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D.O.E. Executivo I São Paulo, 113 (123), quinta-feira, 3 de julho de 2003 — IIIII — São Paulo, 113 (123), quinta-feira, 3 de julho de 2003 D.O.E. Executivo I
Centro de Detenção de Sorocaba torna-se modelo de prisão no Estado Unidade oferece trabalho a detentos, embora a atividade não seja obrigatória por lei para quem ainda não foi julgado
O Centro deDetenção Provisória(CDP) de Sorocaba é conside-rado modelo para as demais unidadesdo tipo no Estado de São Paulo. Desdeque foi reformado, em 2001, ao custode R$ 118 mil, não houve mais fugas ourebeliões. Hoje, são aproximadamente900 detentos ocupando 64 celas emquatro alas, com média aproximada de14 pessoas por cela. "Estamos lotados,pois nossa capacidade é para 576 pre-sos. Mas, infelizmente, este problemaocorre em todo o sistema prisional doEstado, atualmente. Somos modelopela ausência de revoltas, informatiza-ção, grupo de repressão e controle epelo trabalho que oferecemos parareduzir o ócio que só faz mal aos presose ao ambiente ", explica o diretorMárcio Coutinho.
A maioria dos detentos está à espe-ra de julgamento, mas há tambémalguns condenados, que serão removi-dos assim que houver vagas em peniten-ciárias. Entre setembro de 1999 e feve-reiro de 2001, quando ainda era aCadeia Pública 13 de Sorocaba, foramregistradas 104 fugas, oito abandonos(preso que recebe autorização para visi-tar família e não retorna), 12 homicí-dios internos e oito mortes por causa
natural. Ao passar pela reforma eganhar categoria de CDP, os númerosindicaram, entre 22 de fevereiro de2001 e 30 de março deste ano, dois sui-cídios, oito óbitos naturais e 11 não vol-taram da saída temporária. Ninguémfugiu.
BANHO DE SOL
Das oito às 11 horas, duas alas sãoliberadas para o banho de sol. No inter-valo, os homens podem aproveitar paratrabalhar ou fazer cursos. Por volta domeio-dia, almoço em marmitex, dentrodas celas. Não há refeitório para osinternos. Às 13 horas, outras duas alassaem para o banho de sol ou atividades.Aproximadamente às 17 horas, oshomens voltam às celas e os funcioná-rios fazem a contagem. Onze horas danoite, apagam-se as luzes, bem como sãodesligados a energia elétrica nas celas eo fornecimento de água. O fechamento
ELES QUEREM RECUPERAR O TEMPO PERDIDO
Fábio da Silva Mattos, 31 anos, está preso hámais de um ano por tráfico de drogas (artigo 12), odelito mais comum entre os internos. Condenado aquatro anos e oito meses de reclusão, esperaremoção para uma unidade penitenciária.Inteligente e metódico, ele é o "supervisor" dospresos que montam tampinhas de garrafa na ofici-na. "Registro o tempo que cada um trabalha, a pro-dução, quanto vão ganhar e também a remissão depena a que têm direito."
Jurandir Faustino Rosa, 64 anos, foi preso hámeses, por tráfico, mas é um habitué das grades.Ele calcula que passou quase a metade de sua vidapreso por vários fur tos. "Mas nunca mateininguém", assegura. Ele nem lembra bem por quan-tas cadeias passou. "Talvez umas seis ou sete."Uma delas, o Carandiru, em São Paulo, que teve aala masculina implodida recentemente. Um de seusseis filhos também está no CPD de Sorocaba.Quando sair da cadeia, promete se redimir e vivercom a mulher numa chácara de sua propriedade.
Conhecido como Gaúcho, o paulista AntonioAlves da Costa, 65 anos, é o organizador da bib-lioteca. Está no CPD há um ano, detido por tráfico.Tem esposa e três filhos. Todos, condenados pelomesmo c rime. Quando jovem, formou a duplacaipira Gaúcho e Gauchito, com um amigo. Veio daíseu apelido. "Já gravei até disco e compus muitasmúsicas."
INFORMÁTICA E NAVIOS
O jovem sorocabano Gustavo PennachiaCasonatti tem 24 anos, boa oratória, diplomasuperior em análise de sistemas, pai médicocardiologista e está preso há sete meses porassociação ao tráfico de drogas, ar tigo 14.Enquanto espera julgamento, acreditando pia-mente na absolvição, trabalha como professorde informática. Em sua pequena sala de aula,dispõe de seis micros doados por empresaspar ticipantes do Programa de ReinserçãoSocial.
Gustavo tem 40 alunos, divididos em turmasda manhã e tarde. "E ainda tem muita gentequerendo participar, mas no momento não hácondições de atender a todos ." A seleção dosalunos e feita por ele mesmo, que ensina os pro-gramas Word e Excel e os segredos do Windows eseus aplicativos. Só não dispõe de Internet, pormotivos óbvios. "É um trabalho agradável e medeixa em contato com o computador."
Outro de Sorocaba, o motorista de ônibus JoséClóvis Bueno, de 39 anos, também infringiu o arti-go 12 e está no CPD faz um ano e cinco meses.Aprendeu com outro detento a arte e a paciênciade montar miniaturas de navios. Atualmente passasua folga diária na oficina criando a Nau CapitâniaSão Gabriel, do século XVII, cujo desenho desco-briu num livro. "Quando terminar, entrego paraminha mulher vender. Talvez consiga uns R$ 800."O material da embarcação, manuseado habilmentepelas mãos que empunhava volante de ônibus, étrazido pela esposa e familiares.
EQUIPE BEM PREPARADA EVITA BRIGAS E REBELIÕESMárcio Coutinho garante
que o CDP de Sorocaba é oúnico no Estado que tem oGrupo de Intervenção Rápida(GIR). São duas equipe deaproximadamente oito fun-cionários cada, que reprimematos de rebelião ou brigasentre os internos. Toda quar-ta-feira, eles se reunem paraaprender técnicas de con-tenção de tumultos e resgate.Utilizam equipamentos deno-minados não-metais e agen-tes incapacitantes (como gáslacrimogêneo) para conterqualquer incidente e isolar oslíderes da agitação, se houver,bem como os brigões.
Fred, o irrequieto
O GIR também faz revistasinesperadas nas celas, emsituações de emergência, àprocura de armas, estiletesou algo que possa oferecer perigo ao dia-a-dia daprisão. O grupo, no entanto, não é utilizado nasrevistas comuns feitas por funcionários. A equipede ação, explica Coutinho, é um projeto piloto doCDP de Sorocaba, que poderá no futuro se esten-der às demais unidades prisionais do Estado. "Às
vezes, somos solicitados para contornar problemasem outras cadeias."
Os homens do GIR usam equipamentos à provade bala, como capacetes, coletes e escudos.Recebem ajuda também de cinco cães treinados,quatro rottweilers e um pastor belga. Eles "moram"
num pequeno canil entre osmuros das alas e as mural-has. Três dos cachorros deraça alemã pertencem aopróprio diretor. Um deles,Fred, já trabalhou na con-tenção de mais de 200 pre-sos revoltosos em uma dasações do GIR fora deSorocaba. O animal, bastanteirrequieto, parece capaz deintimidar um Hércules.
As armas do grupo sãoespingardas que atiram balasde borracha ou bagos plásti-cos. O arsenal é guardadoestrategicamente num pe-queno cômodo dentro da salade Coutinho. Somente ele eoutro funcionário têm achave.
O agente de segurançapenitenciária, Ademir Munizde França, de 32 anos, émembro do GIR. Ele diz que
os dois piores momentos por que passou no CDPforam o controle de um preso que queria bater numcolega faxineiro e de outro detento que, curiosa-mente, não queria sair da cela disciplinar, usadapara acomodar os que infringem as regras daunidade.
O Grupo de Intervenção Rápida (GIR): homens treinados para enfrentar situações de brigas e rebeliões
de torneiras propicia economia de 30%no consumo da unidade.
Os presos recebem visitas nos fins desemana, no horário do banho de sol. Duasalas, no sábado e as outras, domingo.Quem não recebe visitante pode ficar nacela e assistir a filmes no circuito inter-no. São três por fim de semana. Cada celapode ter um aparelho de tevê, providen-ciado pelos próprios presos. "Por questãode bom senso, quando há um jogo defutebol que ultrapasse o horário de desli-gamento de energia, deixamos os presosverem até o fim", assegura Coutinho."Principalmente, se for jogo doCorinthians", brinca.
BUSCA DA REINTEGRAÇÃO
Coutinho informa que o CDP deSorocaba mantém parceria com empre-sas da região para oferecer trabalho aosdetentos. Atualmente, a principal tarefaé a fabricação de tampinhas de plástico
para garrafas. "Muitos querem trabalhar,mas infelizmente nosso espaço físico, naoficina, ainda não comporta todos." Osque não trabalham com as tampinhaspodem aproveitar o tempo de outramaneira. A prática de futebol é feita trêsdias por semana. Há também leitura eartesanato.
O trabalho conjunto com indústriasde municípios vizinhos e o estímulo ao
artesanato (trabalhos manuais, monta-gem de miniaturas, bijuterias, silkscreen) fazem parte do Programa de
Reinserção Social, criado pelo CDP deSorocaba. Eles ganham por produção etambém obtêm remissão da pena. Trêsdias de trabalho equivalem a um dia amenos quando vier a condenação. "Essetrabalho não está previsto na legislaçãopara pessoas que ainda não foram julga-das", explica Coutinho.
NOME OU TATUAGEM
O sistema informatizado permiteque diretor e funcionários tenham aces-so à ficha de cada preso que passou ouestá no CDP. Na tela do micro, é possívelencontrar o cadastro de detentos pelonome, tipo de delito, apelido ou até
mesmo por características físicas comocicatriz ou tatuagens. "A cada mês, for-necemos um CD, com presos que passa-ram por aqui no período, às polícias civile militar e também à federal." Coutinhoinforma que a média diária de entradana unidade é oito detentos, enquanto ade saída é de cinco.
A forma diária de verificação dospresos é feita pela Chefia de Controle,na qual trabalham dois funcionários. Naparede da seção, estão pregadas asfichas dos presos, com fotos e númeroda cela que ocupam e as alas. O contro-le é feito a todo momento. "É o coraçãoda prisão. Se um preso estiver fora da
cela, sabemos o que está fazendo eonde", diz o diretor. São duas conta-gens diárias, pela manhã e tarde, e aqualquer momento, se houver necessi-dade. Pelo menos quatro celas sãorevistadas diariamente.
O preso que chegar à unidade érecebido na Sala de Inclusão, ao ladoda Chefia de Controle. É revistado nolocal, tem seus pertences guardados,toma banho de chuveiro, faz cabelo ebarba, recebe o uniforme (camisetabranca, com inscrição CDP no peito, ecalça cáqui) e toma conhecimento dasregras da prisão. Para designar a cela,a diretoria verifica antes se o recém-chegado tem inimigos na unidade ou sepertence a alguma quadrilha commembros presos no local. As conversascom advogados são feitas no parlatório,sem contato físico, através de uma telametálica. O preso é revistado antes edepois da audiência
Os pátios em frente às celas, ondeos presos tomam banho de sol e rece-bem visitas, são limpos e parecem umaquadra de futebol de salão. No local, hávários varais que eles utilizam paraestender roupas, que lavam dentro dascelas. Para chegar à oficina, que ficano meio das quatro alas, os presos pas-sam por quatro grades enormes, dosolo ao teto. A primeira, a da própriacela.
Otávio NunesDa Agência Imprensa Oficial
Fábio assumiu a função de "supervisor" dos presos que montam tampinhas na oficina Gustavo, aguardando julgamento no CDP, passa noções de informática para os detentos
O diretor Coutinho: "Trabalho reduz o ócio, que só faz mal aos presos e ao ambiente" José Clóvis, ex-motorista, capricha na montagem do navio miniatura Nau Capitânia
Antônio, o Gaúcho, participou de dupla sertaneja e, agora, toma conta da biblioteca
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