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(IN) SEGURANÇA E (RESTRIÇÃO DOS) DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS MILITARES DISCIPLINA MILITAR MARIA BERNARDETE RODRIGUES SABINA ROSA CALHAÇO Dissertação apresentada na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, para a obtenção do grau de Mestre em Direito e Segurança. LISBOA Março de 2010

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(IN) SEGURANÇA E (RESTRIÇÃO DOS) DIREITOS

FUNDAMENTAIS DOS MILITARES

DISCIPLINA MILITAR

MARIA BERNARDETE RODRIGUES SABINA ROSA CALHAÇO

Dissertação apresentada na Faculdade de Direito da

Universidade Nova de Lisboa, para a obtenção do

grau de Mestre em Direito e Segurança.

LISBOA

Março de 2010

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(IN) SEGURANÇA E (RESTRIÇÃO DOS) DIREITOS

FUNDAMENTAIS DOS MILITARES

DISCIPLINA MILITAR

MARIA BERNARDETE RODRIGUES SABINA ROSA CALHAÇO

ORIENTAÇÃO: PROFESSOR DOUTOR JORGE BACELAR GOUVEIA

Dissertação apresentada na Faculdade de Direito da

Universidade Nova de Lisboa, para a obtenção do

grau de Mestre em Direito e Segurança.

LISBOA

Março de 2010

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À minha mãe Lurdes e ao meu marido Nuno.

Eles sabem porquê...

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Ao Professor Doutor Jorge Bacelar Gouveia, agradeço-lhe

a permanente disponibilidade para a orientação da

presente dissertação e o exemplo, de dedicação ao

trabalho, a seguir.

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Assim sendo, um comandante hábil procura a vitória através das

situações e não a exige dos seus subordinados. Escolhe os homens

adequados e explora as situações. Aquele que tira partido das situações

usa os seus homens em combate como quem faz rolar toros e pedras.

Pela sua própria natureza, os toros e as pedras permanecem imóveis

num terreno plano, mas tendem a rolar numa encosta. Se quadrados,

param; se redondos, rolam. Quem sabe utilizar tropas em combate

incute-lhes uma força comparável à de pedras redondas lançadas de

uma alta montanha. É esta a força do Exército.

SUN TZU, A Arte da Guerra

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ÍNDICE

APRESENTAÇÃO.................................................................................................... 9 CAPÍTULO I - AS FORÇAS ARMADAS VOLUNTÁRIAS NO ESTADO

CONSTITUCIONAL ....................................................................................... 13 1.1. A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS

PORTUGUESAS ............................................................................................. 13 1.2. O SERVIÇO MILITAR VOLUNTÁRIO ........................................................ 14 CAPÍTULO II - A RESTRIÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS

MILITARES ..................................................................................................... 18 2.1. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS EM GERAL ............................................ 18 2.2. A APLICABILIDADE DIRECTA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E O

ESTATUTO SOCIAL MÍNIMO ..................................................................... 19

2.3. A RESTRIÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS MILITARES .... 20 2.4. OS FUNDAMENTOS DA RESTRIÇÃO ........................................................ 23 2.5. O APARTIDARISMO E A ISENÇÃO POLÍTICA EM ESPECIAL .............. 27

2.6. AS MANIFESTAÇÕES MILITARES: RESTROSPECTIVA HISTÓRICA .. 30

2.6.1. ANO DE 2005 ................................................................................................ 31

2.6.2. ANO DE 2006 ................................................................................................ 33

2.6.3. ANO DE 2007 ................................................................................................ 34

2.6.4. ANO DE 2008 ................................................................................................ 35

2.6.5. ANO DE 2009 ................................................................................................ 43

CAPÍTULO III - A DISCIPLINAR MILITAR....................................................... 46 3.1. O REGIME DISCIPLINAR E OS DEVERES MILITARES ESPECIAIS ..... 46

3.2. O PROCESSO DISCIPLINAR MILITAR ...................................................... 48

3.2.1 A CELERIDADE, SIMPLICIDADE E NATUREZA SECRETA DO

PROCESSO ..................................................................................................... 49

3.2.2. DA NOTÍCIA DA INFRACÇÃO AO EXERCÍCIO DA ACÇÃO

DISCIPLINAR ................................................................................................. 51

3.2.3. A INDEPENDÊNCIA E AUTONOMIA DO PROCEDIMENTO

DISCIPLINAR ................................................................................................. 56

3.2.4. A NOMEAÇÃO DO OFICIAL INSTRUTOR E A INSTRUÇÃO DO

PROCESSO DISCIPLINAR .......................................................................... 57

3.2.5. O DIREITO DE DEFESA DO ARGUIDO ................................................ 64

3.2.6. O RELATÓRIO DO OFICIAL INSTRUTOR .......................................... 70

3.2.7. A DECISÃO: A APLICAÇÃO CONCRETA DA PENA DISCIPLINAR75

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3.2.8. A NOTIFICAÇÃO DA DECISÃO FINAL ................................................ 83

3.2.9. OS EFEITOS DAS PENAS DISCIPLINARES E O SEU

CUMPRIMENTO ........................................................................................... 84

3.2.10. OS MEIOS DE IMPUGNAÇÃO .............................................................. 87

3.2.11. A TUTELA CAUTELAR DE DIREITOS ............................................... 91

3.2.12. A EXTINÇÃO DA RESPONSABILIDADE DISCIPLINAR ................ 95

CAPÍTULO IV - RESULTADOS E DISCUSSÃO ................................................ 97 CAPÍTULO V – PRINCIPAIS FONTES ............................................................. 113

FONTES BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 113 MONOGRAFIAS .................................................................................................. 113 ARTIGOS DE PUBLICAÇÃO EM SÉRIE .......................................................... 116 DOCUMENTOS LEGISLATIVOS E OFICIAIS................................................. 118

INTERNACIONAIS / EUROPEUS .................................................................... 118

ESPANHÓIS ......................................................................................................... 119

NACIONAIS ......................................................................................................... 119

PARECERES E ACÓRDÃOS ............................................................................ 123

FONTES NA INTERNET ..................................................................................... 123

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APRESENTAÇÃO

A vida em sociedade pressupõe uma ordem. A sociedade exige de cada um dos

seus membros o reconhecimento de que as condutas individuais devem obedecer a um

conjunto de normas exteriores ao indivíduo, isto é, independentes da sua vontade, que

defendem e garantem a ordem social, preservando a sobrevivência do grupo. Cada

pessoa é, assim, persuadida a pautar o seu comportamento pelas normas de conduta

social vigentes, que concretizam e reflectem os valores aceites pelo grupo.

Os valores, enquanto concepções gerais do bem, legitimam as normas e mantêm

a coesão porquanto são socialmente aceites e compartilhados por todos os membros do

grupo (identidade).

Neste sentido, as normas, expressão dos valores aceites, integram padrões de

comportamento (ou modelos) a seguir por cada um dos membros do grupo, que obstam

ou anulam ao desenvolvimento de qualquer desvio comportamental (mecanismos de

controlo social).

O constrangimento social tem, deste modo, um papel preponderante na

organização da vida social. O grupo exerce em cada indivíduo uma influência passível

de o submeter às normas sociais, impedindo-o de actuar contra a conduta e a identidade

comum reconhecida no grupo. Para vencer a resistência relativamente à adesão aos

padrões de conduta impostos, a sociedade recorre a medidas que vão desde o conselho,

a sugestão e a persuasão até à coacção. Nas sociedades civilizadas, os meios utilizados

são, geralmente, as sanções legais. A escola, a família, os meios de comunicação social,

a justiça, as forças policiais e outras instituições do Estado cooperam na obra

orientadora, educativa e repressora do controlo social.

Neste contexto se insere o conceito de disciplina, consubstanciada no conjunto

dos deveres, leis e demais preceitos, de natureza legal (as normas jurídicas1), ou não

1 A norma jurídica patenteia a característica da coercibilidade, tendo, na sua essência, o objectivo

da realização de três dimensões fundamentais, traduzidas nos conhecidos brocardos latinos honeste vivere

(não abusar dos seus direitos), alterum non laedere (não prejudicar ninguém) e suum quique tribuere (dar

ou entregar a cada um o que é seu).

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(vejam-se, por exemplo, as normas sociais nascidas de valores éticos, morais, religiosos,

económicos e políticos), que regem a sociedade civil.

Mas é no âmbito militar que o conceito de disciplina apresenta contornos mais

definidos. Aqui emerge todo um conjunto de imperativos e regras de conduta

particulares aos quais se submetem todos os militares, com absoluto e necessário rigor.

Dadas as exigências específicas em matéria de disciplina, as Forças Armadas regem-se

pela aplicação de um regime disciplinar próprio, plasmado no Regulamento de

Disciplina Militar (RDM), decorrente do qual se espera que o militar cumpra,

cabalmente, o leque dos deveres especiais ali previsto, imposto, assim, pela respectiva

condição militar.

A disciplina militar é, assim, seguramente, aquela onde a ordem é mais notória.

Os militares obedecem criteriosamente a um conjunto de regras que concretizam e

reflectem valores, tais como a honra e o amor à Pátria, aceites e compartilhados por

todos. Estes valores comuns dão, inclusive, origem a sentimentos de solidariedade (a

camaradagem e o espírito de corpo) e de unidade (a coesão) entre os militares.

Porém, as normas regulamentares que regem as Forças Armadas não se devem

cristalizar. Com efeito, as Forças Armadas sofrem, inevitavelmente, no seu seio, a

influência social da própria sociedade em que incontornavelmente se inserem,

destacando-se, desde logo, a recentemente concretizada profissionalização das Forças

Armadas Portuguesas.

É neste âmbito que, atentas as tomadas de posição públicas e as intervenções

militares a que temos assistido, sobretudo nos últimos anos, directamente relacionadas

com a questão da restrição dos direitos fundamentais dos militares em efectividade de

serviço constitucionalmente consagrada, me propus abordar a face mais esquecida –

mas a mais controvertida, do problema: a forma como a Instituição Militar reforçou, de

há cerca de trinta anos a esta parte, a disciplina militar, anulando, de forma rigorosa e

eficaz, através de um diploma manifestamente obsoleto, qualquer desvio de

comportamento2. Revelou-se-me, efectivamente, pertinente que, tendo como pano de

fundo a (in)segurança e a (restrição) dos direitos fundamentais do militares, procedesse

ao concreto relacionamento da teoria com as necessárias observações empíricas,

questionando, assim, a espiral consubstanciada no solitário e pouco garantístico

procedimento disciplinar militar, ainda que pontualmente sanado pelas declarações de

2 O RDM anterior foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 142/77, de 9 de Abril.

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inconstitucionalidade de alguns preceitos normativos. E porque a aguardada reforma da

disciplina militar veio espelhar-se num diploma publicado recentemente, não se

olvidaram as inevitavelmente emergentes críticas que o mesmo já nos merece3.

Salientando a escassez da doutrina portuguesa nesta matéria, dedico o Capítulo I

ao que considerei constituírem os alicerces fundamentais do presente estudo,

reconhecendo a integração das Forças Armadas Portuguesas no Estado Constitucional e

o actual modelo de serviço militar, baseado, em tempo de paz, no voluntariado.

No Capítulo II, dirigido à restrição dos direitos fundamentais dos militares,

abordo a questão da aplicabilidade directa dos direitos fundamentais e o respectivo

núcleo duro. Dada a sua habitual recondução a verdadeiro fundamento de restrição,

sublinho a relevante restrição consubstanciada nas garantias mínimas do apartidarismo e

da isenção política, exigidos aos nossos militares. Ainda neste Capítulo, atenta a

actualidade, bem como a sua pertinência para o presente estudo, foco a questão das

manifestações militares, reflexo do mal-estar incontido existente no seio das Forças

Armadas e da incontornável necessidade de evolução das normas regulamentares, de

acordo com a própria evolução social.

No Capítulo III, analiso o regime disciplinar especial consagrado no RDM

vigente durante trinta anos nas Unidades, Estabelecimentos e Órgãos Militares (U/E/O),

apreciando criticamente as diferentes soluções legais então adoptadas e relacionando-as

com as presentemente acolhidas no diploma que regula a actual disciplina militar.

No Capítulo IV, exponho os resultados controvertidos deste estudo, concluindo,

por último, com o Capítulo V, que dedico às principais fontes bibliográficas e da

Internet, ferramentas de valor inestimável à presente investigação.

Admitindo embora que a condição militar, com a qual orgulhosamente convivi

durante cinco anos, me permitiu o manuseamento quase diário do RDM, salvaguardo,

porém, a independência técnica desta dissertação, não consubstanciando, por isso, a

mesma, doutrina de qualquer ramo das Forças Armadas.

Assim e sem pretender vestir outra pele que não a de simples jurista, proponho

levar a cabo a demonstração da inadequação das normas integrantes do procedimento

disciplinar militar, sugerindo a premente consagração legal de soluções ajuizadas como

as mais consentâneas, sem que, naturalmente, tal importe qualquer sacrifício das

3 A Lei Orgânica n.º 2/2009, de 22 de Julho, aprova o novo RDM, revogando o anterior, sem

prejuízo da aplicação das normas mais favoráveis aos processos em curso (cfr. os nºs 2 do Artigo 2º e 3º,

ambos da referida Lei Orgânica).

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intemporais exigências de coesão, eficiência e, bem assim, disciplina das Forças

Armadas.

Movida, pois, pelo ideal da JUSTIÇA e, bem assim, pelo indisfarçado ânimo de

promover uma maior discussão numa matéria tão sensível para a Segurança da nossa

Pátria, ouso enunciar soluções (mais) ajustadas ao Direito e à realidade do actual

modelo de prestação de serviço militar, apresentando aqui, sem coincidências, na

Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, o contributo de uma jurista

despida do seu uniforme.

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CAPÍTULO I - AS FORÇAS ARMADAS VOLUNTÁRIAS

NO ESTADO CONSTITUCIONAL

1.1. A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DAS FORÇAS

ARMADAS PORTUGUESAS

Na sequência da revisão constitucional de 1982, ocorreram modificações de

fundo no ordenamento jurídico-político português, como a eliminação do Conselho da

Revolução, a transferência para a Assembleia da República das competências

legislativas que pertenciam ao Conselho da Revolução4, a extinção do Movimento das

Forças Armadas (MFA) e da sua aliança com o povo, a subordinação das Forças

Armadas ao poder político, a institucionalização do Conselho Superior de Defesa

Nacional (CSDN)5 e a nomeação dos Chefes de Estado-Maior (CEM) pelo Presidente

da República, sob proposta do Governo6.

Aquando da vigência do texto constitucional de 1976, o Presidente da República

era militar, ocupava o cargo de Chefe de Estado-Maior-General das Forças Armadas

(CEMGFA) e presidia ao Conselho da Revolução, constituído exclusivamente por

militares. O Conselho de Chefes de Estado-Maior exercia funções governamentais, o

CEMGFA tinha a categoria de primeiro-ministro e os CEM dos três ramos das Forças

Armadas tinham a categoria e a competência de ministros. O próprio Ministro da Defesa

Nacional limitava-se a ser um mero elo de ligação entre o Governo e as Forças

Armadas. Estas tinham independência funcional, constituindo um poder autónomo

4 Vide v.g, a al. d) do Artigo 164º da Constituição da República Portuguesa (CRP). Constitui,

assim, reserva absoluta da Assembleia da República legislar “sobre a organização da defesa nacional,

definição dos deveres dela decorrentes e bases gerias da organização, do funcionamento, do

reequipamento e da disciplina das Forças Armadas”.

5 O CSDN é presidido pelo Presidente da República, sendo o órgão específico de consulta para

os assuntos relativos à defesa nacional e à organização, funcionamento e disciplina das Forças Armadas.

A sua composição é determinada por lei, a qual inclui membros eleitos pela Assembleia da República

(Vide o n.º 1 do Artigo 274º da CRP e as alterações à composição, competências e funcionamento do

CSDN introduzidas pela Lei Orgânica n.º 2/2007, de 16 de Abril).

6 Vide a al. p) do Artigo 133º da CRP. Vide, ainda, o Artigo 182º da CRP, relativo à concepção

do Governo como o “órgão de condução da política geral do país”, na qual se inclui a política de defesa

nacional.

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dentro do próprio Estado. A CRP reconhecia, efectivamente, um poder político-militar

ou estatuto político-constitucional próprio às Forças Armadas. Estas detinham um poder

de garantia (institucional) do (permanente) equilíbrio político do sistema constitucional,

direccionando-se igualmente para a (função de) dinamização política em situações

(excepcionais) de crise do sistema político7.

A actual integração das Forças Armadas no Estado Democrático-Constitucional8

reconhece a instituição militar como um instrumento fundamental do Estado

Democrático e revela, concomitantemente, a exigibilidade da adaptação, tanto da sua

estrutura orgânica, como do modo do seu funcionamento, aos princípios fundamentais

constitucionais.

1.2. O SERVIÇO MILITAR VOLUNTÁRIO

A jusante das alterações resultantes da quarta revisão constitucional, ocorrida em

1997, a nova Lei do Serviço Militar (LSM), aprovada pela Lei n.º 174/99, de 21 de

Setembro9, veio estabelecer a transição do anterior sistema de conscrição dos cidadãos à

prestação de serviço militar10

para um novo regime de prestação de serviço militar

assente, em tempo de paz, no voluntariado.

7 Antes da constitucionalização das Forças Armadas, estas eram alheias às restantes instituições e

tradicionalmente tidas como forças supraconstitucionais, a-constitucionais ou infra-constitucionais.Vide,

neste sentido, LUCAS PIRES, Francisco, As Forças Armadas e a Constituição, in Estudos sobre a

Constituição, 1º Vol., Livraria Petrony, Lisboa, 1977, pág. 321 ss.

8 Vide, ainda, neste âmbito, a al. o) do Artigo 164º da CRP, que consagra a competência

exclusiva da Assembleia da República para legislar sobre as restrições ao exercício de direitos por

militares dos quadros permanentes em serviço efectivo; a al. d) do Artigo 199º, que atribui ao Governo a

competência para, no exercício de funções administrativas, dirigir os serviços e a actividade da

administração directa do Estado, civil e militar; o Artigo 273º da CRP, que impõe ao Estado a obrigação

de assegurar a defesa nacional, com vista a garantir, no respeito da ordem constitucional, das instituições

democráticas e das convenções internacionais, a independência nacional, a integridade do território e a

liberdade e segurança das populações contra qualquer agressão ou ameaça externas; e, finalmente, o

Artigo 275º da CRP, que consagra o princípio da obediência das Forças Armadas aos órgãos de soberania

competentes, nos termos da Constituição e da Lei (n.º 3), definindo expressamente as missões que lhe são

atribuídas, designadamente de defesa militar da República (n.º 1) e de colaboração em acções de

cooperação técnico-militar, no âmbito da política nacional de cooperação (n.º 6).

9 Este diploma legal sofreu as alterações ditadas pela Lei Orgânica n.º 1/2008, de 6 de Maio, no

tocante ao novo modelo de recenseamento militar e à cominação estabelecida para o não cumprimento do

dever de comparência ao Dia da Defesa Nacional.

10

O sistema de conscrição dos cidadãos à prestação de serviço militar era imposto pela Lei n.º

30/87, de 7 de Julho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 89/88, de 5 de Agosto e n.º 22/91, de 19

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Pressuposta a intenção da profissionalização dos recursos humanos militares da

Defesa Nacional e uma estratégia de recrutamento contínuo de voluntários, a LSM

consagrou as formas de prestação de serviço efectivo nos regimes de contrato e de

voluntariado11

, quadro legal cuja filosofia subjacente veio a imbuir-se no (novo)

Regulamento da Lei do Serviço Militar (RLSM), aprovado pelo Decreto-Lei n.º

289/2000, de 14 de Novembro12

, bem como no aditamento e na revisão parcial do

Estatuto dos Militares das Forças Armadas (EMFAR)13

.

O recrutamento militar actual, enquanto conjunto de operações necessárias à

obtenção dos meios humanos para o ingresso nas Forças Armadas, baseia-se, assim, no

designado recrutamento normal, com a finalidade da admissão de cidadãos que se

proponham prestar voluntariamente serviço militar efectivo nos referidos regimes de

contrato e de voluntariado nas Forças Armadas14

, compreendendo, ainda, a modalidade

do recrutamento especial para a prestação de serviço efectivo voluntário nos quadros

de Junho e regulamentado pelo Decreto-Lei n.º 463/88, de 15 de Dezembro, com as alterações dadas pelo

Decreto-Lei n.º 143/92, de 20 de Julho.

11

Vide, respectivamente, as al. b) e c) do n.º 2 do Artigo 3º da LSM.

12

Este diploma foi alterado pelo Decreto-Lei n.º 52/2009, de 2 de Março.

13

Vide as al. b) e c) do Artigo 3º e o Livro III, Dos regimes de contrato e de voluntariado, do

EMFAR, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 236/99, de 25 de Junho, com as alterações introduzidas pela Lei

n.º 25/2000, de 23 de Agosto e pelos Decretos-Lei n.º 197-A/2003, de 30 de Agosto, n.º 70/2005, de 17

de Março, n.º 166/2005, de 23 de Setembro, n.º 310/2007, de 11 de Setembro e n.º 59/2009, de 4 de

Março. O novo sistema de prestação de serviço militar introduzido no ordenamento jurídico português

assenta na adesão voluntária a um vínculo temporário com as Forças Armadas por um período mínimo de

dois anos e um período máximo de seis anos no regime de contrato e a duração de doze meses no regime

de voluntariado, período a partir do qual o militar neste regime pode ingressar no regime de contrato,

requerendo a sua permanência no serviço efectivo (Vide, respectivamente, o n.º 1 do Artigo 28º da LSM,

o n.º 3 do Artigo 45º do RLSM, o n.º 1 do Artigo 5º do EMFAR e os Artigos 31º e 32º da LSM, o Artigo

50º do RLSM e o n.º 2 do Artigo 5º do EMFAR). Com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 169/2006,

de 17 de Agosto, a renovação contratual em regime de contrato passou a carecer de autorização prévia

dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das Finanças, da Administração Pública e da Defesa

Nacional. Assim, “incumbe ao Chefe do Estado-Maior do respectivo ramo das Forças Armadas

apresentar, semestralmente, o número total de efectivos que se encontra a prestar serviço em regime de

contrato, acrescido do número de renovações susceptível de ocorrer nesse período” (Vide os nºs 2 e 3 do

Artigo 6º deste diploma legal). No sentido de acautelar o processo de consolidação e de sustentabilidade

da profissionalização das Forças Armadas, enquanto decorrem os trabalhos de reestruturação das carreiras

dos militares das Forças Armadas e observados os critérios de racionalidade e economia, o Decreto

Regulamentar n.º 12/2009, de 17 de Julho, veio fixar novos quantitativos máximos de militares na

efectividade de serviço nos regimes de voluntariado e de contrato, em 2009 e 2010, na Marinha, no

Exército e na Força Aérea.

14

Vide o Artigo 13º da LSM e o n.º 1 do Artigo 32º do RLSM. Vide, ainda, os modelos de

contrato para a prestação de serviço militar nos regimes de contrato e de voluntariado constantes da

Portaria n.º 418/2002, de 19 de Abril, do Ministro da Defesa Nacional.

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permanentes15

e prevenindo o estabelecimento do recrutamento excepcional para a

prestação de serviço efectivo decorrente da convocação ou mobilização16

.

Uma vez firmado o vínculo com as Forças Armadas, enquadram-se estes

cidadãos, militares nos regimes de voluntariado, de contrato e dos quadros permanentes,

no conceito de trabalhadores da Administração Pública, conforme decorre do Artigo

270º da CRP e do n.º 1 do Artigo 35º da Lei da Defesa Nacional e da Forças Armadas

(LDNFA)17

, integrando o vínculo jurídico inerente à prestação de serviço militar todas

as características essenciais à relação jurídica de emprego público – a sujeição ao

regime de Direito Público, a prestação de trabalho, a retribuição e a subordinação

15

O serviço efectivo nos quadros permanentes compreende a prestação de serviço pelos cidadãos

que, tendo ingressado voluntariamente na carreira militar, estabelecem um vínculo definitivo com as

Forças Armadas (Vide o Artigo 4º do EMFAR). A título exemplificativo, o actual ingresso na categoria de

Oficial dos quadros permanentes do Exército depende da obtenção, com aproveitamento, do grau de

Mestre na Academia Militar (AM), devendo os candidatos à categoria de Sargento dos quadros

permanentes do mesmo ramo das Forças Armadas frequentar o respectivo Curso de Formação de

Sargentos, com a duração de dois anos, o primeiro dos quais, dedicado à formação comum de todas as

armas e serviços, tem lugar na Escola de Sargentos do Exército (ESE). Com o ingresso nos quadros

permanentes, o militar presta juramento de fidelidade em cerimónia própria, em obediência à seguinte

fórmula: “Juro, por minha honra, como português e como Oficial/Sargento/Praça da(o)

Armada/Exército/Força Aérea, guardar e fazer guardar a Constituição da República, cumprir as ordens e

deveres militares, de acordo com as leis e regulamentos, contribuir com todas as minhas capacidades para

o prestígio das Forças Armadas e servir a minha Pátria em todas as circunstâncias e sem limitações,

mesmo com o sacrifício da própria vida”. Ao Oficial é entregue a Carta Patente, documento

tradicionalmente adoptado como forma de encarte dos Oficiais dos quadros permanentes das Forças

Armadas, regulado no Decreto-Lei n.º 194/82, de 21 de Maio.

16

Vide o Artigo 7º da LSM.

17

A LDNFA foi aprovada pela Lei n.º 29/82, de 11 de Dezembro e alterada pelas Leis n.º 41/83,

de 21 de Dezembro, n.º 111/91, de 29 de Agosto, n.º 113/91, de 29 de Agosto e n.º 18/95, de 13 de Julho,

bem como pelas Leis Orgânicas n.º 3/99, de 18 de Setembro, n.º 4/2001, de 30 de Agosto e n.º 2/2007, de

16 de Abril.

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jurídica18

, sem prejuízo das especificidades inerentes à relação de serviço militar,

incontornavelmente marcada (pelo menos) desde o dia do Juramento de Bandeira19

.

18

Sem prejuízo de os actuais regimes de carreiras, vínculos e remunerações do trabalhadores que

exercem funções públicas, aprovados pela Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, estabelecer no seu

Artigo 91º a correspondente conversão dos contratos administrativos de provimento dos trabalhadores

abrangidos pelo âmbito de aplicação subjectivo do diploma, do qual se exclui os militares das Forças

Armadas, cujos regimes constam de leis especiais, o n.º 1 do Artigo 45º do RLSM prevê expressamente

que, “para todo os efeitos legais, o regime de contrato é equivalente ao contrato administrativo de

provimento e o militar contratado equiparado a agente administrativo”, estabelecendo o n.º 2 do Artigo

50º do RLSM a aplicabilidade, com as necessárias adaptações, das “disposições do presente Regulamento

que regulam o RC ao RV”. Vide, por último, o Parecer n.º 83/2007, de 22 de Julho de 2008, da

Procuradoria-Geral da República, relativamente à inclusão dos militares dos quadros permanentes das

Forças Armadas “no conceito de emprego público”, a propósito dos fundamentos invocados no sentido da

aplicabilidade do estatuto do trabalhador estudante a estes militares, parecer que foi homologado por

despacho do Ministro da Defesa Nacional, em 11 de Julho de 2008 e publicado no Diário da República,

n.º 146, 2ª Série, de 30 de Julho.

19

O Artigo 7º do EMFAR consagra a fórmula empregue nas cerimónias onde cada militar

profere, com o braço direito erguido em direcção à Bandeira nacional, o necessário juramento: “Juro,

como português e como militar, guardar e fazer guardar a Constituição e as leis da República, servir as

Forças Armadas e cumprir os deveres militares. Juro defender a minha Pátria e estar sempre pronto a lutar

pela sua liberdade e independência, mesmo com o sacrifício da própria vida”.

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18

CAPÍTULO II - A RESTRIÇÃO DOS DIREITOS

FUNDAMENTAIS DOS MILITARES

2.1. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS EM GERAL

Os direitos fundamentais consubstanciam as posições jurídicas dos cidadãos,

individual ou institucionalmente considerados, assentes na Constituição formal (direitos

fundamentais em sentido formal) e na Constituição material (direitos fundamentais em

sentido material).

Os direitos fundamentais, ou os direitos fundamentais em sentido material,

decorrem dos princípios da Constituição material, cujo sentido e alcance efectivo se

encontra sujeito a variações.

Assim, para além dos princípios comuns a todos os direitos (princípios da

universalidade e da igualdade)20

, existem princípios comuns com variações, como o

princípio da protecção da confiança21

, o princípio da proporcionalidade22

, o princípio

da eficácia jurídica dos direitos fundamentais23

, que abordaremos infra, o princípio da

tutela jurídica24

e o princípio da responsabilidade civil das entidades públicas e dos

seus titulares em caso de violação de direitos25

.26

Face à Constituição de 1976, o sentido e o conteúdo efectivo dos direitos

fundamentais corresponderão necessariamente aos valores e princípios consignados nos

20

Vide os Artigos 12º e 13º da CRP.

21

Vide o n.º 2 do Artigo 266º da CRP.

22

Vide o n.º 2 do Artigo 18º da CRP.

23

Vide o n.º 1 do Artigo 18º da CRP.

24

Vide o Artigo 20º da CRP, o n.º 2 do Artigo 202º, os nºs 4 e 5 do Artigo 268º, o Artigo 23º e o

n.º 1 do Artigo 52º, todos da CRP.

25

Vide o Artigo 22º e o n.º 1 do Artigo 269º, ambos da CRP.

26

Vide, neste sentido, JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional, Direitos

Fundamentais, Tomo IV, 4ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, págs. 152-153.

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19

Artigos 1º e 2º da Lei Fundamental, nomeadamente ao respeito pela dignidade da

pessoa humana e o pelo Estado de Direito democrático.

2.2. A APLICABILIDADE DIRECTA DOS DIREITOS

FUNDAMENTAIS E O ESTATUTO SOCIAL MÍNIMO

No sentido da determinação do âmbito e alcance da eficácia dos direitos

fundamentais27

, tem-se revelado pacífica a teoria da eficácia directa no Direito Público,

inequivocamente reforçada pelo disposto no n.º 1 do Artigo 18º da CRP: “Os preceitos

constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente

aplicáveis e vinculam as entidades públicas (e privadas)” – parênteses nosso. Os direitos

fundamentais visam, pois, em primeira linha, a protecção dos sujeitos jurídicos contra

os poderes estaduais, cuja posição privilegiada facilmente atentaria contra o designado

conteúdo mínimo essencial ou núcleo duro, irredutível, desses mesmos direitos.

As dúvidas foram colocadas pela Doutrina inicialmente na Alemanha e, na sua

esteira, pela Jurisprudência, apenas no que diz respeito à vinculação das entidades

privadas, ou seja, no âmbito do Direito Privado. Em Portugal, as teses que defendem a

eficácia directa e imediata dos direitos fundamentais nas relações entre privados são

sustentadas designadamente por J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA28

,

JOSÉ JOÃO ABRANTES29

, ANA PRATA30

e JORGE BACELAR GOUVEIA. Já a

posição de CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO31

se traduz na defesa da teoria da

27

Os Princípios Fundamentais encontram-se plasmados na CRP (Artigos 1º a 11º), onde estão

também garantidos os Direitos e Deveres Fundamentais dos cidadãos: Princípios Gerais – Artigos 12º a

23º, Direitos, Liberdades e Garantias Pessoais – Artigos 24º a 47º, Direitos, Liberdades e Garantias de

Participação Política – Artigos 48º a 52º, Direitos, Liberdades e Garantias dos Trabalhadores – Artigos

53º a 57º, Direitos e Deveres Económicos – Artigos 58º a 62º, Sociais – Artigos 63º a 72º e Culturais –

Artigos 73º a 79º.

28

Cfr., Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pág.

147.

29

Cfr., A Vinculação das Entidades Privadas aos Direitos Fundamentais, AAFDL, Lisboa,

1990, pág. 94 e Contrato de Trabalho e Direitos Fundamentais, Coimbra Editora, 2005, págs. 223 ss, do

mesmo autor.

30

Cfr., A Tutela Constitucional da Autonomia Privada, Almedina, Coimbra, 1982, pág. 137.

31

Cfr., Teoria Geral do Direito Civil, 4ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, págs. 73 ss.

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20

eficácia indirecta ou mediata dos direitos fundamentais nas relações jurídico-privadas,

em que a aplicação das normas constitucionais se faz com referência a instrumentos e

regras próprias do direito civil32

. Sem prejuízo de parte da Doutrina apontar no sentido

da ausência prática de diferenças do confronto entre estas teorias, adoptar uma ou outra

não será, porém, indiferente, uma vez que só a eficácia directa dos direitos fundamentais

nas relações privadas dá a garantia plena de defesa da intangibilidade do conteúdo

mínimo essencial dos mesmos33

. Podemos, por último, ainda afirmar que a previsão

expressa da natureza directa da vinculação das entidades particulares aos direitos,

liberdades e garantias no preceito constitucional supra transcrito sempre tornará esta

teoria incontornável.

Os direitos fundamentais, traduzidos em normas e princípios objectivos34

,

impõem-se, pois, a toda a Ordem Jurídica, pública e privada, obrigando, assim, o Estado

e a sociedade civil.

2.3. A RESTRIÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS

MILITARES

Na salvaguarda do estatuto social mínimo definido pela CRP, cujo respeito é,

como vimos, imposto às entidades públicas e privadas, a Lei Fundamental estabelece,

no n.º 2 do seu Artigo 18º, que a lei ordinária só pode restringir os direitos, as liberdades

e as garantias nos casos expressamente previstos35

, devendo as restrições limitar-se ao

32

A eficácia indirecta da aplicação dos preceitos constitucionais às relações jurídico-privadas é

referida na Doutrina alemã como eficácia reflexa ou eficácia em relação a terceiros.

33

Neste sentido, Vide, JOÃO ABRANTES, José, Contrato de Trabalho e Direitos

Fundamentais, Coimbra Editora, 2005, págs. 227 a 229.

34

Note-se, pois, que os direitos fundamentais eram inicialmente apenas tidos como direitos

subjectivos de defesa perante os poderes do Estado.

35

Em consonância com o princípio da autorização constitucional expressa. Nas palavras de

GOMES CANOTILHO, J.J, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª Edição, Almedina,

Coimbra, 2009, pág. 424, “Esta individualização expressa tem como objectivo obrigar o legislador a

procurar sempre nas normas constitucionais o fundamento concreto para o exercício da sua competência

de restrição de direitos, liberdades e garantias, e criar segurança jurídica nos cidadãos, que poderão contar

com a inexistência de medidas restritivas de direitos fora dos casos expressamente considerados pelas

normas constitucionais como sujeitos a reserva de lei restritiva”.

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21

necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente

protegidos. Às leis restritivas de direitos, liberdades e garantias fica, além disso, vedada

a possibilidade da diminuição da extensão e do alcance do conteúdo essencial dos

preceitos constitucionais36

.

Ora a CRP consagra expressa e taxativamente as situações de restrição

admitidas ao exercício de direitos pelos militares integrantes das fileiras das Forças

Armadas, a quem incumbe a defesa (militar) da República (contra o exterior) e é

imposto o dever de obediência aos órgãos de soberania competentes, nos termos da

Constituição e da Lei 37

. Prevê, pois, o Artigo 270º da CRP, a possibilidade de a Lei

estabelecer, na estrita medida das exigências próprias das respectivas funções,

restrições ao exercício de direitos de expressão, reunião, manifestação, associação e

petição colectiva e à capacidade eleitoral passiva por militares (e agentes

militarizados) dos quadros permanentes em serviço efectivo38

.

Assim, as restrições constitucionalmente consagradas aparecem estabelecidas e

desenvolvidas nos Artigos 31º a 31º-F da LDNFA. Com efeito, dispõe o n.º 1 do Artigo

31º desta Lei que “Os militares em efectividade de serviço dos quadros permanentes e

em regime de voluntariado e de contrato gozam dos direitos, liberdades e garantias

constitucionalmente estabelecidos, mas o exercício dos direitos de expressão, reunião,

manifestação, associação e petição colectiva e a capacidade eleitoral passiva ficam

36

Cfr., o n.º 3 do Artigo 18º da CRP. O princípio da protecção do núcleo essencial traduz uma

preocupação eminentemente material, que procura evitar o esvaziamento do conteúdo dos direitos

fundamentais restringidos. A restrição de direitos é pautada, ademais, por outros princípios fundamentais,

tais como o princípio da proibição do excesso ou princípio da proporcionalidade. Vide, neste sentido,

BACELAR GOUVEIA, Jorge, Regulação e Limites dos Direitos Fundamentais, in Separata do II

Suplemento do Dicionário Jurídico da Administração Pública, Lisboa, 2001, pág. 458 ss. Relativamente

à regulação e aos limites dos direitos fundamentais, Vide, BACELAR GOUVEIA, Jorge, Regulação e

Limites dos Direitos Fundamentais, in Separata do II Suplemento do Dicionário Jurídico da

Administração Pública, Lisboa, 2001, pág. 450 ss. Ainda sobre os limites dos direitos fundamentais, Vide,

VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976,

Almedina, Coimbra, 2007, pág. 212 ss.

37

Vide, respectivamente, os nºs 1 e 2 do Artigo 275º. O princípio da obediência das Forças

Armadas aos órgãos de soberania competentes encontra-se igualmente previsto no Artigo 19º da LDNFA.

No mesmo sentido, Vide, ainda, o Artigo 4º do anterior RDM e o Artigo 1º do novo RDM.

38

A propósito da tipificação, Vide, com as adaptações inerentes à questão da restrição dos

direitos fundamentais, BACELAR GOUVEIA, Jorge, Os Direitos Fundamentais Atípicos, Aequitas,

Editorial Notícias, 1995, pág. 60: “A razão do emprego da tipificação quase não carece de demonstração

no domínio dos direitos fundamentais. A sua enorme importância afere-se pela necessidade da

pormenorização dos bens jurídicos protegidos e das respectivas vias de aproveitamento como forma de

melhor contribuir para a sua melhor protecção, evitando-se assim a sua diluição em formas abstractas,

facilmente à mercê do poder político”.

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22

sujeitos ao regime previsto nos artigos 31º-A a 31º-F da presente lei, nos termos da

Constituição”.

Em conjugação com o n.º 4 do Artigo 275º da CRP39

, o n.º 2 do Artigo 31º da

LDNFA acrescenta que “Os militares em efectividade de serviço são rigorosamente

apartidários e não podem aproveitar-se da sua arma, do seu posto ou da sua função para

qualquer intervenção política, partidária ou sindical, nisto consistindo o seu dever de

isenção”, dispondo, ademais, o n.º 3 do Artigo 31º da LDNFA que, aos militares em

efectividade de serviço dos quadros permanentes e em regime de voluntariado e de

contrato, “não são aplicáveis as normas constitucionais referentes aos direitos dos

trabalhadores cujo exercício tenha como pressuposto os direitos restringidos nos

números seguintes, designadamente a liberdade sindical, nas suas diferentes

manifestações e desenvolvimentos, o direito à criação de comissões de trabalhadores,

também com os respectivos desenvolvimentos, e o direito à greve”40

. Por último, o n.º 4

deste preceito normativo estabelece que “No exercício dos respectivos direitos os

militares estão sujeitos às obrigações do estatuto da condição militar e devem observar

uma conduta conforme a ética militar e respeitar a coesão e a disciplina das Forças

Armadas “41

.

39

Dispõe o n.º 4 do Artigo 275º da CRP que “As Forças Armadas estão ao serviço do povo

português, são rigorosamente apartidárias e os seus elementos não podem aproveitar-se da sua arma, do

seu posto ou da sua função para qualquer intervenção política.”

40

O Artigo 30º da LDNFA consagra expressamente o princípio da isenção política exigido aos

militares, reproduzindo quase integralmente o n.º 4 do Artigo 275º da CRP. A al. a) do Dever 13º do

Artigo 4º do anterior RDM consagrava também como um dos “deveres especiais” do “militar do quadro

permanente, na efectividade de serviço ou prestando serviço em regime voluntário, conservar, em todas as

circunstâncias, um rigoroso apartidarismo político”, sendo-lhe, vedado o exercício de qualquer actividade

política sem autorização, bem como a filiação em agrupamentos ou associações de carácter político. Vide,

ainda, o Dever 14º do mesmo preceito legal, relativo à imposição de o militar “não assistir uniformizado e

mesmo em trajo civil, não tomar parte em mesas, fazer uso da palavra ou exercer qualquer actividade em

comícios, manifestações ou reuniões públicas de carácter político” sem autorização. O novo RDM

consagra igualmente o dever especial de isenção política, identificando-o como o “rigoroso

apartidarismo” dos militares, não podendo os mesmos “usar a sua arma, o seu posto ou a sua função para

qualquer intervenção política, partidária ou sindical” (Vide a alínea i) do n.º 2 do Artigo 11º e o Artigo

20º, ambos deste diploma legal). Existem autores que sentenciam que a LDNFA terá extravasado, por

exemplo no n.º 3 do Artigo 31º desta Lei, o mandado constitucional de neutralidade político-partidária das

Forças Armadas para o âmbito das restrições do domínio sindical, decepando-as da possibilidade de os

seus membros beneficiarem dos direitos fundamentais dos trabalhadores, colidindo com a actual realidade

social. Neste sentido, Vide ANTÓNIO ARAÚJO, O Direito da Defesa Nacional e das Forças Armadas,

Edições Cosmos, Instituto da Defesa Nacional, Lisboa, 2000, pág. 309. Vide, ademais, o Parecer n.º

83/2007, de 22 de Julho de 2008, da Procuradoria-Geral da República, homologado por Despacho de Sua

Ex.ª o Ministro da Defesa Nacional em 11 de Julho de 2008 e publicado no Diário da República, 2ª Série,

n.º 146, de 30 de Julho, no sentido da curiosamente questionada aplicabilidade do próprio estatuto do

trabalhador estudante aos militares dos quadros permanentes das Forças Armadas.

41

No que se refere ao estatuto da condição militar, a Lei n.º 11/89, de 1 de Junho aprovou as

bases gerais a que deve obedecer o exercício dos direitos e o cumprimento dos deveres pelos militares dos

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23

Chegados à problemática da especificidade inerente à condição militar e

antecedendo a análise do arquétipo legal garante da designada disciplina pugnada pelas

Forças Armadas e, bem assim, da salvaguarda das restrições dos direitos fundamentais

legalmente estabelecidas, cumpre primeiro questionarmos os fundamentos da

intervenção legislativa restritiva operada, designadamente no que toca ao princípio da

autorização constitucional expressa.

2.4. OS FUNDAMENTOS DA RESTRIÇÃO

Considera-se, assim, de todo pertinente aferir, prima facie, se a intervenção

legislativa diminuiu a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos

constitucionais, limitando-se as restrições ao necessário à salvaguarda de outros direitos

ou interesses constitucionalmente protegidos.

Constatamos, pois, que o princípio da autorização constitucional expressa foi

indubitavelmente comprimido em favor do reconhecimento da existência de uma

autorização implícita de restrição legal de direitos fundamentais (ou de restrições

implícitas dos direitos fundamentais), com fundamento em inquestionáveis razões

materiais. Efectivamente, estendeu-se a expressa restrição constitucional aos direitos

fundamentais dos militares dos quadros permanentes aos militares sujeitos ao vínculo

temporário da prestação de serviço militar nos regimes de contrato e de voluntariado,

permitindo-se, assim, à intervenção legislativa restritiva, a harmonização dos interesses

inerentes à extensão da restrição a todos os militares em efectividade de serviço

(princípio da igualdade). Mas que interesses são estes?

Na busca dos fundamentos da restrição dos direitos fundamentais dos militares,

surgem, de imediato, as razões que favorecem a sujeição do cidadão em uniforme42

em

quadros permanentes e dos restantes militares enquanto na efectividade de serviço (BGECM), definindo

os princípios orientadores das respectivas carreiras (Vide, o Artigo 1º, a al. g) do Artigo 2º e o Artigo 7º

deste diploma legal). Note-se que o n.º 1 do Artigo 18º do EMFAR, relativo aos direitos, liberdades e

garantias dos militares reproduz os termos do Artigo 7º das BGECM: “O Militar goza de todos os

direitos, liberdades e garantias reconhecidas aos demais cidadãos, estando o exercício de alguns desses

direitos e liberdades sujeito às restrições constitucionalmente previstas, com o âmbito pessoal e material

que consta da LDNFA”.

42

Na busca do sentido subjacente ao conceito de nacionalidade ou cidadania portuguesa, o

Artigo 4º da CRP presta algum auxílio, dispondo que São cidadãos portugueses todos aqueles que como

tal sejam considerados pela lei ou por convenção internacional. Mas a tarefa do legislador ordinário está,

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24

naturalmente, sujeita aos parâmetros jusinternacionais e constitucionais. Nestes termos, o regime da

nacionalidade portuguesa encontra-se consagrado na Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro, alterada pela Lei n.º

25/94, de 19 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de Dezembro, na redacção dada pelo

Decreto-Lei n.º 194/2003, de 23 de Agosto, pela Lei Orgânica n.º 1/2004, de 15 de Janeiro e pela Lei

Orgânica n.º 2/2006, de 17 de Abril. Através deste diploma legal, são definidas as condições e os efeitos

da atribuição (nacionalidade originária), aquisição (por efeito da vontade, pela adopção e por

naturalização) e perda da nacionalidade, as regras do registo, prova e contencioso da nacionalidade e do

conflito de leis sobre a nacionalidade (note-se que o status segundo o qual um indivíduo é titular da

nacionalidade de dois Estados é designado dupla-nacionalidade ou dupla-cidadania; já a situação da

acumulação de nacionalidades de mais de dois países é designada de nacionalidade múltipla ou

plurinacionalidade). Sobre este ponto, Vide, ainda, a Convenção Europeia sobre a Nacionalidade, aberta à

assinatura dos Estados Membros do Conselho da Europa em Estrasburgo em 26 de Novembro de 1997,

aprovada, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 19/2000, publicada no Diário

da República, Série I-A, n.º 55, de 6 de Março e ratificada por Decreto do Presidente da República n.º

7/2000, publicado no mesmo Diário da República. A cidadania é, em si, um vínculo jurídico pelo qual o

indivíduo integra o povo de um Estado e acede, por essa via, à titularidade de um conjunto de direitos,

representando igualmente um sinal identificador com peso acentuadamente simbólico, v.g., a história e a

cultura da Pátria. Poder-se-á ainda dizer, com Ian Brownlie, que a nacionalidade é um “vínculo jurídico

que tem por base um facto social de pertença, uma conexão genuína de vivência, de interesses e de

sentimentos, em conjunto com a existência de direitos e deveres recíprocos”. Saliente-se constituir

inclusivamente fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade

ou da adopção, a prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro (Vide, a al. c) do

Artigo 9º e o Artigo 10º da Lei da Nacionalidade). Assim, facilmente se deduz que a admissão às Forças

Armadas não exige a nacionalidade portuguesa (ou a sua atribuição ou aquisição prévia) como um mero

formalismo inerente ao recrutamento a à selecção dos candidatos. Ao exigir a nacionalidade portuguesa,

confia-se antes que a sua detenção configure mais do que um mero status transformado em mecanismo

legal que tão-somente permite aceder a um conjunto de direitos reservados aos cidadãos nacionais da

Pátria. Com efeito, o direito de defesa da Pátria está indissociavelmente ligado a um dever que pressupõe

uma relação de fidelidade que só pode ser imposto aos respectivos cidadãos. A questão da

inadmissibilidade de estrangeiros nas Forças Armadas pode vir a ser objecto de grande controvérsia no

nosso país, sendo-o já para lá das nossas fronteiras, onde determinados países admitem que estrangeiros

prestem serviço militar, como por exemplo nos Estados Unidos da América (cfr. o Selective Service Act,

de 28 de Setembro de 1971), onde a conscrição foi extinta após a guerra do Vietname. Com efeito, muitos

imigrantes, especialmente latino-americanos, com residência legal permanente, ingressam nas Forças

Armadas dos EUA, movidos sobretudo pela vontade de acelerar o processo de obtenção da cidadania

(e/ou de aceder gratuitamente ao ensino superior). Nos termos desta política, a nacionalização surge como

uma forma de recompensar os estrangeiros que participam na guerra contra o terrorismo (José

Guttierrez, por exemplo, nasceu na Guatemala e foi o segundo soldado americano a morrer no Iraque,

sendo homenageado com cidadania póstuma). No entanto, existem vozes que questionam se a única

língua nacional e a cultura anglo-protestante não correrão o risco de serem substituídas, respectivamente,

por duas línguas (inglês e espanhol) e por dois povos com duas culturas (anglicana e hispânica). Outro

caso particular é o de Espanha. Uma das mudanças mais significativas sofridas nas respectivas Forças

Armadas foi igualmente a extinção do serviço militar obrigatório, em 31 de Dezembro de 2001 e a

consagração legal da possibilidade de admissão de extranjeros a la condición de militar Professional de

tropa y marinería (Vide, neste sentido, a Ley 32/2002, de 5 de júlio, que alterou a Ley 17/1999, de 18 de

mayo, do Régimen del Personal de las Fuerzas Armadas e o Reglamento de acceso de extranjeros a la

condición de militar profesional de tropa y marinería, aprovado pelo Real Decreto 1244/2002, de 29 de

noviembre, com as alterações constantes do Real Decreto 2266/2004, de 3 de diciembre e da competente

Orden Ministerial num. 217/2004, de 30 de diciembre). No entanto, a admissibilidade da nacionalidade

estrangeira limita-se aos países que mantêm especiais vínculos históricos, culturais e linguísticos com

Espanha, salvaguardando-se legalmente a não-ingerência nos assuntos internos dos Estados, a

harmonização com as normas do direito internacional e a missão constitucionalmente consagrada e

atribuída das Forças Armadas. Com efeito, a defesa nacional é essencialmente direito e dever dos

cidadãos espanhóis, pelo que o acesso dos estrangeiros restringe-se de forma proporcional, a fim de

alegadamente evitar um desfasamento quantitativo e qualitativo das forças.

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25

desfavor da sua autonomia pessoal, sobretudo no âmbito das designadas relações

especiais de poder, ou seja, nas palavras de MANUEL DA COSTA ANDRADE43

,

naquelas “particulares relações entre o Estado e o indivíduo, marcadas, para além da

duração e intensidade dos vínculos, pela acentuação exponencial da assimetria e da

dependência próprias das relações entre o poder e o indivíduo”. Em sentido semelhante,

JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE44

afirma que os membros das Forças

Armadas não são (sequer), “meros indivíduos”, precisamente porque se encontram em

“situações especiais de relação jurídica com os poderes públicos, capazes de justificar

restrições, também especiais, de alguns direitos”.

Assim, a relação especial de poder, à qual os militares se encontram sujeitos,

pressuporia um regime jurídico particular adequado aos fins da relação jurídica especial,

já de per si legitimadora das restrições aos respectivos direitos fundamentais.

Sustentaria, ademais, esta tomada de posição o facto de as actuais características

do serviço militar, consubstanciadas na profissionalização das Forças Armadas,

integradas por voluntários para a prestação de serviço militar efectivo nos regimes de

contrato e de voluntariado e, bem assim, por militares dos quadros permanentes que

(voluntariamente) abraçam a carreira militar, importarem como que uma renúncia

expressa ao pleno exercício dos direitos fundamenteis45

, vislumbrando-se aqui, sob

outra perspectiva, a vertente específica da relação especial de sujeição dos militares.

Tal entendimento revela-se, porém, indefensável, uma vez que a própria auto-restrição

de direitos imporia, para além de uma vontade livre e esclarecida, uma duração limitada

da própria renúncia aos direitos fundamentais, o que não sucede. Com efeito, basta

atendermos, por um lado, aos constrangimentos sociais e económicos de Portugal, que

conduzem uma parte tida por considerável dos cidadãos às fileiras das Forças Armadas

(facto social notório, comprometedor, assim, da existência de uma vontade

verdadeiramente livre e concomitantemente indiciador de um eventual abuso

institucional, gerador de efeitos perversos) e, por outro, à circunstância de tempo

subjacente ao vínculo jurídico celebrado com os militares dos quadros permanentes,

43

Direito Penal Médico – SIDA: Testes Arbitrários, Confidencialidade e Segredo, Coimbra

Editora, 2004, pág. 47.

44

Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 2ª Edição, Almedina,

Coimbra, 2001, pág. 303 ss.

45

A própria fórmula do Juramento de Bandeira parece sustentar a tese da renúncia expressa ao

pleno exercício dos direitos fundamentais.

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26

sujeitos aos deveres militares inerentes à sua situação administrativa relativamente à

prestação de serviço46

.

Segundo o modelo clássico das Forças Armadas, ser militar importaria o assumir

desta condição vinte e quatro horas por dia, por motivos atinentes tão-só a valores

tradicionais – ainda que perduráveis, como a disciplina, a honra e a lealdade,

importando pura e simplesmente o não exercício dos direitos fundamentais de cidadão

pelo militar47

. Mas as relações especiais de poder não justificam, por si só, a restrição

aos direitos fundamentais dos militares. Ela emerge da necessidade de harmonizar estes

mesmos direitos com os fins institucionalmente visados, com os bens jurídicos, os

valores ou os princípios constitucionalmente consagrados, isto é, com a afirmação de

um interesse público especial ou primacial48

.

Efectivamente, as Forças Armadas não existem por si nem para si. A estas

incumbe “a defesa militar da República, obedecem aos órgãos de soberania competentes

e estão ao serviço do povo português”. Incumbe-lhes “satisfazer os compromissos

internacionais do Estado Português no âmbito militar e participar em missões

humanitárias e de paz assumidas pelas organizações internacionais de que Portugal faça

parte”. Podem ainda ser incumbidas de “colaborar em missões de protecção civil” – em

tarefas relacionadas com a satisfação de necessidades básicas e a melhoria da qualidade

de vida das populações – e “em acções de cooperação técnico-militar no âmbito da

política nacional de cooperação”, podendo inclusivamente ser empregues nas situações

de “estado de sítio e de emergência”49

.

As Forças Armadas surgem, assim, como o (exclusivo) instrumento do Estado

para assegurar a execução da componente militar da defesa nacional50

, cujos objectivos

46

Note-se que os direitos fundamentais são, em regra, indisponíveis, irrenunciáveis e

imprescritíveis. Neste sentido, Vide, VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos, in Os Direitos Fundamentais

na Constituição Portuguesa de 1976, 2ª Edição, Almedina, Coimbra, 2001, pág. 318 ss.

47

A concepção original das relações especiais de poder de LABAND na Alemanha do Séc. XIX

encontra-se actualmente despojada do seu radicalismo inicial, mas o seu conteúdo, devidamente mitigado,

revela-se ainda útil para a doutrina administrativa portuguesa, ainda que a mesma empregue, por vezes,

outras expressões, como relações jurídicas especiais ou estatutos especiais, para justificar a

aplicabilidade das correspondentes regras ou regimes específicos.

48

Veja-se a própria letra da lei do Artigo 270º da CRP: “na estrita medida das exigências

próprias das respectivas funções”.

49

Vide os nºs 1, 3 a 7 do Artigo 275º da CRP, os n.º 3 a 5 do Artigo 3º da LDNFA, os Artigos 9º

e 19º da LDNFA.

50

A componente militar da defesa nacional é exclusivamente assegurada pelas Forças Armadas,

sem prejuízo do direito e dever de cada português da passagem à resistência, activa e passiva, nas áreas de

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27

se orientam no sentido de “garantir, no respeito da ordem constitucional, das instituições

democráticas e das convenções internacionais, a independência nacional, a integridade

do território e a liberdade e a segurança das populações contra qualquer agressão ou

ameaça externas, bem como assegurar a manutenção ou o restabelecimento da paz em

condições que correspondam aos interesses nacionais”51

.

Neste sentido, são imperativos das Forças Armadas, reveladores da sua

especificidade, o respeito pela Constituição e pelas leis, a subordinação ao interesse

nacional, a neutralidade e imparcialidade políticas, a lealdade, a disciplina, a

subordinação à hierarquia militar, a conduta conforme com a ética militar e os ditames

da virtude e da honra, a coesão ou o espírito de corpo, o espírito de abnegação, a

sujeição aos riscos inerentes ao cumprimento das missões militares, a permanente

disponibilidade para lutar em defesa da Pátria (se necessário com o sacrifício da própria

vida), a obediência pronta, a eficiência operacional e a eficácia em combate – fim

último para o qual estão vocacionadas.

A restrição dos direitos fundamentais dos militares fundamenta-se, assim, na

protecção dos interesses constitucionalmente protegidos, ancorados na necessidade de

assegurar a eficiência, a eficácia, a disciplina, a isenção e neutralidade políticas das

Forças Armadas, enquanto garantias (mínimas) do cumprimento das funções de defesa

nacional e de segurança dos cidadãos que lhes estão cometidas, pressupondo, assim, o

(possível) equilíbrio entre os direitos comprimidos e os fins institucionais e

constitucionais prosseguidos.

2.5. O APARTIDARISMO E A ISENÇÃO POLÍTICA EM

ESPECIAL

Em favor da defesa da República democrática e pluripartidária e, bem assim, da

Lei Fundamental é exigida a não pertença dos elementos das Forças Armadas a

qualquer partido, força ou movimento de natureza política (o apartidarismo), bem como

a sua neutralidade e imparcialidade relativamente a qualquer interesse partidário ou

território nacional ocupadas por forças estrangeiras e da colaboração das forças de segurança na execução

da política de defesa nacional, nos termos da lei (Vide, o nº 1 do Artigo 18º da LDNFA).

51

Cfr., os Artigos 273º da CRP e 1º, 4º, 5º, 17º e 18º da LDNFA.

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28

simpatia pessoal (a isenção política)52

. A relevância desta específica restrição afere-se

sobretudo pela habitual recondução à mesma do fundamento essencial das restrições ao

exercício de direitos expressamente previstas para os militares dos quadros permanentes

no Artigo 270º do texto constitucional vigente – e, como vimos, aplicáveis aos restantes

militares em efectividade de serviço, nos regimes de voluntariado e de contrato.

52

Os princípios do apartidarismo e da isenção política encontram-se expressamente consagrados

no n.º 4 do Artigo 275º da CRP, no Artigo 30º e no n.º 2 do Artigo 31º, ambos da LDNFA, na al. a),

Dever 13º do Artigo 4º do anterior RDM e na alínea i) do n.º 2 do Artigo 11º e no Artigo 20º, ambos do

novo RDM. Saliente-se, ainda, a proibição constitucionalmente estabelecida da existência de associações

armadas, do tipo militar, militarizadas ou paramilitares, de organizações racistas ou que perfilhem a

ideologia fascista (Vide o n.º 4 do Artigo 46º da CRP). No que ao direito de expressão se refere, os

militares em efectividade de serviço dos quadros permanentes e nos regimes de voluntariado e contrato

têm o “direito de proferir declarações pública sobre qualquer assunto, com a reserva própria do estatuto

da condição militar, desde que as mesmas não incidam sobre a condução da política de defesa nacional,

não ponham em risco a coesão e a disciplina das Forças Armadas nem desrespeitem o dever de isenção

política e sindical ou o apartidarismo dos seus elementos” (cfr. o n.º 1 do Artigo 31º-A da LDNFA). No

que respeita o direito de reunião, os referidos militares podem, “desde que trajem civilmente e sem

ostentação de qualquer símbolo das Forças Armadas, convocar ou participar em qualquer reunião

legalmente convocada que não tenha natureza político-partidária ou sindical”. Contudo, “poderão assistir

a reuniões legalmente convocadas com esta última natureza se não usarem da palavra nem exercerem

qualquer função no âmbito da preparação, organização, direcção ou condução dos trabalhos ou na

execução das deliberações tomadas” (cfr. os nºs 1 e 2 do Artigo 31º-B da LDNFA. Vide, ainda, o n.º 2 do

mesmo normativo, que estabelece que o exercício do direito de reunião não pode prejudicar o serviço,

nem a permanente disponibilidade do militar para com o mesmo, nem o direito ser exercido dentro das

U/E/O, bem como o já mencionado Dever 14º do Artigo 4º do RDM). No que toca ao direito de

manifestação, os mesmos militares, “desde que estejam desarmados e trajem civilmente sem ostentação

de qualquer símbolo nacional ou das Forças Armadas, têm o direito de participar em qualquer

manifestação legalmente convocada que não tenha natureza político-partidária ou sindical, desde que não

sejam postas em risco a coesão e a disciplina das Forças Armadas” (Vide o Artigo 31º-C da LDNFA).

Quanto à liberdade de associação, estes militares têm o “direito de constituir qualquer associação,

nomeadamente associações profissionais, excepto se as mesmas tiverem natureza política, partidária ou

sindical” (cfr. o n.º 1 do Artigo 31º-D da LDNFA), procurando-se, assim, evitar a politização da

actividade das associações compostas por militares. No que se refere ao direito de petição colectiva, os

mesmos militares “têm o direito de promover ou apresentar petições colectivas dirigidas aos órgãos de

soberania ou a quaisquer outras autoridades, desde que as mesmas não incidam sobre a condução da

política de defesa nacional, não ponham em risco a coesão e a disciplina das Forças Armadas nem

desrespeitem o dever de isenção política e sindical ou o apartidarismo dos seus elementos” (cfr. o Artigo

31º-E da LDNFA). Finalmente, no tocante à capacidade eleitoral passiva, ainda os militares em

efectividade de serviço dos quadros permanentes e nos regimes de voluntariado e contrato que, em tempo

de paz, pretendam concorrer a eleições para os órgãos de soberania, de governo próprio das Regiões

Autónomas e do poder local, bem como para deputado ao Parlamento Europeu, “devem, previamente à

apresentação da candidatura, requerer a concessão de uma licença especial, declarando a sua vontade de

ser candidato não inscrito em qualquer partido político. Esta licença especial cessa se o militar não for

eleito, determinando o regresso do mesmo à efectividade do serviço”. Na situação de eleição em que o

militar “exerça o respectivo mandato em regime de permanência e a tempo inteiro”, este pode requerer,

no prazo estabelecido, “a transição voluntária para a situação de reserva”. No entanto, a eleição de um

militar para um segundo mandato determina (automaticamente) esta transição. De igual modo, transita

(obrigatoriamente) para a reserva o militar eleito Presidente da República, salvo se o mesmo já se

encontrar nesta situação ou na reforma aquando da eleição (Vide os nºs 1, 4, 6, 8 e 10 do Artigo 31º-F da

LDNFA). A transição automática e obrigatória para a reserva tem como pressuposto o facto de o militar

seguramente não apresentar, nestas circunstâncias, o perfil de isenção política exigido para a integração

das fileiras das Forças Armadas.

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29

Assim, as restrições enunciadas no identificado preceito constitucional

encontram, nas palavras de JORGE BACELAR GOUVEIA53

, como “fio condutor, uma

restrição de ordem essencialmente política, visando conferir ao estatuto das forças

militares (…) uma neutralidade activa em face do poder político, impedindo-as assim de

tomar parte nas respectivas decisões, quer no momento da designação dos respectivos

titulares, quer no momento da formação da opinião pública”.

Ainda segundo J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA54

, o princípio

do apartidarismo é uma consequência do princípio da subordinação dos militares aos

interesses do povo português, cfr., o n.º 4 do Art. 275º da CRP, mas que tem a

virtualidade específica de justificar a restrição de alguns direitos aos militares , cfr., o

Artigo 270º da CRP. Para estes autores, o princípio da imparcialidade e da neutralidade

políticas impõe, além do apartidarismo, a apoliticidade dos militares enquanto tais,

proibindo-lhes de se aproveitarem da sua função, do seu posto ou da sua arma para

qualquer intervenção política.

Considera-se, assim, que a exigida imparcialidade das Forças Armadas evita que

as estruturas militares funcionem como instrumento de pressão política,

comprometedoras do livre desenvolvimento das instituições democráticas. Os militares

devem aceitar as escolhas políticas democraticamente feitas pelos cidadãos ou pelos

órgãos do poder político, ficando-lhes vedada a possibilidade de manifestar qualquer

preferência por qualquer ideologia em debate aquando do processo de decisão, bem

como de discordar da posição política vencedora55

. As Forças Armadas encontram-se,

nestes termos, legalmente subordinadas ao poder político, legitimamente constituído,

não o questionando na pressuposição da realização dos imperativos nacionais da Nação,

tratando-se, aqui, em suma, de verdadeiras garantias mínimas para a existência de umas

53

Regulação e Limites dos Direitos Fundamentais, in Separata do II Suplemento do Dicionário

Jurídico da Administração Pública, Lisboa, 2001, pág. 464.

54

Ainda segundo GOMES CANOTILHO, J. J. e VITAL MOREIRA, in Constituição da

República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pág. 963, o princípio do apartidarismo

é uma consequência do princípio da subordinação dos militares aos interesses do povo português, cfr., o

n.º 4 do Art. 275º da CRP, mas que tem a virtualidade específica de justificar a restrição de alguns direitos

aos militares , cfr., o Artigo 270º da CRP. Para os mesmos autores, o princípio da imparcialidade e da

neutralidade políticas impõe, além do apartidarismo, a apoliticidade dos militares enquanto tais,

proibindo-lhes de se aproveitarem da sua função, do seu posto ou da sua arma para qualquer intervenção

política.

55

A separação das funções militares das funções políticas evita, ademais, a duplicação de

esforços, a (inevitável) recíproca ingerência e, bem assim, uma eventual (e fatal) colisão.

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30

Forças Armadas eficazes e coesas, não fragmentadas pelas dissonâncias próprias

geradas naturalmente pela vivência política56

.

2.6. AS MANIFESTAÇÕES MILITARES: RESTROSPECTIVA

HISTÓRICA

Sem prejuízo do respeito pela Lei Fundamental e da necessária adaptação

normativa do modelo actual de prestação de serviço militar em eventual situação de

beligerância, umas Forças Armadas modernas exigem o abandono de velhos conceitos,

como a clássica subordinação absoluta do inferior ao superior hierárquico, o puro

princípio da disciplina e da organização militar e a ausência das garantias fundamentais

do cidadão em uniforme.

Os direitos de cidadania dos militares devem, pois, ser permanentemente

ajustados à democracia consolidada e à realidade das características do actual modelo de

serviço militar, baseado, em tempo de paz, no voluntariado. A democratização das

Forças Armadas é mesmo defendida por alguns autores57

, no sentido de serem

reconhecidos aos seus membros todos os direitos, liberdades e garantias, bem como os

direitos de natureza análoga, em plena igualdade com os outros cidadãos, apenas com os

limites compatíveis com a salvaguarda da defesa externa.

Sem se pretender defender aquilo que a prática poderia transformar num

incontornável excesso, temos vindo a assistir, de há cerca de quatro anos a esta parte,

através de notícias difundidas através dos meios de comunicação social, a várias

intervenções militares públicas, reveladoras de um (indisfarçado) mal-estar existente nas

Forças Armadas, proveniente, por um lado, do acesso jurisdicional ao direito por parte

de militares não conformados com a aplicação de penas disciplinares, reflexo

56

Saliente-se que o apartidarismo é exigido desde a formalização da candidatura à Academia

Militar, apresentando-se aos respectivos candidatos, muitos deles acabados de perfazer 18 anos de idade

e, bem assim, de conquistar o direito ao voto, um termo de responsabilidade onde os mesmos declaram

tomar conhecimento e aceitar as disposições legais neste âmbito aplicáveis e assumem desvincular-se de

qualquer compromisso político-partidário assumido do antecedente, com efeitos desde o respectivo

ingresso.

57

Vide, neste sentido, LIBERAL FERNANDES, Francisco, As Forças Armadas e a PSP perante

a Liberdade Sindical, Estudos em homenagem ao Prof. Doutor A. Ferrer Correia, Vol. III, Boletim da

Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra, 1991, pág. 921 ss.

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31

indubitável de uma crescente empertigação dos militares contra as respectivas Chefias

Militares (e, concomitantemente, destas Chefias relativamente aos mesmos militares e à

própria Magistratura) e, por outro, decorrente da “ameaçada” aplicabilidade das normas

do novo RDM aos militares na situação de reserva e de reforma fora da efectividade de

serviço.

2.6.1. ANO DE 2005

Assim, reportando-nos ao princípio do mês de Setembro do ano de 2005, a

presença de militares fardados em manifestações contra as alterações legislativas

empreendidas no tocante aos seus direitos, como a saúde58

e as condições de passagem à

reserva e reforma, convocadas pelas respectivas Associações Profissionais Militares

(APM)59

, onde foram proferidas palavras de ordem e slogans de protesto, bem como

proclamadas e relembradas as competências da “hierarquia civil”, tida pelos mesmos

como um verdadeiro contra-poder que, em última análise, protegeria os militares

inconformados contra o alegado autoritarismo ou abuso de poder por parte das Chefias

Militares, gerou um ambiente de desconfiança recíproca que naturalmente se acentuou

quando os dirigentes associativos, confrontados a posteriori com a instauração de

processos de averiguações pelo Ministério da Defesa Nacional, decidiram explicar, de

forma pouco convincente, que os militares fardados não estariam a manifestar-se, mas

num simples “encontro de camaradas”, a fim de se solidarizarem com os dirigentes das

Associações, então presentes em determinados locais.

58

O Decreto-Lei n.º 167/2005, de 23 de Setembro, unificou a assistência na doença aos militares

das Forças Armadas até então assegurada por três subsistemas de saúde específicos de cada um dos ramos

das Forças Armadas – a Assistência na Doença aos Militares da Armada, a Assistência na Doença aos

Militares da Força Aérea e a Assistência na Doença aos Militares do Exército, num único subsistema

sujeito a um regime paralelo ao da ADSE. Salvaguardando as especificidades da condição militar, esta

alteração contribui de forma decisiva para o anunciado objectivo de uniformização dos vários sistemas de

saúde públicos, ao mesmo tempo que permite uma melhor racionalização dos meios humanos e materiais

disponíveis.

59

Integram as APM a Associação de Militares na Reserva e Reforma (ASMIR), a Associação de

Oficiais das Forças Armadas (AOFA), a Associação Nacional de Sargentos (ANS) e a Associação de

Praças da Armada (APA). A nível europeu, as associações de militares dos diversos países europeus

criaram, em Setembro de 1972, a EUROMIL – European Organisation of Military Associations. A

EUROMIL apoia as liberdades, os direitos básicos e, em particular, os direitos de associação e reunião no

espaço europeu, competindo-lhe representar perante organizações supra-nacionais e outras autoridades, os

interesses das associações de militares. Tem estatuto consultivo no Conselho Europeu, sendo parceiro de

discussão no Parlamento Europeu, na NATO e na OIT.

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32

Veio, entretanto, a público, que o Governo Civil de Lisboa proibira nova

manifestação convocada pelas Associações representativas dos Oficiais, Sargentos e

Praças, referindo a sua conotação com a actividade sindical e o risco para a coesão e a

disciplina das Forças Armadas. Os dirigentes das Associações recorreram, assim, da

decisão para o Supremo Tribunal Administrativo (STA), que deu razão ao Governo

Civil na parte relativa à actividade sindical. Inconformados, os dirigentes associativos

adoptaram, desde então, uma postura de quase-desafio, prontamente sublinhada pela

comunicação social. Assim, ainda em Setembro do mesmo ano, três mulheres de

militares – de um Oficial, de um Sargento e de uma Praça – foram nomeadas em

reunião organizada pelos militares inconformados, a fim de agendarem uma

manifestação de protesto, cuja convocatória foi, efectivamente, considerada legal e, bem

assim, autorizada pelo Governo Civil. Porém, na sequência da realização, em 19 de

Setembro daquele ano, de uma conferência conjunta dos Ministros da Administração

Interna e da Defesa Nacional e da informação dos CEM dos ramos, no sentido da

salvaguarda da coesão e da disciplina das Forças Armadas, os militares na efectividade

de serviço foram proibidos de comparecer à mesma. Não sendo os (pelo menos

oficialmente) responsáveis pela organização da manifestação, as APM pronunciaram-se,

no entanto, a favor da motivação da acção empreendida, afirmando que os militares

fardados que ali se vieram a encontraram teriam sido vistos nos locais “onde dirigentes

associativos realizavam diligências”, encontravam-se apenas “de passagem” e estavam

fardados porque “regressavam do serviço”. Alegaram, ainda, a existência de

discriminação, uma vez que “estavam centenas” de militares presentes “e apenas cento e

sete” teriam sido identificados, sendo apenas vinte e dois militares sujeitos a

procedimento disciplinar, nenhum deles possuindo a categoria de Oficial.

Simultaneamente, surgiram novas formas de contestação, designadamente

através da distribuição anónima – pela então denominada “Comissão de Solidariedade”

– de um folheto apelando aos militares para que os mesmos permanecessem até às vinte

horas nas respectivas U/E/O. Paralelamente, as Associações organizavam (outras)

formas públicas de demonstração de “solidariedade” para com os camaradas

identificados.

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33

2.6.2. ANO DE 2006

No ano de 2006, ressurgiram os protestos dos militares. Em Novembro,

manteve-se a convocação de uma manifestação por uma Comissão constituída por

militares na reserva e no activo, apesar da proibição decretada pelo Governo Civil de

Lisboa, que se baseou num Parecer do Conselho dos Chefes de Estado-Maior. Neste

Parecer, o protesto é classificado de “ilegal e susceptível de afectar a coesão e a

disciplina das Forças Armadas”, acrescentando ser “uma forma de encobrir uma

manifestação de militares organizada por, pelo menos, uma das quatro associações

profissionais de militares, a ANS, torneando o impedimento legal não só da sua

convocação como do seu objecto”. Qualificando a decisão como “ilegal, injusta, sem

fundamento” e baseada num “processo de intenções” para proibir uma iniciativa que

não existiria porque tratar-se-ia tão-só de “um passeio e não uma manifestação, o líder

da comissão organizadora do passeio do descontentamento”, FERNANDES TORRES,

Oficial fora da efectividade de serviço, reiterou, no Rossio, o convite para os militares e

famílias se associarem ao protesto.

A propósito deste “passeio do descontentamento”, o Primeiro-Ministro

português, JOSÉ SÓCRATES, afirmou então: “As manifestações ilegais não devem

realizar-se em Portugal. Neste país, toda a gente tem o direito de se manifestar, desde

que o faça em respeito pela lei”. Por sua vez, a Governadora Civil, ADELAIDE

ROCHA, esclareceu não ter havido qualquer pedido para a realização do protesto que,

nas suas palavras, revestiria “também natureza sindical” e seria “apenas uma forma de

encobrir uma manifestação de militares, sustentando ainda que os promotores,

constituindo-se ou não em Comissão, estão obrigados a cumprir os requisitos legais de

informação ao Governo Civil”. Não obstante, em 23 de Novembro de 2006, centenas de

militares na reforma – e alguns no activo, acompanhados de familiares – passearam, em

Lisboa, em efectivo protesto contra os cortes orçamentais na área da Defesa. Segundo

os elementos oportunamente fornecidos pela ANS aos meios de comunicação social,

pelo menos vinte militares – dez da Força Aérea, nove da Marinha e um do Exército –

teriam processos pendentes por terem participado no célebre “passeio do

descontentamento”.

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34

2.6.3. ANO DE 2007

Já em 2007, dez Sargentos da Força Aérea foram condenados a cumprir entre

cinco e sete dias de detenção por terem participado no referido protesto. Numa nota

enviada à imprensa, a ANS referia: “hoje ficaram concluídos os processos disciplinares

instaurados a dez sargentos da Força Aérea, na sequência do passeio do nosso

descontentamento”. Acrescentava o documento que “nove militares vão cumprir, a

partir de quarta-feira, nas respectivas unidades, cinco dias de detenção, enquanto que o

vice-presidente da ANS, José Pereira, cumprirá sete dias” por contestação pública das

ordens da chefia numa vigília. Ainda segundo a ANS, o Presidente desta Associação,

LIMA COELHO, “foi punido com cinco dias de detenção”.

Na sequência das referidas condenações, os Advogados da ANS apresentaram

uma providência cautelar no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, com o

objectivo de suspender a eficácia das punições decididas pelo Comandante do Comando

Operacional da Força Aérea, o Tenente-General CRUZ, apresentando simultaneamente

uma reclamação, nesse Comando, contra a pena disciplinar aplicada aos dez Sargentos

participantes do passeio. EMANUEL PAMPLONA, Advogado da ANS, afirmou então

que a providência cautelar tivera por base as dúvidas de constitucionalidade em relação

à pena aplicada, uma vez estarem “em causa direitos, liberdades e garantias dos

militares punidos”, sustentando ainda que naquele passeio não fora colocada em causa a

hierarquia militar nem se tratara de qualquer manifestação política. Denunciando a

existência de um alegado “clima de perseguição”, declarou que “apenas se colocaram

em causa condições sócio-profissionais e nunca de ordem política ou militar”.

Em 18 de Fevereiro de 2007, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra

decidiu a suspensão imediata da pena disciplinar de detenção imposta pela Força Aérea

ao Sargento JOSÉ AGOSTINHO. Depois de o Oficial de Dia no Comando Operacional

da Força Aérea, em Monsanto, ter sido informado da decisão judicial, terá procedido à

imediata libertação do identificado militar. A posteriori, o mesmo Tribunal confirmou a

suspensão da punição dos restantes Sargentos, depois de ouvidos o EMGFA, o

Ministério da Defesa Nacional e os representantes dos Sargentos.

Em 14 de Março do mesmo ano, um Sargento-Chefe da Marinha,

DIAMANTINO GOUVEIA, terá sido notificado pelo Director do Hospital Militar da

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Armada, em Lisboa, que iria, de imediato, começar a cumprir uma pena de detenção de

cinco dias por (igualmente) ter participado no “passeio do descontentamento”. Segundo

FERNANDO FREIRE, (outro) Advogado da ANS, na nota de culpa, o referido

Sargento fora acusado por violação dos deveres militares ao participar, fardado, numa

“manifestação atentatória da disciplina militar”. Mais uma vez, a ANS recorreu aos

tribunais administrativos, apresentando nova providência cautelar, desta vez, no

Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada. Para os Advogados da ANS, “todos os

militares têm o direito de aguardar, em liberdade, a decisão do recurso da punição

interposto à hierarquia militar”, o que, in casu, veio a suceder. Efectivamente e à

semelhança do ocorrido em Fevereiro com os dez militares da Força Aérea, o Tribunal

Administrativo e Fiscal de Almada suspendeu, em 15 de Março de 2007, a pena de

detenção aplicada ao referido Sargento-Chefe. Segundo os últimos dados tornados

públicos referentes à intervenção militar de 23 de Novembro de 2006, este terá sido o

11º Sargento a quem os tribunais suspenderam a aplicação de uma punição disciplinar

militar.

Já no mês de Novembro de 2007, FERNANDO TORRES denunciava, por sua

vez, a alegada pressão sofrida pelos militares no sentido de os mesmos não

comparecerem ao novo encontro agendado para o dia 22 daquele mês, no final da tarde,

no Rossio, ao qual denominaram “Encontro pela Justiça e pela Lei”, contra o RDM

vigente.

2.6.4. ANO DE 2008

Desde 20 de Outubro de 2008, foram surgindo novas aparições públicas de

militares, munidos do comummente designado caderno reivindicativo, dado o

descontentamento manifestado contra a política da saúde, contra a decrescente

retribuição média dos últimos anos dos militares face ao nível dos vencimentos das

profissões equiparadas (juízes, diplomatas e professores universitários)60

e contra o não

pagamento das pensões devidas aos reformados.

60

Já no Comunicado Nacional, de 21 de Setembro de 2005, da AOFA, intitulado As razões da

insatisfação, afirmava-se que “os militares foram os que menos contribuíram para o défice, os que mais

se sacrificaram para o evitar e aqueles que foram mais desconsiderados no reconhecimento e na justa

compensação do serviço prestado ao Estado e à República. Hoje, um Coronel tem o mesmo poder de

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36

No tocante à reconhecida relação controvertida entre a hierarquia militar e a

magistratura, as Chefias Militares têm observado, com franca apreensão, a crescente

intervenção dos tribunais na justiça e disciplina militares, sobretudo desde o trânsito em

julgado das decisões judiciais oportunamente proferidas pelos Tribunais

Administrativos e Fiscais no sentido da suspensão da aplicação de penas disciplinares

impostas a militares na sequência da instauração de processos disciplinares, que

atingiram as Forças Armadas em pleno no mundo à parte que pensavam ter e

ambicionam para si, exigindo, então, a breve resolução do designado assunto de Estado.

Fontes militares apontavam para “uma contradição ou disfunção entre o Regulamento

da Disciplina Militar e a Justiça”, acrescentavam que “não há ninguém investido de

comando que não possa impor a sua ordem” e avisaram: “a disciplina é o pilar da

estrutura militar e a capacidade da hierarquia cumprir e fazer cumprir as leis e ordens

com celeridade e carácter objectivo foi posta em causa”.

No mesmo sentido, LOUREIRO DOS SANTOS concluiu que a Justiça colocou

em causa a disciplina militar. A disciplina é, conforme expressou em crónica, “o factor

básico para que as Forças Armadas (FA) se enquadrem e ajam eficazmente, apenas em

função da vontade dos seus cidadãos, expressa nas decisões dos órgãos políticos

legítimos”. E alertou: “A História mostra que, sem disciplina, as FA perdem eficiência,

desagregam-se, fomentam a instabilidade e desprestigiam a nação a que pertencem. Em

vez de constituírem o escudo de defesa do país – única razão de existirem – são uma

ameaça que coloca os cidadãos em perigo. Transformam-se num bando e deixam de ser

o bastião da segurança da Pátria e a sua reserva de soberania”. Para este General,

confrontarmo-nos “com três aspectos, todos extremamente preocupantes, que podem

colocar em causa a disciplina militar: o incumprimento de certa legislação que afecta os

militares, procedimentos de recurso no âmbito disciplinar que minam a cadeia de

comando, e interferências de alguns dirigentes de associações militares em questões de

disciplina”61

.

compra que nos anos 80 tinha um Major. Os militares perderam em comparação consigo próprios, mas

com os outros corpos especiais a situação é ainda mais devastadora: Com base em estimativas que

efectuámos, só para compensar a insenção de horário, atendendo aos serviços efectivamente prestados,

seria necessário extra de cerca de 50% do vencimento e para sermos colocados ao nível dos magistrados

tornava-se indispensável um aumento de cerca de 100%”.

61

Parte do associativismo militar desafia claramente as chefias militares, acenando trunfos que

funcionam como rastilhos, minando toda a cadeia de comando. Veja-se, por exemplo, o Comunicado, de

4 de Novembro de 2005, das Associações Militares, sob o título “Das medidas disciplinares e de quem

deve ser acusado”, onde foi dirigida “Uma palavra final de profunda solidariedade para com os camaradas

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No programa Prós e Contras, da RTP, LOUREIRO DOS SANTOS reafirmou a

importância da disciplina enquanto cerne não só do Estatuto Militar, como do

funcionamento das próprias Forças Armadas, sem a qual estas, em vez de garantes da

soberania, “se podem transformar numa ameaça”, posição reforçada pelo General

ESPÍRITO SANTO: “Teríamos o campo aberto para novas carbonárias”.

Relativamente ao associativismo militar, relutantemente visto pelas Chefias

Militares por temerem a sua efectiva intromissão em áreas de comando, o General

GARCIA LEANDRO aponta para “um choque de legitimidades entre o Chefe,

nomeado pelo Presidente da República e os dirigentes associativos, que são eleitos”. Já

o Professor da Academia Militar e actual Director do Instituto da Defesa Nacional

ANTÓNIO JOSÉ TELO comentou ao Semanário Expresso que “A partir do momento

em que o associativismo choca com a disciplina, o RDM sobrepõe-se”.

Aquando da apresentação dos objectivos do seu mandato numa reunião na

comissão parlamentar de Defesa, o Chefe do Estado-Maior da Força Aérea (CEMFA),

General LUÍS ARAÚJO, face às decisões de tribunais que suspendem as penas

disciplinares a militares, defendeu “uma harmonização entre a justiça e a disciplina

militar, sublinhando que “se existe alguma incompatibilidade em termos processuais,

isso tem que ser compatibilizado”. Questionado pelos jornalistas, acrescentou que

“devem ser os Órgãos do Estado a resolver essa incompatibilidade”. Quanto à situação

dos dez Sargentos da Força Aérea punidos no quadro do “passeio do

descontentamento”, o General afirmou tão-só que a Força Aérea cumpriu a Lei e a

decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra.

Mais polémicas foram as suas declarações aquando do 39º Aniversário do

Museu do Ar, em Sintra. Segundo o Diário de Notícias, afirmou que “Não há juízes

civis no campo de batalha”, acrescentando que “a acção de comando das chefias

militares exige autoridade”.

alvo da deriva autoritária, repressiva e anti-associativa em curso e a garantia de que, face aos

desenvolvimentos que se verificarem na sua situação, os militares que representamos lhes darão a

resposta adequada, no pressuposto de que não pode ser aceite a acção disciplinar como instrumento

relativamente à actividade associativa sócio-profissional”. Em Comunicado n.º 04/2007, de 15 de

Fevereiro de 2007, a direcção da ANS, inclusivamente afirmava: “Estamos conscientes do papel do

associativismo, ocupando o espaço que o poder político retirou aos chefes militares impedindo-os de

exercer o Dever de Tutela com eficácia e remetendo-os para o papel de amortecedor de tensões entre os

Governos, que reiteradamente não cumprem 40 diplomas legais, acumulando por via desse

incumprimento uma dívida que já ascende a mais de mil milhões de euros, e os militares credores do

Estado”.

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38

Segundo adiantou ao Jornal de Notícias o Magistrado do Supremo Tribunal de

Justiça ANTÓNIO BERNARDO COLAÇO, tais declarações “atingem a credibilidade

da Justiça e não são consentâneas com o posto e cargo desempenhados. Se essas

palavras fossem proferidas por um cidadão comum ainda se percebia, mas quem as

disse foi o Chefe de Estado-Maior da Força Aérea. É uma das mais altas patentes das

chefias militares”. Para o Magistrado, as palavras deste General “ofendem os valores de

Justiça, os fundamentos do Estado de Direito Democrático”, salientando que “não se

inserem no espírito da Constituição da República”.

Em declarações à Agência Lusa, o Chefe do Estado-Maior do Exército (CEME),

General PINTO RAMALHO, o segundo Chefe militar a manifestar-se publicamente,

afirmou igualmente a sua “extrema preocupação pelos acontecimentos”, revelando a

análise do problema pelo Conselho dos Chefes. Para o General, “os militares não podem

pôr em causa a acção de comando” e, por isso, “a questão da disciplina militar tem que

ser analisada”.

Posteriormente, o Chefe de Estado-Maior da Armada (CEMA), Almirante

MELO GOMES, afirmava mesmo que bastaria “consultar o direito comparado” para se

chegar à solução de “pagar indemnizações” em vez de aceitar as decisões dos tribunais,

admitindo-se, assim, a possibilidade de as Chefias Militares não cumprirem decisões

judiciais e, bem assim, incorrerem em crime de desobediência.

Conhecidas as fragilidades, foi dado conhecimento das correspondentes

preocupações das Chefias Militares ao então Ministro da Defesa, SEVERIANO

TEIXEIRA que, por sua vez, conhecida a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal

de Sintra no sentido da suspensão da pena de detenção aos Sargentos punidos pela Força

Aérea, revelou equacionar-se “a alteração do RDM” a fim de evitar que os tribunais

administrativos interferissem na justiça militar.

A manifestada intenção de alteração do RDM no sentido de impedir que os

tribunais interfiram nas decisões das chefias militares relançou, assim, a polémica,

iniciando-se uma guerra declarada entre os poderes militar, judicial e político.

Militares, juízes e partidos da oposição pronunciaram-se, pois, de imediato, contra a

intenção do Governo de travar o acesso dos militares aos tribunais.

O presidente da ANS, LIMA COELHO, afirmou ao Correio da Manhã ser esta

“mais uma tentativa de calar todas as vozes discordantes das políticas cegas do

Governo”.

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O Magistrado ANTÓNIO MARTINS, da Associação Sindical dos Juízes

Portugueses (ASJP), declarou à Agência Lusa que “Quando estão em causa matérias

referentes a direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, os tribunais independentes são

a melhor forma de garantir que as matérias são apreciadas de forma isenta e imparcial”,

relembrando, ainda, a extinção dos tribunais militares em 1997, pelo que a manter-se a

decisão do Ministro, “seria um enorme retrocesso”.

Por sua vez, os partidos da oposição foram unânimes nas críticas ao Governo.

ANTÓNIO FILIPE, do PCP, disse ao Correio da Manhã que “há direitos que têm de ser

respeitados e a disciplina militar não está acima deles”. HENRIQUE DE FREITAS, do

PSD, classificou a decisão do Ministro de “excessiva”, alertando para a necessidade de

acautelar os direitos e garantias. O democrata-cristão JOÃO REBELO defendeu que a

solução para a tensão nas Forças Armadas passaria apenas pela criação de um estatuto

do dirigente associativo, uma vez que a legislação vigente seria “dúbia”. FERNANDO

ROSAS, do BE, afirmou mesmo que “os militares têm sido abusivamente perseguidos”.

Aquando da visita do Presidente da República, CAVACO SILVA, em 2 de Maio

de 2008, ao Instituto de Estudos Superiores Militares (IESM), questionado pelos

jornalistas sobre a questão da disciplina militar, afirmou perante as câmaras da SIC

Notícias a importância de um “consenso alargado entre os órgãos de soberania e as

forças políticas”, referindo a existência, de uma proposta de lei discutida no Conselho

Superior de Defesa Nacional (CSDN), respeitante aos direitos, liberdades e garantias

consagrados na Constituição, que “dá resposta àquilo que as Forças Armadas

consideram ser necessário para o exercício das suas funções”, classificando as mesmas

como “um pilar do Estado Democrático”, palavras cujo alcance veio a ser descortinado

no dia seguinte.

Efectivamente, em 3 de Maio, o Conselho de Ministros aprovou, na

generalidade, um Decreto-Lei que define o estatuto dos dirigentes das APM das Forças

Armadas, determinando as situações de incompatibilidade e os direitos e deveres dos

militares cuja actividade associativa se deve desenvolver sem prejuízo para o serviço e

no cumprimento dos deveres inerentes à condição militar, com as restrições e os

condicionalismos previstos na CRP e na LDNFA62

, aprovando, na mesma data, uma

62

A consagração de associações apenas de âmbito deontológico surgiu na Lei n.º 29/82, de 11 de

Dezembro (LDNFA). No início dos anos 90, deu-se o afastamento progressivo das remunerações dos

militares em relação às das categorias profissionais que constituem tradicionalmente as suas referências.

Face ao descontentamento dos militares, foram cruciais as declarações públicas do então CEMGFA, o

General SOARES CARNEIRO, afirmando que não era delegado sindical, pelo que as associações se

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Proposta de Lei no sentido de compatibilizar os valores constitucionalmente

consagrados – os direitos, liberdades e garantias dos militares por um lado e, por outro,

os valores próprios da disciplina militar. Para tal, criou-se um regime específico de

recurso em matéria de disciplina militar, sem no entanto vedar aos militares as vias

gerais de impugnação dos actos administrativos. Simultaneamente, eliminou-se a

possibilidade de suspensão automática ou semi-automática dos actos administrativos

em matéria de disciplina militar, podendo ainda os actos ser suspensos (apenas) quando

se verifiquem os critérios especiais de decisão estabelecidos.

Releva, por último, a questão, mais recente, da intencionada aplicabilidade das

normas do RDM aos militares fora da efectividade de serviço (reserva e reforma)63

,

cujas manifestações de indignação se fizeram ouvir, sem prejuízo dos designados

desmentidos formulados pelos detentores do poder político64

.

viram na contingência de alargar o seu âmbito de actuação para as questões sócio-profissionais. Com a

alteração da LDNFA pela Lei nº 18/95, de 13 de Julho, modificou-se o processo de indigitação e

nomeação dos Chefes Militares, pelo que uma vez passando estes a ser exclusivamente escolhidos pelo

poder político, sem interferência das Forças Armadas, os militares passaram a carecer de quem

representasse os seus interesses, sem prejuízo do dever de tutela estabelecido no Artigo 11º do EMFAR,

que estabelece constituir dever do militar “zelar pelos interesses dos seus subordinados e dar

conhecimento, através da via hierárquica, dos problemas de que tenha conhecimento e àqueles digam

respeito”. Assim, no Artigo 4º da Lei Orgânica n.º 3/2001, de 29 de Agosto, estabeleceu-se que o

“estatuto dos dirigentes associativos é aprovado pelo Governo mediante Decreto-Lei” e, através da Lei

Orgânica n.º 4/2001,de 30 de Agosto, foi alterado o Artigo 31º da LDNFA, onde se consagrou o direito

dos militares constituírem “qualquer associação, nomeadamente associações profissionais”,

acrescentando que o “exercício do direito de associação profissional é regulado em lei própria”. Surge,

então, passados estes anos, o novo regime jurídico dos dirigentes associativos das associações

profissionais militares, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 295/2007, de 22 de Agosto. Estes encontram-se,

doravante, impedidos de exercer cargos de comando ou direcção das Forças Armadas (cfr. o Artigo 4º

deste diploma legal, questionando-se, aqui, a violação do princípio da igualdade de oportunidades por o

mesmo configurar uma limitação da progressão na carreira dos dirigentes associativos), prevendo-se,

ainda, as respectivas dispensas de serviço para o exercício da sua actividade (Vide os Artigos 7º e 8º do

mesmo diploma).

63

Nos termos do Artigo 161º do EMFAR, sendo declarado o estado de sítio ou a guerra, o militar

na situação de reforma pode ser chamado a prestar serviço efectivo compatível com o seu posto, aptidões

e estado físico e psíquico. Já a prestação de serviço efectivo por militares na reserva processa-se por

decisão do CEM do ramo para o desempenho de cargos ou o exercício de funções militares, por

convocação do CEM do ramo para participação em treinos ou exercícios ou, por último, a requerimento

do próprio mediante despacho favorável do CEM do ramo. O militar na situação de reserva na

efectividade de serviço desempenha cargos ou funções inerentes ao seu posto compatíveis com o seu

estado físico e psíquico, não lhe podendo, em regra, ser cometidas funções de comando e direcção (Cfr.,

os nºs 1 e 2 do Artigo 155º do EMFAR).

64

No final de uma intervenção no Instituto de Defesa Nacional, o então Ministro da Defesa

declarou aos jornalistas querer “desfazer equívocos: não está, não esteve, nem nunca estará em causa tal

limitação. Há deveres que permanecem ao longo de toda a vida dos militares, mas não o que se refere à

sua liberdade de expressão”. Também o então Secretário de Estado da Defesa, JOÃO MIRA GOMES,

afirmou à Lusa que o designado “ante-projecto do RDM trabalhado no MDN com as chefias militares e a

colaboração do Ministério da Justiça”, enviado às APM para a obtenção do seu parecer, “não é mais

restritivo” do que o que está actualmente em vigor, antes “é mais clarificador”, defendendo ainda não

existir nenhuma intenção do Ministério da Defesa de limitar os direitos dos militares constitucionalmente

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Esta questão teve a sua génese na instauração, inédita, de um processo

disciplinar pela Força Aérea Portuguesa a um Coronel reformado do ramo, LUÍS

FRAGA, autor do blogue Fio de Prumo por, em 12 de Fevereiro de 2008, o mesmo ter

aí criticado as longas filas de espera de militares reformados que aguardam a marcação

das respectivas consultas na entrada do Hospital da Força Aérea, responsabilizando as

Chefias da Força Aérea por tal “estado de coisas – As chefias responsáveis65

(…) – já

deviam ter tomado medidas contra tal estado de coisas”, questionando se não “serão os

Serviços do Estado-Maior da Força Aérea competentes para estudarem e resolverem o

problema da marcação das consultas do Hospital”. O Coronel afirmou, ainda, que “A

atitude das chefias (actuais) é diferente, porque não tendo coragem ou, tendo-a, não

quererem dar dela público manifesto, dando, assim, mostras de uma subserviência ao

poder político que envergonha a tropa que comandam” – parênteses nosso. A nota de

culpa que lhe foi entregue sustentou que tais afirmações violaram o RDM por ferirem a

dignidade, a honra e o bom nome das chefias da Força Aérea Portuguesa e, em

particular, do seu CEM, eram atentatórias da coesão e disciplina na Força Aérea e

denotavam, ainda, falta de respeito pelos respectivos Generais e pelos cargos ocupados

pelos mesmos.

Tratou-se, assim, do primeiro processo disciplinar instaurado contra um militar

fora da efectividade de serviço, ao qual se não aplicam, como afirmou então o seu

defensor, EMANUEL PAMPLONA, “as restrições constitucionais relativas à liberdade

de expressão”66

.

Nas semanas que se seguiram, numa manifestação nada habitual nas altas

hierarquias militares, por norma moderadas e conciliadoras, vários Generais, como

LOUREIRO DOS SANTOS, MARTINS BARRENTO e GARCIA LEANDRO

dirigiram duras críticas aos vícios do sistema político, à crise económica e social, às

assimetrias na distribuição do rendimento, à perda de soberania nacional, ao Governo, à

consagrados, “excepto aqueles que voluntariamente abdicam quando abraçam a vida militar”.

Questionado sobre o processo instaurado ao Coronel reformado, disse não o conhecer, “até porque as

chefias militares detêm a competência exclusiva disciplinar”, acentuando ainda que “a iniciativa em curso

(reforma na disciplina militar) não se guia por “timings” no âmbito das acções disciplinares dos chefes

militar” – parênteses nosso.

65

O mesmo Coronel veio a identificar as “chefias responsáveis” em artigo (post) posterior como

sendo o “Director do Hospital, o Comandante da Base do Lumiar, o Director do Serviço de Saúde, o

Comandante do Pessoal da Força Aérea e o CEMFA”.

66

Note-se que este processo viria a ser arquivado por Despacho do CEMFA.

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política de defesa, à violação de compromissos do executivo para com os militares,

insurgindo-se, por fim, em bloco, contra a intencionada alteração do Artigo 5º do RDM,

que estabelece a quem incumbe cumprir os deveres militares (âmbito subjectivo)67

.

LOUREIRO DOS SANTOS, que saliente-se, já desempenhou o cargo de

Ministro da Defesa Nacional dos IV (MOTA PINTO) e V (LOURDES PINTASSILGO)

Governos Constitucionais68

, considerou tal alteração inconstitucional face ao Artigo

270º da CRP, que reserva a restrição dos direitos fundamentais aos militares em

efectividade de serviço. Afirmou que os militares reformados “são cidadãos iguais aos

outros, com os mesmos direitos e os mesmos deveres e acrescenta se os militares

reformados, por exemplo, insultarem a bandeira, há os tribunais civis para se

pronunciarem”.

MARTINS BARRENTO, antigo CEME e co-autor de textos críticos sobre as

políticas do sector publicados pela Revista Militar, disse ser “muito estranho” alargar a

restrição da liberdade de expressão aos militares reformados e reservistas, salientando a

muitas vezes apontada “pouca sensibilidade para os assuntos militares”.

Já GARCIA LEANDRO, ex-Governador de Macau e ex-Presidente do

Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo (OSCOT)69

,

avisava “não vou deixar de me pronunciar mesmo que a alteração seja aprovada porque

antes de ser um oficial militar sou um cidadão”, afirmando, ainda, não conhecer “países

no mundo onde Oficiais aposentados e com uma longa carreira de serviço à Nação e ao

Estado não possam transmitir as suas opiniões”. Levantou, no entanto, a possibilidade

de se tratar de um mero sinal condicionador do Governo, ou seja, uma possível

“operação de dissuasão”.

Alerta, a comunicação social afirmava “o Governo parece ter decidido calar-lhes

a boca com uma lei da rolha para os militares reformados, querendo aplicar-lhes o dever

67

Relevam ainda muitas outras entidades, como os Generais ESPÍRITO SANTO (antigo CEME

e CEMGFA), SILVA CARDOSO (Alto Comissário em Angola, depois de ter integrado a Junta

Governativa logo após o 25 de Abril), ROCHA VIEIRA (antigo Governador de Macau, Ex-Director do

Instituto dos Altos Estudos Militares – IASFA, actual Instituto dos Estudos Superiores Militares – IESM

e antigo CEME), SILVESTRE SANTOS (da Força Aérea Portuguesa), o Vice-Almirante REIS

RODRIGUES e o Coronel VASCO LOURENÇO (figura de proa do movimento do Capitães e actual

Presidente da Associação 25 de Abril), que se têm vindo a pronunciar no sentido apontado, pelo que por

este motivo se omite a menção dos demais.

68

LOUREIRO DOS SANTOS ostenta ainda no seu curriculum a chefia do Estado-Maior do

Exército e a direcção do IASFA, actual IESM.

69

GARCIA LEANDRO foi também vice-chefe do Estado-Maior do Exército e Director do

IASFA, actual IESM.

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de reserva que só abrangia militares no activo” – leia-se, em serviço efectivo. Perante tal

cenário, perspectivar-se-ia a ameaça das próprias opiniões políticas de carácter geral e a

eliminação das possíveis chamadas de atenção para “situações que não estão a funcionar

bem nas Forças Armadas e no País”, referindo-se LOUREIRO DOS SANTOS a uma

“espécie de válvula de escape”, o que, a acontecer, nos colocaria, nas palavras do

mesmo General, “perante uma situação de Estado policial”70

.

2.6.5. ANO DE 2009

Depois de trinta anos de antiguidade do diploma legal que sustenta a disciplina

das Forças Armadas e, bem assim, a (in)segurança do Estado, surgiram finalmente os

ventos decisivos da tão aguardada reforma da disciplina militar.

Com efeito, a partir do mês de Abril de 2008, as APM divulgavam através dos

meios de comunicação social e nos respectivos sites da internet terem-lhes sido

solicitados, pelo Ministro da Defesa Nacional, os respectivos contributos relativamente

a um anteprojecto legislativo. E já em 11 de Dezembro de 2008, fez-se pública a

aprovação, pelo Conselho de Ministros, de uma proposta de Lei que aprova o novo

RDM.

Afirmou-se então que esta Proposta, a submeter à aprovação da Assembleia da

Republica, vinha estabelecer “os valores militares fundamentais, as finalidades, o

sentido e o conteúdo da disciplina militar, bem como o âmbito da sua aplicação,

70

Relativamente às críticas dos Generais sobre o défice de democracia e liberdade no País, é

pertinente atendermos à análise feita por três politólogos, a pedido do Semanário. Assim, ANTÓNIO

COSTA PINTO não crê haver défice de liberdade. Afirma tratarem-se (antes) de “declarações que

remetem para uma conjuntura particular. As Forças Armadas deram um grande salto na

profissionalização e na sua retirada da esfera política. Por vezes alguma regulamentação pode ser

limitadora da liberdade de expressão dos militares, mas a retirada dos militares da esfera política deve ser

a norma”. Por sua vez, JOAQUIM AGUIAR defende que os militares “são apenas os menos iludidos dos

actuais grupos corporativos mas que, por terem estado na origem do regime democrático, estão em

melhores condições para identificar e interpretar a fantasia em que os responsáveis políticos mergulharam

Portugal. Não têm um projecto político, mas têm um sentido da honra que outros já perderam”. Já

ADELINO MALTEZ opina no sentido de “parecer que algumas declarações dos militares vão além da

mera autodefesa corporativa, tendo algo de recado dos pais fundadores do regime face à presente

decadência de um sistema que vai amarfanhando o próprio regime. Mais grave parece ser a intenção

governamental de lei da rolha, num processo de compressão da liberdade de expressão que também afecta

certas secções universitárias, onde alguns conselhos directivos e certas inspecções parecem reduzir

instituições marcadas pela honra e pela inteligência a dependerem de discursos oficiosos da hierarquia

verticalista de certo estilo “decretino” e quase hierocrático”.

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adequando a Disciplina Militar às mudanças ocorridas nas Forças Armadas em

particular e na sociedade em geral nas últimas três décadas”.

Declarando a impressão de “elementos de evolução e modernidade”, com a

salvaguarda da coerência com o núcleo valorativo essencial da disciplina militar, teriam

norteado a revisão do RDM “três grandes objectivos”: “A actualização e concretização

objectiva dos deveres militares, procedendo-se a uma definição clara dos deveres

especiais dos militares, a par da clarificação de quais se aplicam fora da efectividade de

serviço, como seja o dever de disponibilidade, próprio dessa situação, ou o dever de

aprumo”; “A eliminação das penas tidas como excessivas no actual contexto, como a

pena de reserva compulsiva e a pena de prisão disciplinar agravada, bem como a

introdução de novas penas, decorrente do serviço militar ser hoje prestado também por

militares em regime de voluntariado e contrato; e “A consagração plena do princípio da

igualdade, face à Lei e à Disciplina, de todos os militares, independentemente do

respectivo posto, pelo desaparecimento da estratificação das penas em função da

categoria dos militares (oficiais, sargentos e praças) ”.

Em 10 de Fevereiro de 2009, uma delegação da direcção da AOFA constituída

pelo seu Presidente, Vice-Presidente, Secretário-Geral, Secretário e Assessor Jurídico

foi recebida em audiência pela Comissão de Defesa Nacional, no decurso da qual as

diversas forças políticas teriam alegadamente demonstrado “abertura em melhorar a

Proposta de Lei”.

Paralelamente, GUILHERME DA FONSECA, Juiz-Conselheiro jubilado do

Tribunal Constitucional, ANTÓNIO BERNARDO COLAÇO, já identificado supra,

JOÃO MORGADO ALVES, Procurador-Geral-Adjunto jubilado e FERNANDO

FREIRE, Advogado da ANS, subscreveram aquilo que designaram uma carta, que

dirigiram ao presidente da Comissão Parlamentar de Defesa, MIRANDA CALHA, no

sentido de lhe transmitirem a sua “grave preocupação” com o articulado da proposta

governamental sobre o RDM, defendendo que esta “confunde disciplina com castigo”.

Para estes autores, o legislador revela ter “uma noção restrita de Disciplina, deixando

para trás a tradição militar de entender esta como o voluntário exercício da coesão dos

corpos militares, aos fins comuns e constitucionais, com base na motivação pelo

exemplo das chefias, a correcta e ponderada aplicação das sanções e a salutar exigência

do mútuo respeito e lealdade entre quem manda e quem obedece”.

Sem prejuízo das críticas até então tecidas, através da Lei Orgânica n.º 2/2009,

de 22 de Julho, publicada na mesma data no Diário da República, foi finalmente

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aprovado o novo RDM, com a ressalva da aplicação do RDM aprovado pelo Decreto-

Lei n.º 142/77, de 9 de Abril, aos processos em curso.

Indubitável é que o poder de comando se encontra ferido. As Chefias Militares

estão receosas porque o edifício hierárquico, construído sobre pilares tradicionais,

ameaça ruir. … Surpreende-nos, assim, a pertinência do alerta formulado há cerca de

dez anos e agora transportado para esta sede, de LOUREIRO DOS SANTOS71

“em

democracia, as Forças Armadas não devem ser um instrumento a ser manipulado a favor

de interesses ilegítimos pelo poder, nem uma ameaça que constranja a sua actuação

independente (…) e que o ameace. Contudo, isto não é compaginável com uma

menorização dos militares, não lhes reconhecendo direitos compatíveis com a

democracia que, naturalmente, neste regime, só são admissíveis num quadro de

limitações e restrições severo, que os militares, aliás, compreendem e aceitam”.

Gera-se, assim, uma espécie de inquietação ou instabilidade sempre que a

legitimidade de quem exerce o poder não se revela pacífica. As (ainda controladas)

intervenções militares são, assim, o lado visível do mal-estar interno existente no seio

das Forças Armadas, cuja responsabilidade se deve colher nas fragilidades emanadas do

poder político. Como afirma SAMUEL P. HUNTINGTON72

, “As explicações de ordem

militar simplesmente não explicam as intervenções militares. O facto é que elas são

apenas uma manifestação de um fenómeno mais amplo (…): a politização geral das

forças sociais (…). A sociedade toda está fora de compasso, não apenas as forças

militares (…). Essas causas (das intervenções militares na política), não serão

encontradas na natureza do grupo mas sim na natureza da sociedade e estão

especificamente na ausência ou na fragilidade de instituições políticas efectivas (…)”.

Ora considerando que o processo disciplinar se nos apresenta como o elemento

decisivo da consolidação da necessária disciplina de um Corpo de Tropas, analisemos,

assim, a edificação jurídica anterior da disciplina militar, bem como a designada

“revisão”, atentos os sempre oportunos ensinamentos de MANUEL DE ANDRADE e

DIAS MARQUES relativamente à interpretação da lei73

.

71

Reflexões sobre Estratégia – Temas de Segurança e Defesa, Instituto de Altos Estudos

Militares, Publicações Europa-América, 2000, pág. 193 ss.

72

A Ordem Política nas Sociedades em Mudança, Ed. Universidade de S. Paulo, Rio de Janeiro,

1975, pág. 206.

73

Como acentuou MANUEL DE ANDRADE, in Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das

Leis, 4ª Edição, Arménio Amado, Coimbra, 1997, “o escopo final a que converge todo o processo

interpretativo é o de pôr a claro o verdadeiro sentido e alcance da lei; interpretar, em matéria de leis, quer

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CAPÍTULO III - A DISCIPLINAR MILITAR

3.1. O REGIME DISCIPLINAR E OS DEVERES MILITARES

ESPECIAIS

Nos termos do Artigo 2º da LDNFA, que estabelece as bases gerais a que

obedece o exercício dos direitos e o cumprimento dos deveres pelos militares dos

quadros permanentes em qualquer situação e dos restantes militares enquanto na

efectividade de serviço e define os princípios orientadores das respectivas carreiras, a

condição militar caracteriza-se designadamente pela “subordinação à hierarquia

militar”, nos termos da Lei e pela aplicação de um “regime disciplinar próprio”74

.

Ora a “subordinação à disciplina militar”75

baseia-se, conforme dispõe o n.º 1 do

Artigo 4º das BGECM, “no cumprimento das leis e regulamentos respectivos e no dever

de obediência aos escalões hierárquicos superiores76

, bem como no dever do exercício

dizer não só descobrir o sentido que está por detrás da expressão, como também, de entre as várias

significações que estão cobertas pela expressão, eleger a verdadeira e decisiva”. Já in Introdução ao

Estudo do Direito, Editora Danúbio, Lisboa, 1986, J. DIAS MARQUES escreveu “o artigo 9º do Código

Civil, no seu nº 1, acentua, com grande nitidez, a distinção existente entre o texto ou letra da lei e os

elementos não textuais da interpretação, nomeadamente, o enquadramento sistemático resultante da

consideração da unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e, também as

condições específicas do tempo em que é aplicada. Naturalmente, é de supor que o autor da lei, bom

conhecedor que deve ser da língua portuguesa e da terminologia jurídica, terá procurado cuidadosamente

as palavras mais adequadas para exprimir a norma de que se trata ou, em outros termos, terá sabido

exprimir o seu pensamento em termos adequados. Por isso, o sentido da lei há-de buscar-se, antes de mais

e principalmente, nas suas próprias palavras, as quais constituem o que habitualmente se designa

elemento textual ou elemento literal”.

74

Vide os termos empregues, iguais aos utilizados na redacção do Artigo 1º das BGECM, bem

como as al. al. d) e e), respectivamente, do Artigo 2º deste diploma legal. As exigências específicas do

ordenamento aplicável às Forças Armadas em matéria de justiça e de disciplina encontram-se reguladas,

respectivamente, no Código de Justiça Militar (CJM), aprovado pela Lei n.º 100/2003, de 15 de

Novembro e no RDM.

75

O Artigo 1º do anterior RDM dispõe que “A disciplina militar consiste na exacta observância

das leis e regulamentos militares e das determinações que de umas e outros derivam; resulta,

essencialmente, de um estado de espírito, baseado no civismo e patriotismo, que conduz voluntariamente

ao cumprimento individual ou em grupo da missão que cabe às Forças Armadas”. Sobre as bases da

disciplina, Vide, ainda, o Artigo 2º do anterior RDM.

76

O dever de obediência consiste “em cumprir, completa e prontamente, as leis e regulamentos

militares e as determinações que de umas e outros derivam, bem como as ordens e instruções dimanadas

de superior hierárquico, dadas em assuntos de serviço, desde que o seu cumprimento não implique a

prática de crime” (cfr. o n.º 2 do Artigo 4º das BGECM). Sobre o dever de obediência, Vide, ainda, o

Artigo 12º do EMFAR.

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47

responsável da autoridade”. Por sua vez, o exercício dos poderes de autoridade, o dever

de subordinação e a responsabilidade de cada militar “decorrem das posições” que

ocupam na escala hierárquica e dos cargos que desempenham77

.

Segundo o Artigo 1º do Regulamento Disciplinar, de 2 de Maio de 1913, a

disciplina militar era já definida como “o laço moral que liga entre si os diversos graus

da hierarquia militar; nasce da dedicação pelo dever e consiste na estrita e pontual

observância das leis e regulamentos militares”. A disciplina é, pois, condição do

cumprimento da missão constitucionalmente atribuída às Forças Armadas, pelo que os

militares que integram as suas fileiras devem cumprir os deveres militares especiais

estabelecidos no RDM.

O EMFAR atribui, ainda, aos militares, para além do supra mencionado dever

de obediência e do já referido dever de tutela, o dever de dedicação ao serviço, o dever

de disponibilidade, bem como os deveres previstos no n.º 2 do Artigo 15º, entre os quais

consta expressamente o de “cumprir e fazer cumprir a disciplina militar”78

.

Assim, a violação de qualquer dever previsto é punível nos termos do

procedimento regulado no RDM, na medida em que tal violação consubstancie uma

infracção disciplinar.79

O Artigo 4º do anterior RDM enunciava cinquenta e cinco deveres especiais a

cumprir pelo militar, embora alguns deles consubstanciassem o mesmo dever de

disciplina. Os cinquenta e cinco deveres especiais dos militares foram actualmente

convertidos em apenas treze, sendo muitos daqueles tão-só reconduzidos às alíneas dos

novos deveres especiais. 80

Para além de se estranhar a consagração de um ”dever de

honestidade”, sobretudo para integrar o respeito por incompatibilidades legais e o não

77

Os militares têm atribuído um posto hierárquico, indicativo da sua categoria (Oficial, Sargento

ou Praça), bem como uma antiguidade nesse posto (Vide os nºs 1 e 2 do Artigo 10º das BGECM). A

obediência é sempre devida ao mais graduado e, em caso de igualdade de graduação, ao mais antigo,

exceptuando-se as situações em que o militar seja investido em cargo ou funções de serviço em relação

aos quais se encontre ou seja determinado o contrário. Nos termos do n.º 1 do Artigo 10º do EMFAR, o

militar que exerça funções de comando, direcção ou chefia exerce o poder de autoridade inerente a essas

funções, bem como a correspondente competência disciplinar.

78

Vide os Artigos 11º a 15º do EMFAR, designadamente a al. e) do n.º 2 deste último preceito

normativo.

79

Cfr. o Artigo 17º do EMFAR. Sobre o conceito de infracção de disciplina, Vide o Artigo 3º do

anterior RDM: “Infracção de disciplina punível por este Regulamento é toda a omissão ou acção contrária

ao dever militar que pelo Código de Justiça Militar não seja qualificada crime”.

80

Vide os Artigos 11º a 24º do novo RDM.

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cometimento de crimes contra o património, verifica-se, além disso, pouco rigor na

técnica jurídica utilizada, salientando-se, nomeadamente, a enunciação de factos cuja

violação corresponde a mais do que um dever jurídico. Vejam-se, por exemplo, as al. b)

e e) do n.º 2 do Artigo 23º do novo RDM, dedicado ao dever de correcção, cujos factos

integram, incontornavelmente, o dever de obediência.

O novo RDM consubstancia indubitavelmente um ponto de viragem no regime

jurídico vigente durante três décadas em Portugal.

E se à partida seria de louvar a decisão de finalmente rever um regulamento

manifestamente obsoleto face à evolução política, social e constitucional a que vimos

assistindo de há trinta anos a esta parte, não podemos, porém, negar as reticências que

nos causa a abolição, neste diploma legal, de um quadro de valores e referências

honradamente estribado na aceitação natural e responsável da hierarquia e da autoridade

militares e na ênfase dada aos valores éticos dirigidos à conduta do superior hierárquico,

com vista ao desempenho de uma missão comum.

Neste sentido, foram eliminados os Artigos 2º (Bases da disciplina), 7º

(Subordinação funcional) e 8º (Faculdade de alterar recompensas ou punições), o que

evidencia a pouca sensibilidade relativamente à necessária existência da hierarquia

(efectiva) no seio de umas Forças Armadas que se querem disciplinadas, confundindo-

as com uma entidade empregadora pública indiferenciada.

3.2. O PROCESSO DISCIPLINAR MILITAR

A crescente consciencialização social dos direitos e das garantias individuais

reclama que olhemos (igualmente) para o Arguido do processo disciplinar militar dos

nossos dias. O mais das vezes, este vê-se enredado num processo (quase) kafkiano,

pautado por normas pouco pacíficas num país livre, cujo serviço militar se baseia no

voluntariado daqueles que integram as respectivas fileiras, sendo o processo disciplinar

instruído por um Oficial Instrutor nomeado em obediência a uma escala elaborada para

o efeito, (quase sempre) integrada por Oficiais sem formação técnica, louvável

configure, embora, o significativo esforço empreendido no sentido do encaminhamento

da tramitação processual a bom porto e, bem assim, da proposição da (tida como a)

melhor decisão.

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Pressuposta a integração, formal e material, do Direito Militar, designadamente no

âmbito da actividade meramente administrativa, no Direito Constitucional, afiramos,

assim, as efectivas garantias concedidas ao Arguido no âmbito do (seu) processo

disciplinar, face ao procedimento administrativo estabelecido que, não raras vezes,

culmina com a aplicação de punições disciplinares diferenciadas díspares, aplicadas não

raras vezes para efeitos da cominação de circunstâncias de facto em tudo similares,

distinguindo-se tão-só o legalmente estabelecido critério pessoal da entidade

competente para o exercício da acção disciplinar81

.

3.2.1 A CELERIDADE, SIMPLICIDADE E NATUREZA SECRETA

DO PROCESSO

Em obediência aos princípios da celeridade e da simplicidade, o processo

disciplinar militar é sumário, não depende de formalidades especiais e dispensa tudo o

que for considerado inútil, impertinente e dilatório82

.

Ao abrigo do anterior RDM, a instrução do processo disciplinar devia ser

concluída no prazo de quinze dias, contados da data da sua instauração, podendo tal

prazo ser prorrogado, por dois períodos únicos e sucessivos não superiores a quinze

dias, quando circunstâncias excepcionais o justificassem83

.

Nos termos dos n.º 1 e 2 do Artigo 93º do novo RDM, a instrução do processo

disciplinar deve ser concluída no prazo de trinta dias, contados do início da instrução,

podendo, no entanto, quando circunstâncias excepcionais, deixadas ao critério do

aplicador, não permitam a conclusão do processo do prazo determinado, o prazo ser

prorrogado, na medida do estritamente necessário, não devendo exceder, em regra,

81

Note-se que ainda que se procure, através de reuniões de comando, ou por outros processos

julgados convenientes, alguns ajustamentos, o critério a adoptar e definido para a acção disciplinar é

pessoal (Vide v.g. o Artigo 96º do Regulamento Geral do Serviço nas Unidades do Exército – RGSUE –

publicação não classificada aprovada por despacho, de 3 de Fevereiro de 1986, com as alterações

introduzidas pelo despacho, de 14 de Setembro de 2005, do CEME).

82

Cfr o Artigo 80º do anterior RDM e o Artigo 81º do novo RDM. Nos termos do anterior RDM,

o processo disciplinar era, em regra, escrito, só podendo dispensar-se a forma escrita nas situações

previstas nos nºs 2 e 3 do seu Artigo 83º. Nos termos do Artigo 80º do novo RDM, os actos do processo

revestem a forma escrita.

83

Conforme dispõe expressamente o Artigo 82º do novo RDM, a contagem de prazos realiza-se

nos termos do procedimento administrativo (Vide o Artigo 72º do CPA).

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noventa dias. Ora tal prazo é manifestamente excessivo, com a agravante de poder ser

largamente excedido, o que colide com o princípio da celeridade processual.

A efectiva prorrogação do prazo para a conclusão da instrução do processo

disciplinar militar depende do deferimento de requerimento com o motivo justificativo

da demora, constante dos autos, dirigido pelo Oficial Instrutor ao Chefe que o

nomeou84

. Salvaguarda-se, no entanto, a natureza meramente ordenadora da marcha do

procedimento, não resultando qualquer irregularidade processual decorrente da eventual

inobservância do prazo previsto pela Administração. Tal não significa não poderem

ocorrer consequências, em sede disciplinar, adequadas às circunstâncias atinentes à

demora injustificada da instrução processual – instaurando, por exemplo, o Chefe que

nomeou o Oficial Instrutor, um processo disciplinar contra este por violação do dever de

zelo – mas serão sempre consequências exteriores ao processo disciplinar em curso.

O anterior RDM estabelecia a confidencialidade do processo disciplinar sem

qualquer diferenciação da fase do procedimento. Proibia-se, ainda, expressamente, a

publicação de quaisquer peças do processo disciplinar85

. Não obstante, a preconizada

confidencialidade ficava ab initio comprometida, desde a publicação do Despacho de

instauração do processo disciplinar e de nomeação do Oficial Instrutor na Ordem de

Serviço (OS) da U/E/O, relativamente a um concreto militar, devidamente identificado e

(também) objecto de um artigo autónomo (esta questão subsiste ainda hoje, nesta parte),

até à publicação do Despacho com a decisão final do processo, também em OS86

.

Atendendo, ainda, a que somente se exclui do dever de publicação em OS as penas

disciplinares mais leves87

, bem como ao facto de os próprios artigos publicados serem

lidos nas formaturas de início de trabalhos das Unidades militares, conclui-se que o

intento dissuasor, repressivo e de retribuição se sobrepõe, indubitavelmente, à referida

confidencialidade.

84

Vide o n.º 2 do Artigo 92º do anterior RDM e o n.º 2 do Artigo 93º do novo RDM.

85

Cfr. os nºs 1 e 3 do Artigo 81º do anterior RDM.

86

Vide o Artigo 96º do anterior RDM e o n.º 1 do Artigo 107º do novo RDM. A realizar-se da

forma almejada, a publicação em OS terá necessariamente de ser realizada na U/E/O onde a pena tiver

sido aplicada e na U/E/O onde o Arguido se encontra a prestar serviço, caso as mesmas (já) não

coincidam ao tempo da decisão.

87

Vide o Artigo 154º do anterior RDM (pena de faxina, repreensão e repreensão agravada) e o

n.º 3 do Artigo 107º do novo RDM (pena de repreensão e de repreensão agravada).

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A confidencialidade do processo disciplinar justifica-se até ao conhecimento da

nota de culpa pelo Arguido, pelo que andou bem o legislador ao estabelecer, no n.º 1 do

Artigo 76º do novo RDM, a natureza secreta do processo “até à notificação da

acusação”.

3.2.2. DA NOTÍCIA DA INFRACÇÃO AO EXERCÍCIO DA ACÇÃO

DISCIPLINAR

A ocorrência de uma qualquer omissão ou acção contrária ao dever militar,

desencadeia o exercício da acção disciplinar, sendo obrigatoriamente e de imediato,

instaurado o processo disciplinar, por decisão dos Chefes Militares, logo que estes

tenham conhecimento de factos com relevância jurídico-disciplinar (ou ético-

juridicamente censuráveis), passíveis de consubstanciar uma infracção disciplinar

(infracção de disciplina) e, bem assim, susceptíveis de fazer os seus subordinados

incorrer em responsabilidade disciplinar88

.

A competência para instaurar ou mandar instaurar o processo disciplinar integra

a competência disciplinar89

. Em sequência, nos termos do disposto no Artigo 6º do

anterior RDM e do n.º 1 do Artigo 64º do novo RDM, a competência disciplinar assenta

no poder de comando, direcção ou chefia e nas correspondentes relações de

subordinação, resultando, assim, do exercício da função e não do posto hierárquico. Tal

resulta inequívoco no Artigo 66º do novo RDM, que preconiza que o militar que

assumir comando, direcção ou chefia a que corresponda posto superior ao seu tem,

enquanto durar essa situação, a competência disciplinar correspondente à função que

exerce.

A competência disciplinar fixa-se no momento em que é praticado o acto que dá

origem à (recompensa ou) punição e não se altera pelo facto de posteriormente cessar a

subordinação funcional. Por sua vez, a subordinação funcional inicia-se no momento em

que o militar, por título legítimo, fica sujeito, transitória ou permanentemente, às ordens

de determinado comandante, director ou chefe, e dura enquanto essa situação se

88

Vide os Artigos 3º e 77º do anterior RDM e o Artigo 75º do novo RDM.

89

Vide o n.º 2 do Artigo 64º do novo RDM.

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52

mantiver90

. Daí se compreenda que os militares em trânsito mantenham a dependência

da unidade, estabelecimento ou órgão que lhes emitiu a guia de marcha até à

apresentação na unidade, estabelecimento ou órgão de destino91

. Releva, assim, o

momento da prática do facto, momento este que fixa a competência e determina o início

da tramitação. Visam, pois, tais preceitos normativos assegurar a estabilidade do

procedimento disciplinar (semel competens semper competens).

Salienta-se o carácter público da infracção disciplinar militar, uma vez que o

exercício da acção disciplinar não depende de participação, queixa ou denúncia, nem

sequer da forma por que a ocorrência dos referidos factos chega ao conhecimento dos

Chefes, carácter que se manteve no Artigo 74º do novo RDM92

.

Acerca da participação da infracção disciplinar, o n.º 1 do Artigo 14º do anterior

RDM dispunha que os militares a quem o Regulamento conferisse competência

disciplinar deveriam participar superiormente, por escrito, qualquer acto que tivessem

presenciado ou de que oficialmente tivessem conhecimento, praticado pelos seus

inferiores hierárquicos e que lhes parecesse dever ser punido. Do mesmo modo deveria

proceder o militar que tivesse de punir um subordinado por acto a que julgasse

corresponder pena superior à sua competência, participando o facto, por escrito, ao seu

chefe imediato93

. Acrescentava o Artigo 69º do anterior RDM que o participante de uma

infracção disciplinar deveria “procurar esclarecer-se previamente” acerca das

circunstâncias que caracterizavam a infracção, ouvindo, sempre que fosse conveniente e

possível, o infractor.

Salienta-se, ainda – e sem prejuízo do dever do participante de procurar

esclarecer-se previamente acerca das circunstâncias que caracterizam a infracção de

disciplina, ouvindo, sempre que fosse conveniente, o infractor, questionando-se embora

os critérios de conveniência presentes no espírito do legislador – a desconcertante força

probatória atribuída no Artigo 91º do anterior RDM à participação formalizada pelo

militar da categoria de Oficial. Note-se que o preceito se referia exclusivamente à

participação de Oficial, pelo que não valeria para estes efeitos a participação de um

90

Vide os nºs 2 e 3 do Artigo 7º do anterior RDM e o Artigo 65º do novo RDM.

91

Vide o n.º 1 do Artigo 67º do novo RDM.

92

Vide o Artigo 78º do anterior RDM. O auto de notícia pode também desencadear o exercício

da acção disciplinar e equivale à denúncia.

93

Vide o n.º 2 do mesmo preceito legal.

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militar graduado da categoria de Sargento, ainda que excepcionalmente e

provisoriamente estivesse investido de funções de posto superior nos termos do Artigo

41º do EMFAR.

Durante cerca de trinta anos, presumiu-se, assim, como verdadeira, “a parte

dada” por Oficial “contra um seu inferior e respeitante a actos por ele presenciados”,

não carecendo da indicação de testemunhas. Via-se, pois, o participado na contingência

de ter de ilidir tal presunção legal de veracidade mediante a produção de prova em

contrário, no sentido da sua inocência ou, quiçá, menor culpabilidade, na prática da

infracção de disciplina participada. Este normativo tinha enraizado e como única razão

de ser uma concepção clássica da hierarquia militar que não se coadunava há largos

anos com os preceitos constitucionais vigentes, designadamente, com o princípio da

presunção de inocência do Arguido e, bem assim, com o princípio do contraditório,

sendo de louvar a inexistência de preceito legal igual ou semelhante no novo RDM94

.

Nos termos do n.º 1 do Artigo 84º do novo RDM, a participação de facto

passível de sanção disciplinar é dever de todo o superior hierárquico que o tenha

presenciado ou dele tenha tomado conhecimento (já sem o conhecimento oficial das

suas circunstâncias?!) e não disponha de competência para instaurar o respectivo

procedimento. Consagra ainda o n.º 2 do Artigo 84º do novo RDM a curiosa

possibilidade, que nada acrescenta, de “todo aquele que não for militar” participar ao

superior hierárquico do militar o facto passível de sanção disciplinar que tenha

presenciado ou tomado conhecimento, (paradoxalmente) devendo, nesta hipótese,

descrevê-lo da “forma mais exacta possível”.

O direito de queixa tem assento constitucional no n.º 1 do Artigo 52º, enquanto

vertente do direito de petição (individual), constituindo um dos consagrados direitos,

liberdades e garantias de participação política.

Nos termos do Artigo 74º do anterior RDM e do n.º 1 do Artigo 85º do novo

RDM, assiste ao militar o direito de queixa contra superior quando por este for

praticado qualquer acto de que resulte para o inferior lesão de direitos. A queixa é

singular, tendo o seu prazo aumentado de quarenta e oito horas no n.º 1 do Artigo 75º do

anterior RDM para cinco dias no n.º 2 do Artigo 85º do novo RDM, contados do facto

que a determinou. Além disso, a queixa podia ser verbalmente dirigida ao superior

hierárquico do militar contra quem se fazia a queixa, devendo actualmente a queixa

94

Vide os nºs 1 e 2 do Artigo 32º da CRP.

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assumir a forma escrita e serem utilizadas as vias competentes. Manteve-se, porém, a

exigibilidade da comunicação do queixoso ao superior hierárquico objecto da queixa,

questionando-se a razão de ser do temor reverencial e do respeito hiperbolizado pelo

princípio da hierarquia subjacentes95

. Note-se que na ausência do superior hierárquico

objecto da queixa, a informação do queixoso é enviada pelas vias competentes, à

secretaria da unidade, estabelecimento ou órgão a que pertence o militar de quem se faz

a queixa, não sendo, assim, difícil de imaginar o recíproco melindre que tais

formalidades impõem em tais circunstâncias.

E se ab initio se tem como boa a declaração de inconstitucionalidade

relativamente à responsabilidade disciplinar emergente de anomalias relativas à queixa,

na parte em que previa a punição disciplinar do militar queixoso quando

manifestamente se reconhecesse não haver fundamento para a queixa, por violação do

preceituado nas disposições conjugadas do Artigo 18º, n.º 2 e 52º, ambos da CRP96

,

revela-se, porém, incompreensível que, a par da manutenção da obrigatoriedade de o

exercício do direito de queixa ser precedido pela “informação do queixoso àquele de

quem tenha de se queixar”, por respeito, em qualquer circunstância, ao superior posto

ou à maior antiguidade da hierarquia militar, se salvaguarde o receio da possibilidade de

paralisação do militar queixoso (ou da designada efectiva restrição ao direito de

petição), pelo simples medo de ver instaurado contra si um processo disciplinar,

revelador, pois, de uma visão tradicional da hierarquia militar, a ultrapassar, traduzida

no receio de o superior hierárquico vir (arbitrária e unilateralmente) a entender não

existir, reitere-se que manifestamente, fundamento para a queixa apresentada por um

militar, presumivelmente com falta de conhecimento ou de entendimento, concepção

esta não consentânea com a realidade escolar e mesmo académica dos militares das três

categorias existentes nas fileiras das Forças Armadas dos nossos dias. Considera-se,

assim, existir uma incontornável falta de coerência nos preceitos legais aplicáveis.

À semelhança das queixas caluniosas, em que o direito de petição ou queixa se

encontra negativamente delimitado, de forma a não colidir, nomeadamente com o

direito ao bom nome e à reputação consignados no n.º 1 do Artigo 26 da CRP,

questiona-se, ainda, a bondade de a lei proteger o militar que formalmente exerça o

95

Vide o n.º 1 do Artigo 75º do anterior RDM e o n.º 3 do Artigo 85º do novo RDM.

96

Vide o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 90/88, publicado no Diário da República, n.º

11, 1ª Série, de 13 de Maio.

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direito de petição para atingir fins não necessariamente dolosos, mas manifestamente

alheios à razão de ser da sua protecção excedendo os limites imanentes do seu direito e

pondo em causa o conteúdo essencial de outro direito. Pense-se, por exemplo, no

exercício arbitrário do direito de queixa, reiterando-se a redutibilidade da parte do

preceito normativo vigente, circunscrito às situações em que se mostre que houve

propósito malicioso da parte do queixoso na sua apresentação, ou seja, dolo.

Por maioria de razão, salienta-se, no entanto, a feliz consagração de uma norma

semelhante em favor dos participados no Artigo 86º do novo RDM, como era desejável,

porquanto os fins maliciosos podem ser transversais a todas as categorias de militares,

questionando-se, porém, o modo de a entidade a quem foi dirigida a participação (ou a

queixa) concluir pela apresentação dolosa da participação (ou da queixa), “com o intuito

de prejudicar o militar objecto da mesma”. Deveria, assim, ter-se pelo menos

salvaguardado legalmente a mera possibilidade do exercício da acção disciplinar contra

quem tenha agido de má fé e não a sua obrigatoriedade, até pelo grau de

discricionariedade ou eventual arbitrariedade que esta matéria pode importar. Pense-se

na simples instauração automática de procedimento disciplinar contra o autor da queixa

ou da participação por excesso de zelo do detentor do poder disciplinar.

O exercício da acção disciplinar continua, pois, a ser desencadeado

independentemente da forma como os factos chegam ao conhecimento dos Chefes

Militares, deixando o Arguido numa posição fragilizada face a um aplicador da

disciplina militar que poderá não ser isento ou actuar condicionado pelos preceitos

legais em vigor. Procura-se, afinal, anular qualquer resultado potencialmente

perturbador da disciplina. Questiona-se, no entanto, se – e sem prejuízo das

naturalmente presumidas melhores intenções – a competência disciplinar atribuída aos

Chefes não corre o (sério) risco de se converter em acção arbitrária, podendo (-devendo)

instaurar ou mandar instaurar um processo baseado em factos ou omissões, a título

exemplificativo, sem os ter presenciado, sem o conhecimento oficial das suas

circunstâncias ou sem eventualmente terem, sequer, a (suficiente) convicção da

probabilidade da sua verificação, sem prejuízo da possibilidade estabelecida de proceder

ou mandar proceder às averiguações que entenderem necessárias.

Havendo quaisquer indícios de infracção disciplinar que não sejam suficientes

ou sérios (o Artigo 97º do anterior RDM previa ainda o vago rumor face ao n.º 1 do

Artigo 109º do novo RDM), ou desconhecendo-se os seus autores, os Chefes têm a

(mera) faculdade de proceder ou mandar proceder às averiguações que julguem

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necessárias, inferindo-se, assim, a igual faculdade legal de serem imediatamente

instaurados processos disciplinares em tais circunstâncias, o que não se concebe,

considerando-se a actual descrição do objectivo do processo de averiguações constante

do n.º 2 do Artigo 109º do novo RDM manifestamente insuficiente97

. Como

efectivamente elenca, em termos genéricos, o n.º 1 do Artigo 89º do novo RDM, logo

que seja recebida a participação ou a queixa, a entidade competente deve proferir

despacho (liminar), “mandando” instaurar processo disciplinar, instaurar processo de

averiguações ou arquivar a participação ou a queixa.

3.2.3. A INDEPENDÊNCIA E AUTONOMIA DO PROCEDIMENTO

DISCIPLINAR

Sempre que o ilícito cometido for passível de integrar ilícito penal de natureza

pública, é obrigatoriamente dado conhecimento da conduta violadora às autoridades

competentes. Por sua vez, sempre que um militar seja constituído Arguido em processo-

crime, o Ministério Público comunica o facto ao CEMFGA ou ao CEM do respectivo

ramo, conforme a respectiva dependência, remetendo igualmente certidão da decisão

final. O procedimento disciplinar é independente do procedimento criminal, sendo a

conduta violadora de algum dever militar eventualmente tipificada como crime passível

de sanção disciplinar, independentemente da punição criminal a que houver lugar98

. E

97 Existindo indícios suficientes da prática da infracção e do seu autor, o processo de

averiguações, quando instaurado, precedia já, comummente, o processo disciplinar, uma vez que aquele

podia ser continuado como processo disciplinar, integrando a instrução disciplinar subsequente, através

do aproveitamento dos actos administrativos válidos já praticados, sem prejuízo da salvaguarda do

princípio do contraditório. Ao abrigo do n.º 2 do Artigo 112º do novo RDM, o processo de averiguações

integra, agora expressamente, a fase de instrução do processo disciplinar a que aquele deu causa, sem

prejuízo dos direitos de audiência e de defesa do Arguido, disposição que se tem como favorável e em

harmonia com os princípios da simplicidade e da celeridade processual.

98

Vide o n.º 1 do Artigo 8º e o Artigo 9º do novo RDM. Quando o ilícito cometido tem natureza

de crime essencialmente (ou estritamente) militar, a participação é tempestivamente remetida à Polícia

Judiciária Militar (PJM), para os devidos efeitos. O Artigo 8º do preâmbulo da Lei n.º 100/2003, de 15 de

Novembro, que aprovou o CJM, alterou o Artigo 5º do Estatuto da PJM, estabelecido no Decreto-Lei n.º

200/2001, de 13 de Julho, dispondo no seu n.º 1 ser da competência específica da PJM a “investigação

dos crimes essencialmente militares” e acrescentando no seu n.º 2 ter a PJM “ainda competência

reservada para a investigação de crimes cometidos no interior das unidades, estabelecimentos e órgãos

militares”. Pense-se, por exemplo, num crime de ofensas à integridade física ocorrido numa Unidade em

que o ofendido não apresenta queixa mas existe prejuízo para a disciplina militar.

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não se afirme tratar-se aqui da violação princípio non bis in idem. Com efeito, o cidadão

militar não é duplamente penalizado, antes responde criminalmente, com o

cumprimento da pena de prisão ou com o pagamento da pena de multa que lhe for

aplicada pela prática do facto ilícito de natureza penal cometido e, na presença, por

exemplo, de uma sentença condenatória transitada em julgado – ou sem esta sentença

mas perante factos testemunhados ocorridos dentro da U/E/O militar – se apura

(disciplinarmente) a sua capacidade moral por factos que possam afectar a sua

respeitabilidade, o decoro militar ou os ditames da virtude e da honra. Não se

conceberia, pois, fazer-se tábua rasa nos efeitos da disciplina das Forças Armadas, do

comportamento de um cidadão, permanentemente sujeito, dentro e fora do serviço, à

condição militar, jamais se podendo conceber esta questão como nada tendo a ver com

os seus efeitos nas Forças Armadas onde está (des)integrado, como uma questão

privada ou um assunto pessoal. Pense-se, por hipótese, num traficante de drogas ou

mesmo num assassino em série. O novo RDM continua, assim – e bem – a estabelecer o

princípio da independência e da autonomia do procedimento disciplinar relativamente

ao procedimento criminal Para efeitos de produção de prova deveria, porém, exigir-se

expressamente que a aplicação de uma sanção disciplinar fosse excepcionalmente

precedida da ocorrência do trânsito em julgado das sentenças condenatórias dos ilícitos

criminais que ocorram fora da U/E/O, ou dentro da U/E/O mas sem a presença de

testemunhas.

3.2.4. A NOMEAÇÃO DO OFICIAL INSTRUTOR E A INSTRUÇÃO

DO PROCESSO DISCIPLINAR

Uma vez conhecidos os factos susceptíveis de consubstanciar a prática de uma

infracção de disciplina, o Chefe militar com competência para o exercício da acção

disciplinar profere o necessário Despacho, salientando-se a importância de a prática

deste acto administrativo não olvidar o posto, o NIM99

e nome do Arguido, a sintética

fundamentação de facto e de direito que justifique o início do procedimento disciplinar,

a nomeação do Oficial Instrutor, a data, a identificação e a assinatura da entidade

competente para a instauração do respectivo processo.

99

A todo o militar é atribuído um Número de Identificação Militar.

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58

O n.º 3 do Artigo 85º do anterior RDM salvaguardava a circunstância de “o

arguido ou o participante ser oficial ou aspirante a oficial”, situação em que a nomeação

do Oficial Instrutor do processo disciplinar deveria recair “num seu superior, de

preferência em patente”, em favor do respeito (acrescido) pelo princípio da hierarquia

(maior antiguidade das patentes dos Oficiais e Aspirantes a Oficiais das Forças

Armadas) e admite-se, pela imparcialidade da Administração. No entanto, a

exigibilidade da superior graduação do Oficial Instrutor relativamente à do Arguido

e/ou do participante quando um e/ou outro fosse Oficial ou Aspirante a Oficial trazia,

desde logo, dificuldades de aplicação prática que punham em causa a imperatividade

deste preceito normativo geral.

Clarificavam-se, assim, substancialmente a percepção das exigidas e necessárias

adaptações legais designadamente nas situações em que o participante era um Oficial

superior na reserva fora da efectividade de funções, situação que levada ao rigor

extremo da interpretação (puramente) literal, esvaziava de conteúdo o poder disciplinar

e, bem assim, de comando de todos os Comandantes, Directores e Chefes das Forças

Armadas, o que nem sequer se harmonizava com os restantes preceitos então aplicáveis,

nomeadamente com os Artigos 6º, 7º e 77º, n.º 1, todos do anterior RDM. Ou quando se

atendia à circunstância de um militar, Oficial Superior de uma U/E/O em efectividade

de funções visitar outra U/E/O, onde vinha a sofrer ofensa punível disciplinarmente pelo

RDM, praticada por outro Oficial Superior pertencente à U/E/O visitada, na presença de

terceiros, inferiores hierárquicos de ambos, caso em que o ofendido participava a

ocorrência ao Comandante, superior hierárquico do participado mas mais moderno que

o participante, que uma vez detentor da acção disciplinar, imediatamente instaurava o

respectivo processo disciplinar com fundamento nos factos constantes da participação

chegada ao seu conhecimento, no sentido do apuramento da responsabilidade disciplinar

do seu subordinado, devidamente identificado. Ou ainda, como derradeiro exemplo,

quando a infracção disciplinar era cometida contra militares de graduação superior da

GNR, da Marinha ou da Força Aérea, ou ainda contra entidades civis de prestígio –

lembremo-nos das infracções de disciplina cometidas fora do serviço – que

formalizavam as participações dirigidas aos Comandantes dos infractores, no sentido da

actuação disciplinar contra os respectivos infractores.

O espírito subjacente à elaboração deste preceito legal equacionava

incontornavelmente a situação de o participante e respectivo Arguido encontrarem-se

colocados na mesma U/E/O ou, em alternativa, no mesmo canal hierárquico, em favor

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do rigor e da imparcialidade do detentor do poder disciplinar e, em decorrência, do

Oficial Instrutor nomeado, eliminando, deste modo, qualquer resquício eventualmente

condicionador de (algum) temor reverencial relativamente ao participante, preceito que

se considerava dever ser rigorosamente observado nestas exclusivas circunstâncias de

facto. Na ausência desta especificação no actual RDM, considera-se feliz a eliminação

da exigência da maior antiguidade do Oficial Instrutor face ao participante, bastando-se

com a salvaguarda da maior antiguidade do Oficial Instrutor relativamente ao

Arguido100

.

O anterior RDM estabelecia a regra de o Instrutor do processo disciplinar ser o

chefe que determinou a sua instauração, só havendo lugar a nomeação de um Oficial ou

Aspirante a Oficial, seu subordinado, como instrutor quando julgasse necessário ou

conveniente ou, ainda, quando o processo assumisse a forma escrita101

. Para efeitos da

nomeação do Oficial Instrutor, o chefe recorria a uma escala de serviço, excepto quando

o posto do Arguido ou do participante, as particularidades do caso ou os conhecimentos

que a instrução do processo requeresse exigiam a escolha de um certo Oficial102

.

Surge, aqui, uma nova sensibilidade. Nem todas as UU/EE/OO integravam um

Gabinete de Justiça e as que o tinham raramente dispunham de um (ou mais do que um)

militar ou civil com habilitações académicas adequadas, correspondentes à Licenciatura

em Direito ou equivalente103

. O resultado era, sem desprimor pelo significativo esforço

100

Vide o n.º 1 do Artigo 90º do novo RDM.

101

Vide os nºs 1 e 2 do Artigo 85º do anterior RDM.

102

Vide o nº 4 do Artigo 85º do anterior RDM.

103

Dada a inexistência de formação jurídica nas instituições militares, bem como os poucos

juristas existentes nos quadros permanentes do pessoal civil das Forças Armadas, a consulta e assessoria

jurídicas são, em regra, prestadas pelos escassos juristas recrutados para a prestação de serviço militar

voluntário por apenas seis ou sete anos de serviço, investindo a instituição militar no recrutamento,

selecção e instrução militar de novos cidadãos habilitados com uma licenciatura em Direito, pelo que se

aconselha o abolir das reticências enraizadas relativamente ao militar contratado em favor de uma gestão

(mais) eficiente dos recursos humanos e das necessidades existentes nas Forças Armadas, atenta,

designadamente, a possibilidade legal da celebração de contratos até vinte anos (Vide o n.º 3 do Artigo

28º da LSM). Num artigo escrito para o Jornal do Exército, n.º 571, de Março de 2008, pág. 50 a 52, sob

o título Os militares contratados no contexto militar europeu, JORGE FILIPE COBRA, técnico superior

na área da Sociologia do quadro da Direcção-Geral de Pessoal do Ministério da Defesa Nacional, afirma

que, quer os Estados tenham “optado por manter a conscrição, evoluir para um sistema misto, ou

implementar o voluntariado como forma exclusiva de recrutamento, é prática generalizada só utilizar

voluntários, sobretudo em missões internacionais”. Continua, reconhecendo que “a maioria dos estados

europeus optou pelo voluntariado, ou mantém um regime misto e tem de competir com as restantes

entidades empregadoras no que se refere ao recrutamento dos seus recursos humanos, concluindo

competir à Assembleia da República e ao Governo estatuir as condições que possibilitem a reintegração

dos ex-militares na vida civil”, cabendo “às entidades interministeriais intervenientes em todo o processo,

e às Forças Armadas, desenvolver as tácticas adequadas à consecução desse objectivo”. Nesta linha de

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empreendido para o encaminhar do relatório final no sentido da proposição da (tida

como a) melhor decisão, a nomeação de Oficiais Instrutores (quase sempre) sem

formação técnica de base, tentando ultrapassar as dificuldades que se lhes iam,

naturalmente, deparando, com as (graves) consequências legais daí decorrentes,

nomeadamente o cometimento, ad eternum e com o auxílio das preciosas minutas104

de

um qualquer outro processo, ainda que de diferente natureza, já concluído ou em curso,

de nulidades insanáveis, com a agravante de as mesmas poderem nunca vir a ser

detectadas.

Não obstante a actualmente consagrada preferência pela nomeação de Oficiais

Instrutores do processo disciplinar licenciados em Direito, certo é que se admite tal

qualidade a quem não possua esta habilitação, resultando em indubitável prejuízo para a

condução do processo disciplinar nos termos legais, ainda que tenham sido requisitados

técnicos, nomeadamente juristas para a assessoria ou solicitados os pareceres técnicos

entendidos como necessários – pense-se na escassez de efectivos com esta habilitação

académica nas Forças Armadas e a (duvidosa) sensibilidade do Oficial Instrutor para

solicitar o auxílio necessário nas fases mais sensíveis da instrução processual105

.

Tem-se, ainda, por curiosa o estatuído no Artigo 10º do novo RDM, no sentido

da aplicação subsidiária dos princípios gerais do direito penal, da legislação processual

penal e do Código do Procedimento Administrativo. Ora os princípios gerais do direito

penal a que primeiramente se deverá recorrer não se encontram expressamente

legislados, antes decorrem do ensinamento da(s) doutrina(s) ministrada nas Faculdades

entendimento, parece-nos, no entanto, que o Regulamento de Incentivos à Prestação de Serviço Militar

nos regimes de contrato e de voluntariado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 320-A/2000, de 15 de

Dezembro e devidamente alterado, espelha já as medidas possíveis de apoio à reinserção na vida civil,

ambicionando-se, assim, que se vá mais além. Assim, em acumulação ao apoio concedido na reintegração

na vida civil, vejam-se, por exemplo, as mudanças sofridas nas Forças Armadas espanholas. Para além da

já supra referida extinção do serviço militar obrigatório, em 31 de Dezembro de 2001 e a consagração

legal da possibilidade de admissão de extranjeros a la condición de militar Professional de tropa y

marinería, foram oportunamente aprovados diplomas legais no sentido de recrutar militares na

disponibilidade, aproveitando, assim, a instrução que lhes foi oportunamente ministrada. Vide, neste

sentido, os requisitos de acesso dos militares ao compromiso de larga duración, com vista à consolidação

da plena profissionalização, previstos na al. a) do Artículo 3 da Ley 8/2006, de 24 de Abril, de Tropa y

Marinería, bem como a Instrucción 73/2006, de 10 de mayo, de la Subsecretaria, que aprova o

procedimiento para le reincorporación a las Fuerzas Armadas de los Militares de Complemento y

Militares Profesionales de Tropa y Marinería.

104

Vulgarmente denominadas impressos, modelos ou mesmo chocas.

105

Vide os nºs 1 e 2 do Artigo 90º e o n.º 2 do Artigo 105º, ambos do novo RDM.

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de Direito, obrigando, assim, a conhecimentos jurídicos que as Chefias Militares – e os

Oficiais Instrutores – as mais das vezes não possuem.

Do Oficial Instrutor é, pois, esperado o cumprimento de todo o formalismo

processual, a realização das diligências que julgue necessárias à descoberta da verdade,

o esclarecimento dos factos e o apuramento da culpabilidade do Arguido. O n.º 2 do

Artigo 88º do anterior RDM estabelecia que o Oficial Instrutor poderia deslocar-se aos

locais com interesse para o processo disciplinar, corresponder-se com quaisquer

autoridades e requisitar a nomeação de peritos para proceder às diligências julgadas

necessárias, acrescentando o n.º 3 do mesmo preceito legal que o mesmo poderia

requerer, por ofício, a realização de qualquer diligência à autoridade militar mais

próxima do local onde essa diligência se deveria executar. O n.º 6 do Artigo 94º do

actual RDM prevê especificamente que o Oficial Instrutor possa solicitar a realização de

diligências de prova a outros serviços e organismos da Administração central, regional

ou local, quando o julgue conveniente, designadamente por razões de proximidade e de

celeridade, sempre que as não possa realizar no âmbito das Forças Armadas,

confundindo, no entanto, assim, os critérios a prosseguir: (in)conveniência ou

(im)possibilidade?

A possibilidade da (nomeação ou) proposição da nomeação, pelo Oficial

Instrutor, de um seu inferior hierárquico como escrivão encontrava-se prevista, no

âmbito do Artigo 87º do anterior RDM, quando a complexidade do processo ou outras

circunstâncias o aconselhassem. A função de escrivão era normalmente desempenhada

por um graduado da categoria de Sargento, podendo, contudo, ser desempenhada por

um Oficial, desde que com patente inferior à do Oficial Instrutor do processo

disciplinar. O escrivão era o ajudante do Oficial Instrutor, transcrevendo as diligências

realizadas e certificando a verdade dos factos que ia reproduzindo nos autos. A

proposição da nomeação do escrivão já não surge, como se observa da análise do n.º 2

do Artigo 90º do RDM vigente, condicionada a pressupostos, nem à hierarquia militar

do Instrutor, apenas se preconizando a sua função de assessoria nas diligências e fases

subsequentes do processo disciplinar, o que poderá trazer melindres que não serão de

ignorar.

O Oficial Instrutor deve adoptar as medidas necessária para assegurar a

conservação dos indícios e meios de prova106

. Neste âmbito, o Oficial Instrutor deve

106

Vide o Artigo 95º do novo RDM.

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propor, actualmente ao CEMGFA ou ao CEM do respectivo ramo das Forças Armadas,

conforme o caso, que o Arguido seja objecto de medidas preventivas (ou cautelares)

durante a instrução processual, designadamente seja suspenso do exercício das suas

funções ou transferido para outra U/E/O, nos casos em que a sua ausência da área onde

os factos estão a ser investigados seja indispensável à disciplina (nomeadamente à

preservação do decoro e ou à boa ordem do serviço) ou às exigências (das diligências

instrutórias) do processo. A suspensão preventiva do Arguido cessa logo que terminem

os respectivos fundamentos107

.

O n.º 4 do Artigo 90º do anterior RDM estabelecia uma opção legal não

consentânea com outras soluções jurídicas relativas ao direito de petição do Arguido,

dispondo, em prol dos princípios da celeridade e da simplicidade processual, que o

instrutor deveria indeferir os pedidos que fossem manifestamente inúteis ou que se

revelassem prejudiciais à descoberta da verdade. Em sentido semelhante o 12º dever

especial do Artigo 4º do anterior RDM impunha ao militar não tomar parte em

manifestações colectivas atentatórias da disciplina, nem promover ou autorizar iguais

manifestações, devendo como tais ser considerados quaisquer protestos ou pretensões

ilegítimos referentes a casos de disciplina ou de serviço, apresentados por diversos

militares, individual ou colectivamente, bem como as reuniões que não fossem

autorizadas por autoridade militar competente108

. Ora dispondo expressamente o n.º 1

do Artigo 52º da CRP que “todos os cidadãos têm o direito de apresentar, individual ou

colectivamente, (…) a quaisquer autoridades petições, representações, reclamações ou

queixas para defesa dos seus direitos”, encontrávamos neste preceito (pelo menos) uma

restrição inadmissível ao direito de petição individual, sujeito, ainda, ao eventual

indeferimento imediato do Oficial Instrutor. Bastar-lhe-ia considerar o pedido

manifestamente inútil ou prejudicial à descoberta da verdade, fazendo ainda incorrer o

Arguido em eventual responsabilidade disciplinar caso o pedido fosse considerado

ilegítimo109

. Acresce que o Artigo 270º da CRP apenas permite a restrição, pela lei

107

O anterior RDM dispunha que ambas as medidas cautelares tinham natureza precária,

devendo cessar logo que cessasse o fundamento que as justificou, podendo qualquer delas ser, a todo o

tempo, substituída, conforme as necessidades do processo (Vide os respectivos Artigos 107º a 109º).

108

Note-se que esta norma não diferenciava as situações em que o militar (não) tinha

conhecimento de que o fim prosseguido carecia de fundamentação das situações em que o mesmo

procurasse atentar contra a hierarquia e o prestígio das Forças Armadas.

109

A apreciação e decisão relativas à (i)legitimidade da pretensão ou petição, ou seja, à

legalidade do exercício do direito fundamental correspondente, compete à hierarquia militar, pelo que o

interessado fica integralmente dependente do poder discricionário da Administração.

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ordinária, do exercício do direito fundamental de petição colectiva pelos militares, não

configurando a restrição do direito de petição individual qualquer limite imanente.

Nestes termos e à semelhança do sentido e alcance do fundamento de

inconstitucionalidade de parte do Artigo 76º do anterior RDM, restringia-se o direito de

petição do Arguido, pelo medo que podia causar no militar ver instaurado contra si

ulterior processo disciplinar, violando-se o preceituado nas disposições conjugadas dos

Artigos 18º, n.º 2 e 52º, ambos da CRP.

À semelhança do antigo RDM, o n.º 5 do Artigo 94º do novo RDM estabelece

que o instrutor deve indeferir, em despacho fundamentado, a realização das diligências

probatórias requeridas pelo Arguido durante a fase de instrução quando as julgue

“desnecessárias, inúteis, impertinentes ou dilatórias”. Há, também aqui, uma restrição

inadmissível (rectius, uma verdadeira negação) ao direito de petição individual, em

violação do disposto nos Artigos 18º, n.º 2 e 52º da CRP, sujeito ao imediato

indeferimento do Oficial Instrutor, desde que este subjectivamente considere o pedido

do Arguido (simplesmente) desnecessário, inútil, impertinente ou dilatório.

Ao Oficial Instrutor é, assim, exigido o necessário rigor e a imprescindível

imparcialidade, salientando-se, neste ponto, as garantias de imparcialidades já previstas

no Artigo 44º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo (CPA), bem

como a consagração expressa no Artigo 91º do actual RDM, das situações de escusa e

de suspeição do instrutor. Pense-se, por exemplo, na circunstância hipótese de um

militar da categoria de Oficial Licenciado em Direito dar parecer, constante dos autos,

sobre questão a resolver num concreto processo disciplinar e, dada a passagem à

situação de Reserva de Disponibilidade do Oficial Instrutor nomeado e por constar da

respectiva escala, vir a ser nomeado Oficial Instrutor para a continuação da realização

das diligências inerentes à conclusão do respectivo processo110

. Deve, ainda, o Arguido

opor a suspeição ao Oficial Instrutor junto da entidade competente se entender que o

mesmo se encontra perante circunstância pela qual possa razoavelmente suspeitar da sua

isenção ou rectidão111

. Substituindo-se o Oficial Instrutor, o novo Oficial Instrutor deve

aproveitar apenas os actos praticados com reconhecida isenção.

110

Vide o impedimento, corolário do princípio da imparcialidade, estabelecido na al. d) do n.º 1

do Artigo 44º do CPA.

111

Vide o n.º 2 do Artigo 48º do CPA e o n.º 2 do Artigo 91º do novo RDM.

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Depois de nomeado, o Oficial Instrutor só pode ser substituído “quando interesse

ponderoso o justifique”112

. A substituição do Oficial Instrutor justificar-se-á, ainda, em

situações como as de doença, transferência de U/E/O, nomeação para a frequência de

cursos e gozo de licenças. Em tais circunstâncias, o Oficial Instrutor deve fazer constar

do processo os motivos do impedimento da continuação da instrução, submetendo o

processo à entidade que o nomeou, mediante termo de entrega, para os devidos efeitos.

3.2.5. O DIREITO DE DEFESA DO ARGUIDO

Ainda que o princípio do contraditório flutuasse em águas turvas no âmbito do

anterior RDM, reconhece-se a importância da oportuna declaração de

inconstitucionalidade (parcial) do seu Artigo 82º, que determinava que o processo

disciplinar não admitia “qualquer forma de representação”, exceptuando os casos de

incapacidade do Arguido, por anomalia mental ou física, bem como de doença que o

impossibilitasse de organizar a defesa, casos em que, não havendo defensor escolhido,

seria nomeado pelo Chefe competente um Oficial para assumir as funções de defensor

oficioso113

.

Com efeito, atento o disposto no n.º 3 do Artigo 32º da CRP, que garante ao

Arguido o direito a escolher defensor114

e a ser por ele assistido em todos os actos do

processo e na medida em que o direito à assistência de defensor no processo penal é

entendido como aplicável ao processo disciplinar, não poderiam prevalecer as meras

razões de celeridade e do princípio do comando face ao facto de, em processo

disciplinar militar, poderem ser impostas penas privativas ou restritivas da liberdade,

situações estas em que a organização da defesa do Arguido só está devidamente

acautelada, pelo grau de tecnicidade requerida, se for permitida a intervenção de

defensor.

112

Vide o n.º 5 do Artigo 85º do anterior RDM e o n.º 4 do Artigo 90º do novo RDM.

113

Vide o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 90/88, publicado no Diário da República, n.º

11, 1ª Série, de 13 de Maio.

114

Vide, ainda, o n.º 3 do Artigo 269º da CRP, que garante ao funcionário público a sua

audiência e defesa no processo disciplinar onde o mesmo tenha sido constituído Arguido.

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No entanto, o referido Acórdão, conjugado com o n.º 2 do Artigo 83º do RDM

então em vigor, admite o entendimento em sentido contrário nas situações de

“campanha, em situações extraordinárias ou estando as forças fora dos quartéis ou

bases”, em que os Chefes poderiam prescindir da forma escrita e proceder, eles

próprios, directamente, a todas as diligências instrutórias, ou seja, quando as

circunstâncias relacionadas com a operacionalidade das Forças Armadas objectivamente

não permitissem a escolha ou a assistência de defensor. Ora não se compreende como se

subordinava um direito garantido pela Lei Fundamental ao princípio da celeridade

processual em situações (mais ou menos) enigmáticas tidas por extraordinárias

(participação dos militares em exercícios, manobras e missões de natureza operacional

ou de apoio directo a operações em curso?) ou (apenas) por as forças se encontrarem

fora dos quartéis ou bases, situações em que o defensor pode até ser um outro militar115

,

o que já não se afirmará em situação de guerra, ainda que o conceito de campanha seja

bem mais vasto do que aquilo que à partida se poderia entender116

e, ainda assim, a

115

Vide v.g o n.º 2 do Artigo 138º do anterior RDM, que já estabelecia o direito de o Arguido

sujeito a parecer do CSD sobre a sua conduta ou capacidade (poder) ser representado por um Oficial de

qualquer ramo das Forças Armadas (Vide, ainda, o Artigo 134º do anterior RDM).

116

Com efeito, no sentido da interpretação do conceito de serviço de campanha constante do n.º

2 do Artigo 1º do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Julho, alterado pela Lei n.º 46/99, de 16 de Junho, que

regula o reconhecimento, pelo Estado, do direito à reparação que assiste aos cidadãos portugueses que,

sacrificando-se pela Pátria, se deficitaram ou se deficitem no cumprimento do serviço militar e institui as

medidas e os meios que, assegurando as adequadas reabilitação e assistência, concorrem para a sua

integração social, o nº 2 do Artigo 2º do mesmo diploma dispõe que a campanha tem lugar “no teatro de

operações onde se verifiquem operações de guerra, de guerrilha ou de contraguerrilha e envolve as acções

directas do inimigo, os eventos decorrentes da actividade indirecta do inimigo e os eventos determinados

no decurso de qualquer outra actividade terrestre, naval ou aérea de natureza operacional”. Note-se que o

Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 423/2001, de 9 de Outubro, publicado no Diário da República, n.º

258, I-A Série, de 7 de Novembro, declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da

norma constante do n.º 1 do Artigo 1º daquele diploma na medida em que reservava aos cidadãos

portugueses o gozo dos direitos a que se referem os Artigos 4º, 5º, 9º, 10º, 12º, 13º, 14º – salvo no que se

refere à preferência no provimento em funções públicas que não tenham carácter predominantemente

técnico, 15º e 16º), aplicando-se, assim, o diploma, igualmente aos cidadãos estrangeiros residentes. Note-

se, ainda, que nos termos do n.º 1 do Artigo 15º da Lei Fundamental, os estrangeiros e apátridas que se

encontrem ou residam em Portugal, “gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres do cidadão

português”. A equiparação entre os direitos (e deveres) dos estrangeiros e apátridas que se encontrem ou

residam em território português e os direitos (e deveres) dos cidadãos portugueses refere-se, assim, a

todos os direitos, não se limitando aos direitos fundamentais (Vide, v.g., o elemento literal deste preceito

constitucional. Sobre este ponto, Vide ainda o n.º 2 do Artigo 16º da CRP, conjugado com o Artigo 2º da

Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH), que dispõe que “todos os seres humanos podem

invocar os direitos e as liberdades proclamadas na presente Declaração, sem distinção alguma,

nomeadamente, (…) de origem nacional”. O princípio da equiparação é, assim, o reflexo dos princípios

da universalidade e da igualdade constitucionalmente consagrados (Vide os Artigos 12º e 13º,

respectivamente). A CRP, prevê o princípio da reciprocidade, do qual se exceptuam, no entanto, os

direitos e deveres reservados pela Constituição e pela lei exclusivamente aos cidadãos portugueses (cfr. o

n.º 2 do Artigo 15º da CRP). Ora a excepção que ressalva os direitos e deveres reservados pelo próprio

texto constitucional exclusivamente aos cidadãos portugueses é imperativa. Assim, aos cidadãos dos

Estados de língua portuguesa com residência permanente em Portugal são reconhecidos, nos termos da lei

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salvaguarda dos direitos fundamentais do cidadão em uniforme devesse prever

procedimentos adequados às circunstâncias, ainda mais sensíveis117

, em análise,

designadamente, a contemplação de mecanismos de destrinça inicial entre a infracção

disciplinar e a própria sanidade mental do militar118

. Ou seja, se existiam condições

mínimas para, em tais circunstâncias, iniciar, instruir e decidir um processo disciplinar,

o defensor do Arguido (a escolher por este) deveria igualmente poder intervir, por muito

célere que o processo tivesse de ser e ainda que se tivesse usado da então legalmente

estabelecida faculdade de prescindir da forma escrita119

. Por último, era restritivo limitar

a intervenção do defensor em processo disciplinar onde podiam ser impostas penas

privativas ou restritivas da liberdade, pois que se por um lado a instrução processual em

curso poderia não culminar numa pena privativa ou restritiva da liberdade120

, por outro,

uma pena menos gravosa poderia igualmente exigir uma organização sustentada, ou

técnica, da defesa do Arguido e, mesmo não o exigindo, ainda assim o Arguido deveria

poder, por maioria de razão, dela beneficiar.

Daí que o Artigo 82º do RDM, tido então por parcialmente salvo, tenha sido

confrontado e, bem assim, naturalmente preterido (revogação implícita), face às normas

e em condições de reciprocidade, direitos não conferidos aos estrangeiros, exceptuando-se, no entanto,

expressamente do leque destes direitos, “o serviço nas Forças Armadas” (cfr. o n.º 3 do Artigo 15º da

CRP, o n.º 1 do Artigo 276º da CRP, o n.º 2 do Artigo 275º da CRP, o n.º 1 do Artigo 9º da LDNFA, o

Artigo 1º da LSM e a al. a), n.º 2 do Artigo 32º do RLSM). O actual quadro legal vigente em Portugal

exige, assim, a nacionalidade ou cidadania portuguesa como requisito ou conditio sine qua non de

admissão às Forças Armadas Portuguesas, pelo que os direitos e deveres inerentes à defesa da Pátria não

podem ser aplicados a estrangeiros.

117

Dificilmente se imagina a existência do distanciamento necessário à premente tomada de

decisão disciplinar relativamente à conduta infractora.

118

Correm ainda termos na U/E/O militares inúmeros processos de stress pós-traumático de

guerra relativos aos ex-combatentes das ex-províncias ultramarinas, cuja análise da respectiva Folha de

Matrícula consta o registo da prática de infracções disciplinares que, segundo os relatórios dos

profissionais de saúde da especialidade dos nossos dias, serão relacionáveis com factores de stress

vivenciados pelos militares. Vide, neste âmbito, o n.º 3 do Artigo 1º do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de

Janeiro, alterado pela Lei n.º 46/99, de 16 de Junho, conjugado com o Artigo 1º e ss do Decreto-Lei n.º

50/2000, de 7 de Abril e os nºs 1 e ss do Despacho Conjunto n.º 502/2004, de 2 de Julho, dos Ministros de

Estado e da Defesa Nacional, da Saúde e da Segurança Social e do Trabalho, publicado no Diário da

República, 2ª Série, n.º 183, de 5 de Agosto.

119

A faculdade de prescindir da forma escrita era já questionável, por diminuição das garantias

de defesa do Arguido em processo disciplinar militar.

120

Questiona-se a (subjectiva) antevisão da possibilidade do Arguido vir a ser, ou não,

sancionado com pena restritiva ou privativa da liberdade. Veja-se, por exemplo, o nº 3 do Artigo 83º do

anterior RDM, que permitia expressamente aos Chefes prescindir da forma escrita e proceder eles

próprios, directamente, a todas as diligências instrutórias quando as infracções fossem de pouca gravidade

e não dessem lugar à aplicação de pena igual ou superior à de prisão disciplinar.

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especiais conjugadas, mais recentes, dos Artigos 5º das BGECM e 21º do EMFAR, que

dispõem que em processo disciplinar são garantidos aos militares todas as garantias, de

audiência, defesa, reclamação e recurso – hierárquico e contencioso, estando

expressamente garantido o direito a nomear representante, isto é, o direito ao

patrocínio121

, pelo que a inobservância de qualquer destes vectores equivale à falta de

audiência do Arguido, constituindo nulidade insanável.

No actual RDM, a intervenção do defensor em processo disciplinar já não surge

limitada aos processos onde podem ser impostas penas privativas ou restritivas da

liberdade, opção legislativa que é de saudar, em benefício das garantias de defesa do

Arguido e da já mencionada impossibilidade de antevisão da pena a aplicar, atenta a

inexistência de molduras penais disciplinares correspondentes aos factos praticados122

.

Além disso, encontrando-se o Arguido em situação de campanha, em missão de serviço

fora do território ou embarcado, em unidade naval ou aérea, a navegar ou em voo, a

entidade que tiver mandado instaurar o processo disciplinar pode determinar a

suspensão deste até ao termo dessa situação ou o regresso do Arguido ao território

nacional. Resultando prejuízo para o serviço, para a disciplina ou para o processo, o

Arguido que opte por constituir defensor terá de escolher um Oficial presente no teatro

de operações, ou integrado na unidade naval ou aérea123

.

Constitui um direito fundamental do Arguido em processo disciplinar a sua

informação e audição relativamente à matéria de que é acusado, devendo, para tal, a

acusação especificar os factos que lhe são imputados e as circunstâncias de tempo,

modo e lugar em que os mesmos foram praticados, os deveres militares e as normas

infringidos124

. Assim, a acusação não deve conter quaisquer juízos de valor,

considerações subjectivas, imputações vagas, factos imprecisos ou arguições genéricas,

121

Como sucede, aliás, no processo disciplinar comum, que é bem menos gravoso que o

processo disciplinar militar (Vide o n.º 1 do Artigo 35º da Lei nº 58/2008, de 9 de Setembro, que prevê

expressamente que o arguido pode constituir advogado em qualquer fase do processo, nos termos gerais

de direito). Esclarece, ainda, o Estatuto da Ordem dos Advogados, que o mandato judicial, a

representação e a assistência por Advogado são sempre admissíveis e não podem ser impedidos perante

qualquer jurisdição, autoridade, entidade pública ou privada, nomeadamente para a defesa de direitos,

patrocínio de relações jurídicas controvertidas, composição de interesses ou em processos de mera

averiguação, ainda que administrativa, oficiosa ou de qualquer natureza. Note-se que Advogado provém

do latim advocatus, o que é chamado, significando justamente patrono ou protector.

122

Vide os nºs 1 e 2 do Artigo 77º do novo RDM.

123

Vide os nºs 3 e 4 do Artigo 77º do novo RDM.

124

Vide os nºs 1, 3 e 4 do Artigo 98º do novo RDM e o n.º 1 do Artigo 90º do anterior RDM.

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devendo antes ser deduzida por artigos, cada artigo integrando um facto, indicando, de

forma precisa, as circunstâncias de modo, tempo e lugar da infracção, relacionando-a,

por fim, com o correspondente dever militar violado.

Nos termos dos nºs 2 e 3 do Artigo 90º do anterior RDM, o Oficial Instrutor

entregava a designada nota de culpa ao Arguido125

, fixando-lhe um prazo compatível

para a apresentação, por escrito, da sua defesa e para a indicação de quaisquer meios de

prova. Assim, a compatibilidade deste prazo teria, por um lado, de garantir o direito de

defesa do Arguido e, por outro, de salvaguardar a célere conclusão do processo, que se

recomendava ser, no mínimo, de cinco dias (úteis), sem prejuízo de o Arguido

circunstancialmente poder requerer ao respectivo Oficial Instrutor nomeado a sua

prorrogação. Efectivamente, os prazos estabelecidos no RDM então em vigor para o

exercício dos direitos de reclamação e de recurso hierárquico – cfr., os seus Artigos

113º, n.º 1 e 114º, n.º 1, de cinco dias – eram já inferiores aos estabelecidos no CPA, ou

seja, às regras comuns do procedimento administrativo, respectivamente de quinze e

trinta dias, integrando, assim, tais preceitos, um dos vectores do regime disciplinar

próprio ou especial em análise, pelo que também o prazo de resposta à nota de culpa

teria de se harmonizar com o prazo concedido para a (célere) conclusão do processo

disciplinar. Assim, uma eventual previsão de um prazo superior teria igualmente de

importar o estabelecimento de um prazo mais longo para a conclusão do processo

disciplinar (sem prejuízo para a natureza ordenadora dos prazos administrativos e desde

que salvaguardadas as exigências de celeridade) e para o exercício dos direitos de

reclamação e recurso.

Ora o n.º 1 do Artigo 99º do novo RDM consagrou expressamente o prazo de

dez dias para o Arguido apresentar a sua defesa, eliminando quaisquer dúvidas e

interpretações, podendo o instrutor conceder um prazo superior, até ao limite de trinta

dias quando o processo for complexo, pelo número e natureza das infracções, por

abranger vários arguidos ou por o prazo da instrução ter sido prorrogado nos termos do

disposto no n.º 2 do Artigo 93º do RDM. Assim, vislumbra-se que concessão do limite

125 A nota de culpa era elaborada em duplicado, sendo o original entregue pessoalmente ou

enviado, através de correio registado, com aviso de recepção, ao Arguido, notificando-o integralmente da

factualidade que lhe era imputada, de modo a permitir-lhe exercer o seu direito de defesa. O n.º 3 do

Artigo 98º do actual RDM estabelece igualmente a regra da notificação pessoal da acusação e agora

expressamente, na sua impossibilidade, a notificação por carta registada com aviso de recepção para a

residência do Arguido.

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máximo de trinta dias previsto no n.º 2 do Artigo 99º possa comprometer a celeridade

processual pretendida.

Para a concretização da sua defesa, o Arguido pode (o actual RDM emprega

erroneamente o termo “deve”) indicar testemunhas e requerer a realização de outras

diligências como a passagem de certidões de peças processuais, a junção de documentos

(por exemplo, relatórios médicos de exames de sanidade realizados em hospitais civis)

aos autos, a realização de peritagens, inspecções e reconstituições126

. Por sua vez, o

instrutor deverá realizar as diligências requeridas pelo Arguido, podendo, no entanto,

recusá-las, em despacho fundamentado, quando considere suficientemente provados os

factos alegados pelo Arguido na sua defesa ou se reputar as diligências requeridas como

meramente dilatórias, impertinentes, desnecessárias127

, caso em que se transpõem para

esta sede as reticências causadas pelo seu eventual exercício arbitrário, bem como a sua

eventual colisão com o direito de petição individual do Arguido em violação do

disposto nos Artigos 18º, n.º 2 e 52º da CRP. Em situações duvidosas, será sempre

preferível realizar a diligência de prova requerida pelo Arguido, pois que a sua omissão,

vindo a ser considerada relevante, constitui nulidade insanável equivalente à falta de

audiência do Arguido.

Quando a realização das diligências complementares revele factos não

constantes da nota de culpa ou a sua comissão em circunstâncias diferentes, o Oficial

Instrutor procede à elaboração de uma nova nota de culpa, notificando o Arguido dos

novos artigos de acusação para o exercício do seu direito de defesa.

Uma vez esgotado o prazo concedido sem que o Arguido tenha apresentado

resposta à acusação que lhe foi dirigida, o Oficial Instrutor pode dar por concluída a

instrução processual. A convocação do Arguido para efeitos da confirmação da não

apresentação de defesa era uma diligência não raras vezes objecto de comprovação no

processo disciplinar, actualmente dispensável com a consagração expressa, no n.º 5 do

Artigo 102º do novo RDM, da valoração da não apresentação da defesa dentro do prazo

fixado como efectiva audiência do Arguido para todos os efeitos legais.

126

Vide o n.º 2 do Artigo 81º do antigo RDM e os Artigos 100º e 102º, n.º 2 do novo RDM.

127

Vide os nºs 1 e 2 do Artigo 103º do novo RDM.

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70

3.2.6. O RELATÓRIO DO OFICIAL INSTRUTOR

Finda a fase de instrução, é lavrado termo de encerramento no fim do processo,

assinado pelo Oficial Instrutor e pelo Escrivão – se tiver havido lugar à sua nomeação –

indicando o local e o dia da sua conclusão, acompanhado de um relatório, onde o

Oficial Instrutor expõe os factos provados e não provados objecto do processo, a sua

qualificação como infracção disciplinar e o grau de culpabilidade do Arguido128

.

O relatório visa, assim, habilitar a entidade competente a proferir uma decisão

célere, fundamentada e justa no processo disciplinar. Salienta-se, no entanto, uma vez

mais, a habitual ausência de formação de base do ainda que bem-intencionado Oficial

Instrutor, para sustentar o pretendido parecer sobre a ilicitude dos factos e o grau de

culpa do Arguido, alicerçados, como referia a própria letra do anterior RDM, na “sua

opinião sobre os actos investigados”, gravidade que se aguça a níveis intoleráveis

quando a proposição final do relatório se vem a consubstanciar numa pena privativa ou

restritiva da liberdade pela prática de factos à qual não corresponde qualquer cominação

legal específica, nada mais de substancial existindo, pois, no RDM antigo e no que está

actualmente em vigor, para além de uma enunciação de deveres a observar pelo militar,

cuja violação importa a aplicação de uma qualquer punição constante do elenco das

penas disciplinares possíveis (princípio da tipicidade das penas), como

desenvolveremos infra.

O Oficial Instrutor não pode deixar conduzir-se por um mero impulso ou palpite,

antes deve, após o necessário resumo do conteúdo do procedimento129

, formalizar uma

apreciação sobre a factualidade provada em sede instrutória com relevância disciplinar

para a valoração da conduta do Arguido. O parecer sobre a ilicitude dos factos apurados

importa a formulação de um verdadeiro juízo de valor sobre a conformidade ou

desconformidade da conduta do Arguido face aos deveres militares a que o mesmo se

encontra adstrito, devendo o Oficial Instrutor concluir fundadamente, pela sua

128

Vide o Artigo 93º do antigo RDM e o n.º 1 do Artigo 104º do novo RDM.

129

Releva aqui a menção à origem do processo disciplinar (a participação, a queixa, a denúncia

ou o conhecimento directo dos factos, bem como o despacho de instauração e de nomeação do Oficial

Instrutor), à audiência do Arguido (com destaque para a elaboração da acusação e a eventual resposta

dada à mesma pelo Arguido) e às diligências probatórias realizadas (requeridas pelo Arguido e as

diligências efectuadas por iniciativa do Oficial Instrutor) e não realizadas (com o registo do fundamento

do indeferimento da realização de diligências eventualmente requeridas).

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respectiva licitude ou ilicitude. Atentas, ainda, as noções de responsabilidade e

censurabilidade subjacentes ao RDM, o Oficial Instrutor deve igualmente avaliar, com

rigor, o grau de censura subjacente à conduta do Arguido, nomeadamente face aos

deveres militares concretamente violados e à maior ou menor exigibilidade da adopção

de comportamento diferente do assumido nas circunstâncias de facto em análise.

Com efeito, no processo disciplinar impera o princípio da culpa, configurando

este o pressuposto subjectivo da infracção de disciplina. No âmbito da disciplina, não

basta a comprovação da ocorrência de um comportamento ilegal – a demonstração do

facto e da sua ilicitude, ou seja, que o Arguido tenha violado um dever. Não havendo

infracção de disciplina sem a existência de culpa, o Oficial Instrutor deve proceder à

imputação subjectiva da responsabilidade (o nexo de imputação), atentos os diferentes

graus da culpa, ou seja, a censurabilidade do comportamento, por acção ou omissão,

dirigido a título de dolo (a intenção) ou mera culpa (a negligência).

Ora enquanto o dolo pressupõe uma conduta com a intenção da obtenção de um

resultado ilegal, a mera culpa ocorre quando o Arguido, de forma livre e consciente,

viola um dever por simples culpa, ainda que por desatenção (distracção), descuido

(desmazelo), leviandade, falta de conhecimento das normas aplicáveis e/ou

imprecaução, ou seja, existe infracção de disciplina mesmo quando o Arguido não

tenha a intenção de cometer a falta mas, todavia, a pratica por omissão dos preceitos que

toda a sua inteligência, zelo e aptidão lhe impunham, o que muitas vezes é ignorado

pelos Oficiais Instrutores nomeados, sem prejuízo da recente integração expressa no

conceito de infracção de disciplina da responsabilidade disciplinar por negligência130

.

Esmiuçando o conceito de mera culpa, existe responsabilidade disciplinar por

negligência quando o Arguido representa como possível que determinada conduta ou

omissão viole um dever e mesmo assim actua conformando-se com a realização desse

acto, assim como quando actua sem sequer representar a possibilidade de se encontrar a

violar um dever quando lhe era exigível que tal previsse. Verifica-se, aqui, a omissão de

um dever objectivo de cuidado adequado a evitar a prática da infracção disciplinar por

quem pode e seja capaz de prever (ou prever correctamente) a prática da infracção.

Assim, o grau de culpa do Arguido será tanto maior quanto maior for a sua

responsabilidade na ocorrência da acção ou omissão contrária aos deveres militares e

quanto mais exigível fosse a adopção de comportamento diferente do assumido nas

130

Vide o Artigo 3º do antigo RDM e o Artigo 7º do novo RDM.

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circunstâncias concretas, atentas as regras da experiência comum da vivência na

Instituição militar.

A verificação de quaisquer circunstâncias agravantes e/ou atenuantes da

responsabilidade disciplinar do Arguido é especificada aquando da formalização da

acusação e também no relatório, conforme a tipificação constante do Artigos 40º e 41º

do novo RDM. As infracções disciplinares são, assim, sempre consideradas mais graves

em tempo de guerra, em estado de sítio ou de emergência, em operações militares ou em

situações de crise; quando cometidas em território (note-se que o anterior RDM

mencionava “país”131

) estrangeiro; quando lesem o prestígio das Forças Armadas;

quando praticadas em acto de serviço, em razão de serviço ou na presença de outros

militares, especialmente quando estes forem inferiores hierárquicos do infractor132

;

sendo praticadas em concurso com outros indivíduos133

; quanto maior for o posto ou a

antiguidade do infractor; na situação de reincidência, acumulação de infracções e

premeditação.

A alínea i) do Artigo 71º do anterior RDM previa a circunstância agravante da

reiteração da prática da infracção, pelo que era necessário esclarecer se esta

circunstância se referia, como aconselhado, ao cometimento de infracções anteriores e

transitadas em julgado já aplicadas ao mesmo Arguido, relevando, neste ponto, a

cuidada análise do registo disciplinar constante da Folha de Matrícula do Arguido, cuja

fotocópia (autenticada) se junta ao respectivo processo disciplinar, para efeitos de

prova. Porém, os nºs 2 e 3 do Artigo 40º do novo RDM estabelecem, respectivamente,

que a reincidência se verifica quando a infracção é cometida antes de decorridos seis

meses sobre o dia em que tiver findado o cumprimento da pena imposta por infracção

anterior e que a acumulação de infracções se verifica quando duas ou mais infracções

são cometidas na mesma ocasião ou quando uma é cometida antes de ter sido punida a

131

Vide a alínea b) do Artigo 71º do anterior RDM;

132

O relevo dado à antiguidade dos militares estava bem patente no n.º 3 do Artigo 10º do

anterior RDM, que preconizava que a advertência a qualquer militar por acto por ele praticado que não

devesse ser punido nos termos do Regulamento não pudesse ser feita na presença de militares de

graduação inferior ou de civis seus subordinados. Atende-se actualmente também à responsabilidade

decorrente da categoria e do posto e à antiguidade neste, do infractor, na escolha da pena a aplicar e na

medida desta (Vide a alínea c) do Artigo 39º do novo RDM).

133

A alínea e) do Artigo 71º do antigo RDM mencionava tão-só a prática de infracções

colectivas, pelo que carecia da concretização do grau de participação dos sujeitos ou infractores para

efeitos da sua rigorosa aplicação, sem prejuízo de a opção actual pelo termo “indivíduos” não ser a mais

feliz.

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anterior. Ora não se concebe figurar no elenco das circunstâncias agravantes esta

“acumulação de infracções”, na medida em que atende ao cometimento de infracções

não punidas. Uma infracção anterior importa uma instrução processual disciplinar em

curso, cuja decisão não foi ainda proferida, sendo esta reclamável e recorrível. Podendo

a pena eventualmente aplicada vir a ser anulada, tal circunstância não poderá jamais

configurar uma agravante da responsabilidade disciplinar do Arguido no âmbito da

instauração posterior de um novo processo disciplinar, sob pena de ocorrer a violação

do princípio da presunção de inocência e das garantias de defesa do Arguido.

Constituirão já circunstâncias atenuantes da responsabilidade disciplinar o

cometimento de factos heróicos ou actos de excepcional valor; a prestação de serviços

relevantes134

; a confissão espontânea dos factos, quando contribua para a descoberta da

verdade; o comportamento exemplar135

; a provocação, quando anteceda imediatamente

a infracção136

e a apresentação voluntária do infractor137

.

134

O regime jurídico da pensão por serviços excepcionais e relevantes prestados ao País

encontra-se previsto no Decreto-Lei n.º 466/99, de 6 de Novembro. No Artigo 4º deste diploma, prevê-se

que a atribuição da pensão pressupõe que o beneficiário revele exemplar conduta moral e cívica (ou seja,

observe, em permanência, o respeito pelos direitos e liberdades individuais e colectivos e pelo prestígio e

dignidade do País) e poderá ter lugar quando se verifique a prática, por cidadão português, militar ou

civil, de feitos em teatro de guerra, de actos de abnegação e coragem cívica ou de altos e assinalados

serviços à Humanidade ou à Pátria e, ainda, quando se verifique a prática, por qualquer cidadão, de acto

humanitário ou de dedicação à causa pública de que resulte a incapacidade absoluta e permanente para o

trabalho ou o falecimento do seu autor. A atribuição desta pensão depende, assim, da comprovação da

prática de actos demonstrativos de que o interessado se tornou credor do reconhecimento nacional em

razão da sua excepcionalidade e invulgar relevância, actos que terão, assim, de ultrapassar o mero

cumprimento dos deveres (militares) que lhe incumbiam. Praticará um acto excepcional e relevante o

militar que, a título exemplificativo, gravemente ferido numa emboscada, se mantém a combater, dando

tempo aos camaradas de armas para manobrar.

135

Vide a alínea d) do n.º 1 do Artigo 41º conjugada com o Artigo 29º, ambos do novo RDM.

136

A alínea c) do Artigo 72º do antigo RDM integrava a provocação nas situações de agressão

física ou ofensa grave à honra do infractor, cônjuge, ascendentes, descendentes, irmãos, tios, sobrinhos ou

afins nos mesmos graus.

137

Constituirá ainda circunstância atenuante da responsabilidade disciplinar do Arguido em

processo disciplinar por acidente de viação em que intervenha (pelo menos) uma viatura militar a

espontânea reparação dos danos resultantes da colisão (Vide, v.g., os Artigos 21º e 22º da Portaria n.º

22/72, de 15 de Janeiro, alterada pela Portaria nº 306/79, de 29 de Junho, que regula os Processos

Relativos a Acidentes com Viaturas Automóveis da Armada e os Artigos 27º e 28º da Portaria n.º 22.396,

de 27 de Dezembro de 1966, alterada pela Portaria n.º 396/76, de 7 de Julho, que regula os Processos

Relativos à Circulação de Viaturas Automóveis do Exército). O processo disciplinar por acidente de

viação tem natureza especial, visando o apuramento da responsabilidade disciplinar do condutor militar-

Arguido face ao (in)cumprimento das normas reguladoras do serviço automóvel militar e das regras de

trânsito estabelecidas no Código da Estrada, sem olvidar o apuramento da responsabilidade pelos

prejuízos materiais emergentes. O processo administrativo por acidente de viação é independentemente

instruído e tem em vista a pronta recuperação da viatura militar acidentada dos danos materiais sofridos

na colisão. Questiona-se, no entanto, a manutenção da punibilidade com sanções disciplinares que,

relembre-se, podem ser privativas da liberdade, de todas as infracções de natureza contra-ordenacional

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Os nºs 2 dos Artigos 55º e 56º do anterior RDM classificavam os militares da

Categoria de Oficiais e Sargentos com exemplar comportamento militar quando,

respectivamente, após dez anos e cinco anos de serviço efectivo, não tivessem sofrido

qualquer punição averbada e nada constasse no seu registo criminal, salientando-se a

desproporção do tempo de serviço sem o averbamento de qualquer punição e sem o

registo de infracção criminal respectivamente exigido para os militares graduados. Além

disso, os militares da Categoria de Praças eram colocados na primeira classe de

comportamento, equivalente ao exemplar comportamento, quando decorrido o período

mínimo de apenas três anos de serviço efectivo desde a sua incorporação sem o

averbamento de qualquer punição e sem que nada constasse do respectivo registo

criminal138

, pelo que se questionava a não uniformização das classificações de

comportamento de todos os militares face à realidade actual do serviço militar. É, assim,

de aplaudir a desejada eliminação da classificação de comportamento em função da

categoria dos militares, em benefício do princípio de igualdade de tratamento de todos

os militares

Nos termos do Artigo 42º do novo RDM, quando existam circunstâncias

atenuantes que diminuam substancialmente a culpa do Arguido, a pena pode ainda ser

extraordinariamente atenuada. Não se percebe, porém, quais serão as circunstâncias

atenuantes que diminuem “substancialmente” a culpa do Arguido e muito menos como

se procederá à correspondente atenuação extraordinária do pena.139

Andou mal o

legislador ao delegar a competência para discricionariamente interpretar circunstâncias

atenuantes eventualmente verificáveis.

O legislador contemporâneo surpreende-nos, ainda no âmbito da escolha e

medida das penas, determinando genericamente que também se atenda, segundo juízos

de proporcionalidade, à “personalidade do infractor”, como se o conhecimento da

personalidade exigido não importasse uma avaliação de personalidade a elaborar apenas

por técnicos especializados140

.

punidas unicamente com coima. Neste sentido, o n.º 2 do Artigo 8º do novo RDM prevê não ser passível

de sanção disciplinar a contra-ordenação punida unicamente através de coima.

138

Vide os Artigos 57º e 59º do anterior RDM.

139

Vide o Artigo 42º do novo RDM.

140

Vide a al. d) do Artigo 39º do novo RDM.

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75

Concluído o parecer do Oficial Instrutor, este propõe a decisão que sintetiza as

razões de facto e de direito que a justificam. Se o Arguido for inocente ou não se

provando a sua culpabilidade, perdendo a respectiva acusação subsistência (acusação

infundada), o Oficial Instrutor propõe o arquivamento do processo. Em sentido

contrário, isto é, provando-se a responsabilidade disciplinar do Arguido, o Oficial

Instrutor formaliza a respectiva proposta no sentido da existência de infracção punível

com uma das penas disciplinares legalmente previstas.

O termo de entrega regista formalmente a entrega do processo disciplinar pelo

Oficial Instrutor ao Chefe que o mandou instaurar que, considerando não dispor de

competência para decidir, o remete de imediato à entidade competente141

.

3.2.7. A DECISÃO: A APLICAÇÃO CONCRETA DA PENA

DISCIPLINAR

A entidade competente para decidir o processo disciplinar procede à sua análise,

podendo determinar a realização de diligências instrutórias complementares, necessárias

à descoberta da verdade e/ou a obtenção de pareceres técnicos, nomeadamente jurídicos,

que entenda necessários para uma correcta decisão142

.

Considerando-se habilitada para decidir, a entidade competente profere despacho

fundamentado, no próprio auto ou junto a ele, imediatamente a seguir ao termo de

encerramento da instrução, no prazo máximo de quinze dias contados da data da

recepção do processo ou do termo do prazo fixado para a realização das diligências

complementares143

.

Saliente-se, neste ponto, a inúmeras vezes questionada legalidade dos despachos

finais de processos disciplinares consubstanciados em (mera) declaração de

concordância com documentos (suficientemente) fundamentados, que descreviam, de

forma perfeitamente compreensível, as circunstâncias que sustentavam a punição

141

Vide os nºs 3 e 4 do Artigo 104º do novo RDM.

142

Vide o Artigo 105º do novo RDM.

143

Vide o n.º 1 do Artigo 106º do novo RDM. O n.º 3 do Artigo 268º da CRP estabelece também

que os actos administrativos carecem de fundamentação expressa e acessível “quando afectem direitos ou

interesses legalmente protegidos”.

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76

aplicada, como os relatórios dos Oficiais Instrutores elaborados com o necessário. Tais

equívocos surgem agora desfeitos, com a menção expressa, no n.º 2 do Artigo 106º do

novo RDM, da possibilidade de fundamentação da decisão final com a declaração de

concordância com o relatório. Assim, as decisões podem ser auto-suficientes,

enunciando todas as menções obrigatórias ou, em alternativa, remissivas, remetendo a

necessária fundamentação para análises anteriormente efectuadas, nomeadamente para o

disposto no Relatório do Oficial Instrutor, considerando-se, ou dando-se as respectivas

conclusões e propostas, como transcritas para os despachos, para todos os efeitos legais,

nomeadamente de suficiente fundamentação. Note-se, aliás, que o n.º 1 do Artigo 125º

do CPA estabelece inequivocamente que a fundamentação deve ser “expressa, através

de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo

consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores

pareceres, informações ou propostas, que constituirão nesta caso parte integrante do

respectivo acto”. A designada fundamentação por remissão encontra a sua razão de ser

no princípio da eficiência e no dever de celeridade da actuação administrativa,

deixando à Administração a possibilidade de adequar a marcha do procedimento a

decisões que se revelem mais eficazes e oportunas, sem prejuízo dos direitos e

interesses legalmente protegidos do interessado144

.

Se a decisão for de arquivamento, o despacho deverá mencionar a identificação

do Arguido, a identificação dos factos dados como provados e a fundamentação do

arquivamento por falta de culpabilidade do Arguido, pela sua inocência, por extinção do

procedimento ou por os factos não constituírem ilícito disciplinar. Se a decisão for

punitiva, o despacho deverá também conter, sob pena de padecer do vício de falta de

fundamentação145

, para além da identificação do Arguido e da descrição sucinta dos

144

Vide os Artigos 10º e 57º do CPA. Polémica será já a conclusão pela existência de

fundamentação do acto administrativo quando um destinatário normal, suposto na posição do interessado

em concreto, atentas as suas habilitações literárias e os seus conhecimentos profissionais, o tipo legal de

acto, os seus termos e as circunstâncias que rodearam a sua prolação, não tenha dúvidas acerca das

razões que motivaram a decisão (Vide, neste ponto, o Acórdão da 1ª Secção do Supremo Tribunal

Administrativo, de 24 de Novembro de 1994, in AD, n.º 401, p. 594, citado in FREITAS DO AMARAL,

Diogo e outros, Código do Procedimento Administrativo Anotado, 3ª Edição, Almedina, Coimbra, pág.

23).

145

A falta de fundamentação pode importar a anulação do despacho punitivo, se oportunamente

invocada pelo Arguido. Com efeito, a omissão de fundamentação gera a anulabilidade (Vide a conjugação

dos Artigos 123º, n.º 1, al. d), 133º e 135º, todos do CPA). Assim, o acto anulável é eficaz e obrigatório

até que ocorra a sua revogação pelo autor efectivo do acto (ou pelos respectivos superiores hierárquicos

com competência dispositiva sobre a matéria) ou seja contenciosamente anulado, pelo que uma vez

decorrido o prazo sem que tenha sido interposto recurso contencioso, o vício tem-se por sanado e o acto

administrativo convalidado (Vide os Artigos 136º e 141º, ambos do CPA).

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factos praticados dados como provados, a qualificação dos mesmos como infracção

disciplinar, com a indicação dos preceitos legais violados (deveres militares violados), a

indicação das circunstâncias que influem na culpa do Arguido (enunciação dos critérios

seguidos na aplicação da pena) e a pena concretamente aplicada, de forma a possibilitar

e facilitar a defesa do Arguido146

. O dever de fundamentação deve, assim, ser

rigorosamente observado, dando-se especial ênfase ao despacho punitivo, até pela

situação de litígio que o mesmo pode gerar.

A aplicação concreta da pena será talvez o momento mais controverso do

processo disciplinar militar. Na escolha e medida da pena, é exigido ao aplicador que

atenda, segundo juízos de oportunidade, ao grau da ilicitude do facto e de culpa do

infractor, à responsabilidade decorrente da categoria e antiguidade no posto do infractor,

à sua personalidade, à relevância disciplinar da sua conduta anterior e posterior, à

natureza do serviço desempenhado, aos resultados perturbadores na disciplina e às

demais circunstâncias em que a infracção tiver sido cometida, que militem contra ou a

favor do infractor. Além disso, tem a dificuldade acrescida de à prática dos factos

passíveis de consubstanciar uma infracção de disciplina não corresponder qualquer

cominação legal específica. Assim, a violação deste ou daquele dever militar poderá

importar a aplicação de uma qualquer punição constante do elenco das penas

disciplinares possíveis, de acordo com o critério pessoal da entidade com competência

para o exercício da acção disciplinar. Esta entidade, quase sempre sem formação técnica

adequada (jurídica)147

, encontra-se legalmente legitimada para aplicar uma pena

privativa ou restritiva da liberdade, o que só deveria ocorrer em processo penal.

Embora de acordo com o RDM, o cometimento de infracções disciplinares seja

passível de conduzir à privação da liberdade, não podemos olvidar as reticências

suscitadas quanto aos critérios utilizados pelas Chefias Militares, designadamente de

oportunidade, proporcionalidade e adequação na aplicação de penas inibidoras da

liberdade a outros militares, seus subordinados hierárquicos. Podendo, assim, o processo

disciplinar militar culminar na aplicação de penas tão gravosas como a prisão disciplinar

e a proibição de saída e sem descurar a reconhecida falta de preparação técnica dos

146

Vide os nºs 3 e 4 do Artigo 106º do novo RDM.

147

A formação militar envolve acções de investimento, de evolução e de ajustamento e

materializa-se através de cursos, tirocínios, estágios, instrução e treino operacional e técnico, consoante a

categoria, o posto, a classe, a arma, o serviço ou a especialidade a que o militar pertence (Vide o Artigo

73º do EMFAR).

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78

respectivos aplicadores, as garantias de defesa do Arguido correm o risco de ficar

seriamente comprometidas.

No âmbito disciplinar, o princípio da proporcionalidade (ou da proibição do

excesso) exige a adequação da pena aplicada à gravidade dos factos objecto da

acusação. A medida disciplinar aplicada deve ser idónea aos fins que se pretende

prosseguir e mostrar-se como a menos gravosa para o Arguido, respeitando-se o

princípio da intervenção mínima, que impõe à Administração que escolha, de entre as

penas disciplinares que se mostrem adequadas à satisfação ou prossecução do interesse

público objectivado na acção disciplinar, aquela que se revela menos lesiva da esfera

jurídica do Arguido. A própria revisão do processo disciplinar poderá conduzir à

confirmação ou à revogação, total ou parcial, da decisão proferida pelo detentor da

acção disciplinar, mas em caso algum determinará a agravação da pena (proibição da

reformatio in pejus)148

. Muito embora a entidade detentora da acção disciplinar possua

uma ampla margem de liberdade administrativa, encontra-se limitada pelos princípios

da imparcialidade, justiça e proporcionalidade, ficando, a posteriori, sujeita ao poder

sindicante dos tribunais administrativos.

O anterior RDM tipificava as penas (princípio da tipicidade das penas)

aplicáveis aos militares149

, destrinçando o Artigo 34º as que se aplicavam a Oficiais e

148

Os processos de disciplina militar devem ser revistos sempre que tal for requerido pelo

interessado ao CEMGFA ou ao CEM do respectivo ramo das Forças Armadas, consoante a entidade que

tiver aplicado a punição, quando sejam conhecidos factos ou se verifiquem circunstâncias ou meios de

prova susceptíveis de demonstrar a inexistência dos factos que determinaram a punição, bem como a

inocência ou menor culpabilidade do militar punido, desde que este os não pudesse ter utilizado no

processo (Vide o n.º 1 do Artigo 126º e o n.º 1 do Artigo 127º, ambos do novo RDM, relativos ao recurso

de revisão).

149

As penas aplicáveis ao abrigo do anterior RDM eram as de repreensão, repreensão agravada,

faxinas, detenção ou proibição de saída, prisão disciplinar, prisão disciplinar agravada, inactividade,

reserva compulsiva, reforma compulsiva e separação de serviço. Nos termos do Artigo 22º, a repreensão

consistia na declaração feita, em particular, ao infractor de que era repreendido por ter praticado qualquer

acto que constituía infracção de dever militar. A repreensão agravada a Oficiais e Sargentos era dada na

presença de outros Oficiais ou Sargentos, respectivamente, de graduação superior ou igual à do infractor,

mas sempre mais antigos, do Comando, Unidades ou Estabelecimentos a que pertencesse ou em que

estivesse apresentado; a repreensão agravada a Cabos era dada na presença de Praças da mesma

graduação de antiguidade superior à sua e a repreensão agravada às outras Praças era dada em formatura

da Companhia ou equivalente, do Comando, Unidade ou Estabelecimento a que pertencesse ou em que

estivesse apresentado (cfr., os nºs 1 e 2 do Artigo 23º). No acto da repreensão ou repreensão agravada, era

entregue ao infractor uma nota onde constava o facto que motivava a sua punição e os deveres violados

(Vide o Artigo 24º). Nos termos do Artigo 25º, a pena de faxinas consistia na execução de serviços

fixados por regulamentos próprios da Marinha, do Exército e da Força Aérea. Conforme o disposto no

Artigo 25º, a pena de faxinas consistia na execução de serviços fixados por regulamentos próprios da

Marinha, do Exército e da Força Aérea. A detenção ou proibição de saída consistia na permanência

continuada do infractor num aquartelamento ou navio durante o cumprimento da pena, sem dispensa das

formaturas e do serviço interno que por escala lhe pertencesse. Em marcha, tal pena era cumprida

permanecendo o infractor no aquartelamento ou estacionamento em que a força se demorasse. Na

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Sargentos (exclusão da pena de faxinas), o Artigo 35º as penas aplicáveis a Cabos

(exclusão da pena de faxinas e da pena máxima correspondente à prisão disciplinar

agravada) e o Artigo 36º as penas aplicáveis às outras praças (inclusão da pena de

faxinas e da pena máxima correspondente à prisão disciplinar agravada). O anterior

RDM atribuía, ainda, a competência das autoridades militares para punir através das

colunas de um quadro onde, a título meramente exemplificativo, a pena de detenção

podia ser aplicada por um Capitão aos militares da categoria de Sargentos (até cinco

dias), Cabos (até dez dias) e a outras Praças (até dez dias) e a pena de prisão disciplinar

por um Coronel aos militares também da categoria de Oficiais (até cinco dias), aos

Sargentos (até dez dias), aos Cabos (até quinze dias) e a outras Praças (até quinze dias),

podendo uma Praça vir inclusivamente a cumprir até quarenta dias de prisão disciplinar

agravada se a pena fosse aplicada por um General de quatro estrelas150

.

Marinha, o cumprimento desta pena era interrompida durante o tempo de navegação (Vide o Artigo 26º).

A prisão disciplinar consistia na reclusão do infractor em casa para esse fim destinada, em local

apropriado, aquartelamento ou estabelecimento militar, a bordo, em alojamento adequado ou, na sua falta,

onde superiormente fosse determinado. Durante o cumprimento desta pena, os militares poderiam

executar, entre o toque da alvorada e o pôr-do-sol, os serviços que lhes fossem determinados (cfr. o

Artigo 27º). A prisão disciplinar consistia na reclusão do infractor em casa para esse fim destinada, em

local apropriado, aquartelamento ou estabelecimento militar, a bordo, em alojamento adequado ou, na sua

falta, onde superiormente fosse determinado. Durante o cumprimento desta pena, os militares poderiam

executar, entre o toque da alvorada e o pôr-do-sol, os serviços que lhes fossem determinados (cfr. o

Artigo 27º). Nos termos do Artigo 28º, a prisão disciplinar agravada consistia na reclusão do infractor

em casa de reclusão, pena que estava estritamente conotada com o serviço militar obrigatório e os então

tidos por necessários castigos. A pena de inactividade consistia na suspensão das funções de serviço

militar pelo tempo da punição, com permanência numa Unidade (Vide o Artigo 29º). A reserva

compulsiva consistia na passagem à situação de reserva por motivo disciplinar (Vide o Artigo 30º). A

reforma compulsiva consistia na passagem à situação de reforma por motivo disciplinar (Vide o Artigo

31º). Nos termos do Artigo 32º, a separação de serviço consistia no afastamento definitivo de um militar

do exercício das suas funções, com perda da sua qualidade de militar, ficando privado do uso de

uniforme, distintivos ou insígnias militares, com a pensão de reforma que lhe coubesse. As penas de

reserva compulsiva, reforma compulsiva e separação de serviço só podiam ser aplicadas em processo

disciplinar após a apreciação dos Conselhos Superiores de Disciplina (CSD) respectivos, ou quando

resultassem da apreciação da capacidade profissional e moral dos elementos das Forças Armadas que não

revelassem qualidades essenciais para o exercício das funções militares. Ao abrigo da alínea b) do Artigo

139º do novo RDM, compete-lhes dar parecer obrigatório apenas sobre a aplicação das penas de reforma

compulsiva e de separação de serviço, isto é, no caso dos comportamentos objectivamente mais graves e

lesivos da disciplina. Os CSD assistem, ainda, o CEM em todas as matérias da natureza disciplinar

submetidas à sua consideração, dão parecer sobre a conduta dos militares, quando estes o requeiram e o

pedido lhes seja deferido pelo CEM do respectivo ramo, no intuito de ilibarem a sua honra posta em

dúvida por factos cuja natureza possa reflectir-se no seu prestígio militar (designadamente factos que

afectem a sua respeitabilidade, o decoro militar ou os ditames da virtude e da honra) e sobre os quais não

tenha recaído decisão disciplinar ou judicial ou não haja procedimento pendente e dão parecer nos

recursos de revisão de processos disciplinares. O CSD é, afinal, um instituto legal de defesa do Arguido

no âmbito administrativo-militar e, simultaneamente, instrumento de apoio à justiça, perfeição e

segurança das decisões finais do executivo, enquanto (mais alto) órgão consultivo em matéria disciplinar

do CEM de cada ramo das Forças Armadas (Vide o Artigo 134º e as alíneas a), c) e d) do Artigo 139º do

novo RDM).

150

Vide o Artigo 37º do anterior RDM e o respectivo quadro que estabelecia os limites da

competência disciplinar.

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80

Em traços gerais, dois critérios presidiram a tal distribuição: o primeiro, no

sentido de à gravidade da pena disciplinar corresponder uma competência punitiva

situada a nível mais elevado da hierarquia militar e, o segundo, o de fazer depender a

competência punitiva da categoria do infractor – Oficial, Sargento, Cabo ou outras

Praças – revelando, por um lado, uma visão manifestamente redutora da

proporcionalidade e, por outro, uma perigosa desconcentração de competências em

matéria disciplinar. O anterior RDM aproximava e unificava no mesmo regime punitivo

os Oficiais com os Sargentos (regime à parte dos militares designados Graduados) e

mantinha um regime específico para as Praças, pelo que todo o regime punitivo teria

necessariamente de se aproximar face à realidade actual da profissionalização das

Forças Armadas. Ainda a título de exemplo demonstrativo da exigível reponderação do

quadro sancionatório anteriormente em vigor, o soldado era inúmeras vezes nomeado

para desempenhar serviços de faxina no decurso da prestação normal do serviço,

antecedendo a revista do respectivo Comandante às instalações militares. Atendendo a

que não existe, sequer, área funcional coincidente ou afim a esta para Praças e, portanto,

que as mesmas têm obrigatoriamente formação militar específicas em funções que não

estas, estava-se a tratar o soldado como alguém que se podia, repetidamente, “punir

disciplinarmente” sem que o mesmo tivesse cometido qualquer infracção disciplinar

(apenas) por não ter qualquer graduação. A intenção não era, efectivamente, a da

punição, até porque nem todas as UU/EE/OO têm afectos trabalhadores civis para a

realização destas tarefas que, afinal, têm de ser cumpridas, mas funcionava – e a Praça

sentia-o, de facto, como tal. Este exemplo demonstra claramente que a pena de faxinas

era uma pena disciplinar a eliminar, completamente desajustada aos dias de hoje, que

confundia o actual Soldado Profissional com o Soldado do extinto Serviço Efectivo

Normal (SEN) 151

.

As penas aplicáveis pela prática de infracções disciplinares foram, assim,

revistas, tendo-se – e bem, atentas as respectivas considerações formuladas supra –

eliminado a pena de faxinas, a pena de prisão disciplinar agravada (embora se

mantenham outras penas privativas de liberdade, como a detenção, agora designada

apenas de proibição de saída e a prisão disciplinar, esta inclusivamente prevista na

151

O Soldado do SEN é o mesmo Soldado do anteriormente designado Serviço Militar

Obrigatório (SMO).

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81

alínea f) do n.º 3 do Artigo 27º da própria CRP) e a estratificação das penas em função

da categoria dos militares152

.

Contesta-se, no entanto, a previsão, no n.º 3 do Artigo 30º do novo RDM, da

possibilidade de aos militares nos regimes de voluntariado e de contrato ser aplicada,

para além das penas previstas para todas as categorias de militares, a cessação

compulsiva daqueles regimes, por violação do princípio non bis in idem. Não se

concebe como se consagra uma pena disciplinar consubstanciada na cessação do

vínculo funcional provisório celebrado com as Forças Armadas, com o risco acrescido

de a mesma poder ser aplicada de forma arbitrária por quem tem o exercício da acção

disciplinar. Com efeito, o n.º 2 do Artigo 38º do novo RDM apenas dispõe, de forma

vaga, que tal pena é aplicável “por violação grave de deveres militares que revele

incompatibilidade com a (sua) permanência nas Forças Armadas”, não concretizando os

critérios para a sua aplicação. Reconhece-se, porém, que o militar tinha, de facto, já

prevista a pena disciplinar mais grave, na medida em que o seu contrato de prestação de

serviço militar é renovado apenas se permanecer vaga no respectivo efectivo das Forças

Armadas, se o contratado se manifestar nesse sentido e “tiver classificação de serviço

que o permita”153

. Consagra-se, aqui, (mais) uma verdadeira sanção disciplinar,

prevendo-se a (ameaça da) possibilidade da cessação compulsiva destas formas de

prestação de serviço militar na primeira oportunidade (aguardando-se apenas a data da

renovação do contrato), questionando-se, uma vez mais, a bondade da opção (velada) do

legislador.

De modo semelhante, poderão ser aplicadas as penas de reforma compulsiva e

de separação de serviço aos militares dos quadros permanentes, sem que sejam

minimamente qualificados e identificados os respectivos comportamentos de

“gravidade” ou “excepcional gravidade” que as podem justificar154

.

Permanece, além disso, neste novo RDM, a inexistência da aconselhada moldura

penal pela prática dos ilícitos disciplinares, note-se que não exaustivos (o uso da

expressão “designadamente” é, aliás, recorrente, em desfavor da desejada tipicidade). A

pena a aplicar fica, assim, ao critério da Chefia Militar, correndo-se o risco de a

discricionariedade se transformar na indesejada arbitrariedade. Com efeito, ao facto com

152

Vide as penas actualmente aplicáveis no Artigo 30º do novo RDM.

153

Vide o n.º 2 do Artigo 28º da LSM e o nº 4 do Artigo 45º, ambos do RLSM.

154

Vide o n.º 2 do Artigo 36º e o n.º 2 do Artigo 37º, ambos do novo RDM.

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maior relevância ou gravidade disciplinar pode vir a corresponder uma pena mínima,

bem como ao facto com uma relevância disciplinar mínima pode corresponder a pena

máxima, não se encontrando expressamente salvaguardado em qualquer preceito do

novo RDM o recurso às penas privativas da liberdade em obediência do princípio da

necessidade.

Nos termos do actual RDM, a competência disciplinar inclui a competência para

instaurar processo disciplinar nos termos previstos no quadro B em anexo ao novo

RDM155

. Ora para além das críticas que merece a atribuição de competência a militares

para a aplicação de penas disciplinares privativas de liberdade, verifica-se também o

referido anexo não esclarece qual a “competência plena” do Contra-Almirante ou

Major-General, Comodoro ou Brigadeiro-General, nem do Vice-Almirante ou Tenente-

General, relativamente à aplicação, pelos mesmos, do número máximo de dias da pena

de proibição de saída, nem sequer a “competência plena” do Almirante ou General

relativamente à aplicação do número máximo de dias de quaisquer das penas previstas,

consagrando-se, deste modo, a possibilidade de aplicação de penas manifestamente

abusivas, se não mesmo perpétuas, urgindo, assim, a sua necessária alteração.

Saliente-se, ainda, pela sua pertinência, a indesejável omissão actual de qualquer

relevância expressa das medidas preventivas adoptadas na instrução do processo

disciplinar na decisão final156

. Com efeito, o n.º 2 do Artigo 133º do novo RDM

salvaguarda tão-só a possibilidade de impugnação contenciosa da decisão que aplicar a

medida cautelar de suspensão preventiva, pelo que se aconselharia a consagração da

colocação do militar na situação em que estaria caso não lhe tivesse sido aplicada

qualquer medida cautelar no caso de arquivamento do processo disciplinar,

designadamente a possibilidade do regresso do militar à sua unidade de prestação de

serviço mediante a formalização do seu requerimento na situação de transferência e do

pagamento de indemnização se tivesse ocorrido a sua suspensão preventiva. Não se

deveriam, pois, esquecer os sempre possíveis erros sobre a pessoa, fora dos casos em

155

Vide o n.º 1 do Artigo 64º do novo RDM.

156

Nos termos do disposto no Artigo 111º do anterior RDM, se a decisão do processo disciplinar

fosse de arquivamento, o militar era reintegrado em todos os direitos e função que anteriormente

usufruíra e indemnizado dos abonos que deixara de perceber. Se a medida tivesse consistido em

transferência, a mesma seria convertida em transferência por conveniência de serviço e o interessado

poderia optar, mediante requerimento autónomo, pelo regresso à sua anterior situação, pela continuação

na actual ou pela colocação numa terceira. Já se a decisão fosse condenatória, manter-se-iam os efeitos

das medidas adoptadas, se outras não fossem julgadas oportunas e convenientes.

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que as medidas cautelares eram legalmente admissíveis ou a sua manutenção no caso de

a medida preventiva já se ter tornado desnecessária.

3.2.8. A NOTIFICAÇÃO DA DECISÃO FINAL

A decisão final deve ser notificada pessoalmente e integralmente ao Arguido,

sendo objecto de publicação em OS, excepto se a pena aplicada for a de repreensão ou

de repreensão agravada. Nos casos de ausência do Arguido em parte incerta, a decisão é

ainda publicada na 2ª Série do Diário da República157

.

A eventual omissão da notificação de algum dos elementos que consubstanciam

a decisão (integral), não acarreta, de per si, qualquer vício ou irregularidade da decisão

propriamente dita, proferida de forma clara, coerente e completa158

, hipótese em que o

próprio Arguido pode requerer a notificação dos elementos em falta ou mesmo a

intimação (judicial) para a passagem de certidões.

Salienta-se a destrinça entre a decisão propriamente dita e o texto da punição

publicada na OS. Com efeito, não raras vezes, os Chefes vêem-se erroneamente

constrangidos a limitar a fundamentação dos seus despachos finais quando a efectiva

publicação da punição se basta com a publicação por extracto.

A publicação da punição em OS não equivale à notificação do Arguido. Com

efeito, a publicação em OS destina-se, sobretudo, a dar a conhecer, de forma

profiláctica e em favor da disciplina (intento dissuasor, repressivo e de retribuição), aos

demais efectivos da U/E/O, a sanção que cominou uma determinada conduta, enquanto

a notificação visa dar a conhecer integralmente ao Arguido a decisão no âmbito do

processo disciplinar que lhe foi instaurado, de modo a possibilitar o exercício do seu

direito de defesa. Nestes termos, na impossibilidade de se concretizar a notificação

pessoal do Arguido, a decisão deverá, não obstante o silencia do novo RDM nesta

matéria, ser remetida por via postal, sendo, neste caso, imperioso o recurso à carta

registada com aviso de recepção, para efeitos de prova da efectiva notificação159

.

157

Vide o Artigo 107º do novo RDM.

158

As menções obrigatórias constantes do acto administrativo são enunciadas de forma clara,

precisa e completa, a fim de poder determinar-se o seu sentido, alcance e os respectivos efeitos jurídicos.

159

Vide as alíneas a) e b) do n.º 1 do Artigo 70º do CPA.

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3.2.9. OS EFEITOS DAS PENAS DISCIPLINARES E O SEU

CUMPRIMENTO

Questão que se entende inaceitável é a dos designados efeitos das penas,

nomeadamente das penas de suspensão de serviço e de prisão disciplinar estabelecidos,

respectivamente, nos Artigo 47º e 48º do novo RDM, porquanto tais penas importam a

possibilidade de transferência, a perda de igual tempo de serviço efectivo, a perda de

suplementos, subsídio e de dois terços do vencimento auferido à data das mesmas

durante o período da sua execução e ainda a impossibilidade de promoção durante o

período de execução da pena.

Mais do que “efeitos”, acresce a aplicação de verdadeiras penas – relembra-se,

nesta sede, o princípio non bis in idem – na pena consequente ao dever infringido, na

avaliação160

, na transferência, no tempo de serviço efectivo, nos suplementos, subsídios

e vencimento e na demora na promoção.

As penas de proibição de saída, suspensão de serviço e prisão disciplinar

podem implicar a transferência do militar graduado de U/E/O a que pertencer, após o

cumprimento da pena, a pedido do punido ou sob proposta do comandante, director ou

chefe, quando, face à natureza ou gravidade da falta, a sua presença no meio em que

cometeu a infracção for considerada incompatível com o decoro, a disciplina, a boa

ordem do serviço ou o prestígio das Forças Armadas161

. Para além de estratificar estes

“efeitos”, excluindo os militares da categoria de Praças, o diploma não esclarece como

se afere tal “incompatibilidade”, até quando a referida proposta do comandante, director

ou chefe pode ser formalizada e a quem a mesma se dirige – ao respectivo comando

funcional, ao CEMGFA ou aos CEM do respectivo ramo?

Além disso, a perda de suplementos, subsídios (que na falta de concretização

importa a perda da totalidade do subsídio de condição militar) e de dois terços do

vencimento reflecte-se inadmissivelmente no orçamento familiar e em valor superior ao

160

As penas disciplinares têm consequências no âmbito da avaliação de mérito, nos termos da

Lei (Vide o n.º 1 do Artigo 45º do novo RDM).

161

Vide o Artigo 46º do novo RDM.

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da penhora, até um terço, das remunerações de carácter permanente efectuada pelos

próprios tribunais.

Como “efeito” da pena de cessação compulsiva dos regimes de voluntariado ou

de contrato, o Artigo 49º do novo RDM prevê, finalmente, a impossibilidade de o

infractor ser opositor a concursos para ingresso nos quadros permanentes das Forças

Armadas, disposição legal cuja imperatividade se repudia, por se ter como

manifestamente contrária aos fins das penas e à possibilidade de plena reintegração do

infractor. Com efeito, ter-se-ia de provar a impossibilidade da exequibilidade, ad

eternum, de tal relação funcional.

Chegados ao momento do cumprimento da pena disciplinar, o n.º 1 do Artigo

51º do novo RDM sentencia que o mesmo ocorre logo que expirado o prazo para a

interposição de recurso hierárquico sem que este tenha sido apresentado ou, tendo-o

sido, logo que lhe seja negado provimento.

O Artigo 44º do anterior RDM estabelecia que as penas disciplinares seriam

cumpridas, “sempre que possível, seguidamente à sua aplicação”. Ora este critério de

possibilidade deixava em aberto a aplicação de critérios não uniformes, sem

compatibilidade com a faculdade então estabelecida no n.º 1 do Artigo 8º do anterior

RDM, de os Comandantes das Unidades independentes, os Directores ou os Chefes de

Estabelecimentos e as autoridades de hierarquia superior a estas “atenuar, agravar ou

substituir as penas impostas pelos subordinados” quando, seguidamente à sua aplicação

e mediante o formalismo adequado que no caso coubesse, reconhecessem a

conveniência disciplinar de usar dessa faculdade162

. Efectivamente, como se atenuava

ou substituía uma pena já aplicada e cumprida? Ou, por outras palavras, como se

assegurava o conhecimento da aplicação da pena disciplinar ao Arguido e a

possibilidade de o mesmo ver a pena atenuada ou substituída por outra menos gravosa

segundo os tais critérios de conveniência disciplinar, se este simplesmente não

recorresse da mesma e entretanto a cumprisse? Mesmo que a pena viesse a ser anulada,

os seus efeitos, designadamente psicológicos de uma pena privativa de liberdade,

dificilmente seriam colmatados, ainda que mediante a proposição de uma acção cível

contra a Administração. Tornava-se, assim, exigível a salvaguardada expressa da

162

A oportuna consagração legal da faculdade do superior hierárquico de “atenuar, agravar ou

substituir as penas impostas pelos subordinados” tinha como objectivo a fiscalização da acção dos que

dele dependiam na cadeia de comando e permitia a responsabilização pela conduta dos comandados, não

se sublinhando em sentido positivo a opção do legislador pela sua eliminação.

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exigibilidade do decurso do prazo previsto para a interposição do recurso hierárquico

antes da aplicação de qualquer sanção disciplinar prevista no RDM, em favor, aliás, da

harmonização com o princípio da presunção de inocência do Arguido, consagrado

constitucionalmente163

.

O novo RDM salvaguarda a necessidade do decurso do prazo para a interposição

de recurso hierárquico sem a sua apresentação ou logo que lhe seja negado provimento

para haver lugar ao cumprimento das penas disciplinares militares, mas com excepção

das penas de repreensão e repreensão agravada, que são cumpridas imediatamente

após a decisão que as aplicou164

. Embora se reconheça uma evolução francamente

positiva relativamente ao previsto no Regulamento anterior, considera-se que o

princípio deveria ser imperativamente aplicável a todas as penas. Com efeito, ainda que

estas penas disciplinares venham a ser anuladas, os seus efeitos, designadamente

psicológicos inerentes à sua aplicação dificilmente serão ressarcidos165

. O novo RDM

dispõe, efectivamente, no n.º 4 do Artigo 63º, a (simples) eliminação das

correspondentes entradas no registo disciplinar do militar em causa em caso de

revogação ou de anulação da pena. Deveria, assim, encontrar-se salvaguardada a

exigibilidade do decurso do prazo previsto para a interposição do recurso hierárquico

antes da aplicação de qualquer sanção disciplinar prevista no RDM, em obediência ao

princípio da presunção de inocência do Arguido e à salvaguarda das suas garantias de

defesa, consagrados constitucionalmente.

Relevam, ainda, as situações dos militares dos quadros permanentes e em regime

de voluntariado e de contrato com processo disciplinar pendente, que designadamente o

n.º 2 do Artigo 169º do anterior RDM ainda dedicava ao extinto serviço militar

obrigatório. Assim, o militar com processo disciplinar pendente mantém-se na

efectividade de serviço enquanto não for proferida a decisão e cumprida a pena que lhe

for imposta, salvo se os mesmos passarem à situação de reserva ou de reforma ou

tiverem baixa definitiva de todo o serviço por incapacidade física ou mental. Quando a

163

Vide o n.º 2 do Artigo 32º da CRP.

164

Vide o n.º 2 do Artigo 51º do novo RDM.

165

A pena de repreensão consiste na declaração feita em particular ao infractor, de que sofre

reparo por ter praticado uma infracção disciplinar. Já a pena de repreensão agravada consiste igualmente

numa declaração feita ao infractor, mas efectuada na presença de outros militares, sendo esta pena

efectuada a praças de patente inferior a Cabo dada em formatura da companhia, ou equivalente da U/E/O

a que pertencerem ou em que estiverem apresentadas (Vide o Artigo 32º do novo RDM).

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pena disciplinar for aplicada depois de o infractor ter deixado a efectividade de serviço,

o mesmo é convocado para o cumprimento da mesma166

. Já dispunha neste sentido o n.º

12 do Artigo 58º da LSM, que estabelece serem convocados para regressar ao serviço

efectivo militar os cidadãos sujeitos a deveres militares167

na disponibilidade, que hajam

praticado infracção disciplinar durante a prestação de serviço efectivo militar, a fim de

cumprirem a pena correspondente, quando esta for aplicada após a sua passagem à

situação de reserva de disponibilidade168

.

No que diz respeito à contagem do tempo da pena, importa, por último, referir

que durante o cumprimento da pena, o tempo da permanência em hospital ou enfermaria

por motivo de doença é contado para efeito da mesma pena, salvo se existir

simulação169

.

Após o cumprimento da pena o militar tem o dever de se apresentar

imediatamente ao serviço, nos termos regulamentares170

.

3.2.10. OS MEIOS DE IMPUGNAÇÃO

Nesta amálgama de normas em que o Arguido do processo disciplinar militar se

vê enredado, restam-lhe apenas as garantias de reclamação, de recurso hierárquico, de

revisão e contencioso, sem olvidar a designada tutela cautelar de direitos, com as

especificidades do regime actualmente em vigor, a merecer o nosso (oportuno)

desenvolvimento infra.

Os direitos de reclamar e recorrer (recurso hierárquico e contencioso) já se

encontravam estabelecidos no âmbito do anterior RDM, embora com contornos

166

Vide o Artigo 108º do novo RDM.

167

O período de sujeição dos cidadãos portugueses a obrigações militares termina no último dia

do ano em que completam 35 anos de idade (Vide o n.º 6 do Artigo 1º da LSM).

168

O cidadão regressa automaticamente ao serviço efectivo militar, com o trânsito em julgado da

decisão judicial condenatória que aplique a pena de presídio militar, a pena de prisão militar ou a prisão

disciplinar. Fora destes casos, a convocação dos cidadãos é ordenada pelo dirigente máximo do órgão

central de recrutamento, in casu, a Direcção-Geral de Pessoal e Recrutamento Militar, do Ministério da

Defesa Nacional (Vide os nºs 13 e 14º do Artigo 58º da LSM e o Artigo 12º da LSM).

169

Cfr. o n.º 2 do Artigo 52º do novo RDM.

170

Vide o Artigo 53º do novo RDM.

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diferentes171

. Enquanto a reclamação era – e é – dirigida ao chefe que impôs a pena172

,

quando a reclamação não fosse, no todo ou em parte, julgada procedente, assistia ao

reclamante o direito de recorrer “para o chefe imediato da autoridade que o puniu”

(recurso hierárquico por escada, rectius, por degrau)173

, no prazo de cinco dias contados

daquele em que fosse notificado da decisão de indeferimento (garantia impugnatória de

um acto administrativo praticado por um órgão subalterno da hierarquia).

Actualmente, o n.º 1 do Artigo 121º do novo RDM determina que das decisões

em matéria disciplinar cabe reclamação nos termos previstos no CPA (meio de

impugnação de um acto administrativo perante o seu autor) e ou recurso hierárquico

necessário nos termos do RDM174

, cabendo igualmente, conforme dispõe expressamente

o n.º 1 do Artigo 133º, conjugado com o n.º 1 do Artigo 125º do novo RDM,

impugnação contenciosa das decisões dos recursos hierárquicos proferidas pelo CEM

competente.

A condição militar caracteriza-se, como vimos, pela subordinação ao interesse

nacional, pela permanente disponibilidade para o serviço, ainda que com sacrifício de

interesses pessoais e também pela restrição do exercício de alguns direitos e liberdades,

prevista no Artigo 270º da CRP. No entanto, tais restrições efectuam-se nos limites do

171

Vide os Artigos 112º a 128º do anterior RDM.

172

O militar punido disciplinarmente podia reclamar quando julgasse não haver cometido a falta,

quando tivesse sido usada competência disciplinar não conferida pelo RDM, quando o reclamante

entendesse que o facto que lhe era imputado não era punível pelo RDM ou quando a redacção da

infracção não correspondesse ao facto praticados. Os fundamentos da reclamação não podiam ser

ampliados no recurso (Vide o n.º 1 do Artigo 112º, o n.º 1 do Artigo 113º e o n.º 1 do Artigo 114º do

RDM).

173

No âmbito do anterior RDM, o recurso hierárquico não era dirigido ao mais elevado superior

hierárquico do autor do acto como seria desejável, mas ao chefe imediato da autoridade que puniu o que,

dependendo do local de colocação do Arguido e do respectivo comando, direcção ou chefia,

indubitavelmente importava um maior ou menor rigor na reapreciação do acto recorrido, demonstrando,

uma vez mais, a necessidade da existência de juristas nas Secções de Justiça e Gabinetes Jurídicos das

U/E/O das Forças Armadas.

174

Actualmente, a reclamação em matéria disciplinar é sempre facultativa e não suspende o

prazo do recurso hierárquico. Este pode ser interposto pelo militar a quem tenha sido imposta uma pena

disciplinar ou que considere lesiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, dirigindo-o ao

CEMGFA ou ao CEM do ramo, conforme o caso (Vide o n.º 3 do Artigo 121º, o n.º 1 do Artigo 122º e o

n.º 1 do Artigo 124º, todos do novo RDM. É de saudar, pelo grau de tecnicidade requerido aliado à

existência da necessária assessoria jurídica, a previsão, pelo n.º 1 do Artigo 125º do novo RDM, da

competência do CEM competente para proferir a decisão no âmbito do recurso hierárquico, limitando-se

os responsáveis pelos diversos escalões hierárquicos intermédios de comando a pronunciar-se sobre o

mérito do recurso. Note-se que nos termos gerais do procedimento administrativo, permite-se também ao

interessado recorrer per saltum directamente para a autoridade ad quem, tendo esta competência para

reapreciar o acto recorrido (Vide o n.º 2 do Artigo 169º do CPA).

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disposto no n.º 2 do Artigo 18.º da CRP, ou seja, nos casos expressamente previstos na

Constituição, devendo limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou

interesses constitucionalmente protegidos. Ora o direito de aceder ao direito e aos

tribunais não é alvo de qualquer restrição constitucionalmente consagrada, encontrando-

se apenas estabelecido que “no exercício dos respectivos direitos os militares estão

sujeitos às obrigações decorrentes do estatuto da condição militar e devem observar uma

conduta conforme à ética militar e respeitar a coesão e a disciplina das Forças

Armadas”175

.

É igualmente neste sentido que já se deveria entender o disposto no n.º 2 do

Artigo 119º do anterior RDM, que estabelecia que a decisão que revogava, alterava ou

mantinha a decisão recorrida (hierarquicamente), no todo ou em parte, era definitiva.

Com efeito, a noção de definitividade não se confunde com o conceito de

irrecorribilidade (contenciosa)176

. Qualquer decisão disciplinar militar assume a veste

de um acto administrativo, pelo que se encontra garantida a via contenciosa de recurso,

do âmbito do contencioso administrativo. Não se compreenderia, aliás, a

admissibilidade expressa do recurso contencioso das decisões definitivas e executórias

dos CEM177

e incongruentemente se impedisse o recurso contencioso das decisões

proferidas por militares de hierarquia inferior178

. As questões disciplinares, até pelo

reflexo que têm na carreira dos militares já não podiam, há muito, ser consideradas de

pequena monta.

175

Vide o n.º 4 do Artigo 31º da LDNFA. Vide, ainda, o Artigo 20º da CRP, relativo ao acesso ao

direito e tutela jurisdicional efectiva, bem como o n.º 4 do Artigo 268º do mesmo diploma, respeitante à

garantia da tutela jurisdicional efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos aos administrados,

estabelecendo, assim, o princípio da recorribilidade contenciosa dos actos administrativos definitivos e

executórios. Note-se que o princípio da tutela jurisdicional efectiva se estende igualmente aos

procedimentos cautelares, a fim de conferir protecção provisória aos direitos e interesses ameaçados.

176

Vide, neste sentido, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 90/88, publicado no Diário da

República, n.º 11, 1ª Série, de 13 de Maio. O Artigo 115º do anterior RDM previa a irrecorribilidade

hierárquica, em matéria disciplinar, das decisões do CEMGFA, CEMA, CEME e CEMFA, por serem as

entidades do topo da hierarquia. O n.º 2 do Artigo 125º do novo RDM prevê também a inadmissibilidade

de recurso hierárquico das decisões dos CEM em matéria disciplinar. O que não significa que estas

mesmas decisões não sejam passíveis de recurso contencioso.

177

Vide, com as devidas adaptações, o n.º 1 do Artigo 120º do anterior RDM.

178

Considerando a necessidade de interpretar a definição do exercício de funções de comando,

direcção ou chefia nos escalões intermédios da organização da Marinha, foi, através da Portaria n.º

453/78, de 11 de Agosto, com as alterações da Portaria n.º 882/82, de 20 de Setembro, aprovada uma

relação onde se encontram enumeradas as entidades que, situando-se nos referidos escalões intermédios,

podem exercer a competência disciplinar correspondente ao seu posto.

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É, por outro lado, interessante observar que a própria Lei Fundamental reforça

expressamente a garantia da via judiciária de recurso nos casos em que a punição

disciplinar importe a (medida excepcional da) privação de liberdade ao prever, na al. f)

do n.º 3 do seu Artigo 27º, a “prisão disciplinar imposta a militares, com garantia de

recurso para o tribunal competente”. E não se pense que tal disposição elimina a

garantia de recurso contencioso das decisões disciplinares militares que não apliquem

penas privativas da liberdade. Tal restrição não encontra, como vimos, fundamento no

Artigo 270º da CRP, nem sequer se vislumbra porque um direito assegurado a todos os

restantes trabalhadores da Administração Pública não pudesse ser exercido pelos

militares. Assim e em consonância com os princípios do Estado de Direito Democrático,

a nossa Lei Fundamental salvaguarda o recurso contencioso de todos os actos

administrativos definitivos consubstanciados na aplicação de sanções disciplinares,

incluídas as penas disciplinares militares.

Saliente-se, por fim, o disposto no n.º 2 do Artigo 205º da CRP, segundo o qual

as decisões dos tribunais “são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e

prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades”, pelo que a instituição militar,

dirigida pelas respectivas chefias, não se pode eximir ao cumprimento das decisões

judiciais e, bem assim, o n.º 1 do Artigo 18º da CRP, relativo à força jurídica dos

preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias, directamente

aplicáveis, vinculando as entidades públicas e privadas.

A lei não pode constituir letra morta, nem os militares se devem sentir

condicionados aquando do acesso ao direito e aos tribunais. Em suma, as fragilidades

decorrentes da elaboração do processo disciplinar militar exigem que a chefia militar

não seja a última entidade administrativa a quem o militar pode recorrer a fim de

defender os seus legítimos direitos e interesses. Concomitantemente, as Chefias

Militares, representantes de uma instituição que é instrumento fundamental do Estado

Democrático, devem serenamente aceitar, cumprir e fazer cumprir as decisões judiciais

respectivas, apelando apenas para que os procedimentos judiciais se concretizem com a

celeridade e prioridade exigidas, com vista à tutela dos direitos e interesses das partes.

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3.2.11. A TUTELA CAUTELAR DE DIREITOS

Os militares encontram-se, como já referimos, abrangidos no conceito de

trabalhadores da Administração Pública, comportando, assim, o vínculo jurídico

inerente à prestação de serviço militar todas as características essenciais da relação

jurídica de emprego público. Deste modo, o litígio emergente da aplicação de uma pena

disciplinar constante do RDM, sem prejuízo das especificidades inerentes à disciplina

militar é, afinal, o decorrente de uma relação jurídico-administrativa, cuja resolução era,

até há bem pouco tempo, da competência dos tribunais administrativos e fiscais179

.

Aqui vinham intervindo as APM, beneficiando das disposições constantes do

Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), nos termos das quais os

tribunais administrativos tinham adquirido maior capacidade de intervenção na tutela

cautelar dos direitos. Assim, acedendo ao direito através da apresentação de

providências cautelares nos tribunais administrativos, os militares punidos

disciplinarmente beneficiavam da suspensão da aplicação das suas penas e, em alguns

casos, da interrupção do cumprimento das mesmas180

. A situação em vigor era uma

questão delicada, mas perfeitamente admissível do ponto de vista legal. Como afirmou

ao Expresso o Constitucionalista VASCO PEREIRA DA SILVA, “Os juízes só

verificam se há cumprimento da legalidade do acto administrativo militar, não do seu

mérito”, acrescentando que “o cumprimento da legalidade é uma garantia da própria

hierarquia”.

Com as mais recentes alterações legislativas, a configuração desta questão

assumiu novos contornos. As situações relativas à disciplina militar, antes do âmbito da

competência dos tribunais administrativos de primeira instância, são agora tutela do

Tribunal Central Administrativo (TCA). Com efeito, nos termos do Artigo 6º da Lei n.º

179

Vide a alínea b) do n.º 1 do Artigo 209º e o n.º 3 do Artigo 212º, ambos da CRP. Em sentido

contrário se pronunciou ALMEIDA, Luís Nunes de, in Justiça Militar, Colóquio Parlamentar, Lisboa,

1995, pág. 80, ”é manifestamente inconveniente atribuir aos tribunais administrativos o conhecimento dos

recursos em matéria disciplinar, até porque é incongruente com o sistema da justiça militar. Se se vai

atribuir aos tribunais o conhecimento daquilo que é específico da instituição militar em matéria criminal,

não faz sentido que o que é específico em matéria disciplinar vá caber aos tribunais administrativos. Não

quero dizer com isto que outra solução não fosse possível, mas, a ser decidido assim, então todo o sistema

constitucional nesta matéria, para ser congruente, deveria ser reedificado”.

180

Vide os Artigos 1º, 2º, nº 1 e n.º 2, alínea m) e 112º e ss, todos do CPTA.

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34/2007, de 13 de Agosto, que estabelece o regime especial dos processos relativos a

actos administrativos de aplicação de sanções disciplinares previstas no RDM, compete

à Secção de Contencioso Administrativo de cada Tribunal Central Administrativo

conhecer, em primeira instância, dos processos relativos “a actos administrativos de

aplicação das sanções disciplinares de detenção (rectius, proibição de saída) ou mais

gravosas”.

Nas palavras do então Ministro da Defesa, SEVERIANO TEIXEIRA, no

Primeiro de Janeiro, a escolha de tribunais administrativos superiores justifica-se por,

as mais das vezes, tratar de “questões de liberdade”. Além disso, “elimina-se o

automatismo da suspensão de actos administrativos e criam-se critérios definidos para a

possibilidade de suspensão”. Efectivamente, como dispõe o Artigo 2º da identificada

Lei, quando seja requerida a suspensão de eficácia de um acto administrativo praticado

ao abrigo do RDM, não há lugar à proibição automática de executar o acto

administrativo, prevista no artigo 128.º do CPTA. Sem prejuízo do disposto nos nºs 2, 3

e 5 do Artigo 120.º do CPTA, as providências cautelares em matéria de disciplina

militar, nomeadamente as que envolvam a suspensão de eficácia de actos de aplicação

de penas ou sanções disciplinares, só podem ser decretadas quando haja fundado receio

da constituição de uma situação de facto consumado e seja evidente a procedência da

pretensão, formulada ou a formular no processo principal, por se tratar de “acto

manifestamente ilegal, acto de aplicação de norma já anteriormente anulada” ou de

“acto materialmente idêntico a outro já anteriormente anulado ou declarado nulo ou

inexistente”, critérios estes averiguados sumariamente181

. Além disso, a decisão sobre o

decretamento provisório das providências cautelares é obrigatoriamente precedida de

audição da entidade requerida, podendo a mesma ser efectuada por qualquer meio

expedito182

.

Como explicou o referido Ministro ao Correio da Manhã, as penas só serão

suspensas quando se justifique “o sacrifício da disciplina militar em nome dos direitos,

liberdades e garantias dos militares”. Criou-se, ainda, “a figura de juízes e assessores

militares” no TCA183

.

181

Vide o Artigo 3º e o n.º 1 do Artigo 4º da Lei n.º 34/2007, de 13 de Agosto.

182

Vide o n.º 2 do Artigo 4º da Lei n.º 34/2007, de 13 de Agosto.

183

O Estatuto dos Juízes Militares e dos Assessores Militares do Ministério Público encontra-se

aprovado na Lei n.º 101/2003, de 15 de Novembro, com a alteração da Declaração de Rectificação n.º

1/2004, publicada no Diário da República, I Série – A, n.º 2, de 3 de Janeiro, encontrando-se a actual

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Pretendeu-se, assim, estabelecer uma adequada articulação entre os normativos

disciplinares específicos das Forças Armadas e as regras gerais de protecção dos

cidadãos contra os actos da Administração Pública, afirmando reconhecer-se que “o

acto que aplica regras de disciplina militar não é um acto administrativo indiferenciado,

mas antes um acto administrativo com características muito específicas”, que importaria

acautelar em sede própria. Com a presente lei, introduziu-se um regime que, não

vedando aos militares das Forças Armadas o acesso a qualquer dos meios processuais

gerais, inclusivamente cautelares, cria requisitos próprios para o seu decretamento

quando o acto seja praticado em matéria de disciplina militar.

Questiona-se, no entanto, a criação deste regime especial da disciplina militar

com a paralela garantia da manutenção das vias gerais de impugnação de actos

administrativos. Note-se que o regime especial para a disciplina militar tem, como

objectivo apontado por SEVERIANO TEIXEIRA, o de a mesma deixar de ser “tratada

nos tribunais como um acto administrativo qualquer”, como se um juiz do tribunal

administrativo chamado a decidir sobre matéria disciplinar militar não fosse capaz de

salvaguardar os direitos fundamentais dos cidadãos, civis ou militares, em qualquer

circunstância. Na aplicação da medida cautelar, o juiz administrativo sabe encontrar-se

limitado por alguns princípios de actuação, nomeadamente sabe dever atender ao facto

de tratar de uma medida com natureza instrumental e provisória184

, ao fumus boni

iuris185

, à valoração do periculum in mora186

, à necessidade e adequabilidade da medida

previsão estabelecida no Artigo 7º da Lei n.º 34/2007, de 13 de Agosto. A Lei n.º 79/2009, de 13 de

Agosto, veio posteriormente regular a forma de intervenção dos juízes militares e dos assessores militares

do Ministério Público junto dos tribunais administrativos, no âmbito de aplicação da Lei n.º 34/2007, de

13 de Agosto.

184

Existe uma relação de instrumentalidade entre a medida cautelar e o processo principal, o que

impede que o juiz possa conceder, através de uma medida cautelar positiva, aquilo que o particular não

pode obter através de uma sentença favorável sobre a pretensão principal. E mesmo que a decisão cautelar

“seja antecipatória, sempre será, pela sua função, provisória relativamente à decisão principal, caducando

necessariamente com a execução desta” (Vide, VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos, in A Justiça

Administrativa (Lições), 9.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2007, pág. 306).

185

O Fumus boni iuris consubstancia uma apreciação sumária relativamente às probabilidades de

êxito da acção principal. Assim, apresenta, por um lado, uma formulação positiva, nos termos da qual é

necessária a verificação de uma aparência de que o recorrente possui um direito que foi lesado pela

actuação administrativa e, por outro, uma formulação negativa, nos termos da qual basta que o recurso

principal não apareça, à primeira vista, desprovido de fundamento.

186

Existe periculum in mora sempre que haja fundado receio da constituição de uma situação de

facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa

assegurar ou pretende ver reconhecidos no processo principal.

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e ao prejuízo para o interesse público decorrente da adopção da medida cautelar187

.

Como já demonstrámos, o litígio emergente da aplicação de uma sanção disciplinar

prevista no RDM não deixa de ser um litígio emergente de uma relação jurídica

administrativa, apesar das especificidades da disciplina militar, como sucede em outras

áreas da Administração.

Considera-se, assim, que esta lei veio criar um grave precedente no sistema de

garantia dos cidadãos perante os tribunais administrativos, violando os princípios

basilares que presidiram à reforma do contencioso administrativo em 2002,

designadamente o princípio da unificação do sistema de impugnação dos actos

administrativos. Assim, estas matérias foram afastadas dos tribunais administrativos de

primeira instância e são impostos limites à capacidade de intervenção dos tribunais

administrativos na adopção de providências cautelares, tornando a sua intervenção

inócua, com violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva constitucionalmente

consagrado.

Ao afirmar-se a eliminação da suspensão automática ou semi-automática dos

actos administrativos em matéria de disciplina militar, salvaguardando-se a

possibilidade de os actos serem suspensos quando se verifiquem os critérios especiais de

decisão estabelecidos, ou seja, quando se justifique o sacrifício da disciplina militar em

nome dos direitos, liberdades e garantias dos militares, surge a dúvida evidente de esta

suspensão ocorrer sequer pontualmente, uma vez que a salvaguarda da disciplina militar

é e será sempre o prius, em consonância com a legislação militar aplicável, com o

próprio desencadear de toda a polémica gerada em torno da apontada fragilização da

disciplina militar e com a (presumida) pronúncia dos juízes e assessores militares do

Ministério Público nesse mesmo sentido.

No que diz respeito à criação da figura dos juízes e assessores militares no TCA,

como se os tribunais administrativos fossem tribunais criminais, se a priori pareceria de

louvar a preocupação de levar ao tribunal quem à partida teria uma maior percepção das

consequências dos ilícitos disciplinares cometidos por militares na disciplina e coesão

das Forças Armadas, levanta-se, por um lado, a questão do (real?) desvirtuamento das

sentenças judiciais sem a intervenção dos juízes e assessores militares face às restantes

187

A ponderação, a adequabilidade e a necessidade da decretação da medida cautelar impões que

o juiz realize um exercício de ponderação (ou juízo de prognose) de todos os interesses em jogo, a fim de

fazer depender a decisão de concessão ou não da medida cautelar, dos interesses preponderantes,

recusando, assim, a sua concessão, quando os prejuízos daí decorrentes sejam superiores aos prejuízos

que resultariam da sua não concessão.

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e, por outro, o seu desejável distanciamento e (im)parcialidade, uma vez que a

envolvente inerente à condição militar se encontra embrenhada em todo aquele que

enverga a farda militar.

Tais receios vêem-se reforçados face às notícias chegadas os meios de

comunicação social, designadamente ao Correio da Manhã, sobre as acusações de vício

de ilegalidade e de violação do princípio da independência dos tribunais e dos juízes

dirigidas ao Conselho Superior da Magistratura (CSM) relativamente à alegada cedência

das escolhas das Forças Armadas nos processos de nomeação de juízes militares para os

tribunais comuns. Em causa estaria o facto de quatro dos dezassete juízes militares,

apoiados pelos tribunais onde estariam integrados e relativamente aos quais não existiria

nenhuma informação negativa, terem manifestado a vontade de renovar as suas

comissões de serviço, mas o órgão de gestão e disciplina dos juízes ter alegadamente

procedido às nomeações apenas com base em listas enviadas pelos ramos das Forças

Armadas, situação que o CSM se terá escusado de comentar. Numa das providências

instauradas no sentido da impugnação da decisão do CSM no primeiro processo de

nomeação de juízes militares a que o Correio da Manhã teve acesso, ler-se-ia

inclusivamente que “o condicionamento da renovação da comissão de serviço à

apresentação de listas por parte dos órgãos militares pode apresentar uma influência

nefasta no primeiro mandato dos juízes nomeados, uma vez que haverá uma tendência

dos juízes militares para agradar às suas chefias, a fim de serem novamente indicados

nas referidas listas”, pelo que se semeou, assim, a perturbante dúvida no que concerne à

exigida independência e, bem assim, à pretendida imparcialidade destes juízes.

3.2.12. A EXTINÇÃO DA RESPONSABILIDADE DISCIPLINAR

Nos termos do disposto no Artigo 54º do novo RDM, a responsabilidade

disciplinar extingue-se por morte do infractor188

, pela prescrição do procedimento

disciplinar ou da pena189

; por amnistia, perdão genérico ou indulto190

; após o

188

Vide o Artigo 57º do novo RDM.

189

Vide o Artigo 56º do novo RDM.

190

Vide o Artigo 58º do novo RDM.

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cumprimento da pena e por revogação ou anulação (por bom comportamento) da pena

disciplinar191

.

Nos termos dos nºs 1 e 3 do Artigo 55º do novo RDM, o procedimento

disciplinar prescreve passados três anos, contados da data do cometimento da infracção

e, se conhecida a falta pela entidade com competência disciplinar, o procedimento não

for instaurado no prazo de seis meses. Quando as infracções consubstanciarem

simultaneamente ilícito disciplinar e criminal, aplicam-se os prazos penais da prescrição

desde que os mesmos sejam superiores a três anos192

.

A prescrição interrompe-se com a prática de qualquer acto instrutório e com a

notificação da acusação ao Arguido. Por sua vez, a instauração de processo de

averiguações, disciplinar, de inquérito ou de sindicância no âmbito dos quais se venha a

apurar responsabilidade disciplinar do militar visado, bem como a instauração de

processo por crime estritamente militar em que se decida que os factos imputados ao

Arguido não integram ilícito dessa natureza suspendem o decurso do prazo

prescricional193

.

Os prazos de prescrição poderão, assim, vir a revelar-se excessivos face aos

efeitos negativos incontornavelmente associados à morosa acção disciplinar, sujeitando-

se o Arguido à constante ameaça da pena.

191

Vide o Artigo 59º do novo RDM.

192

Vide o n.º 2 do Artigo 55º do novo RDM.

193

Vide os nºs 5 e 6 do Artigo 55º do novo RDM.

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CAPÍTULO IV - RESULTADOS E DISCUSSÃO

1. Num país saído de uma guerra e de uma revolução, o prestígio dos

militares atinge, paradoxalmente, o seu ponto mais baixo de sempre,

sentenciando algumas vozes o alegado esvaziamento da razão de existir

das próprias Forças Armadas, essencialmente devido à deficiente

informação de uma sociedade mais voltada para o imediato do que

consciente do seu passado histórico e da realidade, nacional e

internacional, actual. Uma Nação tem de estar (prudentemente)

preparada para se defender, não se deixando iludir pela aparência de paz

circundante e Portugal, país europeu com uma localização geográfica de

interesse altamente estratégico, não é excepção.

2. No processo de transição de um regime autoritário para a democracia, as

Forças Armadas desempenharam um papel decisivo. As Forças Armadas

tinham independência funcional, constituindo um poder autónomo dentro

do próprio Estado. A Lei Fundamental reconhecia-lhes um poder

político-militar ou estatuto político-constitucional próprio, detendo um

poder de garantia (institucional) do (permanente) equilíbrio político do

sistema constitucional, direccionando-se igualmente para a (função de)

dinamização política em situações (excepcionais) de crise do sistema

político. O estatuto jurídico-constitucional das forças Armadas só

voltaria a ser definido após a revisão constitucional de 1982, com a

extinção do Conselho da Revolução e a consagração do modelo de plena

subordinação das Forças Armadas ao poder político democrático, pondo,

assim, termo ao sistema de auto-governo militar. Com a revisão

constitucional de 1997, extinguiram-se os tribunais militares e concedeu-

se ao legislador ordinário a possibilidade da manutenção de um sistema

misto de serviço efectivo normal (que impendia apenas sobre os homens)

e serviço militar voluntário em vigor desde 1993 (que começou a integrar

a prestação de serviço militar também por mulheres), ou pela previsão de

um sistema assente exclusivamente no voluntariado.

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3. Assim, a jusante das alterações resultantes da quarta revisão

constitucional e pressuposta a intenção da profissionalização dos

recursos humanos militares da Defesa Nacional e uma estratégia de

recrutamento contínuo de voluntários, a nova Lei do Serviço Militar veio

estabelecer a transição do anterior sistema de conscrição dos cidadãos à

prestação de serviço militar para um novo regime de prestação de serviço

militar assente, em tempo de paz, no voluntariado. Daí que a consumação

histórico-cultural de um sistema institucional e a perda contextual de

sentido das referências até então vigentes, ou seja, a crise (mais uma!), só

possa ser superada por uma crítica, ou seja, por uma reflexão

fecundadora, que permita a estruturação e o reconhecimento de umas

Forças Armadas modernas, sem que tal importe a fragilização da sua

missão, constitucionalmente consagrada.

4. A integração das Forças Armadas no Estado democrático-constitucional

significa que a instituição militar é um instrumento fundamental do

Estado Democrático e, paralelamente, impõe que tanto a sua estrutura

orgânica, como o modo do seu funcionamento se adaptem aos princípios

fundamentais constitucionais. A clássica subordinação absoluta do

inferior ao superior hierárquico, aliada à ausência das garantias

fundamentais do cidadão em uniforme, deixou de se alicerçar no puro

princípio da disciplina e da organização militar. Os direitos de cidadania

dos militares devem, pois, ser permanentemente ajustados à democracia

consolidada e à realidade das características do actual modelo de serviço

militar.

5. Antes apenas tidos como direitos subjectivos de defesa perante os

poderes do Estado, os direitos fundamentais, traduzidos em normas e

princípios objectivos, impõem-se a toda a ordem jurídica, pública ou

privada, obrigando o Estado e a sociedade civil. Na salvaguarda do

estatuto social mínimo definido pela Constituição, cujo respeito é, assim,

imposto às entidades públicas e privadas, a lei ordinária só pode

restringir os direitos, as liberdades e as garantias nos casos

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expressamente previstos (princípio da autorização constitucional

expressa), devendo as restrições “limitar-se ao necessário para

salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente

protegidos”.

6. A CRP consagra expressa e taxativamente (garantia da tipificação) as

situações de restrição admitidas ao exercício de direitos pelos militares

integrantes das fileiras das Forças Armadas. O Artigo 270º da CRP prevê

a possibilidade de a Lei estabelecer, “na estrita medida das exigências

próprias das respectivas funções, restrições ao exercício de direitos de

expressão, reunião, manifestação, associação e petição colectiva e à

capacidade eleitoral passiva por militares (e agentes militarizados) dos

quadros permanentes em serviço efectivo”, restrições estas desenvolvidas

nos Artigos 31º a 31º-F da LDNFA aos militares sujeitos ao vínculo

temporário da prestação de serviço militar nos regimes de contrato e de

voluntariado, permitindo-se, assim, à intervenção legislativa restritiva, a

harmonização dos interesses inerentes à extensão da restrição a todos os

militares em efectividade de serviço (reconhecimento da existência de

uma autorização implícita de restrição legal de direitos fundamentais ou

de restrições implícitas dos direitos fundamentais).

7. As relações especiais de poder não justificam, por si só, a restrição aos

direitos fundamentais dos militares. Ela emerge da necessidade de

harmonizar estes mesmos direitos com os fins institucionalmente

visados, com os bens, os valores ou os princípios constitucionalmente

consagrados, ou seja, com a afirmação de um interesse público especial

ou primacial. A restrição dos direitos fundamentais dos militares

fundamenta-se na protecção dos interesses constitucionalmente

protegidos, ancorados na necessidade de assegurar a eficiência, eficácia,

disciplina, isenção e neutralidade políticas das Forças Armadas, enquanto

garantias (mínimas) do cumprimento das funções de defesa nacional e de

segurança dos cidadãos que lhes estão cometidas, pressupondo o

(possível) equilíbrio entre os direitos comprimidos e os fins institucionais

e constitucionais prosseguidos. Em favor da defesa da República

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democrática e pluripartidária, exige-se, assim, a não pertença dos

elementos das Forças Armadas a qualquer partido, força ou movimento

de natureza política (apartidarismo), bem como a sua neutralidade e

imparcialidade relativamente a qualquer interesse partidário ou simpatia

pessoal (isenção política), garantias estas mínimas para a existência de

umas Forças Armadas eficazes e coesas, não fragmentadas pelas

dissonâncias próprias geradas pela vivência política.

8. Nesta senda, as intervenções concertadas e públicas de militares na

efectividade de serviço constituem um sério alerta a não subestimar pelas

Chefias Militares e pelo poder político, a fim de, por um lado, se

assegurar o exigível poder de comando e, por outro, garantir-se a

necessária imparcialidade das Forças Armadas, evitando que estas

funcionem como instrumento de pressão política, comprometedoras do

livre desenvolvimento das instituições democráticas.

9. Gera-se, assim, uma espécie de inquietação ou instabilidade global

sempre que a legitimidade de quem exerce o poder não se revela pacífica.

As (ainda controladas) intervenções militares são o lado visível do mal-

estar interno existente nas Forças Armadas cuja responsabilidade se

colhe nas fragilidades emanadas do poder político e da deficiente

edificação jurídica da disciplina de um Corpo de Tropas. Para

ADRIANO MOREIRA, as Forças Armadas constituem um verdadeiro

grupo de pressão efectivo sobre o Governo. A propósito do Estado de

Direito, afirma: “embora querendo amparar-se na herdada proclamação

da subordinação das armas ao governo legítimo, nunca pôde eliminar o

facto de que as Forças Armadas estão no ambiente do processo decisório,

e só por isso já participam em todo e qualquer Poder Político, façanha

que não logram todos os poderes sociais em competição. Por outro lado,

também não é possível esquecer que a cadeia de comando e da

obediência é um fenómeno social que não corresponde necessariamente à

imagem que as leis consagram, e que os fenómenos de revolta militar são

apenas a demonstração mais visível de que os factos obedecem a

tendências que desfeiteiam o normativismo jurídico”. Acrescentamos

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apenas que o elemento moral, consubstanciado na confiança na direcção,

tanto militar como política, constitui conditio sine qua non da eficiência

e eficácia da (própria) unidade militar.

10. A disciplina é a condição do cumprimento da missão constitucionalmente

cometida às Forças Armadas, pelo que os militares que integram as

fileiras devem necessariamente submeter-se a um regime disciplinar

especial que atenda à crescente consciencialização social dos direitos e

das garantias individuais.

11. O Arguido do processo disciplinar militar instaurado de há trinta anos até

aos nossos dias encontrava-se enredado num processo (quase) kafkiano,

pautado por normas aglutinadas no antigo RDM, aprovado pelo Decreto-

Lei n.º 142/77, de 9 de Abril, diploma desajustado ao modelo de serviço

militar acolhido num país livre, cuja análise suscitava as exigências de

reformulação seguintes:

a. A revisão do extenso elenco dos deveres especiais previstos no

Artigo 4º, por muitos deles se reconduzirem ao mesmo dever;

b. A enunciação clara e exaustiva dos referidos deveres – garantia da

tipicidade – evitando-se a disposição genérica de deveres como a

prevista no dever primeiro (“Cumprir as leis, ordens e regulamentos

militares”), impedindo a formulação subjectiva, pelo intérprete e

aplicador, de juízos de valores sobre factos cujo legislador não soube

ou não quis prever;

c. A salvaguarda da exigida confidencialidade do processo disciplinar

até ao momento da acusação dirigida ao Arguido – comprometida ab

initio com o intento dissuasor, repressivo e de retribuição

consubstanciado na publicação (e leitura) do Despacho de instauração

do processo disciplinar e de nomeação do Oficial Instrutor na Ordem

de Serviço (OS) da U/E/O por referência a um concreto militar,

devidamente identificado e (também) objecto de um artigo autónomo;

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d. A consagração do exercício da acção disciplinar dependente da forma

por que a ocorrência dos referidos factos chega ao conhecimento dos

chefes – contra o (sério) risco do impulso ou da acção arbitrária,

atento o poder (-dever) de instaurar ou mandar instaurar um processo

baseado em factos ou omissões, a título exemplificativo, sem os ter

presenciado, sem o conhecimento oficial das suas circunstâncias ou

sem eventualmente ter a (suficiente) convicção da probabilidade da

sua verificação;

e. A eliminação da força probatória atribuída à participação formalizada

por militar da categoria dos Oficiais, enraizada numa concepção

clássica da hierarquia militar, em colisão com os preceitos

constitucionais vigentes, designadamente, com os princípios da

presunção de inocência e do contraditório;

f. O fim da obrigatoriedade de o exercício do direito de queixa ser

(melindrosamente) antecedido pela “informação do queixoso àquele

de quem tenha de se queixar”;

g. A previsão da autonomia e independência do procedimento

disciplinar face ao criminal, sem prejuízo para o princípio non bis in

idem, com a expressa consagração do necessário trânsito em julgado

das sentenças condenatórias pela prática de infracções ocorridas fora

da U/E/O ou dentro da U/E/O mas não testemunhadas para efeitos de

instauração de processo disciplinar contra o cidadão em uniforme,

permanentemente sujeito à condição militar;

h. Relativamente à circunstância de o Arguido ou o participante ser

Oficial ou Aspirante a Oficial, a eliminação da obrigatória nomeação

de um superior a ambos para o exercício das funções de Oficial

Instrutor, dada a sua questionável aplicabilidade prática;

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i. A exclusiva nomeação de Oficiais Instrutores com a necessária

formação técnica – que importaria a correspondente e justa criação ou

revisão das correspondentes carreiras militares;

j. A eliminação da restrição ao direito de petição individual no que

refere ao indeferimento, pelo Oficial Instrutor, de todos os pedidos

tidos por manifestamente inúteis ou prejudiciais à descoberta da

verdade, pela inerente subjectividade e necessária violação do

preceituado nas disposições conjugadas dos Artigos 18º, n.º 2 e 52º

da CRP;

k. A expressa salvaguarda do direito à constituição de defensor, a

escolher pelo próprio Arguido, sempre que existam condições

mínimas para iniciar, instruir e decidir o processo disciplinar, ainda

que usada a questionável faculdade (por diminuição das garantias de

defesa do Arguido) de prescindir da forma escrita e

independentemente da pena disciplinar a que houver lugar;

l. A consagração expressa do prazo para a resposta à nota de culpa,

compatível com o exercício do direito de defesa do Arguido e a

célere conclusão do processo disciplinar;

m. A enunciação dos factos passíveis de consubstanciar uma “infracção

de disciplina”, às quais corresponda a respectiva cominação legal

específica – garantia da tipicidade;

n. A expressa consagração da responsabilidade disciplinar do Arguido

por negligência;

o. A não punibilidade com sanções disciplinares – que podem ser

privativas da liberdade – de infracções de natureza contra-

ordenacional punidas unicamente através de coima;

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p. A consagração de critérios a utilizar pelas Chefias Militares,

designadamente de oportunidade, proporcionalidade e adequação na

aplicação de penas inibidoras da liberdade a outros militares – o que

só deveria ocorrer em processo penal ou na situação eventual de

beligerância, embora a al. f) do n.º 3 do Artigo 27º da CRP reconheça

a prisão disciplinar;

q. A necessária definição da circunstância agravante inerente à prática

de infracções “colectivas”, com a concretização do grau de

participação dos sujeitos ou infractores;

r. A necessária definição da circunstância agravante da “reiteração” da

prática da infracção, aconselhando-se o cometimento de infracções

anteriores, já aplicadas ao mesmo Arguido e, bem assim, as decisões

transitadas em julgado;

s. No que se refere à circunstância atenuante referente ao

comportamento exemplar do Arguido, a eliminação da estratificação

das categorias de militares para efeitos de classificação de

comportamento;

t. A reponderação do quadro sancionatório, eliminando (pelo menos) a

prisão disciplinar agravada e a pena de faxinas – aplicável apenas às

Praças e adaptada a uma realidade ultrapassada – com a desejável

aproximação de todo o regime punitivo face à realidade actual da

profissionalização das Forças Armadas em detrimento do regime à

parte para os militares designados Graduados;

u. A uniformização do momento do cumprimento da pena disciplinar,

cujo critério (de possibilidade) deixa em aberto a adopção de

diferentes critérios – devendo exigir-se o decurso do prazo previsto

para a interposição do recurso hierárquico antes da aplicação de

qualquer sanção disciplinar prevista no RDM, no sentido da

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harmonização com o princípio da presunção de inocência e com as

garantias de defesa do Arguido, consagrados constitucionalmente;

v. Atento o n.º 12 do Artigo 58º da LSM, que estabelece a convocação

dos cidadãos sujeitos a deveres militares para regressar ao serviço

efectivo a fim de cumprirem a pena correspondente, quando esta for

aplicada após a sua passagem à situação de reserva de

disponibilidade, a necessária actualização do n.º 1 do Artigo 169º do

antigo RDM e a eliminação do n.º 2 deste preceito normativo,

dedicado ao extinto “serviço militar obrigatório”;

w. A consagração de um prazo mais curto para a prescrição do

procedimento disciplinar, porquanto o prazo de cinco anos se revela

excessivo face aos efeitos negativos associados à morosa acção

disciplinar e a revisão do prazo de prescrição do processo disciplinar

quando se aguarda a sentença do processo penal pendente contra o

Arguido, relativamente à prática de factos que consubstanciam

simultaneamente ilícito disciplinar e criminal, situação em que se

devem aplicar os prazos penais da prescrição.

12. Através da Lei Orgânica n.º 2/2009, de 22 de Julho, foi finalmente

aprovado o novo RDM. Ora se à partida seria de louvar a decisão de

finalmente rever um regulamento manifestamente obsoleto face à

evolução política, social e constitucional a que vínhamos a assistir de há

trinta anos a esta parte, não podemos, porém, evitar a apreensão que nos

merece tal revisão legislativa, atentas as exigências de reformulação já

emanadas do anterior RDM. Tecem-se já ao novo acervo legislativo

actualmente em vigor as seguintes críticas:

a. A abolição de um quadro de valores e referências honradamente

estribado na aceitação natural e responsável da hierarquia e da

autoridade militares e no ênfase dado aos valores éticos dirigidos à

conduta do superior hierárquico, com vista ao desempenho de uma

missão comum – o que evidencia a pouca sensibilidade relativamente

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à necessária existência da hierarquia (efectiva) no seio de umas

Forças Armadas que se querem disciplinadas, confundindo-as com

uma entidade empregadora pública indiferenciada;

b. A mera recondução de muitos dos anteriores cinquenta e cinco

deveres especiais dos militares às alíneas dos novos deveres especiais

estabelecidos;

c. A enunciação de factos cuja violação corresponde a mais do que um

dever jurídico;

d. A estranha consagração de um ”dever de honestidade”, sobretudo

para integrar o respeito por incompatibilidades legais e o não

cometimento de crimes contra o património;

e. Quando circunstâncias excepcionais (note-se que deixadas ao critério

do aplicador) não permitam a conclusão do processo do prazo

determinado, a previsão de o prazo para a conclusão da instrução ser

prorrogado, “na medida do estritamente necessário”, até “em regra”,

“noventa dias”, prazo que se revela manifestamente excessivo, com a

agravante de poder ser largamente excedido, colidindo com o

princípio da celeridade processual;

f. A publicação da instauração dos processos disciplinares em OS, bem

como a leitura desta nas formaturas de início de trabalhos, com a

prevalência do intento dissuasor, repressivo e de retribuição face à

desejável confidencialidade;

g. A participação de facto passível de sanção disciplinar enquanto dever

de todo o superior hierárquico que dele tenha tomado conhecimento e

não tenha competência disciplinar, sem se exigir, porém, o

conhecimento oficial das suas circunstâncias, circunstância geradora

de fragilidades inegáveis. O exercício da acção disciplinar continua a

ser desencadeado independentemente da forma como os factos

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chegam ao conhecimento dos Chefes Militares, deixando o Arguido

numa posição fragilizada face a um aplicador da disciplina militar

que poderá não ser isento ou actuar condicionado pelos preceitos

legais em vigor.

h. A consagração no n.º 2 do Artigo 84º do novo RDM da possibilidade,

que nada acrescenta, de “todo aquele que não for militar” participar

ao superior hierárquico do militar o facto passível de sanção

disciplinar que tenha presenciado ou tomado conhecimento,

(paradoxalmente) devendo, nesta hipótese, descrevê-lo da “forma

mais exacta possível”;

i. A manutenção da obrigatoriedade da comunicação do militar que

queira exercer o seu direito de queixa ao superior objecto da mesma,

aliada à previsão do dever de instauração de processo disciplinar

contra o autor da queixa pela entidade a quem foi dirigida a queixa

(ou a participação, na actual redacção do novo RDM) quando a

mesma conclua – como? – ter sido dolosamente apresentada. Deveria

ter-se tão-só estabelecido a possibilidade do exercício da acção

disciplinar contra quem tenha agido de má fé e não a sua

obrigatoriedade, até pelo grau de discricionariedade – eventual

arbitrariedade, ou mesmo a sua automática instauração, por excesso

de zelo do detentor do poder disciplinar – que tal matéria pode

importar;

j. A não previsão da necessidade do trânsito em julgado das sentenças

condenatórias de ilícitos criminais que tenham ocorrido fora da

U/E/O, ou dentro da U/E/O mas sem a presença de testemunhas, para

efeitos de instauração de procedimento disciplinar;

k. A manutenção do dever de o instrutor indeferir em despacho

fundamentado a realização das diligências probatórias requeridas pelo

Arguido durante a fase de instrução quando as julgue

“desnecessárias, inúteis, impertinentes ou dilatórias”, violando-se o

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preceituado no Artigo 270º e nas disposições conjugadas dos Artigos

18º, n.º 2 e 52º, todos da CRP;

l. A admissibilidade da nomeação de Oficiais Instrutores sem formação

técnica adequada, resultando em indubitável prejuízo para a condução

do processo disciplinar nos termos legais, ainda que tenham sido

requisitados técnicos, nomeadamente juristas para a sua assessoria ou

solicitados os pareceres técnicos entendidos necessários – pense-se na

escassez de efectivos habilitados com uma licenciatura em Direito

nas Forças Armadas e a (duvidosa) sensibilidade do Oficial Instrutor

para solicitar o necessário auxílio nas fases mais sensíveis da

instrução processual;

m. A ordem prevista no Artigo 10º do novo RDM para a aplicação

subsidiária de “tudo o que não estiver prevista no presente

Regulamento”, dos princípios gerais do direito penal, da legislação

processual penal e do Código do Procedimento Administrativo,

porquanto os princípios gerais do direito penal a que primeiramente

se deverá recorrer não se encontram expressamente legislados, antes

decorrem do ensinamento da(s) doutrina(s) ministrada nas Faculdades

de Direito, obrigando a conhecimentos jurídicos que as Chefias

Militares (e os Oficiais Instrutores, regra geral) não possuem;

n. A nomeação do escrivão deixou de surgir condicionada à (maior)

hierarquia militar do Instrutor, apenas se preconizando a sua função

de assessoria nas diligências e fases subsequentes do processo

disciplinar, o que poderá trazer melindres que não serão de ignorar;

o. A consagração de possibilidade de prorrogação do prazo de dez dias

para o Arguido apresentar a defesa a nota de culpa até ao limite de

trinta dias (úteis), com eventual prejuízo para o princípio da

celeridade;

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p. A inexistência da aconselhada moldura penal pela prática dos ilícitos

disciplinares, note-se que não exaustivos (o uso da expressão

“designadamente” é, aliás, recorrente, em desfavor da desejada

tipicidade). A pena a aplicar fica sujeita ao critério da Chefia Militar,

correndo-se o risco de a discricionariedade se transformar na

indesejada arbitrariedade;

q. O comando dirigido ao aplicador – Chefe Militar – no âmbito da

escolha e medida da pena, no sentido de o mesmo atender à

“personalidade do infractor”, como se o conhecimento da

personalidade exigido ao Chefe Militar não importasse uma avaliação

de personalidade a elaborar apenas por técnicos especializados;

r. A previsão da “acumulação de infracções” como circunstância

agravante da responsabilidade disciplinar, podendo a mesma consistir

no cometimento de uma infracção antes de ter sido punida uma

anterior, com clara violação do princípio da presunção de inocência e

das garantias de defesa do Arguido;

s. A não concretização das circunstâncias atenuantes que diminuem

“substancialmente” a culpa do Arguido, importando a subjectiva

atenuação extraordinária do pena;

t. A manutenção das penas privativas da liberdade – não obstante a

previsão da prisão disciplinar na alínea f) do n.º 3 do Artigo 27º da

CRP;

u. A não previsão da “competência plena” do Contra-Almirante ou

Major-General, Comodoro ou Brigadeiro-General, nem do Vice-

Almirante ou Tenente-General, relativamente à aplicação, pelos

mesmos, do número máximo de dias da pena de proibição de saída,

nem sequer a “competência plena” do Almirante ou General

relativamente à aplicação do número máximo de dias de quaisquer

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das penas previstas, consagrando-se a possibilidade de aplicação de

penas manifestamente abusivas, se não mesmo perpétuas;

v. A previsão da possibilidade de aos militares nos regimes de

voluntariado e de contrato ser aplicada, para além das penas previstas

para todas as categorias de militares, a cessação compulsiva daqueles

regimes, atenta a não concretização dos critérios para a sua aplicação

e a violação do princípio non bis in idem;

w. A previsão possibilidade da aplicação das penas de “reforma

compulsiva” e de “separação de serviço” aos militares dos quadros

permanentes, sem que sejam minimamente qualificados e

identificados os respectivos comportamentos de “gravidade” ou

“excepcional gravidade” que as podem justificar;

x. O silêncio do novo RDM relativamente ao procedimento a adoptar

em caso de impossibilidade de concretização da notificação pessoal

da decisão ao Arguido, aconselhando-se o seu envio por via postal

registada com aviso de recepção, para efeitos de prova da efectiva

notificação;

y. A omissão actual de qualquer relevância expressa das medidas

preventivas adoptadas na instrução do processo disciplinar na decisão

final. O militar deveria poder ser colocado na situação em que estaria

caso não lhe tivesse sido aplicada qualquer medida cautelar no caso

de arquivamento do processo disciplinar, designadamente a

possibilidade do regresso do militar à sua unidade de prestação de

serviço e do pagamento de indemnização se tivesse ocorrido a sua

suspensão preventiva;

z. A consagração dos designados “efeitos das penas”, nomeadamente

das penas de suspensão de serviço e de prisão disciplinar, porquanto

tais penas importam a possibilidade de transferência, a perda de igual

tempo de serviço efectivo, a perda durante o período de execução de

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suplementos, subsídio e de dois terços do vencimento auferido à data

da mesma – com o inadmissível reflexo no orçamento familiar e em

valor superior ao da penhora de remunerações de carácter permanente

efectuada pelos próprios tribunais – e, ainda, a impossibilidade de

promoção durante o período de execução da pena, violando-se, uma

vez mais, o princípio non bis in idem;

aa. O estabelecimento, como “efeito” da pena de cessação compulsiva

dos regimes de voluntariado ou de contrato, da impossibilidade do

infractor ser opositor a concursos para ingresso nos quadros

permanentes das Forças Armadas, disposição legal cuja

imperatividade se repudia, por se ter como manifestamente contrária

aos fins das penas e à possibilidade de plena reintegração do

infractor;

bb. A excepção da regra do decurso do prazo para a interposição de

recurso hierárquico sem a sua apresentação ou logo que lhe seja

negado provimento para haver lugar ao cumprimento das penas

disciplinares militares quando se trate das penas de repreensão e

repreensão agravada – imediatamente cumpridas após a decisão que

as aplicou – pois que o princípio deveria ser imperativamente

aplicável a todas as penas, de encontro ao princípio da presunção de

inocência do Arguido e com a salvaguarda das suas garantias de

defesa, consagrados constitucionalmente;

cc. A inocuidade da instauração das medidas cautelares face à eliminação

da regra da suspensão automática ou semi-automática dos actos

administrativos em matéria de disciplina militar, por força da entrada

em vigor da Lei n.º 34/2007, de 13 de Agosto. Os actos de aplicação

de sanções disciplinares previstas no RDM são apenas suspensos

quando se verifiquem os critérios especiais de decisão estabelecidos,

consubstanciados na justificação do sacrifício da disciplina militar em

nome dos direitos, liberdades e garantias dos militares, suspensão que

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não ocorrerá sequer pontualmente, uma vez que a salvaguarda da

disciplina militar é e será sempre o prius;

dd. A previsão do prazo de seis meses para a prescrição do procedimento

disciplinar se uma vez conhecida a falta pela entidade com

competência disciplinar, o processo não for instaurado no referido

prazo – sujeitando-se o Arguido, à constante ameaça da pena.

13. Muitos militares afirmam que a revisão da disciplina militar deveria ter

passado apenas pelos ajustamentos decorrentes dos normativos

constitucionais e, no que se revelasse necessário, pela integração dos

princípios consagrados nos diferentes Códigos aplicáveis., o que teria

permitido uma maior estabilidade em matéria de tão grande delicadeza.

Independentemente do que agora se possa dizer, foi já positiva a decisão

de rever um regulamento que em (quase) nada se harmonizava com a

evolução política, social e constitucional a que vínhamos assistindo.

Consideramos, no entanto, que os melhores ensinamentos serão os

decorrentes da aplicação do novo RDM, ensinamentos que os estudiosos

– e aplicadores – deveriam sistematizar para futuros – e sempre

necessários – ajustamentos.

14. Como vimos, os militares não renunciaram aos direitos fundamentais,

nem sequer se pode afirmar que se vincularam voluntariamente a um

estatuto de sujeição. Antes têm, como afirma o Doutor Gomes Canotilho,

“relações de vida disciplinadas por um estatuto específico”, que deverá

encontrar o seu fundamento na esfera constitucional. As restrições

(constitucionais), essas, destinam-se a garantir a disciplina das Forças

Armadas, interesse cuja relevância um verdadeiro Estado de Direito

Democrático já não pode ignorar.

15. Cabe-nos agora a nós, juristas, o dever de sermos ser mais proactivos

rejeitando o autismo em que a Justiça corre o risco de se transformar.

Deposito, assim, aqui, o meu humilde contributo.

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CAPÍTULO V – PRINCIPAIS FONTES

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Convenção Europeia sobre a Nacionalidade.

Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos.

ESPANHÓIS

Ley 17/1999, de 18 de mayo, com as alterações constantes da Ley 32/2002, de 5 de júlio

(Régimen del Personal de las Fuerzas Armadas).

Real Decreto 1244/2002, de 29 de noviembre, com as alterações constantes do Real

Decreto 2266/2004, de 3 de diciembre e da competente Orden Ministerial num.

217/2004, de 30 de diciembre (Reglamento de acceso de extranjeros a la condición de

militar profesional de tropa y marinería).

Ley 8/2006, de 24 de Abril, de Tropa y Marinería (compromiso de larga duración).

Instrucción 73/2006, de 10 de mayo, de la Subsecretaria (procedimiento para le

reincorporación a las Fuerzas Armadas de los Militares de Complemento y Militares

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Código de Justiça Militar.

Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Estatuto dos Militares das Forças Armadas.

Lei da Nacionalidade.

Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas.

Lei do Serviço Militar.

Regulamento da Lei do Serviço Militar.

Regulamento de Continências e Honras Militares.

Regulamento Geral do Serviço nas Unidades do Exército.

Regulamento de Incentivos à Prestação de Serviço Militar nos Regimes de Contrato e

de Voluntariado.

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121

Portaria n.º 22.396, de 27 de Dezembro de 1966, alterada pela Portaria n.º 396/76, de 7

de Julho (regulação dos Processos Relativos à Circulação de Viaturas Automóveis do

Exército).

Portaria n.º 22/72, de 15 de Janeiro, alterada pela Portaria nº 306/79, de 29 de Junho

(regulação dos Processos Relativos a Acidentes com Viaturas Automóveis da Armada).

Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro, alterado pela Lei n.º 46/99, de 16 de Junho

(reconhecimento, pelo Estado, do direito à reparação que assiste aos cidadãos

portugueses e estrangeiros residentes que, sacrificando-se pela Pátria, se deficitaram ou

se deficitem no cumprimento do serviço militar e institui as medidas e os meios que,

assegurando as adequadas reabilitação e assistência, concorrem para a sua integração

social).

Decreto-Lei n.º 142/77, de 9 de Abril (Regulamento de Disciplina Militar).

Portaria n.º 453/78, de 11 de Agosto, com as alterações da Portaria n.º 882/82, de 20 de

Setembro (aprovação de uma relação onde se encontram enumeradas as entidades que,

situando-se, assim, nos referidos escalões intermédios, podem exercer a competência

disciplinar correspondente ao seu posto).

Decreto-Lei n.º 194/82, de 21 de Maio (regulação da emissão da Carta Patente).

Decreto-Lei n.º 466/99, de 6 de Novembro (regime jurídico da pensão por serviços

excepcionais e relevantes prestados ao País).

Decreto-Lei n.º 200/2001, de 13 de Julho (Estatuto da Polícia Judiciária Militar).

Portaria n.º 418/2002, de 19 de Abril (aprovação dos modelos de contrato para a

prestação de serviço militar nos regimes de contrato e de voluntariado).

Portaria n.º 536/2002, de 27 de Maio (fixação das condições especiais de admissão à

prestação de serviço militar nos regimes de contrato e de voluntariado).

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122

Lei n.º 101/2003, de 15 de Novembro, com a alteração da Declaração de Rectificação

n.º 1/2004, publicada no Diário da República, I Série – A, n.º 2, de 3 de Janeiro

(Estatuto dos Juízes Militares e dos Assessores Militares do Ministério Público).

Lei n.º 18/2004, de 11 de Maio (transposição para a ordem jurídica nacional a Directiva

n.º 2000/43/CE, do Conselho, de 29 de Junho, que aplica o princípio da igualdade de

tratamento entre as pessoas, sem distinção de origem racial ou étnica e tem por

objectivo estabelecer um quadro jurídico para o combate à discriminação baseada em

motivos de origem racial ou étnica).

Decreto-Lei n.º 167/2005, de 23 de Setembro (unificação da assistência na doença aos

militares das Forças Armadas).

Resolução do Conselho de Ministros n.º 88/2006, publicada no Diário da República n.º

137, 1ª Série, de 18 de Julho (criação da Estrutura de Missão do Ano Europeu da

Igualdade de Oportunidades para Todos, respectivas incumbências, constituição e

objectivos gerais do programa de acção).

Decreto-Lei n.º 169/2006, de 17 de Agosto (dependência da renovação contratual em

regime de contrato da autorização prévia dos membros do Governo competentes).

Lei n.º 34/2007, de 13 de Agosto (regime especial dos processos relativos a actos

administrativos de aplicação de sanções disciplinares previstas no Regulamento de

Disciplina Militar).

Decreto-Lei n.º 295/2007, de 22 de Agosto (regime jurídico dos dirigentes associativos

das APM).

Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro (regimes de vinculação, de carreiras e de

remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas).

Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro (estatuto disciplinar dos trabalhadores que exercem

funções públicas).

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123

Decreto Regulamentar n.º 12/2009, de 17 de Julho (quantitativos máximos de militares

na efectividade de serviço nos regimes de voluntariado e de contrato, em 2009 e 2010,

na Marinha, no Exército e na Força Aérea).

Lei Orgânica n.º 2/2009, de 22 de Julho (Aprovação do novo Regulamento de

Disciplina Militar).

PARECERES E ACÓRDÃOS

Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 90/88, publicado no Diário da República, n.º

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Acórdão do Supremo Tribunal Militar, de 2 de Dezembro de 1993, in Colecção de

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Acórdão da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 24 de Novembro de

1994, AD, n.º 401.

Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 423/2001, de 9 de Outubro, publicado no Diário

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Parecer n.º 83/2007, de 22 de Julho de 2008, da Procuradoria-Geral da República,

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