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Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=10705212 Red de Revistas Científicas de América Latina, el Caribe, España y Portugal Sistema de Información Científica Eduardo Kugelmas Reseña de "Idéias em movimento: a geração 1870 na crise do Brasil-Império" de Angela Alonso Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 18, núm. 52, junio, 2003, pp. 208-210, Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais Brasil Como citar este artigo Fascículo completo Mais informações do artigo Site da revista Revista Brasileira de Ciências Sociais, ISSN (Versão impressa): 0102-6909 [email protected] Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais Brasil www.redalyc.org Projeto acadêmico não lucrativo, desenvolvido pela iniciativa Acesso Aberto

Idéias em movimento a geração 1870 na crise do Brasil Império

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Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=10705212

Red de Revistas Científicas de América Latina, el Caribe, España y Portugal

Sistema de Información Científica

Eduardo Kugelmas

Reseña de "Idéias em movimento: a geração 1870 na crise do Brasil-Império" de Angela Alonso

Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 18, núm. 52, junio, 2003, pp. 208-210,

Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais

Brasil

Como citar este artigo Fascículo completo Mais informações do artigo Site da revista

Revista Brasileira de Ciências Sociais,

ISSN (Versão impressa): 0102-6909

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Revisitando a geração de 1870

Angela ALONSO. Idéias em movimento: a geração1870 na crise do Brasil-Império. São Paulo, Paz eTerra, 2002. 392 páginas.

Eduardo Kugelmas

Duas abordagens ocupam tanto espaço nabibliografia existente sobre o movimento intelec-tual dos últimos lustros do período imperial quepodem ser consideradas arquetípicas. Uma enfa-tiza as linhagens intelectuais, debatendo as in-fluências filosóficas e culturais do mundo metro-politano, especialmente a Europa. Os autores eos grupos tendem a ser classificados pelo impac-to em suas obras das principais correntes da épo-ca, como positivismo, evolucionismo e cientificis-mo. A sempre lembrada expressão de SílvioRomero – o “esvoaçar de idéias novas” – baliza asdiscussões em torno da filiação intelectual dos au-tores e do maior ou menor grau de originalidadenas formas de adoção dos paradigmas mais cor-rentes. Outro tema recorrente é o da formaçãodas “escolas”, que debatem e polemizam entre si.Já a segunda linha enfatiza a origem social dosparticipantes do debate intelectual, apresentandoseus protagonistas como porta-vozes de setoresmédios da sociedade, ou de uma burguesia urba-na nascente, crítica das instituições imperiais e dosistema socioeconômico baseado na escravidão.

Ambos esses prismas são questionados emIdéias em movimento, desdobramento de tese dedoutorado apresentada no departamento de So-ciologia da USP e premiada pela Anpocs. Para ajovem autora, ao primeiro dos enfoques falta con-textualização social e política, e ao segundo sobrasimplismo na busca da caracterização da produ-ção intelectual da época, vista como expressãoideológica imediata dos interesses de gruposdesconformes com o universo político e culturaldo Império. Mais do que uma história das idéias,este notável e original esforço de pesquisa vaiconstituir uma sociologia do pensamento, na tra-dição de Karl Mannheim. O tratamento dado ao

tema contesta incisivamente alguns pressupostosimplícitos das abordagens tradicionais, tais comoa suposição da existência no Brasil de então deum campo intelectual autônomo, nitidamente dis-tinto da esfera política, e também o vezo de mui-tos intérpretes a aceitar de forma acrítica os juízose as opiniões dos autores da época sobre seupróprio papel.

Para fundamentar sua alternativa, AngelaAlonso reexamina um dos problemas clássicos dasciências sociais, o da natureza da interação entrepráticas sociais e construções intelectuais, entre asbases materiais e o campo ideológico. Rejeitandodois tipos de reducionismo, o cognitivo e o práti-co, traz para o centro de sua investigação a ques-tão de como se vinculam cultura e experiência. To-mando como referência os estudos de PierreRosanvallon sobre a França na época da monar-quia orleanista e de Charles Hale sobre o Méxicono período de Porfirio Diaz, a autora enfatiza a ex-periência social compartilhada pelos membros dageração de 1870, analisando suas manifestações in-telectuais como formas de atuação política. Apesarda heterogeneidade de pontos de vista, da diver-sidade das formas de metabolização dos temasdoutrinários e das polêmicas entre os diversos gru-pos, uma referência comum legitima o uso da ex-pressão “geração”. O que os une é a perspectivacrítica ante o status quo da sociedade imperial, suasituação de relativa marginalização em face do nú-cleo de poder constituído pelos saquaremas –conservadores infensos a quaisquer mudanças – e,como corolário, o papel por eles desempenhadode paladinos de propostas reformistas.

Para sua construção analítica, a autora ba-seia-se no conceito de estrutura de oportunidadespolíticas desenvolvido por Sidney Tarrow, referin-do-se a conjunturas de crise que incentivam mo-vimentos coletivos. Os sintomas visíveis de desa-gregação da ordem política imperial, incapaz deenfrentar os desafios da modernização incomple-ta do país, atestam a existência de uma crise des-sa natureza. Para enfrentar essa situação, os jovensque ambicionavam carreiras públicas ou projeçãointelectual, desígnios que na época facilmente seconfundiam, lançavam mão do que consideravaminovador e pertinente no redemoinho de idéias

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do universo europeu. Esse tipo de apropriação éexaminado por Angela Alonso como um exemplode repertório, na acepção dada ao termo por Char-les Tilly e Ann Swindler, ou seja, conjunto de re-cursos políticos e intelectuais utilizados como fer-ramentas para compreender uma determinadarealidade e intervir sobre ela.

Após o bem-sucedido esforço do gabineteconservador de Rio Branco (1871-1875) em de-senvolver um programa de reformas moderadas,a vida política tem como leit motif a resistência àmudança, sendo adiada para as calendas gregas aextinção do escravismo, diluídas as propostas dereforma política e reafirmado o catolicismo comoreligião do Estado. A velha disputa entre os parti-dos esvazia-se cada vez mais, o bem-sucedido re-formismo de Rio Branco, que teria “roubado asbandeiras” dos liberais, deixa a estes pouco espa-ço de atuação e sua volta ao governo em 1878com o gabinete Sinimbu não será mais do queuma manifestação de força do poder Moderador,tornando letra morta suas antigas veleidades decrítica mais profunda ao quadro institucional.

A mobilização intelectual da geração de1870 deve ser vista como parte da tão conhecidaefervescência social e política que marca o perío-do, extravasando o sistema dominante. O partidoRepublicano ganha força, sobretudo na Corte, emSão Paulo e no Rio grande do Sul, estrutura-se omovimento abolicionista e há sinais de inquieta-ção entre os militares. Após descrever e analisar acrise da ordem imperial no primeiro capítulo, aautora chega ao cerne de sua problemática aoapresentar, no segundo capítulo, “a ordem contes-tada”, sua visão da geração de 1870 e dos distin-tos grupos que a integraram. Apontando a hetero-geneidade das origens sociais de seus membros,que incluíam tanto setores em ascensão como ou-tros estacionários e mesmo decadentes, Alonsoexamina o que ocorreu na época como um con-junto de manifestações de setores distintos, masque tinham em comum uma situação de relativamarginalização diante da estrutura de poder polí-tico vigente.

Rompendo com as tentativas de classificaçãobaseadas na adesão a matrizes intelectuais euro-péias, a autora baseia-se em um levantamento mi-

nucioso da trajetória política e intelectual de 120participantes dos debates da época e sugere aexistência de cinco agrupamentos: novos liberais,liberais republicanos, positivistas abolicionistas, fe-deralistas positivistas gaúchos e federalistas cientí-ficos paulistas.

Joaquim Nabuco e André Rebouças foram asfiguras mais expressivas dos novos liberais. Comofilhos de destacados membros da elite imperial etendo acesso fácil à família real, eram marginaisapenas porque se mantinham à distância do nú-cleo saquarema. Distinguem-se dos outros grupospela fidelidade às instituições monárquicas, já quevislumbravam um impulso reformista “pelo alto”,ou seja, formulado no interior da própria elite.Como plataforma central de reformas, propunhama abolição da escravatura e a modernização eco-nômica, chegando, no caso de Rebouças, à críticaexplícita do sistema agrário baseado na grandepropriedade. Para eles a República não seria umasolução, mas uma ameaça à unidade nacional. Aolongo da década de 1880, oscilaram entre a parti-cipação política por meio do velho partido Liberale pelo engajamento na campanha abolicionista.Nos últimos meses do regime, defenderam a teseda monarquia federativa, e Ruy Barbosa, um dosseus ativistas, torna-se o mais combativo represen-tante desta tese.

Quintino Bocaiúva foi personagem emble-mático dos liberais republicanos, grupo oriundoda radicalização de parte dos liberais e que tevecomo padrinho o senador liberal convertido emdefensor do republicanismo, Saldanha Marinho.Co-autor do manifesto republicano de 1870 comSalvador da Mendonça, Bocaiúva era um dos jor-nalistas mais atuantes da época. Esse setor tinhaum forte enraizamento no Rio de Janeiro e na opi-nião pública urbana, defendia a descentralizaçãofederativa e a ampliação do sistema representati-vo, sendo contemporizadores com relação à abo-lição. Seus membros atuavam por vezes comouma facção a mais do partido Liberal, sendo mo-deradíssimos em suas plataformas.

Os positivistas abolicionistas, como MiguelLemos, fundador do Apostolado Positivista do Riode Janeiro, tinham como referência ideológicacentral a divulgação sistemática do pensamento

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de Auguste Comte e de seu sucessor Pierre Laffit-te. Eles consideravam a escravidão e a monarquiasobrevivências anacrônicas de estágios anterioresda evolução das sociedades. Recrutaram muitosde seus adeptos entre os egressos e estudantes deEngenharia, inclusive os alunos de BenjamimConstant na Escola Militar. Estes eram freqüente-mente de origem mais humilde do que os mem-bros típicos da elite imperial e foram se constituin-do como o núcleo de questionamento do regimenas fileiras do Exército. Em um de seus momentosmais polêmicos, a autora, que questiona a exis-tência de uma “Escola do Recife”, apresenta To-bias Barreto e Sílvio Romero como um desdobra-mento nordestino desse grupo, embora suaprática política fosse próxima aos liberais republi-canos e seus escritos carregassem mais nas tintasevolucionistas do que na pregação comteana decaráter “puro” pretendida pelo Apostolado.

É a dimensão regional que caracteriza osdois últimos agrupamentos – federalistas positivis-tas do Rio Grande do Sul e federalistas científicosde São Paulo. Seu alvo político é a descentraliza-ção político-administrativa, entendida como reivin-dicação de autonomia para as respectivas provín-cias. Em São Paulo, identificam-se com a camadaem ascensão dos cafeicultores do próspero Oesteda província. Luis Pereira Barreto e Alberto Salesutilizaram as ferramentas do pensamento positi-vista e da política científica para justificar um“paulistismo” que conjugava a ânsia pela moder-nização econômica e técnica com a plataforma re-publicana e federativa. O grupo gaúcho defendiade forma elaborada uma plataforma análoga, ten-do Assis Brasil e Júlio de Castilhos como seusprincipais representantes.

Quais os laços que uniram as plataformasdesses grupos díspares? Para a autora, o fio con-dutor foi a utilização, como ferramentas, de ele-mentos disponíveis no movimento das idéias daépoca, que serviam de base tanto para fundamen-tar um diagnóstico de crise como para o conjuntode propostas reformistas. Alonso insiste no escassovalor heurístico de explicações baseadas na idéiade importação de modelos, já que positivismo,evolucionismo, cientificismo e darwinismo eraminstrumentos culturais que lastreavam as propostas

de mudança. E também, com razão, ressalta umponto por vezes esquecido, qual seja, a tentativade reexame crítico da história do país presentenesse conjunto de obras, demonstrando uma inte-ração entre as “idéias européias” e a construçãode uma visão própria.

O livro de Angela Alonso é um trabalho defôlego, caracterizado por maturidade e ousadiainovadora. Poder-se-ia levantar uma dúvida: nãolevaria esta interpretação voltada para os laços co-muns entre as várias tendências à subestimaçãode algumas de suas especificidades? Os novos li-berais que conciliaram uma crítica social agudacom a defesa da monarquia não mereceriam umlugar aparte? Essas questões talvez possam serrespondidas em novos estudos, dando continui-dade a essa tão promissora redescoberta da histó-ria do pensamento político e social brasileiro que,felizmente, vem atraindo o olhar de excelentes jo-vens pesquisadores.

EDUARDO KUGELMAS é professor do depar-tamento de Ciência Política da USP e pesqui-

sador do CEDEC – Centro de Estudos de Cultura Contemporânea.