Imprimer _ a Patemização Na Televisão Como Estratégia de Autenticidade

Embed Size (px)

Citation preview

  • 8/18/2019 Imprimer _ a Patemização Na Televisão Como Estratégia de Autenticidade

    1/18

    22/03/2016 Imprimer : A patemização na televisão como estratégia de autenticidade

    http://www.patrick-charaudeau.com/spip.php?page=imprimir_articulo&id_article=249 1/18

    Patrick Charaudeau - Livres, articles,publications

      http://www.patrick-charaudeau.com/A-patemizacao-na-televisao-como.html

    A patemização na televisão como estratégia de autenticidadein Mendes E. & Machado I.L. (org.), As emoções no discurso, Mercado Letras,Campinas (SP), 2007.

    A primeira questão que um analista do discurso se coloca, ao tratar das emoções, é saber seperante outras disciplinas humanas e sociais esta noção pode ser objeto de um estudo específicoda linguagem. Responder afirmativamente a essa questão supõe que delimitamos o quadro detratamento no qual esta noção se insere, que descrevemos as condições do seu surgimento e quemostramos como isso se dá. Meu propósito aqui não é o de abordar a totalidade da questão. Opteipor examiná-la apenas sob um ponto de vista, ou seja, considerar esta noção através de umasituação de comunicação particular, a comunicação televisiva.

    Tentarei, assim, inicialmente, apresentar o que são, no meu entendimento, as condições de umestudo discursivo das emoções. Na seqüência, descreverei o dispositivo comunicativo no qual asobservei para, em seguida, mostrar como elas agem discursivamente.

    UMA PROBLEMÁTICA DISCURSIVA DA EMOÇÃO

    O ponto de vista de uma análise do discurso se distingue do de uma psicologia das emoções quetentaria estudar : i) a reação sensorial dos indivíduos em relação às percepções que teriam de ummundo cujas manifestações desempenhariam o papel de desencadeador de impulsos, visto que éverdade que certas emoções podem ser provocadas fisiologicamente e até mesmo mensuradasquimicamente (como o stress, a angústia ou o medo) ; ii) as disposições de humor ou de caráterdos indivíduos que podem constituir uma categorização segundo as tendências ou inclinaçõesdestes indivíduos em ter comportamentos recorrentes, o que determinaria neles tipos de naturezade caráter (também chamado de “temperamento”), que convêm designar por adjetivos ( colérico,mau humorado, apaixonado, medroso, angustiado, hidrófobo [1]) ; iii) as reaçõescomportamentais dos indivíduos – sejam elas encenadas ou reais – diante de acontecimentos que

    se produzem no mundo ou na ação que os outros têm sobre eles, reações que podem igualmenteconstituir uma categorização similar às precedentes, mas numa perspectiva diferente, dado quenão se trataria aqui de descrever uma natureza do indivíduo, uma disposição de sua essência etampouco um grau de sensorialidade, mas uma re-ação relativa à situação na qual o indivíduoreage. Nesta perspectiva, trata-se de chegar à definição de categorias básicas como a vergonha, oorgulho ou a humilhação.

    Tais estudos – que não são, vale lembrar, exclusivos uns dos outros, e que não prejulgam, aqui,as opções teóricas nas quais eles podem ser conduzidos [2] –, estão centrados no indivíduo epropõem explicações causais sobre seu comportamento, seja ele fisiológico ou psíquico. Assim, omedo pode ser mensurado quimicamente, considerado como uma característica de temperamentoou como um comportamento reativo podendo provocar pânico.

    O ponto de vista de uma análise do discurso se distingue igualmente do de uma sociologia dasemoções que procura estabelecer categorias “interpretativas e ideal-típicas” [3] através dasreconstruções do que deveria ser o comportamento humano no jogo das regulações e das normassociais. Pode-se dizer, assim, na seqüência de Mauss e Durkheim [4], que as emoções não advêmsomente da pulsão, do irracional e do incontrolável, mas que elas têm também um caráter social.Elas seriam a garantia da coesão social, permitiriam ao indivíduo constituir seu sentimento depertencimento a um grupo (Mauss), representariam a vitalidade da consciência coletiva. Isso querdizer que, sendo sinal de reconhecimento para os membros de um grupo, elas se apóiam em

     julgamentos coletivos que se instituem numa espécie de regra moral. Infringir a regra leva a umasanção (Durkheim), o que, em contrapartida, dá a estes julgamentos um caráter de obrigação.Trata, assim, aqui, de fazer a descrição destas categorias de emoção-norma-julgamento docomportamento social segundo diferentes parâmetros : o grau de universalidade (a cólera parece

    ser mais universal que a vergonha), a especificidade cultural (o pudor , o orgulho parecem sermuito ligados ao contexto social), a maior ou menor orientação acional (a indignação pareceresultar de uma ação reivindicativa, a compaixão também, mas em um grau menor), por fim, aracionalidade, mais ou menos evidente (a indignação parece mais ligada a um julgamento –partilhável – sobre o comportamento do outro em relação às normas de justiça, a angústia maisligada a uma pulsão individual sem a determinação precisa de um objeto-suporte).

    http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-

  • 8/18/2019 Imprimer _ a Patemização Na Televisão Como Estratégia de Autenticidade

    2/18

    22/03/2016 Imprimer : A patemização na televisão como estratégia de autenticidade

    http://www.patrick-charaudeau.com/spip.php?page=imprimir_articulo&id_article=249 2/18

    Parece-me que o ponto de vista de uma análise do discurso não pode confundir-se totalmentenem com o da psicologia – ela seria social –, nem com o da sociologia – ela seria interpretativa einteracionista. O objeto de estudo da análise do discurso não pode ser aquilo que os sujeitosefetivamente sentem (o que é vivenciar a cólera), nem aquilo que os motiva a querer vivenciar ouagir (porque ou em que ocasião se vivencia a cólera), tampouco as normas gerais que regulam asrelações sociais e se constituem em categorias que sobredeterminam o comportamento dosgrupos sociais. A análise do discurso tem por objeto de estudo a linguagem em uma relação detroca, visto que ela é portadora de algo que está além dela. Assim, o medo, por exemplo, nãodeve ser considerado em função da maneira pela qual o sujeito o manifesta através de suafisiologia, tampouco uma categoria na qual o sujeito se colocaria a priori  de acordo com o que eleé (suas próprias tendências) e tampouco segundo a situação na qual ele se encontra (sozinhodiante de um leão), e menos ainda como sintoma de um comportamento coletivo (o pânico), mascomo sinal daquilo que pode acontecer ao sujeito a respeito do fato de que ele mesmo estaria emcondições de reconhecê-lo como uma “figura”, como um discurso socialmente codificado que,como bem propõe Roland Barthes [5], lhe permitiria dizer “É realmente isso, o medo !” ousimplesmente “Tenho medo !”. Este ponto de vista se aproximaria, por conseguinte, ao de umaretórica da visada de efeito que é instaurada por categorias de discursos [6] que pertencem adiferentes ordens (inventio, dispositio, elocutio, actio), nas quais haveria, entre outras coisas, um

     “tópico” da emoção – uma “patemia”, diria eu – que seria constituída por um conjunto de “figuras”. Mas veremos que, se este ponto de vista faz parte da retórica, esta deve ser completadapor uma teoria do sujeito e pela situação de comunicação.

    Entretanto, este “algo”, que não está no signo, mas do qual ele é, no entanto, portador (ou seja, oque está no signo de discursos não é uma “essência denotativa” que faria deste uma realidadeexplícita e transparente, contrariamente ao signo da língua), este algo que contribui para construirfiguras, onde está ele ? De onde ele vem ? O que ele representa ? Vem de tudo aquilo queconstitui a troca social e que faz sentidos : desejos e intenções dos sujeitos, suas relações depertencimento aos grupos, o jogo das interações que se estabelecem entre eles, indivíduos ougrupos, conhecimentos e visões do mundo que eles compartilham, e em circunstâncias de troca aomesmo tempo particulares e tipificadas. Percebemos, a partir daí, que, ao se pautar pelapsicologia e pela sociologia, a análise do discurso precisa delas, na medida em que suas análisesevidenciam os mecanismos de intencionalidade do sujeito, os da interação social e a maneiracomo as representações sociais se constituem. Certas noções são mais propícias àinterdisciplinaridade que outras justamente porque estão imbricadas nestes diferentes

    mecanismos. Este é o caso da “emoção”.Gostaria, assim, de me apoiar nos debates [7] que acontecem nessas diferentes disciplinas, noque diz respeito às emoções, a fim de extrair, ainda que de maneira geral, algumas reflexões queme serão úteis para melhor definir aquilo que chamo de “efeitos patêmicos do discurso”. Destesdebates me deterei sobre três pontos que parecem constituir consenso entre sociólogos,psicólogos sociais e filosóficos, e que acho essenciais para um tratamento discursivo da questão :as emoções são de ordem intencional , estão ligadas a saberes de crença e se inscrevem em umaproblemática da representação psicossocial.

    AS EMOÇÕES SÃO DE ORDEM INTENCIONAL

    A maior parte destes sociólogos e filósofos concorda que – sem negar o pertencimento das

    emoções ao universo do afetivo (há sempre, de uma maneira ou outra, sentimentos eexperiências na emoção) –, estas não são, entretanto, totalmente irracionais e não são, porconseguinte, redutíveis àquilo que é da ordem da simples sensação ou da pulsão irracional.Alguns [8] recordam que a filosofia ocidental sempre distinguiu emoções tais como o amor , omedo, a compaixão, a cólera e a esperança, de impulsos e instintos físicos tais como a fome esede. Essa distinção é maior, visto que a primeira categoria está ainda muito ligada às sensações,mas uma primeira fronteira é estabelecida entre aquilo que poderá ser recuperado para integrá-laem um campo cognitivo e aquilo que lhe parece ser totalmente externo. Outros, posteriormente,vão mais além mostrando que não se pode confundir emoção e sensação “… ainda queempreguemos, às vezes, os termos ‘sentir’ ou ‘ressentir’ para falar das nossas emoções, parareconhecê-las ou confessá-las” [9]. Prova disso é o fato de que duas emoções diferentes (ciúmes,desejo) possam corresponder a uma mesma sensação (dor), ou que uma mesma emoção

    (ciúmes) possa provocar “estados qualitativos” diferentes (dor, excitação, abatimento, cólera).Assim, “… a sensação – como estado qualitativo – não é um critério de discriminaçãosuficientemente fino para dar conta da diversidade das emoções” [10].

    Eles concordam, por conseguinte, no que diz respeito à ligação entre as emoções e aracionalidade. Sem querer entrar, aqui, no debate suscitado por sociólogos e filósofos

    http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-

  • 8/18/2019 Imprimer _ a Patemização Na Televisão Como Estratégia de Autenticidade

    3/18

    22/03/2016 Imprimer : A patemização na televisão como estratégia de autenticidade

    http://www.patrick-charaudeau.com/spip.php?page=imprimir_articulo&id_article=249 3/18

    contemporâneos entre teorias ditas “cognitivas” – que, tratando os estados intencionais naterceira pessoa, tendem a absorver as emoções em uma concepção intelectualista a ponto deeliminar o afetivo –, e teorias ditas “não-cognitivas” – que, tratando os estados intencionais naprimeira pessoa, mantêm a relação com o afetivo [11] –, a partir de agora admite-se que asemoções têm uma “base cognitiva”. A própria racionalidade foi objeto, na filosofia contemporânea,de uma redefinição que não a opõe mais, de maneira radical, aos instintos e a paixão, como emuma concepção cartesiana. O surgimento do sujeito como fundamento do pensamento (a filosofiakantiana e depois a fenomenologia passaram por aí) permitiu integrar na racionalidade um certonúmero de componentes que estão muito ligados a ela. Como resume muito bem John Elster [ 12],a racionalidade está ao serviço de um agir para alcançar um objetivo (não necessariamenteatingido) cujo agente seria, de uma maneira ou de outra, o primeiro beneficiário : elacompreende, assim, uma “visada acional”. Mas no que diz respeito a essa visada, concebidafinalmente como a procura de um objeto, ela deve estar bem desencadeada por algo ; podemosdizer que este algo é da ordem do desejo (visto que o agente se vê no final das contas comobeneficiário) : essa racionalidade, por conseguinte, será tida como “subjetiva”. Enfim, podemossupor que a visada acional e o desejo desencadeador não são únicos, eles são o resultado de umaescolha entre um conjunto de possíveis, e que para escolher entre este conjunto é necessário teralguns conhecimentos sobre as vantagens e os inconvenientes de cada um desses possíveis, e,desse modo, uma representação deles. E como estes conhecimentos são relativos ao sujeito, àsinformações que ele recebeu, às experiências que ele viveu e aos valores que ele lhes atribuiu,podemos dizer que a racionalidade está ligada às “crenças”.

    Assim, podemos afirmar que as emoções se inscrevem em tal quadro de racionalidade pelo fato de “… conterem em si mesmas uma orientação direcionada a um objeto” [13], do qual tiram suapropriedade de intencionalidade. É por essa razão que as emoções se manifestam em um sujeito

     “a propósito” de algo que ele se imagina, de algo que possa ser nomeado de intencional. Acompaixão ou o ódio que se manifestam em um sujeito não é o simples resultado de uma pulsão,não se mensura somente por uma sensação de torpor ocasionada pela adrenalina ; ela évivenciada na representação de um objeto que afeta o sujeito ou que ele procura combater. Issoalarga o conceito de “estados intencionais” : dizem respeito ao intelecto e à emoção, e todos são,ao mesmo tempo, exógenos (remetem a um objeto externo para o qual são orientados) eendógenos (imaginados pelo próprio sujeito, que, de maneira reflexiva, constrói a representaçãodesse objeto).

    AS EMOÇÕES ESTÃO LIGADAS AOS SABERES DE CRENÇAO fato das emoções se inscreverem em um quadro de racionalidade não basta para explicar suaespecificidade. Não somente o sujeito deve perceber algo, não somente este algo deve seracompanhado de uma informação, ou seja, de um saber, mas é necessário, além disso, que osujeito possa avaliar este saber, possa se posicionar em relação a este saber para poder vivenciarou exprimir a emoção. Qualquer indivíduo pode perceber um leão, reconhecer a morfologia,conhecer os hábitos, ter conhecimentos zoológicos profundos sobre esse animal, enquanto ele nãoavaliar o perigo que este pode representar para ele, na situação em que ele se encontra, ele nãovivenciará nenhuma emoção de medo. Esse tipo de saber tem, desse modo, duas características :1) ele se estrutura em torno de valores que são polarizados [14] ; 2) esses valores não devem serverdadeiros, visto que são dependentes da subjetividade do indivíduo, eles têm simplesmentenecessidade de serem construídos por ele. Trata-se de um saber de crença que se opõe a um

    saber de conhecimento, o qual se baseia em critérios de verdade externos ao sujeito.

    O que no debate geral que mencionei acima ainda não foi abordado é o tipo de relação que existeentre emoções e crenças. Martha Nussbaum lembra que “… alguns sustentam que as crenças

     pertinentes são condições necessárias para a emoção, outros afirmam que as crenças são aomesmo tempo necessárias e suficientes, outros afirmam, ainda, que elas são partes constitutivasda emoção ; e outros, por fim, sustentam que a emoção é simplesmente uma espécie de crença ede julgamento” [15]. Esse último ponto de vista parece ser compartilhado por váriospesquisadores [16], que afirmam que não é necessário considerar que as emoções são “sensaçõesmais uma interpretação”, mas que “… elas são de imediato uma interpretação (…) dascircunstâncias” [17] E uma interpretação que se apóia em valores é tida como de ordem moral,visto que a ausência de emoção em tais circunstâncias provoca uma sanção moral (cf. a rainha da

    Inglaterra que quebra o protocolo ao fazer um discurso a respeito da morte da princesa do País deGales, para não ser vista como indiferente por seus súditos), não em termos psicológicos como julgamento de anormalidade sobre uma conduta (a rainha é insensível), mas em termos de “deficiência moral” (a coroa da Inglaterra é decadente) devido à “ruptura da relação” convencional “… entre uma situação típica e as emoções que ela garante" [18] Nessa perspectiva, as emoçõesdeveriam ser tratadas sob o olhar de julgamentos que se apoiariam nas crenças que um grupo

    http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-

  • 8/18/2019 Imprimer _ a Patemização Na Televisão Como Estratégia de Autenticidade

    4/18

    22/03/2016 Imprimer : A patemização na televisão como estratégia de autenticidade

    http://www.patrick-charaudeau.com/spip.php?page=imprimir_articulo&id_article=249 4/18

    social partilha, e cujo respeito ou não leva a uma sanção moral (elogio ou repreensão). A esserespeito, as emoções são efetivamente um tipo de estado mental racional.

    Seja qual for a posição tomada, emoções e crenças estão indissoluvelmente ligadas : qualquermodificação de uma crença leva a uma modificação de emoção (por exemplo, a humilhação) ;qualquer modificação de emoção leva a um deslocamento da crença (por exemplo, a indignação) ;e podemos apostar que qualquer desaparecimento de emoção em uma circunstância socialmenteesperada leva a uma modificação das crenças [19]

    Podemos, desse modo, resumir o que dissemos afirmando que : i) as crenças são constituídas por

    um saber polarizado em torno de valores socialmente compartilhados ; ii) o sujeito mobiliza uma,ou várias, das redes inferenciais propostas pelos universos de crença disponíveis na situação ondeele se encontra, o que é susceptível de desencadear nele um estado emocional ; iii) odesencadeamento do estado emocional (ou a sua ausência) o coloca em contato com uma sançãosocial que culminará em julgamentos diversos de ordem psicológica ou moral.

    AS EMOÇÕES SE INSCREVEM EM UMA PROBLEMÁTICA DA REPRESENTAÇÃO

    Se definimos as emoções como estados mentais intencionais que se apóiam em crenças,podemos, então, dizer que esta noção se inscreve numa problemática da representação.

    De uma maneira geral, a representação procede de um duplo movimento de simbolização e deauto-apresentação : i) de simbolização quando ela arranca os objetos do mundo em sua existênciaobjetal os imaginando, através de um sistema semiológico qualquer, através de uma imagem queé dada pelo próprio objeto e que, no entanto, não é esse objeto (assim como definição do signolingüístico) ; ii) de auto-apresentação, visto que essa construção imaginada do mundo, através deum fenômeno de reflexividade, retorna ao sujeito como imagem que ele mesmo constrói domundo, e através da qual ele se define : o mundo lhe é auto-apresentado, e é através dessa visãoque ele constrói sua própria identidade.

    É assim que se construiria a consciência psíquica do sujeito [20], pela presença nela de algo quelhe é externo, no qual foi dada uma forma-sentido, a partir da experiência intelectual e afetiva queo sujeito adquire do mundo, através das trocas sociais nas quais ele se encontra inserido.

    Entretanto, essa atividade mental de representação não é necessariamente interiorizada no

    sentido em que ela se tornaria automaticamente fonte de um novo comportamento. Elapermanece uma “re(a)presentação”. Jennifer Church [21] observa que podemos nos representaruma regra de gramática de uma língua estrangeira sem necessariamente interiorizá-la, ou seja,ser capaz de aplicá-la. Inversamente, podemos aplicar corretamente uma regra semnecessariamente ter uma consciência clara dela, como quando falamos a nossa língua maternasem tê-la estudado [22] A autora sugere também que não é a mesma coisa que ter uma vertigem(fenômeno interiorizado), não é a mesma coisa que saber que a altura pode dar vertigem(fenômeno de representação), o que para Paperman explicaria a razão pela qual, às vezes, asemoções resistem à razão (descobrirmos que não termos razão de ter medo não eliminanecessariamente a experiência do medo [23] As representações permanecem, assim, em umarelação de face à face com o sujeito, mas, é necessário acrescentar, elas podem, às vezes, seinteriorizar, o que verificamos na aprendizagem de uma língua estrangeira e, de uma maneirageral, em qualquer aprendizagem social.

    Duas questões permanecem : i) podemos falar de “representações patêmicas”, e onde residemsuas especificidades ? ii) quando as representações podem ser chamadas de “sóciodiscursivas” ?

    Retomando o fio das crenças cognitivo-afetivas, direi que uma representação pode ser chamadade “patêmica” quando ela descreve uma situação a propósito da qual um julgamento de valorcoletivamente compartilhado – e, por conseguinte, instituído em norma social – questiona umactante que acredita ser beneficiário ou vítima, e ao qual o sujeito da representação se encontraligado de uma maneira ou de outra : um acidente é uma situação a propósito da qual podemosnos representar vítimas cuja norma social nos diz que são pessoas que estão sofrendo e quedevem ter nossa compaixão, emoção sentida em maior ou menor grau segundo a relação que nosune às vítimas (parentesco, amizade, amor ou mitologia, como no caso da morte de Lady Di). A

    relação patêmica engaja o sujeito em um comportamento reacional segundo as normas sociais àsquais ele está ligado, as que ele interiorizou ou as que permanecem nas suas representações.

    As representações podem ser chamadas de “sóciodiscursivas” quando o processo de configuraçãosimbolizante do mundo se faz através de um sistema de signos. Não signos isolados, masenunciados que significam os fatos e os gestos dos seres do mundo. Esses enunciados, não sendo

    http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-

  • 8/18/2019 Imprimer _ a Patemização Na Televisão Como Estratégia de Autenticidade

    5/18

    22/03/2016 Imprimer : A patemização na televisão como estratégia de autenticidade

    http://www.patrick-charaudeau.com/spip.php?page=imprimir_articulo&id_article=249 5/18

    produzidos arbitrariamente por qualquer um em qualquer ocasião, testemunham, ao mesmotempo, como já disse anteriormente, a maneira como o mundo é percebido por sujeitos que vivemem comunidade, valores que eles atribuem aos fenômenos percebidos, e que são os própriossujeitos. Esses enunciados circulam na comunidade social, tornam-se objeto de partilha econtribuem para constituir um saber de comum, e, particularmente, um saber de crenças.Reservarei, assim, a qualificação “sóciodiscursiva” para as representações que envolvem o sujeito,os levam a tomar partido no que diz respeito aos valores, em oposição aos conhecimentos que lhesão exteriores, não lhe pertencem, vêm até ele e não o envolvem. Dizer : “os franceses vivem naEuropa” advém de um saber de conhecimento ; mas dizer : “os franceses são frívolos” advém deum saber de crença que descreve propriedades qualitativas e essencialistas de um tipo deindivíduo, cuja polaridade depende das ligações que unem o sujeito a esses indivíduos(franceses/estrangeiros, grau de conhecimento, contacto/não contato [24] As representaçõessóciodiscursivas são como mini-narrativas que descrevem seres e cenas de vida, fragmentosnarrados (Barthes dizia “parcelas de discursos”) do mundo que revelam sempre o ponto de vistade um sujeito. Esses enunciados que circulam na comunidade social criando uma vasta rede deintertextos se reagrupam constituindo aquilo que chamo de um “imaginário sóciodiscursivo”. Elessão o sintoma desses universos de crenças compartilhadas que contribuem para construir aomesmo tempo um ele social e um eu  individual (por exemplo, o imaginário da falta, do pecado, dopoder). Esse imaginário, segundo a tradição retórica retomada por Barthes, são tipos de tópicosque diferentes imagens vêm preencher com a ajuda do enunciado.

    Aí está, então, uma parte do discurso das ciências sociais modernas sobre o conceito de emoção

    que resumirei da seguinte maneira :

     as emoções advêm de um “estado qualitativo” de ordem afetiva, pelo fato de um sujeito quevivencia e ressente estados eufóricos/disfóricos em relação com a sua fisiologia e suas pulsões,

     mas advêm, ao mesmo tempo, de um “estado mental intencional” de ordem racional, enquantovisam um objeto que é figurado por um sujeito que tem uma visão do mundo, que julga essemundo através de valores, os quais são objeto de um consenso social [25], constituemconhecimentos de crença imaginários sóciodiscursivos que servem de suporte desencadeador aomesmo tempo em estado qualitativo e em uma reação comportamental.

     as emoções são, desse modo, ao mesmo tempo, origem de um “comportamento”, enquanto se

    manifestam através das disposições de um sujeito, e controladas (ou mesmo, sancionadas) pelasnormas sociais advindas dessas crenças.

    OS PROBLEMAS

    Podemos nos apoiar nessas características para definir uma análise do discurso das emoções, mastrês tipos de problemas, pelo menos, se colocam para tratar esta questão de maneira discursiva :um refere-se à determinação do objeto do tratamento discursivo ; outro, a organização do campotemático da emoção ; o terceiro, diz respeito à determinação das marcas que seriam vestígios deemoção.

    DO OBJETO “EMOÇÃO” À “VISADA PATÊMICA”

    O que vemos e mensuramos no surgimento de uma emoção ? É devido ao fato de um sujeito dizerque a vivencia ? Mas o que é que garante que o que o que ele diz corresponde ao que elevivencia, e como apreender o que ele vivencia ? Vimos que se a emoção tivesse as propriedadesde um estado mental intencional, ela não teria menos propriedades qualitativas de ordem afetivaque a tornasse difícil de apreender : “… É a presença da excitação, de uma sensação qualitativa,de um caráter agradável ou desagradável que faz com que o estado “vivenciar que p” difereoutros estados intencionais, como o estado “desejar que p” ou de “crer que p”. Não sei , continuaElster , se os outros vêem as cores como eu, nem se suas emoções são as mesmas que as minhas.Será que quando vivenciam a vergonha, eles sentem o que sinto quando vivencio a vergonha ? Não podemos responder à questão ; é provável que ela não tenha nenhum sentido  [26]”. Oumelhor, é porque, mesmo se ele não pretende (pelo seu discurso explícito) ser comovido, o sujeitodá sinais de emoção (o que não é a mesma coisa que dizer que vivencia a emoção) ? Mas aí 

    também nos perguntamos qual garantia temos de que estes sinais correspondem ao vivido ? Emoutros termos, que prova temos da correspondência entre o dito e o vivenciado ? Comocomprovaríamos a sinceridade e a autenticidade ? Uma manifestação de emoção pode ser mais oumenos dominada ; pode ser controlada para fins táticos numa troca interacional de modo a nãoser vista, ou, ao contrário, simulada para impressionar o outro ; ela pode até mesmo serencenada como no teatro ou no cinema, e ser expressa através de gestos ou de comportamentos

    http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-

  • 8/18/2019 Imprimer _ a Patemização Na Televisão Como Estratégia de Autenticidade

    6/18

    22/03/2016 Imprimer : A patemização na televisão como estratégia de autenticidade

    http://www.patrick-charaudeau.com/spip.php?page=imprimir_articulo&id_article=249 6/18

    codificados que acontecem apenas nesses em lugares [27]. Podemos exprimir uma emoção semquerer comover e, no entanto, comover, podemos querer comover e não conseguir. Podemosdescrever cenas que acreditamos ser comoventes e não provocar emoção, podemos descrevercenas que acreditamos ser neutra do ponto de vista emocional e, no entanto, provocar nodestinatário da narrativa um estado de emoção. Enfim, podemos controlar nossa emoção oumesmo jogar com ela. Não há relação de causa e efeito direta entre exprimir ou descrever umaemoção e provocar um estado emocional no outro. Daí uma questão : a emoção deve serestudada a partir da sua manifestação no sujeito que a vivencia, ou naquilo que constitui odesencadeamento, a origem ?

    A análise do discurso não pode interessar-se à emoção como realidade manifesta, vivenciada porum sujeito [28] Ela não possui os meios metodológicos. Em contrapartida, ela pode tentar estudaro processo discursivo pelo qual a emoção pode ser colocada, ou seja, tratar esta como um efeitovisado (ou suposto), sem nunca ter a garantia sobre o efeito produzido. Assim, a emoção éconsiderada fora do vivenciado, e apenas como um possível surgimento de seu “re-sentido” emum sujeito específico, em situação particular. Mesmo procurando os vestígios de emoção em umsujeito que fala no momento de troca interlocutória ou na construção dramatizante de umanarrativa susceptível de produzir emoção, estamos sempre em uma perspectiva de efeito : noprimeiro caso, é o interlocutor (ou o analista) que é alvo (voluntário ele involuntário) dessavisada, no segundo caso, é o destinatário-público (leitor, espectador, telespectador) que éreceptáculo dessa visada.

    Assim pode ser localizada uma dupla enunciação do efeito patêmico : uma enunciação daexpressão patêmica, enunciação ao mesmo tempo elocutiva e alocutiva que visa produzir umefeito de patemização quer pela descrição ou pela manifestação do estado emocional no qual olocutor se encontra (“tenho medo”, “me emociono”, o corpo que treme, imagem de pânico norosto), seja pela descrição do estado no qual o outro deveria se encontrar (“não tenha medo !”,

     “tenha compaixão !”, “tenha piedade !”) ; uma enunciação da descrição patêmica, enunciação quepropõe a um destinatário anarrativa (ou um fragmento) de uma cena dramatizante susceptível deproduzir tal efeito. Portanto, consideraremos que “estou bravo” e “não fique bravo” são dois tiposde enunciado que instauram o efeito patêmico de maneira diferente quando dizemos “a multidãoestá brava”. O efeito patêmico dos dois primeiros enunicados é instaurado por meio de umaconstrução identitária ; o do terceiro enunciado é instaurado por meio de uma identificação-projeção que é proposta ao destinatário. O efeito e a intensidade dos dois primeiros dependem darelação identitária e do jogo interlocutório que se instaurou entre os interlocutores ; o efeito e aintensidade do terceiro dependem da relação que une o destinatário à situação descrita e dosprotagonistas [29]. Do mesmo modo a compaixão, por exemplo, pode ser detectada na réplica

     “compreendo você e compartilho sua dor” de um locutor que se dirige ao seu interlocutor que seencontra confuso ; a compaixão também pode ser mostrada numa reportagem televisiva edetectada nos gestos de uma pessoa que pega uma criança abandonada em seus braços, naspalavras que ela pronuncia, ou mesmo em sua ação humanitária. Nos dois casos é instaurada umavisada discursiva de efeito compassivo.É a razão pela qual prefiro os termos “pathos”, “patêmico” e “patemização” ao de emoção. Issome permite, por um lado, inserir a análise do discurso das emoções na filiação da retórica quedesde Aristóteles trata os discursos em uma perspectiva de visada e de efeitos [30] (ainda queordenamentos sejam necessários a essa filiação), por outro lado, me permite demarcar a análisedo discurso, caso seja necessário, da psicologia e a sociologia.

    QUAL A ORGANIZAÇÃO DO UNIVERSO PATÊMICO ?

    Há diferentes e múltiplas maneiras de classificar as emoções. A história da filosofia e da sociologianos dá vários exemplos. Tudo depende, mais uma vez, dos critérios de classificação queescolhemos. Podemos tentar classificá-las segundo o papel que elas têm no desencadeamento daação em relação com outros conceitos tais como o interesse (os moralistas dos séculos XVII eXVIII distinguiam entre interesses e paixões) [31] ou, mais recentemente, as normas sociais [32].Podemos igualmente classificá-las segundo seu grau de generalidade, tentando distinguir aquelasque teriam um caráter mais universal (a raiva) e aquelas que teriam um caráter específico emrelação com seu contexto social (o pudor, a vergonha). Podemos, ainda, classificá-las segundo seugrau de racionalidade (a indignação a alegria) ou, de maneira mais fina, distinguindo as emoções

    tidas como afetivas (tristeza, alegria), informativas (aborrecimento/interesse), apreciativas (ódio,raiva). [33] Podemos, enfim, classificá-las simplesmente como reacionais (a compaixão) ou queincitam à ação (a indignação). Mas, se cruzarmos vários desses critérios, veremos que é bemdifícil ter uma tipologia operacional. A indignação, por exemplo, pode ter uma base racional que seinstaura em uma apreciação da situação, mas pode também provocar uma reação de raiva nãoracionalizada. Além disso, ela pode ou ter um efeito paralisante, e até mesmo levar a uma

    http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-

  • 8/18/2019 Imprimer _ a Patemização Na Televisão Como Estratégia de Autenticidade

    7/18

    22/03/2016 Imprimer : A patemização na televisão como estratégia de autenticidade

    http://www.patrick-charaudeau.com/spip.php?page=imprimir_articulo&id_article=249 7/18

    angústia, ou, ao contrário, ter um efeito acional (o humanitário). Podemos também considerar queela não é a mesma segundo os contextos socioculturais, ou melhor, nesses tempos demediatização planetária, que ela tenha um caráter universal (a pobreza no mundo).

    Fazer uma classificação dessa noção sem levar em conta a situação de surgimento da emoção fazparte muito mais de um projeto sócio-antropológico. Se, como vimos, qualquer emoção seinstaura sobre crenças e resulta da atividade inferencial que um sujeito está prestes adesenvolver, se, além disso, nos interessamos mais em detectar um efeito patêmico antes deestabelecermos uma tipologia das emoções, então devemos abordar essa questão da natureza dopatêmico segundo a trilogia da qual falei acima : situação de comunicação, universos de saber 

     partilhado, estratégia enunciativa. Assim, poderão ser tratados dois dos fenômenos apontados apouco, a saber : a diversidade dos efeitos de um mesmo ato de enunciação e suas especificidadesculturais.

    Para ilustrar o primeiro fenômeno, lembremos-nos da frase “Nada justifica que lancemos aos cãesa honra de um homem”, pronunciada por François Mitterrand no momento do enterro de PedraBérégovoy. Essa frase é susceptível de produzir diversos efeitos patêmicos : de compaixão frentea um homem que realizou um ato de desespero, de raiva que denuncia os perseguidores, de dor contida pela morte de um pessoa próxima.

    Para ilustrar o segundo caso, nos reportaremos aos efeitos da campanha publicitária da Benettoncom o cartaz do HIV que aparece em destaque sobre um braço humano. Seus efeitos não foram

    os mesmos na França e na Grã-Bretanha. O fato de ela não ter5 chocado na Inglaterra,diferentemente da França, se deve, provavelmente, a uma diferença dos universos de crenças :na França, a existência da deportação e a experiência dos campos de concentração sãosusceptíveis de desencadear uma rede inferencial (morte, sofrimento e genocídio) que opera umaaproximação entre esta tatuagem e a dos deportados, e, por conseguinte, um efeito patêmico dedor que provoca indignação e revolta. Já na Inglaterra, onde não houve esse tipo de sofrimentocoletivo, esse fenômeno tem apenas um conhecimento informativo dos campos e, porconseguinte, há à disposição uma rede inferencial diferente que não desencadeia efeito patêmicotão extremado.

    Estes dois exemplos mostram que a organização do universo patêmico depende da situação sociale sociocultural na qual se inscreve a troca comunicativa.

    HÁ MARCAS-VESTÍGIOS DO PATÊMICO ?Se nos detemos aqui apenas na linguagem verbal (e esse é o caso), a simples experiência e suaobservação mostram que o efeito patêmico pode ser obtido pelo emprego de certas palavras, mastambém quando nenhuma das palavras utilizadas remete a um universo emocional. Dito de outromodo, o efeito patêmico pode ser obtido tanto por um discurso explícito e direto, na medida emque as próprias palavras têm uma tonalidade patêmica, quanto implícito e indireto, na medida emque as palavras parecem neutras deste ponto de vista. Portanto, constataremos três tipos deproblemas :

    i) há palavras que descrevem de maneira transparente emoções como “raiva”, “angústia”, “horror”, “indignação” etc., mas seu surgimento não significa nem que o sujeito as sinta comoemoções (problema de autenticidade), nem que elas produzirão um efeito patêmico nointerlocutor (problema de causalidade). Às vezes, acontece mesmo esse fenômeno curioso dedespatemização, quando essas palavras são empregadas com muita insistência, como o fazem osmeios de comunicação social (parece que se produz, desse modo, um desencadeamentometaenunciativo)

    ii) há palavras que não descrevem as emoções mas são tidas como boas candidatas ao seudesencadeamento : “assassinato”, “conspiração”, “vítimas”, “manifestação”, "assassino", porexemplo, são susceptíveis de nos levar a um universo patêmico. Sim, mas qual ? Certamente, ouniverso patêmico não será o mesmo, quando se trata de uma “manifestação silenciosa” (expressão da dor e de indignação), como a “passeata branca” dos Belgas, a propósito doprocesso Dutroux, ou quando se trata da passeata das mulheres da praça de maio na Argentina,ou a dos espanhóis contra o ETA, ou, ainda, quando se trata de uma “manifestação agitada”, ou

    até mesmo “violenta” (expressão do desespero e de reivindicação), como na África ou no MédioOriente. Esse universo também não será o mesmo, se pensamos em vítimas diferentes de umroubo : uma “velhinha”, “meu chefe” ou “um banqueiro riquíssimo”. A mesma lógica pode serusada no caso de uma vítima de um assassinato ser um tirano, um ditador ou uma pessoapróxima. Dito de outra forma, como bem mostra a teoria dos topoï (Ducrot), a orientaçãoargumentativa (diremos, aqui, patêmica) de uma palavra pode alterar, ou até mesmo se inverter,

  • 8/18/2019 Imprimer _ a Patemização Na Televisão Como Estratégia de Autenticidade

    8/18

    22/03/2016 Imprimer : A patemização na televisão como estratégia de autenticidade

    http://www.patrick-charaudeau.com/spip.php?page=imprimir_articulo&id_article=249 8/18

    segundo seu contexto e, acrescentarei, sua situação de emprego.

    iii) enfim, como já dissemos, há enunciados que não comportam palavras patemisantes e que, noentanto, são susceptíveis de produzir efeitos patêmicos, desde que tenhamos conhecimento dasituação de enunciação : “Basta !”, gritavam as pessoas vítimas do milésimo bombardeamento dasua cidade ; “Meu filho era puro, inocente” disse um pai debruçado sobre o túmulo ao serentrevistado em uma reportagem na Bósnia Herzegovina ; “Um dia comum em Sarajevo”, disseum jornalista à televisão, mostrando as imagens do último bombardeio que acabava de acontecernaquela cidade.

    Esses três tipos de problemas lembram que a construção discursiva do sentido como produção deefeitos intencionais visados depende das inferências que os parceiros do ato de comunicaçãopodem produzir, e que estas inferências dependem do conhecimento que esses parceiros podemter da situação de enunciação.

    PROPOSTAS

    A patemização pode, então, ser tratada discursivamente como uma categoria de efeito que seopõe a outros efeitos como o efeito cognitivo, pragmático, axiológico etc. E como toda categoriade efeito, ela depende das circunstâncias nas quais ela surge. Se questionando sobre o fenômenoda ausência de emoção, Patrícia Paperman constata que o julgamento a ser feito sobre talausência depende das circunstâncias em que acontece : “O que tornaria notável a ausência de

    emoção, é (…) uma divergência de apreciação das circunstâncias significativas que tornam possível uma emoção específica” ; e a autora conclui : “… a questão que o sociólogo pode secolocar refere-se à natureza da ligação entre a situação e a emoção” [34]. O enunciado “énecessário matar este cão” poderá ter um efeito cognitivo se se trata de uma palavra de umperito, um efeito pragmático para aquele que é responsável pela execução de tal tarefa, um efeitoaxiológico no que diz respeito à lei, e um efeito patêmico para o proprietário do cão.

    É necessário, assim, entrar nessa análise pelo “quadro de experiência” (como propõe Goffman),mas com uma teoria da situação [35]. É aqui que o analista do discurso pode ser de algumautilidade, na medida em que ele não se satisfaz em se valer de categorias lingüístico-discursivas, etraz uma definição da troca comunicativa e uma metodologia para analisá-la.

    Já tendo tratado dessa questão em outros textos, resumirei minhas propostas relativas ao estudo

    do efeito patêmico, afirmando que ele depende de três tipos de condição :

    i) que o discurso produzido se inscreva em um dispositivo comunicativo cujos componentes, asaber : sua finalidade e os lugares que são atribuídos previamente aos parceiros da troca,predispõem ao surgimento de efeitos patêmicos. Assim, observaremos que os dispositivos dacomunicação científica e didática não predispõem ao surgimento de tais efeitos (o que não querdizer que não os encontremos nunca), por razões que não posso explicar aqui (força da visada decredibilidade), assim como os dos debates de tipo colóquio de peritos. Em contrapartida, osdispositivos da comunicação ficcional (romance, teatro, cinema) e, por razões diferentes, acomunicação midiática, se predispõem, assim como as discussões polêmicas (familiares, políticas).Quando o dispositivo não se predispõe, é porque a finalidade comunicativa se encontra sob a fortedominante de credibilidade e que os parceiros estão colocados “à distância” de saberes deverdade ; Quando o dispositivo se predispõe, é porque a finalidade se encontra sob a fortedominante captadora e que os parceiros estão “envolvidos” nos saberes de crença.

    ii) que o campo temático sobre o qual se apóia o dispositivo comunicativo (o propósito relativo aosacontecimentos) preveja a existência de um universo de patemização e proponha certaorganização dos tópicos (imaginários sóciodiscursivos) susceptíveis de produzir tal efeito. Para asmídias de informação, como veremos, será o universo dos tópicos da “desordem social” ou de sua

     “reparação” ; para a publicidade, será o universo dos tópicos da “felicidade” e do “prazer” ; para aficção romanesca, será o universo dos tópicos do “destino humano” (a vida/a morte, uma partedaquilo que Barthes destacou nos seus Fragmentos do discurso amoroso) ; para a polêmicafamiliar ou amigável, será o universo dos tópicos da “intimidade” ; e compreenderemos que nãohá mais universo dos tópicos para a comunicação científica.

    iii) Que no espaço de estratégia deixado disponível pelas limitações do dispositivo comunicativo, ainstância de enunciação se valha da mise en scène discursiva com visada patemizante.

    Levando-se em consideração que qualquer ato de discurso, sendo em parte limitado por condiçõessituacionais (que chamo de “contrato de comunicação”), e em parte deixado para aresponsabilidade do sujeito da enunciação (que chamo de “espaço de estratégia”), podemos dizer

    http://-/?-http://-/?-

  • 8/18/2019 Imprimer _ a Patemização Na Televisão Como Estratégia de Autenticidade

    9/18

    22/03/2016 Imprimer : A patemização na televisão como estratégia de autenticidade

    http://www.patrick-charaudeau.com/spip.php?page=imprimir_articulo&id_article=249 9/18

    que a patemização do discurso resulta de um jogo entre limitações e liberdades enunciativas : épreciso condições de possíveis visadas patêmicas inscritas no tipo de troca. Entretanto, essasvisadas, se elas são necessárias, não são suficientes. Isso porque o sujeito de enunciação podeescolher entre reforçá-las, apagá-las, ou até mesmo, acrescentar-lhe algo. Reforçá-las quando,por exemplo, as mídias tratam da morte dramática da princesa do País de Gales. Apagá-las comoem certos discursos oficiais (e particularmente no da rainha da Inglaterra durante o velório daPrincesa Diana), ou como em uma narrativa fantástica. Acrescentar-lhe algo quando, por exemplo,um professor faz o papel de palhaço ou ameaça os alunos em sala de aula.

    É para ilustrar essa proposta que vou, a partir de agora, fazer uma revisão das características dodiscurso de informação televisiva para, por um lado, mostrar como seu dispositivo comunicativoinstaura o possível surgimento dos efeitos de patemização e, por outro lado, destacar algumas dasestratégias enunciativas à visada patêmica.

    O DISPOSITIVO DA COMUNICAÇÃO TELEVISIVA E O LUGAR DOSPARCEIROS

    A comunicação televisiva é um subconjunto da comunicação midiática que é ela própria umsubconjunto do discurso de informação. Algumas de suas características advêm, assim, docontrato geral da comunicação midiática, outras lhe são próprias. As características gerais definema finalidade do ato de comunicação midiático e o lugar dos parceiros (instância midiática /instância receptora), as características próprias do dispositivo televisual, com o som e a imagem,

    reforçam e especificam as características gerais.

    Tendo descrito essas características na minha última publicação [36], me contentarei em retomaralgumas delas e tecer sobre elas alguns comentários no que diz respeito a patemização.

    OS 3 PÓLOS.

    A finalidade global da comunicação midiática é de informação. O que faz com que nosencontremos na presença de um dispositivo de três pólos : um pólo fonte de informação, um póloinstância de mediação-transmissão, um pólo instância de recepção (ao mesmo tempo “alvo” datransmissão e “público” origem de interpretação). O pólo fonte de informação representa arealidade daquilo que se passa no mundo, cujas características veremos daqui a pouco. Eleconstitui, por conseguinte, o referente do discurso de informação, sob o aspecto de uma “verdadede autenticidade”. (veremos a incidência). O pólo instância midiática (de mediação-transmissão) étomado em uma contradição, visto que este tipo de comunicação se inscreve em uma duplalógica : de simbólica democrática, por um lado (ele deve apresentar essa realidade relativa aosacontecimentos pelo que ela é, dando calções de autenticidade e de objetividade), e por outrolado, de sobrevivência numa concorrência comercial (ele deve procurar se dirigir a um maiornúmero possível). Sua finalidade discursiva é, desse modo, marcada por uma dupla tensão de

     “credibilidade/captação”. O pólo instância de recepção (enquanto alvo) é, assim, posto em posiçãode ter a “crer” (a realidade do acontecimento), a “compreender” (seu surgimento e suacausalidade) e a “ressentir” (o desafio intelectual e emocional que o tornará fiel). De certa forma,podemos dizer que essa instância de recepção é ao mesmo tempo um “público ideal”, na acepçãode Aristóteles, porque a instância midiática deve levantar a hipótese de modos de raciocínionecessários e objetivos que são válidos para todos (vai além da credibilidade), e um “público

    universal”, na acepção de Perelman, ou seja, um público “médio” susceptível de deixar-se tocarpor efeitos de ethos ou de pathos.

    A INSTÂNCIA RECEPTORA

    Vejamos agora a especificidade da posição dessa instância de recepção quando ela se encontra nacomunicação televisiva.

    Em primeiro lugar, a materialidade audiovisual do apoio de transmissão (som e imagem) põe ainstância de recepção em uma dupla posição : a de espectador do mundo (são apresentados aoseu olhar os acontecimentos que se produzem no mundo), e a de telespectador (ele vê omediador que lhe faz lembrar, pela sua própria existência de relator e comentarista dosacontecimentos, que ele é espectador da televisão). O fato de ser espectador dos acontecimentosdo mundo (ele vê o mundo), lhe dá a ilusão de estar em contacto com essa realidade, de estar

     “ligado” imediatamente ao acontecimento, sobretudo, graças aos procedimentos de linha direta(ou de ilusão de estar ao vivo). O fato de ser telespectador (ele vê a instância de mediação) lhefaz lembrar que ele está “distante” dos acontecimentos do mundo, que ele está em uma relaçãode presença-ausência com esses acontecimentos e com o mediador, o que o obriga a ter um olhar

    http://-/?-

  • 8/18/2019 Imprimer _ a Patemização Na Televisão Como Estratégia de Autenticidade

    10/18

    22/03/2016 Imprimer : A patemização na televisão como estratégia de autenticidade

    http://www.patrick-charaudeau.com/spip.php?page=imprimir_articulo&id_article=249 10/18

    reflexivo sobre si mesmo e, por conseguinte, se ver como espectador em segundo grau.

    Agora, se considerarmos essa instância de recepção quando ela é colocada diante de umespetáculo de sofrimento, podemos, então, constatar que ela se encontra em uma posiçãocomplexa :

    i) o espetáculo de sofrimento que lhe é apresentado é tido, como acabamos de ver, como “existente na realidade”. Isso a coloca em uma posição diferente do espectador de cinema. Esseúltimo, devido a um contrato de ficção, tem toda a liberdade para “se projetar” no espetáculoproposto [37]. Na posição de telespectador, devido à referencialidade do objeto de espetáculo,

    não é possível projetar-se no que é ou no que foi, não é possível apropriar-se do espetáculo. Otelespectador pode apenas “se interrogar” sobre qual pode/deve ser sua reação. É uma espécie de

     “meta-espectador” [38]

    ii) além disso, esse espetáculo de sofrimento, ele o consome, como acabamos de ver, “àdistância”. Isso impede que se estabeleça uma verdadeira fusão (de empatia) entre aquele quesofre e aquele que assiste. Só é possível haver uma relação de “simpatia”, ou seja, uma relaçãoque supõe que o simpatizante tenha consciência da sua diferença com aquele que sofre, que elese veja como aquele que não sofre, e, desse modo, que ele possa se interrogar, como acabamosde dizer, sobre as razões dessa diferença e, assim, de sua possível culpabilidade (esse sentimentonão nasce no cinema), ou até mesmo o seu possível compromisso em uma ação. A menos que elenão desvie o seu olhar sobre aquele que sofre e se oriente em direção à causa do sofrimento. Ele

    pode, então, ficar indignado e denunciar a causa. O telespectador é ou um “espectadorapaixonado” (e, por conseguinte, um bom candidato para as cenas de catástrofes), ou “umespectador-denunciador”.

    iii) de imediato, ele não pode responder à questão “o que fazer diante desse espetáculo ?”senãopassando pela mobilização de crenças que definem os princípios morais, opiniões a seremdefendidas, conduções a serem tomadas que lhe permitam abraçar a causa. Como pode serdiferente, visto que o que lhe é oferecido como espetáculo não é o sofrimento do seu cotidiano,mas o sofrimento do mundo ? Sua posição de visão total, global, onipresente (é o sofrimento deum mundo distante que se oferece a ele), reforça a sua capacidade reflexiva de ver-se queobserva, de sentir-se impotente. Resulta daí que ele não pode nem se dizer indiferente a esseespetáculo, nem pretender se deleitar [39]. O telespectador é, como diz Boltanski, um

     “espectador moral” [40]

    iv) por último, ele não pode pretender se deleitar do espetáculo do sofrimento do outro, e, noentanto, ele permanece assistindo, os olhos fixos na tela, fascinado pela nudez, pela intimidadedesse sofrimento que não é o seu e que ele não pode partilhar. E assiste sem ser visto : olharsobre a intimidade do outro, olhar livre de culpa porque não é visto, duas condições para definir aposição voyeurismo. O telespectador é um “espectador voyeur” [41]

    A INSTÂNCIA MIDIÁTICA

    Voltemos à instância midiática no seu papel de encenadora do espetáculo de sofrimento.Percebemos que ela tem uma parte difícil de encenar.

    Se a instância midiática se satisfaz em mostrar cenas, é preciso estabelecer um equilíbrio sutil

    entre “envolvimento” e “distância”. Envolver-se demasiadamente é tomar partido e tornar-sesuspeito em relação aos motivos que fazem você se anular diante do espetáculo do sofrimento ouda alegria (ele/ela faz muito para que seja sincero). Marcar demasiadamente a distância, é correro risco de ser taxada de frialdade (ele/ela não tem coração). As mídias devem se colocar comoenunciador que não se envolve (passar uma imagem de profissionalismo), mas que dá algunssinais de emoção (passar uma imagem de humanidade : “para ser jornalista não é necessário sermenos humano”), com a esperança de produzir um efeito patêmico como, por exemplo : a cara detristeza ou a postura de indignação do apresentador do jornal televisivo ; o anúncio de cenasdifíceis de serem vistas (“fizermos cortes em algumas imagens”), o enunciado litótico (“essedrama acontece a duas horas de Paris”). Mas, frequentemente, as mídias falham na escalada daencenação do sofrimento (imagens em plano aberto, repetitivas, música dramática, gritos dasvítimas) ou pelo emprego de uma superabundância de termos pertencentes ao campo semântico

    da emoção (“emoção”, “lágrimas”, “prantos”, “coração” etc.).Se a instância midiática toma uma posição de comentarista que denuncia a causa ou os culpadospelo sofrimento, é preciso igualmente que ela não seja suspeita de envolvimento nem deperseguição pessoal contra os causadores do sofrimento. Daí as mídias se apoiarem emtestemunhos externos para endossar a acusação. Daí também o incômodo e a ambigüidade

    http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-

  • 8/18/2019 Imprimer _ a Patemização Na Televisão Como Estratégia de Autenticidade

    11/18

    22/03/2016 Imprimer : A patemização na televisão como estratégia de autenticidade

    http://www.patrick-charaudeau.com/spip.php?page=imprimir_articulo&id_article=249 11/18

    quando ocupam o lugar do acusado e devem se defender (acontecimento comum aos Paparazzi ;a síndrome de Timisoara).

    Vemos que os lugares que o dispositivo da comunicação televisiva atribui aos seus parceiros sãoparticularmente favoráveis ao surgimento de efeitos patêmicos que mais que em outro lugar seapóiam em crenças : tensão na finalidade comunicativa entre “credibilidade” e “captação” ; tensãono lugar que ocupa cada um dos parceiros entre “envolvimento” e “distância”. Porque o que émais notável, é a tensão e não a simples finalidade de captação. Isso explica talvez porque acomunicação publicitária não é um dispositivo de efeito patêmico (que pode ser comovido por umapublicidade ?), enquanto que, no entanto, está inscrito no contrato publicitário uma forte exigênciade captação. Talvez seja porque a exigência de captação vem acompanhada da exigência decredibilidade. No fundo, não devemos acreditar o que nos conta a mensagem publicitária.Sabemos que a narrativa publicitária é pura invenção. É pura invenção diferente da do contrato daficção romanesca porque sua visada sedutora explícita é posta a serviço de uma visadapragmática (fazer comprar), o que nos impede de nos projetar gratuitamente nesses personagens.Além disso, é pura invenção que não tem necessidade do apoio de uma realidade. É o que faz suadiferença com o contrato midiático. Este se justifica pela sua referencialidade, e é estareferencialidade que é calção do efeito de patemização : preciso saber que o sofrimento érealmente vivido por meu outro-eu-mesmo para que eu possa me sentir emocionalmenteenvolvido [42].

    É disso que a Benetton trata, com o cartaz da camiseta maculada de sangue de um bósnio. Este

    cartaz provocou mais escândalo que outros (mesmo o do beijo entre um padre e uma irmã decaridade), porque ela colocava referencialidade onde não é permitido (o contrato publicitáriopermite tudo exceto a referencialidade). O que provocou escândalo não foi, então, a visão dessehorror (vemos coisa muito pior nos jornais televisivos), mas a transgressão situacional (não sefala de fato “real” para exaltar um produto comercial).

    O DISPOSITIVO DA COMUNICAÇÃO TELEVISIVA E A ORGANIZAÇÃOPATÊMICA DO LUGAR DE PRODUÇÃO DO ACONTECIMENTO

    No Discurso de informação midiático [43], defini o propósito desse contrato de comunicação comoo lugar de um processo de produção do acontecimento, fenômeno que deve nascer de uma fraturano estado do mundo (princípio de modificação), deve ser percebido, e, por conseguinte, ser visto(princípio de significância), e deve, como diz Ricoeur, “se deixar pensar como substância” (princípio de pregnância). Além disso, como a finalidade do contrato de comunicação midiática é ainformação, dizia que esse processo de produção do acontecimento se refere ao que se passa noespaço público.Ora, acontecem muitas coisas nesse espaço público. O que a mídia mostra procede de umaseleção e de uma organização que resultam no que chamei de potencial de “atualidade” doacontecimento (mais as notícias são frescas no tempo e no espaço, mais elas são susceptíveis deenvolver ao público) ; seu potencial de “imprevisibilidade” (menos a notícia é esperada, mais elarompe com os sistemas de expectativas e normas, e mais ela é susceptível de tocar o público) ;seu potencial de “socialidade” (quanto mais uma notícia encontra eco nos sistemas decategorização intelectual e afetiva do público, mais ela o satisfaria). Daí surgem dois problemaspara a mídias e particularmente para a televisão : o da relação entre espaço público e espaçoprivado e o da organização de o que faz significância/pregnância.

    A RELAÇÃO ENTRE ESPAÇO PÚBLICO E ESPAÇO PRIVADO : SOCIALIZAÇÃODA INTIMIDADE

    Sobre essa questão, não me estenderei porque houve recentemente numerosos escritos sobre oassunto [44], e eu mesmo, no âmbito houve um estudo [45]. Gostaria simplesmente de apontaralgumas conseqüências dessa presença crescente do espaço privado na mídia no que diz respeitoao efeito de patemização :

    O surgimento do privado na televisão é “fazer ver aquilo que está guardado atrás da fachadasocial”, e, desse modo, entrar na humanidade dos atores do mundo social. Ao encenar papéis derepresentação, esses atores se confundem com eles, tornam-se arquétipos, máscaras nas quais o

    telespectador não pode se encontrar Ao ver esses atores fora de sua função oficial, na sua vidaprivada feita dos mesmos rituais do cotidiano deles (no mercado, de férias, em família, naintimidade), das mesmas dificuldades e alegrias que as deles, ele pode se encontrar. É na própriadescoberta da defasagem, da oposição entre as duas faces da vida desses atores, a cena e osbastidores, que um efeito de patemização pode emergir, visto que esse outro que está distantepor definição, se aproxima, se torna “natural” [46], ou até mesmo entra na mesma experiência

    http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-

  • 8/18/2019 Imprimer _ a Patemização Na Televisão Como Estratégia de Autenticidade

    12/18

    22/03/2016 Imprimer : A patemização na televisão como estratégia de autenticidade

    http://www.patrick-charaudeau.com/spip.php?page=imprimir_articulo&id_article=249 12/18

    quotidiana do telespectador. O privado na televisão tem uma função de humanização e de personalização.

    O surgimento do privado na televisão é também “fazer ver e entender aquilo que está guardadona intimidade do outro”, algo geralmente doloroso (programas do tipo Tirando as máscaras). Apatemização provém aqui do eco que esse espetáculo do sofrimento individualizado podeencontrar no telespectador e do seu eventual efeito terapêutico. O surgimento do privado temaqui uma função de identificação catártica.

    O surgimento do privado, é, enfim, “fazer ver um anônimo”, um obscuro do cotidiano, um sujeito

    qualquer, que, ao se tornar subitamente público pela espetacularização de um ato heróico desalvamento de outro (reality shows tipo Noite dos heróis), envia ao telespectador umamensagem : “você também pode”, destacando sua impotência em agir frente a miséria humana.O surgimento do privado tem uma função de compaixão-ação.

    Através desse jogo da intrusão do espaço privado no espaço público é instaurada uma outracondição para que haja efeito de patemização : o contato (ou sua ilusão) que o telespectador podeter com a intimidade do outro (que ela seja dolorosa ou feliz), de modo que esta possa fazer eco àsua, ou até mesmo entrar em sintonia com a sua e encontrar ali “a verdade do vivenciado” (oupelo menos sua representação). Assim, podemos explicar o fervor desencadeado pela morte deDiana.

    A ORGANIZAÇÃO DO UNIVERSO DE PATEMIZAÇÃOA organização daquilo que faz significância/pregnância no contrato de comunicação midiático nosleva a estudar o que faz a “desordem social”. De fato, trata-se, de uma maneira geral, dadesordem do acontecimento. Este pode ser cósmico (buraco de ozônio), biológico (epidemia),patológico individual (criminalidade) ou coletivo (terrorismo), ele é de qualquer modorecategorizado pelo discurso em “desordem social” com suas vítimas, ou em sua “reparação” comseus heróis. O espaço público é tão fechado e ajustado pelas mídias que ele não pode se destacarsenão através daquilo que não funciona em relação ao esperado nas rotinas da vida social, ou emrelação aos julgamentos da norma social. Estudá-lo advém, desse modo, de uma vastaempreitada da qual me satisfarei em apresentar somente um aspecto : o universo de patemizaçãotal como ele aparece na televisão, nos jornais televisivos, nas reportagens, nas revistas e nosdebates. Não se trata, desse modo, de descrever uma estrutura universal ou antropológica do

    universo patêmico, como em Aristóteles, mas da organização própria de uma situaçãocomunicacional específica. Não se trata de uma definição de “raiva” em geral, mas de “raiva” talcomo ela é encenada na televisão.

    Cruzando os resultados das minhas análises com as proposições – nem sempre convergentes – dealguns filósofos, sociólogos e semioticistas [47], chego a estruturar o universo de patemização dasmídias em alguns grandes tópicos (ou imaginários sóciodiscursivos) que defini com a ajuda decertos parâmetros. Se decidimos que um estado patêmico (ao mesmo tempo qualitativo eintencional) é desencadeado pela percepção de um actante-objeto exterior ao sujeito quevivencia, que o sujeito sente algo que está mais ou menos em condições de exprimir, e que eletem um certo comportamento diante do actante objeto e daquilo que ele sente (que tudo isso sejadito explicita ou implicitamente), então, podemos nos perguntar : qual é o estatuto que o sujeito

    atribui a esse actante-objeto, que relação se instaura entre o sujeito e ele, qual é ocomportamento enunciativo do sujeito ?

    Proponho quatro grandes tópicos, cada um duplamente polarizado, (de fato, negativo ou positivo,visto que a patêmica não é somente o sofrimento), e os nomearei através de termos que não têmsenão um valor emblemático : o tópico da “dor” e seu oposto, a “alegria” ; o tópico da “angústia” e seu oposto, a “esperança” ; o tópico da “anti-patia” e o seu oposto, a “simpa-patia” ; o tópico da

     “repulsa” e seu oposto, a “atração”.

    O TÓPICO DA “DOR” E SEU OPOSTO, A “ALEGRIA”

    A “DOR”

    Não se trata, evidentemente, de seu aspecto sensorial (sentir dor no braço), mas de seu estadomental, ainda que fenômenos de somatização estejam, às vezes, ligados aos dois. A dor :

    i) deve ser considerada como um estado de insatisfação do desejo do sujeito tal como ela omergulha em uma sensação de mal estar profundo, de sofrimento no qual o corpo do sujeito étomado à parte (somatização), e que pode se traduzir, na manifestação, por num recolhimento

    http://-/?-

  • 8/18/2019 Imprimer _ a Patemização Na Televisão Como Estratégia de Autenticidade

    13/18

    22/03/2016 Imprimer : A patemização na televisão como estratégia de autenticidade

    http://www.patrick-charaudeau.com/spip.php?page=imprimir_articulo&id_article=249 13/18

    sobre si mesmo, uma exteriorização mais ou menos convulsiva, ou um abatimento quase total.

    ii) é desencadeada por um actante-objeto (pessoa ou situação) que colocou o sujeito em posiçãode vítima-ofendida, razão pela qual a dor é provocada pela mobilização de uma rede de crençasque coloca o sujeito em posição de vítima moral, que faz com que o objeto externo sejainteriorizado pelo sujeito como causa interna da dor.

    iii) de imediato, o sujeito se encontra em uma relação intransitiva e reflexiva com a dor (ela é “auto-patêmica”) : interiorizando o objeto causa de sua dor, ele se essencializa ele próprio em “ser que sofre” e o enuncia-se de maneira elocutiva (ele diz : “tenho dor”).

    Nesse campo, encontramos algumas figuras particulares, com graus diversos de dor tais como : a “tristeza” (aceitação de impotência, de fatalidade), a “vergonha”, o “incômodo”, a “humilhação”, o “orgulho ferido” (degradação identitária no que diz respeito a uma referência idealizada de si [48].

    Podemos dar como exemplo as narrativas de introspecção, de confiança e de confissão que sãoveiculadas nos programas do tipo “psi-shows”, e que põem telespectador em posição ao mesmotempo de voyeur e de testemunho impotente.

    A "ALEGRIA"

    i) tem as mesmas características da dor (introspecção do actante-objetot, intransitividadereflexiva e enunciação elocutiva), mas sobre o pólo oposto da satisfação do desejo, do bem-estarcorporal e moral, que faz dizer ao sujeito : “estou bem comigo mesmo”", uma essencializaçãoeufórica.

    Algumas figuras a acompanham : a “satisfação” e o “contentamento” (até o sentimento de “poder”), a “vaidade” e o “orgulho” (promoção identitária de si).

    Daremos como exemplo as imagens de multidão alegre e as entrevistas de pessoas felizes(torcedores após um jogo ganho ; fans na saída de um show ; participantes nos JornadasMundiais da Juventude) que colocam o telespectador em posição distanciada ou de ironia frente auma televisão euforizante.

    O TÓPICA DA “ANGÚSTIA” E SUA OPOSTO, A “ESPERANÇA”

    A “ANGÚSTIA”

    i) é um estado de espera desencadeada por um actante-objeto desconhecido, mas que representaum perigo para o sujeito.

    ii) o sujeito mobiliza, assim, uma rede de crenças que lhe faz encarar diferentes representações,sempre negativas, deste objeto (cósmicos : o buraco de ozônio ; biológicos : epidemias ; sociais :guerra, criminalidade, desemprego) frente ao qual ele permanece à distância, à espera de saber(ele diz : “o que é que me espera ?")

    iii) aqui também, o assunto se essencializa em “esperar-ameaçado” que ele exprime de maneiraelocutiva (ele diz : “estou angustiado”).

    Outras figuras pertencem a este tópico com variações de grau : o “aborrecimento”, o “medo”, o “terror” (= “estar aterrorizado”).

    O mostra de cenas de pânico, com grandes planos sobre os rostos que exprimem terror, asentrevistas de testemunhas que se encontram em uma situação terrível repetitiva (guerra naBósnia, erupções vulcânicas) fazem parte desse tópico e colocam o telespectador em posição deter que partilhar ou recusar a ameaça ou o medo.

    A "ESPERANÇA"

    i) tem as mesmas características da angústia, mas na espera de um benefício, de umacontecimento feliz, de uma melhora do destino.

    ii) de imediato, leve movimento do sujeito para com esse objeto desconhecido, movimento deconfiança em seu acontecimento e de seu efeito positivo. Às vezes, surge um terceiro intercessorque é implorado.

    Outras figuras : a “confiança”, o “desejo”, os “votos”, a “chamada”, a “oração”.

    http://-/?-

  • 8/18/2019 Imprimer _ a Patemização Na Televisão Como Estratégia de Autenticidade

    14/18

    22/03/2016 Imprimer : A patemização na televisão como estratégia de autenticidade

    http://www.patrick-charaudeau.com/spip.php?page=imprimir_articulo&id_article=249 14/18

    Os testemunhos de confiança dos notáveis e as mensagens eleitorais dos políticos, bem como oscomentários jornalísticos quando dos seqüestros, das guerras (daquele evento que dura e para osquais desejamos uma saída positiva), atualizam esse tópico e, como o tópico precedente, colocamo telespectador em posição de ter que partilhar ou recusar a esperança ou a confiança.

    O TÓPICO DA “ANTI-PATIA” E SEU OPOSTO, A “SIM-PATIA”

    A “ANTIPATIA”

    i) deve ser considerada como uma atitude reativa dupla, em uma relação triangular : vítima deum mal, responsável  pelo mal, sujeito observador-testemunha. O actante-objeto é, então,duplicado em perseguido e perseguidor , e o sujeito observador-testemunha se volta para operseguidor.

    ii) o sujeito está ao mesmo tempo em estado de indignação frente a uma vítima perseguida (elemobiliza crenças sobre o bem e o mal e sobre as relações de dominação [ 49]), e emcomportamento de denúncia do responsável pelo sofrimento de outro que exprime de forma aomesmo tempo elocutiva e alocutiva (ele diz : “denuncio e acuso X !”). A anti-patia é sempreorientada contra alguém. Ela não deve se constituir a priori  nem contra o perseguidor, nem afavor do perseguido.

    iii) a indignação pode ser proporcional ao grau de dor da vítima e, desse modo, ao grau de

    perseguição.iv) essa indignação pode se voltar contra o perseguidor (ela é chamada de “unânime ehomogênea”, como aquela que denuncia os ex-nazistas) ; ela pode se voltar contra a própriaperseguição (ela é chamada de “esclarecida” [50], como aquela que se exerce em defesa de umcondenado – processo Dreyfus -). Nos dois casos, ela pode suscitar um programa devingança [51].

    Outras figuras, mais ou menos intensas : “indignação”, “acusação”, “denúncia”, “cólera”, “ódio”.

    Esse tópico é frequentemente atualizado, na televisão, pela descrição dos negócios que procuramos responsáveis dos prejuízos cometidos [52], a mostra das manifestações de protesto, aencenação de debates (do tipo Direito de resposta). Ela promove uma televisão que denuncia, que

    coloca o telespectador em posição de moralista.

    A “SIMPATIA”

    i) resulta igualmente de uma atitude reativa dupla, em uma relação triangular, mas dessa vez osujeito se vê voltado para o perseguido.

    ii) o sujeito está, então, em estado de emoção (crenças morais) no que diz respeito ao perseguidoe em comportamento de ajuda para aliviar o sofrimento dele (ele se constrói uma imagem desalvador) que ele exprime de maneira elocutiva e alocutiva (ele diz : “eu gosto de você !”).

    iii) esse movimento não deve ser visto como tomada de partido. Quanto mais o perseguido éanônimo (arquétipo) e obscuro, mais a simpatia será justificada [53].

    Outras figuras : a “benevolência”, a “compaixão” (que é antes individual e exige um contacto doscorpos, razão pela qual ela vem frequentemente acompanhada de silêncio, como no caso de umacriança violentada), a “piedade” (que é antes coletiva, quantitativa, abstrata e universal, razãopela qual ela vem acompanhada de discursos, como no caso das vítimas de uma catástrofenatural) [54].

    A televisão dita compassiva ativa esse tópico pela mostra de vítimas de um drama, de populaçõesem sofrimento (os sem-teto), de cenas humanitárias, mas também pela organização decampanhas de solidariedade (Teleton) e pelas entrevistas de confissão (Tirando a máscara). Otelespectador está, aqui também, em posição de moralista.

    O TÓPICO DA “ATRAÇÃO” E SEU OPOSTO, A “REPULSA”

     “Atração” e “repulsa” correspondem igualmente a uma atitude reativa em uma relação triangular,mas a atitude do sujeito é mais intelectual e o seu comportamento mais inativo [55].

    A “ATRAÇÃO”

    http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-

  • 8/18/2019 Imprimer _ a Patemização Na Televisão Como Estratégia de Autenticidade

    15/18

    22/03/2016 Imprimer : A patemização na televisão como estratégia de autenticidade

    http://www.patrick-charaudeau.com/spip.php?page=imprimir_articulo&id_article=249 15/18

    i) o sujeito é voltado para um actante benfeitor que tem, desse modo, repara um sofrimento.

    ii) ele se constrói uma imagem intelectual positiva de benfeitor ideal que ele essencializa em “herói”.

    iii) ele tem um movimento de aprovação com relação a essa imagem que, contudo, permaneceexterior e ele adere a ela sem outra ação possível senão segui-la. Ele a exprime de maneiradelocutiva dizendo : “ele é admirável”.

    Outras figuras : a “admiração”, o “fervor”, o “maravilhamento”, o “encantamento”.

    A televisão ativa esse tópicp através da mostra e do tratamento de figuras carismáticas (o Papa, oAbade Pierre, Bernard Tapie) [56] e o telespectador é colocado em posição de apreciador que temadmiração para essas personagens.

    A “REPULSA”

    i) o sujeito é, dessa vez, voltado para um actante do qual ele possui uma imagem negativa demalfeitor que é essencializada em “má”.

    ii) ele tem, então, ao contrário do tópico precedente, um movimento de desaprovação, ou atémesmo de rejeição violenta dessa imagem, sem que, entretanto, ele esteja em condições dedestruí-la.

    Outras figuras : o “desprezo”, o “desgosto”, a “aversão”, a “fobia”.

    A televisão ativa igualmente este tópico pela mostra de personagens carismáticos julgadosnegativos (Le Pen) ou criminosos (assassinos, pedófilos), mostra que coloca o telespectador emuma posição ambígua de fascinação (ele é atraído pela própria repulsa).

    Para ser completo nessa descrição, seria necessário agora descrever aquilo que chamo de “espaçode estratégias” para destacar, não as estratégias emocionais, mas as estratégias discursivassusceptíveis de ter um efeito patêmico. Mas seria ultrapassar demais o quadro físico dessacontribuição.

    CONCLUSÃO

    A conclusão será dupla, por um lado, no que diz respeito à significação desse dispositivo televisivoe de suas estratégias de patemização, e, por outro lado, no que diz respeito ao método de análisee a hipótese teórica que o subjaz.Dada a importância da patemização na televisão, tanto pela escolha dos acontecimentos e suamostra, quanto pelos efeitos das estratégias enunciativas, qualquer tentativa de explicação natelevisão é tida como quase impossível [57]. A visada de credibilidade do contrato televisivo édificultada pelo fato de que ela tende a desaparecer sob a visada de captação. Visar tocar o afetodo outro é neutralizar em parte, nele, a atividade racional de análise, ainda que, como vimos, esteefeito passe por crenças.

    O telespectador é, nesse caso, solicitado muito mais a crer (ou seja, a se pronunciar apenas sobre

    o verdadeiro/falso) e a sentir (ou seja, reagir em função do sentimento do bem/mal) do que acompreender. Portanto, o risco para a televisão é o da perda de legitimidade, já que seu contratolhe dá vocação para informar e que para isso deve se mostrar credível. As coisas acontecem,então, como se a televisão pudesse recuperar a legitimidade provando que o que ela mostra éautêntico.

    A televisão manipula o paradoxo da “declaração verdadeira”. O “verdadeiro”, aqui, não é o que émonstrado e provado ; o “verdadeiro” não é o que surge da confrontação das crenças como umaverdade média. O “verdadeiro” é aquilo que se sente e não se discute. De fato, qual suspeitasobre a autenticidade pode nascer : de um testemunho que exprime dor ou alegria ; da mostra deuma cena de horror (Timisoara) ou contentamento (Bastillha em 81) ; da acusação de umperseguidor (Mobutu) ou da glorificação de um benfeitor (o Abade Pierre) ; da nudez daintimidade sofredora de um outro eu-mesmo (os Psi-shows) ? E quanto mais a imagem exerce sua

    função de mostrar (direta) e visualizar (plano geral), mais ela nos dá a ilusão de que o que vemosnão pode ser senão “aquilo que é”.

    Tudo isso é in-dis-cu-ti-vel, é a verdade do patêmico.

    No que diz respeito ao aspecto teórico desse texto, trata-se, para mim, de insistir sobre o

    http://-/?-http://-/?-

  • 8/18/2019 Imprimer _ a Patemização Na Televisão Como Estratégia de Autenticidade

    16/18

    22/03/2016 Imprimer : A patemização na televisão como estratégia de autenticidade

    http://www.patrick-charaudeau.com/spip.php?page=imprimir_articulo&id_article=249 16/18

    pressuposto de que os signos são consumidos através dos dispositivos de comunicação. Essesdispositivos atribuem de antemão um lugar aos parceiros da troca e dão ao mesmo tempo aoreceptor uma grade de leitura do signo. É o que faz com que um mesmo signo seja lidodiferentemente (e, desse modo, produz sentidos diferentemente), não somente segundo ocontexto, mas também segundo o dispositivo. Qualquer dispositivo “fagocita” o valor, tido comogeral (antropológico), do sinal para enviá-lo ao mercado do consumo do sentido social. Portanto,como julgar a validade do efeito patêmico de um enunciado se não sei em qual posição me pedempara consumi-lo ? Seria como interlocutor envolvido, telespectador, consumidor de publicidade,membro de um Conselho de administração ou como leitor de um artigo científico ? O contrato decomunicação é a primeira sobredeterminação do sentido de discursos. E se quisesse terminar comuma nota ligeiramente provocadora, diria que de fato não há saber de língua que não seja saberde discursos, e que não há conhecimento “prototípico” do mundo (para falar como oscognitivistas) que não se instaura sobre o saber de “crença”.

    Patrick Charaudeau.Paris, 30 de setembro de 1997.

    Tradução de Renato de Mello

    [1] O dicionário Robert define este último termo : “naturalmente levado ao ódio”.

    [2] Fisiologia do comportamento, psicologia diferencial, psicologia social, psicanálise.

    [3] Com relação à diferença entre explicação causal e explicação interpretativa, ver Ogien R., “Oódio”, In : A cor os pensamentos, Razões práticas, EHESS, Paris, 1995.

    [4] Papermann P., “A ausência de emoção como ofensa”, In : A cor dos pensamentos (181),EHESS, Paris, 1995.

    [5] Fragments du discours amoureux (p.8-9), Le Seuil, Paris, 1977.

    [6] É necessário lembrar que a história desta palavra a remonta à “… ação de percorrer em todosos sentidos” (latim) – o que lembra Barthes nos seus Fragmentos op.c. -, na “conversação” (latimvulgar), em seguida “a expressão verbal do pensamento” (século XVII). O discurso é, ao mesmotempo, “… aquilo que exprime e constitui o pensamento” e “… aquilo que circula entre os membrosde uma comunidade social”.

    [7] Cf La couleur des pensées, op. c.

    [8] Nussbaum M., “Les émotions comme jugement de valeur”, In : La couleur des pensées (24),op.c.

    [9] Paperman, op.c.(186).

    [10] op.c. (10)

    [11] Cayla F., "La nature des contenus émotionnels", in La couleur des pensées, op.c.(84).

    [12] (34-35),

    [13] Nussbaum, op.c.(24)[14] Elster J., “Rationalité, émotions et normes sociales”, In : La couleur des pensées, op.c. (35).

    [15] (25).

    [16] Patricia Paperman, na seqüência de Coulter (1976, 133).

    [17] Paperman, op.c. (188). Essa posição se opõe ao ponto de vista dito “disruptivo”, queconsidera que as emoções perturbam a regulação interacional, e que estas últimas seriamprecisamente as fiadoras de um controle social sobre as tendências “selvagens” dos agentes(175), mas sem integrá-las.

    [18] (189).

    [19] (25).

    [20] (86-87)

    [21] (228)

    http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-

  • 8/18/2019 Imprimer _ a Patemização Na Televisão Como Estratégia de Autenticidade

    17/18

    22/03/2016 Imprimer : A patemização na televisão como estratégia de autenticidade

    http://www.patrick-charaudeau.com/spip.php?page=imprimir_articulo&id_article=249 17/18

    [22] Isso divide o mundo da didática e da aprendizagem lingüística entre os defensores do ensinode uma gramática explícita e os do ensino de uma gramática implícita.

    [23] op.c.(11)

    [24] Ver a esse respeito nossa pesquisa intercultural entre a França e o México : Olharescruzados, Didier Erudition, Paris, 1990.

    [25] Consenso sensório-proposicional, diz Fabien Cayla, op.c. (92)

    [26] Elster, op.c.(38-39)[27] Laurent Thévenot lembra que “… o gesto de desprender a gola da camisa”, a partir dasExpressões da fisionomia humana, “Emoções e avaliação nas coordenações públicas”, In : A cordos pensamentos, op.c. (158).

    [28] O que os psicosociólogos chamariam de “impressões”, cf., C. Chabrol, 1997.

    [29] Essa ligação faz com que o efeito patêmico não seja o mesmo, dependendo dos sujeitos : oirmão Diana Spencer, suas crianças, a família real, ou telespectador.

    [30] Ver, a esse respeito, Roland Barthes, “L’ancienne rhétorique”, Communications 16 (212),Seuil, Paris, 1970.

    [31] Elster op.c.(33)

    [32] Id.

    [33] Livet P., “Évaluation et apprentissage des émotions”, In : La couleur des pensées, op.c.(128-29).

    [34] Paperman, op.c. (188) e (180).

    [35] Que Goffman não propõe.

    [36] Le discours d’information médiatique. La construction du miroir social, Nathan-INA, Paris1997.

    [37] Boltanski L., La souffrance à distance (42,219), Métailié, Paris, 1993.

    [38] Daí o sucesso de alguns programas interativos que dão ao telespectador a ilusão deresponder às suas indagações.

    [39] Boltanski, op.c.(167).

    [40] D’où le succès d’émissions du genre Téléthon.

    [41] D’où le succès des talk show intimistes, (Bas les masques).

    [42] No contrato romanesco, essa referencialidade é construída por mim mesmo.

    [43] op.c. (107).

    [44] Ver, entre outros, a obras de Mehl D., La télévision de l’intimité, Seuil, Paris, 1996.

    [45] Paroles en images et images de paroles, coll. Langages, discours et sociétés, Didier Érudition,Paris, 1998, et La parole confisquée (en collaboration avec R. Ghiglione), Dunod, Paris, 1997.

    [46] Sennett R., Les tyrannies de l’intimité (274), Seuil, Paris, 1979.

    [47] Boltanski, Livet, Barthes, Greimas-Fontanille, etc.

    [48] Fontanille J., “Les passions de l’asthme”, In : Nouveaux actes de sémiotiques, Trames 6,(36), Université de Limoges, 1989.

    [49] Boltanski op.c. (98).

    [50] Id.

    [51] Greimas A.J., “De la colère”, In : Actes de sémiotiques III, 27 (23), EHESS, 1981.

    http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-

  • 8/18/2019 Imprimer _ a Patemização Na Televisão Como Estratégia de Autenticidade

    18/18

    22/03/2016 Imprimer : A patemização na televisão como estratégia de autenticidade

    [52] A respeito da morte de Diana, a valsa das responsabilidades em torno dos paparazzi, depoisdo motorista, depois do Hotel Ritz e depois do complô.

    [53] Cf.a explicação do Bom Samaritano, proposto por Boltanski, op.c.(25).

    [54] Com relação à diferença entre “compaixão” e “piedade”, ver Boltanski, op.c.(19).

    [55] Livet P., op.c.

    [56] Daí a suspeita ou a decepção quando a imagem é cortada (l’Abbé Pierre et l’affaire Garaudy :

    Tapie et l’affaire OM/VA).[57] Ver nosso artigo “La télévision peut-elle expliquer ?” , In : Colloque de Cerisy, Penser latélévision, (no prelo).

    http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-