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TrabalhoNecessário – www.uff.br/trabalhonecessario; Ano 8, Nº 10/2010
IMPLICAÇÕES DA CRISE CAPITALISTA NO CAMPO TEÓRICO: PÓS-MODERNIDADE E EXCLUSÃO SOCIAL DAS PESSOAS COM DEFIC IÊNCIA1
Leonardo Docena Pina - [email protected] André Silva Martins (co-autor) - [email protected]
Este texto realiza um debate teórico com autores que abordam, sob a ótica
pós-moderna, as condições de inferioridade social que atingem as pessoas com
deficiência. O objetivo é mostrar que o reordenamento capitalista do final do século
XX interferiu no campo teórico, contribuindo para fazer a ‘exclusão social’ dos
deficientes assumir a forma de um fenômeno que não emana das relações sociais
de produção da existência humana.
A crise capitalista expressa, na década de 1970, pela falência do regime de
acumulação fordista, fez com que importantes setores da classe burguesa
implementassem uma tentativa de recuperar os patamares de expansão anteriores.
Como expressão dessa tentativa, pode-se destacar a passagem do ‘regime de
acumulação fordista ao regime de acumulação flexível’ (Harvey, 2007). Essa
modificação no regime de acumulação do capital demandou, também, sob o ponto
de vista do bloco no poder, uma mudança no modo de regulamentação da vida. Daí
a difusão do pós-modernismo como modo de vida a ser seguido pelo conjunto da
sociedade.
De acordo com Chauí (2001), o pós-modernismo, que assume a forma de
ideologia específica do neoliberalismo, repudia os princípios analíticos que nos
permitem compreender os fenômenos sociais do capitalismo com base na totalidade
concreta. Assim, diferentes acontecimentos sociais tendem a ser compreendidos de
forma imediata, sem transcender sua manifestação aparente.
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É importante salientar que, embora a aparência dos fenômenos integre sua
composição, ela, por si só, não revela, de imediato, o produto concreto da realidade
(Kosik, 1985). O pós-modernismo desconsidera esse fato, reduzindo-se à
compreensão fenomênica do real. Evidência disso é o caso da segregação das
pessoas com deficiência. Em essência, esse fenômeno é resultado de
procedimentos de inclusão forçada estabelecidos para garantir a imposição de
comportamentos, normas, condutas, valores e outros requisitos necessários ao
contínuo acúmulo de capital. Porém, a referida segregação se apresenta
imediatamente aos olhos dos seres humanos como fenômeno dissociado da
totalidade concreta. A aparência é a de que se trata de uma ‘exclusão’, proveniente
de processos dissociados da dominação de classe. Seguindo a tendência de prezar
a superfície do aparecer social, intelectuais pautados no pós-modernismo formulam
o ‘paradigma da exclusão’, a partir do qual o referido fenômeno é explicado sem os
devidos vínculos com os processos históricos: a ‘exclusão’ passa a ser entendida
como um dos efeitos de supostos micropoderes capilares desvinculados das
relações sociais de produção. Esse entendimento mantém lacunas que debilitam a
luta pela superação do capitalismo, já que, ao dificultar o entendimento radical das
condições de exclusão, as determinações impostas pelas relações sociais
capitalistas tendem a ser mascaradas.
Ao mostrar que o reordenamento capitalista do final do século XX interferiu no
debate sobre a segregação das pessoas com deficiência, o presente texto busca
inserir-se no debate sobre a ‘exclusão social’ de modo a contribuir para a articulação
da classe trabalhadora em torno de um projeto que vise superar a sociedade
capitalista. Assim, o texto explicita, no plano teórico, um problema ligado à formação
humana e às práticas educativas no século XXI a partir das repercussões do pós-
modernismo e da noção de exclusão social na atual configuração do capitalismo. A
abordagem de tal problema é realizada com base no materialismo histórico e
configura uma análise crítica sobre as mediações teoria, formação humana,
trabalho, educação e deficiência com o objetivo de indicar novas possibilidades de
análise das questões anteriormente mencionadas, que tomam forma na dinâmica
capitalista no século XXI.
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O aparecer imediato da ‘exclusão’
Santos (2007, p.63) afirma que Michel Foucault foi de grande importância,
com seus estudos sobre a normalização, para ver como se cria a exclusão: “um
sistema em que alguém fica totalmente de fora”. Essas palavras de Boaventura de
Sousa Santos são bastante ilustrativas para evidenciar dois aspectos. O primeiro
refere-se ao fato de que os estudos realizados por Foucault têm sido considerados
de grande importância para entender como se cria o fenômeno denominado de
'exclusão'. O segundo diz respeito a esse modo de se entender a 'exclusão', como
um sistema em que alguém fica totalmente de fora. Esses dois aspectos serão
abordados neste trabalho, a começar pela influência de Foucault no entendimento
desse fenômeno social.
Fontes (2005) explica que, especialmente a partir da década de 1960,
sobretudo a partir das obras de Michel Foucault, Gilles Deleuze e Félix Guattari, foi
aberto um imenso painel sobre modalidades de banimento, encarceramento e
segregação que, exercidas de forma regular e 'naturalizadas', constituíram uma
longa e penosa prática social estabelecida a partir do século XVII.
Concomitantemente com o estudo histórico dos processos constitutivos da formação
da sociedade moderna, buscava-se evidenciar modalidades de segregação até
então tidas como 'normais' ou 'naturais' (Fontes, 2005).
Uma das modalidades de segregação cuja análise teve grande impacto
refere-se aos problemas diretamente relacionados ao internamento psiquiátrico.
Segundo Fontes (2005), esse tema não só denunciava práticas de isolamento e
reclusão da doença mental como apontava para o deslizamento sistemático entre
contestação social e ‘anormalidade’, em uma prática que, generalizada na União
Soviética, disseminava-se na maioria dos países. A análise do sistema penal e
hospitalar mostrava que “a punição por confinamento ou encarceramento
constituiria, a rigor, a norma social e não uma exceção, paradoxalmente reforçada a
partir da generalização do liberalismo” (Fontes, 2005, p.35, grifos da autora). A
análise ainda mostrava que a segregação configurada pela reclusão psiquiátrica
englobava não só aqueles atingidos por graus diversos de sociabilidade como
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aqueles que contestavam as formas políticas dominantes. Em virtude da fertilidade
da proposição, surgiram trabalhos dedicados a analisar, por exemplo, a segregação
das mulheres do universo político ao longo do tempo e a estigmatização de grupos
sociais em razão de profissões, de doenças, de local ou moradia ou do vínculo
religioso, étnico ou linguístico. Assim, ainda de acordo com Fontes (2005),
demonstravam-se como expressivas parcelas da população eram mantidas em
situações de inferioridade social por meio de um discurso de poder tendente a
hierarquizar e reproduzir formas de controle social. Essas situações de inferioridade
social foram designadas pelo termo exclusão.
Em Michel Foucault, o termo exclusão encontrava-se diretamente associado a
controle social e disciplinarização, à circulação de poderes e constituição de
hierarquias, não necessariamente sincronizados nem dependentes das formas pelas
quais se justificava ou circulava o poder econômico. Assim explica Fontes (2005,
p.35-36):
O termo exclusão – utilizado por Foucault ao lado de expressões como banimento, reclusão e expulsão – constituía um viés pelo qual o autor demonstrava os efeitos de seu eixo principal de reflexão, as formas de distribuição de poder, com ênfase na instauração de uma sociedade disciplinar, com modalidades específicas de disseminação e radiação das formas de controle social. Assim, foi largamente empregado para designar aspectos específicos, pontuais, culturalmente diversos do exercício de poderes no interior de diferentes sociedades, caracterizando a circulação de poder e evidenciando a cristalização de pequenos poderes que, agindo na sociedade e perfeitamente disseminados, reproduziam e amplificavam formas “naturalizadas” de segregação social. Com isso, permitia identificar o estabelecimento de múltiplas hierarquias, não necessariamente sincronizadas ou dependentes das formas pelas quais se justificava ou circulava o poder econômico.
É importante evidenciar que, para Foucault, o fenômeno da exclusão é
entendido como um dos efeitos das formas de distribuição de poder por ele
descritas. Em virtude disso, o resgate do modo como esse autor compreende a
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temática do poder pode evidenciar a ótica pela qual ele analisa o fenômeno da
exclusão.
Conforme explica Veiga Neto (2005, p.144-145), “Foucault pulveriza e
descentra o poder”, ou seja, “não o compreende como algo que emane de um centro
– instituições ou Estado –, como algo que se possua e que tenha uma natureza ou
substância própria, unitário e localizável”. Essa ideia foucaultiana de que o poder
não emana de um centro capta um determinado aspecto da realidade: trata-se do
fato de que o poder é resultado das relações sociais e, dessa forma, emana do
modo de vida, mais especificamente, da forma como os seres humanos se
organizam na sociedade para produzir sua existência material e imaterial.
Entendendo que o poder é uma relação, pode-se afirmar que ele não é uma coisa a
ser conquistada mediante um simples golpe, visto que o poder se exerce, não se dá,
nem se troca. Daí Foucault entender que
o poder não existe (no sentido definido do artigo e no sentido duro do verbo), mas existem práticas em que ele se manifesta, atua, funciona e se espalha universal e capilarmente. (...) o poder não se dá, não se troca nem se retoma, mas se exerce, só existe em ação (Veiga-Neto, 2005, p.148, grifos do autor).
No entendimento de Foucault, “o poder não é principalmente manutenção e
reprodução das relações econômicas, mas acima de tudo uma relação de força”
(Veiga-Neto, 2005, p.148). Sobre a relação de força a que se refere o autor, é
importante salientar que
as forças de que fala Foucault – e de que falava também Nietzsche – não estão nas mãos de alguns atores ou de algum grupo que as exerçam sobre outros. Elas não são colocadas em movimento como resultado de arranjos políticos ocultos; elas não emanam de algum centro, como o Estado (nem mesmo o absolutista). Ao contrário, tais forças estão distribuídas difusamente por todo o tecido social (Veiga-Neto, 2005, p.73).
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Aparentemente, pode-se considerar que Foucault trouxe importantes
contribuições à temática do poder, sobretudo pela sua contribuição para difundir o
entendimento de que o poder é uma relação social. Porém, dois aspectos devem ser
ressaltados.
A descoberta da concepção relacional de poder é habitualmente atribuída
pela Academia a Michel Foucault. Dessa forma, é silenciado que, quarenta anos
antes de Foucault expor sua concepção em Microfísica do poder, Antônio Gramsci
(2000), seguindo Lenin, já tinha defendido o poder e a política ‘em termos de
relações’, não em geral, mas como relações de força, fato irrefutável da teoria
política que, contudo, não desmerece a correta ênfase foucaultiana naquela
dimensão relacional (Kohan, 2007).
Outro aspecto a ser destacado diz respeito ao fato de que, por um lado, a
teoria da microfísica do poder (Foucault, 1999) permitiu, ao pensamento político,
avançar no sentido de desmistificar as visões que, concebendo o poder como uma
coisa materializada no aparelho estatal, subestimam as múltiplas dimensões das
relações de poder (Sader, 2003). Por outro lado, a teoria de Foucault ‘deshistoriciza’
completamente o poder, hipostasiando e abstraindo todo o seu vínculo com as
relações de produção (Kohan, 2007).
Nas sociedades capitalistas, as relações de poder emanam das relações
sociais de produção. Tais relações ganham forma na organização e dinâmica da
sociedade civil até atingir o aparelho estatal, sendo o seu resultado o fundamento
para a dominação de classe. Embora o aparelho estatal não seja a única e mais
importante instância de exercício do poder, esvaziar ou negar sua função educativa,
coercitiva e/ou de convencimento em nada contribui para explicar a problemática da
dominação na sociedade capitalista.
Foucault não busca evidenciar que a classe dominante, para manter sua
hegemonia, precisa criar uma unidade, difundindo, por todo o tecido social, as ideias
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e comportamentos capazes de organizar e direcionar o conjunto da sociedade2. Ao
invés de compreender as relações de poder distribuídas difusamente pelo tecido
social a partir da hegemonia da classe dominante, o autor nos conclama a realizar
uma análise ascendente do poder. Essa forma de análise consiste em
partir dos mecanismos infinitesimais que têm uma história, um caminho, técnicas e táticas e depois examinar como estes mecanismos de poder foram e ainda são investidos, colonizados, utilizados, subjugados, transformados, deslocados, desdobrados, etc., por mecanismos cada vez mais gerais e por formas de dominação global. Não é a dominação global que se pluraliza e repercute até embaixo (Foucault, 1999, p.184).
Sob a ótica do autor, não é a dominação global, posta em prática pela
burguesia, que repercute ‘até embaixo’, nos poros da sociedade. Foucault (1999)
supõe que as múltiplas formas de dominação que ocorrem na sociedade não
emanam dos interesses da classe, mas de mecanismos próprios. Além de defender
a análise ascendente do poder, que não vincula as formas de dominação à
totalidade da vida social, o autor ainda critica o que denomina de ‘análise
descendente’ do poder. Em suas palavras:
Creio que deva ser analisada a maneira como os fenômenos, as técnicas e os procedimentos de poder atuam nos níveis mais baixos; como estes procedimentos se deslocam, se expandem, se modificam; mas sobretudo como são investidos e anexados por fenômenos mais globais; como poderes mais gerais ou lucros econômicos podem inserir-se no jogo destas tecnologias de poder que são, ao mesmo tempo, relativamente autônomas e infinitesimais. Para que isto fique mais claro pode-se dar o exemplo da loucura. A análise descendente, de que se deve desconfiar, poderia dizer que a burguesia se tornou a classe dominante a partir do final do século XVI e início do século XVII; como é então possível deduzir desse fato a internação dos loucos? A dedução é sempre possível, é sempre fácil e é exatamente esta a crítica que lhe faço. Efetivamente, é fácil mostrar como se torna obrigatório desfazer-se do louco justamente porque ele é inútil na produção industrial. Poder-se-ia dizer a mesma coisa a respeito da sexualidade infantil e, de resto, foi o que algumas
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pessoas fizeram, como por exemplo, e até certo ponto, W. Reich: a partir da dominação da classe burguesa, como é possível compreender a repressão da sexualidade infantil? Muito simplesmente: já que o corpo humano se tornou essencialmente força produtiva a partir dos séculos XVII e XVIII, todas as formas de desgaste irredutíveis à constituição das forças produtivas – manifestando, portanto, sua própria inutilidade – foram banidas, excluídas e reprimidas (Foucault, 1999, p.184).
Foucault (1999), acreditando ser possível ‘deduzir’ qualquer coisa do
fenômeno geral da dominação burguesa, opta por realizar suas análises sem
buscar, nos interesses das classes, a origem das formas de dominação exercidas na
sociedade:
Creio que é possível deduzir qualquer coisa do fenômeno geral da dominação da classe burguesa. O que faço é o inverso: examinar historicamente, partindo de baixo, a maneira como os mecanismos de controle puderam funcionar; por exemplo, quanto à exclusão da loucura ou à repressão e proibição da sexualidade, ver como, ao nível efetivo da família, da vizinhança, das células ou níveis mais elementares da sociedade, esses fenômenos de repressão ou exclusão se dotaram de instrumentos próprios, de uma lógica própria, responderam a determinadas necessidades; mostrar quais foram seus agentes, sem procurá-los na burguesia em geral e sim nos agentes reais (que podem ser a família, a vizinhança, os pais, os médicos, etc.) e como estes mecanismos de poder, em dado momento, em uma conjuntura precisa e por meio de um determinado número de transformações começaram a se tornar economicamente vantajosos e politicamente úteis (Foucault, 1999, p.185).
Foucault (1999, p.185) entende, por exemplo, que “não foi a burguesia que
achou que a loucura deveria ser excluída ou a sexualidade infantil reprimida”. No
seu entendimento, os mecanismos de ‘exclusão da loucura’ e de vigilância da
sexualidade infantil evidenciaram um lucro econômico e uma utilidade política, que,
de repente, tornaram-se naturalmente colonizados e sustentados por mecanismos
globais do sistema do Estado. Na verdade, o que Foucault (1999) defende é a
análise dos fenômenos da sociedade sob outra ótica que não a da totalidade
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concreta. Assim, torna-se possível atingir a compreensão de que o poder em
localidades, contextos e situações sociais distintos é construído de forma
independente da cultura gerada nos processos de produção da existência humana.
Isso permite ao autor compreender diferentes organismos da sociedade como
lugares em que uma organização dispersa e não integrada é construída
independentemente de qualquer estratégia sistemática e de domínio de classe.
Já foi possível compreender que Foucault, embora ‘descoisifique’ o poder,
não consegue ver que, em uma sociedade de classe, os interesses distintos,
organizados na sociedade civil, são inseridos na aparelhagem estatal. O intelectual
também não consegue entender que os micropoderes que penetram no tecido
social, difundidos em modo de vida, criam uma cultura baseada nos interesses de
determinada classe. Nesse ponto, torna-se possível afirmar que a teoria da
microfísica do poder pouco contribui para elucidar os complexos e sutis processos
de dominação de classe na sociedade capitalista. Além do mais, trata-se de uma
teoria ancorada no pós-modernismo3.
De acordo com Chauí (2001), o pós-modernismo instaurou, no campo teórico,
a chamada crise da razão, que se explicita, principalmente, a partir de cinco
aspectos. Dentre os aspectos mencionados por Chauí (2001) que caracterizam o
pós-modernismo, encontra-se a
negação de que o poder se realiza a distância do social por meio de instituições que lhe são próprias, fundadas tanto na lógica da luta de classes e da dominação, quanto nas ações emancipatórias. Em seu lugar surgem as idéias de micropoderes capilares, que disciplinam a sociedade e políticas que se realizam sem as mediações institucionais, resultando, no primeiro caso, em ações fragmentadas que terminam em meras demandas, e, no segundo, em reforço dos populismos e dos fascismos (Chauí, 2001, p.154).
É a partir da concepção pós-moderna de poder que Foucault identificava o
estabelecimento de múltiplas hierarquias, que, a seu ver, não estariam
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necessariamente sincronizadas ou dependentes das formas pelas quais se
justificava ou circulava o poder econômico. Dessa forma, o intelectual visava
“ressaltar os efeitos segregadores de práticas não econômicas”, “desnudar a
reprodução e a criação de diferenças estigmatizantes e hierarquizantes, para além
de clivagens clássicas calcadas no aspecto econômico ou centradas na relação
capital-trabalho” (Fontes, 2005, p.36, grifos da autora).
Seguindo a tendência de tratar modalidades de segregação para além de
clivagens clássicas calcadas na dominação de classe, Marques (2001), L. Marques
(2001), além de Marques e Marques (2003) apresentam reflexões sobre a chamada
“exclusão” dos indivíduos com deficiência, processo evidenciado pela segregação
dessas pessoas em instituições especializadas4.
Marques (2001) parte do princípio de que o entendimento dos novos rumos
que vem tomando a humanidade, inclusive no que se refere à temática da
deficiência, depende do modo como vem sendo compreendida a própria vida. Sua
compreensão é a de que o “descortinamento do processo de transição entre o
pensamento da Modernidade e os preceitos Pós-Modernos” constitui uma condição
básica para a tentativa de se responder às questões por ele formuladas (Marques,
2001, p.29). Daí a adoção do deslocamento do pensamento moderno ao ‘Atual’
como pano de fundo de sua análise5
Sob a ótica dos referidos autores, a ‘padronização do normal’ e a segregação
dos desviantes é marca do ‘pensamento Moderno’, no qual as formas de se
conceber o mundo e as relações entre os seres humanos estariam calcadas no
princípio do universal, nas dicotomias normal/anormal, certo/errado, bom/ruim (L.
Marques, 2001). Vale ressaltar, segundo Fontes (2001), que ‘universal’ refere-se a
tudo que pode ser partilhado pelas pessoas (em princípio, pois, demonstrável),
independentemente de sua origem, crença, filiação etc. A autora explica que a
enunciação da gravidade, por exemplo, é universal, tanto em sua aplicabilidade
quanto pela possibilidade dada a qualquer indivíduo, detentor de conhecimentos
(uma forma de linguagem), aceder à sua formulação e, eventualmente, contestá-la a
partir de seus próprios pressupostos. Para Marques e Marques (2003), o
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‘pensamento Atual’, não mais fundado no universal, mas na diversidade, conduziria
às práticas de reconhecimento e respeito pelo outro, que superariam aquelas
predominantes na ‘Modernidade’6.
A partir dessa ótica, Marques (2001) afirma que os indivíduos portadores de
deficiência e condutas típicas compõem uma categoria colocada à margem do
processo social. Dentre os aspectos abordados pelo autor que evidenciam a
problemática de grupos historicamente discriminados, encontra-se a temática da
normalidade/anormalidade.
Exatamente nesse ponto reside um grande mérito do estudo de Marques
(2001). Suas reflexões evidenciam que a segregação das pessoas com deficiência e
condutas típicas, assim como a segregação de outros grupos desviantes, constituiu
um processo perverso que se assenta na criação da figura do anormal. O autor
explica que, a partir da criação do padrão de normalidade, os desviantes desse
padrão passaram a ser considerados anormais. Em virtude disso, os indivíduos com
deficiência, assim como outros casos de desvio do padrão de normalidade, foram
sendo segregados em instituições especializadas. No interior dessas instituições,
vários grupos sociais mantinham-se à margem do convívio com as pessoas
consideradas normais, configurando o que se convencionou denominar de
paradigma da exclusão (Marques, 2001). Para consolidar a segregação, tais
instituições apresentaram como finalidade manifesta a redução das mazelas vividas
por aqueles que se desviavam do padrão de normalidade. Dessa forma, a
segregação aparecia como algo benéfico aos desviantes, sobretudo pela atuação
dos ‘especialistas’ (Marques, 2001) que formularam e difundiram o discurso de que
as instituições especializadas serviam para proteger, educar, reabilitar ou integrar,
na sociedade, cada grupo desviante.
O olhar clínico dos especialistas atingiu, inclusive, o sistema educacional,
resultando na aplicação de estereótipos e na segregação dos educandos desviantes
nas chamadas escolas especiais, que funcionavam em conformidade com a
chamada Educação Especial. Conforme explicam Glat e Fernandes (2005), o
trabalho nas escolas especiais, sob o enfoque médico ou clínico, era organizado
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com base em um conjunto de terapias individuais (fisioterapia, fonoaudiologia,
psicologia, psicopedagogia etc.) e com pouca ênfase dada à atividade acadêmica, já
que, nessa instituição, a educação escolar não era compreendida como necessária,
ou mesmo, possível, sobretudo para os educandos com deficiências cognitivas e/ou
sensoriais severas. Dessa forma, o trabalho era desenvolvido como um processo de
‘prontidão para a alfabetização’, sem muitas expectativas quanto à capacidade de
esses indivíduos se desenvolverem academicamente e ingressarem na cultura
formal (Glat e Fernandes, 2005). Mesmo com o desenvolvimento teórico-prático
ocorrido nas décadas de 1970 e 1980, do qual resultou uma mudança de enfoque da
perspectiva do ‘modelo médico’ ao ‘modelo educacional’, a educação especial não
deixou de funcionar como um serviço paralelo, com métodos ainda de forte ênfase
clínica e currículos próprios (Glat e Fernandes, 2005).
Há de se concordar com Marques (2001) no que diz respeito ao fato de que
essa forma de funcionamento das escolas especiais, vale dizer, a partir da criação
de uma ‘estrutura paralela’ para atender às supostas necessidades dos deficientes,
constitui um processo perverso, visto que a referida estrutura não teria sido criada
para beneficiar as pessoas com deficiência, mas, antes, para separá-las dos outros
educandos. Tal fato pode ser evidenciado pelas reflexões de Ferreira e Glat (2005).
As autoras apontam que as escolas e classes especiais implantadas nas décadas
de 1970 e 1980 atuaram mais como espaços de segregação para aqueles que não
se enquadravam no sistema regular de ensino do que como possibilidade de
promover o ingresso dos educandos com deficiência no ensino público, tal como era
proclamado em seus objetivos.
Em síntese, pode-se dizer que, por trás da finalidade manifesta de atender às
supostas necessidades dos indivíduos com deficiência, as instituições
especializadas, dentre elas a escola especial, assumiam a função de distanciar o
deficiente do convívio social, difundindo uma imagem negativa em relação a ele
(Marques, 2001). Dito de outra forma, a segregação dos desviantes do padrão de
normalidade, dentre os quais se encontram as pessoas com deficiência, não ocorria
para atender às supostas necessidades dos indivíduos atendidos nas instituições
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especializadas, mas, sim, para manter distante do convívio com os indivíduos
considerados normais aqueles que supostamente significavam um risco à saúde do
corpo social.
Em virtude disso, torna-se evidente a necessidade de se inserir na luta pela
superação de tais práticas. Entretanto, é sobre a ‘Modernidade’ e não sobre o bloco
que detém a direção do processo histórico que autores pós-modernos costumam
concentrar a ‘origem’ do mecanismo de criação da figura do anormal e das ações
discriminatórias e segregadoras geradas por esse processo. Enquanto o ‘mundo
Atual’, com o pensamento pós-moderno, pautado na diversidade, conduziria às
práticas de reconhecimento e respeito pelo outro, a ‘Modernidade’, sob o ponto de
vista desses autores, seria responsável pelo processo de segregação de grupos
historicamente discriminados, a exemplo dos indivíduos com deficiência:
a Modernidade caracterizou-se pela delimitação do espaço passível de ocupação por cada indivíduo na sociedade [...]. Assim, a posição de cada um estaria definida conforme o espaço a ele destinado em um determinado ambiente sociocultural. A deficiência, entendida como desvio da normalidade constituiu, como se pôde perceber, um objeto permanente de práticas de vigilância e de isolamento sociais. Tais atitudes se manifestariam no cotidiano das pessoas nas formas do preconceito e da discriminação. O isolamento das pessoas com deficiência em asilos, internatos e hospitais representa a materialização do que ora é discutido (L. Marques, 2001, p.51).
Afirmam ainda que: O discurso da Modernidade sobre as pessoas com deficiência esteve sempre calcado no entendimento da deficiência como desvio da norma, ou, em outras palavras, como não ajustamento aos padrões ideologicamente estabelecidos como normais (Marques e Marques, 2003, p.229).
Apesar de a modernidade ser um período histórico delimitado por relações
sociais específicas, geradas pelo modo capitalista de produção da existência
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humana, para alguns autores, a modernidade torna-se mera abstração, sendo
desvinculada da história real produzida pelos seres humanos em seus espaços
concretos de realização da vida. Até mesmo quando a organização estrutural da
sociedade é mencionada, esta tende a ser pensada fora de sua especificidade.
Assim, o que é específico do modo de produção capitalista tende a ser configurado
como algo da ‘Modernidade’, da ‘sociedade disciplinar’, da ‘sociedade
normalizadora’ ou simplesmente como algo da ‘sociedade’. Em qualquer uma
dessas denominações, o específico, isto é, o modo de produção capitalista, não é
evidenciado. Para Marques (2001, p.51), o processo de segregação e discriminação
dos indivíduos com deficiência
não pode ser desvinculado da concepção funcionalista de sociedade, modelo que representa bem a estrutura social vigente na Modernidade. Ao colocar as pessoas deficientes numa condição de inferioridade corpórea e de incapacidade produtiva, a sociedade gera uma extratificação com limites muito claros quanto às possibilidades de realização pessoal, profissional e afetiva de seus membros. Ao ser concebida como um corpo estruturado com órgãos e onde cada órgão tem uma função social muito precisa, a sociedade estabelece as funções de cada indivíduo e determina quem pode e quem não pode desempenhar os diversos papéis sociais. Por analogia com o corpo humano, os órgãos devem se relacionar entre si, trazendo uma harmonia fisiológica para esse corpo, não devendo existir órgãos estragados ou em mau funcionamento.
O autor reforça ainda que, na concepção funcionalista de sociedade, um
corpo com órgãos ‘deficientes’ não é um ‘corpo social’ bem estruturado e em ordem,
sendo, portanto, considerado fora do normal. Dois sentidos acompanham esse
entendimento: o de que um órgão fora do normal causa prejuízo funcional e o de
que um ‘órgão estragado’ pode contaminar os demais, devendo, por isso, ser
afastado do conjunto de órgãos sadios.
O que Marques (2001) chama de ‘concepção funcionalista de sociedade’,
denominação originalmente formulada por Emile Durkhein, não passa de uma
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expressão específica do modo de produção capitalista da vida humana, que é a
própria estrutura social vigente na modernidade. Se, por um lado, Marques (2001)
demonstra que a ‘concepção funcionalista de sociedade’ contribuiu para efetivar a
segregação das pessoas com deficiência, por outro lado, o autor não relaciona a
referida concepção com o modo de controle sociometabólico do capital, do qual
resultam as determinações impostas pela sociedade capitalista.
De acordo com Mészáros (2002), o sistema do capital constituiu-se, no curso
da história, como uma poderosa estrutura totalizadora de controle à qual tudo deve
se ajustar, inclusive os seres humanos. O autor explica que, para funcionar como
modo totalizador de controle sociometabólico, o sistema do capital forma uma
estrutura de comando adequada para exercer suas funções. Consequentemente,
para atingir os objetivos metabólicos adotados, tudo deve se sujeitar às exigências
do modo de controle do capital, cabendo, inclusive, a cada ser humano, provar sua
‘viabilidade produtiva’ (Mészáros, 2002).
Em relação à criação da figura do anormal, pode-se dizer que, ao não
provarem sua ‘viabilidade produtiva’ ao capital, as pessoas com deficiência foram
obrigadas a se inserir em situações determinadas pela posição política e econômica
ocupada nas relações de poder. Dentre as determinações da sociabilidade
capitalista daquele contexto, encontrava-se o entendimento da deficiência como
anormalidade, além da segregação de seus portadores, visto que os indivíduos
pertencentes a esse grupo historicamente discriminado foram tidos como
economicamente improdutivos.
Essas reflexões nos permitem afirmar que, sob o ponto de vista da classe
dirigente do processo histórico, a preocupação com a capacidade produtiva das
pessoas, e da sociedade em geral, é elemento de fundamental importância para a
construção da figura do anormal. Embora Marques (2001) reconheça essa
importância, não a relaciona com a hegemonia das classes dominantes na
sociedade capitalista. Talvez por tomar a modernidade sem os devidos vínculos com
a história produzida por homens e mulheres reais, o autor perceba a sociedade
capitalista como ‘sociedade disciplinar ou normalizadora’ ou como um modo de
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produção da vida humana que não mais precisasse ser definido, bastando
denominá-lo de ‘sociedade’. Em suas palavras:
É com a força de trabalho que a sociedade, em última instância, se preocupa. Nesse sentido, a deficiência assume a marca da incapacidade produtiva e da dependência econômica, fazendo de seus portadores seres inadaptados aos padrões de aceitabilidade com que ela, sociedade, classifica seus membros. Um corpo improdutivo é necessariamente um corpo deficiente. E é sobre esse corpo deficiente que as relações de poder têm alcance imediato (Marques, 2001, p.58).
No entendimento de Marques (2001, p.37), “a Modernidade foi marcada pelo
desejo do normal” e mais: “a anormalidade constituía uma necessidade do
pensamento Moderno”. Isso teria gerado a necessidade de se criar a categoria da
anormalidade, para que a dicotomia normal versus anormal pudesse ser
estabelecida. Com a consolidação dessa dicotomia, teria sido instaurado o
paradigma da exclusão, que “entende a deficiência como anormalidade, colocando
seus portadores na condição de desviantes, incapazes e doentes, ou seja,
totalmente à margem do processo social” (Marques, 2001, p.49).
Para Marques (2001, p.37), o estabelecimento de padrões e o
enquadramento das pessoas e dos comportamentos dentro ou fora dos mesmos é
um exemplo do “esquema de vigilância e controle típico da Modernidade”. Daí a
padronização dos indivíduos em normais e anormais e a segregação dos
considerados desviantes em instituições especializadas.
Sob o ponto de vista do autor, portanto, o ‘paradigma da exclusão’ estaria
pautado genericamente no pensamento moderno, sobretudo porque apresenta como
marca a identificação da diferença como desvio e a norma como instrumento
disciplinar:
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Identificada como uma marca do pensamento Moderno, a caracterização da deficiência como anormalidade constitui uma primeira formação discursiva, a qual traz implícito o referencial de normalidade como parâmetro para tal caracterização. O que está em jogo é, na verdade, a apologia do normal. A anormalidade não passa, pois, do contraponto necessário para a construção do sentido de normalidade (Marques, 2001, p. 50).
Nesse ponto, é importante ressaltar a seguinte afirmação de Malik (1999): os
pós-modernos costumam interpretar problemas do século XX como consequência
da ‘modernidade’ e não como produto de relações sociais específicas, fazendo com
que problemas específicos criados pelo capitalismo percam seu caráter histórico, ou
seja, ao invés de serem investigados em sua especificidade, “são reunidos num
saco de gatos como conseqüência geral da ‘modernidade’” (Malik, 1999, p.142).
Considerar o mecanismo de criação da figura do anormal como uma espécie
de consequência da ‘modernidade’ acarreta duas implicações centrais.
Primeiramente, isenta-se o modo de produção capitalista de sua culpa na
constituição de todo o processo de segregação dos desviantes. Outra forma de
atuação importante é que, ao atribuir ao ‘pensamento moderno’ a culpa pelo
mecanismo de criação da figura do anormal, torna-se ‘incoerente’ buscar a
superação desse mecanismo com base no próprio ‘pensamento moderno’.
Consequentemente, em prol da adoção do pós-modernismo, são descartadas as
teorias críticas pautadas nos preceitos da Modernidade, dentre elas, a concepção de
mundo empenhada em superar todas as formas de desigualdade, exploração e
dominação social, política e econômica. Assim, o enfrentamento da segregação dos
considerados desviantes tende se sintonizar com os interesses e necessidades do
bloco dirigente da atual etapa capitalista.
A tentativa de explicar o processo de criação e segregação do ‘anormal’ com
base nos preceitos pós-modernos dificulta, ou até mesmo impede, a compreensão
desse processo como síntese de múltiplas determinações. Para alcançar essa
compreensão, seria necessário considerar que o mecanismo de criação da figura do
anormal foi incorporado e aprofundado pelo modo capitalista de produção da
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existência humana e pelas relações sociais nele constituídas. No entanto, isso
evidenciaria a atuação estratégica do bloco dirigente da sociedade capitalista na
constituição do referido processo. Nesse ponto, torna-se possível compreender por
que ao pós-modernismo não interessa considerar o processo de criação da figura do
anormal como parte integrante de uma totalidade concreta. Busco a explicação disso
nas palavras de Eagleton (1998, p. 20): “Não buscar a totalidade representa apenas
um código para não se considerar o capitalismo”, ou seja, o pós-modernismo
desconsidera a categoria totalidade, tornando possível atribuir a culpa do processo
de segregação dos desviantes à ‘Modernidade’ e não ao modo de vida gerado no
capitalismo.
Em relação ao fato de adotar a concepção pós-moderna de poder, a
estratégia não se diferencia muito, pois considerar que o mecanismo de criação da
figura do anormal é um dos efeitos dos micropoderes capilares implica aceitar o
pressuposto de que tal mecanismo não foi colocado em prática por processos de
hegemonia presentes na totalidade da vida social.
É importante reconhecer a perversidade do processo de segregação
identificado e analisado por Marques (2001), L. Marques (2001) e Marques e
Marques (2003), mas atacar a ‘Modernidade’ de maneira genérica, sem considerá-la
na história, não é a melhor escolha para os que interpretam os fenômenos da
sociedade capitalista como parte integrante da totalidade concreta.
À primeira vista, o denominado paradigma da exclusão aparenta ser uma
forma de segregação desvinculada da totalidade da vida social, decorrente de
micropoderes difusos e capilares que não emanam das relações sociais de
produção. Analisada na totalidade, porém, essa segregação revela algo distinto, tal
como será evidenciado na seção a seguir.
Além de contribuir para que o fenômeno da segregação de grupos
historicamente discriminados seja compreendido como resultado de outra lógica que
não a das relações sociais entre desiguais, os estudos de Michel Foucault – e de
outros autores que compartilham de suas formulações – têm contribuído para que a
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essência de tal fenômeno seja confundida com sua manifestação imediata. Isso
permite que a segregação dos desviantes do padrão de normalidade seja
considerada uma exclusão, isto é, “um sistema em que alguém fica totalmente de
fora” (Santos, 2007, p.63).
Segundo Fontes (2005), o fato de grandes parcelas da população terem
ficado de fora do processo de assalariamento durante longos períodos não significa
que tenham permanecido fora das relações capitalistas, já que, para caracterizar
algum grupo social como permanecendo ‘fora do mercado’, seria necessário que ele
fosse capaz de garantir sua subsistência de modo independente das formas
mercantis ou recorrendo a elas apenas de maneira acessória. Seguindo essa
mesma lógica, pode-se compreender a segregação de grupos historicamente
discriminados não mais como uma exclusão, visto que os grupos em tese ‘excluídos’
ainda se encontram no interior das relações sociais capitalistas.
A afirmação de que grupos sociais foram excluídos, isto é, mantidos
totalmente de fora, desconsidera que, independentemente da forma pela qual as
populações ou grupos sociais se conectam às relações sociais capitalistas, todos
fazem parte dessas relações, sendo de alguma forma afetados por elas. Inúmeros
acontecimentos, fatos, fenômenos que, à primeira vista, parecem absolutamente
independentes, formam, na verdade, um sistema cuja coesão é garantida pelo
princípio do capital que submete todos e cada elemento da vida social à sua lógica
(Oliveira, 2004b). A partir dessa submissão à intenção e objetivação do contínuo
acúmulo de capital, inúmeros grupos sociais são obrigados a se adequarem ao
modo de vida exigido pelo bloco no poder. Dentre tais formas de enquadramento,
encontra-se a segregação dos indivíduos considerados anormais, que se configura
como uma ‘exclusão interna’ (Fontes, 2005) e não como uma exclusão do sistema
enquanto tal.
Portanto, embora a segregação das pessoas com deficiência aparente ser um
processo em que tais indivíduos ficam ‘totalmente de fora’, esse fenômeno não
configura uma exclusão do sistema, pois a margem do convívio social ainda é parte
integrante das relações sociais capitalistas.
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A essência da ‘exclusão’
Os temas referentes ao que atualmente se denomina de ‘exclusão social’
foram analisados, ao longo deste século, em sua maioria, a partir do entendimento
de que a exclusão seria uma forma passageira de um desequilíbrio ou uma
disfunção social ou, ainda, uma inadaptação individual (Fontes, 2005).
Em oposição a essas compreensões, encontram-se as análises que partem
do pensamento de Marx (2008), a exemplo dos estudos de Oliveira (2004a), Oliveira
(2004b) e Fontes (2005), que evidenciam a relação da ‘exclusão’ com a dinâmica
capitalista. Para compreender a essência da ‘exclusão’, faz-se necessário retomar
algumas reflexões de Marx, mais especificamente aquelas relacionadas ao processo
de acumulação primitiva.
Marx (2008) explica que o acúmulo de capital pressupõe a produção
capitalista, e esta, a existência de grandes quantidades de capital e de força de
trabalho nas mãos dos produtores de mercadorias. Mas, para estabelecer esses
fatores, foi necessário realizar um intenso processo de expropriação, uma espécie
de acumulação primitiva, história inscrita a sangue e fogo nos anais da humanidade
(Marx, 2008). Em síntese, pode-se dizer que a acumulação primitiva é o processo
histórico a partir do qual foram estabelecidas as condições básicas para a
acumulação capitalista:
O processo que cria o sistema capitalista consiste apenas no processo que retira ao trabalhador a propriedade de seus meios de trabalho, um processo que transforma em capital os meios de subsistência e os de produção e converte em assalariados os produtores diretos. A chamada acumulação primitiva é apenas o processo histórico que dissocia o trabalhador dos meios de produção. É considerada primitiva porque constitui a pré-história do capital e do modo de produção capitalista (Marx, 2008, p. 828).
Na história da acumulação primitiva, marcam época as transformações que
serviram de alavanca à classe capitalista em formação, com destaque para os
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deslocamentos das grandes massas humanas que foram súbita e violentamente
privadas de seus meios de subsistência (Marx, 2008). Nesse processo, os
camponeses foram privados de sua fonte tradicional de subsistência. Antes, eles
dispunham do usufruto das terras comuns, de onde retiravam os meios necessários
para sobreviver, como lenha e turfa, por exemplo. Depois, com a transformação da
propriedade comunal em propriedade privada, o consumo desses meios assumiu a
forma de roubo. Além disso, a expropriação dos camponeses foi marcada pela
chamada ‘limpeza das propriedades’, que consistiu em ‘varrer’ destas os seres
humanos, para que os trabalhadores agrícolas não encontrassem mais, na terra em
que lavravam, o espaço necessário para sua própria habitação (Marx, 2008). Desse
modo, a acumulação primitiva formou uma população detentora apenas de sua força
de trabalho, já que muitos foram impedidos de assegurar sua própria subsistência a
partir das condições anteriores de vida.
Conforme instiga Oliveira (2004a), o fenômeno da acumulação primitiva
constituiu, à primeira vista, um processo de exclusão que pode ser evidenciado
pelos seguintes excertos ilustrativos extraídos da obra de Marx:
“... grandes massas humanas são arrancadas súbita e violentamente de seus meios de subsistência...” (...); “A expropriação da base fundiária do produtor rural, do camponês, forma a base de todo o processo” (...); “... mediante exclusão violenta do campesinato da base fundiária...” (...); “... usurpação de sua terra comunal.” (...); “... a expropriação dos pequenos camponeses arruína o país” (...); “O processo de expropriação violenta da massa do povo recebeu novo e terrível impulso, no século XVI, pela Reforma...” (...); “... os proprietários fundiários impuseram legalmente uma usurpação, que em todo continente realizou-se sem rodeios legais.” (...); “... a usurpação da terra comunal e a revolução da agricultura que a acompanhou tiveram efeitos tão agudos sobre o trabalhador agrícola..”(...); “... 15 mil habitantes, cerca de três mil famílias, foram sistematicamente expulsos e exterminados.” (...); “... os 15 mil gaélicos já tinham sido substituídos por 131 mil ovelhas.” (...); “Os gaélicos foram expulsos pela segunda vez” (...); “A intermitente e sempre renovada expropriação e expulsão do povo do campo, como foi visto, forneceu à indústria urbana mais e mais massas de proletários, situados totalmente fora das relações corporativas...”. (...); “A expropriação e a expulsão de parte do povo do campo liberam, com os trabalhadores, não apenas seus meios de
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subsistência e seu material de trabalho para o capital industrial, mas cria também o mercado interno.” (Oliveira, 2004a, p.136, grifos do autor).
Segundo Oliveira (2004a), o processo de exclusão relatado refere-se ao ato
de retirar do caminho todos os entraves ao estabelecimento das condições
necessárias ao funcionamento do modo de produção capitalista. Nesse movimento,
“exclui-se pela expropriação, o roubo, a expulsão, a usurpação, enfim, sempre
processos de violência” (Oliveira, 2004a). Mas, como os trabalhadores que foram
expulsos de suas terras não podiam ser absorvidos pela manufatura nascente com a
mesma rapidez com que se tornavam disponíveis, muitos foram deslocados do
centro da vida social que começava a ser delineada (Marx, 2008).
De acordo com Marx (2008, p. 848), isso ocorreu, na maioria dos casos, por
força das circunstâncias, sobretudo porque os trabalhadores, ao serem “arrancados
das suas condições habituais de existência, não podiam enquadrar-se, da noite para
o dia, na disciplina exigida pela nova situação”.
A impossibilidade de prosseguir trabalhando nas velhas condições que não
mais existiam, fez, portanto, com que muitas pessoas se transformassem em
‘vagabundos’ e ‘indigentes’, transformação que lhes era imposta. Entretanto, tal
impossibilidade fez emergir também uma legislação que os tratava como pessoas
que escolheram propositalmente o caminho do crime, como se dependesse da
vontade deles prosseguir trabalhando nas velhas condições que não mais existiam
(Marx, 2008).
Conforme explica Oliveira (2004a), a legislação a que se refere Marx não
deixou de providenciar, além do enquadramento legal e da crueldade da punição, a
marca infame que confere o elemento simbólico da exclusão: o estigma. A seguir,
alguns exemplos da referida legislação:
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Henrique VIII, lei de 1530. - Mendigos velhos e incapacitados para trabalhar têm direito a uma licença para pedir esmolas. Os vagabundos sadios serão flagelados e encarcerados. Serão amarrados atrás de um carro e açoitados até que o sangue lhes escorra pelo corpo; em seguida, prestarão juramento de volta à sua terra natal ou ao lugar onde moraram nos últimos 3 anos, “para se porem a trabalhar”. Que ironia cruel! Essa lei é modificada com acréscimos ainda mais inexoráveis, no ano 27 do reinado de Henrique VIII. Na primeira reincidência de vagabundagem, além da pena de flagelação, metade da orelha será cortada, na segunda, o culpado será enforcado como criminoso irrecuperável e inimigo da comunidade (Marx, 2008:848). Eduardo VI. - Uma lei do primeiro ano de seu governo, 1547, estabeleceu que, se alguém se recusar a trabalhar, será condenado como escravo da pessoa que o tenha denunciado como vadio. O dono deve alimentar seu escravo com pão e água, bebidas fracas e restos de carne, conforme achar conveniente. Tem o direito de forçá-lo a executar qualquer trabalho, por mais repugnante que seja, flagelando-o e pondo-o a ferros. Se o escravo desaparecer por duas semanas, será condenado à escravatura por toda a vida e será marcado a ferro, na testa e nas costas, com a letra S; se escapar pela terceira vez, será enforcado como traidor. O dono pode vendê-lo, legá-lo, alugá-lo, como qualquer bem móvel ou gado. Se o escravo tentar qualquer coisa contra seu senhor, será também enforcado. (...) Se se verificar que um vagabundo está vadiando há 3 dias, será ele levado à sua terra natal, marcado com ferro em brasa no peito com a inicial V e lá posto a trabalhar a ferros, na rua ou em outro serviços. Se informar falsamente o lugar de nascimento, será condenado a escravo vitalício desse lugar, dos seus habitantes ou da comunidade e marcado com S (Marx, 2008:848-849). Elizabeth, 1572. - Mendigos sem licença e com mais de 14 anos serão flagelados severamente e terão suas orelhas marcadas a ferro, se ninguém quiser tomá-los a serviço por 2 anos; em caso de reincidência, se têm mais de 18 anos, serão enforcados, se ninguém quiser tomá-los a serviço por dois anos; na terceira vez, serão enforcados, sem mercê, como traidores (Marx, 2008:849). Jaime I. - Quem perambule e mendigue será declarado vadio e vagabundo. Os juízes de paz, em suas sessões, estão autorizados a mandar açoitá-los e encarcerá-los por 6 meses, na primeira vez, e por 2 anos, na segunda. Na prisão, receberão tantas vezes tantas chicotadas quantas os juízes de paz acharem adequadadas. (...) Os vagabundos incorrigíveis e perigosos serão ferreteados com um R sobre o ombro esquerdo e condenados a trabalhos forçados; se novamente forem surpreendidos mendigando, serão enforcados sem mercê (Marx, 2008, p.850).
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A partir do conteúdo dessas leis, Marx (2008, p.850-851) conclui que, por
meio de um grotesco terrorismo legalizado, “a população rural expropriada e expulsa
de suas terras, compelida à vagabundagem, foi enquadrada na disciplina exigida
pelo sistema de trabalho assalariado”.
Nesse ponto, torna-se evidente que a acumulação primitiva não consistiu
apenas em um processo de exclusão das condições anteriores de existência.
Concomitante à exclusão, esse processo concretiza a inclusão dos indivíduos na
lógica da produção capitalista, a partir do enquadramento destes na nova disciplina
exigida pelo capital (Oliveira, 2004a).
Essas reflexões fornecem valiosas pistas para o entendimento do fenômeno
da segregação das pessoas com deficiência.
De acordo com Fontes (2005), a sociedade capitalista estabelece a imposição
de comportamentos, normas, condutas e valores, isto é, procedimentos de inclusão
forçada, que resultam em múltiplas formas de discriminação, reclusão ou
segregação em seu próprio interior. Embora os procedimentos de inclusão forçada
estejam sempre presentes no interior do capitalismo, estes modificam sua forma de
acordo com as exigências específicas da classe dominante em cada época. Se, por
um lado, no processo de acumulação primitiva, o encarceramento, a flagelação e o
uso de ferro em brasa resultaram de procedimentos de inclusão forçada utilizados
naquele contexto para enquadrar os ‘desviantes’ na lógica exigida pelo modo de
produção capitalista, por outro lado, como resultado de modificações decorrentes
dos processos históricos, outras formas de inclusão forçada foram configuradas, a
exemplo da segregação dos indivíduos com deficiência nas instituições
especializadas.
Na seção anterior, foi possível compreender que a segregação de grupos
historicamente discriminados decorreu de um processo que criou a figura do
anormal. Esse processo, embora aparente ser uma ‘exclusão’, decorre da própria
necessidade que tem o capital de incluir os indivíduos em sua lógica.
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De acordo com Platt (2004), a anormalização dos seres humanos é um
processo desencadeado a partir do momento em que, para o corpo social, o
indivíduo apresenta suas particularidades e estas vão se traduzindo como dados
justificados ou não para sua não-pertença ao grupo social. Segundo a autora, o
entendimento dessa não-pertença significa precisar quais laços coadunam para o
agregamento das pessoas. Esses laços são definidos, em última instância, pelo
modo de produção da existência humana, uma vez que adequação social ou
normalidade e anormalidade
são conceitos construídos não a partir de uma sugerida “consciência espontânea” sobre os indivíduos que nos permite delimitar o que seria adequado (normal/anormal) ao convívio social ou não (“por designo de Deus”, “má sorte”, etc), mas atrelados ao processo de produção e às relações sociais desencadeadas por este, e que, por desenhar-se desta maneira, vai formatando-se historicamente (Platt, 2004, p.5).
Portanto, enquanto impera a relação social que sustenta o modo de produção
capitalista, o que vem a ser considerado normal em uma dada época pode não ser
considerado em outra, unicamente pela intenção e objetivação do contínuo acúmulo
de capital (Platt, 2004). Como o binômio normalidade/anormalidade resulta de um
consenso social concebido diante de um padrão intencionalmente formatado pelo
processo das relações sociais capitalistas (Platt, 2004), a caracterização da
deficiência como anormalidade pode ser entendida como manifestação de um
procedimento que visou enquadrar esse grupo social na disciplina exigida pelo
capital.
A partir do momento em que a deficiência passou a significar, sob o ponto de
vista do bloco dominante, um risco à objetivação e ao contínuo de acúmulo de
capital, foram sendo construídas estratégias para gerir esse risco, sendo a própria
formulação do que é o anormal uma delas. Ao compreender que as pessoas com
deficiência significavam um risco ao acúmulo de capital, o bloco no poder buscou
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mantê-las à margem do convívio social. Entretanto, não bastava apenas segregá-
las, era preciso convencer toda a sociedade quanto à legitimidade desse seu
interesse específico. No intuito de convencer as pessoas de que a segregação era
benéfica aos indivíduos com deficiência, intelectuais orgânicos da classe dominante,
os especialistas, formularam e difundiram a ideia de que essas pessoas eram
anormais e, por isso, precisavam ser internadas em instituições especializadas.
Difundidas por todo o tecido social, essas ideias formuladas pelo bloco no poder
foram se reproduzindo na sociedade.
Ainda que a segregação desse grupo historicamente discriminado apareça
como uma questão social resultante do chamado paradigma da exclusão, é
importante salientar que essa segregação não se reveste de um caráter de
originalidade, pelo contrário, consiste na fase mais recente de um longo processo. A
segregação das pessoas com deficiência nas instituições especializadas
corresponde a uma ‘exclusão’ do convívio com as pessoas consideradas normais;
mas, ao mesmo tempo, essa segregação corresponde à inclusão desses indivíduos
na lógica exigida pelo capitalismo. Portanto, em essência, esse processo
corresponde a um procedimento mais recente de inclusão forçada, que enquadrou
os ‘desviantes’ na disciplina exigida pelo capital.
Nota conclusiva
Ao evidenciar o vínculo da ‘exclusão’ com os processos históricos, o presente
texto comprova que o modo como o pós-modernismo capta a segregação das
pessoas com deficiência acaba por se alinhar aos interesses do bloco no poder,
sobretudo porque mantém lacunas entre o fenômeno social em questão e as
determinações impostas pelas relações sociais de produção.
Ao contrário do que defende a abordagem pós-moderna, acreditamos que o
fenômeno frequentemente denominado de exclusão é resultado de processos de
hegemonia estabelecidos no capitalismo. Assim, entendemos que as condições de
inferioridade social que atingem as pessoas com deficiência só podem ser resolvidas
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com a superação do capitalismo, visto que, em essência, tais condições resultam de
procedimentos de inclusão forçada estabelecidos para garantir o acúmulo de capital.
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1 Este texto apresenta reflexões contidas na dissertação As ilusões do paradigma da inclusão na
produção teórica da educação física. Financiada pela CAPES, essa dissertação foi elaborada por Leonardo Docena Pina, sob orientação do prof. Dr. André Silva Martins, no curso de Mestrado do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora.
2 De acordo com Gramsci (2000), hegemonia é uma relação de poder presente no capitalismo que expressa a dominação de uma ou mais frações de classe sobre o conjunto de sua própria classe e das classes antagônicas, em que o econômico e o político expressam a ‘direção moral e intelectual’ a ser seguida pelo conjunto da sociedade.
3 Entende-se o pós-modernismo como um subproduto do modo de vida do novo regime de acumulação do capital. Conforme Eagleton (2005), “pós-moderno” refere-se ao movimento do pensamento contemporâneo que rejeita totalidades, valores universais, grandes narrativas históricas, sólidos fundamentos para a existência humana e a possibilidade do conhecimento objetivo. Esse autor explica que a palavra pós-modernismo refere-se, em geral, a uma forma de cultura contemporânea, enquanto o termo pós-modernidade alude a um período histórico específico (Eagleton, 1998). Segundo ele, “Pós-modernidade é uma linha de pensamento que questiona as noções clássicas de verdade, razão, identidade e objetividade, a idéia de progresso ou emancipação universal, os sistemas únicos, as grandes narrativas ou os fundamentos definitivos de explicação. Contrariando essas normas do iluminismo, vê o mundo como contingente, gratuito, diverso, instável, imprevisível, um conjunto de culturas ou interpretações desunificadas, gerando, um certo grau de ceticismo em relação à objetividade da verdade, da história e das normas, em relação às idiossincrasias e a coerência de identidades” (Eagleton, 1998, p. 7).
4 Recorreu-se às formulações desses autores porque ambos são referência no campo educacional. Além disso, chama a atenção o fato de que suas formulações identificam e descrevem a ‘exclusão’ das pessoas com deficiência, mas, ao mesmo tempo, como é típico do pensamento pós-moderno, prezam a superfície do aparecer social e não captam a essência do fenômeno em questão.
5 O autor não utiliza o termo ‘pós-modernidade’. Diz ele: “Por opção, o pensamento denominado de Pós-Modernidade por alguns autores será denominado, aqui, por ‘Atualidade’” (Marques, 2001, p.29).
6 Modernidade é definida por Marques (2001, p. 32) como sociedade disciplinar ou normalizadora, que “pode ser caracterizada como um ambiente repleto de confinamentos, cada qual com suas leis e sanções disciplinares próprias”. No entendimento do autor, a vigilância e o controle constituem a ‘sociedade disciplinar’, reafirmando o que Foucault (1999) denominou de microfísica do poder.
TrabalhoNecessário – www.uff.br/trabalhonecessario; Ano 8, Nº 10/2010
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Leonardo Docena Pina é Mestre em Educação pela Universidade Federal de
Juiz de Fora (UFJF) e Licenciado em Educação Física por essa mesma instituição.
Atualmente, é professor da rede pública municipal de ensino de Angra dos Reis e
integrante do Núcleo de Estudos sobre Trabalho e Educação da UFJF.
André Silva Martins é Doutor em Educação pela Universidade Federal
Fluminense (UFF), é professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal
de Juiz de Fora (UFJF) onde integra o Programa de Pós-Graduação em Educação e
coordena o Núcleo de Estudos sobre Trabalho e Educação.