Inácio de Loyola Homem de Fé

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  • 7/24/2019 Incio de Loyola Homem de F

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    INCIO DE LOYOLA, HOMEM DE F

    Lus Gonzlez-Quevedo, sj.Itaici: Revista de Espiritualidade Inaciana 91 (2013).

    INTRODUO

    Chama-se f ao conjunto de doutrinas e prticas que constituem uma determinadareligio.1Mas, alm deste aspecto ojeti!o, a f tem um aspecto sujeti!o. "este sentido, af uma e#peri$ncia pessoal, uma atitude de confian%a, nascida do amor e orientada para oamor. & f crist a adeso a uma pessoa '(esus Cristo), a uma causa 'o *eino que (esusanunciou), a uma comunidade 'a +greja, germe e incio desse *eino).

    ma maneira de nos apro#imar da f poderia ser estudarmos a !ida dessescampees da f que so os santos e as santas. /or isso, no li!ro dos Exerccios Espirituais'00), recomenda-se ler, junto com os 0!angelhos e a Imitao de !risto, !idas dos santos'00 1).

    "este &no da 2, nos propomos a ler e a refletir sore a !ida de 3anto +ncio de

    4o5ola, fundador da Companhia de (esus e padroeiro dos retiros espirituais.& iliografia sore +ncio de 4o5ola aundantssima. 2rei +ncio 4arra6aga, 72MCap,

    disse-me que todos os anos lia uma iografia de 3anto +ncio. Mesmo que o frei !i!a cemanos, no esgotar as iografias inacianas.8

    7 relato mais aut$ntico da !ida de +ncio de que dispomos a "uto#io$ra%ia de In&ciode 'oola 3ou Relato do *ere$rino.+7s companheiros insistiram tanto com ele, para quelhes contasse o modo como 9eus o ha!ia guiado desde o princpio de sua con!erso, que+ncio decidiu contar sua !ida ao /. 4us :on%al!es da C;mara. 0ste jesuta portugu$sescre!eu o que +ncio lhe contou. &ssim nasceu a "uto#io$ra%ia, que ser a principal fontedeste artigo.

    I) O JOVEM IIGO DE LOYOLA

    +6igo de 4o5ola nasceu em 1?@1, no /as Aasco, pequena regio do norte da0spanha e sul da 2ran%a. 2oi o Bltimo filho de uma famlia numerosa da nore>a ruralasca.& me, 9D Marina 3en> de 4icona, no podendo amamentar seu filho ca%ula,entregou-o a uma jo!em ama de leite, a camponesa Maria de :arn, que o criou no stio de0guar, pr=#imo a 4o5ola.

    +6igo era ainda adolescente, quando seu pai, 9on AeltrnE6e> de 4o5ola, confiousua educa%o aos cuidados de 9. (uan Fel>que> de Cuellar e de 9D Maria Felasco, que

    1"a Carta apost=lica *orta %idei, de 11 de outuro de 811, Aento GF+ afirmaH "no da - de!er e#primir um esfor%ogenerali>ado em prol da redescoerta e do estudo dos conteBdos fundamentais da f, que t$m no Catecismo da +grejaCat=lica a sua sntese sistemtica e org;nica 'n. 11).

    20m portugu$sH (.-Cl. 9hItel, /uem s In&cio de 'oola 3o /auloH 0di%es 4o5ola, 1@J?K C. de 9almases, In&cio de'oola:fundador da Companhia de (esus. /ortoH &postolado da +mprensa. 3/H 4o5ola, 1@L?K &fonso de 3anta Cru>,"sduas paixes do o%icial. D ed. CuritiaH *osrio, 1@L?K . Aotero, In&cio de 'oola: %undador da !ompania de esus./orto&legreH 4i!r. 0d. /adre *eus, 1@LJK*. :arca-Filloslada, 4anto In&cio de 'oola. "o!a iografia. 3/H 4o5ola, 1@@1 '11 p.)K&. 4ongchamp, 5ida de In&cio de 'oola. 3/H 4o5ola, 1@@1K &. *ocha Morsch, In&cio de 'oola. 3/:4o5ola, 1@@NK . 3. de4ima, 6ancando em #usca de um reino. 3/H 4o5ola, 1@@?K (.+. Oellechea+dgoras. In&cio de 'oola, so7ino e a p.3/H4o5ola, 1@@K +d.,In&cio de 'oolaH & a!entura de um cristo. 3/H 4o5ola, 81 P*esumo da ora anteriorQK M. /uncel,In&cio de 'oola. 3/H 4o5ola, 8L.

    3"uto#io$ra%ia de In&cio de 'oola. Orad. e notasH &. Cardoso. 3/H 4o5ola, 1@LJ.

    4 Relato do *ere$rino. "o!a edi%o do ttulo anteriorH"uto#io$ra%ia de 4anto In&cio de 'oola.Orad. *. /ai!a, notas (.-Cl.9hItel. 3/H 4o5ola, 8 '0scritos de 3anto +ncio). 0#iste ainda uma tradu%o parcial da "uto#io$ra%ia de 4anto In&cio,

    com +ntrodu%o e "otas de Mauri>io Costa e ilustra%es de 9aniel 2ranchini, s.n.t.

    58i$oPpronuncia-se RnhigoQ foi onome de atismo de +ncio, que o trocaria, durante seus estudos em /aris, pelo deI$natius.

    67 primeiro i=grafo de +ncio, /edro de *iadeneira, di> que o pai te!e cinco filhas e oito filhos. +6igo foi, pois, odcimo-terceirofilho.

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    residiam em &r!alo, pro!ncia de S!ila, no cora%o de Castela. 9. (uan Fel>que> e#ercia,entre outros muitos cargos, o de pro!edor-mor do *eino de Castela.

    0m &r!alo, nos anos 1ee. 4endo tais li!ros,+6igo refletia e afei%oa!a-se ao que tinha lido. 7utras !e>es, passa!a horas a fio

    7Cf. 4. 2ernnde> Martn, 'os aos ;uveniles de Ii$o de 'oola: su formaci=n en Castilla. FalladolidH Caja de &horros/opular, 1@L1.

    8Cf. /. de 4eturia, El $entilom#re Ii$o '

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    imaginandoo que ha!ia de fa>er em ser!i%o de uma senhora, que era mais do que condessaou duquesa.

    Muito pro!a!elmente, a dama dos sonhos de +6igo era a infanta Catarina de Sustria,irm mais no!a do rei Carlos F. &os 1? anos, a princesa era to ela e to nore, que +6igofica!a eme!ecido, pensando nela, sem olhar quo imposs!el era seu sonho. 1N0 com esteamor imposs!el, encerramos aqui os sonhos mundanos do jo!em +6igo de 4o5ola.

    II) O ITINERRIO EXTERIOR DO PEREGRINO

    "o final de fe!ereiro de 1er grandes coisas por 9eus. 2eito peregrino, !isita osanturio mariano de &rn>a>u e fa> !oto perptuo de castidade, porque tinha mais medode ser !encido no que toca T castidade do que em outras matrias.1 de f, parecem ser !erdadeiras e#peri$ncias de 9eus. *ecentemente, uma leigacontou-me o seguinteH

    "a minha ju!entude, um parente meu questiona!a a minha f, di>endo que eu era co!arde,que no tinha a coragem de aceitar a realidade desta !ida, que a !ida eterna pura fantasia,etc. 0nto, eu decidi fa>er um e#perimentoH durante duas semanas, !i!eria ]como se 9eus noe#istisse^. Mas, um dia, enquanto eu !arria o meu quarto, senti-me completamente in!adidapelo amor de 9eus. 0ra como se eu ti!esse sido en!ol!ida por um manto de ondade, ele>a,alegria e pa>. 2iquei to como!ida que decidi nunca mais du!idar da e#ist$ncia de 9eus,mesmo que todo o mundo dei#asse de acreditar "ele.

    +ncio di>ia que, se no hou!esse as 0scrituras que nos ensinassem estas !erdadesde f, ele se determinaria a morrer por elas, s= pelo que !ira.N7 cume das gra%as msticasde Manresa foi a ilustra%o do Cardoner, que deu a +ncio uma !iso sinttica e gloal das

    !erdades da fHN1

    ma !e>, ia por de!o%o, a uma igreja que esta!a a mais de uma milha de Manresa. Creio quese chama 3o /aulo, e o caminho !ai junto ao rio. +ndo assim em suas de!o%es, sentou-seum pouco com o rosto para o rio, o qual fica!a em emai#o. 0stando ali sentado, come%arama se lhe arir os olhos do entendimento. "o tinha !iso alguma, mas entendia e penetra!amuitas !erdades, tanto em assunto de esprito, como de f e letras. +sto, com uma ilustra%oto grande que lhe pareciam todas as coisas no!as.N8

    7utra aut$ntica e#peri$ncia mstica, decisi!a para o nascimento da Companhia de (esus, foi a!iso de 4a 3tortaH

    0stando um dia, a algumas milhas antes de chegar a *oma, numa igreja, fa>endo ora%o,

    sentiu tal mudan%a em sua alma e !iu to claramente que 9eus /ai o punha com Cristo seu2ilho, que no teria ;nimo para du!idar disto, de que o /ai o punha com seu 2ilho.NN

    4ane> acrescenta outros pormenoresH 9isse-me que parecia que 9eus /ai lhe imprimia nocora%o estas pala!rasH ]0u !os serei propcio em *oma^. /arecia-lhe !er Cristo com a cru> Tscostas, e o /ai 0terno junto, que lhe di>iaH ]Uuero que tomes este por teu ser!idor^. 0 assim (esus otoma!a e di>iaH ]Uuero que tu nos sir!as^N?.

    "a !iso de 4a 3torta, +ncio sentiu-se chamado a uma mstica de unio 'o /ai o queria unircom (esus) e a uma mstica de ser!i%o 'consagrar toda a !ida ao ser!i%o de 9eus, na +greja).

    a!eria que referir-se, ainda, ao @i&rio Espiritualde 3anto +ncioNa que de!eria adotar a Companhia de (esus.

    29+., 1.

    30"uto#.,n. 8@.

    31Cf. /. 4etBria, :nesis de los 0jercicios,"=4I, 1 '1@?1), p.8.

    32+., N.

    33"uto#.,n. @.34->, +, N1N-N1?. 4ane>foi companheiro e sucessor de +ncio, como superior geral da Companhia.

    35Cf. 'a intimidad del pere$rino:9iario espiritual de 3an +gnacio de 4o5ola. Fersi=n 5 comentarios 3antiago Ohi= de /ol.AilaoV3antanderH MensajeroV3al Oerrae, s.d. 'Col. Manresa, N). duas tradu%es portuguesas do @i&rio espiritual:&.Cardoso '1@JJ) e *. /ai!a '8J).

    36(. de :uiert, 4aint I$nace mstiBue: d^apr_s son journal spirituel. OoulouseH 4^&postolat de la/ri_re, 1@NL.

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    Mas asta o dito para afirmarmos que a f de +ncio no foi apenas uma heran%a receidados seus antecessores. 0la foi, soretudo, fruto de uma e#peri$ncia pessoal, que mudou a !ida doautor dos 0#erccios 0spirituais e que poder mudar, tamm, a !ida de quantos seguirem esseroteiro para uscar e encontrar a !ontade de 9eus na disposi%o da pr=pria !ida, !isando asal!a%o eterna 'Cf. 00 1).

    V) HOMEM DE F, HOMEM DE IGREJA

    +ncio, homem de f, tamm, insepara!elmente, um homem de +greja. &identifica%o entre amos termos no to pacfica como poderia parecer. 0m princpio, poss!el que e#istam homens de +greja que no t$m f. 0, certamente, h pessoas que t$mf, sem pertencerem formalmente a nenhuma +greja.

    +ncio nasceu em uma famlia e em uma regio de firme tradi%o cat=lica. & suacon!erso radicali>ou sua f, fa>endo-o adotar uma !ida de ora%o e penit$ncia. &o sair docastelo de 4o5ola, fe> uma ruptura radical com o mundo, trocando de roupa com um pore edei#ando crescer as unhas e o caelo.

    Oudo parecia indicar que +ncio entraria na longa lista de fanticos, que, em nome

    do 0sprito, despre>am uma +greja sempre tentada a acomodar-se Ts estruturas destemundo. 9e fato, +6igo despertou nas autoridades eclesisticas a suspeita de pertencer aomo!imento dos alum#rados.3CMas o 3enhor lhe tinha dado o dom do discernimento.

    9eus se ser!iu das media%es humanas. "a con!erso de +6igo influenciaram asleituras que ele fe> durante sua con!alescen%a em 4o5ola. /or meio da 5ita !risti, de4udofo de 3a#Inia, +ncio entrou em contato com a tradi%o medie!al da contempla%o da!ida de Cristo. 0 o -los 4anctorumo fe> mergulhar no oceano da santidade crist.

    "o incio de sua con!erso, +6igo sonhou com uma !ida puramente contemplati!a, nasolidoK chegou a pedir informa%es sore a *egra da Cartu#a.NLMas a gra%a mudou o +6igopenitente, no +ncio apost=lico. +6igo penitencia!a-se de seus pecados, e#tremando as

    penit$ncias. +ncio pensa mais em como ajudar os pr=#imos.7 que transformou o +6igo mendigo, homem do saco 'como o chama!am as

    crian%as de Manresa), no +ncio ap=stolo, homem de +greja` & "uto#io$ra%ia indica duascausas desta mudan%aH as consola%es que 9eus lhe da!a e os primeiros contatosapost=licosH 9epois que come%ou a ser consolado por 9eus e !iu o fruto que fa>ia nasalmas com o trato, dei#ou aqueles e#cessos que antes pratica!a. ( corta!a as unhas e oscaelos.N@

    & Companhia de (esus, fruto da mudan%a de +6igo em +ncio, nasceu para o ser!i%oapost=lico na +greja. +sso determinou algumas caractersticas contrastantes com os usos das7rdens religiosas anteriores. 0m primeiro lugar, a moilidade apost=lica, que e#clui a

    recita%o coral do 7fcio di!inoK em segundo lugar, o modo de !ida ordinrio, sem grandespenit$ncias e sem hito pr=prio, mas !estindo-se como os padres honestos. &ssim, nasmargens do rio Cardoner, nasceu a caritas discreta inaciana?.

    & originalidade da Companhia de (esus e da espiritualidade inaciana ser !i!ida emcontinuidade com a grande tradi%o da +greja Cat=lica e com particular oedi$ncia ao /apa.0m toda a !asta correspond$ncia de 3anto +ncio com os mais !ariados personagens doseu tempo, resplandece a humildade e re!er$ncia para com a nossa santa me +greja, seusgo!ernantes e doutores reconhecidos por ela?1.

    373ore os alum#rados, cf. Itaici, n. L 'de>. 811), p. NN.

    38"uto#., 12.39+., 8@.

    40ugo *ahner, op. cit., @otes. 0m*oma, te!e que defender-se em no!o processo da +nquisi%o.

    "a atitude de oedi$ncia T +greja hierrquica, +ncio de 4o5ola continuador de todosos 3antos /adres e doutores da +greja, como mostra ugo *ahner, citando 3anto +ncio de&ntioquia, 3o Aaslio, 3o Aento, 3anto &gostinho e 3o Aernardino de 3ena.?8

    CONCLUSO

    &s tr$s !irtudes teologais con!ergem em uma mesma atitude de amor e ser!i%o a 9eus"osso 3enhor. &o afirmar que +ncio de 4o5ola foi um homem de f, estamos di>endo,implicitamente, que ele foi um homem de esperan%a e um homem que amou a 9eus e Thumanidade.

    & !ida e a ora de +ncio de 4o5ola deram dignidade e ele>a T +greja do seu tempo.0 a !ida humana nesta terra ficou um pouco mais humana, depois que aquele poreperegrino, apai#onado por Cristo, passou por ela.

    +6igo de 4o5ola leu no -los 4anctorum que, quando os !erdugos arrancaram ocora%o do mrtir 3anto +ncio de &ntioquia, !iram nele, gra!adas a ouro, as letras +3. 0stemonograma ser o raso da Companhia de (esus, por desejo do fundador, porque no seucora%o ardia a chama do amor ao santssimo nome de (esus.?N

    "aquela mesma ora, +6igo encontrou a frase de 3anto +ncio de &ntioquiaH o meu amorest crucificado.?? Ooda !oca%o crist uma !oca%o para o amor, mas para um amorcrucificado, um amor que se es!a>ia de si mesmo, para doar-se ao 7utro, aos outros, a

    todos.?ar alguns a!isos para seus companheiros, escre!euH(esus, meu &mor, est crucificado.?(unto com ele, os primeiros jesutas se identifica!amcomo homens crucificados ao mundo e para os quais o mundo est crucificado 'cf. :l,1?).

    7 amor de 9eus, que se nos re!elou na pessoa de (esus, a Bltima e#plica%o da fque mo!eu +ncio de 4o5ola e que, ainda hoje, alimenta muitos homens e mulheres, jo!ense adultos, que fa>em os Exerccios Espirituais.

    9ando ao amor o sentido pleno da pala!ra 'caritas, &$ape), podemos concluir com um

    grande te=logo que 3= o &mor digno de f.?J

    sua esposa, o mesmo esprito que nos go!erna e dirige para a sal!a%o nossa '00 Nessem um quarto !oto, de oedi$ncia especial ao *omano /ontfice, a respeito das misses.

    43/. *iadeneira, @e ratione Instituti4ocietatisIesu. *omaH 1L?, ?@.

    44+ncio de &ntioquia, Carta aos *omanos, J,8. 7 sentido original da frase parece serH o meu amor ao mundo estcra!ado na Cru> 'ugo *ahner, op, cit. p. 1J8-1JN, nota 1N).

    45Cf. 4. :on>le>-Uue!edo, &mor humano e amor cristo, Itaici, n. ?8 'de>. 8), N1-?? 'NL-?1). 0 aindaH Aento GF+,!arta encclica @eus !aritas est, sore o amor cristo. ArasliaH 0di%es C"AA, 8