente s caractersticas do ICMS a sua utilizao como instrumento depoltica econmica. Enquanto os governantes visualizarem na guerra fiscal vantagenspolticas e econmicas, a lei dificilmente ser cumprida. Segundo Varsano (1997), anao precisa fazer uma escolha: ou convive com a guerra fiscal ou muda a sistemticade tributao do ICMS nas OIs. Com o tributo vinculado capacidade de produofica difcil condenar a atitude dos dirigentes pblicos, ainda que se identifique o carter

    predatrio e autofgico da guerra. Na falta de um articulador nacional, talvez umainstncia supraestadual que regule, policie, fiscalize e puna, o jogo acaba mesmo sendoconduzido na base do quem pode mais chora menos.

    O princpio da autonomia tributria sempre invocado para justificar amanuteno do modelo atual de ICMS nas OIs. Considera-se que no vale a pena umaautonomia que obstaculiza a integrao do mercado nacional, favorece importaesdo exterior em detrimento de aquisies em outros estados, impe mais restries aocomrcio interestadual do que ao comrcio internacional, distorce os preos relativosda economia em virtude de assimetrias de natureza tributria, favorece a concorrncia

    desleal entre contribuintes que se valem de toda sorte de planejamento e eliso tributria em prejuzo de contribuintes idneos , fragiliza as relaes federativas eprejudica os estados mais pobres.

    Conciliar autonomia federativaversus neutralidade econmica (harmonizaotributria) impe escolhas, identificar o ponto de equilbrio. Ganho em neutralidadeprovoca perda em autonomia. Conciliar significa identificar e informar at onde deveir um princpio para no invadir o outro, quanto necessrio abrir mo de um paraassegurar o outro.

    4 ALTERAO DO MODELO ATUAL DE ICMS APLICADO SOPERAES INTERESTADUAIS GANHADORES E PERDEDORES

    Uma ordem de problemas para que os estados se livrem da sistemtica atual deICMS das OIs que o regime atual resulta em situaes altamente diferenciadas. O perfildas balanas comerciais interestaduais indica diversas situaes, como as que se seguem,que permitem problematizar as dificuldades existentes para alterar o modelo vigente:

    a) estados das regies N/NE/CO+ES, tanto superavitrios na Balana ComercialInterestadual quanto extremamente deficitrios, encontram-se na mesmaregra de tributao, ou seja, comprando a 7% do S/SE-ES e vendendo a 12%

    para todos os estados. Assim, para o estado do N/NE/CO+ES superavitrio

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    Gedalva Baratto e Mariano de Mattos Macedo

    na Balana Comercial Interestadual, do ponto de vista financeiro, a regraatual mais vantajosa do que se fosse a do princpio de destino puroquanto repartio de receita. Estes estados, a rigor, no poderiam estar

    classificados na condio de consumidores;b) para alguns estados mdios do N/NE/CO+ES, com dficits baixos na

    Balana Comercial Interestadual, a sistemtica atual do ICMS tambm lhes conveniente porque compram a 7% do S/SE-ES e vendem a 12% para todosos estados, ou seja, so deficitrios na Balana Comercial Interestadual, masso superavitrios no saldo de imposto das OIs (dbitos menos crditos);

    c) o modelo no protege justamente quem deveria, que so os estadospequenos, com elevados dficits na Balana Comercial Interestadual, e queseriam favorecidos com o princpio de destino integral quanto repartiode receita.

    Portanto, quando se afirma que deve haver solidariedade entre os estados, ouque So Paulo contra o princpio de destino para alocar a receita, bom ter presenteque h estados do N/NE/CO que desejam que as coisas fiquem como esto. Vriosestados precisam livrar-se da iluso tributria que o modelo de ICM/ICMS nas OIsprovoca, em favor de uma alternativa mais justa de equalizao de receitas na federaoe mais lgica para a economia.

    No possvel analisar neste espao informaes da Balana Comercial

    Interestadual dos estados, mesmo porque os estudos so sigilosos e no tm divulgaoautorizada pelo Confaz. Apresentam-se apenas uns poucos indicadores da dimensodo fluxo interestadual. O Sistema Integrado de Informaes Econmico-Fiscais (SINIEF)indica que o comrcio interestadual representou 25,5% do comrcio total com bens eservios em 2002 (67,5% foram operaes intra-estaduais e 7% foram destinadas aoexterior). Trata-se de valores contbeis, nas operaes e prestaes de sada, declaradaspor contribuintes do ICMS. Valores contbeis incluem operaes no tributadas, taiscomo imunidades, isenes, redues na base de clculo e outros benefcios fiscais.No que se refere aos valores base de clculo do ICMS, apenas operaes e prestaesde sadas interestaduais tributadas, em 2001, 30,5% foram destinadas a estados doN/NE/CO+ES e 69,5% a estados do S/SE-ES.

    CONCLUSO

    Problematizamos que o sistema atual de ICMS aplicado s transaesinterestaduais precisa ser alterado. Dissemos que a sistemtica complexa, afeta asrelaes comerciais dos agentes econmicos (pois no h harmonizao legislativa eneutralidade tributria), indutora de guerra fiscal entre os estados, geradora de tenses

    federativas e fragiliza o pacto federativo. O preo tem sido muito alto, suficiente parajustificar a necessidade de mudana, havendo um agravante adicional. Demonstramos

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    que a sistemtica no tem sido eficaz para reduzir as desigualdades estaduais no Brasile, em decorrncia, no assegura eqidade horizontal na partilha de recursos do ICMS,que o objetivo do modelo de adoo de alquotas interestaduais inferiores s aplicadas

    s operaes intra-estaduais.Nos debates que antecederam e que sucederam a CF/88, enfatizou-se a

    convenincia de se adotar o princpio de destino no que diz respeito alocao de receitacomo um caminho importante para se dar tributao sobre o valor agregado no Brasila natureza de imposto de consumo, mas as condies polticas ento prevalentes nopermitiram alterar a sistemtica (PEDROSA, 1999).

    A adoo do princpio de origem para tributar e cobrar, e de destino para alocaro produto da arrecadao, embora mais do que comprovada no plano tcnico (pelomenos desde a CF/88), no consegue produzir convencimento no plano poltico para que

    o modelo atual nas OIs seja alterado. Vrios estados apegam-se aos clculos de perdas,sem levar em conta que no longo prazo um mecanismo de melhor qualidade produzganhos para todos. No modelo atual quem ganha o contribuinte, pois o que acabapor prevalecer a alquota interestadual, porque os estados foram obrigados a lanarmo de um variado cardpio de mecanismos e benefcios na tentativa de salvaguardarseu mercado interno e seus anseios de crescimento. Acaba por prevalecer a alquota de12%. possvel obter carga tributria mais elevada nas hipteses que ficam protegidasdo modelo de ICMS aplicado s OIs, como o caso do ICMS sobre combustveis,energia eltrica e servios de comunicao, que a rigor se aproximam mais de um

    imposto seletivo do que de um imposto do tipo IVA e para as quais j vigora o princpiode destino na atribuio de receita. A produtividade fiscal tambm preservada para ocaso de produtos submetidos ao regime de substituio tributria, que est mais paraum imposto monofsico do que para um imposto plurifsico.

    Uma das alternativas, j conhecida dos estudiosos e que passou a sercontemplada na maioria das propostas de reforma tributria desde 1995 , reside nauniformizao das alquotas do ICMS nas operaes entre os estados, por meio daeliminao da alquota interestadual reduzida e diferenciada. Trata-se de adoo doprincpio de tributao exclusivo no estado de origem, o mais indicado para mercados

    integrados, seja em contextos federativos, seja em pases que integram blocos regionaise que visam obter nveis mais elevados de integrao, com eliminao de fronteirasfiscais. A adoo do princpio de tributao exclusivo no estado de origem comportadiversos mecanismos alternativos para que os estados deficitrios nas OIs sejamcompensados pelo imposto cobrado integralmente no estado de origem, ou seja, paraque o produto da arrecadao seja alocado ao estado de destino dos bens e servios(integral ou na maior proporo). Neste aspecto, como o que est em jogo umadiviso horizontal de receitas (entre os estados), fica-se diante de uma opo poltica,vinculada a determinados atributos e escolhas que diferem em cada pas em particular

    organizado como uma federao, ou seja, qual proporo de receita deve pertencer

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    Gedalva Baratto e Mariano de Mattos Macedo

    ao estado de origem e ao de destino questo que dificilmente pode ser resolvida porcritrios puramente econmicos. Enfim, como o modelo terico recomendvel difereda alocao que deve ser dada ao dinheiro, necessrio dissociar uma coisa da outra.

    Para melhorar o imposto a cobrana deve ser na origem; para melhorar a repartiode renda o dinheiro deve pertencer o mais prximo possvel do local em que o cidadoreside e demanda servios pblicos.

    Procuramos demonstrar que os modelos alternativos para alterar a sistemticavigente precisam levar em conta e conciliar autonomia federativaversus neutralidadefiscal (harmonizao e simplificao tributria). De um lado, um princpio de naturezapoltico-institucional e, de outro, requisitos vinculados eficincia econmica. Soobjetivos e valores que, ao mesmo tempo em que so interdependentes, portamum maior ou menor grau de conflito e antagonismo. Conforme Viol (1999, p.5), asfederaes sempre precisam enfrentar o dilema que envolve otrade-offcentralizaoversus descentralizao, competncias tributrias prpriasversus participao em tributoscentralizados, autonomiaversus neutralidade (harmonizao e coordenao).

    Comprovada a necessidade de mudana, caberia partir para a anlise dasalternativas para alterar o sistema, especificar para um dos modelos, detalhar osmecanismos operacionais mais adequados para a tributao, cobrana e repartio doproduto da arrecadao do ICMS incidente nas OIs. Dada a complexidade e variedadede alternativas, esta tarefa no pode ser enfrentada neste texto. Retenha-se apenas que

    todas as alternativas tm virtudes e defeitos e que a opo no requer apenas estudospara visualizar as implicaes, mas tambm discusso e amadurecimento poltico-institucional, para ter chance de ser assimilada. Apenas oferecemos uma tipologia tilpara classificar os vrios modelos para o ICMS (ou IVA) nas operaes interestaduais,tipologia esta que privilegia o grau de autonomia que pode ser obtido pelo detentor dacompetncia legislativa do ICMS ou IVA:

    a) competncia tributria (legislativa) da Unio;

    b) competncia tributria compartilhada entre a Unio e os estados;

    c) competncia tributria dos estados com cobrana integral no estado de

    destino;d) competncia tributria conjunta dos estados com cobrana no estado de

    origem, bloco este que comporta tanto modelos em que o sujeito ativo oestado de origem (com a cobrana tambm no estado de origem) quantomodelos em que o sujeito ativo o estado de destino (todavia a cobrana no estado de origem).

    O leitor interessado pode encontrar a explicitao desta tipologia, bem comoa anlise de modelos de ICMS (ou IVA) para as OIs, na dissertao referida no incio

    deste artigo.

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    Encerramos dizendo que em uma federao marcadamente desigual como abrasileira necessrio buscar um melhor equilbrio entre autonomia e harmonizao,ou seja, discutir em que grau possvel preservar a autonomia federativa dos estados

    em face das presses por harmonizao tributria. Uma vertente da discusso a decomo imprimir um carter menos competitivo e mais cooperativo ao federalismo fiscalbrasileiro, sendo a guerra fiscal travada entre os estados o exemplo mais emblemtico dasmanifestaes recorrentes de antagonismo e de ausncia de estmulos cooperao.

    REFERNCIAS

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