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filosofia contemporânea carlos joão correia 2018-2019 1ºSemestre

filosofia contemporânea · mentais subjectivos à concepção científica da realidade enquanto totalmente objectiva?” Searle. Minds, Brains and Science. Cambridge:Harvard Univ.Press

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Page 1: filosofia contemporânea · mentais subjectivos à concepção científica da realidade enquanto totalmente objectiva?” Searle. Minds, Brains and Science. Cambridge:Harvard Univ.Press

filosofia contemporânea

carlos joão correia 2018-2019 1ºSemestre

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Arthur Schopenhauer 1788-1860

O Mundo como Vontade e Representação

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Upaniṣad = upa + ni + sad

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O mundo é a minha representação

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”Esta subjectividade é assinalada por um facto como este: posso sentir as minhas dores e vocês não. Eu vejo o Mundo do meu ponto de vista; vocês vêem-no a partir do vosso ponto de vista. Eu sou consciente de mim mesmo e dos meus estados mentais internos, enquanto inteiramente distintos da individualidade e dos estados mentais das outras pessoas. Desde o século XVII, pensámos a realidade como algo que deve ser igualmente acessível a todos os observadores competentes - isto é, que pensam que ela deve ser objectiva. Ora, como é que vamos acomodar a realidade dos fenómenos mentais subjectivos à concepção científica da realidade enquanto totalmente objectiva?” Searle. Minds, Brains and Science. Cambridge:Harvard Univ.Press. 1984, 16

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bhagavān - feliz, adorável, divino, título de Kṛṣṇa [Krishna] gītā - (fem.) canção, poema भगवद्गीता - bhagavadgītā

BhG

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“If the doors of perception were cleansed every thing would appear to man as it is, infinite.” The Marriage of Heaven and Hell, “A Memorable Fancy” 14

William Blake (1757-1827)

“The philosophy of east taught the first principles of human perception” The Marriage of Heaven and Hell, “A Memorable Fancy” 12

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”Tudo o que o mundo encerra ou pode encerrar está nesta dependência necessária frente ao sujeito, e apenas existe para o sujeito. O mundo é pois representação. Aliás, esta verdade está longe de ser nova. Ela constitui já a essência das considerações cépticas donde procede a filosofia de Descartes. Mas foi Berkeley quem primeiro a formulou de uma maneira categórica; por isso prestou à filosofia um serviço imortal ainda que o resto das suas doutrinas não mereça muito durar. O grande erro de Kant, como exponho no Apêndice que lhe é consagrado, foi de não reconhecer este princípio essencial.Em compensação, esta verdade fundamental cedo foi reconhecida pelos sábios da Índia, visto que ela aparece como a essência da filosofia vedanta”�Schopenhauer MVR §1

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Sir William Jones 1746-1794

“esta verdade fundamental [o mundo é a minha representação] foi reconhecida pelos sábios da Índia, visto que aparece como a própria base da filosofia do Vedanta, atribuída a Vyasa. Nós sabemos isso através de Sir William Jones*, em particular na sua dissertação sobre a filosofia dos asiáticos: [Asiatic researches, vol. 4: 164]: "A tese essencial da escola Vedanta não consiste em negar a matéria, i.e. a solidez, a impenetrabilidade, a extensão (negação que, aliás, seria insanidade), mas apenas em reformular a visão comum dela, sustentando que esta matéria não tem uma realidade independente da percepção do espírito, de tal modo que existência e perceptibilidade são termos equivalentes."�Schopenhauer. MVR §1

* Sir William Jones. Selected Poetical and Prose. Cardiff: Wales Press. 1995 [mātri, deva, nāvika]

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UpaniṣadsBṛhadāraṇyaka (“Grande texto da floresta”)

Chāndogya (“de quem canta as

estrofes”)

Taittirīya Aitareya Kauṣītaki

Kena (“por quem?”) Śvetāśvatara Kaṭha

Īśā (Deus) Muṇḍaka Praśna

(“questão”) Māṇḍūkya

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questões

“Eles queriam saber mais sobre o próprio cosmos. Como tudo começou? Quem ou o quê (se alguém ou algo) o criou? Será que começou como um embrião dourado? Foi construído por um arquitecto celeste? Surgiu de algum sacrifício cósmico? Que papel teve a palavra (isto é, o som da linguagem sagrada)? Será que a respiração anima todas as coisas? Ou foi o próprio tempo que começou tudo o que existe? O que é que havia antes? E talvez ainda mais importante do que tudo isto: quem sabe sobre isso?” Sue Hamilton. 2001. Indian Philosophy. Oxford: Oxford University Press, 25

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“No começo, meu filho, este mundo era apenas ser (sat) sem dualidade. Ora, sobre este ponto, alguns dizem: ‘No começo - afirmam - este mundo era não-Ser (asat) sem dualidade e que o Ser saiu do não-Ser. Mas como é que isso seria possível? Como é que o existente poderia brotar do não-existente? Pelo contrário, no começo, este mundo deve ter sido existente puro - apenas um, sem dualidade.E esse um pensou para si mesmo: ‘Que eu seja muitos. Que eu me multiplique.’ Emitiu calor. O que é quente, contudo, provoca transpiração; e assim do calor água é produzida. E a água pensou para si mesma: ‘Que eu seja muita. Que eu me multiplique.’ E emitiu alimento, pois quando chove, o alimento torna-se abundante.”

Chāndogya Upaniṣad 6.2.1-3

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Filosofia Clássica Indiana

sāṃkhya “número”

yoga “jugo” vedānta “fim dos vedas”

mīmāṃsā

“investigação”

vaiśeṣika “distinção” nyāya “raciocínio”

buddha dharma budismo jaina dharma jainismo

Cārvāka lokāyata

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vaiśeṣika

•  Kāṇada (II aC)

•  substância [dravya], qualidade [guṇa], acção [karman], universalidade [sāmānya], particularidade [viśeṣa], inerência [samavāya] e ausência [abhāva]

•  terra [pṛthvī], água [jala], fogo [tejas], ar [vāyu], éter [ākaśa], espaço [dik], tempo [kāla], si [ātman] e mente [manas]

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”As pessoas não o vêem porque ele é incompleto quando é chamado respiração na medida em que ele é o respirar, fala quando ele é o falar, visão quando ele é o ver, audição quando ele é o ouvir e mente quando ele é o pensar. Isto são apenas nomes para as suas actividades. Se alguém o considera como sendo uma delas, não o compreende, visto que ele está incompleto em cada uma. Devemos considerá-las, todas elas, como sendo manifestações do seu si (ātman), visto que nele todas elas se tornam um só. Este mesmo ātman é o caminho para o mundo inteiro, pois seguindo-o conhece-se o mundo inteiro (...). No começo este mundo era apenas brahman e ele soube-o através de si (ātman) pensando: “Eu sou brahman”. Como resultado, ele tornou-se o todo. (...) Se um ser humano sabe ‘eu sou brahman’ deste modo, ele torna-se todo o mundo. Nem os deuses poderão alguma vez impedi-lo, pois ele tornou-se o seu próprio ātman. Deste modo, quando um ser humano venera outra divindade, pensando , “Ele é um e eu sou outro’, não compreende. (...) No começo este mundo era apenas o ātman, apenas um”

Bṛhadāraṇyaka Upaniṣad 1.4.7-1.4.10

ātman

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Budismo na Índia: de Aśoka (III a.C.) a B. R. Ambedkar (1891-1956) Desvanecimento do Budismo na Índia: 1. Universidade de Nālandā (Bihar) 2. Madeleine Biardeau - Bhagavadgītā 3. Śaṅkara Estilo: Bhāṣya - comentário (≠ sūtra ≠ kārikā) Brahma Sūtra Bhāṣya Bhagavadgītā Bhāṣya Upadeśa Sāhasrī (“Mil ensinamentos”) Influência religiosa: Maṭha (Shringeri); Smārtismo (smṛti) Textos de referência de Śaṅkara: Upaniṣads/Bhagavadgītā/Brahma Sūtra (Bādarāyaṇa - II a.C. = Vyāsa) (1)“Então por conseguinte o inquérito sobre Brahman” (2): “do que é origem, conservação e dissolução”

Ādi Śaṅkara (788-820)

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kena upaniṣad“Quem impele e impulsiona a mente?Quem promove a primeira respiração?Quem nos impele a proferir estas palavras?Quem é o divino que une a visão ao ouvir?Quem é o ouvir no acto de ouvir?Quem é o pensar no acto de pensar?Quem é a fala no acto de falar?Quem é o ver no acto de ver?Livres, os que são sábios, tornam-se imortais ao abandonarem este mundo.A visão não chega aí, nem o conhecimento e as palavras;não sabemos, não conhecemos como aqui se pode ensinar. (...)O que não pode ser expresso pelas palavrasmas através das quais as palavras são expressas,aprende que apenas é brahmane não o que se venera.”

1.1-5

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tatvamasi“Traz-me o fruto de uma figueira.” “Aqui está.” “Corta-o.” “Cortei-o.” “O que vês no seu interior?” “Estas pequenas sementes.” “Agora pega numa delas e corta-a.” “O que é que tu vês?” “Nada.” Então o pai disse-lhe: “Esta essência subtil que tu nem consegues ver - vê como desta essência surge esta enorme figueira que aqui está. Acredita-me. Esta essência subtil é o ātman de tudo isto. Esta é a verdade; isto é o ātman. E isso és tu [tat tvam asi (tatvamasi)]. “Ensina-me mais.” Chāndogya Upaniṣad 6.12.1-3

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Aquele cujo si (ātman) não está apegado, que encontra felicidade no ātman; cujo ātman está unido com o brahman através do yoga, logra alcançar imperecível felicidade.”

BhG 5: 19; 21

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“Mas, pode-se perguntar, brahman é conhecido ou não-conhecido? (...) A existência de brahman é conhecida na base de ser o sentimento de si de cada um. Pois cada um, ao ser consciente da existência de si, nunca pensa, ‘Não sou”. E este sentimento de si (ātman) é brahman.”

Ādi Śaṅkara (780-820), Brahma Sūtra Bhāṣya 1.4.22

Śaṅkarācārya

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"O [...] Vedānta de Sankara [c.700-750] denota uma interpretação das Upanisads que outorga uma ontologia “não-dual” ou monista. Tudo é Brahman [Uno; Real eterno e absoluto]. Segue-se disto que o eu/si (self) de cada um, o ātman, é também Brahman: daí a famosa expressão “ātman é Brahman”. Para Sankara, Brahman é uma essência absoluta imutável. Toda a pluralidade é apenas aparente, não actual. Isto não significa, contudo, que seja correcto sustentar que a pluralidade do mundo empírico é absolutamente irreal ou não-existente. Na verdade, é apenas realidade “convencional”. A sua analogia mais frequentemente citada é a de se ver uma serpente quando, na verdade, existe apenas uma corda enrolada. A visão falsa é “real” para nós quando acontece e tem efeitos “reais” sobre nós. Mas a corda enrolada permaneceu inalterada e pode ser percepcionada como o que é “mais real” quando se consegue ver para lá da falsa percepção. Sue Hamilton, Indian Philosophy. A Very Short Introduction, Oxford: Oxford University Press, 2001,127.

Page 23: filosofia contemporânea · mentais subjectivos à concepção científica da realidade enquanto totalmente objectiva?” Searle. Minds, Brains and Science. Cambridge:Harvard Univ.Press

•  Brahman está para lá de todo os seres e não está subordinado a nada

•  Brahman não conhece teogonia (≠génese; tempo; sexo; morte)

•  Mahādeva (Trimūrti) são “pontos de vista” sobre o “eterno retorno” de Brahman; śakti (energia criativa)

•  Transcende/Imanente à natureza (≠dualismo) •  Brahman está integralmente presente em cada “mente

viva” (ātman): tat tvam asi (tu és isso). •  Brahman está para lá do bem e do mal •  crença na reencarnação, “roda da vida”(saṃsāra)/

libertação da ilusão.

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”Aquele que conhece tudo o resto, sem ser ele mesmo conhecido, é o sujeito. Por conseguinte, o sujeito é o substratum do mundo, a condição invariável, sempre subentendida de todo o fenómeno, de todo o objecto, visto que tudo o que existe, existe apenas para o sujeito. Este sujeito,cada um o encontra em si, pelo menos enquanto conhece, não enquanto é objecto de conhecimento. (...) O próprio sujeito, o princípio que conhece sem ser conhecido, não cai sob estas condições visto que é sempre pressuposto por elas implicitamente. Não se lhe pode aplicar nem a pluralidade, nem a categoria oposta, a unidade. Portanto, nós não conhecemos nunca o sujeito; é ele que conhece em toda a parte em que há conhecimento." Schopenhauer MVR §2

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”Este pensamento [relatividade do mundo da representação], no que ele tem de essencial não é novo; é neste sentido que Heraclito constatava com melancolia o fluxo eterno das coisas; que Platão rebaixava a realidade ao simples devir que não chega nunca ao ser; que Espinosa via nelas apenas acidentes da substância única que existe, só, eternamente; que Kant opunha à coisa em si os nossos objectos de conhecimento como puros fenómenos. Enfim, a antiga sabedoria da Índia exprime a mesma ideia sob esta forma: «É Maya, é o véu da Ilusão, que, ao cobrir os olhos dos mortais, lhes faz ver um mundo que não se pode dizer se existe ou não existe, um mundo que se assemelha ao sonho, à radiação do sol sobre a areia, onde, de longe, o viajante crê aperceber uma toalha de água, ou ainda a uma corda atirada por terra, que ele toma por uma serpente.» (Estas comparações reiteradas encontram-se em numerosas passagens dos Vedas e dos Puranas.) A concepção expressa comummente por todos estes filósofos, não é outra senão a que nos ocupa neste momento: o mundo como representação, submetido ao princípio de razão" Schopenhauer MVR §3