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IMPACTOS DA OSCILAÇÃO DE MADDEN-JULIAN NA AMÉRICA DO SUL E SUAS
TELECONEXÕES PARA A ÁFRICA
Alice M. GRIMM
Grupo de Meteorologia - Universidade Federal do Paraná
Departamento de Física–Curitiba–Paraná
E-mail: [email protected]
Resumo: São avaliados os impactos das diferentes fases da Oscilação de Madden-Julian (OMJ)
sobre a precipitação diária observada na América do Sul no período 1979-2009, representada
em grade de 1º×1º. As mais fortes e extensas anomalias ocorrem nas fases 8/1 e 4/5, produzindo
anomalias de até 5 mm/dia. Teleconexões trópicos-trópicos e trópicos-extratrópicos são
responsáveis por estes impactos. A conexão entre oscilações intrassazonais de convecção na
América do Sul e no sul da África é analisada para diferentes estações do ano, através da
correlação de precipitação diária filtrada de regiões selecionadas da África com precipitações
sobre a América do Sul, aplicando-se lags de 0 a 5 dias aos dados da África. Assim, são
reveladas anomalias de chuva sobre a América do Sul, capazes de produzir teleconexões que
geram anomalias no sul da África. As perturbações de circulação associadas com o início de
fases positivas de oscilações intrassazonais de precipitação no sul da África exibem trens de
onda conectando ambos os continentes, com anomalia ciclônica a sudoeste das regiões
focalizadas da África. A análise de Funções de Influência e simulações com modelo simples
indicam que a convecção anômala da OMJ sobre a América do Sul pode produzir as
perturbações observadas.
Abstract: The impacts of different phases of the Madden-Julian Oscillation (MJO) on the daily
precipitation observed in South America in the period 1979-2009, gridded to 1º×1º, are
assessed. The strongest and most extensive anomalies occur in phases 8/1 and 4/5, producing
anomalies up to 5 mm/day. Tropical-tropical and tropical-extratropical teleconnections are
responsible for these impacts. The connection between intraseasonal oscillations of precipitation
in southern Africa and in South America is analyzed for different seasons, through correlation
between filtered daily precipitation over selected regions of Africa and over South America,
with lags from 0 through 5 days in the African data, in order to disclose precipitation anomalies
over South America able to produce teleconnections that generate anomalies in southern Africa.
The circulation anomalies associated with the beginning of positive phases of intraseasonal
oscillations in rainfall over southern Africa exhibit wavetrains connecting both continents.
Analysis with Influence Functions and simulations with a simple model indicate that the MJO
anomalous convection over South America is able to produce the observed anomalies.
1 – INTRODUÇÃO
A Oscilação de Madden-Julian (OMJ) é a mais importante fonte de variabilidade
intrassazonal, principalmente na região tropical, embora produza também importante
variabilidade subtropical e extratropical. Embora alguns de seus efeitos no Brasil já tenham sido
estudados (e.g., SOUZA e AMBRIZZI, 2006; CUNNINGHAM e CAVALCANTI, 2006), é
importante estender estes estudos para obter o impacto mais abrangente da OMJ sobre a chuva
observada na América do Sul, além da região tropical e além de sua associação com diferentes
tipos de episódios da Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS).
Além do impacto da MJO sobre a precipitação na América do Sul e seus mecanismos, é
interessante verificar como a convecção anômala resultante no nosso continente influencia a
circulação atmosférica de modo a produzir teleconexões e impactos sobre a precipitação no sul
da África, onde eles podem ser muito relevantes, nas diversas estações do ano.
2 - MATERIAIS E MÉTODOS
Dados de precipitação diária observada no período 1979-2009 são utilizados para
caracterizar os impactos da MJO. Tais dados foram obtidos da Agência Nacional de Águas e de
institutos de alguns países vizinhos. Os dados de precipitação foram passados para uma grade de
1,0º × 1,0º. Também foram usados dados de precipitação diária do sul da África (África do Sul,
Moçambique e Zimbabwe), para testar teleconexões. As perturbações atmosféricas associadas
são analisadas a partir dos dados da Reanálise NCEP-NCAR. Os dados de precipitação e outros
campos atmosféricos foram submetidos a um filtro de Lanczos passa-banda, para reter
oscilações apenas na faixa de 20-90 dias.
Para estudar o impacto da OMJ na América do Sul foram determinados estes eventos e
suas diferentes fases segundo o método de Wheeler and Hendon (2004), amplamente aceito e
usado no monitoramento e previsão da MJO. O método é baseado num par de Funções
Empíricas Ortogonais (FEOs) dos campos combinados de vento zonal (850 e 200 hPa) e
Radiação de Onda Longa (ROL) entre 15ºS e 15ºN. As primeiras duas FEOs descrevem a
propagação da OMJ. Os dados diários, com o ciclo anual e variabilidade interanual removidos,
são projetados sobre estas duas FEOs, produzindo duas séries de componentes principais (CPs)
que formam os índices RMM1 e RMM2 (Real-time Multivariate MJO). Diferentes combinações
de valores positivos e negativos destes índices definem oito fases para a MJO, que são
associadas com sua propagação tropical. Listas de datas em que cada fase ocorreu são
organizadas e são construídas composições de anomalias de precipitação diária e de outros
campos atmosféricos na banda 20-90 dias, com seus respectivos níveis de confiança calculados
com teste não paramétrico baseado na distribuição hipergeométrica.
Para verificar teleconexões entre anomalias de precipitação na América do Sul e o sul
da África, foram calculadas correlações entre séries de chuvas médias diárias em três diferentes
áreas no sul da África e em cada ponto de grade da América do Sul, com lags de 0 a 5 dias para
os dados da África. São também construídas composições de anomalias de função corrente em
200 hPa associadas com o primeiro dia de fases positivas (ou negativas) da precipitação diária
filtrada nas regiões selecionadas do sul da África, caracterizadas como anomalias acima (ou
abaixo) de um desvio padrão. Aqui são mostrados resultados para uma região.
Análise com Funções de influência (FI, GRIMM e SILVA DIAS, 1995) para pontos
alvo no centro das mais importantes dessas anomalias indicam se divergência anômala
associada com convecção anômala sobre a América do Sul pode produzir as anomalias de
circulação atmosférica associadas com anomalias de precipitação nas regiões do sul da África.
Simulações com um modelo da equação da vorticidade confirmam as conexões detectadas.
Embora toda a análise descrita acima tenha sido efetuada para todos os meses e estações
do ano, aqui só serão apresentados alguns dos resultados para o verão.
3 - RESULTADOS E DISCUSSÃO
Uma ideia geral das fases da OMJ definidas segundo Wheeler e Hendon (2004) pode ser
obtida a partir das suas respectivas anomalias de ROL, mostradas na Fig. 1, onde fica claro o
deslocamento da convecção equatorial do Oceano Índico para leste, até o Pacífico Central.
A composição de anomalias de precipitação para as fases 8, 1, 4 e 5, nas quais há
impacto mais extensivo e intenso da OMJ no verão, mostra forte impacto, que pode chegar a
mais de 5 mm/dia. As anomalias tendem a deslocar-se para norte/nordeste, devido à combinação
de teleconexões trópicos-trópicos e trópicos-extratrópicos. Estas últimas estão claramente
presentes nas fases em que há mais impacto na precipitação dos subtrópicos, pois aparecem
trens de onda trópicos-extratrópicos na função corrente em 200 hPa (não mostrada). Os
resultados confirmam o mecanismo de teleconexão apresentado por Grimm e Silva Dias (1995)
entre as anomalias de convecção no Pacífico Central (ZCPS) e a América do Sul (ZCAS).
A correlação entre precipitação na América do Sul e numa região no extremo sul da
África (com lag 1) mostra padrões muito semelhantes aos das anomalias associadas com as
fases 8/1 (comparar Figs. 2 e 3, esquerda). As anomalias de função corrente em 200 hPa
associadas com os dias em que se iniciam fases positivas de oscilações intrassazonais nesta
região da África mostram claramente um trem de onda entre a América do Sul e o sul da África,
com um centro ciclônico a sudoeste da região de referência (quadrado verde na Fig. 3, direita), o
que corresponde a uma situação de fortalecimento de movimento ascendente nesta região.
A análise da Função de Influência do ponto-alvo no centro deste ciclone (Fig. 4,
esquerda) indica que convecção anômala (e divergência anômala em altos níveis) sobre o centro
e leste da América do Sul é eficiente em produzir função corrente positiva em torno deste ponto,
havendo o mesmo resultado para convergência anômala no Sul do Brasil. Ambas as condições
são satisfeitas nas fases 8/1 da OMJ (Fig. 2).
Para testar a hipótese de que as anomalias de convecção associadas com a fase 1 da
MJO no Brasil são capazes de produzir as anomalias atmosféricas associadas com mais chuva
no sul da África, foram efetuadas simulações com um modelo da equação da vorticidade, que
inclui a divergência do estado básico e a advecção por vento divergente anômalo (GRIMM e
SILVA DIAS, 1995). A divergência anômala especificada é coerente com a situação de
convecção anômala sobre a América do Sul nas fases 8/1 da OMJ (Figs. 1 e 2) e com o padrão
de correlações entre chuvas no sul da África e na América do Sul (Fig. 3, esquerda): há
divergência (convergência) anômala no centro-leste (sudeste) da América do Sul (Fig. 4, meio).
As anomalias de função corrente simulada (Fig. 4, direita) reproduzem bem as anomalias
observadas no início de fases chuvosas das oscilações intrassazonais no sul da África (Fig. 3,
direita). A análise da evolução da circulação entre as fases 1 e 2 também é coerente com as
anomalias observadas (não mostrado).
4 – CONCLUSÕES
A distribuição tropical e subtropical das anomalias de precipitação diária (e também das
anomalias de frequência de eventos extremos, não mostrada) durante as fases da OMJ mostra
quão intensa é sua influência e revela detalhes não visíveis nas anomalias de ROL.
Teleconexões trópicos-trópicos e trópicos-extratrópicos são responsáveis por este impacto.
Análises diagnósticas e de modelagem mostram que as anomalias de convecção sobre a
América do Sul em escala intrassazonal influenciam as anomalias de convecção no sul da
África, como ocorre em escalas interanuais (GRIMM e REASON, 2011). Estas teleconexões,
aqui mostradas para o verão, têm significativas variações entre diferentes estações do ano.
5 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GRIMM, A. M. e SILVA DIAS, P. L. Analysis of tropical-extratropical interactions with
influence functions of a barotropic model. J. Atmos.Scie., 52, 3538-3555, 1995.
GRIMM, A. M. e REASON, C. J. Does the South American monsoon influence African
rainfall? J. Climate, 24, 1226-1238. Doi: 10.1175/2010JCLI3722.1, 2011.
CUNNINGHAM, C. C. e CAVALCANTI, I. F. A. Intraseasonal modes of variability affecting
the South Atlantic Convergence Zone. Int. J. Climatol., 26, 1165-1180, 2006.
SOUZA, E. B. e AMBRIZZI T. Modulation of the intraseasonal rainfall over tropical Brazil by
the Madden–Julian oscillation. Int. J. Climatol., 26, Doi: 10.1002/joc.1331, 2006.
WHEELER, M. e HENDON, H. An all-season real-time multivariate MJO index: development of an index for monitoring and prediction. Mon. Wea. Rev., 132, 1917-1932, 2004.
Fase 1 Fase 2 Fase 4
Fase 5 Fase 7 Fase 8
Fig. 1. Anomalias de ROL da sequência de fases da OMJ (fases 3 e 6 não mostradas). A cor vermelho (azul) indica anomalias positivas (negativas) com nível de confiança melhor que 95%. Fase 8 Fase 1 Fase 4 Fase 5
Fig. 2. Anomalias de precipitação em fases da OMJ com impacto mais extensivo (mm/dia). Anomalias com nível de confiança melhor que 95% estão hachuradas.
Fig. 3. (Esquerda) Correlações significativas (lag 1) entre chuva na América do Sul e no sul da África do Sul (32-35ºS,18-21ºE). (Direita) Anomalias de função corrente 200 hPa para os primeiros dias de fases positivas da precipitação sobre a área em verde na África do Sul. Níveis de confiança como na Fig. 1.
Fig. 4. (Esq.) Função de Influência de verão para o ponto indicado pela seta; (meio) divergência anômala especificada; (direita) função corrente em 200 hPa simulada pelo modelo. Para detalhes, ver o texto.