Inagcio Cano

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    SUR - REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS136

    IGNACIO CANO

    Formao e Doutorado em Sociologia na Universidad Complutense de Madri, com aespecialidade de Psicologia Social. Ps-doutorado pelas Universidades de Surrey (Reino

    Unido), Michigan e Arizona (EUA) com nfase em metodologia de pesquisa e avaliao de

    programas sociais. Trabalha na rea de violncia e direitos humanos desde 1991 em vrios

    pases da Amrica Latina. Desde agosto de 2000 Professor concursado de Metodologia

    de Pesquisa na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). membro do Laboratrio de

    Anlise da Violncia da mesma universidade, onde desenvolve pesquisas na rea de violncia,

    segurana pblica e direitos humanos.

    RESUMONos anos 1980 e 1990, a criminalidade violenta no Brasil cresceu consideravelmente e o tema

    da segurana pblica entrou definitivamente na agenda social e poltica. O cenrio atual

    mostra o fracasso das polticas tradicionais de controle do crime e da violncia que, em geral,

    so reativas, militarizadas e baseadas na represso. Muitas deficincias podem ser apontadas

    nesse modelo tradicional: falta de planejamento e de investimentos, formao

    deficiente, herana autoritria, abusos dos direitos humanos, corrupo institucional,

    etc. Apesar disso, muitos defensores do paradigma adicional continuam defendendo no s a

    continuao, mas a intensificao das velhas polticas, cujo defeito, segundo eles, seria

    justamente a sua timidez. Junto a esse modelo declinante, mas ainda hoje dominante,surgiram no pas iniciativas inovadoras em vrios nveis, algumas das quais so aqui

    identificadas e analisadas. Esses exemplos devem servir como insumo para pensar como um

    novo paradigma de segurana pblica democrtica pode ser estabelecido no Brasil.

    Original em espanhol. Traduzido por Maria Lucia Marques.

    PALAVRAS-CHAVE

    Segurana Pblica Democrtica Preveno da Criminalidade Direitos Humanos

    Este artigo publicado sob a licena de creative commons.Este artigo est disponvel online em .

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    Introduo

    O termo usado normalmente no Brasil para referir-se a este tema seguranapblica, em lugar de segurana cidad, mais comum em outros pases da

    regio. De fato, a noo de segurana cidad no Brasil est associada a umparadigma particular, mais democrtico e comunitrio, vinculado noo decidadania.

    O Brasil, como muitos outros pases da regio, vive um cenrio de crise nasegurana pblica, com altas taxas de incidncia criminal, que cresceram deforma significativa ao longo dos anos 80 e 90. At os anos 70, o crime eraconcebido basicamente como um problema de polcia; a esquerda esperava,como em outros pases, que o fim da ditadura e a democratizao, de algumaforma resolveriam a questo. O tema da criminalidade era concebido como um

    tema da direita, dos defensores da lei e da ordem, e qualquer nfase na questoj era vista como suspeita. Em conseqncia, no existia sequer a reflexo, nema proposta dos setores progressistas que se contrapusesse simples demandapela ordem por parte dos grupos conservadores.

    No entanto, o notvel avano da criminalidade trouxe o tema da seguranapblica para a agenda poltica e social, da qual no sairia nunca mais. O fracassodas polticas tradicionais no controle da criminalidade e da violncia abriuespao para reformas e propostas inovadoras. Inclusive, algumas vozes selevantaram pedindo uma mudana completa de paradigma na segurana pblica.

    A idia de uma segurana pblica mais democrtica, com maior ateno

    POLTICAS DE SEGURANA PBLICA NO BRASIL:TENTATIVAS DE MODERNIZAO E DEMOCRATIZAOVERSUS A GUERRA CONTRA O CRIME

    Ignacio Cano

    Ver as notas deste texto a partir da pgina 155.

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    preveno, o surgimento de novos atores, a noo de polcia comunitria ou,simplesmente, de uma polcia que compatibilizasse eficincia com respeito aosdireitos humanos so sintomas do novo perodo de debate e efervescncia.

    No Brasil, a segurana pblica fundamentalmente da competncia dosestados. Cada um deles tem, por exemplo, suas foras policiais Polcia Civil ePolcia Militar e seu Tribunal de Justia, conforme o modelo federativo. APolcia Federal, por seu lado, tem porte reduzido inferior ao de muitas polciasestaduais e o sistema de justia criminal federal tem competncias limitadas adeterminados crimes. Por isso, o papel do poder federal foi, sobretudo incentivar,por meio de financiamentos, intervenes nos estados, que atendam certosrequisitos tcnicos e polticos.

    As prefei turas, por seu lado, tm um papel na rea da preveno,principalmente, embora a expanso das guardas municipais inclua tambmtarefas de represso.

    A percepo dos cidados da crescente insegurana provocou, ao longodos ltimos anos, uma presso social para que todas as autoridades tomassemmedidas no campo da segurana pblica, independentemente de suascompetncias oficiais. Todavia, a difcil situao financeira dos estados impedeinvestimentos significativos, o que tem contribudo para o aumento dos poderesmunicipal e federal neste campo.

    Polticas federais

    Entre os rgos com que conta o governo federal nesta rea, destaca-se a PolciaFederal, com competncias de vigilncia nas fronteiras e alfndegas e nos crimesfederais. Seu efetivo, de apenas alguns milhares de homens em todo o pas,impede o cumprimento eficiente de todas as suas funes.

    A Secretaria Nacional Anti-Drogas, vinculada Presidncia da Repblica,tradicionalmente dirigida por militares,1 tem atribuies na rea de preveno,

    que se confundem com as de outros rgos governamentais.Dois elementos contriburam historicamente para limitar o papel federalneste campo. O primeiro foi o temor de provocar suspeita nos governos estaduaissobre uma atitude intervencionista do governo federal que contrariasse o pactofederativo, justamente numa rea to delicada. O segundo foi o receio dosgovernos federais de se envolverem profundamente em um tema complexo,pois um fracasso poderia ter altos custos polticos.

    No entanto, como j foi mencionado, a crise da segurana pblica provocouuma demanda social exigindo que os poderes pblicos interviessem de maneira

    mais ativa. No ano 2000, pouco depois do famoso incidente com o nibus 174no Rio de Janeiro,2 o governo Fernando Henrique Cardoso lanou o PlanoNacional de Segurana Pblica. A coincidncia de datas no casual, reflete a

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    tendncia dos poderes pblicos de formular respostas imediatas a episdios decrises na segurana pblica, em vez de optar por uma abordagem planejada emfuno de indicadores e dados globais.

    O Plano Nacional continha uma srie de 15 compromissos e 124 aesconcretas com as quais o governo federal se comprometia a intervir contra aviolncia, particularmente a violncia urbana. Algumas aes eram exclusivasdo poder federal e outras deveriam ser executadas em conjunto com asautoridades estaduais e municipais. Para os crticos, o Plano simplesmentereclassificava muitas aes que j estavam sendo realizadas ou em fase de projeto,vinculando-as nesse momento rea de segurana.

    Uma das principais iniciativas foi a criao de um Fundo Nacional de

    Segurana Pblica, com a finalidade de financiar projetos de estados emunicpios que cumprissem determinados requisitos eficincia, transparncia,respeito aos direitos humanos e que o governo federal julgasse prioritrios. Aidia que comeava a tomar forma era a de que o governo federal poderia induzirpolticas pblicas reformistas nos estados, atravs do financiamento seletivo,sem ferir suscetibilidades. A Secretaria Nacional de Segurana Pblica (SENASP)do Ministrio de Justia, rgo com uma atuao anteriormente discreta, foireorganizada e fortalecida para acompanhar e implementar essas novas tarefas.

    Uma das 124 aes do Plano Nacional era o Plano de Integrao e

    Acompanhamento de Programas Sociais de Preveno Violncia Urbana(PIAPS), criado de fato em 2001, e vinculado ao Gabinete de SeguranaInstitucional da Presidncia da Repblica. Uma de suas particularidades erano contar com recursos prprios, funcionando como agente articulador deiniciativas de vrios ministrios, com competncias para prevenir a violncia.Dessa forma, constitua um programa intersectorial que pretendia coordenar emaximizar os resultados de vrias agncias governamentais. Ao mesmo tempo,se propunha a cooperar com os trs nveis do poder pblico federal, estaduale municipal e fomentar redes locais. Seu foco principal eram as crianas e os

    jovens entre zero e vinte e quatro anos.Em seu primeiro ano, 2001, o PIAPS deu prioridade s regiesmetropolitanas de So Paulo, Rio de Janeiro, Vitria e Recife, justamente asque apresentavam maior incidncia de violncia letal no pas. No ano seguinte,foram incorporadas as regies de Cuiab, Fortaleza e o Distrito Federal. Oprograma tentou articular projetos de 16 setores do governo federal, entreministrios e secretarias, todos com o paradigma da preveno, por meio damelhoria das condies de vida, o respeito s pessoas e o acesso aos direitos dacidadania. As iniciativas se caracterizavam, em teoria, por sua coordenao com

    os agentes locais, tanto diretamente com os municpios, ou com as organizaesno governamentais e da sociedade civil. O objetivo era estabelecer convniosformais entre o governo central e os governos municipais e estaduais. Os projetos

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    a serem financiados eram escolhidos pelos tcnicos do poder federal. No entanto,a concepo e execuo dos projetos era de responsabilidade das agnciasproponentes municipais ou no governamentais , que no precisavam seguircritrios tcnicos pr-determinados.

    A partir de janeiro de 2003, o novo governo abandonou o PIAPS em trocade outros programas na rea da segurana.

    Quando candidato, o presidente Lula elaborou um Plano Nacional deSegurana Pblica e deu visibilidade ao tema durante a campanha eleitoral.Depois da eleio, o governo Lula criou o chamado Sistema nico de SeguranaPblica (SUSP), que pretendia articular operacionalmente as intervenes dosestados da federao, incluindo suas respectivas polcias, em cada regio do

    pas. Depois de sucessivas crises polticas, o SUSP deixou de receber apoiopoltico e grande parte do plano ficou no papel.A prpria Secretaria Nacional no conseguiu, desde sua criao,

    corresponder s expectativas geradas. A falta de critrios polticos rgidos emrelao aos programas estaduais financiados e os sucessivos cortes de oramentoenfraqueceram consideravelmente seu papel de indutor de polticas nos estados,que deveria ter sido executado atravs do Fundo. Este ano, por exemplo, ooramento inicial de aproximadamente US$ 180 milhes, j to reduzido paraas dimenses do pas e da tarefa proposta, sofreu dois cortes e chegou a pouco

    mais de um quarto do oramento original.A Polcia Federal dedicou os ltimos anos a operaes bem planejadas edifundidas para desarticular ncleos do crime organizado de alto nvel em vriosestados. Um de seus principais xitos foi a investigao de vrios casos decorrupo por membros da prpria polcia, o que lhe conferiu uma imagem depolcia menos corrupta que as estaduais. No entanto, os recentes escndalos naSuperintendncia do Rio de Janeiro ofuscaram essa imagem. A Polcia Federalfoi acusada de alguns excessos e, sobretudo, de buscar publicidade durante asaes contra o crime organizado.

    O controle de armas foi uma rea na qual o poder federal conseguiu avanar,tanto pela adoo da lei de armas de 1997, que transformou em crime o porteilegal, antes uma mera contraveno, quanto pela promulgao do Estatutodo Desarmamento em 2003.

    Polticas estaduais

    So os estados os atores principais na rea de segurana pblica. Cada estadoconta com uma Polcia Militar, uma fora uniformizada, cuja tarefa o

    patrulhamento ostensivo e a manuteno da ordem, e com uma Polcia Civil,que tem como misso, investigar os crimes cometidos. Dessa forma, nenhumadas duas polcias executa o chamado ciclo completo de segurana pblica,

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    que vai da preveno represso, o que suscita problemas de duplicidade erivalidade entre ambas.

    Em geral, as polticas estaduais de segurana se que podem receber estenome sem planejamento, objetivos e avaliao so basicamente reativas ebaseadas na represso, mais do que na preveno. Com freqncia, os governosreagem diante dos casos com repercusso pblica, particularmente os que sedestacam na imprensa, para dar uma resposta de curto prazo. Quando o casoperde visibilidade, as medidas iniciais se desvanecem. A imprensa, neste sentido,desfruta de um grande poder para orientar as medidas dos rgos pblicos. Asintervenes raramente so planejadas com base em objetivos especficos.

    Entre as deficincias mais comuns na rea de segurana pblica, podemos

    destacar: falta de investimento suficiente, o que se traduz, entre outras coisas, porbaixos salrios para os escales inferiores das polcias. Esses salrios obrigamos agentes a trabalharem em outros empregos, geralmente em seguranaprivada, gerando altos nveis de estresse e a tendncia de privatizao dasegurana pblica;

    formao deficiente dos agentes policiais, sobretudo nos nveis hierrquicosinferiores;

    herana autoritria: a polcia era um rgo de proteo do Estado e das

    elites que o dirigiam contra os cidados que representavam um perigopara o status quo, as chamadas classes perigosas. A transio do modelode uma polcia de controle do cidado para uma polcia de proteo daspessoas gradual e ainda no foi concluda. Ademais disso, o Estadobrasileiro conserva resqucios de sua formao oligrquica, como a prisoespecial para as pessoas com formao universitria;

    insistncia no modelo da guerra como metfora e como referncia para asoperaes de segurana pblica. Desse modo, o objetivo continua sendo,em muitos casos, o aniquilamento do inimigo, freqentemente sem

    reparar nos custos sociais. O problema de segurana pblica aparece svezes como uma questo de calibre, como um n que ser desatado quandoo poder de fogo das polcias supere o do inimigo. Em conseqncia, asegurana pblica se apresenta fortemente militarizada em suas estruturas,doutrinas, formao, estratgia e tticas. As operaes de segurana pblicaem reas pobres se assemelham a operaes de guerra em territrio inimigo:ocupao, blitz etc.;

    no contexto anteriormente mencionado no de se estranhar a existnciade numerosos abusos aos direitos humanos, particularmente os que se

    referem ao uso da fora. Os tiroteios em comunidades pobres produzemum alto ndice de mortes, incluindo as vtimas acidentais. As alegaes detortura contra presos e condenados tambm so freqentes;

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    relaes conflitivas com as comunidades pobres, sobretudo em lugaresonde o crime organizado forte. A juventude que vive nesses lugaresconsidera a polcia inimiga e um setor da polcia tem esta mesma viso.As pesquisas mostram que existem muitas comunidades onde os moradorestm mais medo da polcia que dos traficantes de drogas, cujo despotismo mais previsvel;

    numerosos casos de corrupo policial, desde pequenos subornos parano aplicar multas de trnsito at proteo a traficantes. Em muitasocasies, o abuso de fora est tambm vinculado aos casos de corrupo(vide o estudo de Mingardi3 sobre a Polcia Civil de So Paulo e o casorecente do massacre da Baixada4 Fluminense em maro de 2005).

    No obstante este quadro de deficincias, nos ltimos anos se pde observariniciativas de reformas modernizadoras. Elas constituem ainda excees regrageral, mas representam a possibilidade de uma futura mudana de paradigmana segurana pblica brasileira. A lista no exaustiva, nem pretende apresentarnecessariamente uma seleo da maior importncia, pois foi feita, basicamente,como exemplificao. Entre as experincias podemos citar:

    experincias de polcia comunitria em vrios estados, em geral comresultados positivos, pelo menos em relao imagem da polcia em suas

    relaes com a comunidade. No tem havido, contudo, reduosignificativa das taxas de criminalidade. O elemento mais importante, defato, a mudana no relacionamento entre a polcia e a comunidade. Dequalquer forma, nenhum estado adotou o modelo de polcia comunitriacomo modelo geral para a Polcia Militar;

    criao de Ouvidorias de Polcia em vrios estados. As Ouvidorias tmcomo misso receber denncias de abusos cometidos por policiais,garantindo o anonimato do denunciante, se for necessrio. As dennciasso encaminhadas s Corregedorias (Departamentos de Assuntos Internos)

    para serem investigadas e a Ouvidoria acompanha esta investigao. Ainstituio publica relatrio peridico sobre as denncias recebidas efunciona como elemento de mobilizao e conscientizao sobre o assunto.No entanto, a falta de comunicao posterior com os denunciantes e abaixa proporo de casos que resultam em punio para os acusadosprovocam um considervel grau de insatisfao entre os denunciantes,como mostraram as pesquisas realizadas em trs Ouvidorias. O grau deinstitucionalizao ainda incipiente e o desempenho depende em grandemedida da figura do Ouvidor. No comum contarem as Ouvidorias

    com um quadro de funcionrios ou oramentos prprios, e muitasfuncionam nos edifcios das Secretarias de Segurana, contrariando suavocao de manter sigilo;

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    uso de tcnicas de geo-referenciamento para mapear as reas e horrios demaior incidncia criminal, com a finalidade de dirigir o patrulhamentopreventivo a esses pontos crticos. De fato, os estudos clssicos queavaliavam o impacto do patrulhamento, como o de Kansas City em 1972,concluram que o patrulhamento no especfico, sem foco espacial outemporal, no consegue reduzir a criminalidade. A Polcia Militar de BeloHorizonte, entre outras, trabalhou na linha do geo-referenciamento;

    programas-piloto para reduzir a violncia letal em reas marginais comalta incidncia de homicdios. Entre eles, podemos citar GPAE no Riode Janeiro e Fica Vivo em Belo Horizonte. Constituem uma certanovidade no pas, porque os crimes contra a vida, ao contrrio dos crimes

    contra a propriedade e os seqestros, nunca foram uma prioridade daspolticas de segurana pblica brasileira. Isso acontece, entre outrasrazes, porque as vtimas de homicdios so em sua maioria pessoas dasclasses mais humildes, sem voz nem influncia poltica comparveis sclasses mdias e altas.

    O programa GPAE (Grupo de Policiamento em reas Especiais) foiaplicado pela primeira vez na favela Pavo-Pavozinho-Cantagalo em 2000e, posteriormente, estendido a outras trs comunidades pobres da cidade.Substituindo a estratgia tradicional de invases peridicas com tiroteios,

    a polcia permanece na comunidade de forma estvel, tenta desenvolveruma relao de proximidade com os habitantes locais e prioriza em suaatividade a reduo de incidentes armados, no a luta contra o crime emgeral. Alm disso, a polcia se esfora para ajudar a comunidade a serincluda em programas sociais, especialmente para a juventude, que possamcontribuir preveno da violncia. Trata-se de uma iniciativa de reduode danos, parcialmente inspirada na experincia Cease Fire de Boston.Seus resultados mostraram que, respeitadas certas condies, possvelreduzir os tiroteios e a insegurana nas comunidades afetadas. Apesar disso,

    a experincia no foi considerada um novo modelo de polcia paracomunidades marginais, mas apenas um caso especial.O programa Fica Vivo foi introduzido em anos recentes numa favela

    de Belo Horizonte com altos nveis de violncia. Combina intervenopolicial com programas sociais, sobretudo para a juventude. Os resultadosso aparentemente positivos quanto reduo dos homicdios;

    avanos no tratamento da informao policial, atravs da informatizao,racionalizao e arquivo de denncias e dados de inteligncia. Nas polciascivis da grande maioria dos estados, a falta de um sistema eficiente de

    informaes e de um programa informatizado e centralizado para coletade denncias limita a circulao da informao. Os dados de inteligncia,por exemplo, costumam pertencer ao policial que os obtm e, ao mudar

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    de distrito, leva consigo as informaes. No caso do estado do Rio deJaneiro, o programa Delegacia Legal, implantado no final dos anos 90pelo governo do estado, modificou substancialmente o modo de operaodos policiais. Alm de melhora na infra-estrutura e nas instalaes comoa construo de delegacias modernas, com aspecto de escritrios e comespaos abertos que dificultam, por exemplo, locais fechados ondepoderiam acontecer abusos e torturas, e alm da supresso da carceragemno interior das delegacias, a iniciativa se props a alterar o trabalhocotidiano de investigao para torn-lo mais eficiente. A ateno inicialaos denunciantes passou a ser dada por bolsistas universitrios, melhorandoo tratamento recebido pela populao, e liberando, supostamente, os

    policiais para que se concentrassem em sua misso investigadora. Asdenncias passaram a ser registradas no sistema informtico centralizado,o que trouxe vrias vantagens considerveis. A informao circula commaior rapidez e pode ser acessada instantaneamente, facilitando a produodos dados criminais. Os agentes no podem eliminar um registro depoisde criado. Antes, a possibilidade de eliminao facilitava a corrupo.Quando um agente transferido para outra unidade, toda a informaopermanece na unidade de origem. O sistema integrado facilitaenormemente a fiscalizao do Departamento de Assuntos Internos, que

    tem acesso aos registros em tempo real sobre a qualidade do trabalho decada policial. Essa conduta, somada ao fato de que o sistema informatizadono funciona se as informaes no forem cadastradas de forma correta,melhorou substancialmente a qualidade dos dados processados. Asresistncias institucionais e a dificuldade de alterar algumas rotinasnegativas, como os turnos de trabalho de 24 horas, limitaram o impactodo projeto, mas no resta dvida de que a introduo do projeto foi umdivisor de guas, quando se analisa o desempenho da Polcia Civilfluminense;

    tentativas de integrar a atuao das polcias militar e civil. A separaoentre as duas polcias est estabelecida na Constituio de 1988, razopela qual no possvel, por enquanto,5 unir as duas polcias. Em funodisso, alguns estados tomaram medidas para integrar na prtica o trabalhodas duas corporaes. O estado do Par, por exemplo, criou uma academiaconjunta para as duas polcias, sem no entanto, unific-las, de forma quea convivncia entre elas pudesse desde o princpio da formao ajudar asuperar desconfianas e divergncias.

    Outros estados, como Minas Gerais e Rio de Janeiro, instituram reas desegurana conjunta para as duas polcias, obrigando, dessa forma, que asjurisdies geogrficas das duas instituies batalhes da Polcia Militar e

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    delegacias da Polcia Civil coincidissem, pela primeira vez, na tentativa depromover um trabalho conjunto. At o momento o grau de acerto dessa iniciativa bastante modesto.

    Polticas Municipais

    Introduo

    O poder local surge como um ator de crescente importncia. Embora a grandemaioria das competncias de segurana pertena ao mbito estadual, a pressopopular e a melhor situao econmica de alguns municpios em relao aos

    estados tm favorecido a interveno local.

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    Os municpios tendem a envolver-se em geral em programas de preveno,tanto por sua vocao natural, como porque no costumam contar com aparatode represso tradicional, como policiais, prises etc. A lenta mudana deparadigma da segurana pblica oscila entre um esforo maior na preveno eo uso exclusivo da represso. Apesar das vantagens de uma abordagem preventiva,os programas de preveno costumam ser complexos e freqentemente sapresentam resultados a mdio ou longo prazo.

    Durante os ltimos 15 anos, os municpios executaram cada vez mais

    intervenes de segurana pblica, s vezes como resultado de iniciativas deoutras esferas pblicas como foi o caso do PIAPS, anteriormente citado, masna maior parte das vezes como resultado de iniciativas prprias. Neste caso, osmunicpios buscam fundos em outras instncias, o que no altera o fato de tersido uma iniciativa local.

    Em algumas ocasies, a deciso de lanar um programa municipal deflagrada por algum episdio de violncia de maior repercusso no municpio.Os tipos de intervenes variam. Por exemplo, a criao ou expanso de umaguarda municipal, o estabelecimento de alarmes ou cmaras em pontos-chave

    da cidade, ou implementao de projetos sociais. Embora essas intervenesincluam em alguns casos componentes de represso ao crime, a grande maioriadas iniciativas diz respeito preveno.

    Diversos municpios do interior do estado de So Paulo, mdios ou grandes,com recursos disponveis e uma administrao local com razovel competnciatcnica, lanaram iniciativas deste tipo. Observa-se que quando municpiosvizinhos realizam planos de preveno, aumenta a probabilidade de que outrossigam o mesmo caminho. O Fundo Nacional de Segurana Pblica do Brasil um recurso que o Governo Federal destina a financiar alguns projetos estaduais

    de segurana pblica e, de forma secundria, projetos municipais. Embora oFundo focalize a segurana dos estados, muitos projetos municipais solicitaramfinanciamento ao Ministrio.

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    Na realidade, embora os projetos que nascem nos municpios apresentemum quadro fragmentado, a situao pode ser considerada mais favorvel que ados grandes planos nacionais de segurana. Isto ocorre porque os planosnacionais esto sujeitos a vai-e-vem, atrasos ou paradas e podem entrar emcolapso ou perder a fora rapidamente quando mudam as condies polticas.De fato, a maioria dos programas demonstra uma preocupante falta decontinuidade. J o surgimento de iniciativas locais espontneas pode ter melhoresperspectivas de continuidade geral, apesar das incertezas que marcam os projetosem cada municpio. As iniciativas de alguns municpios, particularmente ospequenos, podem sofrer deficincias tcnicas e no chegar a ter o grau dehomogeneidade e articulao que tem um programa nacional bem aplicado.

    No entanto, os programas nacionais no costumam atingir a universalidade e acapilaridade com que so concebidos e sofrem riscos permanentes deinterrupo.

    interessante a capacidade de articulao dos municpios entre si paraenfrentar o problema. Entre as vantagens desta opo, esto as economias deescala relativas ao investimento tcnico, sobretudo em municpios pequenos.O planejamento, a superviso e a avaliao dos programas poderiam serrealizados por uma nica equipe tcnica contratada para esse fim por todosos municpios de uma determinada regio. H tambm vantagens

    metodolgicas, quando se trata de um nico programa aplicado em umconjunto de municpios. Por exemplo, poder contar com uma amostra maior,dispor de alguns locais como grupos de controle e outros como grupoexperimental etc. Outro ponto que refora a importncia da articulaointermunicipal o deslocamento criminal. Quando um crime reprimidocom maior intensidade em um determinado lugar, comum que os criminososse transfiram para outros lugares, mudem a forma de delito ou ataquem outrotipo de pessoas. Por isso, qualquer avaliao de uma interveno local contraa criminalidade, deve levar em conta a possibilidade de que o crime aumente

    em reas vizinhas. Foi o que ocorreu, por exemplo, na implantao da leiseca em Diadema, municpio da Grande So Paulo, que ser analisada maisadiante. Tal medida ajudou a reduzir os incidentes violentos em Diadema, aomesmo tempo em que aumentavam nas regies vizinhas. Esta avaliao s foipossvel pelo cruzamento de dados de vrios municpios, e levou osadministradores concluso de que parte dos habitantes de Diadema passoua freqentar as cidades prximas em busca da diverso que j no havia nasua. As vantagens de uma interveno intermunicipal so mais evidentes nasregies metropolitanas, onde a problemtica comum e a circulao de vtimas

    e de infratores intensa.Um exemplo de tentativa de coordenao intermunicipal a criao doFrum Metropolitano de Segurana Pblica na rea metropolitana de So Paulo.

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    O frum rene secretrios de segurana municipais, ou equivalentes, junto arepresentantes do governo estadual, para o planejamento de iniciativas conjuntase a troca de experincias e informaes.

    Arquitetura institucional nos municpios

    Como a competncia central da segurana pblica sempre foi dos estados, nohavia estruturas municipais de segurana. medida que os municpioschamaram para si essa responsabilidade, acabaram criando uma instncia, emgeral uma secretaria, com a misso de coordenar todos os programas relevantes.Em alguns casos, particularmente no estado de So Paulo, so secretarias

    municipais de segurana pblica. Em outros casos, adotam nomes diferentesou antigas secretarias passam a ter novas incumbncias.Entre os municpios nos quais antigas secretarias foram reestruturadas,

    para assumir novas competncias, destaca-se Vitria, capital do Esprito Santo.Diadema, na Grande So Paulo, um dos municpios que criou novos rgospara tratar da segurana pblica.

    Vitria o centro de uma regio metropolitana densamente povoada ecastigada, h muitos anos, por uma das mais altas taxas de homicdios do Pas.Ainda, o estado de Esprito Santo foi tradicionalmente considerado um dos lugares

    onde o crime organizado mais se enraizou, afetando setores significativos dos poderesLegislativo, Executivo e Judicirio, a ponto de suscitar pedidos de interveno federal.Paradoxalmente, ao lado de ndices to negativos, Vitria tambm se destaca pelosesforos da prefeitura, durante vrias administraes, para reduzir o crime e ainsegurana. Em 1994 foi criada a Secretaria Municipal de Cidadania, para prestarservios populao de menores recursos e tornar mais acessveis os direitos para ossegmentos mais vulnerveis. Em 1997 criou-se, na secretaria, um ncleo de seguranapblica. Pouco depois, a secretaria foi reestruturada e passou a chamar-se SecretariaMunicipal de Cidadania e Segurana Pblica.

    A secretaria tem como principais funes a coordenao dos projetos e aarticulao com as polcias, com as ONGs e com a sociedade civil em geral.Tambm administra a obteno de financiamentos por parte do governo federal.

    O Centro Integrado de Cidadania (CIC), construdo em um edifcio cedidopela Universidade Federal de Esprito Santo, oferece servios de promoo dedireitos e acesso justia para os mais desfavorecidos. O CIC coordenadopela secretaria e recebeu financiamento do governo federal, por meio do PIAPS.

    No caso de Diadema, So Paulo, o municpio estruturou uma Secretariade Segurana Pblica, ex-nihilo, para tratar da questo. Diadema foi durante a

    dcada de 90 um dos municpios mais violentos da rea metropolitana de SoPaulo e, por extenso, do Brasil e da Amrica Latina. Quando a novaadministrao municipal iniciou seu mandato em 2001, criou uma secretaria

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    especialmente para cuidar do assunto. Suas funes eram definir as diretrizesde atuao da Guarda Municipal e sua coordenao com as polcias estaduaisno desenvolvimento de programas conjuntos de preveno criminal.

    Participao da sociedade

    Muitos projetos municipais se propem a fomentar a participao dacomunidade e da sociedade civil no processo de formulao e implementaodos projetos.

    Vitria decidiu intervir ativamente na rea da violncia, ao mesmo tempoem que criou o Conselho Municipal para formular um plano estratgico para a

    cidade. A violncia era apenas um dos temas a serem tratados. O Conselhoreuniu 350 componentes de diversos rgos do poder pblico e representantesda sociedade civil que participaram da elaborao do plano. Numa segundaetapa, foram criados o Conselho de Segurana Municipal e os ConselhosMunicipais Regionais de Segurana Pblica.

    O Conselho de Segurana Municipal est formado pelo Secretrio Municipalde Segurana, os presidentes dos Conselhos Regionais de Segurana e umrepresentante da Cmara Municipal. Alm disso, tm assento representantes dopoder estadual, como o chefe do departamento da Polcia Judiciria de Vitria, o

    comandante do 1 Batalho da Polcia Militar e um representante do MinistrioPblico estadual, um representante da Associao Comercial, um membro daFederao de Indstrias do Estado do Esprito Santo, o presidente do ConselhoPopular de Vitria e um representante da Ordem dos Advogados.

    Os Conselhos Municipais Regionais de Segurana Pblica foramconstitudos de acordo com as regies administrativas da cidade: um para cadauma das sete regies. Contam com representantes das polcias Civil e Militar,membros das comunidades e um agente da prefeitura. Seu objetivo formularpropostas de interveno e aproximar o poder pblico particularmente as

    polcias das comunidades beneficirias.O municpio do Recife, capital do estado de Pernambuco, outra das cidadescom maior taxa de homicdios do pas, tambm elaborou uma estratgia demobilizao social. Foram criados dois rgos: o Conselho Municipal de DireitosHumanos e o Comit de Promoo de Direitos Humanos e de Preveno Violncia. A viso dos responsveis polticos de que segurana pblica e direitoshumanos so objetivos que devem ser buscados simultaneamente.

    O Conselho Municipal de Direitos Humanos um rgo que conta comoito membros da prefeitura e oito da sociedade civil. Sua funo terica receber

    denncias sobre violaes dos direitos humanos e articular polticas pblicasde defesa desses direitos, mas no chegou a cumprir suas funes de formasatisfatria.

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    O Comit de Direitos Humanos e Preveno da Violncia um rgocomposto por membros de diversas secretarias municipais, sem participao dasociedade civil. Sua misso no executar projetos, competncia das respectivassecretarias, mas coordenar de forma efetiva os esforos municipais. Duasiniciativas relevantes que surgiram do Comit foram a composio de um frumque serve de espao para debates e a realizao de mapas da violncia mostrandoos riscos em cada zona da cidade.

    Em geral, a mobilizao e a participao social podem trazer vrios efeitosbenficos:

    efeitos sobre a concepo, gesto e acompanhamento dos programas,quanto sua descentralizao, democratizao etc.;

    o impacto preventivo que o crescimento das redes sociais e a melhora nasrelaes comunitrias podem implicar com relao ao temor e violncia,seja de forma indireta, ao reduzir o temor e estimular a ocupao dosespaos pblicos, ou de forma direta, ao promover a resoluo pacficados conflitos cotidianos;

    uma mudana na percepo social da violncia, que interiorize o novoparadigma da preveno;

    Da mesma forma, a participao enfrenta diversos obstculos. Em primeiro

    lugar, o risco mais evidente que essa participao seja usada de forma retrica,mas no aplicada na prtica, especialmente quando um requisito imposto decima para baixo.

    No estado de Rio de Janeiro, o governo estadual determinou a criao deConselhos Municipais de Segurana como uma das condies para financiarprojetos municipais de segurana pblica. Poucas foram as prefeituras quecriaram conselhos. O municpio de So Gonalo, na Regio Metropolitana deRio de Janeiro, inaugurou seu conselho em 2004, mas com um impacto muitolimitado. O candidato que se apresentava representando a sociedade no tinha

    suficiente respaldo e diversas autoridades no levaram a srio a instituio.Em segundo lugar, a mobilizao muito difcil em certas comunidades.Infelizmente, as que mais poderiam beneficiar-se da participao e intervenoso em geral as mais relutantes em participar. Dessa forma, nas comunidadescom um alto nvel de violncia, as redes sociais costumam deteriorar-se e osmoradores no confiam uns nos outros.

    Em terceiro lugar, a mobilizao popular s vezes intensa em certosmomentos de crise ou em funo de objetivos especficos a serem alcanados,mas tende a diminuir a mdio prazo ou quando j no existem mais metas

    muito claras, como a obteno de um posto policial ou de recursos para umdeterminado projeto.Em quarto lugar, a composio dos rgos que representam a sociedade e

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    a representatividade de seus membros so questes que esto longe de seremresolvidas. Um dos riscos mais claros o de reduzir a participao popular aossetores de maior influncia e grau de organizao. Por exemplo, a hegemoniados comerciantes nos conselhos populares relativamente comum.

    Em quinto lugar, h numerosos casos de utilizao dos rgos departicipao por parte dos agentes do Estado como um meio de obter recursosda comunidade. Este o caso de financiamento de custos de manuteno depolcias estaduais por comerciantes locais, representados nos conselhos.

    Por ltimo, cada processo aberto de participao, particularmente os quetm o perfil de assemblia, possui uma dinmica prpria e seu resultado final imprevisvel: podem surgir problemas inesperados.

    Um exemplo ocorreu no Conselho Municipal Regional de Marupe, emVitria. As reunies do conselho eram tradicionalmente abertas participao.No entanto, os participantes comearam a sentir-se intimidados, quandosurgiu a informao de que um criminoso procurado pela polcia tinha estadopresente na reunio em que foram discutidas as estratgias para captur-lo.Independentemente de que tal fato tenha ocorrido ou no, o sentimento deinsegurana que se instalou nas reunies levou proibio da presena dequalquer pessoa que no fosse membro efetivo do Conselho. Esta limitaosuscitou um grande debate. Na opinio de alguns, os Conselhos so rgos

    abertos por definio e fech-los significa negar seus princpios. A proibioda presena de pessoas que no so membros efetivos implicaria uma mudanapara um rgo representativo e no- participativo, contrariando seu propsitooriginal.

    Vitria representa um caso de triste paradoxo. Os Conselhos MunicipaisRegionais da cidade, que eram um exemplo de participao social, foramdissolvidos quando o poder pblico percebeu que vrios conselheiros tornaram-se candidatos dos partidos de oposio nas eleies municipais, justamentepela visibilidade pessoal que haviam conseguido como membros dos conselhos.

    Tipos de programas preventivos existentes

    Os tipos de projetos de preveno contemplados so de trs grupos: situacionais,sociais e policiais. comum um programa abranger mais de um dos trs aomesmo tempo.

    Os programas de preveno situacional pretendem reduzir asoportunidades de ocorrncia de crimes ou atos de violncia em determinadoslocais, atuando diretamente sobre eles. A meta a modificao do meio social

    para torn-lo menos susceptvel ocorrncia de delitos. Por trs deste modeloest a teoria das oportunidades, que ressalta a importncia no de mudar oagressor potencial, mas de tentar reduzir as oportunidades para que transgrida.

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    O contra-argumento tradicional que se um agressor potencial no encontracondies favorveis em um local, buscar outro, mas poder continuarcometendo delitos. No entanto, inegvel que a diminuio de oportunidadesem vrios lugares acabar reduzindo o volume total de delitos, pois nem todospodero transferir-se a outro lugar com facilidade. Ainda, alguns crimes socometidos por impulsos de momento brigas de rua, por exemplo , de talmaneira que esto associados a um determinado contexto e no surgiriamnecessariamente em um contexto diferente.

    A forma mais simples de intervir nesta linha , por exemplo, melhorar ailuminao urbana, o que aumenta a visibilidade, reduz a sensao de perigo epode acabar diminuindo tambm o risco de um ataque ou assalto. A recuperao

    de espaos pblicos degradados matagais, por exemplo para que no gereminsegurana uma estratgia observada em vrias intervenes. clssico o exemplo de preveno situacional com a instalao de cmeras

    em pontos de grande circulao da cidade ou em pontos de alto risco. As cmerasso conectadas a um centro de superviso, normalmente dirigido pela polcia,e permitem uma resposta rpida quando cometido um crime. Um nmerosignificativo de municpios do estado de So Paulo optou pela instalao decmeras, com um centro integrador de vigilncia, em geral sob a responsabilidadeda Guarda Municipal, que aciona a polcia em caso de necessidade.

    Os programas de preveno social so intervenes que procuram mudaras condies de vida de pessoas com alto risco de desenvolver comportamentosagressivos ou delitivos, no intuito de diminuir esse risco. So os programas depreveno por antonomsia: os mais comuns, os que recebem mais recursos eos que sempre estiveram mais prximos ao cotidiano das prefeituras.Normalmente, existem trs nveis de preveno social:

    preveno primria, dirigida populao em geral, como os programasde ateno universal;

    preveno secundria, destinada aos grupos em risco de sofrer ou cometer

    atos violentos; preveno terciria, cuja meta aliviar a situao das vtimas da violnciaou ajudar a reinsero social dos autores.

    As prefeituras agem mais, tradicionalmente, na preveno primria, que muitoampla. No entanto, sua capacidade de conseguir resultados depende muito desua habilidade para dirigir seus recursos aos grupos de mais alto risco.

    comum que os programas de preveno social demorem para apresentarresultados, pois se baseiam na mudana das condies de vida ou das relaes

    entre as pessoas. Todavia, quando conseguem atingir o alvo desejado, seu impactopode ser mais intenso e mais prolongado que o dos programas situacionais.A filosofia de diferentes programas de interveno social enfatiza conceitos

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    diversos, como direitos humanos, cidadania, melhoria das condies materiaisde vida e outros. Isso d a cada programa um perfil diferente, mesmo que aabordagem geral seja a mesma.

    Alguns exemplos comuns de preveno social so os seguintes: projetos educativos, para aumentar a escolaridade dos jovens e evitar a

    evaso escolar, aumentando assim suas opes profissionais e pessoais; projetos de formao profissional para os jovens, com a mesma finalidade; projetos de formao cidad com diversos subtemas especficos parajovens de reas de risco, de maneira que passem a ser uma liderana positivaem suas comunidades e se transformem em agentes catalisadores contra aviolncia;

    projetos culturais e recreativos dirigidos juventude. Um exemplo so asatividades culturais organizadas nas escolas depois das aulas. Em ocasies,as atividades recreativas so realizadas em locais e horrios de alto risco deviolncia. Desta forma, so feitas as prevenes social e situacionalsimultaneamente. Com estes programas, pretende-se estimular a auto-estima das crianas e oferecer-lhes uma forma construtiva de empregarseu tempo;

    projetos de sade, especialmente para os mais jovens; projetos de apoio jurdico e administrativo populao no-habituada a

    lidar com os mecanismos do Estado formal; projetos de assistncia social ou de trabalho comunitrio com membrosde grupos de jovens, para desestimular a violncia;

    campanhas de educao pblica com temas como a violncia domsticaou a soluo de conflitos atravs de mediaes;

    centros de apoio a vtimas da violncia (violncia domstica etc.).

    Em muitas prefeituras, os programas de preveno da violncia constituem, narealidade, uma reconceitualizao terminolgica de velhos projetos assistenciais

    de larga tradio. Esta reconceitualizao pode estimular a abordagem e a reflexode como integrar na prtica o funcionamento dos diversos projetos.Em Recife, por exemplo, o programa Bolsa-Escola concede subsdio s

    mes de famlias pobres para que mantenham seus filhos na escola. Trata-se doprograma principal da administrao municipal, que repassa valores econmicosmuito superiores ao de seu homnimo federal. Como parte da reflexo sobre apreveno da violncia, o programa agora mantm como um de seus critriosde seleo, alm da renda, o benefcio a mulheres de presos com filhos emidade escolar.

    Em Vitria, o programa Agente Jovem de Desenvolvimento Social eHumano forma jovens na preveno de enfermidades, proteo ao meio-ambiente ou cidadania. Um dos critrios de seleo do programa incorporar

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    jovens que tenham sido condenados por cometer delitos. Ainda, funcionaintegradamente com o programa Terra, de preveno deteriorao ambiental,pois os mesmos jovens formados pelo programa so os que conscientizam suascomunidades no trabalho de preservao dos manguezais.

    Os programas de preveno policial constituem iniciativas em que o poderlocal atua atravs de uma fora policial para que esta, por meio do patrulhamentodas ruas, da atuao da polcia comunitria ou de outro mecanismo, ajude areduzir a incidncia criminal. Estes programas dependem, obviamente, dacapacidade de articulao das foras policiais do municpio. Uma opo acooperao com as polcias estaduais, mas so muitas as resistncias a um efetivocontrole municipal, nas reas poltica, administrativa e cultural. De fato, as

    experincias de polcia comunitria o paradigma mais notrio de prevenopolicial nestes casos so quase sempre iniciativa das autoridades estaduais desegurana pblica.

    Outra opo mais comum a participao da Guarda Municipal, para osmunicpios que a possuem. O perfil e o tamanho da Guarda Municipal souma questo central no debate sobre segurana pblica municipal no pas. Opapel constitucional previsto para a mesma a vigilncia de edifcios pblicos,parques e monumentos. No entanto, na prtica, a diversidade de situaes bastante grande. Muitos municpios no tm ainda uma Guarda Urbana e outros

    a criaram recentemente. Vitria, por exemplo, que desde os anos 80 realizainiciativas de preveno, no tinha uma Guarda at 2004. Em outros casos, asGuardas foram reformadas e expandidas. Algumas, particularmente em SoPaulo, usam armas de fogo,7 o que aumenta o risco para os agentes e podediminuir seu potencial de trabalho comunitrio. Se as Guardas se transformamem polcias comuns, perde-se o diferencial na segurana pblica. Os casos noBrasil oscilam entre Guardas que aspiram ser polcias militares e Guardas quese dedicam apenas vigilncia de edifcios pblicos, escolas e parques, ou organizao do trnsito.

    Um bom exemplo de programa de preveno policial a aplicao dachamada Lei Seca em Diadema. Como j foi explicado, este municpioapresentava altssimas taxas de homicdios nos anos 1990, que a transformaramem smbolo de violncia no pas. Um estudo sobre os homicdios mostrou que60% deles ocorriam em bares ou em reas prximas durante a noite. Omunicpio estabeleceu em 2002 o fechamento dos bares a partir das 23 horas.Alguns locais contam com licena especial para funcionar depois deste horrio,sempre que respeitem determinados requisitos: ambiente fechado, servioprprio de segurana e no ter registro de casos de violncia em passado recente.

    Esta exigncia faz dos donos de bares agentes ativos da preveno da violncia.Com uma interveno cuidadosamente planejada para conseguir o apoiodo Ministrio Pblico e dos tribunais, patrulhas noturnas da Guarda Municipal

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    e da Polcia Militar vigiam o cumprimento da lei. Qualquer bar notificado trsvezes por no cumprir a norma perde a licena. O dono pode optar por outraatividade comercial se quiser. O fechamento dos bares feito durante o dia,para no criar conflitos desnecessrios com os clientes noite.

    Avaliao dos projetos

    Tanto os programas federais como os estaduais e municipais necessitam deuma avaliao de resultados que aponte caminhos e suscite apoio pblico epoltico para as iniciativas bem sucedidas. No entanto, desoladora a situao.Os programas no contam com avaliaes de impacto que mostrem se

    alcanaram os resultados propostos.Existem alguns relatrios de avaliao que costumam fazer refernciasomente s avaliaes de implementao atividades realizadas, nmero debeneficirios etc. ou constituem auditorias para verificao de gastos. Emambos os casos, desprezada a questo central do impacto. Ademais disso, noraramente, tais relatrios se concentram em medir a participao e a mobilizaopopular, que so variveis intermedirias. No refletem a evoluo do que osprogramas consideravam seu objetivo principal: a reduo do crime e do medo.

    A tradicional deficincia de dados neste campo no contribui para a

    realizao de uma avaliao rigorosa. De fato, muitos planos municipais incluemcomo meta a melhora da produo e o acesso s informaes de seguranapblica. Muito poucos mostram resultados satisfatrios.

    Os relatrios de avaliao costumam ser elaborados pelos prpriostcnicos que conduzem os projetos, razo pela qual tendem a ser auto-elogiososou ter como lquido e certo que os efeitos procurados aparecero quando asatividades sejam realizadas. Raramente a avaliao feita por uma agnciaindependente, tecnicamente capaz e neutra em relao ao programa.

    Uma avaliao de qualidade deveria ser planejada junto com a interveno,

    para que fossem destinados recursos, programadas atividades de avaliao e,sobretudo, realizado um trabalho anterior interveno, para que se pudessefazer uma comparao para registrar as mudanas ocorridas. A avaliao deimpacto metodologicamente complexa. A forma ideal de realiz-la requer umgrupo experimental e outro de controle, pessoal qualificado e dados precisos.No pode ser realizada se no se conhece a situao prvia interveno, cujoimpacto se deseja medir. O ideal que toda avaliao de um projeto de certoporte seja feita, ao menos em parte, por instituies independentes, cujo trabalhono esteja diretamente vinculado a seu resultado.

    As avaliaes na rea de segurana pblica e de preveno soparticularmente difceis,8 em funo de diversos fenmenos (migrao do crimede uma rea para outra, multiplicidade de dimenses, efeitos a mdio e longo

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    prazo etc.). No entanto, so de extrema importncia para garantir a continuidadedos programas e para que se possa alocar os recursos de forma eficiente. Amaioria dos programas sofre de descontinuidade e transcorre em perodos curtos,o que dificulta a avaliao. Tambm verdade, contudo, que sem avaliaesque revelem efeitos claros ser difcil conseguir financiamentos a longo prazopara esses projetos.

    NOTAS

    1. Neste sentido, seguia a tendncia americana de militarizar o combate s drogas.

    2. Nesse episdio, a polcia cercou o assaltante que estava dentro de um nibus urbano e os

    passageiros foram feitos refns. Depois de horas de tenso transmitidas ao vivo pela televiso, a

    polcia abortou a negociao e tentou matar o delinqente. A falha no disparo da polcia provocou

    a morte de um refm. O assaltante foi preso e asfixiado at a morte dentro de um carro da

    polcia.

    3. G. Mingardi, Tiras, Gansos e Trutas. Segurana Pblica e Polcia Civil em So Paulo (1983-

    1990), Porto Alegre,Corag., 2000.

    4. Nesse massacre, policiais militares assassinaram aleatoriamente 29 pessoas, aparentemente

    para desestabi l izar o comandante de seu batalho, que estava introduzindo medidas

    moralizadoras e de controle. CESEC/ FASE / JUSTIA GLOBAL/ Laboratrio de Anlise da

    Violncia / UERJ/ SOS QUEIMADOS/ VIVA RIO Impunidade na Baixada Fluminense. No Prelo.

    5. Existe um projeto de lei que prope a desconstitucionalizao do modelo policial, ou seja,

    retirar a meno existente na Constituio, para que cada estado escolha o modelo que lhe

    parea melhor.

    6. J.T. Sento-S (org.), Preveno da Violncia: O papel das cidades, Rio de Janeiro, Civilizao

    Brasileira, 2005.

    7. Essa questo no-contemplada na legislao foi legitimada a posteriori pelo Estatuto do

    Desarmamento de 2003, para municpios de um certo tamanho.

    8. WORLD BANK Department of Finance, Private Sector and Infrastructure, Latin American

    Region, Preveno Comunitria do Crime e da Violncia em reas Urbanas da Amrica Latina:Um

    Guia de Recursos para Municpios, 2003.