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ISSN 2177-8892 1342 IDEÁRIO PEDAGÓGICO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES: ANÁLISE A PARTIR DA PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA Rodrigo Vieira Teixeira Ana Carolina Galvão Marsiglia Grupo de pesquisa “Pedagogia histórico-crítica e educação escolar” Universidade Federal do Espírito Santo E-mail: [email protected] INTRODUÇÃO Tendo em vista a superação da lógica produtiva do capital, que hoje se insere em todos os âmbitos da sociedade e, consequentemente está presente na educação, nota-se um diverso tratamento possível às questões da escola, do processo de ensino e aprendizagem e da formação de professores. Nos dedicaremos, prioritariamente, à formação de professores, entendendo que esta é uma das múltiplas determinações que direcionam a educação sistematizada na atual conjuntura. No decorrer do século XX o mundo passou por diversas transformações sociais. O modo de produção capitalista cresceu, se modificou e trouxe com isso novas necessidades a serem atendidas por suas emergentes demandas. A educação começa a caracterizar-se de maneira diferente. A humanização dos indivíduos, antes ideal prioritário para formação do ser humano e que propunha a educação como seu instrumento, começa a diluir-se nos propósitos de uma “humanização burguesa”. Assim, ela atinge o cerne da educação escolar, inclusive na formação de professores, distorcendo o sentido real do valor humano, convertendo-o em valores regidos pela lógica do capital, e que perduram até os dias atuais. Como explica Martins (2010, p. 16): Ao longo do século XX, os ideais humanizadores da educação escolar; ainda que nos limites da humanização burguesa propalada nos primórdios da educação escolar; esvaem-se pelos meandros de sucessivas formas e reformas pelas quais se ordenou a sociedade do capital. Em estreita sintonia com essa ordem se estruturaram e se reafirmaram, de modo orgânico, os ideários pedagógicos que hegemonicamente nortearam, e continuam norteando, tanto a prática docente quanto (e para tanto!), a formação de professores.

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IDEÁRIO PEDAGÓGICO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES: ANÁLISE A

PARTIR DA PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA

Rodrigo Vieira Teixeira

Ana Carolina Galvão Marsiglia

Grupo de pesquisa “Pedagogia histórico-crítica e educação escolar”

Universidade Federal do Espírito Santo

E-mail: [email protected]

INTRODUÇÃO

Tendo em vista a superação da lógica produtiva do capital, que hoje se insere em

todos os âmbitos da sociedade e, consequentemente está presente na educação, nota-se

um diverso tratamento possível às questões da escola, do processo de ensino e

aprendizagem e da formação de professores. Nos dedicaremos, prioritariamente, à

formação de professores, entendendo que esta é uma das múltiplas determinações que

direcionam a educação sistematizada na atual conjuntura.

No decorrer do século XX o mundo passou por diversas transformações sociais.

O modo de produção capitalista cresceu, se modificou e trouxe com isso novas

necessidades a serem atendidas por suas emergentes demandas. A educação começa a

caracterizar-se de maneira diferente. A humanização dos indivíduos, antes ideal

prioritário para formação do ser humano e que propunha a educação como seu

instrumento, começa a diluir-se nos propósitos de uma “humanização burguesa”.

Assim, ela atinge o cerne da educação escolar, inclusive na formação de

professores, distorcendo o sentido real do valor humano, convertendo-o em valores

regidos pela lógica do capital, e que perduram até os dias atuais. Como explica Martins

(2010, p. 16):

Ao longo do século XX, os ideais humanizadores da educação escolar;

ainda que nos limites da humanização burguesa propalada nos

primórdios da educação escolar; esvaem-se pelos meandros de

sucessivas formas e reformas pelas quais se ordenou a sociedade do

capital. Em estreita sintonia com essa ordem se estruturaram e se

reafirmaram, de modo orgânico, os ideários pedagógicos que

hegemonicamente nortearam, e continuam norteando, tanto a prática

docente quanto (e para tanto!), a formação de professores.

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As pedagogias que no decorrer do século XX, se autodenominaram como

partícipes de uma educação moderna, democrática e humanista, ainda no mesmo século

começam a demonstrar os primeiros sinais de esgotamento, pois o modo de produção

capitalista começa a se alterar e com isso, uma “modernização”, que sugeria os

chamados “novos tempos”, ganha espaço na educação sistematizada. Assim, nas

décadas de 1960 e 1970, a ordem social é referenciada, quase que autoritariamente, a

um novo modo de acumulação flexível de capital, em que os condicionantes norteadores

educacionais pleiteavam a formação dos indivíduos subjugados a essas mudanças. Cada

vez mais a educação vai se concretizar como peça fundamental para que o trabalho

humano seja entendido como emprego e o indivíduo como mercadoria.

As pedagogias e documentos oficiais que influenciaram o século XX e vem

determinando as diretrizes hegemônicas na educação foram, de forma geral, e mais

especificamente a partir da segunda metade do século, influenciadas por orientações

advindas de instituições e organizações internacionais, como: Organização das Nações

Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), Fundo das Nações Unidas

para a Infância (UNICEF), Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional (FMI), entre

outras. Esse processo levou os países periféricos a ficar diante das imposições, por

exemplo, do Consenso de Washington, que se apresentou com princípios humanistas,

mas submetendo-se à lógica mercadológica capitalista. Portanto, permanece na

educação o modo de produção capitalista, que se evidencia com os objetivos de

qualidade, produtividade e equidade com a máxima racionalização e otimização dos

recursos já existentes (MARTINS, 2010).

Impõe-se, ao longo do século XX e mais fortemente a partir da década de 1990,

na formação dos professores, a retórica de atender os preceitos mercadológicos que se

alargam no neoliberalismo pós moderno, buscando formar educadores que sejam “[...]

eficientes, operacionais, proativos. Não por acaso itens como gestão, relação escola e

desenvolvimento regional, pesquisa de sua prática, trabalho em equipe, competência são

bastantes destacados” (SANTOS, 2013, p. 141). Diante desse quadro, a formação do

professor serve à adaptação do indivíduo ao mercado capitalista neoliberal, levando ao

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esvaziamento de conteúdos humanizadores e clássicos, essenciais para a constituição de

uma sociedade emancipada.

Uma das pedagogias mais reverenciadas a partir da década de 1990 é a

Pedagogia das competências, que se afirma defendendo que nada pode ser tomado como

universal, pois as competências devem atender as necessidades individuais da vida do

sujeito. Nesse sentido, a aprendizagem do aluno (seja ele criança, adolescente ou adulto,

incluindo o professor em formação) se resume ao necessário “[...] para manter-se na

condição de exploração em que se encontra” (MARSIGLIA, 2011, p. 59).

Em acordo com o PNE, na Pedagogia das competências há uma valorização da

prática em detrimento da teoria, levando à valorização do conhecimento para o mercado

e não para o processo de humanização do indivíduo. Como afirma Martins (2004, p.

71):

[...] subjugar os indivíduos a um modelo educacional a serviço da

continuidade adaptativa significa ficar a meio caminho no exercício de

sua função precípua, bem como aceitá-la apenas com essa tarefa

significa compartilhar de sua mutilação, cujas cicatrizes se expressam

nas mazelas decorrentes da manutenção da ordem social capitalista,

entre as quais se destacam o empobrecimento objetivo e subjetivo dos

indivíduos, o sofrimento físico e psíquico, a violência etc., enfim, o

esgarçamento das bases sociais valorativas que conferem o significado

e o sentido da vida humana.

É importante ressaltar que a Pedagogia das competências não descarta

totalmente os conteúdos teóricos e clássicos, mas sim os secundariza, deixando clara a

essência de suas propostas. Santos (2013, p. 146, grifo do autor), fazendo referência à

Perrenoud (expoente da Pedagogia das competências) afirma que o autor “[...] tem o

cuidado de não rechaçar o conhecimento teórico como um todo na escola: é preciso

outros métodos, porem, com menos conteúdos. Este seria o indicio de uma mudança

em profundidade”.

Nosso destaque à Pedagogia das competências nesse trabalho se deve ao fato de

que esta é uma referência fortemente presente no Currículo Básico Escola Estadual

(CBEE) proposto pela Secretaria de Educação do Espírito Santo (SEDU). Vejamos, por

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exemplo, a passagem a seguir, sobre competências e habilidades contida no documento

oficial espírito-santense:

As competências são entendidas como a “capacidade de agir em

situações previstas e não previstas, com rapidez e eficiência,

articulando conhecimentos tácitos1 e científicos a experiências de vida

e laborais vivenciadas ao longo das histórias de vida”. As habilidades

são entendidas como desdobramentos das competências, como parte

que as constituem. Comumente, expressam a forma de o aluno

conhecer, fazer, aprender e manifestar o que aprendeu (ESPÍRITO

SANTO, 2009, p. 28).

Logo, os conhecimentos escolares não são, prioritariamente, universais e sim,

expressam a individualidade alienada dos sujeitos. A Pedagogia das competências dá

centralidade ao aluno, como responsável pelo seu próprio aprendizado, como podemos

verificar em passagem do quarto eixo do CBEE, denominado “A aprendizagem como

direito do educando”:

Na escola, o aluno é o centro do processo educativo e, em função dele,

as ações educativas devem ser planejadas e executadas. Cabe ao

educador comprometer-se com a dinamização desse processo,

assumindo o lugar de mediador. No direito de aprender se insere o

direito a um ambiente e contextos de aprendizagens adequados às

necessidades e expectativas do educando, em que a prática educativa

seja sustentada: por um currículo aberto à vida, que promova a

conquista da autonomia intelectual do sujeito aprendiz; pela promoção

da capacidade do aluno de aprender a aprender e aprender a

desaprender (quando necessário); pelo desenvolvimento de

competências e atitudes criativas; pela promoção do aprender a

dialogar como condição fundamental do processo de construção do

conhecimento, cuja base se expressa na aquisição da leitura, da escrita

e dos conhecimentos matemáticos; pelo reconhecimento de que toda

ação envolve interação num contexto dinâmico e relacional; e, acima

de tudo, pela promoção da aprendizagem da cooperação e da

solidariedade como condição de superação dos fatores de exclusão,

preparo para o exercício da cidadania e aprendizagem ao longo da

vida (ESPÍRITO SANTO, 2009, p. 24-25).

Como já anunciado, desejamos problematizar quais as implicações da formação

de professores pautada pela Pedagogia das competências e outras expressões de 1 Conhecimento tácito, de acordo com Duarte (2003), é o conhecimento cotidiano não-científico. Ver

também, Teixeira (2013).

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pedagogias pós-modernas, que marcam as concepções educativas e norteiam o trabalho

docente. A seguir, apresentaremos a primeira revisão de literatura realizada sobre

pesquisas realizadas no Estado do Espírito Santo, sobre formação de professores.

A PRODUÇÃO ACADÊMICA SOBRE FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO

ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

Tendo em vista os objetivos de nosso estudo, é importante identificar a produção

acadêmica já desenvolvida, especialmente no que se refere aos trabalhos sobre a

formação de professores no Espírito Santo e a base teórica utilizada pelos

pesquisadores.

Realizamos um busca no banco de dissertações e teses da Coordenação de

Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo descritor “formação de

professores”, selecionando a partir da área de conhecimento “educação”, em Programas

de Pós-Graduação em Educação, no período de 2010 até junho de 2014, restringindo a

busca ao Estado do Espírito Santo2. Foram encontradas 12 dissertações e 12 teses

defendidas que se relacionam ao nosso tema.

Pudemos observar que apenas três dissertações e três teses se referem

diretamente ao Ensino Fundamental I (Anos Iniciais). As dissertações tratam

especificamente da formação de professores no ensino de Matemática, na educação

especial e articulando com a temática do racismo. No caso das teses, uma delas realiza

reflexão sobre a arquitetura dos grupos escolares primários no início do século XX e

outras duas têm como sujeitos aqueles que pertencem ao espaço escolar do Ensino

Fundamental I, sendo uma relacionada à educação especial e outra ao currículo

praticado/prescrito. Por fim, há uma dissertação que anuncia a utilização do referencial

teórico materialista histórico dialético. Apresentaremos brevemente o conteúdo dos

trabalhos localizados.

2 Assim, só localizamos o Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito

Santo. Pretende-se aprofundar e ampliar essa consulta ao longo da pesquisa.

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Dissertações:

Rodrigues (2011) objetivou analisar narrativas de professores da educação

infantil de Vitória-ES, que potencializam a formação continuada. A autora trabalhou

com o referencial teórico pós-estruturalista e concluiu que é importante a valorização

das experiências docentes como ações micropolíticas e produzem efeito na formação

continuada, no currículo e, consequentemente, numa educação de qualidade.

Na dissertação de Guedes (2011), utilizou a metodologia de estudo de caso para

analisar o Programa de Educação Escolar Pomerana (Proepo) em Santa Maria de Jetibá-

ES a partir de fundamentação teórica de autores pós-modernos e concluiu que trata-se

de uma iniciativa de formação continuada que favorece política e pedagogicamente a

cultura pomerana, pois a valoriza por meio do fortalecimento da língua materna em

diversos municípios do Estado, tendo impacto na implementação de políticas culturais

públicas locais.

A pesquisa de Zanon (2011) procurou compreender quais as questões que

emergem em momentos de formação continuada de professoras que ensinam

Matemática no Ensino Fundamental I (conhecimentos, crenças, concepções e

aprendizagens, seu processo pedagógico e sobre si mesmas). Realizou uma investigação

qualitativa do tipo pesquisa-ação, durante 5 meses, com 23 professoras da zona rural de

Castelo-ES, adotando as perspectivas teóricas de Chapman, Ernest, Gómez Chacón,

Placco e Souza, Santos, Santos-Wagner, Shulman, Thompson e Parâmetros Curriculares

Nacionais de Matemática para os Anos Iniciais. Conclui que o trabalho colaborativo

realizado na formação continuada favoreceu a construção de ações significativas de

sentido pessoal e profissional, propiciando o desenvolvimento de processos de

consciência metacognitiva.

Miranda (2011) realizou um estudo qualitativo pautado pelas ideias de Paulo

Freire, Carvalho, Nóvoa e Brandão sobre o processo de formação dos profissionais de

uma escola do campo de Colatina-ES. Concluiu que o processo formativo dialogado,

situado nas experiências dos docentes, mobilizou os sujeitos da pesquisa, que passaram

a participar ativamente da formação.

No trabalho de Effgen (2011), os interlocutores são Sacristán, Meirieu e Nóvoa,

bem como autores da área de educação especial, uma vez que a dissertação investigou,

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por meio de observação do cotidiano escolar, da instituição de formação continuada e de

ações colaborativas para implementação de práticas pedagógicas de acesso ao currículo

comum, suas possibilidades na escolarização de alunos especiais em processos de

inclusão escolar nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Conclui que a formação

continuada pode indicar novas e bem sucedidas práticas pedagógicas articuladas entre a

escola comum e o atendimento especializado para alunos especiais.

A dissertação de Machado (2011) é um estudo sobre o racismo no Brasil entre e

para com os estudantes dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, que problematizou as

práticas racistas dos professores e como a formação destes se apresenta na dinâmica

entre o currículo praticado e o Projeto Político Pedagógico de uma instituição de

Vitória-ES. Utiliza conceitos da cartografia, dos Estudos Culturais, da análise histórica

e de intercessosres que discutem os saberes e poderes no cotidiano escolar. Os

resultados indicam que a discussão racial aparece no espaço escolar, mas ainda de forma

mutilada e rudimentar.

Tatiana Borel (2012) tomou como interlocutores teóricos Ginzburg e Bloch e

examinou as ideias presentes no Curso de Formação da Escola de Educação Física do

Espírito Santo e suas repercussões na prática pedagógica de seus egressos. A autora

sinaliza nas discussões finais que a formação de professores de educação física do

Espírito Santo, ainda que tenha sofrido com dificuldades estruturais, se destacou e

serviu de modelo para outros estados brasileiros, o que é possível concluir pela

constante menção às escolas capixabas nos meios de comunicação.

A pesquisa de Faria (2012) utilizou a metodologia cartográfica e objetivou

compreender os movimentos formativos que se desenrolam em meio a um grupo de

docentes do Curso de Administração de uma instituição privada do Espírito Santo.

Conclui que no processo de experiência formativa os docentes se potencializam em sua

atuação e na afecção que os constituem.

No trabalho de Scopel (2012) o objetivo foi investigar a elaboração dos Projetos

Políticos Pedagógicos (PPP) dos cursos do Programa Nacional de Integração da

Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e

Adultos (Proeja) dos cursos técnicos integrados ao ensino médio do IFES, campus

Vitória. Os resultados obtidos indicam as contradições do processo de construção dos

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Projetos, entre a gestão pedagógica, administrativa e financeira do IFES, além da

partilha de saberes e experiências dos sujeitos envolvidos. Entretanto, destaca que os

resultados esperados não foram alcançados e os desafios para implementação dos PPP

continua.

O referencial teórico anunciado é o materialismo histórico-dialético, utilizando

como metodologia a etnografia e a pesquisa-ação. Tendo em vista que nosso estudo

também se propõe a utilizar como referencial teórico-metodológico o materialismo

histórico-dialético, entendemos que é necessário dar um breve destaque ao seu uso na

pesquisa realizada por Scopel (2012).

As metodologias indicadas (etnografia e pesquisa-ação) se definem pela relação

intersubjetiva entre o pesquisador e seu objeto, sempre recortado de um grupo social

analisado. Destinam-se, portanto, a colocar o pesquisador em vivência direta com a

realidade pesquisada, objetivando sua descrição complexa. Entretanto, esse tipo de

pesquisa qualitativa, por sua característica primordialmente descritiva, resulta na

dificuldade de generalizações. Nesse sentido, como explica Martins (2006, p. 9; 13,

grifo da autora)

[...] ao conferir tamanha importância ao mundo empírico, os modelos

qualitativos de pesquisa acabam por preterir a análise da empiria

fetichizada que caracteriza a sociedade capitalista. Descentrando suas

análises das metanarrativas, os percursos qualitativos aprisionam- se

ao empírico, ao imediato, furtando- se ao entendimento essencial dos

fundamentos da realidade humana. [Assim,] Na medida em que as

abordagens qualitativas privilegiam as dimensões da realidade em

suas definibilidades exteriores em detrimento de seus fundamentos

ontológico-históricos, incorrem num grande risco: caminhar da

pseudoconcreticidade para um pseudoconhecimento, a ser, muito

facilmente, capturado pelas ideologias dominantes e colocado a

serviço da manutenção da ordem social que universaliza as relações

sociais de alienação.

Dessa maneira, pela concordância com Martins (2006), nossa proposta de

pesquisa diferencia-se daquela realizada por Scopel (2012).

Guimarães (2012) também se debruçou sobre o Proeja, mas tendo como campo

de pesquisa o IFES, campus Colatina e foco na inclusão dos alunos no Programa. A

autora utiliza fontes históricas e conceituais da EJA, dialogando com a produção do

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campo trabalho e educação e outros autores que tematizam os processos de exclusão e

inclusão escolar. A partir da análise realizada, conclui que o EJA é opção para os

estudantes concluírem o ensino médio mais rapidamente e que o Proeja do IFES

Colatina não tem conseguido atender os alunos com trajetórias descontinuadas de

escolarização.

Na dissertação de Vargas (2012), o objetivo foi problematizar as redes de

“saberesfazeres” de uma escola do município de Cachoeiro de Itapemirim-ES,

evidenciando possibilidades criativas que valorizam as experiências de alunos e

professores constituídas no cotidiano escolar a partir de referencial teórico pós-crítico.

A experiência da autora lhe permitiu vivenciar os usos e transformações dados pelos

sujeitos às propostas curriculares produzidas no âmbito da Secretaria Municipal de

Educação.

A pesquisa de Jesus (2012), anunciada como pesquisa qualitativa de abordagem

etnográfica de estudo de caso foi realizada em Vila Pavão-ES. Trata-se de estudo sobre

a educação do campo e a agricultura familiar, que recorre a diversos autores, de

diferentes perspectivas teóricas, caracterizando-se como uma reflexão pós-crítica, pois,

segundo Corazza (2007), a pesquisa deve ser um labirinto, no qual as metodologias não

devem funcionar como ferrolhos, que impedem o trânsito e a riqueza da

intersubjetividade do pesquisador com os autores que lhe acolhem. O autor aponta que

no Centro Estadual Integrado de Educação Rural existe uma identidade com os

movimentos sociais campesinos, que se colocou e se mantém como resistência ao

ideário da Revolução Verde e que diante das tensões, reflexões, desafios e

possibilidades vivenciadas, ora a instituição se aproxima e ora se afasta da perspectiva

de educação do campo.

Teses:

Na tese de Bohland Filho (2011), vimos que o pesquisador buscou discutir a

importância e contribuição das disciplinas de física, inserida nas estruturas curriculares

dos cursos de formação de professores de Matemática. Recorreu à relação histórica

entre a Matemática e a física. Como instrumentos de pesquisa, utilizou entrevistas e

questionários, aplicados para coordenadores de curso de formação de professores em

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Matemática da região sudeste, professores e alunos do curso de licenciatura em

Matemática da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e professores da rede

estadual de ensino (egressos de licenciatura em Matemática). A pesquisa concluiu que a

disciplina de física tem um papel fundamental na formação de professores de

Matemática, mas que ainda assim o processo de formação apresenta falhas em sua

implementação.

Gomes (2011) objetivou analisar as políticas educacionais da Rede Municipal de

Ensino de Vitória e as relações existentes com as políticas de currículo e de formação

continuada de professores. Recorreu como referencial teórico do conhecimento em

redes, os Estudos do Cotidiano e o pensamento complexo, a fim de entender as

contradições existentes entre currículo e formação de professores, que estavam sendo

propostas pela Rede Municipal de Vitória durante a pesquisa. Utilizaram-se como

instrumentos de pesquisa, relatos de conversas, atos, imagens e narrativas dos

personagens envolvidos nos cotidianos da educação, concluindo que a partir deles novas

propostas de políticas educacionais, currículo e diretrizes educacionais podem ser

implementadas.

A pesquisa de Silva (2011) analisou a relação existente entre a atividade

docente, formação e ética, no que tange às experiências de pesquisa na área da

educação. Destacou, principalmente, a influência da ética nas práticas de professores e

pesquisadores. Como instrumento de pesquisa utilizou relatórios de narrativas de

professores, diários de campo e relatórios de pesquisa e como referencial teórico,

recorreu às ideias de Bergson.

No trabalho de Bonaldi (2011), a pesquisadora buscou , pelo método

cartográfico e por meio de uma personagem conceitual, analisar os processos de

formação engendrados no cotidiano das práticas do campo da saúde em geral e no dia a

dia do curso de Medicina da Universidade Federal do Espírito Santo. Propõe processos

de formação na área da saúde, pautados na “escuta” do cotidiano, em que valorize a

formação com ênfase na superação das limitações impostas pelos saberes formalizados

academicamente.

Na pesquisa de Souza (2011), os materiais e a análise foram organizados em

torno de três eixos: subjetividade, poderes e saberes. Analisou-se a constituição e a

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formação dos sujeitos ADM (curso superior de Administração). A pesquisa utilizou

como referencial teórico os estudos de Michael Foucault e as entrevistas com

professores atuantes em cursos de Administração, alunos e Administradores recém-

ingressos na área da Administração instrumentalizaram a pesquisa. Objetivou mapear as

emergentes condições dos sujeitos ADM e os rumos de sua formação, concluindo que

as formações oferecidas no ensino superior nos cursos de Administração, tanto reproduz

as formas dominantes de formação, quanto pode romper com elas.

Sanchez (2011) estudou os processos de formação de educadores e educadoras

da Reforma Agrária no Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia. Adotou a

metodologia de narrativas e conversações de ações complexas, se propondo a pensar a

educação do campo como um movimento social de relevante potência e resistência.

Conclui que é necessária uma elaboração formativa que leve em conta a subjetividade

dos indivíduos, grupos e/ou as coletividades que constituem os sujeitos do campo, pois

a educação no/do /com o campo não se circunscreve a um sentido restrito de ensino e

sim, como prática que vai além dos saberes acadêmicos, se apresentando assim, como

forma de resistência e cooperação dos movimentos sociais em consonância com a

comunidade acadêmica universitária.

A tese de Martins (2011) analisou como a Superintendência Regional de

Educação de Cariacica sugere a escolarização para alunos com deficiência, transtornos

globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. Utilizou como referencial

teórico- metodológico os pressupostos de Boaventura de Sousa Santos e concluiu que as

propostas sugeridas para a escolarização dos alunos objeto da pesquisa, por mais que

sejam includentes, ainda apresentam dificuldades ao sustentarem ideias que priorizam o

atendimento técnico dentro e fora da escola para esses grupos, sendo necessário realizar

um olhar mais pedagógico e menos técnico nesse processo de escolarização.

Machado (2012) referenciou-se nas teorias de Michel Foucoult, Walter

Benjamim e Larrosa, para traçar, como objetivo geral de sua pesquisa, a análise da

formação dos professores de surdos e os saberes advindos da experiência, que são

constituídos juntamente com os saberes acadêmicos. Problematizou os saberes, as

práticas e as experiências que permeiam a formação de professores de surdos e a

conceituação de professor bilíngue, supondo que esta não se dá de forma linear e sim a

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partir das práticas dos sujeitos envolvidos no processo de formação. Por fim, propõe que

a formação para professores do processo da educação bilíngue, seja feita em uma

perspectiva em que os sujeitos surdos sejam de fato protagonistas.

O trabalho de Vieira (2012) objetivou investigar as ações curriculares que

pleiteavam a inclusão de alunos com deficiência e transtornos globais, em uma escola

de Ensino Fundamental da Rede Publica Municipal de Vila Velha/ES. Apoiou-se nos

referenciais teóricos de Boaventura de Sousa Santos, Michel de Certeau, Philippe

Meirieu, Silva, Moreira, Apple e Sacristán, dentre outros que dialogam com a Educação

Especial. Como aporte metodológico recorreu aos pressupostos da pesquisa-ação

colaborativo - crítica, envolvendo na pesquisa professores, pedagogos, dirigente escolar,

responsáveis pelos discentes e alunos matriculados do 1º ao 6º ano do Ensino

Fundamental. A pesquisa concluiu, a partir dos resultados obtidos, que existe a

necessidade da elaboração de currículos escolares mais abertos, que por fim,

contemplem as necessidades dos alunos pertencentes à denominada Educação Especial.

A tese de Carvalho (2012) referenciou-se nas ideias de Benjamim, Freire,

Bakhtin, Zeichner e Nóvoa para analisar a importância da literatura na formação de

professores, presente nas relações entre a Universidade e os espaços não escolares.

Utilizou-se a metodologia qualitativa com intervenções e com algumas particularidades

da pesquisa-ação. A pesquisa em questão, conclui que as formulações de estágios

supervisionados devem estar pautadas pela participação do professor de literatura em

qualquer espaço social em que estejam presentes as demandas culturais.

Silva (2012) investigou como artefatos culturais, concebidos no cotidiano

escolar, aparecem no currículo e nas práticas pedagógicas utilizadas por alunos e

professores. Apoiou-se nos referenciais teóricos de Michel de Certeu e Homi Bhaba

(Estudos Culturais), utilizando como metodologia o estudo de caso de uma escola de

Ensino Fundamental do município de Vitória (ES). A autora ressalta que somente pelos

diálogos dos personagens sobre os fazeres ocorridos nos cotidianos escolares

oportunizarão. Coloca em dúvida a validade das prescrições e normatizações, quando

estas não são debatidas com todos envolvidos no processo. Conclui que os produtos

culturais consumidos por professores e alunos são constantemente transformados,

reinventados e ressignificados, acenando para a reflexão sobre novas políticas públicas

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em Educação que possibilitem a ampliação dos espaçostempos no processo de

elaboração de um currículo.

Observamos que na tese de Locatelli (2012) a autora realizou pesquisa

historiográfica e buscou compreender como se constituíram os projetos arquitetônicos

de grupos escolares no Espírito Santo nos anos de 1908 a 1930. Observou as relações

que aproximavam estes projetos com os ideários republicanos e pedagógicos daquela

época. Recorreu às teorias de Michel de Certeau, Carlo Ginzburg e Marc Bloch. Conclui

em sua análise que as propostas arquitetônicas da época eram pautadas nos interesses

republicanos e por isso visavam a propagação de seus preceitos que abarcavam o

modelo elitista e excludente.

Podemos constatar, após essa exposição, que nenhuma das pesquisas localizadas

até o momento no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal

do Espírito Santo indica uma discussão, tal como proposto por nós, alinhada à

pedagogia histórico-crítica, ainda que existam trabalhos relacionados à nossa temática

de investigação. Trata-se, pois, de pesquisa relevante e diferenciada, propondo uma

reflexão sobre a o ideário pedagógico que tem norteado a prática pedagógica atual na

Rede Estadual de Ensino do Espírito Santo.

A REFLEXÃO SOBRE A FORMAÇÃO DE PROFESSORES E A PEDAGOGIA

HISTÓRICO-CRÍTICA

Pretendemos realizar uma reflexão sobre a formação de professores tomando a

pedagogia histórico-crítica como referência analítica. Assim, é importante destacar seus

pressupostos mais gerais, que serão enriquecidos e aprofundados ao longo dos estudos

em andamento.

A pedagogia histórico-crítica, com base no materialismo histórico-dialético,

postula que o ser humano não nasce humano, mas assim se constitui por meio do

trabalho. Este aparece como ponto fundamental para entendermos o processo de

desenvolvimento humano. Caracteriza-se pela transformação da natureza de forma

intencional e complexa, ou seja, quando o sujeito antecipa a finalidade da ação

transformadora que vai praticar. Entretanto, para que essa antecipação seja realizada, é

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importante considerar que este fenômeno não se dá de forma natural e inevitável e sim,

em dependência da apropriação cultural que o ser humano realiza tomando para si o

conhecimento construído historicamente.

Este, portanto, carrega consigo a produção e reprodução de elementos essenciais

da cultura, como a ciência, a ética, a arte etc., que devem ser garantidos às novas

gerações pelo que chamamos de trabalho educativo.

É por meio do trabalho educativo, cujo papel é a análise aprofundada da

realidade, que podemos produzir sínteses de múltiplas determinações, superando sua

manifestação imediata e sincrética. Portanto, concordamos com Saviani (2012, p. 62),

ao afirmar que “[...] Conhecimento é, ao mesmo tempo, indutivo e dedutivo, analítico-

sintético, abstrato-concreto, lógico – histórico”.

Assim, se esclarece a contribuição do trabalho educativo para que a produção e

reprodução do ser humano sejam garantidas de forma qualitativa, promovendo o

máximo desenvolvimento dos indivíduos. Porém, é importante salientar que os sujeitos

a que nos referimos são seres de natureza biológica, produto das sínteses históricas e das

relações sociais que estabelecem. Portanto, devem se reconhecer dialeticamente como

construtores diretos e indiretos da sua espécie e, consequentemente, responsáveis por

sua continuidade.

O trabalho educativo, reconhecido como aquele que deve possibilitar ao sujeito

as apropriações das objetivações genéricas da formação e transformação do ser humano,

deve voltar-se a retornar ao conjunto dos seres humanos àquilo que coletivamente se

produziu e não de forma desigual e privada como ocorre no modo de produção

capitalista.

Para que o trabalho educativo cumpra seu objetivo de humanização dos

indivíduos, deve transmitir o conhecimento já acumulado, que já foi produzido

anteriormente pela espécie humana e deveria ser compartilhado com todos que dessa

produção participaram (o conjunto humano).

[...] a educação tem como tem como primeira função afirmar as [...]

propriedades ontológicas, o que a coloca com a finalidade de

promover condições para a apropriação das objetivações genéricas

pelas quais os homens efetivam a atividade objetivadora social e

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consciente, tendo em vista a máxima universalização e liberdade

(MARTINS, 2004, p. 62).

As considerações realizadas podem parecer contraditórias e inviáveis diante da

organização educacional, social e política vigente, que tem proposto a falta de

aprofundamento analítico de fatores fundamentais que formam a sociedade humana

como um todo. Esta falta de aprofundamento analítico tem sido responsável por muitas

incertezas e estranhamentos da realidade, desencorajando o homem a colocar em prática

propostas humanizadoras que contemplem de forma satisfatória e qualitativa a todos

que os seres humanos.

Na tentativa de entender a realidade de maneira abstrata e imediata, o homem

esbarra em fenômenos que distorcem a essência dessa realidade, que fica estranha ao ser

que a analisa de forma superficial. Logo, tudo o que não consegue ser explicado por

falta de aprofundamento analítico (que carrega elementos importantes, como seus

condicionantes históricos e suas sínteses de múltiplas determinações), acaba,

equivocadamente, sendo atribuído ao misticismo ou a algo que transcende a capacidade

humana de entendimento. Nesse sentido, é preciso analisar qualquer fenômeno

substituindo fatores místicos por condicionantes históricos para entender tais

fenômenos.

Tentando buscar respostas aos condicionantes que desumanizam e distorcem as

concepções de ser humano, trabalho e sobretudo a continuidade qualitativa da espécie

humana, faz-se necessário buscar as essências contidas nas realidades imediatas trazidas

a tona nesse tempo em que vivemos.

Buscando focar na educação, ainda que não seja a única responsável para o

desenvolvimento humano, mas sim com um importante e privilegiado instrumento de

formação e transformação, é preciso analisar os pressupostos das propostas pós

modernas, que tem sido hegemonicamente adotadas na atualidade. Como explica

Martins (2004, p. 64), essas concepções (denominadas por Duarte (2006) de pedagogias

do “aprender a aprender”) trazem consigo “[...] uma retórica segundo a qual é urgente a

revisão dos processos de ensino-aprendizagem, tendo em vista melhor adequá-los à

realidade concreta de vida dos educandos e aos seus diferentes níveis de aprendizagem”.

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Se pensamos numa proposta de educação transformadora, entendemos que os

processos de ensino e aprendizagem devem ter, sobretudo, um caráter de superação da

realidade, pois adequar-se a ela se expressa como sinônimo de buscar a adaptação dos

sujeitos, apenas reafirmando o status quo de uma realidade desigual e injusta, que tem

sido direcionada pela lógica do modo de produção capitalista, da exploração do homem

pelo homem.

A proposta da pedagogia histórico-crítica toma por base a ideia de transformação

social revolucionária. Visa, pois, a superação da lógica reprodutiva do capital, na qual a

sociedade está inserida hoje. Como afirma Duarte (2010, p. 48),

Em termos pedagógicos, trata-se da superação das pedagogias

negativas, ou seja, é necessário superar a educação escolar em suas

formas burguesas sem negar a importância da transmissão, pela

escola, dos conhecimentos mais desenvolvidos que já tenham sido

produzidos pela humanidade.

À luz da pedagogia histórico-crítica, buscamos vislumbrar reais propostas de

transformação. Esta pedagogia valoriza a formação e o papel do professor no processo

educacional. Ele deve garantir e transmitir conhecimentos que abarcam questões

históricas e sociais. Nesta proposta, é preciso desvelar, analisando condicionantes que

determinam e subjugam o ser para libertá-lo. Por meio da prática educativa, a pedagogia

histórico-crítica visa a formação de seres humanos verdadeiramente emancipados.

Assim, essa pesquisa objetiva realizar os estudos teórico-conceituais dos ideários

pedagógicos que se apresentam na atualidade, da pedagogia histórico-crítica, que será o

referencial de análise das concepções pedagógicas esperando contribuir com a reflexão

sobre a formação de professores que se constitua como capaz de garantir qualidade ao

processo formativo, à prática pedagógica e ao desenvolvimento dos educandos desses

professores. Recorremos à pedagogia histórico-crítica por compreender que é preciso

discutir a superação de uma realidade social posta, que reduz as possibilidades de

sociedade ideal para o indivíduo e, sobretudo, não propõe uma mudança para uma nova

sociedade, na qual o ser humano tem mais valor do que o capital.

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