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Sociedade e Contemporaneidade

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Batel - Curitiba - PR. 0800 708 88 88 www.iesde.com.br

Sociedade e ContemporaneidadeFundação Biblioteca Nacional

ISBN 978-85-7638-748-0

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Autor Paulo G. M. de Moura

Sociedade e Contemporaneidade

1.ª edição

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Todos os direitos reservadosIESDE Brasil S.A.

Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482 • Batel 80730-200 • Curitiba • PR

www.iesde.com.br

© 2007 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais.

Moura, Paulo G. M. de. Sociedade e Contemporaneidade./Paulo G. M. de Moura.– Curitiba: IESDE Brasil S.A., 2007.

112 p.

ISBN: 978-85-7638-748-0

1. Sociologia. 2. Movimentos sociais. I. Título.

CDD 301

M929

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Sumário

As sociedades como sistemas | 7As partes e o todo | 7Interfaces e mútua dependência entre as partes | 9As partes e suas funções | 10Estabilidade e ruptura do sistema | 10Aplicação do modelo ao objeto de estudo | 11

Grandes ciclos de transformação sistêmica da sociedade | 13Para entender como a sociedade muda | 13A Pré-história | 16A sociedade agrícola | 16A sociedade industrial | 17A sociedade pós-industrial | 17

A sociedade agrícola | 21A civilização grega | 22A civilização romana | 23O cristianismo | 24A ordem feudal | 25

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O fim da era agrícola | 25

A sociedade industrial | 29A lógica do sistema de produção | 29A lógica do sistema social | 30A lógica do sistema político | 31Capitalismo e socialismo: dois modelos e um sistema | 33Crise e ruptura do sistema | 34

A história da globalização | 37O que é globalização? | 37Antecedentes da globalização | 39Formação do mercado mundial | 39O impacto da Revolução Industrial sobre a economia mundial | 42O surgimento do capital financeiro | 43

A ordem internacional pós-Segunda Guerra | 47Antecedentes da ordem internacional pós-Guerra | 47Consolidação de um sistema político-econômico mundial | 48A falência do socialismo e a ruptura do sistema | 51Revolução Tecnológica e novo ciclo de expansão do capitalismo | 53

A sociedade pós-industrial | 55A natureza da mudança | 55Sentido e rumo das mudanças | 57Conhecimento e velocidade | 59Riqueza intangível e economia simbólica | 61Trabalhar e empreender na nova economia | 62

Identidades em transformação | 67O mundo virtual mudando nossa vida real | 67Espelho, espelho meu: onde estou, quem sou eu? | 68De onde viemos? Onde estamos? | 69Para onde vamos? | 71

Significados e representações no mercado de símbolos | 73Representações e identidades | 73Participação imaginária | 76O poder de infinitas caras: realidade ou imaginação? | 76

O poder na sociedade pós-industrial | 79Os sistemas de poder ao longo da história | 80O poder na sociedade industrial | 82Crise e transformação do sistema de poder da sociedade industrial | 83As causas de crise | 85A democracia do futuro | 87

A sociedade brasileira como sistema | 89A nação-Estado como um sistema | 89A formação da nação | 91O subsistema dominante | 92

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A crise do sistema e o imperativo da mudança | 96O vôo da galinha: o jeito brasileiro de mudar sem mudar | 96

As chances da democracia no Brasil | 99Um conceito de democracia | 99A democracia no contexto atual | 101A teoria da democracia aplicada ao caso brasileiro | 104A realidade põe a teoria em xeque | 105

Referências | 107

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O poder na sociedade pós-industrial

Corrupção, crise do sistema de previdência social, falência financeira e administrativa do Estado, baixa qualidade dos serviços públicos, abstinência eleitoral e descrédito dos políticos, confrontos violentos entre polícia e manifestantes, fanatismo religioso, terrorismo, revoluções, desabamento de impérios, potências emergentes se organizando para competir com as potências líderes no mercado mundial, unificação de nações em grandes blocos regionais, movimentos bruscos da opinião pública invertendo resultados eleitorais em curto espaço de tempo. Essas são apenas algumas marcas do momento político mundial.

Basta um olhar mais atento em direção a um passado não muito distante para percebermos que acontecimentos dessa natureza, em escala generalizada, como estão ocorrendo, não aconteceram em qualquer momento da história da humanidade. Não incorre em exagero quem afirmar que todas as estruturas políticas, jurídicas e administrativas que a sociedade industrial desenvolveu desde a era das grandes revoluções na Europa e nos Estados Unidos, a partir dos séculos XVII e XVIII, estão ruindo rapidamente.

As instituições públicas desse sistema social (governos, parlamentos, tribunais, partidos, sindicatos, organizações civis) mantinham o mundo coeso cumprindo função de canais de input das demandas sociais, processadas e devolvidas à sociedade na forma de decisões políticas e de políticas públicas. Os investimentos em serviços públicos básicos de saúde, educação, segurança e infra-estrutura, absorviam grande parte do orçamento público sem a necessidade de participação da iniciativa privada, pois o Estado era rico graças aos impostos que extraía das empresas e dos trabalhadores.

O Estado detinha o monopólio quase exclusivo sobre os instrumentos de participação do povo nas decisões sobre o destino coletivo das sociedades e de mediação dos conflitos sociais. Hoje, ao passarmos um pente-fino sobre a maioria dos principais países do mundo, especialmente do mundo ocidental, que adotou o modelo político-institucional herdado das revoluções européia e americana, vamos perceber que o subsistema político de todas essas nações apresenta, em maior ou menor grau, sintomas de desintegração.

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Mas nem tudo é caos na crise das instituições políticas da sociedade industrial. As novas formas do poder da sociedade pós-industrial já começam a se insinuar e a se tornar perceptíveis. A invasão da cena política, antes monopolizada pelos partidos e sindicatos, por movimentos sociais e Organizações Não Governamentais (ONGs), a mudança nas relações de poder entre homens e mulheres a partir da conquista da independência financeira através da ida ao mercado de trabalho antes predominantemente masculino,os métodos de guerrilha midiática do Greenpeace, ou o uso da internet como veículo de movimentos políticos e de opinião, contra políticos, governo e empresas, são alguns exemplos desse fenômeno. Se dedicarmos mais atenção aos detalhes nem sempre aparentes das transformações em curso, veremos o que está por trás das aparências. O cientista social norte-americano Alvin Toffler chama esse fenômeno de ”Powershift”. Segundo ele, o impacto das novas tecnologias pós-industriais sobre as relações sociais atuais não se limita a transferir poder, mas também a transformar a própria natureza do poder. A mudança não está ocorrendo apenas dentro das fronteiras cada vez menos definidas dos estados nacionais. O tabuleiro das relações internacionais também está sendo chacoalhado pelo choque da mudança.

O desaparecimento da URSS deixou um vácuo na balança global do poder. A disputa hoje não é mais entre dois blocos, mas sim, para saber se a liderança do planeta será monopólio dos EUA, ou compartilhada de forma multilateral.

Os EUA não são alvo apenas de ataques dos guerreiros medievais e pós-modernos de Osama bin Laden. As grandes corporações norte-americanas, que monopolizaram o mercado mundial após a Segunda Guerra Mundial, estão sob forte ataque concorrencial de empresas asiáticas, européias e de potências emergentes. A própria formação da Europa Unificada com moeda própria, representa uma tentativa de deslocar o poder dos EUA e do dólar no mercado mundial. Dentro da Europa, a liderança da Inglaterra e da França já enfrenta o poderio econômico e político da Alemanha após a reunificação e a obsolescência dos acordos diplomáticos do pós-guerra.

Isso não é tudo. O avanço das mulheres no mercado de trabalho e na política, ocupando cada vez mais postos de comando, o uso do conhecimento tecnológico de adolescentes irreverentes perante pais e professores despreparados para a nova realidade, o desaparecimento das funções tradicionais de gerência dentro das empresas e sua substituição por novas formas de gestão compartilhada entre coordenadores e colaboradores, a democratização do saber técnico e o questionamento dos especialistas (médicos, advogados, professores) por cidadãos leigos (mas inteligentes e bem informados), em função da difusão de informações na rede estão por todo o lado, desestabilizando os micropoderes e macro-poderes no âmbito do tecido social e das organizações da sociedade industrial.

Os sistemas de poder ao longo da históriaNas origens da sociedade humana, na época em que nossos ancestrais viviam em bandos

nômades e habitavam cavernas e durante todo o longo período posterior em que a civilização humana sobreviveu tendo a agricultura tradicional e o artesanato como forma de produção de riqueza, o uso da violência bruta era a fonte primordial do poder. Tal como acontece entre animais, mandava no bando quem tivesse mais força para se impor, até que outro membro mais forte do grupo se impusesse, matando-o ou expulsando-o à força do convívio com seus iguais.

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A evolução do processo civilizatório representou a gradativa substituição do uso da violência por formas mais racionais e sofisticadas de mediação das relações sociais. Na medida em que a civilização evoluiu, foi, lentamente, abandonando a violência bruta e imediata por outras formas de mediação. No princípio, a ética religiosa cumpriu esse papel, ensinando aos homens as noções de certo e errado, daquilo que se deve ou não se deve, se pode ou não se pode fazer. Em seguida, leis escritas e instituições políticas foram criadas e aperfeiçoadas para exercerem esse papel. Transferimos ao Estado, em nome da Lei, o poder de usar a violência para nos proteger dos transgressores. Ao firmarmos esse contrato social, abrimos mão de agir como animais e de recorrer à violência para impor nossos desejos e interesses sobre os demais. A competição econômica no mercado tornou-se uma forma civilizada de direcionar o espírito competitivo inato nos seres humanos, para uma maneira não violenta de disputa de poder e interesses.

Com o surgimento do sistema capitalista, na esteira das revoluções Comercial e Industrial, ampliou-se como nunca antes se havia visto a produtividade do trabalho e a quantidade de produtos gerados pela tecnologia fabril. Sob essas circunstâncias, o sistema demandou uma forma padronizada e convencionada entre agentes de mercado, de representação simbólica do valor das mercadorias lançadas ao sistema de trocas. Nasceu o dinheiro de papel. Simultaneamente, o poder da violência perdeu espaço para a moeda-padrão, o novo suporte do poder político.

A ascensão do Estado-nação industrial foi acompanhada da concentração monopolista da violência nas mãos do Estado e pela sua regulamentação legal da vida dos cidadãos, na mesma proporção em que se difundia a dependência de todos em relação ao dinheiro. Essas três transformações permitiram às elites da sociedade industrial fazer cada vez mais uso da riqueza ao invés da força como fonte de poder e imposição de vontades.

Os detentores de conhecimento e da inteligência sempre levaram vantagem sobre seus interlocutores em quaisquer culturas ou sociedades humanas. Os indivíduos que combinavam o uso do conhecimento – primeiro com a força e depois com o dinheiro – ocuparam os espaços privilegiados reservados à elite do poder em todas as sociedades. Já na sociedade pós-industrial, a importância do conhecimento nas equações estratégicas voltadas para a aquisição de poder econômico e político sofreu uma mudança qualitativa.

A novidade revolucionária resulta do uso intensivo da tecnologia entremeando todas as relações sociais. Mesmo que nem todos os indivíduos, organizações, setores econômicos ou regiões do mundo estejam diretamente plugados em redes digitais e em sistemas de transporte de alta velocidade, de uma forma ou de outra, todos sofremos impactos diretos e indiretos decorrentes das mudanças provocadas pelo uso abrangente dessas tecnologias. Daqui para frente, quem estiver plugado nesse circuito de alta velocidade, em que a tecnologia das redes digitais possibilita que a riqueza simbólica circule na velocidade do pensamento de um lado para outro do planeta, estará no caminho do sucesso e vice- versa. Quem não estiver percebendo essas mudanças e buscando seu lugar nesse circuito, estará se condenando ao isolamento, à exclusão.

O grande diferencial entre o que acontece agora e o que ocorria no passado é que hoje, tanto o uso da força como do dinheiro se tornou dependente da tecnologia. Só é possível operar sistemas tecnológicos detendo-se os conhecimentos imprescindíveis para isso. O conhecimento, não mais a força bruta e nem mais o dinheiro de papel, tornou-se o fator estratégico para a aquisição de poder político e econômico na sociedade pós-industrial. O conhecimento, ao contrário dos bens tangíveis, não é escasso nem mensurável. Para entendermos sua importância e sua função na sociedade tecnológica, precisamos avaliá-lo de forma subjetiva, qualitativa.

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A violência, por exemplo, é um recurso limite e que corresponde a um poder de baixa qualidade. Quem recorrer a ela, somente poderá punir àquele a quem quiser submeter. Se, ao usá-la, a vítima mesmo assim não fizer a vontade do agressor, praticamente nada mais poderá ser feito para submetê-la, a não ser tentar usar mais a mais força, com resultados duvidosos. A riqueza, por sua vez, não é um recurso limite, pois pode ser empregada tanto de forma positiva como negativa, para premiar ou para corromper a quem se quer submeter. Nesse sentido, sua qualidade como instrumento de poder é média. Isso, sem esquecer que, se a premiação ou corrupção não funcionarem, o agente ativo na relação de poder sempre poderá recorrer à força, em último caso, para tentar conseguir o que não conseguiu com o dinheiro (TOFFLER, 1990, p. 39).

Já o conhecimento supera os outros dois instrumentos de poder como ferramenta da mais alta qualidade a serviço das legítimas ambições humanas. Usando-o com sabedoria, podemos persuadir nossos interlocutores a fazer o que desejamos que eles façam, mostrando-lhes que essa é a melhor forma de eles obterem vantagens no seu próprio interesse, sem gastar nenhum tostão, sem precisar usar a força e, melhor ainda, preservando vínculos que permitem ampliar possibilidades futuras de novas transações e parcerias. E mais, sob determinadas circunstâncias, com o conhecimento posto a serviço da inteligência, pode-se potencializar o uso da força e do dinheiro, usando-os da forma mais racional e econômica possível, quando seu uso é imprescindível à consecução de objetivos almejados. (TOFFLER, 1990, p. 40).

Na sociedade das redes digitais, nada funciona sem a mediação de sistemas integrados de comunicação eletrônica. Imagine um blackout no sistema enérgico do planeta, que desligasse e danificasse irreversivelmente as redes de computadores, a memória das informações e transações neles armazenadas e em trânsito permanente por todos os quadrantes do planeta. Imaginou? Seria o caos. A pré-história de volta em segundos.

O conhecimento e a capacidade de persuasão dos meios de comunicação para tentar influenciar aquilo que os outros sabem ou pensam que sabem, são parte irreversível – e já dominante – do arsenal das novas técnicas de competição econômica e de luta política na sociedade do futuro, em uma dimensão que não percebemos implicações em toda sua extensão. Não é despropositado imaginar que o virtual e abrupto desaparecimento do sistema de comunicações através das redes de comunicação gerasse um conflito violento e generalizado pela sobrevivência numa terra sem lei. Simples apagões provocados pelo colapso do abastecimento de energia em metrópoles norte-americanas na década de 1990, em poucas horas, projetaram um avant premier desse cenário virtual.

O poder na sociedade industrialAs instituições de poder da sociedade industrial nasceram no contexto histórico da sociedade

agrícola, mas apesar de baseadas no modelo de representação por base territorial oriundo de uma época em que a propriedade da terra era a chave para o poder, rapidamente os revolucionários da sociedade industrial passaram a associar seus modelos de organização política e institucional à matriz fabril (TOFFLER, 1990, p. 82).

A lógica das estruturas de poder da sociedade industrial assemelha-se ao efeito da operação combinada das fábricas de produtos que operavam por demanda e necessitavam de usinas de energia que operam por fluxo contínuo. Recorrendo, como faz Toffler, à analogia com os sistemas mecânicos1,

1 Sobre analogia com sistemas mecânicos nas Ciências Sociais, ver: FERRAZ, Francisco. Analogia mecânica na política I. Política para políticos.

Porto Alegre, fev. 2007. Seção Cultura. Disponível em: <http://www.politicaparapoliticos.com.br/interna.php?t=754384&p=b>. Acesso em: 14/maio/2007.

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descobrimos um enfoque inusitado do subsistema político da sociedade industrial, que torna os sistemas políticos dos mundos capitalista e socialista mais parecidos do que se costuma imaginar.

A alimentação da máquina de processar decisões políticas com ”matérias-primas” novas ou recicladas (políticos e suas idéias), é acionada pelos eleitores de forma intermitente a cada quatro anos. Nesse sistema, a burocracia do Estado se equivaleria a uma usina de energia que precisa funcionar vinte e quatro horas por dia, trezentos e sessenta e cinco dias por ano, para que a ”matéria-prima” seja processada e convertida em produtos lançados ao mercado social pela ”fábrica global de leis” (TOFFLER, 2001, p. 83).

Os historiadores e cientistas sociais viam diferenças abissais entre o regime político comunista e a democracia liberal vigente nos países capitalistas. De fato, todos recorriam a alguma forma de legitimação das decisões políticas pelo voto da maioria, seja em eleições livres, seja em assembléias populares controladas pelo partido único nos países socialistas. Os sistemas políticos eram diferentes nas aparências, mas a lógica que movimentava a máquina de processar decisões e fabricar leis funcionava sob os mesmos princípios. Das eleições para líder da turminha da pré-escola, até a escolha do presidente da República ou do secretário-geral do Partido Comunista, todos, sem exceção, de forma mais ou menos manipulada, legitimavam-se no poder pelo voto da maioria.

Crise e transformação do sistema de poder da sociedade industrial

Karl Marx e seus seguidores vendiam a utopia de uma sociedade de iguais, uma espécie de paraíso terreno. No entanto, o retrospecto histórico das sociedades e culturas humanas testemunha contra Marx e seus seguidores. Em todas as formações sociais inventadas pelos seres humanos, desde o tempo das cavernas até os dias de hoje, sempre houve líderes e liderados, governantes e governados. Mesmo os defensores das utopias que, na teoria, defendiam a igualdade impossível entre os desiguais, ao colocarem em prática suas idéias, criaram sociedades desiguais e inclusive totalitárias.

Os grandes ciclos de transformação registrados na história da humanidade, quando chegaram ao ponto de contaminar as estruturas políticas das sociedades sobre as quais se abateram, culminaram com a substituição das elites no poder, na seqüência de profundas transformações econômicas, sociais e culturais que antes modificaram a configuração das estruturas básica dos sistemas sociais.

Hoje, todas as nações cujas estruturas de poder estão assentadas sob a lógica do paradigma industrial experimentam crises profundas dos seus sistemas de serviços urbanos, de saúde, previdência social, transportes, segurança, meio ambiente. Instituições, leis e mentalidades de líderes encarregados de encontrar as soluções para esses e outros problemas encontram-se ancorados na lógica ultrapassada das decisões verticais e padronizadas, destinadas a resolver problemas de um tipo de sociedade que não existe mais.

A segmentação da produção e das comunicações, decorrente do impacto das novas tecnologias sobre o comportamento social de cidadãos, consumidores e eleitores gerou fragmentação das atitudes, opções e escolhas. Líderes de massas, ideologias de massas, partidos de massas, legislações e instituições concebidas para uma sociedade de massas não têm como funcionar numa sociedade que não é mais de massas.

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O exercício da participação política na sociedade industrial era concentrado nas mãos de grandes líderes e canalizado para dentro de estruturas como os partidos e sindicatos. Na sociedade pós-industrial, o poder dessas organizações não desaparece, mas reduz-se, fragmenta-se e desloca-se para uma infinidade de grupos minoritários organizados em torno de causas pontuais: feministas, gays, pacifistas, anti-racistas, defensores do mico-leão-dourado, do mico-leão-da-cara-preta, da baleia-franca, da preservação das bromélias da Floresta Atlântica, defensores do direito de não se ter nenhuma causa, enfim, todos se dispõem a defender pequenas causas para fazer sua pequena parte para ”salvar o mundo” do desastre. Ou seja, os indivíduos que buscam a participação política na sociedade contemporânea não se interessam mais na participação em organizações de massas nem se orientam mais por ideologias e líderes de massas, preferindo causas pontuais e organizações através de grupos minoritários.

No passado industrial, todos queriam salvar o mundo com utopias totalizantes e totalitárias. Nazismo, fascismo, comunismo. Hitler, Mussolini, Stalin. Cada um ao seu modo, tinha a solução única e salvadora para as mazelas de toda a humanidade. Cada um a seu modo, não só deixaram de resolver os grandes problemas da humanidade, como construiu sistemas que violentaram as liberdades e direitos individuais e outros valores essenciais à preservação da igualdade dos cidadãos perante a lei, independente de raça, religião, credo ideológico, opção sexual e a pose para os alunos e tudo o que nos torna iguais na desigualdade.

As novas soluções para os novos problemas da sociedade pós-industrial não são de esquerda nem de direita, nem da burguesia nem do proletariado, nem da classe dominante nem dos dominados, nem dos desenvolvidos ou dos subdesenvolvidos. São globais ou locais, são étnicos e/ou religiosos. São de gays, de mulheres ou de homens. São de velhos, de jovens ou de cidadãos de meia idade. São individuais ou coletivos. São financeiros ou gerenciais. São econômicos, políticos ou sociais. As ideologias do industrialismo morreram. As disputas pelo poder, agora, acontecem de forma diferente.

A sofisticação das formas de manipulação de dados, informações e imagens que circulam nas redes digitais dificultam nossa compreensão sobre o que realmente há por trás do turbilhão de informações envolvidas nos processos políticos. Vazamentos de informação dirigidos, fontes camufladas, maquiagem de dados (os números não mentem, mas os homens mentem manipulando-os), omissão de informações para públicos seletivos, difusão de mensagens contraditórias visando semear confusão e discórdia entre receptores, criptografia de informações que permitem apenas ao receptor-alvo do emissor decodificá-las, compartilhamento malicioso de informações visando envolver o receptor em virtuais conseqüências nefastas da ação desencadeada pelo emissor, proteção do emissor efetivo de um comando para prática de serviço sujo por subordinados.

Invasão de sistemas, espionagem, invasão da privacidade por microcâmeras e microgravadores, fabricação de escândalos. As tecnologias de inteligência artificial desenvolveram sistemas capazes de desenvolver sistemas, disparando uma espiral de complexidade, abstração e sofisticação que dificulta sua decodificação por parte das pessoas que não detêm conhecimento sobre como esses processos são concebidos e postos em operação. Essas são apenas algumas táticas a serviço das novas formas de disputar poder.

Investigar os interesses e objetivos por trás das mensagens e rastrear trajetória da origem ao destino, dentre outras técnicas, são alternativas para enxergar a lógica por trás do caos aparente. O poder de monitorar quantidades incontáveis de variáveis gera confusão devido ao excesso de informação. Saber selecionar as informações confiáveis, estratégicas e relevantes, agrupá-las, classificá-las e interpretá-las para subsidiar a eficiente tomada de decisões empresariais e de governo é um serviço que vale milhões. (TOFFLER, 1990, p. 287-316).

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Um sistema social que se comunica assim necessita de outras instituições políticas e regras capazes de garantir a sobrevivência da liberdade, da igualdade dos desiguais e da democracia liberal. Sem novas lideranças com a percepção dessa realidade nova, sem novas leis e novas instituições, esse desafio se torna inalcançável.

A mesma lógica que leva empresas a revolucionarem seus métodos de gestão da produção por imposição das novas tecnologias que adotam, exige que as organizações burocráticas do Estado Industrial sejam reconfiguradas pelo paradigma das redes digitais em suas formas de organização e processamento de decisões. Reduzir a burocracia, delegar poderes autônomos a operadores inteligentes com liberdade de decidir qual a melhor forma de cumprir metas e prazos, permitir novas formas de gestão do setor público, enfim, o Estado precisa acompanhar a onda da mudança ou sucumbirá na obsolescência, em prejuízo daqueles que o sustentam com uma considerável parcela da riqueza produzida por trabalhadores e empresas, e suprimida de seus bolsos pelos impostos.

As causas de criseCada sociedade cria o seu subsistema político. Quando o industrialismo substituiu a economia

agrícola, a humanidade experimentou o fim do feudalismo e o início do capitalismo e do socialismo. Capitalismo e socialismo foram os dois sistemas baseados na matriz de produção fabril, nas tecnologias mecânicas e nas linhas de montagem.

A sociedade industrial criou um sistema de seleção de elites baseado na lógica do voto da maioria. Votando em urnas ou em assembléias, eleições periódicas, partidos políticos, parlamentos, tribunais e governos, cujo funcionamento depende de gigantescas pirâmides burocráticas de processamento das decisões, regulavam, julgavam e administravam as decisões sobre o destino dos recursos públicos, disputados pelas forças sociais organizadas em partidos. Esse sistema, assim como todas as organizações criadas pela sociedade industrial, está em crise. A ineficiência, o gigantismo burocrático, a falência financeira, a corrupção e o descrédito nos políticos estão nas primeiras páginas dos jornais na maior parte dos países do mundo.

O colapso nos processos de tomada de decisões é causa e efeito da mudança nas relações de poder na sociedade atual. Sob circunstâncias normais, o sistema político (poderes constituídos, partidos, instituições de representação de interesses da sociedade) cumpre a função de processar as decisões coletivas, produzindo deliberações executadas, fazendo com que os governos cum-pram suas finalidades.

Na sociedade de base agrícola, a liderança derivava do nascimento (direito divino, herança consangüínea de títulos de nobreza). Na sociedade industrial, a liderança baseava-se no poder impessoal e mais abstrato, que processava mais decisões sobre mais assuntos. A concretização das decisões dependia de órgãos executores. O líder necessitava de instrução, capacidade de raciocínio abstrato e vocação para comandar elites burocráticas. A autoridade era constrangida por leis e por poderes fiscalizadores e reguladores. A legitimidade da liderança e das decisões coletivas provinha do voto da maioria.

Na sociedade pós-industrial, o perfil da liderança é outro. A economia pós-industrial está levando a sociedade para patamares mais altos de complexidade, tornando as decisões políticas dependentes

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da assessoria de superespecialistas que abastecem o líder de informações que terminam influenciando decisivamente as decisões tomadas. A alta especialização do conhecimento, a complexidade, o volume e a velocidade das informações que envolvem as decisões, limitam o poder da liderança nas organizações da sociedade pós-industrial, tornando-a muito mais temporária, compartilhada e subordinada ao poder dos técnicos.

As estruturas anacrônicas, piramidais e centralizadas no topo, típicas das organizações da era industrial, produzem intermináveis disputas interburocráticas pelo controle de mais e mais decisões que nada decidem, causando desperdício de tempo e dinheiro públicos e gerando efeitos secundários adversos, às vezes piores do que a tentativa inicial de solucionar o problema na origem. A realidade muda muito rapidamente e as informações circulam de forma muito mais veloz do que as decisões governamentais podem gerar efeitos. Ou as decisões vêm tarde demais, ou caem no impasse paralisante. Flexibilidade, agilidade, criatividade e velocidade cada vez mais se impõem sobre a ineficiência burocrática.

As tecnologias pós-industriais estão segmentando a produção, o consumo e os canais de comunicação. Os produtos e mensagens agora se dirigem a grupos específicos de consumidores com gostos e demandas específicas. A sociedade está se desmassificando como reflexo dessa tendência da produção, da comunicação e do consumo. A política não ficou imune ao impacto dessas transformações. Novos tipos de organizações e movimentos estão surgindo, efêmeros, fragmentados, locais, transnacionais. Ambientalistas, pacifistas, minorias sexuais, minorias raciais, grupos religiosos e tantos outros tipos de organizações, com suas manifestações midiáticas, invadiram o palco antes monopolizado por partidos e sindicatos e criaram novos cenários. A formação das maiorias estáveis e duradouras que sustentavam os líderes, os partidos e os governos da sociedade industrial, está cada vez mais difícil, senão impossível.

As circunstâncias mudam de país para país, mas a crise política atinge todos os que não conseguem se reciclar. Embora os sistemas políticos permaneçam baseados no voto das maiorias, os governos têm crescente dificuldade para formar maiorias. Costurar uma verdadeira colcha de retalhos de minorias, que se faz e desfaz em curtos espaços de tempo, em torno de causas pontuais, é a lógica da nova engenharia política. Minorias bem organizadas de hoje com acesso à mídia podem ter mais poder do que as amplas maiorias de ontem. A diversidade social é tão grande que os representantes não conseguem articular consensos que lhes permitam falar em nome da ”vontade geral da nação”, idéia que foi um dos conceitos alicerces da ”democracia representativa”.

O volume, a velocidade e a complexidade das informações que circulam no sistema geraram uma correspondente sofisticação e diversificação dos problemas sobre os quais os governos precisam tomar decisões. A esta fragmentação, sofisticação e diversificação, corresponde a uma compartimentalização e especialização das instituições políticas, levando os ”representantes”, despreparados para essa realidade nova, a usarem a intuição para decidirem, do que critérios racionais. As ordens terminam não sendo cumpridas, ou o são de forma diferente daquela desejada pelo emissor.

Legisladores e governantes dependem cada vez mais de assessoramento especializado para a tomada de decisões. A influência dessas assessorias se sobrepõe aos critérios políticos ou racionais, muitas vezes induzindo o representante, por ignorância dos aspectos técnicos que envolvem a decisão em questão, a adotar posições que não adotaria sob outras circunstâncias.

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O poder na sociedade pós-industrial 89

A democracia do futuroUm cenário como esse exige respostas novas, originais. Talvez seja o caso de se criarem novas

formas de processar decisões coletivas de modo a contemplarem-se os interesses das pessoas diretamente atingidas pelas conseqüências das decisões políticas. Plebiscitos e referendos cada vez mais estão sendo usados para legitimar decisões controvertidas com apoio social amplo.

Problemas globais ou nacionais não encontram solução no âmbito local e vice-versa. Outros não podem ser resolvidos no nível nacional, alguns requerem ações em diversos níveis. Isso sugere a necessidade de novas instituições transnacionais para arcar com decisões globais e que não mais podem ser tomadas por governos nacionais isoladamente (catástrofes ambientais, distúrbios climáticos, terrorismo, crime organizado, crises do mercado financeiro internacional, por exemplo). Faz-se necessário redistribuir racionalmente os processos de tomada de decisões. Por todo o mundo surgem experiências de descentralização de poder que podem superar o Estado nacional como unidade política e econômica central da sociedade pós-industrial. A Europa experimenta a aplicação do paradigma das redes à configuração das novas instituições políticas de um continente unificado. A diluição das fronteiras dos Estados nacionais, causada pela formação dos megablocos, está gerando transformações ainda não bem compreendidas pelas teorias econômicas, sociais e políticas de um pensamento acadêmico ainda demasiado arraigado aos paradigmas da sociedade industrial.

AtividadesNeste capítulo analisamos as grandes transformações políticas em curso na sociedade atual.

A construção da sociedade e das instituições políticas e jurídicas da sociedade do futuro é uma obra aberta e inacabada. O destino está em nossas mãos, seja por ação, ou por omissão. A civilização ocidental, no entanto, viveu experiências únicas, que deram origem ao sistema de crenças e valores e as formas de organizar social e politicamente a vida em sociedade. Períodos de instabilidade e mudanças profundas com as que se vive nos dias atuais podem nos levar a um futuro melhor, ou ao retrocesso. Valores como os da ”liberdade”, da ”igualdade dos cidadãos perante a lei”, da preservação dos ”direitos humanos e individuais”, dentre outros, são perenes. A qualquer tempo, mesmo sob mudanças profundas, aprendemos que é melhor para todos viver em sociedades orientadas por esses princípios.

Aprofunde seus conhecimentos sobre as origens históricas, sobre os autores que teorizaram sobre eles, sobre o significado desses conceitos filosóficos e suas implicações sobre a vida social, econômica e política na sociedade moderna, lendo:

MISES, Ludwig von. Ação Humana: um tratado de economia. Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1949.

BRIZIDA, Joubert de Oliveira; POLANY, Michael. A Lógica da Liberdade. Rio de Janeiro: Topbooks, 2003.

TOCVILLE, Aléxis. A Democracia na América. São Paulo: Martins Fontes, 2005.