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CapaFolhaderosto

SumárioIdeiasparaadiarofimdomundo

DosonhoedaterraAhumanidadequepensamosser

ReferênciasSobreoautorSobreestelivro

Créditos

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AprimeiravezquedesembarqueinoaeroportodeLisboa,tiveumasensaçãoestranha.Pormaisdecinquentaanos,eviteiatravessarooceanopor razõesafetivas e históricas. Eu achava que não tinha muita coisa para conversarcomosportugueses—nãoqueissofosseumagrandequestão,maseraalgoque eu evitava. Quando se completaram quinhentos anos da travessia deCabralecompanhia,recuseiumconviteparaviraPortugal.Eudisse:“Essaéumatípicafestaportuguesa,vocêsvãocelebrarainvasãodomeucantodomundo. Não vou, não”. Porém, não transformei isso numa rixa e pensei:“Vamosveroqueacontecenofuturo”.

Em 2017, ano em que Lisboa foi capital ibero-americana de cultura,ocorreuumciclodeeventosmuitointeressante,comperformancesdeteatro,mostradecinemaepalestras.Denovo, fuiconvidadoaparticipar,e,dessavez,nossoamigoEduardoViveirosdeCastrofariaumaconferêncianoteatroMariaMatos, chamada “Os involuntários da pátria”. Então, pensei: “Esseassuntomeinteressa,voutambém”.NodiaseguinteaodafaladoEduardo,tiveaoportunidadedeencontrarmuitagentequese interessoupelaestreiado documentário Ailton Krenak e o sonho da pedra, dirigido por MarcoAltberg.O filme é uma boa introdução ao tema que quero tratar: como éque,ao longodosúltimos2milou3milanos,nósconstruímosa ideiadehumanidade?Seráqueelanãoestánabasedemuitasdasescolhaserradasquefizemos,justificandoousodaviolência?

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A ideia de que os brancos europeus podiam sair colonizando o resto domundo estava sustentada na premissa de que havia uma humanidadeesclarecida que precisava ir ao encontro da humanidade obscurecida,trazendo-a para essa luz incrível. Esse chamado para o seio da civilizaçãosempre foi justificado pela noção de que existe um jeito de estar aqui naTerra,umacertaverdade,ouumaconcepçãodeverdade,queguioumuitasdasescolhasfeitasemdiferentesperíodosdahistória.

Agora,nocomeçodo séculoXXI, algumascolaboraçõesentrepensadorescom visões distintas originadas em diferentes culturas possibilitam umacríticadessaideia.Somosmesmoumahumanidade?

Pensemos nas nossas instituições mais bem consolidadas, comouniversidadesouorganismosmultilaterais,quesurgiramnoséculoXX:BancoMundial, Organização dos Estados Americanos (OEA), Organização dasNaçõesUnidas(ONU),OrganizaçãodasNaçõesUnidasparaaEducação,aCiência e aCultura (Unesco).Quando a gente quis criar uma reserva dabiosferaemumaregiãodoBrasil,foiprecisojustificarparaaUnescoporqueera importantequeoplanetanão fossedevoradopelamineração.Paraessainstituição,écomosebastassemanterapenasalguns lugarescomoamostragrátisdaTerra.Sesobrevivermos,vamosbrigarpelospedaçosdeplanetaqueagentenãocomeu,eosnossosnetosoutataranetos—ouosnetosdenossostataranetos—vãopoderpassearparavercomoeraaTerranopassado.Essasagênciaseinstituiçõesforamconfiguradasemantidascomoestruturasdessahumanidade.Enós legitimamos sua perpetuação, aceitamos suas decisões,quemuitas vezes são ruinsenoscausamperdas,porqueestãoa serviçodahumanidadequepensamosser.

As andanças que fiz por diferentes culturas e lugares do mundo mepermitiramavaliarasgarantiasdadasaointegraresseclubedahumanidade.E fiquei pensando: “Por que insistimos tanto e durante tanto tempo emparticipardesseclube,quenamaioriadasvezessólimitaanossacapacidadedeinvenção,criação,existênciaeliberdade?”.Seráquenãoestamossempreatualizando aquela nossa velha disposição para a servidão voluntária?QuandoagentevaientenderqueosEstadosnacionaisjásedesmancharam,

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queavelha ideiadessas agências jáestava falidanaorigem?Emvezdisso,seguimosarrumandoumjeitodeprojetaroutras iguaisaelas,que tambémpoderiammanteranossacoesãocomohumanidade.

Como justificar que somos uma humanidade se mais de 70% estãototalmente alienados do mínimo exercício de ser? A modernização jogouessagentedocampoedaflorestaparaviveremfavelaseemperiferias,paravirarmão de obra em centros urbanos. Essas pessoas foram arrancadas deseus coletivos, de seus lugares de origem, e jogadas nesse liquidificadorchamado humanidade. Se as pessoas não tiverem vínculos profundos comsua memória ancestral, com as referências que dão sustentação a umaidentidade,vãoficarloucasnestemundomalucoquecompartilhamos.

“Ideiasparaadiaro fimdomundo”—essetítuloéumaprovocação.Euestavanoquintaldecasaquandometrouxeramotelefone,dizendo:“Estãote chamando lá da Universidade de Brasília, para você participar de umencontro sobre desenvolvimento sustentável”. (A UnB tem um centro dedesenvolvimento sustentável,comprogramademestrado.)Eu fiqueimuitofeliz com o convite e o aceitei, entãome disseram: “Você precisa dar umtítuloparaasuapalestra”.Euestavatãoenvolvidocomasminhasatividadesnoquintalquerespondi:“Ideiasparaadiarofimdomundo”.Apessoalevouasérioecolocouissonoprograma.Depoisdeunstrêsmeses,meligaram:“Éamanhã,vocêestácomasuapassagemdeaviãoparaBrasília?”.“Amanhã?”“É,amanhãvocêvaifazeraquelapalestrasobreasideiasparaadiarofimdomundo.”

No dia seguinte estava chovendo, e eu pensei: “Que ótimo, não vaiaparecer ninguém”. Mas, para minha surpresa, o auditório estava lotado.Perguntei:“Mastodoessepessoalestánomestrado?”.Meusamigosdisseram:“Quenada,alunosdocampus todoestãoaquiquerendosaberessahistóriadeadiarofimdomundo”.Eurespondi:“Eutambém”.

Estarcomaquela turmame fez refletir sobreomitoda sustentabilidade,inventadopelascorporaçõesparajustificaroassaltoquefazemànossaideiadenatureza.Fomos,durantemuitotempo,embaladoscomahistóriadequesomos a humanidade. Enquanto isso — enquanto seu lobo não vem —,

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fomos nos alienando desse organismo de que somos parte, a Terra, epassamosapensarqueeleéumacoisaenós,outra:aTerraeahumanidade.Eu não percebo onde tem alguma coisa que não seja natureza. Tudo énatureza.Ocosmosénatureza.Tudoemqueeuconsigopensarénatureza.

LiumahistóriadeumpesquisadoreuropeudocomeçodoséculoXXqueestava nos Estados Unidos e chegou a um território dos Hopi. Ele tinhapedidoquealguémdaquelaaldeiafacilitasseoencontrodelecomumaanciãqueelequeriaentrevistar.Quandofoiencontrá-la,elaestavaparadapertodeuma rocha. O pesquisador ficou esperando, até que falou: “Ela não vaiconversar comigo, não?”. Ao que seu facilitador respondeu: “Ela estáconversando com a irmã dela”. “Mas é uma pedra.” E o camarada disse:“Qualéoproblema?”.

TemumamontanharochosanaregiãoondeorioDocefoiatingidopelalama damineração. A aldeia Krenak fica namargem esquerda do rio, nadireita tem uma serra. Aprendi que aquela serra tem nome, Takukrak, epersonalidade.Demanhãcedo,deládoterreirodaaldeia,aspessoasolhamparaelaesabemseodiavaiserbomouseémelhorficarquieto.Quandoelaestá com uma cara do tipo “não estou para conversa hoje”, as pessoas jáficamatentas.Quandoelaamanheceesplêndida,bonita,comnuvensclarassobrevoando a sua cabeça, toda enfeitada, o pessoal fala: “Pode fazer festa,dançar,pescar,podefazeroquequiser”.

Assimcomoaquelasenhorahopiqueconversavacomapedra,sua irmã,tem um monte de gente que fala com montanhas. No Equador, naColômbia,emalgumasdessasregiõesdosAndes,vocêencontralugaresondeas montanhas formam casais. Tem mãe, pai, filho, tem uma família demontanhas que troca afeto, faz trocas.E as pessoas que vivemnesses valesfazem festas para essas montanhas, dão comida, dão presentes, ganhampresentesdasmontanhas.Porqueessasnarrativasnãonosentusiasmam?Porque elas vão sendo esquecidas e apagadas em favor de uma narrativaglobalizante,superficial,quequercontaramesmahistóriaparaagente?

OsMassai,noQuênia,tiveramumconflitocomaadministraçãocolonialporqueosinglesesqueriamqueamontanhadelesvirasseumparque.Elesse

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revoltaramcontra a ideia banal, comumemmuitos lugares domundo, detransformar um sítio sagrado num parque. Eu acho que começa comoparque e termina como parking. Porque tem que estacionar esse tanto decarroquefazemporaíafora.

Éumabusodoquechamamderazão.Enquantoahumanidadeestásedistanciandodoseulugar,ummontede

corporaçõesespertalhonasvaitomandocontadaTerra.Nós,ahumanidade,vamos viver em ambientes artificiais produzidos pelasmesmas corporaçõesque devoram florestas, montanhas e rios. Eles inventam kitssuperinteressantes para nos manter nesse local, alienados de tudo, e sepossível tomando muito remédio. Porque, afinal, é preciso fazer algumacoisacomoquesobradolixoqueproduzem,eelesvãofazerremédioeummontedeparafernáliasparanosentreter.

Paraquenãofiquempensandoqueestouinventandomaisummito,odomonstro corporativo, ele temnome, endereço e até conta bancária.E queconta! São os donos da grana do planeta, e ganhammais a cadaminuto,espalhando shoppingspelomundo.Espalhamquasequeomesmomodelodeprogressoquesomosincentivadosaentendercomobem-estarnomundotodo. Os grandes centros, as grandes metrópoles do mundo são umareprodução uns dos outros. Se você for para Tóquio, Berlim, Nova York,Lisboa ou São Paulo, verá o mesmo entusiasmo em fazer torres incríveis,elevadores espiroquetas, veículos espaciais… Parece que você está numaviagemcomoFlashGordon.

Enquanto isso, a humanidade vai sendo descolada de umamaneira tãoabsoluta desse organismo que é a terra. Os únicos núcleos que aindaconsideramqueprecisamficaragarradosnessaterrasãoaquelesqueficarammeioesquecidospelasbordasdoplaneta,nasmargensdosrios,nasbeirasdosoceanos, na África, na Ásia ou na América Latina. São caiçaras, índios,quilombolas, aborígenes — a sub-humanidade. Porque tem umahumanidade,vamosdizer,bacana.E temumacamadamaisbruta, rústica,orgânica, uma sub-humanidade, uma gente que fica agarrada na terra.Parecequeelesqueremcomerterra,mamarnaterra,dormirdeitadossobre

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a terra, envoltos na terra. A organicidade dessa gente é uma coisa queincomoda, tantoqueascorporações têmcriadocadavezmaismecanismosparasepararessesfilhotesdaterradesuamãe.“Vamossepararessenegócioaí,gentee terra,essabagunça.Émelhorcolocarumtrator,umextratornaterra.Gentenão,genteéumaconfusão.E,principalmente,gentenãoestátreinada para dominar esse recurso natural que é a terra.”Recurso naturalpara quem? Desenvolvimento sustentável para quê? O que é precisosustentar?

A ideia de nós, os humanos, nos descolarmos da terra, vivendo numaabstração civilizatória, é absurda. Ela suprime a diversidade, nega apluralidadedasformasdevida,deexistênciaedehábitos.Ofereceomesmocardápio,omesmofigurinoe,sepossível,amesmalínguaparatodomundo.

Para aUnesco,2019éo ano internacionaldas línguas indígenas.Todosnós sabemos que a cada ano ou a cada semestre uma dessas línguasmaternas, um desses idiomas originais de pequenos grupos que estão naperiferia da humanidade, é deletada. Sobram algumas, de preferênciaaquelas que interessam às corporações para administrar a coisa toda, odesenvolvimentosustentável.

Oqueéfeitodenossosrios,nossasflorestas,nossaspaisagens?Nósficamostãoperturbadoscomodesarranjoregionalquevivemos,ficamostãoforadosériocomafaltadeperspectivapolítica,quenãoconseguimosnoserguererespirar, ver o que importa mesmo para as pessoas, os coletivos e ascomunidadesnassuasecologias.ParacitaroBoaventuradeSousaSantos,aecologia dos saberes deveria também integrar nossa experiência cotidiana,inspirar nossas escolhas sobre o lugar em que queremos viver, nossaexperiênciacomocomunidade.Precisamossercríticosaessaideiaplasmadadehumanidadehomogêneana qual hámuito tempoo consumo tomouolugardaquiloqueanteseracidadania.JoséMujicadissequetransformamosaspessoasemconsumidores,enãoemcidadãos.Enossascrianças,desdeamais tenra idade, são ensinadas a serem clientes. Não tem gente maisadulada do que um consumidor. São adulados até o ponto de ficaremimbecis, babando. Então para que ser cidadão? Para que ter cidadania,

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Nota
Quando ele cita as crianças como consumidoras, lembro dos programas de apresentadoras como Xuxa. As propagandas no intervalos eram terríveis, mas percebi que isso piorou muuito
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alteridade, estar no mundo de uma maneira crítica e consciente, se vocêpode serumconsumidor?Essa ideiadispensaaexperiênciadevivernumaterracheiadesentido,numaplataformaparadiferentescosmovisões.

DaviKopenawaficouvinteanosconversandocomoantropólogo francêsBruceAlbert para produzir uma obra fantástica, chamadaAqueda do céu:Palavrasdeumxamãyanomami.O livro temapotênciademostrarpara agente,queestánessaespéciede fimdosmundos,comoépossívelqueumconjuntodeculturasedepovosaindasejacapazdehabitarumacosmovisão,habitar um lugar neste planeta que compartilhamos de uma maneira tãoespecial, em que tudo ganha um sentido. As pessoas podem viver com oespíritodafloresta,vivercomafloresta,estarnafloresta.Nãoestoufalandodo filmeAvatar, mas da vida de vinte e tantas mil pessoas— e conheçoalgumasdelas—quehabitamoterritórioyanomami,nafronteiradoBrasilcom a Venezuela. Esse território está sendo assolado pelo garimpo,ameaçado pela mineração, pelas mesmas corporações perversas que jámencionei e que não toleram esse tipo de cosmos, o tipo de capacidadeimaginativa e de existência que umpovo originário como os Yanomami écapazdeproduzir.

Nosso tempo é especialista em criar ausências: do sentido de viver emsociedade, do próprio sentido da experiência da vida. Isso gera umaintolerância muito grande com relação a quem ainda é capaz deexperimentar o prazer de estar vivo, de dançar, de cantar.E está cheio depequenasconstelaçõesdegenteespalhadapelomundoquedança,canta,fazchover. O tipo de humanidade zumbi que estamos sendo convocados aintegrarnão tolera tantoprazer, tanta fruiçãodevida.Então,pregamo fimdo mundo como uma possibilidade de fazer a gente desistir dos nossospróprios sonhos. E a minha provocação sobre adiar o fim do mundo éexatamentesemprepodercontarmaisumahistória.Sepudermosfazerisso,estaremosadiandoofim.

Éimportanteviveraexperiênciadanossaprópriacirculaçãopelomundo,nãocomoumametáfora,mascomofricção,podercontarunscomosoutros.Poderterumencontrocomoeste,aquiemPortugal,eterumaaudiênciatão

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essencialcomovocêséumpresenteparamim.Vocêspodemtercertezadeque issomedáomaiorgásparaesticarumpoucomaiso iníciodo fimdomundoquesemeapresenta.Eosprovocoapensarnapossibilidadedefazeromesmoexercício.Éumaespéciedetaichichuan.Quandovocêsentirqueocéuestáficandomuitobaixo,ésóempurrá-loerespirar.

Como os povos originários do Brasil lidaram com a colonização, quequeria acabar com o seumundo? Quais estratégias esses povos utilizarampara cruzar esse pesadelo e chegar ao século XXI ainda esperneando,reivindicandoedesafinandoocorodoscontentes?Viasdiferentesmanobrasqueosnossosantepassadosfizeramemealimenteidelas,dacriatividadeedapoesiaqueinspirouaresistênciadessespovos.Acivilizaçãochamavaaquelagente de bárbaros e imprimiu uma guerra sem fim contra eles, com oobjetivode transformá-losemcivilizadosquepoderiam integraroclubedahumanidade. Muitas dessas pessoas não são indivíduos, mas “pessoascoletivas”, células que conseguem transmitir através do tempo suas visõessobreomundo.

Às vezes, os antropólogos limitama compreensãodessa experiência, quenão é só cultural. Eu sei que tem alguns antropólogos aqui na sala, nãofiquemnervosos.Quantosperceberamqueessasestratégiassótinhamcomopropósitoadiarofimdomundo?Eunãoinventeiisso,masmealimentodaresistência continuada desses povos, que guardam amemória profunda daterra,aquiloqueEduardoGaleanochamoudeMemóriadofogo.Nesselivroe em As veias abertas da América Latina, ele mostra como os povos doCaribe,daAméricaCentral,daGuatemala,dosAndesedorestodaAméricado Sul tinham convicção do equívoco que era a civilização. Eles não serenderamporqueoprogramapropostoeraumerro:“Agentenãoqueressaroubada”.Eoscaras:“Não,tomaessaroubada.TomaaBíblia,tomaacruz,tomaocolégio,tomaauniversidade,tomaaestrada,tomaaferrovia,tomaamineradora,tomaaporrada”.Aoqueospovosresponderam:“Oqueéisso?Queprogramaesquisito!Nãotemoutro,não?”.

Porquenoscausadesconfortoasensaçãodeestarcaindo?Agentenãofezoutracoisanosúltimos tempossenãodespencar.Cair,cair,cair.Entãopor

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que estamos grilados agora com a queda? Vamos aproveitar toda a nossacapacidade crítica e criativa para construir paraquedas coloridos. Vamospensarnoespaçonãocomoumlugarconfinado,mascomoocosmosondeagentepodedespencaremparaquedascoloridos.

Há centenas de narrativas de povos que estão vivos, contam histórias,cantam, viajam, conversam e nos ensinammais do que aprendemos nessahumanidade. Nós não somos as únicas pessoas interessantes no mundo,somospartedotodo.Issotalveztireumpoucodavaidadedessahumanidadequenóspensamos ser,alémdediminuira faltade reverênciaque temosotempotodocomasoutrascompanhiasquefazemessaviagemcósmicacomagente.

Em 2018, quando estávamos na iminência de ser assaltados por umasituaçãonovanoBrasil,meperguntaram:“Comoosíndiosvãofazerdiantedissotudo?”.Eufalei:“Temquinhentosanosqueosíndiosestãoresistindo,eu estou preocupado é com os brancos, como que vão fazer para escapardessa”.Agenteresistiuexpandindoanossasubjetividade,nãoaceitandoessaideia de que nós somos todos iguais. Ainda existem aproximadamente 250etniasquequeremserdiferentesumasdasoutrasnoBrasil,quefalammaisde150línguasedialetos.

NossoamigoEduardoViveirosdeCastrogostadeprovocaraspessoascomoperspectivismoamazônico, chamando a atenção exatamentepara isto: oshumanos não são os únicos seres interessantes e que têmuma perspectivasobreaexistência.Muitosoutrostambémtêm.

Cantar,dançareviveraexperiênciamágicadesuspenderocéuécomumemmuitas tradições. Suspender o céu é ampliar o nosso horizonte; não ohorizonte prospectivo, mas um existencial. É enriquecer as nossassubjetividades, que é a matéria que este tempo que nós vivemos querconsumir.Seexisteumaânsiaporconsumiranatureza,existetambémumaporconsumirsubjetividades—asnossassubjetividades.Entãovamosvivê-lascomaliberdadequeformoscapazesdeinventar,nãobotarelanomercado.Já que a natureza está sendo assaltada de uma maneira tão indefensável,vamos, pelo menos, ser capazes de manter nossas subjetividades, nossas

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visões,nossaspoéticassobreaexistência.Definitivamentenãosomosiguais,eémaravilhososaberquecadaumdenósqueestáaquiédiferentedooutro,como constelações. O fato de podermos compartilhar esse espaço, deestarmosjuntosviajandonãosignificaquesomosiguais;significaexatamenteque somos capazes de atrair uns aos outros pelas nossas diferenças, quedeveriam guiar o nosso roteiro de vida. Ter diversidade, não isso de umahumanidade com o mesmo protocolo. Porque isso até agora foi só umamaneiradehomogeneizaretirarnossaalegriadeestarvivos.

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Desde o Nordeste até o leste deMinas Gerais, onde fica o rio Doce e areserva indígenadas famíliasKrenak, e tambémnaAmazônia,na fronteiradoBrasilcomoPerueaBolívia,noAltoRioNegro,emtodosesseslugaresas nossas famílias estão passando por ummomento de tensão nas relaçõespolíticasentreoEstadobrasileiroeassociedadesindígenas.

Essa tensão não é de agora,mas se agravou com as recentesmudançaspolíticas introduzidas na vida do povo brasileiro, que estão atingindo deformaintensacentenasdecomunidades indígenasquenasúltimasdécadasvêm insistindo para que o governo cumpra seu dever constitucional deassegurarosdireitosdessesgruposnosseuslocaisdeorigem,identificadosnoarranjojurídicodopaíscomoterrasindígenas.

Nãoseisetodosconhecemasterminologiasreferentesàrelaçãodospovosindígenas com os lugares onde vivem ou as atribuições que o Estadobrasileiro tem dado a esses territórios ao longo da nossa história.Desde ostempos coloniais, a questão do que fazer com a parte da população quesobreviveuaostrágicosprimeirosencontrosentreosdominadoreseuropeuseospovosqueviviamondehojechamamos,demaneiramuito reduzida,deterras indígenas, levou a uma relação muito equivocada entre o Estado eessascomunidades.

Éclaroqueduranteessesanosnósdeixamosdesercolôniaparaconstituiro Estado brasileiro e entramos no século XXI, quando a maior parte dasprevisões apostava que as populações indígenas não sobreviveriam à

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ocupação do território, pelo menos não mantendo formas próprias deorganização,capazesdegerirsuasvidas.Issoporqueamáquinaestatalatuaparadesfazerasformasdeorganizaçãodasnossassociedades,buscandoumaintegraçãoentreessaspopulaçõeseoconjuntodasociedadebrasileira.

Odilemapolíticoqueficouparaasnossascomunidadesquesobreviveramao século XX é ainda hoje precisar disputar os últimos redutos onde anaturezaépróspera,ondepodemossuprirasnossasnecessidadesalimentaresedemoradia,eondesobrevivemosmodosquecadaumadessaspequenassociedadestemdesemanternotempo,dandocontadesimesmassemcriarumadependênciaexcessivadoEstado.

O rioDoce,quenós, osKrenak, chamamosdeWatu,nosso avô, éumapessoa,nãoumrecurso,comodizemoseconomistas.Elenãoéalgodequealguémpossa se apropriar; éumapartedanossa construçãocomocoletivoquehabitaum lugarespecífico,onde fomosgradualmenteconfinadospelogoverno para podermos viver e reproduzir as nossas formas de organização(comtodaessapressãoexterna).

FalarsobrearelaçãoentreoEstadobrasileiroeassociedadesindígenasapartirdoexemplodopovoKrenaksurgiucomoumainspiração,paracontaraquemnãosabeoqueacontecehojenoBrasilcomessascomunidades—estimadas em cerca de 250 povos e aproximadamente 900 mil pessoas,populaçãomenordoqueadegrandescidadesbrasileiras.

Oqueestánabasedahistóriadonossopaís,quecontinuaaserincapazdeacolher os seus habitantes originais — sempre recorrendo a práticasdesumanas para promover mudanças em formas de vida que essaspopulações conseguiram manter por muito tempo, mesmo sob o ataqueferozdasforçascoloniais,queatéhojesobrevivemnamentalidadecotidianade muitos brasileiros —, é a ideia de que os índios deveriam estarcontribuindoparaosucessodeumprojetodeexaustãodanatureza.OWatu,esse rio que sustentou a nossa vida às margens do rio Doce, entreMinas

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Gerais e o Espírito Santo, numa extensão de seiscentos quilômetros, estátodo coberto por um material tóxico que desceu de uma barragem decontençãode resíduos,oquenosdeixouórfãoseacompanhandoo rioemcoma.Fazumanoemeioqueessecrime—quenãopodeserchamadodeacidente—atingiuasnossasvidasdemaneiraradical,noscolocandonarealcondiçãodeummundoqueacabou.*

Nesteencontro,estamos tentandoabordaro impactoquenós,humanos,causamos neste organismo vivo que é a Terra, que em algumas culturascontinua sendo reconhecida como nossa mãe e provedora em amplossentidos, não só na dimensão da subsistência e namanutenção das nossasvidas, mas também na dimensão transcendente que dá sentido à nossaexistência.Emdiferenteslugaresdomundo,nosafastamosdeumamaneiratão radical dos lugares de origem que o trânsito dos povos já nem épercebido.Atravessamoscontinentescomoseestivéssemos indoaliao lado.Seécertoqueodesenvolvimentodetecnologiaseficazesnospermiteviajarde um lugar para outro, que as comodidades tornaram fácil a nossamovimentação pelo planeta, também é certo que essas facilidades sãoacompanhadasporumaperdadesentidodosnossosdeslocamentos.

Sentimo-noscomoseestivéssemos soltosnumcosmosvaziode sentidoedesresponsabilizados de uma ética que possa ser compartilhada, massentimosopesodessaescolhasobreasnossasvidas.Somosalertadosotempotodo para as consequências dessas escolhas recentes que fizemos. E sepudermosdaratençãoaalgumavisãoqueescapeaessacegueiraqueestamosvivendonomundo todo, talvez ela possa abrir a nossamente para algumacooperaçãoentreospovos,nãopara salvarosoutros,maspara salvar anósmesmos.Hátrintaanos,aamplaredederelaçõesemquemeintegreiparalevaraoconhecimentodeoutrospovos,deoutrosgovernos,asrealidadesquenós vivíamos no Brasil teve como objetivo ativar as redes de solidariedadecomospovosnativos.

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Oque aprendi ao longo dessas décadas é que todos precisam despertar,porque,seduranteumtempoéramosnós,ospovosindígenas,queestávamosameaçados de ruptura ou da extinção dos sentidos das nossas vidas, hojeestamostodosdiantedaiminênciadeaTerranãosuportaranossademanda.ComodisseopajéyanomamiDaviKopenawa,omundoacreditaquetudoémercadoria, a ponto de projetar nela tudo o que somos capazes deexperimentar.Aexperiênciadaspessoasemdiferenteslugaresdomundoseprojeta namercadoria, significandoque ela é tudo o que está fora denós.Essa tragédia que agora atinge a todos é adiada em alguns lugares, emalgumassituaçõesregionaisnasquaisapolítica—opoderpolítico,aescolhapolítica — compõe espaços de segurança temporária em que ascomunidades, mesmo quando já esvaziadas do verdadeiro sentido docompartilhamentodeespaços,aindasão,digamos,protegidasporumaparatoque depende cada vez mais da exaustão das florestas, dos rios, dasmontanhas, nos colocando num dilema em que parece que a únicapossibilidadeparaquecomunidadeshumanascontinuemaexistiréàcustadaexaustãodetodasasoutraspartesdavida.

AconclusãooucompreensãodequeestamosvivendoumaeraquepodeseridentificadacomoAntropocenodeveriasoarcomoumalarmenasnossascabeças.Porque,senósimprimimosnoplanetaTerraumamarcatãopesadaqueatécaracterizaumaera,quepodepermanecermesmodepoisdejánãoestarmos aqui, pois estamos exaurindo as fontes da vida que nospossibilitaramprosperaresentirqueestávamosemcasa,sentiraté,emalgunsperíodos,quetínhamosumacasacomumquepodiasercuidadaportodos,épor estarmosmais uma vez diante dodilema a que já aludi: excluímos davida, localmente, as formas de organização que não estão integradas aomundo damercadoria, pondo em risco todas as outras formas de viver—pelomenosasque fomosanimadosapensarcomopossíveis,emquehaviacorresponsabilidadecomoslugaresondevivemoseorespeitopelodireitoàvidadosseres,enãosódessaabstraçãoquenospermitimosconstituircomouma humanidade, que exclui todas as outras e todos os outros seres. Essahumanidadequenãoreconhecequeaquelerioqueestáemcomaétambém

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o nosso avô, que a montanha explorada em algum lugar da África ou daAmérica do Sul e transformada em mercadoria em algum outro lugar étambémo avô, a avó, amãe, o irmãode alguma constelaçãode seres quequeremcontinuarcompartilhandoavidanestacasacomumquechamamosTerra.

Onomekrenakéconstituídopordoistermos:uméaprimeirapartícula,kre,quesignificacabeça,aoutra,nak,significaterra.Krenakéaherançaquerecebemosdosnossosantepassados,dasnossasmemóriasdeorigem,quenosidentifica como “cabeça da terra”, como uma humanidade que nãoconsegueseconcebersemessaconexão,semessaprofundacomunhãocoma terra. Não a terra como um sítio, mas como esse lugar que todoscompartilhamos, e do qual nós, os Krenak, nos sentimos cada vez maisdesraigados — desse lugar que para nós sempre foi sagrado, mas quepercebemosquenossosvizinhostêmquasevergonhadeadmitirquepodeservistoassim.Quandonósfalamosqueonossorioésagrado,aspessoasdizem:“Isso é algum folclore deles”; quando dizemos que a montanha estámostrando que vai chover e que esse dia vai ser um dia próspero, um diabom,elesdizem:“Não,umamontanhanãofalanada”.

Quando despersonalizamos o rio, amontanha, quando tiramos deles osseus sentidos,considerandoque issoéatributoexclusivodoshumanos,nósliberamosesseslugaresparaquesetornemresíduosdaatividadeindustrialeextrativista.Donossodivórciodasintegraçõeseinteraçõescomanossamãe,aTerra,resultaqueelaestánosdeixandoórfãos,nãosóaosqueemdiferentegraduação são chamados de índios, indígenas ou povos indígenas, mas atodos. Tomara que estes encontros criativos que ainda estamos tendo aoportunidadedemanteranimemanossaprática,anossaação,enosdeemcoragemparasairdeumaatitudedenegaçãodavidaparaumcompromissocom a vida, em qualquer lugar, superando as nossas incapacidades deestenderavisãoalugaresparaalémdaquelesaqueestamosapegadoseondevivemos, assim como às formas de sociabilidade e de organização de queumagrandepartedessacomunidadehumanaestáexcluída,queemúltima

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instância gastam toda a força da Terra para suprir a sua demanda demercadorias,segurançaeconsumo.

Comoreconhecerumlugardecontatoentreessesmundos,quetêmtantaorigem comum, mas que se descolaram a ponto de termos hoje, numextremo,gentequeprecisaviverdeumrioe,nooutro,gentequeconsomerioscomoumrecurso?Arespeitodessaideiaderecursoqueseatribuiaumamontanha, a um rio, a uma floresta, emque lugar podemos descobrir umcontato entre as nossas visões que nos tire desse estado de nãoreconhecimentounsdosoutros?

Quandoeusugeriquefalariadosonhoedaterra,euqueriacomunicaravocês um lugar, uma prática que é percebida em diferentes culturas, emdiferentes povos, de reconhecer essa instituição do sonho não comoexperiênciacotidianadedormire sonhar,mascomoexercíciodisciplinadodebuscarnosonhoasorientaçõesparaasnossasescolhasdodiaadia.

Paraalgumaspessoas,aideiadesonharéabdicardarealidade,érenunciarao sentido prático da vida. Porém, também podemos encontrar quem nãoveria sentido na vida se não fosse informado por sonhos, nos quais podebuscar os cantos, a cura, a inspiração e mesmo a resolução de questõespráticasquenãoconseguediscernir,cujasescolhasnãoconseguefazerforado sonho, mas que ali estão abertas como possibilidades. Fiquei muitoapaziguado comigomesmo hoje à tarde, quandomais de uma colega dasque falaram aqui trouxeram a referência a essa instituição do sonho nãocomo uma experiência onírica, mas como uma disciplina relacionada àformação,àcosmovisão,àtradiçãodediferentespovosquetêmnosonhoumcaminhodeaprendizado,deautoconhecimento sobreavida,eaaplicaçãodesseconhecimentonasuainteraçãocomomundoecomasoutraspessoas.

* Alusão ao rompimento da barragem do Fundão, da mineradora Samarco, controlada pelasmultinacionaisValeeBHPBilliton,emnovembrode2015.Foramlançadosnomeioambientecercade45milhõesdemetroscúbicosderejeitosdamineraçãodeferro,oquedesencadeouefeitosalongoprazonavidademilharesdepessoas,incluindoasaldeiasKrenak.(N.E.)

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Talvezestejamosmuitocondicionadosauma ideiade serhumanoeaumtipodeexistência.Seagentedesestabilizaressepadrão,talvezanossamentesofraumaespéciederuptura,comosecaíssemosnumabismo.Quemdissequeagentenãopodecair?Quemdissequeagentejánãocaiu?HouveumtempoemqueoplanetaquechamamosTerrajuntavaoscontinentestodosnuma grande Pangeia. Se olhássemos lá de cima do céu, tiraríamos umafotografia completamente diferente do globo. Quem sabe se, quando oastronauta IúriGagárindisse“aTerraéazul”,elenão fezumretrato idealdaquelemomentoparaessahumanidadequenóspensamos ser.Eleolhoucomonossoolho, viuoquea gentequeria ver.Existemuita coisaque seaproximamais daquilo que pretendemos ver do que se podia constatar sejuntássemos as duas imagens: a que você pensa e a que você tem. Se jáhouveoutrasconfiguraçõesdaTerra, inclusivesemagenteaqui,porqueéquenosapegamostantoaesseretratocomagenteaqui?OAntropocenotemumsentidoincisivosobreanossaexistência,anossaexperiênciacomum,aideia do que é humano. O nosso apego a uma ideia fixa de paisagem daTerraedehumanidadeéamarcamaisprofundadoAntropoceno.

Essaconfiguraçãomentalémaisdoqueumaideologia,éumaconstruçãodoimagináriocoletivo—váriasgeraçõessesucedendo,camadasdedesejos,projeções,visões,períodosinteirosdeciclosdevidadosnossosancestraisqueherdamos e fomos burilando, retocando, até chegar à imagemcom a qualnos sentimos identificados. É como se tivéssemos feito um photoshop na

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memóriacoletivaplanetária,entreatripulaçãoeanave,ondeanavesecolaao organismo da tripulação e fica parecendo uma coisa indissociável. Écomo parar numa memória confortável, agradável, de nós próprios, porexemplo, mamando no colo da nossa mãe: uma mãe farta, próspera,amorosa, carinhosa, nos alimentando forever. Um dia ela semove e tira opeito da nossa boca. Aí, a gente dá uma babada, olha em volta, reclamaporque não está vendo o seio da mãe, não está vendo aquele organismomaterno alimentando toda a nossa gana de vida, e a gente começa aestremecer,aacharqueaquilonãoémesmoomelhordosmundos,queomundoestáacabandoeagentevaicairemalgumlugar.Masagentenãovaicair em lugarnenhum,de repenteoque amãe fez foi daruma viradinhapara pegar um sol,mas como estávamos tão acostumados, a gente só quermamar.

O fim do mundo talvez seja uma breve interrupção de um estado deprazerextasiantequeagentenãoquerperder.Parecequetodososartifíciosque foram buscados pelos nossos ancestrais e por nós têm a ver com essasensação.Quandosetransfereissoparaamercadoria,paraosobjetos,paraascoisas exteriores, se materializa no que a técnica desenvolveu, no aparatotodoquesefoisobrepondoaocorpodamãeTerra.Todasashistóriasantigaschamam a Terra de Mãe, Pacha Mama, Gaia. Uma deusa perfeita einfindável,fluxodegraça,belezaefartura.Veja-seaimagemgregadadeusadaprosperidade,que temumacornucópiaque ficao tempo todo jorrandoriqueza sobre o mundo… Noutras tradições, na China e na Índia, nasAméricas,emtodasasculturasmaisantigas,areferênciaédeumaprovedoramaternal.Nãotemnadaavercomaimagemmasculinaoudopai.Todasasvezesquea imagemdopairompenessapaisagemésempreparadepredar,detonaredominar.

Odesconfortoqueaciênciamoderna, as tecnologias, asmovimentaçõesqueresultaramnaquiloquechamamosde“revoluçõesdemassa”, tudoissonão ficou localizado numa região, mas cindiu o planeta a ponto de, noséculoXX,termossituaçõescomoaGuerraFria,emquevocêtinha,deum

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ladodomuro,umapartedahumanidade,eaoutra,doladodelá,namaiortensão, pronta para puxar o gatilho para cima dos outros.Não tem fimdomundomaisiminentedoquequandovocêtemummundodoladodeládomuro e um do lado de cá, ambos tentando adivinhar o que o outro estáfazendo.Issoéumabismo,issoéumaqueda.Entãoaperguntaafazerseria:“Porquetantomedoassimdeumaquedaseagentenãofeznadanasoutraserassenãocair?”.

Já caímos emdiferentes escalas e emdiferentes lugares domundo.Mastemos muito medo do que vai acontecer quando a gente cair. Sentimosinsegurança,umaparanoiadaquedaporqueasoutraspossibilidadesqueseabrem exigem implodir essa casa que herdamos, que confortavelmentecarregamos em grande estilo,mas passamos o tempo inteiromorrendo demedo.Então,talvezoqueagentetenhadefazerédescobrirumparaquedas.Não eliminar a queda, mas inventar e fabricar milhares de paraquedascoloridos, divertidos, inclusive prazerosos. Já que aquilo de que realmentegostamoségozar,vivernoprazeraquinaTerra.Então,queagenteparededespistaressanossavocaçãoe,emvezdeficarinventandooutrasparábolas,queagenteserendaaessaprincipalenãosedeixeiludircomoaparatodatécnica.Naverdade,aciênciainteiravivesubjugadaporessacoisaqueéatécnica.

Hámuito tempo não existe alguém que pense com a liberdade do queaprendemosachamardecientista.Acabaramoscientistas.Todapessoaqueseja capaz de trazer uma inovação nos processos que conhecemos écapturadapelamáquinadefazercoisas,damercadoria.Antesdeessapessoacontribuir,emqualquersentido,paraabrirumajaneladerespiroaessanossaansiedadedeperderoseiodamãe,vemlogoumaparatoartificialparadarmais um tempo de canseira na gente. É como se todas as descobertasestivessem condicionadas e nós desconfiássemos das descobertas, como setodasfossemtrapaça.Agentesabequeasdescobertasnoâmbitodaciência,as curas para tudo, são uma baba. Os laboratórios planejam comantecedênciaapublicaçãodasdescobertasemfunçãodosmercadosqueeles

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Nota
A ciência tem que dar conta da pandemia. Tem que trazer um produto rápido, pois o mercado de ações está enlouquecido para lucrar.
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próprios configuram para esses aparatos, com o único propósito de fazer aroda continuar a girar.Não uma roda que abre outros horizontes e acenapara outrosmundosno sentido prazeroso,mas para outrosmundos que sóreproduzemanossaexperiênciadeperdade liberdade,deperdadaquiloaquepodemoschamarinocência,nosentidodesersimplesmentebom,semnenhum objetivo. Gozar sem nenhum objetivo. Mamar sem medo, semculpa,semnenhumobjetivo.Nósvivemosnummundoemquevocêtemdeexplicarporqueéqueestámamando.Elese transformounumafábricadeconsumirinocênciaedeveserpotencializadocadavezmaisparanãodeixarnenhumlugarhabitadoporela.

Deque lugar seprojetamosparaquedas?Do lugaronde sãopossíveis asvisõeseosonho.Umoutrolugarqueagentepodehabitaralémdessaterradura:olugardosonho.Nãoosonhocomumentereferenciadodequandoseestá cochilando ou que a gente banaliza “estou sonhando com o meupróximo emprego, com o próximo carro”, mas que é uma experiênciatranscendentenaqualocasulodohumanoimplode,seabrindoparaoutrasvisõesdavidanãolimitada.Talvezsejaoutrapalavraparaoquecostumamoschamardenatureza.Nãoénomeadaporquesóconseguimosnomearoqueexperimentamos. O sonho como experiência de pessoas iniciadas numatradiçãoparasonhar.Assimcomoquemvaiparaumaescolaaprenderumaprática,umconteúdo,umameditação,umadança,podeser iniciadonessainstituição para seguir, avançar num lugar do sonho. Alguns xamãs oumágicoshabitamesses lugares ou têmpassagempor eles. São lugares comconexãocomomundoquepartilhamos;nãoéummundoparalelo,masquetemumapotênciadiferente.

Quando, por vezes,me falam em imaginar outromundo possível, é nosentido de reordenamento das relações e dos espaços, de novosentendimentos sobre como podemos nos relacionar com aquilo que seadmiteseranatureza,comoseagentenãofossenatureza.Naverdade,estãoinvocando novas formas de os velhosmanjados humanos coexistirem comaquela metáfora da natureza que eles mesmos criaram para consumo

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próprio. Todos os outros humanos que não somos nós estão fora, a gentepodecomê-los,socá-los,fraturá-los,despachá-losparaoutrolugardoespaço.Oestadodemundoquevivemoshojeéexatamenteomesmoqueosnossosantepassadosrecentesencomendaramparanós.

Na verdade, a gente vive reclamando,mas essa coisa foi encomendada,chegou embrulhada e com o aviso: “Depois de abrir, não tem troca”. Háduzentos, trezentos anos ansiaram por esse mundo. Um monte de gentedecepcionada,pensando:“Maséessemundoquedeixaramparaagente?”.Qualéomundoquevocêsestãoagoraempacotandoparadeixaràsgeraçõesfuturas?O.k., vocêvive falandodeoutromundo,mas jáperguntouparaasgeraçõesfuturasseomundoquevocêestádeixandoéoqueelasquerem?Amaioriadenósnão vai estar aquiquando a encomendachegar.Quemvairecebersãoosnossosnetos,bisnetos,nomáximonossos filhos já idosos.Secadaumdenóspensaummundo, serão trilhõesdemundos,easentregasvãoserfeitasemvárioslocais.Quemundoequeserviçodedeliveryvocêestápedindo?Háalgodeinsanoquandonosreunimospararepudiaressemundoquerecebemosagorinha,nopacoteencomendadopelosnossosantecessores;háalgodepirraçanossasugerindoque,sefosseagente,teríamosfeitomuitomelhor.

Devíamos admitir a natureza como uma imensa multidão de formas,incluindocadapedaçodenós,quesomospartedetudo:70%deáguaeummontedeoutrosmateriaisquenoscompõem.Enóscriamosessaabstraçãodeunidade,ohomemcomomedidadascoisas,esaímosporaíatropelandotudo, num convencimento geral até que todos aceitem que existe umahumanidade com a qual se identificam, agindo no mundo à nossadisposição, pegando o que a gente quiser. Esse contato com outrapossibilidade implica escutar, sentir, cheirar, inspirar, expirar aquelascamadasdoqueficouforadagentecomo“natureza”,masqueporalgumarazãoaindaseconfundecomela.Temalgumacoisadessascamadasqueéquase-humana:umacamadaidentificadapornósqueestásumindo,queestásendo exterminada da interface de humanos muito-humanos. Os quase-

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humanos são milhares de pessoas que insistem em ficar fora dessa dançacivilizada,datécnica,docontroledoplaneta.Epordançarumacoreografiaestranha são tirados de cena, por epidemias, pobreza, fome, violênciadirigida.

JáquesepretendeolharaquioAntropocenocomooeventoquepôsemcontatomundos capturados para esse núcleo preexistente de civilizados—no ciclo das navegações, quando se deram as saídas daqui para a Ásia, aÁfrica e a América —, é importante lembrar que grande parte daquelesmundosdesapareceusemque fossepensadaumaaçãodeeliminaraquelespovos.Osimplescontágiodoencontroentrehumanosdaquiedeláfezcomqueessapartedapopulaçãodesaparecesseporumfenômenoquedepoissechamou epidemia, umamortandade demilhares emilhares de seres.UmsujeitoquesaíadaEuropaedescianumapraiatropicallargavaumrastodemorte por onde passava. O indivíduo não sabia que era uma pesteambulante, uma guerra bacteriológica emmovimento, um fimdemundo;tampouco o sabiam as vítimas que eram contaminadas. Para os povos quereceberamaquelavisitaemorreram,ofimdomundofoinoséculoXVI.Nãoestou liberando a responsabilidade e a gravidade de toda a máquina quemoveuasconquistascoloniais,estouchamandoatençãoparao fatodequemuitos eventos que aconteceram foram o desastre daquele tempo. Assimcomonósestamoshojevivendoodesastredonossotempo,aoqualalgumasseletas pessoas chamamAntropoceno.A grandemaioria está chamandodecaossocial,desgovernogeral,perdadequalidadenocotidiano,nasrelações,eestamostodosjogadosnesseabismo.

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Livros,artigoeentrevista

BAHIANA,AnaMaria.“Transformamosospobresemconsumidoresenãoemcidadãos,dizMujica”. BBC News Brasil, 21 dez. 2018. Disponível em:<https://www.bbc.com/portuguese/brasil-46624102>.Acessoem:10maio2019.

CASTRO,EduardoViveirosde.Ainconstânciadaalmaselvagem.SãoPaulo:Ubu,2017.

GALEANO,Eduardo.AsveiasabertasdaAméricaLatina.Trad.deSergioFaraco.SãoPaulo:L&PM,2010.

_______.Memóriadofogo.Trad.deEricNepomuceno.SãoPaulo:L&PM,2013.

KOPENAWA,Davi;ALBERT,Bruce.Aquedadocéu:Palavrasdeumxamãyanomami.Trad.deBeatrizPerrone-Moisés.SãoPaulo:CompanhiadasLetras,2015.

SANTOS,BoaventuradeSousa.“Paraalémdopensamentoabissal:daslinhasglobaisaumaecologia de saberes”.NovosEstudosCebrap, SãoPaulo, n. 79, nov. 2007.Disponívelem: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-33002007000300004>.Acessoem:10maio2019.

Vídeos

CASTRO,EduardoViveirosde.Osinvoluntáriosdapátria.ConferênciadeaberturadocicloQuestões indígenas no Teatro Maria Matos, em Lisboa. Disponível em:<https://www.arquivoteatromariamatos.pt/explorar/conferencia-de-eduardo-viveiros-de-castro/>.Acessoem:10maio2019.

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AILTONKrenakeosonhodapedra.Direçãoeroteiro:MarcoAltberg.Produção:BárbaraGualeMarceloGoulart.RiodeJaneiro,2017.52min.Documentário.

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AiltonKrenaknasceuem1953,naregiãodovaledorioDoce,territóriodopovoKrenak,umlugarcujaecologiaseencontraprofundamenteafetadapelaatividadedeextraçãodeminérios. Ativista do movimento socioambiental e de defesa dos direitos indígenas,organizouaAliançadosPovosdaFloresta,quereúnecomunidadesribeirinhaseindígenasna Amazônia. É um dos mais destacados líderes do movimento que surgiu durante ograndedespertardospovos indígenasnoBrasil,queocorreuapartirdadécadade1970.Contribuiu também para a criação da União das Nações Indígenas (UNI). Ailton temlevadoacaboumvasto trabalhoeducativoeambientalista,como jornalista,eatravésdeprogramasdevídeoetelevisivos.Asualutanasdécadasde1970e1980foideterminanteparaaconquistado“Capítulodosíndios”naConstituiçãode1988,quepassouagarantir,pelomenos no papel, os direitos indígenas à cultura autóctone e à terra. É coautor dapropostadaUnescoquecriouaReservadaBiosferadaSerradoEspinhaçoem2005eémembro de seu comitê gestor. É comendador da Ordem do Mérito Cultural daPresidênciadaRepública e, em2016, foi-lhe atribuídoo títulodedoutorhonoris causapelaUniversidadeFederaldeJuizdeFora,emMinasGerais.

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IDEIASPARAADIAROFIMDOMUNDO—PalestraproferidanoInstitutodeCiênciasSociaisda Universidade de Lisboa, em ciclo de seminários coordenado por Susana de MatosViegas, no dia 12 demarço de 2019, como atividade preparatória à “Mostra ameríndia:PercursosdocinemaindígenanoBrasil”.

DOSONHOEDATERRA—PalestraproferidaemLisboa,noTeatroMariaMatos,nodia6demaiode2017,comtranscriçãodeJoëlleGhazarian.

AHUMANIDADEQUEPENSAMOSSER—TextoelaboradoapartirdeentrevistacomAiltonKrenak,conduzidaporRitaNatálioePedroNevesMarques,emLisboa,emmaiode2017,comtranscriçãoeediçãodeMartaLança.

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Copyright©2019byAiltonKrenak

GrafiaatualizadasegundooAcordoOrtográficodaLínguaPortuguesade1990,queentrouemvigornoBrasilem2009.

CapaeprojetográficoAlceuChiesorinNunes

PreparaçãoJuliaPassos

RevisãoThaísTotinoRichtereIsabelCury

ISBN978-85-5451-420-4

TodososdireitosdestaediçãoreservadosàEDITORASCHWARCZS.A.

RuaBandeiraPaulista,702,cj.3204532-002–SãoPaulo–SP

Telefone:(11)3707-3500www.companhiadasletras.com.brwww.blogdacompanhia.com.brfacebook.com/companhiadasletrasinstagram.com/companhiadasletrastwitter.com/cialetras

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GanhadoresReis,JoãoJosé

9788554514556

456páginas

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UmretratooriginaldaBahianoséculoXIX,numlivrocheiodemovimentoevozes,sobretudodagentenegra.EmGanhadores,ohistoriadorJoãoJoséReisreconstituiahistóriadosnegrosdeganho,ouganhadores,protagonistasdeumainsólitagrevequeparalisouotransportenacapitalbaianaduranteváriosdiasem1857.Essestrabalhadoresescravizados,libertosoulivres,todosafricanosouseusdescendentes,seorganizavamemgruposdetrabalhoepercorriamacidadedecimaabaixofazendotodotipodeserviço,sobretudoocarregodepessoaseobjetosouavendadealimentoseoutras

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carregodepessoaseobjetosouavendadealimentoseoutrasmercadorias.Em1857,porém,aCâmaraMunicipalbaixouumaposturaimpondo-lhesmedidasquecombinavamarrochofiscalecontrolepolicial.Masosganhadores,quejáviviamdiaenoitesobavigilânciaeaviolênciadeautoridades,senhorese"cidadãosdebem",nãosedeixariamabater.OresultadofoiaprimeiramobilizaçãogrevistanoBrasilaparalisartodoumsetorvitaldaeconomiaurbana.Baseadoemamplainvestigaçãoemdocumentosescritos,impressoseiconográficos,Ganhadoreséumlivroreveladoreessencialparasecompreenderaintrincadaredederelaçõessociais,econômicaseculturaisqueestruturavaasociedadebaianadoséculoXIX,ancoradanainstituiçãodaescravidãoecaracterizadaporumsistemadecontrolebaseadonumaeconomiadefavoresedomíniopaternalista.SeoepisódioderesistênciaaquinarradotratamaisespecificamentedaBahiadoséculoXIX,eletemmuitoadizersobreasrelaçõeseopressõessociaiseraciaisnoBrasildehoje.

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SejamostodosfeministasAdichie,ChimamandaNgozi

9788543801728

24páginas

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OquesignificaserfeministanoséculoXXI?Porqueofeminismoéessencialparalibertarhomensemulheres?EisasquestõesqueestãonocernedeSejamostodosfeministas,ensaiodapremiadaautoradeAmericanaheMeiosolamarelo."Aquestãodegêneroéimportanteemqualquercantodomundo.Éimportantequecomecemosaplanejaresonharummundodiferente.Ummundomaisjusto.Ummundodehomensmaisfelizesemulheresmaisfelizes,maisautênticosconsigomesmos.Eéassimquedevemoscomeçar:

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maisautênticosconsigomesmos.Eéassimquedevemoscomeçar:precisamoscriarnossasfilhasdeumamaneiradiferente.Tambémprecisamoscriarnossosfilhosdeumamaneiradiferente."ChimamandaNgoziAdichieaindaselembraexatamentedaprimeiravezemqueachamaramdefeminista.FoiduranteumadiscussãocomseuamigodeinfânciaOkoloma."Nãoeraumelogio.Percebipelotomdavozdele;eracomosedissesse:'Vocêapoiaoterrorismo!'".ApesardotomdedesaprovaçãodeOkoloma,Adichieabraçouotermoe—emrespostaàquelesquelhediziamquefeministassãoinfelizesporquenuncasecasaram,quesão"anti-africanas",queodeiamhomensemaquiagem—começouaseintitularuma"feministafelizeafricanaquenãoodeiahomens,equegostadeusarbatomesaltoaltoparasimesma,enãoparaoshomens".Nesteensaioagudo,sagazerevelador,Adichiepartedesuaexperiênciapessoaldemulherenigerianaparapensaroqueaindaprecisaserfeitodemodoqueasmeninasnãoanulemmaissuapersonalidadeparasercomoesperamquesejam,eosmeninossesintamlivresparacrescersemterqueseenquadrarnosestereótiposdemasculinidade.

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HojeestaráscomigonoparaísoAmaral,BrunoVieira

9788554514570

360páginas

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Umromancesingularsobreopoderdalinguagem,dashistóriasedasartimanhasdamemória.SegundocolocadonoPrêmioOceanos2018.Nestepoderosoromanceautobiográfico,BrunoVieiraAmaralapagaafronteiraentrerealidadeeficçãoefazdaliteraturaoinstrumentoparareconstituirumepisódiodesuainfância:oassassinatodeseuprimoJoãoJorge,em1985,numbairrodeumaperiferiadePortugal.Aorememorarovilarejoemquecresceu,arelaçãocomopaiausenteeopesodenossaherançafamiliar,ele

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relaçãocomopaiausenteeopesodenossaherançafamiliar,eledestrinchanãoapenasosacontecimentosrelacionadosaocrime,mastambémoselementosqueconstituemsuaprópriahistória.Umverdadeiroelogioaopoderdalinguagem,estelivroultrapassaainvestigaçãofactualaotrazeràtonaumnarradorobservadoreinquieto,sempredesconfiadodasartimanhasdamemória.

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Brasil:umabiografia-Pós-escritoSchwarcz,LiliaMoritz

9788554510763

24páginas

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Nestepós-escritodomonumentalBrasil:umabiografia,LiliaMoritzSchwarczeHeloisaMurgelStarlinglançamumolharatualizadosobreosacontecimentosrecentesedecisivosdopaís.Ademocraciapostaemxeque,osdesdobramentosdasmanifestaçõespopulareseoimpeachmentdeDilmaRousseffsãoalgunsdostemastratadospelaspesquisadoras,quemantêmorigornapesquisaeotextofluentedaobralançadaem2015.Tantocontinuidadedessanova(epoucoconvencional)biografiacomoanáliseindependentedocenáriobrasileirodosúltimosanos,esteéumconviteparaconhecerumpaís

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brasileirodosúltimosanos,esteéumconviteparaconhecerumpaíscujahistória—marcadapelasfalhasnosavançossociaisepelaviolência—permaneceemconstrução.

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OsonzeRecondo,Felipe

9788554514143

320páginas

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Omaiscompletorelatosobreaatuaçãodoprincipaltribunaldopaís,doMensalãoaogovernoBolsonaro.Desdeojulgamentodaaçãopenal470,maisconhecidacomoMensalão,oSupremoTribunalFederalviu-senocentrododebatenacional.Seusintegrantessetornaramamplamenteconhecidose,tambémporisso,passaramausaraopiniãopúblicacomofundamentoparaseusvotos.Nosturbulentosanosdeumadasmaiorescrisespolíticaseeconômicasqueopaísjáviveu,oprotagonismoaquefoialçadootribunalcriou

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queopaísjáviveu,oprotagonismoaquefoialçadootribunalcriouumconjuntonovodedesafios.OjornalistaFelipeRecondo,especialistanacoberturadoSTF,acompanhaeanalisaocotidianodoSupremohámaisdeumadécada.LuizWeberestudaofuncionamentodotribunaleanalisaosmovimentoseforçaspolíticasqueinteragemcomoSTF.Aolongodeanos,osdoisrealizaramcentenasdeentrevistasparaescreverOsonze:OSTF,seusbastidoresesuascrises.Olivrotrazhistóriasquepermitemdescreveroscontornos,causaseconsequênciasdosgrandescasosqueenvolveramotribunal,incluindoorecenteepolêmicoinquéritosobrefakenewsabertoporDiasToffoliecomandadoporAlexandredeMoraes.OnzeéonúmerodeministrosdoSupremo,queatuamcomo"onzeilhas".Aexpressãofoicunhadapeloex-ministrodoSTFSepúlvedaPertenceeseconsolidoucomochavedeinterpretaçãoparaofuncionamentodotribunal,comaproliferaçãodedecisõesmonocráticaseasucessãodeembatesinternos.NummomentoemqueoSTFsevêsoboataquedeexpoentesdogovernofederaledemilitantesnasredessociais,entenderasdinâmicasdaúltimainstânciadopoderjudiciárioémaisimportantedoquenunca.

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Índice

Folhaderosto 2Sumário 3Ideiasparaadiarofimdomundo 5Dosonhoedaterra 18Ahumanidadequepensamosser 27Referências 36Sobreoautor 40Sobreestelivro 43Créditos 46

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