II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas: Jardins Privados do Século XIX

Embed Size (px)

Citation preview

  • 7/25/2019 II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas: Jardins Privados do Sculo XIX

    1/224

  • 7/25/2019 II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas: Jardins Privados do Sculo XIX

    2/224

  • 7/25/2019 II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas: Jardins Privados do Sculo XIX

    3/224

    1

    II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas:

    Jardins Privados do Sculo XIX

  • 7/25/2019 II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas: Jardins Privados do Sculo XIX

    4/224

    Presidente da RepblicaLuiz Incio Lula da Silva

    Ministro da CulturaJuca Ferreira

    Fundao Casa de Rui Barbosa

    PresidenteJos Almino de Alencar

    Diretora ExecutivaRosalina Gouveia

    Diretora do Centro de Memria e InformaoAna Maria Pessoa dos Santos

    Chefe do MuseuJurema Seckler

    Chefe do Setor de EditoraoStela Kaz

    Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas (1. : 2008 ago. 12-14 : Rio de Janeiro, RJ)[Trabalhos apresentados no] II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas Rio deJaneiro : Fundao Casa de Rui Barbosa, 2010.240 p. (Coleo FCRB Aconteceu ; 9).

    ISBN

    1.Museu Casa - Seminrio. 2. Patrimnio cultural. I. Fundao Casa de Rui Barbosa.II. Ttulo. III. Srie.

    CDD 069.1

  • 7/25/2019 II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas: Jardins Privados do Sculo XIX

    5/224

    3

    Coleo FCRB Aconteceu 9

    II Encontro Luso-Brasileiro

    de Museus Casas: Jardins

    Privados do Sculo XIX

    Rio de Janeiro, 2011

  • 7/25/2019 II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas: Jardins Privados do Sculo XIX

    6/224

  • 7/25/2019 II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas: Jardins Privados do Sculo XIX

    7/224

    5

    Sumrio

    Apresentao

    Ana Pessoa, diretora do Centro de Memria e Informao 7

    Abertura

    Discurso de Jurema Seckler, chefe do Museu-Casa de Rui Barbosa 11

    Discurso de Jos Almino de Alencar, presidente da Fundao Casa de

    Rui Barbosa 13

    Discurso de Antnio Almeida Lima, Cnsul de Portugal no Rio de Janeiro 17

    Discurso de Jerson de Lima da Silva, diretor cientfico da FAPERJ 19

    Palestra

    Tradio e componentes estruturantes da arte paisagstica portuguesa

    (Sc. XVII e XVIII),Helder Carita 27

    Palestra

    Espaos volta das casas brasileiras 47

    Mesa-redonda

    Natureza e Espao Rural: Quintas e Fazendas, Carlos Fernando de

    Moura Delphim 71O parque do baro de So Clemente e o jardim de Glaziou, Cludio

    Piragibe 72

    Os jardins do imperador,Maria de Lourdes Parreiras Horta 82

    A fazenda do baro de Campo Belo (Fazenda do Secretrio),Marta Britto 93

    Comunicaes

    O jardim de Cora Coralina,Marlene Velasco 103

    Verdes residuais: o entorno construdo e a utilizao dos jardins de

  • 7/25/2019 II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas: Jardins Privados do Sculo XIX

    8/224

    6

    interesse histrico na atualidade,Ins Andrade 107

    Futura pinacoteca Rubem Berta: achados arqueolgicos como

    determinantes das modificaes do projeto da casa e do ptio,Ana Margarida Xavier 115

    Mesa-redonda

    Natureza e Espao Urbano: Palacetes e Casas,Jurema Seckler 119

    O Solar Grandjean de Montigny e seu entorno,Piedade Grinberg 120

    O palcio do Baro de Nova Friburgo,Magaly Cabral 132

    O palcio do Baro de Itamaraty,Luiz Antnio Ewbank 145Um jardim em trs tempos: do baro, do comendador e do advogado,

    Ana Pessoa e Cludia Reis 161

    Marcas arquitetnicas do brasileiro na paisagem do Minho,

    Miguel Monteiro 171

    Palestra

    AQuinta da Regaleira e o Arqutipo da Ilha dos Amores,Joo Cruz Alves 181

    O labirinto,Henrique Jos de Souza 188

    Comunicaes

    O Amor como via para a Sabedoria,Ana Cristina Oliveira Sampaio 211

    Os jardins do imperador,Maria de Lourdes Parreiras Horta 213

    Jardins e pomar da Casa do Pinhal, percepes do paraso,Francisco S 216

  • 7/25/2019 II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas: Jardins Privados do Sculo XIX

    9/224

    7

    Apresentao

    A presente edio rene a transcrio das palestras e comunicaes

    apresentadas no II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas: Jardins

    Privados do Sculo XIX, realizado de 12 a 14 de agosto de 2008, promo-

    vido pela Fundao Casa de Rui Barbosa, com o apoio da FAPERJ.

    O Encontro, que integra a tradicional srie de encontros bienais

    dedicados ao estudo de aspectos do museu-casa, deu continuidade ao

    intercmbio com especialistas portugueses iniciado em 2006, e integrou

    a agenda de comemoraes dos 200 anos da instalao da corte portu-

    guesa no Brasil.

    A eleio do tema do evento jardins histricos do sculo XIX ,foi resultado da constatao da carncia de estudos das reas verdes

    que os envolvem, o que vem impossibilitando uma efetiva preservao

    integrada de todos os elementos que compem os museus casas. Essa

    situao , em grande parte, consequncia do fato do jardim, lugar

    onde a natureza e a histria so elementos vivos e dinmicos, em inces-

    sante mutao, s ter sido recentemente identificado como monumen-

    to cultural, merecedor de reconhecimento histrico, esttico e social.As iniciativas mais efetivas de reconhecimento do valor patrimo-

    nial dos jardins s aconteceram, a partir do ano de 1980. Em 1981, o

    Comit Internacional de Jardins e Stios Histricos ICOMOS/IFLA

    estabeleceu carta relativa a jardins histricos, consagrada como Car-

    ta de Florena, reconhecida no ano seguinte pela Fundao Nacional

    Pr-Memria no Jardim Botnico do Rio de Janeiro, com a finalidade

    de conceituar a questo dos monumentos, stios e paisagens naturais

    que, embora estabelecida pelo Decreto-lei no25/37, no tinha sido at

    ento efetivamente tratada pelo Iphan.

  • 7/25/2019 II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas: Jardins Privados do Sculo XIX

    10/224

    8

    Como consequncia desse reconhecimento tardio, muito se perdeu

    dos traos e da memria sobre as praas e as reas verdes jardins, hor-

    tas e pomares de fazendas, chcaras e palacetes. Assim como poucose sabe hoje sobre o cultivo e o uso das plantas pelos ndios e africanos.

    Nas ltimas dcadas, o retraimento das reas verdes nos centros urba-

    nos, ao reduzir cada vez mais o convvio cotidiano com a Natureza,

    interrompeu a transmisso entre as geraes sobre a lida emprica com

    rvores e plantas. Esse quadro tambm desestimulou a formao de

    profissionais qualificados, capazes de articular as complexas questes

    que envolvem a preservao dessas reas, que devem observar no saspectos do traado e dos elementos arquitetnicos, como sua vegeta-

    o arbrea e herbcea.

    Nesse quadro de fortalecimento dos estudos sobre jardins hist-

    ricos, de grande importncia a contribuio portuguesa. Tanto pela

    sua presena na formao do ethosdo brasileiro e de sua relao com

    a Natureza, cujas repercusses podem ser ainda observadas na culturapopular e cotidiana, como pela sua atuao no campo erudito desse

    tema, onde o conhecimento e a anlise dos jardins e stios portugueses

    preservados so indispensveis para que se possa inferir muito de reas

    j desaparecidas no Brasil. Ressalta-se que nesse sentido so importan-

    tes tanto os lugares que expressam a tradio de traados arquitetni-

    cos e de certa ocupao vegetal, como os que absorveram as diferentes

    influncias europeias, como os estilos italiano, francs e ingls.Contudo, os jardins devem ser objeto de pesquisa e reflexo no

    apenas a partir de seus aspectos formais e estruturais, mas tambm de

    seu significado simblico e de memria. A correspondncia entre Por-

    tugal e o Brasil na adeso a gostos paisagsticos tem um testemunho

    peculiar no jardim da Casa de Rui Barbosa, resultado da presena de

    dois comerciantes portugueses.

    O uso domstico implantado na antiga chcara, em 1849, pelo co-

    merciante tripeiro Bernardo Casimiro de Freitas, futuro baro da

    Lagoa, lhe deixou a marca da extensa prgula, ou latada, que domina

  • 7/25/2019 II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas: Jardins Privados do Sculo XIX

    11/224

    9

    a rea posterior da propriedade, remetendo-a s propriedades do norte

    de Portugal. Enquanto que os traos do jardim romntico ingls, mo-

    delo predominante a partir dos meados do sculo XIX, que podem ain-da hoje ser observados no jardim social, foram implantados na dcada

    de 1870 pelo comendador brasileiro Albino de Oliveira Guimares,

    que promoveria, pouco depois, a adoo do mesmo estilo no jardim

    pblico de Fafe, sua cidade natal.

    Esta edio, ao compartilhar os estudos apresentados no seminrio

    de 2008, pretende contribuir para o enfrentamento conjunto de nossas

    instituies de memria do desafio de valorizao do jardim enquantobem cultural.

    Ana Pessoa

    Diretora do Centro de Memria e Informao

  • 7/25/2019 II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas: Jardins Privados do Sculo XIX

    12/224

  • 7/25/2019 II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas: Jardins Privados do Sculo XIX

    13/224

    11

    DIA12 DEAGOSTODE2008

    Abertura

    Jurema Seckler, chefe do Museu-Casa de Rui Barbosa

    Boa noite a todos. Boas vindas ao Museu-Casa de Rui Barbosa e

    Fundao Casa de Rui Barbosa. Estamos dando incio ao II Encontro

    Luso-Brasileiro de Museus Casas. Mais uma vez contando com a parti-

    cipao de colegas e amigos brasileiros e portugueses, compartilhando

    estudos, debates, dessa vez com o tema Os Jardins Privados do Sculo

    XIX. Estamos felizes e agradecemos a presena de todos.

    Realmente, a preservao de um jardim histrico uma misso

    rdua e desafiadora para uma instituio, qualquer que seja ela. A pre-servao de um jardim do sculo XIX em pleno sculo XXI, em um

    bairro da zona Sul do Rio de Janeiro, tambm um desafio nosso. E

    aproveitamos para agradecer aos colegas do Iphan que esto aqui e a

    muitos outros colegas que nos ajudam nessa empreitada difcil.

    Este jardim nos remete a Rui Barbosa, ao carinho que ele sem-

    pre teve pelo jardim, este jardim que assiste a diversas geraes que

    passam, que vm passando, este jardim na verdade nos remete a umtempo muito anterior ao de Rui Barbosa, que foi o quarto e ltimo

    dono desta casa.

    Hoje temos a felicidade, aqui, de estarmos com colegas portugueses

    Professor Helder Carita e Joo Cruz Alves, da Quinta da Regaleira.

    E gostaria tambm de citar a presena de Lcio Guedes de Azevedo,

    Vice-Cnsul Honorrio de Portugal em Niteri; Thomas Correia deMiranda Lima, presidente do Centro da Comunidade Luso-Brasileira

    do Estado do Rio de Janeiro; Comendador Orlando Cerveira Fran-

    cisco, presidente do Clube Portugus de Niteri, e de Gentil Moreira

  • 7/25/2019 II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas: Jardins Privados do Sculo XIX

    14/224

    12

    de Souza, vice-presidente do Conselho da Sociedade de Beneficncia

    Portuguesa de Niteri.

    Estamos juntos aqui, nesta homenagem que vamos fazer hoje aosegundo proprietrio desta casa, o Comendador Albino de Oliveira

    Guimares, natural de Fafe. Estamos ansiosos para que o Prefeito de

    Fafe, que veio de Portugal, receba esta homenagem.

    Gostaria ento de convidar para a nossa mesa de abertura o pre-

    sidente da Fundao Casa de Rui Barbosa, Jos Almino de Alencar;

    Jerson Lima, diretor cientfico da FAPERJ; Antnio Almeida Lima,

    Cnsul-Geral de Portugal no Rio de Janeiro e a Professora IsmniaMartins, que Decana do curso do Programa de Ps-Graduao de

    Histria da UFF e Coordenadora do projeto Arquivo Nacional do

    BNDES, relativo listagem de imigrantes no Brasil. Eu passo a pala-

    vra ao presidente desta Fundao.

  • 7/25/2019 II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas: Jardins Privados do Sculo XIX

    15/224

    13

    Jos Almino de Alencar

    Presidente da Fundao Casa de Rui Barbosa

    Senhor doutor Jos Ribeiro, Prefeito de Fafe, cuja presena assume

    um significado especial para ns, da Fundao Casa de Rui Barbosa,

    porque hoje nos unimos ao Museu da Emigrao e das Comunida-

    des para, juntos, homenagearmos um cidado de c e de l, um tpicotorna-viagem, o Comendador Albino de Oliveira Guimares, natu-

    ral de Fafe e proprietrio desta casa de 1879 a 1890, quando promoveu

    grandes melhoramentos no edifcio e no jardim.

    Senhor Cnsul-Geral de Portugal no Rio de Janeiro, doutor An-

    tnio Almeida Lima, companheiro de tantas ocasies luso-brasileiras

    comemorativas, amigo desta Casa e nosso vizinho.

    Senhor Professor doutor Jerson Lima, diretor cientfico da Fun-dao de Apoio Pesquisa do Rio de Janeiro, FAPERJ, instituio do

    Governo do Estado do Rio de Janeiro com a qual temos mantido rela-

    es profcuas, excelentes e que tornou possvel a presena dos nossos

    convidados portugueses.

    Minhas senhoras e meus senhores,

    Aqui estamos mais uma vez a segunda entre luso-brasileiros,

    em uma entre a srie de sete encontros de museus casas iniciados

    nesta Fundao, 13 anos atrs, em 1995 o que em si proeza con-

    sidervel.

    No Brasil, a construo de instituies, a formulao de problemas,

    sua discusso e eventuais respostas se esvaem muitas vezes nos primei-

    ros esforos. A nossa histria intelectual e a histria das nossas organi-

    zaes culturais sofrem um excesso de interrupes, bitos prematuros,descontinuidades. Em parte, isso o resultado natural do nosso proces-

    so de desenvolvimento econmico e social, que sempre esteve longe de

    assumir uma forma alinhada, como de resto tambm acontece em mui-

  • 7/25/2019 II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas: Jardins Privados do Sculo XIX

    16/224

    14

    tas outras partes do mundo. Mas, sobretudo, a nossa posio perifrica

    no raro alimenta um mundo intelectual reflexo aos grandes centros e

    onde a atrao pela novidade prevalece sobre a atividade continuada ea busca do amadurecimento. O esforo intelectual se processa assim aos

    soluos e vem a ser quase sempre inconcluso. A continuidade entre ns

    torna-se, portanto, uma virtude particularmente progressista: e neste

    sentido bom e salutar que nos encontremos novamente. Assim sendo,

    eu vos sado; e congratulo a ns todos por este, j podemos diz-lo,

    tradicional encontro de museus casas.

    Os que trabalham com a memria e a histria frequentemente sub-vertem o postulado de Auguste Comte, o de que somos governados

    pelos mortos: bem verdade que, por um lado, no conseguimos nos

    livrar dos objetos, obras, ideias, gestos, atitudes e especialmente para-

    digmas criados por aqueles que h muito se foram. Por outro lado, no

    entanto, somos ns que governamos os mortos, no somente porque

    prosaicamente somos os seus herdeiros e, portanto, senhores do seuslegados, mas porque decidimos seus destinos na nossa memria, na

    nossa histria: atribumo-los sentido e valor, dentro das nossas vidas

    e projetos.

    Cada gerao, de certa maneira, refunda ou cria algo nesta fa-

    bricao do passado, em um processo que mediado por interesses

    materiais, inclinaes ideolgicas, afeto e curiosidade intelectual, no

    necessariamente nesta ordem. Sobre as definies do que patrimniohistrico, cultural ou artstico, atua toda essa sorte de fatores causais:

    econmicos, sociais, polticos, o que tem induzido multiplicao de

    objetos e prticas como algo que deve ser guardado, prezado, estudado.

    A memria estende o seu imprio sobre o esquecimento e incorpora, de

    mais a mais, o que era considerado trivial. A percepo coletiva de que

    ela um fator de prestgio faz crescer a sua demanda, ao mesmo tempo

    em que este crescimento aponta para a sua banalizao. Porm, somos

    frequentemente lembrados (pelo filsofo Paul Ricoeur, entre outros)

    que memria e esquecimento so um par indissocivel, o que afinal,

  • 7/25/2019 II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas: Jardins Privados do Sculo XIX

    17/224

    15

    diante do avano notvel da primeira, seria o caso de perguntarmos

    maneira de Jorge Luis Borges: e ento, o que deve ser esquecido?

    Trago esse paradoxo para que ele me leve de volta ao valor imensoque representa a construo de comunidades como a que aqui se de-

    senvolve e se consolida atravs de um empenho sistemtico em identifi-

    car problemas, estabelecer temrio e promover o debate, o que tem sido

    feito desde o seu incio, no I Encontro dos Museus Casas, em 1995. Ali

    foram discutidas questes sobre a identidade dessas instituies, das ra-

    diaes de seus significados, suas conexes com o imaginrio social, da

    legitimidade histrica, poltica ou mesmo afetiva dos personagens ousituaes que elas representam e das mudanas no contexto histrico

    e institucional a que elas vm sendo submetidas. Durante o segundo,

    o terceiro e o quarto encontros, foram estudadas e debatidas algumas

    das funes especficas que geralmente so atribudas aos museus, res-

    pectivamente, a sua funo educativa, os problemas da conservao e

    da relao entre conservao e os acervos e a questo da pesquisa nomuseu. O quinto encontro, sobre os museus casas na Amrica Latina,

    abriu a perspectiva para reunies internacionais que desaguaram no

    primeiro encontro de museus luso-brasileiros, em 2006 e neste agora,

    apresentando muselogos, arquitetos, paisagistas brasileiros e especia-

    listas portugueses, dirigido, sobretudo, para o estudo dos jardins hist-

    ricos do sculo XIX.

    Apresso-me a dizer que pouco ou nada conheo sobre o tema e seexamino os longes de minha formao intelectual, vejo-me plantado

    em uma tradio forte e vastamente livresca, com pouca informao so-

    bre a beleza da composio plstica, filho de uma regio (Pernambuco),

    onde a monocultura brutal da cana-de-acar estabelecia uma relao

    agressiva com o mundo natural volta. O viajante francs Louis-Fran-

    ois de Tollenare, que viveu no Recife no final da dcada de 1810, re-

    gistrou em suas Notas dominicais que, interessado na flora local, tudo

    que dela pudera recolher lhe viera de um conterrneo, administrador

    de um jardim, criado pela administrao joanina recm-estabelecida,

  • 7/25/2019 II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas: Jardins Privados do Sculo XIX

    18/224

    16

    onde reunia espcimes do lugar. Entre os monges beneditinos de Olin-

    da, aos quais rende homenagem cultura e vivacidade de esprito,

    tudo o que lhes interessava eram os feitos da Revoluo Francesa, asaventuras da razo e o destino da humanidade. Gilberto Freire, um

    sculo e meio depois, confessa no seu livroNordesteque, em uma visita

    a um engenho pernambucano e vista de uns restos de mata atlnti-

    ca, tanto ele como o senhor de engenho e mesmo o empregado que os

    acompanhava se revelaram incapazes de nomear um s nome de plan-

    ta para satisfazer a curiosidade de um visitante estrangeiro a quem ele,

    Freire, servia de cicerone.Provavelmente estimulado por essa ignorncia, tenho acompa-

    nhado de perto e apoiado os esforos desenvolvidos pelos colegas aqui

    da Casa na promoo de discusses e cursos sobre jardins histricos

    que comearam quatro anos atrs, em 2004, com as palestras de Car-

    los Fernando de Moura Delphim e o livro Memria de um jardim

    Estudo do acervo do Museu-Casa de Rui Barbosa, de Cludia Reis. Apreservao de jardins histricos veio a ser o tema das comemoraes

    dos 77 anos do Museu no ano passado e agora a discusso se amplia

    neste encontro internacional ao qual eu fao votos de muito bom tra-

    balho e sucesso.

  • 7/25/2019 II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas: Jardins Privados do Sculo XIX

    19/224

    17

    Antnio Almeida Lima

    Cnsul de Portugal no Rio de Janeiro

    Senhor presidente da Fundao Casa de Rui Barbosa, Senhor Jos

    Almino de Alencar, querido amigo, carssimo e queridozinho tam-

    bm, muito obrigado pelas suas palavras. Queria tambm agradecer

    ao Senhor Jerson de Lima, diretor da FAPERJ, e Professora IsmniaMartins, tambm querida amiga, j tambm de vrios eventos rela-

    cionados com a promoo da nossa cultura e das nossas experincias

    comuns na rea patrimonial e cultural. Quero agradecer a todos, aos

    organizadores deste II Encontro Luso-Brasileiro, naturalmente Fun-

    dao Casa de Rui Barbosa e aos meus compatriotas portugueses, que

    se prestaram, aceitaram e se interessaram por esta iniciativa.Eu estava ainda h pouco explicando a uma jornalista da Agncia

    Lusa que me entrevistava, que a experincia, que tenho tido nestes dois

    anos e meio aqui no Rio de Janeiro, deste grande intercmbio cultural,

    artstico e tambm econmico que existe entre Portugal e Brasil nos

    dias de hoje, prova que a nossa histria, apesar de rica, no acabou

    ainda e que ns estamos a construir todos os dias pontes, laos, formas

    de convvio contemporneo e bases para um futuro ainda, espero, bemmais promissor nas nossas relaes.

    Em especial, a comemorao dos duzentos anos da chegada da fam-

    lia real ao Brasil tem sido aqui no Rio de Janeiro de fato um momento

    grande na revisitao da nossa histria comum e do quanto interessa aos

    nossos dois pases, o quanto interessa s nossas duas sociedades, conhe-

    cer melhor como fomos to prximos e como temos e guardamos ainda

    muito de experincias e de heranas comuns. extraordinrio para um

    portugus que chega ao Rio de Janeiro e vive no Rio de Janeiro conhecer

    dia a dia a riqueza dessa presena e herana comum.

  • 7/25/2019 II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas: Jardins Privados do Sculo XIX

    20/224

    18

    Como dizia o Professor Jos Almino de Alencar, eu tambm no

    sou um especialista na rea dos jardins, porm, sinto cada vez mais

    verdadeira a velha mxima de Ea de Queirs, que afirma que umhomem s se completa quando cria um filho, planta uma rvore ou

    escreve um livro. De fato, estes trs domnios da criao humana esto

    prximos e, com a idade, percebemos, cada vez mais, a importncia da

    natureza para estabelecermos uma relao importante com o mundo.

    Sinto-me cada vez mais fascinado com o que vou aprendendo aos pou-

    cos e, aqui, nesses prximos dias, certamente vou aprender muito sobre

    o que os nossos antepassados fizeram no domnio dos jardins pblicose privados.

    Durante quatro anos, servi em Moambique, onde aprendi muito

    sobre a importncia da rvore para a cultura africana. As rvores so

    objetos de culto das famlias que, debaixo delas, enterram seus mortos,

    que nelas procuram abrigo e a elas elegem como locais de reflexo etc.

    Ento, essa experincia vivida em Moambique me faz refletir o quan-to a civilizao ocidental tem de presumida, porque muitas vezes se

    esquece da volta s origens e do regresso quilo que verdadeiramente

    nos faz ligar ao todo, ao nosso todo e nossa natureza.

    Assim, admiro e quero aqui prestar homenagem a todos os cria-

    dores de jardins, a todos os criadores de parques pblicos e priva-

    dos, porque sem eles certamente o mundo seria mais triste e mais

    pobre. E por isso lhes devo, lhes devemos todos ns, creio, este plei-to de homenagem. E este encontro que hoje se inicia vem ajudar-

    nos a conhecer melhor o nosso passado para podermos plantar o

    nosso futuro. Muito obrigado.

    Jos Almino de Alencar Agradeo as palavras do Senhor AntnioAlmeida de Lima e passo a palavra ao Senhor Jerson de Lima, diretorcientfico da FAPERJ.

  • 7/25/2019 II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas: Jardins Privados do Sculo XIX

    21/224

    19

    Jerson de Lima da Silva

    Diretor cientfico da FAPERJ

    Boa noite a todos. Queria inicialmente cumprimentar o doutor Jos

    Almino, presidente da Fundao Casa de Rui Barbosa, nosso colega An-

    tnio Alves de Lima, Cnsul de Portugal. Quero tambm cumprimentar

    a Professora Ismnia, a quem tenho em alta conta e que muito me ajudouquando iniciei meu trabalho na FAPERJ. Sem a Professora Ismnia, eu

    no teria conseguido realizar esse trabalho, especialmente no estado do Rio,

    particularmente na cidade do Rio de Janeiro, onde essa rea to intensa.

    Gostaria tambm de mencionar a importncia deste evento e desta

    parceria com a Fundao Casa de Rui Barbosa. No final de 2003, estive

    aqui para apresentar os programas da FAPERJ. Naquela poca, nossosrecursos constituam um dcimo do que hoje dispomos. Contudo, t-

    nhamos a certeza de que a Fundao deveria ter uma misso de estado

    e no, uma misso poltica. E dessa misso fazia parte o apoio Funda-

    o Casa de Rui Barbosa, que, por sua vez, tem nos apoiado por meio

    do trabalho de seus pesquisadores.

    Devo tambm confessar o meu grande apego por esta Casa, porque,

    na realidade, foi em suas imediaes que, pela primeira vez, morei nazona Sul da cidade. Sempre morei no subrbio do Rio de Janeiro e, de

    l, transferi-me diretamente para Illinois, onde fiz o meu ps-doutorado.

    Quando voltei ao Rio, vim morar na rua Baro de Lucena, prxima da-

    qui, onde meus filhos pequenos e eu vnhamos constantemente visitar o

    museu. Na poca no havia notebooks, ento, eu, que sou pesquisador

    na rea de biomdica, trazia os meus caderninhos de anotaes, e com as

    crianas experimentvamos algo bastante novo. Algo que tem a ver com

    o que Jos Almino e o doutor Antnio observaram a respeito do ambien-

    te dos museus e seus entornos na formao da cultura.

  • 7/25/2019 II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas: Jardins Privados do Sculo XIX

    22/224

    20

    H pouco tempo, ouvi um comentrio sobre a importncia de a cul-

    tura ser cada vez mais expandida atravs da democratizao dos espaos,

    da distribuio de livros etc. Contudo, se formos a qualquer cidade dointerior do pas, observamos justamente o inverso. Assim, se consegui-

    mos distribuir um pouco a renda no Brasil, o mesmo no acontece com a

    distribuio da cultura que no atingiu um nvel desejvel.

    Diante disso, desejo muito sucesso para este evento. Sou mdico e

    pesquisador da rea de cincias exatas, particularmente da bioqumica,

    e esta contingncia me obriga muito a correr atrs do futuro, mas sei da

    importncia de se valorizar o passado, a histria. Marcel Proust, um dosmeus autores preferidos, nos ensina que rememorar recriar a histria.

    Lembrar de alguma coisa , de certa maneira, recri-la, reinvent-la.

    Penso que aprendi bastante nesses anos de convivncia com a Pro-

    fessora Ismnia. De vez em quando, ela brigava comigo: Olha, esto

    indo muitos recursos para as reas exatas. importante destinar recur-

    sos para as cincias humanas. Percebemos que, em alguns momentos,houve uma diminuio do apoio s pesquisas em histria. Isso agora,

    por incrvel que parea, est acontecendo na rea da fsica. Ento, a

    FAPERJ tem procurado no s ter um papel de banco, mas interagir

    com os pesquisadores e implementar novas polticas, sempre buscando

    parcerias e estimulando a multidisciplinaridade.

    Este evento junta-se a uma srie de outros que a FAPERJ vem apoian-

    do em parceria com Portugal, como a exposio sobre os duzentos anosda medicina. Ento, mais uma vez, parabenizo a Casa de Rui Barbosa e

    lastimo no poder estar presente aqui nos outros dias, mas desejo que as

    discusses programadas para o evento sejam bastante profcuas. Obrigado.

    Jos Almino de Alencar Agradeo ao Professor Jerson de Lima, so-bretudo por essa lembrana da reunio de 2003, que nos faz ver todo ocaminho percorrido at agora. Est acabada aqui a sesso de encerramentoe iniciamos, agora, o II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas.

  • 7/25/2019 II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas: Jardins Privados do Sculo XIX

    23/224

    21

    Jurema Seckler

    Chefe do Museu-Casa de Rui Barbosa

    Eu gostaria agora de convidar a Professora Ismnia Martins para

    fazer a homenagem ao Comendador Albino de Oliveira Guimares.

    Gostaria tambm de informar que estamos vivendo um momento

    muito feliz hoje, porque, to logo a Professora termine a homenagem, fa-remos a entrega dos prmios de uma atividade educativa que aconteceu

    aqui no ms de julho: O Prazer do Percurso. Os contemplados com os

    prmios de fotografia e de conto encontram-se aqui com os seus familia-

    res. Agradecemos a presena e parabenizamos a todos. Aps a premiao,

    iremos para a casa histrica, para a casa do Rui Barbosa, onde haver um

    concerto de msicas do sculo XIX e ser servido vinho proveniente donorte de Portugal, gentilmente oferecido por um colaborador portugus.

    Ismnia Martins Coube-me a honra, talvez por ser a mais velha dogrupo, que aqui tem inclusive, na pessoa da Ana Pessoa to forte osobrenome que eu acabei repetindo , uma incentivadora da pesquisae do compromisso com essa reflexo, no apenas sobre a Casa do Rui

    Barbosa, seu jardim, seu museu, mas sobre uma problemtica maiorque a questo da imigrao portuguesa no Rio de Janeiro, que deixoutantas marcas materiais e imateriais na nossa vida social, poltica, eco-nmica e cultural.

    Este prdio, do perodo de sua construo, entre 1850 at a aqui-

    sio por Rui Barbosa em 1893, pertenceu a duas famlias de comer-

    ciantes portugueses. Primeiro, de 1850 a 1879, famlia de Bernardo

    Casemiro de Freitas, natural do Porto Baro de Lagoa; e depois, de1879 a 1890, do Comendador Albino de Oliveira Guimares, natural

    de Fafe, que foi o proprietrio que o vendeu para Rui Barbosa.

  • 7/25/2019 II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas: Jardins Privados do Sculo XIX

    24/224

    22

    Na verdade, existe um intercmbio entre a Fundao Casa de

    Rui Barbosa e o Museu da Imigrao Portuguesa de Fafe, que o

    primeiro museu digital da imigrao portuguesa, que j conta comcolaboradores em vrios continentes. E mereceu o apoio no apenas

    de instituies portuguesas e brasileiras, mas de instituies interna-

    cionais como a UNESCO e a prpria Comunidade Econmica Eu-

    ropeia, para a elaborao e a disponibilizao do site e tambm para

    a realizao de eventos.

    A Professora Ana Pessoa, no nas funes de mentora de projetos

    e auxiliar da administrao deste grande equipamento cultural que a Casa de Rui Barbosa, mas, enquanto pesquisadora, trata justamente

    de recuperar essa trajetria. Ela falaria muito melhor do que eu sobre

    o assunto, mas, em funo de seu envolvimento com ele, pediu-me que

    eu o fizesse.

    Em sntese, nossa colega Ana Pessoa conseguiu essa cooperao e

    iniciou um trabalho de pesquisa de rastreamento das razes desse gru-po familiar que imigrou da pequena vila portuguesa de Fafe, regio

    de origem do Comendador Albino de Oliveira Guimares, ltimo

    proprietrio desta casa antes de Rui Barbosa. No apenas dele, mas

    tambm de sua mulher Lusa, que era filha do comerciante Antnio

    Mendes Oliveira de Castro, que se destacou como proprietrio e capi-

    talista. Sua mulher, dona Castorina, possua muitos bens, destacando-

    se na vida social do Rio de Janeiro. O casal tambm foi proprietrio daChcara dos Macacos, no atual Horto, bairro da zona Sul da cidade do

    Rio de Janeiro.

    Vrios projetos dessa ordem dos que participamos regularmente

    foram levados adiante, e o trabalho iniciado na Casa de Rui foi ao en-

    contro deles. E isto que bonito nessa lio luso-brasileira. Ao invs

    de cada um fazer o seu, temos deixado de lado todas as vaidades aca-

    dmicas, temos nos unido em nossos limites e dificuldades e estamos

    conseguindo avanar. No meu entender, trata-se tambm de uma lio

    para a comunidade acadmica brasileira que s vezes afirma: No,

  • 7/25/2019 II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas: Jardins Privados do Sculo XIX

    25/224

    23

    esse projeto da UNIRIO... No, esse projeto da UFRJ... No, esse

    projeto da UERJ. Este projeto pertence a todos a que a ele acorrem,

    tal como uma casa portuguesa, tal como uma boa casa luso-brasileira,tal como uma casa brasileira.

    Nosso projeto interinstitucional: a Casa de Rui Barbosa, com o

    Museu do Imigrante de Fafe, se unir ao projeto coordenado por mim

    no Brasil e em Portugal, atravs do CEPESE. Estamos construindo

    uma reflexo sobre a imigrao portuguesa que, at ento, tem sido

    escassa, ao passo que existem muitas publicaes sobre a imigrao ita-

    liana, muitas sobre a imigrao alem, sobretudo no Sul do Brasil, masso poucos os livros sobre a imigrao portuguesa.

    Vivemos ento um momento de turning point, quer dizer, de re-

    flexo, o momento em que o Brasil deixa de ser um pas de imigrantes

    para se tornar um pas de emigrantes. Recentemente fiz uma confern-

    cia de abertura de um encontro no Porto, onde estava presente o Se-

    nhor Embaixador do Brasil em Lisboa. Na ocasio, durante o almoo,ele me informou que a comunidade brasileira j era a maior comunidade

    estrangeira em Portugal: somos muitos, centenas de milhares, milhes no

    exterior, em boa parte clandestinos. Temos de refletir consequentemente

    sobre a imigrao e a emigrao neste pas. As questes da identidade, da

    alteridade, da transculturalidade, da aculturao etc. so questes que se

    colocaram no passado e que se colocam hoje novamente.

    Assim, a casa de Albino de Oliveira Guimares, que se tornou umequipamento cultural da maior importncia na museologia do Brasil,

    um centro de pesquisas e estudos jurdicos, literrios e histricos, tam-

    bm muito mais que isso, porque ela alguma coisa que a comunidade

    identifica como um bem pblico. Este jardim, este espao, que cada

    vez mais a cidade v. medida em que as casas morrem, este jardim

    se torna um espao muito privilegiado, como disse aqui o nosso diretor

    cientfico, para as crianas, os pais, a terceira idade, mas sobretudo para

    o cidado carioca, que tem nesta casa um patrimnio muito querido.

  • 7/25/2019 II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas: Jardins Privados do Sculo XIX

    26/224

    24

    Enquanto ela assim continuar, permanecer sendo um smbolo de

    uma ponte que atravessa o Atlntico, as pontezinhas que existem neste

    jardim, que foram reconstrudas pelo Albino de Oliveira Guimaresna praa de Fafe. Esta , na verdade, a melhor imagem: uma ponte

    atravessando o Atlntico, unindo Brasil e Portugal nas suas expresses

    de luso-brasilidade das quais esta casa, sem dvida, um exemplar.

    Muito obrigada.

    Ana Pessoa Muito obrigada, Professora. Acabamos de receber a in-

    formao de que a placa em homenagem a Albino de Oliveira Guimaresestar exposta no museu, onde poderemos v-la. Depois, ela ser fixadapara a posteridade, em pedestal prprio no jardim.

  • 7/25/2019 II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas: Jardins Privados do Sculo XIX

    27/224

    25

    DIA13 DEAGOSTODE2008

    Jurema Seckler Hoje, 13 de agosto de 2008, comemoramos os 78anos do Museu-Casa de Rui Barbosa. H 78 anos, com uma grande fes-ta, o presidente Washington Lus inaugurou a Casa de Rui Barbosa como

    o primeiro Museu-Casa do Brasil. De alguns anos para c, a instituiocomemora a data com um encontro que tem como tema principal essaespecificidade de museu. Neste ano o tema Jardins Privados do SculoXIX. At agora j realizamos o I Encontro de Casas-Museus da AmricaLatina e Caribe e o I Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas. Espe-ramos realizar muitos outros encontros nacionais e internacionais. Nestamanh teremos duas palestras: a primeira ser a do historiador portugus

    Helder Carita. A segunda palestra ser feita pelo Professor Carlos Lemos.Agradecemos e estamos muito felizes com a presena dos dois palestrantes.

    Convido a doutora Ana Pessoa, diretora do Centro de Memria e

    Informao da Fundao Casa de Rui Barbosa, para apresentar o Pro-

    fessor Helder Carita, nosso palestrante da manh de hoje.

    Ana Pessoa

    Helder Carita um renomado historiador, arquitetoe professor, residente em Lisboa. Formado pela Escola Superior de Be-las Artes de Lisboa, doutor em histria da arte moderna, arquitetura eurbanismo. Entre 2000 e 2004, foi diretor pedaggico da Fundao Ricar-do Esprito Santo e do Conservatrio Nacional de Lisboa. No campo dapreservao, participou, em 1982, da renovao da Casa dos Bispos. Aolongo de sua carreira, Helder Carita tem se dedicado ao estudo da arqui-

    tetura e evoluo do conceito de espao, tendo publicado vrios livros eartigos sobre o patrimnio arquitetnico portugus e, em especial, sobre aarquitetura hindu-portuguesa do sul da ndia. autor do Tratado da gran-

    deza dos jardins de Portugale de Originalidade e designs dessa arte, editado em

  • 7/25/2019 II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas: Jardins Privados do Sculo XIX

    28/224

    26

    1987, um dos mais alentados estudos no gnero, alm de outras publicaescomo O Oriente e o Ocidente nos interiores de Portugal, Elementos para o estu-

    do da Casa dos Bispos, Lisboa manoelina e Formao de modelos urbansticosda poca moderna. Organizou, com Renato Arajo, o Universo urbansticoportugus, uma publicao das Comemoraes do Descobrimento dos Por-tugueses, em 1998.

    Conforme a nossa programao, teremos uma hora de palestra,

    com um pequeno intervalo, seguida de uma segunda palestra, aps a

    qual ser iniciado o debate. Ento, passo a palavra a Helder Carita.

    Muito obrigada.

  • 7/25/2019 II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas: Jardins Privados do Sculo XIX

    29/224

    27

    Palestra

    Tradio e componentes estruturantes da artepaisagstica portuguesa (Sc. XVII e XVIII)Helder Carita

    (Jardins de Portugal - 5Mb)

    Em primeiro lugar, gostaria de agradecer Fundao Casa de Rui

    Barbosa pelo convite. Para ns, portugueses, sempre um grande pra-

    zer estar em contato com o Brasil e com os historiadores brasileiros.

    Tentarei dividir a minha palestra em duas partes. Na primeira, fa-

    rei uma introduo ao tema Tradio e componentes estruturantes da

    arte paisagstica portuguesa (sc. XVII e XVIII). Em seguida, apre-

    sentarei um pequeno nmero de imagens.

    Quando fui convidado a participar deste encontro, pensei num tema

    que fosse mais pertinente para a troca de impresses que realizamos

    aqui. Pensei, ento, em fazer uma sntese da tradio paisagstica portu-

    guesa, tratando dos elementos que a estruturam e que estaro presentes

    nos jardins brasileiros. Pensei em tratar desse fundo cultural que, muitasvezes, est por trs do entendimento particular do que um jardim. Nas

    suas mais variadas estruturas e formas, um jardim contm sempre uma

    aspirao a um universo outro, um paraso na Terra. Nas documentaes

    antigas, podemos perceber uma evocao a um espao particular que em

    Portugal adquire alguns aspectos especficos, para alm das influncias

    mais italianas ou mais francesas, e que se mantm subjacente s transfor-

    maes operadas em vrias pocas.Diante disso, elegi dois pontos fundamentais. O primeiro est liga-

    do a uma tradio islmica e mediterrnica, que, ao longo dos sculos,

    http://www.casaruibarbosa.gov.br/dados/DOC/anais/FCRB_Jardins_Portugal_-_Rio_de_Janeiro.pdfhttp://www.casaruibarbosa.gov.br/dados/DOC/anais/FCRB_Jardins_Portugal_-_Rio_de_Janeiro.pdf
  • 7/25/2019 II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas: Jardins Privados do Sculo XIX

    30/224

    28

    vai modelando o sentido e o pensar portugus. O segundo ponto: sobre

    essa tradio islmica e mediterrnica de fundo estaria uma atitude

    aristotlica que, entre os sculos XVI e XVII, se desenvolve em Portu-gal e que, em relao Europa, nos contrape ao idealismo platnico.

    Isso est claro na questo do urbanismo, na sua flexibilidade e adapta-

    o ao terreno, que reflete uma organizao de sentido mais aristotlico

    promovido pela Casa Real e pelos jesutas. Esta tendncia conferia par-

    ticular importncia experincia e a certo pragmatismo com grande

    influncia no nosso pensamento do sculo XVI e nas formas de atuao

    da Casa Real.Ao intitular o meu livro sobre jardins portugueses de Tratado da

    grandeza, fiz to somente uma provocao, na medida em que os jar-

    dins portugueses no so grandes no sentido da escala. A sua grandio-

    sidade de uma outra ordem, mais sutil, mais de ordem do vivencial,

    exprimindo-se numa harmonia intrnseca, que no tem a ver com a

    grande escala. Comparativamente aos modelos europeus, o jardimportugus revela-se, sobretudo, como um espao de estar, afirmando-

    se atravs de uma estrutura mais arquitetnica que paisagstica. Sepa-

    rado por altos muros ou por terraos, ele afirma-se por uma vivncia

    interior, um universo fechado que, a partir de um lugar, se gera a si

    prprio. Daqui a pouco, veremos um caso dos jardins do palcio dos

    Marqueses de Fronteira, que, sendo pequeno, ganha uma forte monu-

    mentalidade pela relao de escala entre seus diferentes elementos epelo requinte do seu ambiente interior.

    A primeira documentao a respeito dos nossos jardins, de que dis-

    pomos, data do sculo XV e registra a contratao, por parte do prprio

    rei Dom Joo II, de um jardineiro vindo de Valncia (Espanha). Esse

    um momento de confluncia de tradies, pois, em 1415, iniciamos

    um contato direto com o norte da frica, o que causa um novo impacto

    desta cultura na arquitetura civil portuguesa. Fato significativo, neste

    perodo, temos como designao usual o termo laranjal, sendo que

    o termo jardim s passa a ser usado no sculo XVI, a partir do Re-

  • 7/25/2019 II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas: Jardins Privados do Sculo XIX

    31/224

    29

    nascimento. Exprimindo um sentido privado e individualizado, esses

    laranjais tm nomes, caso do Laranjal da Rainha que vemos referido

    no pao de Sintra.O jardim ou laranjal tinha assim um certo sentido privado, ntimo

    e contemplativo. Ele era sempre murado, estruturando-se, nos casos

    de paos reais, em ntima relao com os aposentos privados do rei,

    da rainha ou dos prncipes. Observamos, assim, uma multiplicao de

    pequenos espaos com identidades particulares que vemos estender-se

    alta nobreza, caso do pao Ducal de Vila Viosa, com um jardim de-

    nominado da Duquesa e outro das Damas.Outra caracterstica interessante dos jardins portugueses, que ve-

    mos perdurar ao longo dos sculos, est ligada ao elemento gua e s

    suas implicaes na estruturao e ambiente desse espao. Geografica-

    mente confrontamo-nos com situaes de clima seco com vero quente.

    Esta condicionante gera a necessidade de pequenos espaos constru-

    dos numa lgica de conteno e gesto criteriosa das reservas de gua.Com uma estrutura de um ou mais pequenos patamares, na zona mais

    alta o jardim tende a formar um grande tanque, que se assume pelas

    suas propores e tratamento decorativo como elemento fundamental

    e gerador de todo o espao.

    Este tanque e o sistema de distribuio de guas de rega, que se

    desenvolve a partir dele, permitem que, no vero, o jardim se torne um

    pequeno osis verdejante, opondo-se a uma natureza exterior seca eagreste. Normalmente muito largo e pouco profundo, este tanque ten-

    de a assumir um papel de espelho dgua, numa clara e simblica fonte

    de vida radicada na tradio islmica do osis do deserto. Em estreita

    relao com casas de fresco, o lago, espelho dgua, tende a organizar

    sua volta um ambiente de estar, onde a proximidade da gua impri-

    me um clima refrescante de calma e sofisticada intimidade.

    Na realidade, no contexto de um espao arquitetnico que o jar-

    dim portugus vai estruturando as suas caractersticas. Como arquiteto

    e no incio da minha investigao sobre a casa senhorial, este elemen-

  • 7/25/2019 II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas: Jardins Privados do Sculo XIX

    32/224

    30

    to se foi revelando atravs da documentao, onde o jardim aparecia

    como uma parte integrante da casa, ou seja, como uma sala. Neste sen-

    tido, particularmente significativa uma descrio, do incio do scu-lo XVIII, de um viajante francs sobre um jardim da Casa Real, ao

    afirmar: isto no um verdadeiro jardim, uma sala de verdura.

    Eivada de um sentido crtico, onde a tradio do grande jardim fran-

    cs era tomado como referncia, a frase acaba por fazer emergir uma

    das caractersticas mais essenciais do jardim portugus, o seu carter

    arquitetnico, um espao de estar e de usufruto existencial. Ele afasta-

    -se, assim, da tradio europeia onde o jardim entendido sobretudocomo um espao de percurso e de apropriao visual, estruturado por

    um grande eixo gerador de todo o programa, como observamos num

    dos seus casos mais paradigmticos, os jardins de Versailles. Concebi-

    do como uma rigorosa apropriao da natureza, ele afasta-se de uma

    tradio portuguesa, onde o espao se separa radicalmente da natureza

    num universo idealizado e fechado sobre si prprio.Voltando ao sculo XV e aos incios do desenvolvimento da arte do

    jardim em Portugal, o primeiro documento que descreve um jardim

    corresponde a um Tombo do Pao do infante Dom Pedro, Mestre da

    Ordem Militar de Aviz. Neto de Dom Joo I, o infante Dom Pedro

    foi ainda Condestvel do Reino tendo, nesta qualidade, construdo

    um pao na vila de Aviz, hoje completamente transformado. O tombo

    permite-nos reconstituir no s o pao como o seu jardim, que aparececercado por altos muros de 15 palmos de altura (cerca de trs metros

    de altura), decorados, por sua vez, de ameias. O interior era dividido

    em ruas, formando canteiros com laranjeiras, decorados com bancos e

    alegretes. Estes bancos e alegretes, construdos em alvenaria e referidos

    neste tombo, vo permanecer como elementos essenciais e sistemticos

    dos jardins portugueses at ao sculo XVIII. Associados a janelas aber-

    tas nos muros, estes bancos permitiam um usufruto da natureza que,

    enquadrada pelas janelas, se apresenta como um quadro longnquo.

    Remetendo a paisagem para o infinito, o ambiente do jardim adquire

  • 7/25/2019 II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas: Jardins Privados do Sculo XIX

    33/224

    31

    um valor de espao interior e arquitetnico profundamente separado

    da natureza. Vemos este ambiente, ainda hoje, no pao Real de Sintra.

    Situado no alto de uma colina, o Jardim dos Prncipes cercado poraltos muros que tapam a magnfica paisagem da serra de Sintra que

    se desenrola em frente. Os muros do jardim so providos, porm, de

    duas belas janelas geminadas que, quando abertas, revelam a paisagem

    da serra em todo o seu esplendor. No protegido ambiente do jardim,

    a natureza circundante pode ser vista, mas nunca parte integrante.

    A descontinuidade entre espao interior e natureza, entre uma

    natureza idealizada e uma natureza paisagem, revela-se igualmentenas estruturas mais complexas dos jardins dos sculos XVI e XVII.

    Voltados para si prprios, em um universo que se constri de dentro

    para fora, observamos que os jardins revelam uma estrutura espacial

    descontnua. Cada jardim tem tendncia a dividir-se em espaos indivi-

    dualizados e independentes, isto , em pequenos jardins que, separados

    por muros, patamares e escadas, ganham um clima e personalidade par-ticulares. Entre um jardim e outro, estabelecem-se graus de privacidade

    numa sequncia de espaos mais sociais e de representao para outros

    progressivamente mais ntimos e privados. Aps esta breve tentativa de

    estabelecer algumas das constantes mais significativas do jardim portu-

    gus, irei agora apresentar alguns casos de jardins onde, de forma mais

    ou menos clara, podemos ilustrar estas constantes. Cabe salientar que,

    muito mais que arquitetura, um jardim um universo de grande debili-dade, sujeito a constantes alteraes. Uma gerao de abandono de uma

    casa destri um jardim. Temos assim que olhar para o atual patrimnio

    com alguma distncia. Neste contexto, a documentao de inventrios,

    descries ou desenhos de poca torna-se fundamental para nos aproxi-

    marmos do ambiente e da sua estrutura original.

    Temos aqui uma seleo de imagens de alguns jardins portugue-

    ses. Como primeira imagem, podemos observar uma planta de Duarte

    dArmas, que faz parte de um dos primeiros registros conhecidos de

    desenhos de fortalezas do incio do sculo XVI. A planta corresponde

  • 7/25/2019 II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas: Jardins Privados do Sculo XIX

    34/224

    32

    fortaleza de Moura, no Alentejo, onde, na zona da casa do alcaide,

    destaca-se um jardim murado com uma porta, referido em legenda

    como laranjal. Em estreita relao, temos a reproduo de uma ilu-minura islmica com um pequeno jardim de um palcio, claramente

    identificado como um espao arquitetnico particular. No outro de-

    senho de Duarte dArmas, temos uma situao tambm interessante,

    presente na documentao, que a presena de ciprestes despontando

    num horto de um convento franciscano. Em Portugal, no sculo XIX,

    o cipreste tornou-se quase sinistro, pois era muito utilizado em cemi-

    trios. Vemos, nessa iluminura rabe, a representao de um jardimmurado, com dois ciprestes emergindo do seu interior. Temos registros

    de claustros do final da Idade Mdia, onde as laranjeiras e os ciprestes

    so os principais elementos do jardim.

    Este o palcio de Sintra (imagem 2), que rene um conjunto de

    obras datadas do sculo XV, do perodo de Dom Joo I. O jardim

    precisamente o Laranjal da Rainha comentado anteriormente, hoje co-nhecido como Jardim dos Prncipes. Dessa janela vemos a paisagem

    deslumbrante da serra de Sintra, mas que, como num quadro, remete

    paisagem para o infinito.

    Neste caso temos duas iluminuras (imagem 3) de dois jardins sobre

    os quais, do ponto de vista documental, temos informaes variadas.

    Um deles o do palcio da Ribeira, que desapareceu no terremoto.

    O outro o jardim do pao de Santos, que, habitado pela famlia realno sculo XVI, foi se perdendo com obras posteriores. Documentos

    comprovam que este ltimo tinha vrios terraos decorados com laran-

    jeiras e suas obras estiveram a cargo do arquiteto Joo de Castilho, um

    dos autores do mosteiro dos Jernimos. Quanto ao pao da Ribeira, a

    documentao do incio do sculo XVI refere-se a azulejos revestindo

    bancos e alegretes, decorao que se manter como uma caracterstica

    dos jardins portugueses at o sculo XVIII. Esta superfcie brilhante e

    aquosa confere uma imaterialidade ao espao, relacionando-se com um

    sentido criptomgico do jardim fechado sobre si prprio. Esta magia

  • 7/25/2019 II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas: Jardins Privados do Sculo XIX

    35/224

    33

    no brilho do azulejo, que vemos repetir-se nos mais variados jardins,

    constitui, sem dvida, uma das caractersticas mais tpicas do jardim

    portugus, que se contrape a certos formalismos italiano e francs.Outra caracterstica muito peculiar, relacionada com a pequena

    escala e o fato de estar cercado por altos muros, a valorizao do sen-

    tido do olfato e do perfume. Muitos jardins dos sculos XV e XVI so

    mencionados pelas suas ervas aromticas, como o caso dos jardins dos

    Duques de Bragana, elogiados em uma descrio da poca como os

    jardins com as ervas mais cheirosas de todo Portugal.

    Temos aqui o caso do palcio dos Condes de Basto em vo-ra (imagem 4), que, apesar de ter sofrido grandes transformaes,

    mantm as caractersticas tpicas do jardim dos sculos XV e XVI,

    conformado por um pequeno espao murado, ornamentado com as

    tradicionais laranjeiras.

    Nesta imagem passamos para um universo relativamente dife-

    rente, ou aparentemente diferente, que a poca do Renascimento ea Quinta da Bacalhoa (imagem 5). Esta quinta mandada construir

    por Brs Afonso de Albuquerque, filho do grande heri das ndias,

    Afonso de Albuquerque. Como recompensa aos feitos de seu pai, Dom

    Manuel privilegia o seu filho, dotando-o de uma considervel fortuna.

    Brs Afonso Albuquerque constri esta quinta com ntidas influncias

    italianas. A casa e os jardins mantm, na sua estrutura, claros elemen-

    tos de tradio portuguesa. assim que a entrada se constitui de umptio fechado por altos muros ao qual s se passa por uma pequenina

    escadinha em caracol para os jardins, que se constituem de vrios es-

    paos independentes e descontnuos entre si. Por um tombo, de cerca

    de 1620, sabemos que o jardim do buxo,1 junto loggia poente, era

    murado, autonomizando-se dos outros jardins. Na verdade, a par deste

    jardim, verificamos uma grande quantidade de casos que sofreram o

    mesmo tipo de transformaes. Um exemplo destas alteraes abusivas

    so os jardins do pao de Vila Viosa, onde um conjunto de trs pe-

    1Jardim de buxo, ou seja, jardim formado por arbustos e pequenas rvores.

  • 7/25/2019 II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas: Jardins Privados do Sculo XIX

    36/224

    34

    quenos jardins murados transformado, j no sculo XX, num espao

    unificado que, conferindo-lhes outra escala, destri a sua natureza e a

    coerncia esttica.Voltando aos Jardins da Bacalhoa, a partir do pequeno jardim de

    buxo, desenvolve-se uma espcie de longo passeio que, emoldurado

    por alegretes e bancos decorados de belos azulejos, terminava na casa

    do Lago. De belas propores e um desenho muito clssico, a casa do

    Lago (imagem 7) interliga-se com o grande tanque-espelho dgua,

    formando um conjunto nico que, embora de grande monumentalida-

    de, mantm um claro ambiente intimista. Esta intimidade conferida,sobretudo, pelos altos muros que circundam a casa do Lago e o tanque

    onde alegretes, banquinhos e nichos nas paredes vm acrescentar um

    clima de marcado requinte.

    Digna de nota ainda a relao que se estabelece entre as varandas

    da casa do Lago e o tanque-espelho dgua, onde as colunas repousam

    num baixo murete, estabelecendo uma clara proximidade com as guasdo lago. Esta proximidade parece ligar-se com a tradio das senhoras

    se sentarem no cho sobre almofadas e tapetes. Nas tardes escaldantes

    do vero, podemos imaginar a sensao de frescor proporcionada pela

    brisa penetrando o interior das varandas. Um pequeno cais, situado no

    corpo central da casa, servia de ancoradouro a um barco de recreio, fato

    que podemos confirmar em outros jardins, como os jardins do palcio

    dos Marqueses de Fronteira ou, ainda mais tarde, nos jardins de Queluz.Esta outra quinta de recreio, situada na regio de Azeito, ao sul

    de Lisboa, tambm de carter muito particular: a Quinta das Torres.

    Com esttica de um classicismo tardio, a construo desta casa deve-se

    a Dom Diogo DEa, que viveu em Itlia na segunda metade do sculo

    XVI, regressando a Portugal por volta de 1580. Como elemento funda-

    mental da estrutura dos jardins, junto fachada norte da casa desenha-

    se um enorme lago com ntidas afinidades com o tanque da quinta da

    Bacalhoa. Neste caso, o tanque marcado ao centro por uma casa de

    fresco, num desenho de grande pureza formal, tratado em templete.

  • 7/25/2019 II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas: Jardins Privados do Sculo XIX

    37/224

    35

    Verificamos que a casa de fresco dispe igualmente de um pequeno

    cais para o acesso de um barco, permitindo algum estar no meio do

    lago, na mais perfeita privacidade.Outro exemplo, ainda do sculo XVI, so os jardins do palcio dos

    Duques de Bragana em Vila Viosa (imagem 9). Neste caso temos

    vrias descries da poca que nos permitem reconstituir o ambiente

    dos jardins do perodo. No caso do Jardim da Duquesa, verificamos

    a mesma estrutura de jardim completamente murado, com janelas

    onde, por descries antigas, sabemos que as damas se sentavam para

    ver as touradas e ver os cavaleiros passarem. Na sua estrutura espacial,o jardim desenvolve-se com uma longa alameda, com uma sequncia

    de alegretes e banquinhos, marcada no final por um tanque-espelho

    dgua, tambm com uma casa de fresco. A designao deste jardim

    como Jardim da Duquesa salienta, mais uma vez, o carter privado dos

    jardins dessa poca. Na parte posterior do palcio, havia ainda mais

    dois jardins cercados por altos muros e assinalados em plantas antigascomo Jardim das Damas e dos Prncipes, mas que se perderam em res-

    tauros do sculo XX, como referimos anteriormente.

    Aqui estamos em presena dos jardins da Quinta do Bomjardim

    (imagem 10), cuja casa, embora do sculo XVI, recebeu fortes altera-

    es no sculo XVIII. O jardim, localizado na zona norte, mantm

    como elemento fundamental um grande lago com desenho de gosto

    maneirista com curvas e contracurvas. Desenvolvendo-se a partir deum terrao situado no alto, o jardim, apesar das suas alteraes do scu-

    lo XVIII, transparece ntidas caractersticas portuguesas na sua estru-

    tura de alegretes e bancos circundando o tpico lago. Quanto grande

    alameda, que se desenvolve a partir do terrao do lago, pensamos cons-

    tituir uma alterao do sculo XVIII, de influncia francesa. A sua lon-

    ga estrutura axial remete-nos para uma natureza com grandes rvores

    que, alm de usufruda como paisagem, integrada na estrutura do

    jardim, afastando-se das caratersticas tpicas dos jardins portugueses

    dos sculos XVI e XVII.

  • 7/25/2019 II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas: Jardins Privados do Sculo XIX

    38/224

    36

    Neste caso dos jardins do palcio dos Marqueses de Fronteira, es-

    tamos, sem dvida, perante o mais notvel jardim portugus do sculo

    XVII chegado at ns (imagem 11). Com claras influncias italianas,a sua estrutura espacial, constituda de vrios jardins autonomizados

    entre si, o uso de elementos como o grande tanque-espelho dgua, as

    casas de fresco, os muros, alegretes e bancos revestidos de magnficos

    azulejos, colocam estes jardins na mais pura tradio portuguesa. No

    seu conjunto, o jardim do buxo, definindo-se como espao de apara-

    to e representao social, adquire uma particular monumentalidade e

    sofisticao, no pela sua grandeza a sua rea propriamente dita pequena , mas pela relao dos seus elementos arquitetnicos, onde

    o enorme tanque-espelho dgua, enquadrado por uma monumental

    casa de fresco, incute ao espao um clima de grande teatralidade (ima-

    gem 12). A essas qualidades associa-se a sofisticao esttica, conferida

    pela relao do verde das plantas com o azul dos azulejos, que revestem

    a fachada da Casa do Lago e, por sua vez, a relao entre o azul do azu-lejo com o azul do cu, efeito verdadeiramente magnfico.

    No seu conjunto, ao jardim do buxo, segue-se um outro jardim

    (imagem 12), menor e privado, que, conformado por altos muros,

    termina numa segunda zona de casa de fresco com lago circundado

    de bancos forrados mais uma vez de azulejos. Afastando-se de uma

    tradio europeia, onde os jardins tendem a desenvolver-se de for-

    ma contnua a partir de um eixo central e gerador do espao, nosjardins de Fronteira, assistimos a um desenvolvimento descontnuo

    dos espaos onde, ao jardim do buxo, mais social e de aparato, se

    vo sucedendo espaos mais ntimos e autonomizados, sem ligao

    entre si. Nessa progresso de espaos mais ntimos e privados, os

    jardins terminam num terrao em forma de passeio. Na sua acen-

    tuao decorativa, onde a azulejaria (imagem 13) se associa a um

    conjunto de grandes esttuas de mrmore (imagem 14), esse espao

    afirma-se como ponto mais sagrado e privado da casa, contrapon-

    do-se ao espao mais social do jardim de buxo.

  • 7/25/2019 II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas: Jardins Privados do Sculo XIX

    39/224

    37

    Com esta imagem, confrontamo-nos com o primeiro documento

    que temos de uma planta de jardim. Trata-se da planta do palcio do

    Conde da Castanheira em Lisboa (imagem 15). Na verdade, no setrata exatamente de um projeto, mas de levantamento da casa feito

    pelo arquiteto Joo Nunes Tinoco, datvel da dcada de 1740 do s-

    culo XVII. Com uma estrutura mais simples que os jardins do Palcio

    Fronteira, verificamos a mesma estrutura descontnua, constituda por

    patamares, onde o jardim de buxo se organiza em estreita relao com

    a fachada da casa. Formado por quatro largos canteiros e um chafariz

    central, verificamos a utilizao do buxo desenvolvendo um desenhode formas geomtricas, divulgadas nos tratados de arquitetura que cir-

    culavam por toda a Europa. Este jardim , por sua vez, emoldurado a

    uma cota superior por um pomar com ciprestes e, em baixo, por laran-

    jal, constituindo parte integrante do conjunto paisagstico.

    Com estas imagens do Palcio de Queluz (imagem 16), encontra-

    mo-nos agora em pleno sculo XVIII. Apesar das claras influnciasfrancesas, que dominavam o gosto europeu da poca, acabamos por

    verificar que essas influncias so interpretadas luz de um gosto por-

    tugus. Se, em planta, os jardins desenvolvem-se a partir de um grande

    eixo ordenador do conjunto, devido inclinao do terreno, esse eixo

    acaba por se diluir, dividindo-se o jardim em espaos autonomizados,

    adquirindo cada um uma vivncia particular e privada. Neste sentido,

    interessante que as fachadas mais importantes e decoradas do pal-cio se voltam sobre o jardim, participando a arquitetura na imagem e

    estrutura do jardim. Isto , se para fora as fachadas so relativamente

    desinteressantes, para o interior a arquitetura adquire outra delicade-

    za, contribuindo para criar um universo fechado sobre si prprio.

    Na sua decorao interior, os jardins sofreram, ao longo dos s-

    culos, grandes transformaes, retirando-lhes muito do seu ambiente

    extico. Por documentao do sculo XVIII, as esttuas e fontes eram

    douradas e pintadas. Igualmente existia um vasto espelho dgua que

    desapareceu. Localizado junto da grande Sala dos Espelhos, este tan-

  • 7/25/2019 II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas: Jardins Privados do Sculo XIX

    40/224

    38

    que-espelho dgua, que se perdeu, imprimia ao espao uma relao

    de usufruto vivencial, muito comum na tradio portuguesa. Embora

    com transformaes abusivas, o atual Jardim Pnsil, que se estrutu-ra como o espao de aparato e de carter mais social, mantm uma

    autonomia face ao conjunto dos outros jardins que se desenvolvem

    sua volta. Conformado por vrias frentes arquitetnicas e cercado por

    balaustradas decoradas com esttuas e vasos, este jardim guarda, ainda

    hoje, uma sofisticada privacidade, que lhe conferida pelas suas rela-

    es de escala e requintada decorao.

    De meados do sculo XVIII so igualmente os jardins do palciodo Conde de Oeiras, mais tarde Marqus de Pombal. No seu con-

    junto, esses jardins apresentam-se com uma estrutura relativamente

    grandiosa, dividida por vrios espaos onde se destacava um extenso

    laranjal dividido por ruas e que terminava, ao fundo, com uma mo-

    numental fonte em cascata. Agregado casa, mas em terraos sobre-

    elevados, podemos observar a existncia de dois pequenos jardins debuxo, decorados com belas esttuas e vasos de pedra. Dispondo cada

    um deles de escadas de acesso ao laranjal, estes jardins organizam-se,

    porm, em terraos cercados por muros feitos de alegretes, que se au-

    tonomizam, em termos espaciais, do conjunto do laranjal. Mais uma

    vez, a natureza relegada a uma paisagem distante, afirmando aqui

    um sentido buclico pela sua transformao num universo cotidiano

    de produo agrcola.Na poca, o jardim foi visitado por vrios estrangeiros que regis-

    traram de forma crtica a presena desses laranjais incorporados no

    conjunto dos jardins. Esta crtica evidencia, porm, outro entendimen-

    to do jardim e da natureza que estamos analisando.

    Mediante estas imagens, temos dois exemplos de jardins do norte

    do pas. Pela sua tradio de raiz mais cltica, a natureza e a flores-

    ta tm uma relao mais prxima e participativa nas estruturas dos

    jardins. Em comparao com o sul do pas, os jardins nessa zona s

    adquirem uma expresso mais elaborada num perodo tardio do sculo

  • 7/25/2019 II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas: Jardins Privados do Sculo XIX

    41/224

    39

    XVIII. De forma menos evidente que no sul, esses jardins tendem a

    formar pequenas estruturas espaciais divididas em terraos que, locali-

    zadas em pontos estratgicos, se autonomizam da natureza circundan-te, relegando-a funo de paisagem e usufruto visual. Como exemplo,

    entre muitos, selecionamos o Pao de Calheiros em Ponte de Lima,

    onde o jardim se relaciona com a paisagem que se desfruta do alto, em

    ntima ligao com as belas propores arquitetnicas da casa.

    No caso da Quinta da Boa Viagem, imagem situada nos arredores

    de Viana do Castelo, confrontamo-nos com um interessante caso de in-

    fluncia chinesa. Trata-se de um pequeno espao decorado por esttuasa que se acede por uma escada ladeada por dois grandes lees de linhas

    claramente inspiradas na imaginria chinesa. Temos assim um fenme-

    no em que memrias do oriente so integradas ao cotidiano dos jardins.

    Este ltimo caso, tambm do sculo XVIII, foi escolhido por apre-

    sentar de forma exemplar a permanncia de certas caractersticas do

    jardim portugus que estamos analisando. Trata-se de uma pequenaquinta-recreio dos Condes de Mesquitela (imagem 23). Como obser-

    vamos no Palcio de Queluz, a casa apresenta, sobre o exterior e a rua,

    uma fachada muito simples e austera, abrindo-se, em oposio, para os

    jardins, com uma magnfica varanda desdobrando-se numa escadaria

    de dois lances, que recebe uma delicada decorao de azulejos, est-

    tuas e vasos de pedra. Desta zona em meia-laranja, que antigamente

    fazia a ligao para a horta, acede-se, por sua vez, a um jardim de buxocaracterizado por um envolvimento em altos muros (imagem 24). A

    pequena escala do espao contrasta com o clima requintado do interior,

    marcado por um excepcional conjunto de grandes painis de azulejaria

    de inspirao clssica, com temas alusivos s diferentes artes e cincias,

    ladeados por figuras de deuses gregos e romanos. Entre estes painis,

    abrem-se, nos muros, janelas que, enquadradas por tradicionais ban-

    quinhos, estabelecem uma peculiar relao com a natureza envolvente.

    Trata-se, uma vez mais, de um espao fechado sobre si prprio, marca-

    do por um sentido criptomgico, de ambiente contemplativo e esttico,

  • 7/25/2019 II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas: Jardins Privados do Sculo XIX

    42/224

    40

    que nos confirma a permanncia de tradies antigas que se estendem

    at o sculo XVIII.

    A partir de agora, coloco-me disposio para responder as per-guntas que desejarem fazer, agradecendo a vossa ateno.

    Ana Pessoa

    Temos cerca de vinte minutos para as perguntas.

    Plateia O que so os alegretes de que voc tanto fala?

    Helder Carita Os alegretes so uns canteiros em forma de muretesbaixos e largos, construdos em alvenaria caiada, que delimitavam o espaodo jardim. Na sua distribuio, tanto se colocavam no interior do espao,formando caminhos, como eram encostados aos muros altos de envolvi-mento do jardim. Pela sua estrutura larga e baixa, esses alegretes eram,muitas vezes, interrompidos por bancos, constituindo sequncias de ale-gretes e bancos forrados, por sua vez, com azulejos.

    Em termos funcionais, esses alegretes esto intimamente ligados

    com um clima de veres quentes e secos, permitindo uma gesto mais

    econmica das guas de rega. Era aqui que se colocavam as flores e as

    plantas mais delicadas, que necessitavam de mais gua e de mais cuida-

    dos. Colocadas numa cota mais elevada que o resto do jardim, as suas

    flores assumiam uma maior presena, com implicaes na estruturao

    de uma imagem mais verdejante e florida do espao.

    Plateia A influncia dos jardins franceses nos jardins portugueses foiuma consequncia do turismo?

    Helder Carita A influncia francesa revela-se durante o sculoXVIII nos jardins portugueses, sendo esta influncia interpretada luz das

    tradies da nossa arte paisagstica. Num processo mais recente, que se de-senvolve no sculo XX, muitos desses jardins foram progressivamente so-frendo restauraes que eliminaram muito as suas caractersticas originais.As razes so, porm, anteriores ao fenmeno do turismo e esto ligadas ao

  • 7/25/2019 II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas: Jardins Privados do Sculo XIX

    43/224

    41

    prestgio da arte francesa durante os sculos XIX e XX, a par de uma faltade estudos de arte onde a nossa arte dos jardins adquirisse uma identida-

    de com caractersticas prprias e autnomas. Muitas estruturas dos jardinsforam destrudas durante trabalhos efetuados no sculo XX. Caso para-digmtico, e j referido, foram os jardins do palcio Ducal de Vila Viosa.Na rea posterior do palcio, havia uma passagem para a horta com altosmuros, que conformavam dois pequenos jardins de clima muito peculiar.Em meados do sculo XX, destruram esses muros de forma a criar ums jardim de escala maior, destruindo a estrutura e ambincia original do

    conjunto.

    Plateia Qual a diferena entre a concepo da natureza nosjardins de tradies mediterrnica e islmica e nos jardins dos s-culos XVI e XVII?

    Helder Carita Na tradio mediterrnica, mas, sobretudo, islmica,

    donde vamos receber influncias mais diretas, a natureza configurada nojardim tem um sentido altamente idealizado e simblico. Pela presenado deserto, a natureza no s agreste como perigosa manuteno davida. O jardim rabe um espao absolutamente fechado, construindo--se como uma representao de um paraso na terra. Na tradio islmica,a laranjeira uma rvore do paraso e o cipreste, pela sua verticalidade,correspondia a uma relao simblica de ligao entre a terra e o cu. Se,durante o sculo XV, observamos em Portugal a emergncia de uma artepaisagstica muito prxima da tradio islmica, com o Renascimento e apoca Moderna, a natureza chamada a participar de forma mais ampla,mantendo-se, porm, como paisagem longnqua, desfrutada ao longe atra-vs de janelas ou de terraos.

    Se em grandes jardins do sculo XVI ou XVII, verificamos

    o desenvolvimento de estruturas espaciais mais complexas, onde, nasequncia do jardim de buxo, verificamos a integrao de hortas e po-

    mares, todo o conjunto permanece como um universo parte face

    paisagem natural envolvente.

  • 7/25/2019 II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas: Jardins Privados do Sculo XIX

    44/224

    42

    Plateia O que quer dizer a expresso sentido criptomgico?

    Helder Carita Cripto vem de cripta, o que nos remete a ideia defechado e de voltado para dentro. Sob esse ponto de vista, os nossos jardins,sobretudo os dos sculos XVI e XVII, so espaos fechados sobre si mes-mos, nos quais os muros de envolvimento conferem ao interior um climaque o separa da natureza exterior. Quanto ao sentido do mgico, ele refe-re-se mais concepo da estrutura espacial e ao tratamento decorativo dosjardins. Por exemplo, o azulejo to caraterstico dos nossos jardins, pelo seu

    brilho aquoso, contm, em si, um forte sentido de imaterialidade. Este bri-lho aqutico do azulejo, a par de outros elementos, como os embrechadosou o grande lago tratado em espelho dgua, tendem a dotar o jardim deum ambiente que tende a se afastar da realidade.

    Quanto sua estrutura, os jardins tendem a organizar-se em es-

    paos autnomos sem uma relao causal entre si. Em oposio a uma

    estrutura marcada por um grande eixo gerador do conjunto que nos

    d uma sensao lgica do desenvolvimento do espao, verificamos

    que cada espao-jardim se compe por um clima uno e descontnuo,

    sem ligaes lgicas entre si, conferindo aos espaos uma sensao de

    imprevisibilidade e de magia. De uma forma mais ou menos velada, o

    jardim portugus, atravs dos sculos, permanece com uma estrutura

    descontnua, que se radica numa antiga tradio do jardim rabe.

    isso que lhe confere o sentido criptomgico, qualquer coisa de impre-visvel e de oculto.

    Plateia Voc no acha que o jardim portugus tem mais afinidadescom o jardim da vila italiana que propriamente com um jardim francs?

    Helder Carita Depende das pocas. Nos sculos XVI e XVII, obser-

    vamos certa influncia dos jardins das vilas italianas, verificando-se, porsua vez, no sculo XVIII, uma maior influncia do jardim francs. Emambos os casos, essas influncias permanecem mais em nvel da decoraoe dos elementos de composio, sem afetar a estrutura global do espao.

  • 7/25/2019 II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas: Jardins Privados do Sculo XIX

    45/224

    43

    Ele pode ter afinidades com os jardins das vilas romanas, mas mantmsempre um carter intimista e contemplativo, sem a axialidade das grandes

    vilas italianas e a sua grandiosidade espacial.

    Jurema Seckler Ns vamos reiniciar. Queramos convidar ento,para coordenar essa mesa da palestra do professor Carlos Lemos, a arqui-teta Cludia Carvalho, da Fundao Casa de Rui Barbosa. Meu queridoprofessor Carlos Lemos.

  • 7/25/2019 II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas: Jardins Privados do Sculo XIX

    46/224

  • 7/25/2019 II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas: Jardins Privados do Sculo XIX

    47/224

    45

    Cludia Carvalho

    Arquiteta FCRB

    Bom dia a todos. Gostaria de agradecer a presena nessa se-

    gunda etapa da manh, do nosso II Encontro Luso-Brasileiro de

    Museus Casas e dizer que tenho um enorme prazer em apresentar oprofessor Carlos Alberto Cerqueira Lemos, que vai nos falar sobre

    o entorno das casas brasileiras. O professor Lemos, como sabemos,

    arquiteto e historiador da arquitetura, formou-se em 1950 pela

    Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Macken-

    zie, em So Paulo. E j naquela dcada participou da equipe que

    fez o projeto do parque do Ibirapuera, sendo um dos chefes do es-

    critrio do Oscar Niemeyer naquela cidade. Em paralelo sua ati-

    vidade projetual, o arquiteto Carlos Lemos se dedicou docncia,

    sendo professor titular no departamento de histria de arquitetura

    e esttica do urbanismo da faculdade de arquitetura e urbanismo

    da USP. Possui uma trajetria muito consolidada de pesquisa na

    rea de histria da arquitetura do Brasil, autor de diversos livros,

    a maioria esgotados, como estvamos observando agora mesmo etrata de maneira muito didtica temas extremamente complexos e

    muito importantes para o nosso entendimento.

    Na coleo Primeiros Passos, os seus livros O Que arquitetura

    e O que patrimnio histrico, certamente foram as primeiras con-

    dies de dilogo de muitos estudantes dessa rea. E tem tambm

    outras obras de muito vulto, baseadas em pesquisas de dados de

    fontes primrias, destacando-se o livro Alvenaria Burguesa, que amaioria conhece, resultado da sua tese de livre docncia apresenta-

    da em 1983 USP tambm.

  • 7/25/2019 II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas: Jardins Privados do Sculo XIX

    48/224

    46

    E eu gostaria de falar aqui tambm um pouco do livroA Casa Pau-

    lista,tendo em vista que esse o nosso assunto aqui no seminrio, que

    um livro que retrata a produo arquitetnica voltada habitaono Brasil e com um olhar que no se detm materialidade, cons-

    truo, tcnica construtiva, mas como j observou o Carlos Antnio

    Brando, o raro registro de um olhar sensvel ao morar e aos seus

    espaos. Acreditamos que, com esse olhar sensvel, o professor Carlos

    Lemos realmente nos brindar com novas ideias e novas perspectivas

    para os temas que estamos aqui tratando. Muito obrigada. Professor

    Carlos Lemos.

  • 7/25/2019 II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas: Jardins Privados do Sculo XIX

    49/224

    47

    Palestra

    Espaos volta das casas brasileirasCarlos Lemos

    Arquiteto e professor

    (Espaos volta das Casas Brasileiras - 3,6Mb)

    Bom dia. Eu denominei o meu tema de Espaos volta das casas

    brasileiras, pois ele no vai tratar propriamente de jardins, como o meu

    antecessor fez, mas um tema que, inclusive, pode englobar jardins

    tambm. Antes de mais nada, havemos de lembrar que os programas de

    necessidades da casa brasileira, at pouco tempo, sempre pressupunham

    atividades fora da moradia propriamente dita, isto , atuaes em locais

    independentes da construo principal, destinadas a atender as carn-

    cias normais da vida domstica. Esse tema tem um maior significado emnosso perodo colonial, sobretudo quando tratamos de regies bastante

    isoladas e distantes dos centros urbanos, do litoral, quando os complexos

    habitacionais praticamente haviam de ser autossuficientes, necessitando,

    de fora, to somente de ferro, plvora e sal, como diziam os antigos.

    De fato, naquela poca de difceis comunicaes e de poucos recur-

    sos, era quase que impossvel a preservao e o armazenamento de gne-

    ros perecveis e de produtos alimentcios em geral. A arte da charcutaria,por exemplo, dos embutidos tinha as suas limitaes e nem todos eram

    aptos desidratao ao sol da carne salgada. E em um empenho solitrio

    do prprio abastecimento da casa de muitas bocas, o suprimento no s

    de comida, mas de algodo para os teares, de couros, peles de usos varia-

    dos, de cera para as velas, de leo para as candeias e em muitas ocasies

    at de argila boa para a feitura de loua de barro do cotidiano.H de se fazer uma histria completa dessa rea envoltria da casa

    brasileira, da casa urbana e da casa rural e assim poderamos acompanhar

    o seu lento e gradual desaparecimento, na medida em que o progresso

    http://www.casaruibarbosa.gov.br/dados/DOC/anais/FCRB_Espacos_Casas_Brasileiras.pdfhttp://www.casaruibarbosa.gov.br/dados/DOC/anais/FCRB_Espacos_Casas_Brasileiras.pdf
  • 7/25/2019 II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas: Jardins Privados do Sculo XIX

    50/224

    48

    vai melhorando os meios de comunicao e de translado de gneros, vai

    aperfeioando as tcnicas de manuseio de produtos alimentcios e as in-

    dstrias suprindo exemplarmente os lares daquilo que tudo for necess-rio ao desempenho da vida familiar. E nessa histria iramos chegar ao

    apartamento moderno, suspenso no ar, ininterruptamente provido por

    incansveis elevadores a servio de todos.

    Nesse momento, com as limitaes de tempo disponvel, dedicare-

    mo-nos com maior empenho s pocas antigas, mas no perderemos a

    viso do lento caminho por que passou a casa urbana brasileira, a casa

    sede dos complexos rurais e as moradias humildes na periferia das cida-des e beira das roas alheias.

    Inicialmente percebemos que essas reas domsticas ao ar livre, ro-

    deando as residncias, sempre so delimitadas por cercaduras, que antes

    de demarcar espaos, constituem em elementos de proteo contra agen-

    tes externos e tambm destinados a impedir a fuga dos animais caseiros.

    Cercaduras feitas de pedra, de taipa de pilo, de tijolos ou ento de tron-cos, ou de pranches de madeira, encarreirados, fincados no solo como

    aquelas descritas por Saint-Hilaire nos arredores de So Joo Del Rei,

    onde estavam os cmodos a ele oferecidos na hospedagem temporria.

    Esses cmodos a ele destinados estavam como as senzalas. Agora trans-

    crito palavras dele: Situadas ao fundo de um vasto terreno rodeado

    por estacas, que tinham a grossura da coxa e a altura de um homem.

    Gnero de clausura muito comum em uso nessa regio.Desde muito antigamente, quando e onde os recursos eram escassos,

    usaram-se tambm valos bem mais fundos do que lardos, delimitando os

    terrenos. E depois, com a chegada da modernidade, no havendo ques-

    tes de devastamento visual, tambm essas reas de terrenos puderam

    ser protegidas por cercas de simples arame farpado.

    Vamos tratar agora do nosso tema verdadeiramente. Como j dis-

    semos h pouco, estaremos tratando exclusivamente de reas compro-

    missadas com a vida domstica, por isso no temos empenho em analisar

    exemplos de casas em espaos comprometidos com atividades alheias

  • 7/25/2019 II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas: Jardins Privados do Sculo XIX

    51/224

    49

    arte de morar. So comuns instalaes industriais de agronegcios, so-

    bretudo as monoculturas, envolvendo construes residenciais, partici-

    pando dos programas de produo por variados motivos, especialmenteculturais. Pois em nossa condio americana de colonizao, caracteri-

    zada principalmente pelo isolamento da Europa, alguns determinantes

    prprios daqui, como o escravismo e o necessrio e consequente convvio

    ntimo com ndios e negros, apesar do fatal processo miscigenatrio, pro-

    vocaram agenciamentos e partidos arquitetnicos peculiares e distancia-

    dos da usana portuguesa.

    No mundo agrcola lusitano, tanto no norte como no sul, a produofamiliar obviamente no impedia a residncia de todos ali ao lado dos

    locais de trabalho, em muitos e muitos casos, todas as atividades sob o

    mesmo telhado. Ao contrrio, aqui entre ns, nas distantes fazendas, e

    nas roas ermas, a casa sede da propriedade sempre foi isolada, com a

    sua vida prpria, isolada, mas no afastada, abrigando o senhor do es-

    cravo, sempre vigilante. Na verdade essa a casa que nos interessa nessemomento, a casa brasileira por excelncia. O quintal da casa brasileira

    -nos secundrio, como tambm poderemos deixar para outra ocasio

    as moradias levantadas por reinis recm-chegados, normalmente as li-

    torneas, onde no est explcita aquela vivncia nacional, lentamente

    sedimentada a geraes escravocratas. So casas de aventureiros trazidos,

    sobretudo, pela fama da abastana vinda do ouro produzido por Minas,

    grande parte delas levantadas no litoral, entre Rio de Janeiro e So Se-bastio, em So Paulo.

    Moradas e engenhos em uma mesma construo, essas fbricas de

    acar ainda existem em Ilha Bela, os engenhos de So Matias, Dgua

    e do Porto das Canas. Pelo continente, em So Sebastio, fica o engenho

    de Santana. Modernamente o engenho de caf no Rio e em So Paulo, na

    cana destinada s usinas de acar e agora na soja, j no h mais regras

    situando a casa grande do linguajar de Gilberto Freire. Fiquemos, por-

    tanto, apenas com os terreiros, hortas e quintais tradicionais, que ainda

    hoje existem por a.

  • 7/25/2019 II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas: Jardins Privados do Sculo XIX

    52/224

    50

    Quanto s moradias coloniais, notcias valiosas existem nos processos

    relativos a inventrios, cujos testamentos e descries de bens de raiz so

    fontes primrias importantes para nos abastecer de dados fundamentais compreenso da vida familiar de ento. uma pena que a maioria

    das localidades brasileiras antigas no tenham conseguido guardar docu-

    mentos daquele teor, em quantidade suficiente para configurar a amos-

    tragem necessria a concluses corretas sobre como se morava naquele

    tempo antigo, atravs do arrolamento das construes e dos bens mveis

    e equipamentos das moradias.

    Julgamos que So Paulo seja uma exceo. Felizmente a clarivi-dncia de polticos como Washington Lus, que preservou esta casa e de

    prelados como D. Duarte Leopoldo e Silva, ps a salvo documentos fun-

    damentais, publicando-os em enormes colees temticas e resguardan-

    do-os das traas e de demais insetos de mesma apreciao gastronmica.

    Atualmente existem arquivos primorosos, permitindo aos historiadores

    fontes mil de pesquisas, dentre tais publicaes sobressaem os volumesdos inventrios e testamentos publicados pelo Arquivo do Estado de So

    Paulo. Estes nos do sistemticas informaes sobre o passado de um

    bandeirante, desde o sculo XVI, at parte do setecentismo. Esses pa-

    pis nos levam a conhecer o mundo recluso de nossa herana mourstica,

    onde as mulheres do gineceu agrcola perambulavam dando ordem s

    ndias, peas de servio. E mais tarde, no tempo do acar do morgado

    de Mateus, havia as mucamas recm-chegadas sociedade mameluca.Elas comandavam a labuta diria, s vezes auxiliadas tambm por algum

    velho escravo, ainda com foras, cuidando da horta, de muitas couves,

    couves naquele tempo eram qualquer coisa verde que fosse passvel de

    ser comida e de diferentes razes, pois como disse o padre Anchieta:

    Em So Paulo, comia-se toda a sorte de carases. Isto , vrios tipos de

    tubrculos, como o car propriamente dito, a batata das mais variadas e

    a mandioca, cujas ramas em grandes reas forneciam o material da fari-

    nha, o sustento maior dos paulistas.

  • 7/25/2019 II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas: Jardins Privados do Sculo XIX

    53/224

    51

    Da cana-se-acar tira-se a garapa, faziam-se as rapaduras, que tri-

    turadas davam o adoante do ch de congonha, do furrundum, a so-

    bremesa feita com cidra ralada, mais gengibre e da jacuba, uma bebidarefrescante. Todos cuidavam do milharal, cujas espigas ainda verdes for-

    neciam o caldo lils das pamonhas, do curau e aquelas maduras, os gros

    destinados canjica, beneficiados no monjolo, que lhes tirava as cascas e

    ento reduzia-os quirera, no apiloamento muito demorado. Cuidavam

    das abboras, das uvas, beneficiavam o algodo arbreo, presente em to-

    dos os quintais de roa, destinado aos teares verticais, vindos da produo

    txtil dos ndios. Passamos a conhecer o tear horizontal somente depoisda invaso portuguesa em Minas Gerais.

    Nesse grande espao cultivado, havia tambm os telheiros para abri-

    gar da chuva gneros e foges, feitos a modo indgena, compostos de trs

    pedras, quase sempre talhadas em blocos de cupinzeiro, foges chama-

    dos de tucuruva. A casa bandeirante no possua em seu mbito, em seu

    mago, a cozinha propriamente dita, tudo era cozido fora, nos telheiros,embaixo das rvores ou dos alpendres acoplados a ela. Mas, acendia-se

    fogo dentro de casa, mais para aquecimento no inverno e ento se apro-

    veitava essa fonte energtica para aquecimento da gua para o ch, para

    outras bebidas ou outras comidas leves.

    Podemos mostrar, aqui, algumas das muitas centenas de descries

    desses quintais domsticos, para indicar como aqueles citados documen-

    tos foram de grande valia informativa sobre o mundo bandeirante. Ve-jamos o inventrio de Catarina Dorta, viva de Rafael de Oliveira, o

    fundador de Jundia, cuja propriedade foi descrita em 1648: Uma casa

    de dois lances, coberta de telha de taipa de mo, com seus corredores e

    mais um lance que serve de despensa e seu galinheiro. E casa de trapiche,

    coberta de telha e um pedao de vinha, e uma parreira, e um pedao

    de canavial, com marmeleiros e bananal, limeiras e laranjeiras e mais

    rvores. Tudo em sua avaliao de 55 mil ris. Essa confusa descrio,

    prpria da populao de analfabetos, em sua maioria trapiche local da

    moenda de cana movida a bois. Nesse referido documento tambm, an-

  • 7/25/2019 II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas: Jardins Privados do Sculo XIX

    54/224

    52

    teriormente, em 1626, faz-se referncia ao mesmo espao, porm reduzi-

    da, fala do lance de despensa, com todas as rvores de espinho e outras de

    fruta, e mandioca no prprio quintal. Agora mesmo estava conversandocom o professor Helder Carita, todas essas rvores de espinho so exata-

    mente as laranjeiras e limeiras etc., mencio