Inclusão Social Na Educação Superior - UCDB Peixoto

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    Inclusão social na educação superior*

    Higher Education and Social Inclusion

    Maria do Carmo de Lacerda Peixoto*** Texto apresentado originalmente no 1º Seminário In- ternacional de Educação Superior dos Países de LínguaPortuguesa, ocorrido em maio de 2009, na Pontifícia Univer-sidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Encontra-seno prelo, para ser publicado como capítulo da Enciclopédiade Educação Superior nos Países de Língua Portuguesa  ,organizada por Marília Costa Morisini (PUCRS).

    ** Doutora em Educação Brasileira (UFRJ); Professora daFaculdade de Educação da Universidade Federal de Minas

    Gerais; Diretora da Diretoria de Avaliação Institucional daUFMG. E-mail: [email protected]

    Resumo

    O artigo aborda o conceito de inclusão social em relação com seu oposto, o conceito de exclusão social.Busca traçar a trajetória de ambos os conceitos na literatura sociológica, identificando situações nas quaisa abordagem desses conceitos tem tido repercussão mais acentuada. Nessa perspectiva, discute comodiferentes formas de tratamento da questão transparecem nas análises do processo de desenvolvimentoeconômico e social. No espaço ocupado pela problemática no contexto da sociedade globalizada, asações afirmativas são vistas como um modo de focalização das políticas sociais. O artigo se encerracom a discussão das tendências de desenvolvimento do conceito no campo teórico e político e das suasimplicações em termos da proposição de políticas para a formulação e implementação de políticas parapromover a inclusão na educação superior.

    Palavras-chave

    Inclusão social. Ação afirmativa. Direito à diferença.

     Abstract 

     The article approaches the question of social inclusion in relation to the opposite, the concept of socialexclusion. The article seeks to outline the trajectory of both concepts in literature in the area of sociology,identifying situations where the approach to these concepts has had a more accentuated repercussion.

    From this perspective, the article discusses how different forms of treating the question come out in theanalyses of the process of social and economic development. In the space occupied by the problem in the context of a globalized society, the affirmative actions are seen as a way of focusing on social politics. The article finishes with a discussion of the tendencies in the development of the concept in theoreticaland political fields and the implications in terms of the proposition of policies for the formulation andimplementation of policies to promote inclusion in higher learning.

    Key-words

    Social inclusion. Affirmative action. The right to be different.

    Série-Estudos - Periódico do Programa de Pós-Graduação em Educação da UCDBCampo Grande-MS, n. 30, p. 237-266, jul./dez. 2010

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    Introdução

    A inclusão social é tema que adqui-riu grande destaque, em todo o mundo, apar tir das três últimas décadas do século

    XX, tanto no campo das políticas quantono campo acadêmico. Uma demonstraçãoda relevância dessa temática, no campoda política, se revela pela frequência comque se tornou assunto de conferênciasinternacionais e pela diversidade de te-mas por elas abordados, resultando napublicação de declarações de princípiossubscritas por grande número de países.

    Entre esses even tos destaca-se a Confe-rência Mundial de Educação para Todos,realizada em Jomtien, Tailândia, em 1990,que buscou estruturar um plano de açãodestinado a sa tisfazer as necessidadesde aprendizagem por meio de estratégiasde mobilização social e de alianças eparcerias. Um segundo exemplo foi aConferência Mundial sobre Necessidades

    Educacionais Especiais de Jovens e Adul- tos, realizada em Salamanca, Espanha, em1994, que reforçou o papel da escola regu-lar na inclusão de todos os indivíduos queapresentam ou possam vir a apresentaruma necessidade educacional especial.Menciono, por fim, a Conferência Mundialcontra o Racismo, a Discriminação Racial,a Xenofobia e Formas Correlatas de In- tolerância, realizada em Durban, África doSul, em 2001, que instou os Estados-naçãoa atuarem no combate a todas as formasde discriminação. A inclusão social naeducação superior foi objeto de de batese estudos nessas ocasiões e, em mui tospaíses, a abordagem do tema nesse seg-

    mento vem sendo intensificada, desde ofinal da década de 1990.

    No campo acadêmico, o debate temfocalizado, em especial, a polêmica sobre oconceito de exclusão social, a necessidadede atuar sobre as causas desse fenômenocom a promoção da inclusão por meio daaplicação de medidas adequadas. Inclusãoe exclusão social são termos polissêmicosque, etimologicamente, levam aos verboslatinos includere  , com o significado decolocar algo ou alguém dentro de outroespaço ou lugar, e excludere  , com o sig-nificado de colocar algo ou alguém parafora ou não deixar entrar em um espaçoou lugar. Esses termos aludem, portanto,a uma relação espacial, em que os verbosse complementam e se opõem e trazem,implícita, a compreensão de uma relaçãocentro-periferia.

    A grande imprecisão que é apon- tada no uso do termo exclusão social e,para alguns autores, sua banalização,fez com que ele viesse, até mesmo, a serrejeitado por alguns deles porque aportamais problemas do que contribuições paraesclarecer o fenômeno. Referenciado àsmais diversas situações, exclusão podeservir tanto para descrever processos dedegradação das relações sociais em geralcomo das relações no mundo do trabalho,dos direitos sociais ou políticos e, também,para descrever problemas decorrentes daincapacidade do Estado de oferecer, deforma homogênea, serviços públicos comoeducação, saúde, saneamento, segurança.Na atual configuração da acumulação docapital, esse termo tem sido usado paradescrever as condições decorrentes da re-

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    dução do número de postos de trabalho e,por vezes, tem sido sobreposto ao conceitode pobreza para caracterizar algum tipo es-pecífico de situação de privação e sinalizarpara uma noção difusa de vulnerabilidadee carência. Tem sido aplicado, também,para se referir aos próprios atores sociaisdescritos como “excluídos”.

    O presente texto tem o objetivo deexplicitar e analisar a polêmica em tornodos conceitos de inclusão e exclusão so-cial, abordando, ainda, a trajetória desses

     termos como tema de estudos sociológicos,nos quais eles são tratados como parteintegrante da questão social. A seguir,serão analisadas as características doconceito no contexto atual, finalizandocom a discussão das tendências que sevislumbram para o tema, mormente doponto de vista da educação superior, eserão apresentadas algumas proposiçõesa respeito do desenvolvimento da teoria

    e da pesquisa sobre a inclusão/exclusãosocial nesse nível de ensino.

    1 Inclusão / exclusão social: conceitos

    polêmicos

    O elevado grau de imprecisão no usodos conceitos de inclusão e exclusão so-cial apontado por alguns autores pode tersua explicação no fato de o mundo socialser um objeto pré-construído (BOURDIEU,2000) que se traduz, ao mesmo tempo,no próprio objeto de estudo do sociólogo.

    O pré-construído está em toda a parte.O sociólogo está literalmente cercadopor ele, como o está qualquer pessoa.O sociólogo tem um objeto a conhe-

    cer, o mundo social, de que ele próprioé produto e, deste modo, há todas asprobabilidades de os problemas quepõe a si mesmo acerca desse mundo,os conceitos [...] sejam produto deste

    mesmo objeto. Ora, isto contribuipara lhes conferir uma evidência – aque resulta da coincidência entre asestruturas objetivas e as estruturassubjetivas – que as põe a coberto deserem postas em causa. (BOURDIEU,2000, p.34).

    Por essa razão, ao abordarem ainclusão/exclusão como questão social e

    como questão sociológica a ser construída,os estudiosos são tentados a considerarque trabalham com um tema cuja concep-ção já está explicitada, quando, na verdade,ela ainda se encontra em produção nocampo acadêmico.

    Os conceitos em questão trazemimplícita a generalização de uma noçãocontemporânea de direitos humanos. In-

    clusão e exclusão são termos relacionais,no sentido de que um não existe sem ooutro, há uma dialética entre eles e portamuma indiscutível carga valorativa positiva,no caso da inclusão, e negativa, no casoda exclusão.

    Excluir significa tanto a ação deafastar como a de não deixar entrar, e oindivíduo excluído está sempre incluído

    em alguma outra condição social. Ferreira(2002) afirma que inclusão e exclusão sãoconceitos que designam ações, mas nãorelações. As ações que eles designam de-nunciam situações de injustiça, mas esses

     termos prescindem da análise da relaçãoque levou as ações a se efetivarem. São,

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    portanto, conceitos que permitem des-crever as situações que denunciam, masnão permitem compreender as relaçõesque condicionam sua emergência, nem acomplexidade das relações neles contida.

    A problemática da exclusão/inclusãosocial tem sido alvo de diversas aborda-gens analíticas. Elas mudam de significadoconforme a concepção epistemológica, aprofundidade dos problemas em que ainclusão é objeto de análise e segundo ocaráter e o propósito de quem empregaesses termos.

    Na perspectiva marxista, a exclusãoé inerente ao sistema capitalista. Em crí-

     tica feita às abordagens que vêm sendoaplicadas ao conceito, elaborada com baseem O Capital de Karl Marx, Costa (2008)ressalta que, na análise que faz sobrea luta entre o trabalhador e a máquina,Marx descreve como o avanço tecnológicoexclui definitivamente parte do proletariadoda produção. Essa parte da classe traba-lhadora que a maquinaria transforma empopulação supérflua e não mais imedia-

     tamente necessária à autoexpansão docapital, pode vir a sucumbir nessa luta de-sigual, ou, então, pode abarrotar o mercadode trabalho fazendo cair o preço da forçade trabalho abaixo de seu valor. Nessascircunstâncias, a exclusão social deveriaser considerada como uma característicaintrínseca ao capitalismo, um dado estru-

     tural do capitalismo mundial agravadono cenário atual no qual ela se tornouelemento indissociável do processo deacumulação flexível, gerador de seres des-cartáveis em massa, os “novos excluídos”,para os quais não há mais possibilidade de

    integração ou de reintegração no mundodo trabalho e da alta tecnologia. Assim, o

     termo exclusão social não expressa umanovidade conformada pela realidade socialestabelecida pelas mudanças econômicase políticas inspiradas no pensamento ne-oliberal. Ele apenas descreve a realidadedo capitalismo que, por definição, inexistesem exclusão (COSTA, 2008, p. 7).

    Pino (2001) endossa esse posiciona-mento relacionando a exclusão social como processo de reestruturação produtivado capitalismo. Afirma que o aumento daprodutividade não tem ocasionado umaexpansão da produção que proporcione

     também expansão do emprego capaz deabsorver, pelo menos, boa parte da mãode obra expulsa do sistema produtivo,pois, ao mesmo tempo em que ocorre umaumento substancial da produtividade, as

     transformações tecnológicas e organizacio-nais aceleram a dispensa de mão-de-obra.

    Se a produtividade faz reduzir o trabalho necessário, não há uma cor-respondente liberação de tempo paraa vida. A liberdade que existe é paraexpulsar um contingente enorme ecada vez maior de trabalhadores e trabalhadoras, trazendo como con-sequência exclusão e miséria. Sob odomínio do capital, o aumento da pro-dutividade não tem um caráter social.

    Ao contrário, reverte exclusivamentepara o capital. (PINO, 2001, p.68-69).

    A miséria e a exclusão, segundoesse autor, seriam o resultado continua-do e crescente dos desdobramentos domodo de produção capitalista. A dinâmicada exclusão social teria uma relação de

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    causa e efeito direta com a concentraçãode poder que se desenvolve na sociedade,enquanto as conquistas tecnológicas sãoapropriadas pelo grande capital não paraque todos trabalhem menos, mas para queum grupo de privilegiados consuma, emdetrimento das necessidades da maioria.

    Martins (1997) também vinculao problema da exclusão às origens dasociedade capitalista. Para tanto, ele partedo raciocínio de que esta sociedade desen-raizou os camponeses para que o capitalpudesse dar à terra um uso capitalista,moderno, racional. Tornou-os assalariados,vendedores da mercadoria que é a sua for-ça de trabalho para que trabalhassem noritmo e na lógica próprios do capital. Nessaperspectiva, considera que não existe aexclusão, mas sim, a contradição capitalistae as vítimas de processos sociais, políticose econômicos excludentes que expressamessa contradição. A exclusão não seria umestado, uma coisa fixa, como uma fixaçãoirremediável e fatal, o resultado único, uni-lateral da dinâmica da sociedade atual. Elaé algo que leva à interpretação crítica e àreação da vítima no interior da sociedadeque a exclui como representação da suaintegração nessa sociedade. Evidencia,dessa forma, o conjunto das dificuldades,dos modos e dos problemas presentesnuma inclusão precária e instável, mar-ginal, característica dos que convivemno cenário da desigualdade social atual,produzida pelas grandes transformaçõeseconômicas e para os quais a sociedadereserva apenas lugares residuais. Naspalavras do autor, como a sociedade queexclui é a mesma que inclui e integra, o

    uso do termo exclusão como conceito oude excluído como categoria social implicaabrir mão de qualquer perspectiva desuperação da sociedade que produz essasituação. Diz Martins (1997, p.32): “É pró-prio dessa lógica de exclusão, a inclusão.A sociedade capitalista desenraíza, exclui,para incluir, incluir de outro modo, segundosuas próprias regras, segundo sua próprialógica”. Nesse sentido, concentrar o debatesobre a exclusão pode armar uma ciladapara o estudioso, levando-o a discutir oque não está acontecendo em lugar dediscutir o que, de fato, acontece: as formaspobres, insuficientes, às vezes indignas deinclusão.

    Noutra perspectiva de análise, masapresentando certa identidade com algunsaspectos da abordagem de Martins, Castel(2004) discute o conceito considerandoseu valor analítico. Para este autor, o termoexclusão vem se impondo pouco a poucocomo um mot-valise  , isto é, como umapalavra de sentido amplo demais, capazde definir todas as modalidades de misériado mundo. Por esse motivo, considera sernecessário adotar um uso mais reservadopara o termo, substituindo-o por uma no-ção que seja mais apropriada para nomeare analisar os riscos e as fraturas sociaisatuais. A imprecisão presente no conceitoocultaria e traduziria, ao mesmo tempo, oestado atual da questão social, porque aheterogeneidade desses usos tanto desig-na grande número de diferentes situaçõesquanto encobre a especificidade de cadauma, retirando da noção sua capacidadeanalítica e impedindo investigações pre-cisas sobre os conteúdos que pretende

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    se distinguir em zonas diferentes da vidasocial. Nessas zonas, a área mais periféricaseria ocupada pelos excluídos, marcadospela perda do trabalho e pelo isolamentosocial. Observa, contudo, que os processosoriginados no centro e não na periferia davida social atravessam o conjunto da socie-dade e promovem uma oscilação cotidianana precarização das relações de trabalhoe nas vulnerabilidades sociais. Por essarazão, é, hoje, impossível traçar fronteirasnítidas entre aquelas zonas.

    Na tentativa de aprofundar o al-

    cance do conceito, Castel afirma que asituação de exclusão impõe aos indivíduosuma condição específica que repousasobre regras, mobiliza aparelhos especia-lizados e se completa por meio de rituais.Afirma que ela não é nem arbitrária, nemacidental, emana de uma ordem de razõesproclamadas, sendo sempre um desfechode procedimentos oficiais. Representa um

    verdadeiro status, uma forma de discri-minação negativa que obedece a regrasestritas de construção, pois, por definição,a exclusão é um processo que decorre daintervenção intencional daqueles que ageraram. Este autor alerta para o fato deque a maior parte do que é consideradocomo situações de exclusão resulta deoutra lógica, mais propriamente associada

    à vulnerabilidade criada pela degradaçãodas relações de trabalho e das proteçõescorrelatas, casos em que considera sermais adequado falar de precarização,vulnerabilização, marginalização e nãode exclusão. Para ele, trata-se de duaslógicas heterogêneas, a da exclusão, que

    abranger. Ao atribuir ao fenômeno de-signação puramente negativa, o termoexclusão nomeia uma falta, sem dizer noque ela consiste nem de onde provém,ocultando, assim, a necessidade de pro-ceder a uma análise positiva do conteúdodessa ausência. A repetição dela faz comque a necessidade de analisar positiva-mente o caráter do problema permaneçaoculta, dado que os traços constitutivosessenciais das situações de exclusão nãose encontram nas situações em si mesmas.

    Ainda questionando a capacidade

    explicativa do termo, Castel afirma que seuuso autonomiza situações-limite que, naverdade, só têm sentido se colocadas numprocesso, o que seria uma armadilha paraa análise do fenômeno. Como a exclusãose dá, efetivamente, em consequênciado estado de todos os que se encontrampostos fora dos circuitos vivos das trocassociais, o termo pode servir apenas para

    um primeiro reconhecimento dos proble-mas a serem analisados. Para o autor, aexclusão se refere a situações resultantesde trajetórias diferentes, dado que “nãose nasce excluído, não se esteve sempreexcluído, a não ser que se trate de umcaso muito particular” (CASTEL, 2004, p.22).Assim, o termo designa, na maior partedos casos, situações que traduzem a de-

    gradação relacionada ao posicionamentoanterior do indivíduo.

    Na análise de uma sociedade, o grauem que a relação de trabalho se encontraassegurada e da solidez da inscrição dosindivíduos em redes de sociabilidade de-

     termina, segundo Castel, a possibilidade de

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    procede por discriminações oficiais, e ada precarização, que promove processosde desestabilização resultantes da degra-dação das condições de trabalho ou dafragilização dos suportes de sociabilidadepresentes na sociedade.

    Sposati (2006), por seu turno, tam-bém critica o uso impreciso do conceitode exclusão social, por estar mais voltadopara processos e transições do que parasituações específicas; mais para grupos,comunidades e relações sociais do quepara indivíduos; mais para as interaçõesentre as diferentes dimensões da vulnera-bilidade e da privação do que para essesaspectos separadamente. Tendo em vista adiversidade de concepções presente no fe-nômeno, considera ser possível afirmar que

    [...] a exclusão social é relativa, cultu-ral, histórica e gradual. Pode variarde país para país, em diferentesmomentos de um mesmo país, como

     também variar em sua graduaçãoem um mesmo momento. E emboraesse conceito seja bipolar – isto é, aexclusão social opõe-se à inclusão –,não há um “estado puro” de exclusão,mas esta é sempre relativa a umdado padrão de inclusão. (SPOSATI,2000, p.30).

    O conceito perde força e significado,conforme esta autora, quando utilizadopara substituir os conceitos de opressão,dominação, exploração, subordinação, en-

     tre outros termos derivados do exame críti-co da luta de classes. Converte-se, nessescasos, apenas numa forma modernizadadas definições de pobre, carente, necessi-

     tado, oprimido. Além disso, o confronto da

    relação entre os dois conceitos indica quenão se está tratando de uma condição depermanência, pois,

    [...] ninguém é plenamente excluído

    ou permanentemente incluído. [...] Aexclusão social é a apartação de umainclusão pela presença da discrimina-ção e do estigma. Em consequência,seu exame envolve o significado que tem para o sujeito ou para os sujeitosque a vivenciam. (SPOSATI, 2006, p.5).

    Burchardt et alli (2002) considerama exclusão social como característica ine-

    ren te e necessária da desigualdade docapitalismo pós-industrial estruturado nummercado de trabalho flexível. Aqueles so-cialmente excluídos não seriam underclass  permanentes, mas um exército de reservade trabalho, continuamente mudando depos tos com aqueles de mais baixo status epondo em cheque o poder da classe traba-lhadora. Observam ser comum, entre os

    au tores americanos, o uso de termos comogue tização, marginalização e underclass  em lugar de exclusão social, embora essescon ceitos não tenham o mesmo significa-do. Alguns autores têm aplicado o conceitode exclusão apenas como uma forma mo-derna de tratar a pobreza e outros fazemuso de uma concepção mais abrangente,focalizando os segmentos de baixa renda

    e também incluindo aspectos ligados àpolarização, diferenciação e desigualdade.Há estudiosos, no entanto, que rejeitamqualquer identificação da exclusão socialcom classe ou desigualdade, por seremesses termos relacionados a uma posiçãono eixo vertical (up  ou down), enquantoa exclusão diz respeito a uma relação

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    espacial, de quem está dentro ou fora deum círculo.

    Como se pode observar desse regis- tro de concepções dos termos inclusão/exclusão social, apesar da diversidade dospontos de partida dos autores, há certaidentidade quanto à compreensão de quese trata de conceitos de significado veladoque não têm contribuído para elucidar ascausas do problema por eles nomeado.Esses termos tanto são referidos a partirdo ponto de vista dos indivíduos excluídosquanto da sociedade capitalista produtorada exclusão, divergindo as abordagensquanto à origem do problema: é umproblema inerente à sociedade capitalistadesde a sua constituição ou ele se configu-rou como consequência das mudançasque se processaram nessa sociedade, nasúltimas décadas do século XX. Há, tam-bém, alguma identidade na compreensãode que se trata de um conceito no qual

    está implicada uma dialética e quanto àcompreensão de que ele se caracterizacomo um movimento, uma mudança deposição dos indivíduos na sociedade, emconsequência de mudanças que ocorremno sistema capitalista.

    2 Inclusão e exclusão social: desen-

     volvimento da trajetória do conceito

    Na literatura sociológica, pode-seafirmar que o conceito de exclusão foian tecedido pela noção de marginalidade,in troduzida por Park, em 1928, quandorealizava estudos sobre a estrutura dapersonalidade marginal (RIOUX, 1998). Amudança social seria uma das condições

    essenciais da marginalidade, tendo oses  tudos sociológicos tentado explicar ofenômeno também a partir das noçõesde desvio ou de controle social. Quandoanalisado nessa segunda perspectiva, esseconceito está relacionado a uma norma oucorresponde a uma situação percebida deforma negativa pelo indivíduo, grupo ou so-ciedade, e quando analisado na perspectivada mudança social, ele é considerado comofator positivo conducente à mudança.

    Inicialmente relacionado ao excessode mão-de-obra que não pode ser absor-vida nas sociedades industriais, o conceitode marginalidade passa, posteriormente, adesignar as áreas externas às cidades comsuas residências carentes em serviços ur-banos e a designar também as populaçõesque habitam essas áreas. Este termo estárelacionado à dupla de conceitos centro-periferia, em que a margem está localizadaa certa distância do centro e, também, à du-

    pla normalidade-desvio, que é igualmentecarregada de sentido social. Ao discutir opapel da marginalidade no processo desubdesenvolvimento, Stavenhagen atribuiao conceito o significado de integraçãonuma estrutura de dominação:

    Ao falar de marginalidade ou margina-lização não se deve pensar que se tra-

     ta de uma população que se encontra,

    por assim dizer, “fora do sis tema”. Pelocontrário, é uma população integradaa um certo sistema econômico e auma certa estrutura de poder, masintegrada nos níveis mais baixos e quesofre as forma mais agudas de domi-nação e exploração. (STAVENHAGEN,1981, p.20; aspas do autor).

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    Assim, marginalidade diria respeitoa algo ou alguém que faz parte do siste-ma social e está a ele integrado de formamarginal. A anterioridade que a elaboraçãodesse conceito tem na sociologia sobre ode exclusão fica assim evidenciada.

    Na literatura norte-americana, aexclusão segue essa tendência de análise,

     tratando o tema principalmente sob a pers-pectiva já mencionada dos underclass  , dosmarginalizados sociais. Termo cunhado nadécada de 1960 por Gunnar Myrdall, un- derclass  é geralmente usado para referir-sea membros de minorias étnicas, que vivemem guetos e são destinatários de políticassociais. Por estarem fora do mainstream da sociedade representam uma ameaçaa ela. Nesses casos, a responsabilidadepela situação em que se encontram

     tende a ser atribuída, em primeiro lugar,aos próprios indivíduos e, em segundolugar, ao sistema de benefícios existente,que encoraja a dependência e penalizao trabalho. Nessas análises, são enfatiza-das as dimensões pessoais, valorativas ecomportamentais dos indivíduos, as quaisexercem papel fundamental na produçãoda marginalização.

    Outro enfoque usual do conceito naspesquisas é proveniente dos organismosinternacionais, os quais situam como ele-mentos centrais do problema a ausênciade direitos básicos e as dificuldades dosindivíduos de a eles terem acesso. Para aUnião Europeia, por exemplo, a exclusão é

    [...] a impossibilidade de gozar dosdireitos sociais sem ajuda, a imagemdesvalorizada de si mesmo e da ca-pacidade pessoal de fazer frente às

    próprias obrigações, o risco de se verrelegado de forma permanente aostatus de pessoa assistida e a estig-matização que traz para as pessoas,as cidades e bairros em que residem.

    (COMISIÓN..., 1992, p.9).A linha de tratamento do tema que

     tem maior tradição nas análises socio-lógicas, porém, é a que tem origem naFrança, inicialmente fazendo uso do termoexclusão social para referir-se àquelesindivíduos que não integraram o sistemade seguro social bismarckiano. Nessascircunstâncias, ser socialmente excluídosignificava ter sido excluído administrati-vamente pelo Estado. Na década de 1970,o conceito passou a contemplar tambémos incapacitados, os idosos sós e os de-sempregados sem seguro, especialmenteos adultos jovens. A intensificação dosproblemas sociais nos estados periféricoslevou à ampliação da definição, incluin-do, também, jovens rebeldes e indivíduosisolados.

    O termo começou a ser difundido,mais amplamente, a partir da publicação,em 1974, do livro Les exclus, um françaissur dix, de René Lenoir. Esse autor definiua exclusão como um processo multidi-mensional diferenciado da pobreza, por-que referido aos velhos, às pessoas comnecessidades especiais e aos inadaptadossociais. Na década de 1980, a combinaçãoentre depressão econômica e desempregofez com que o termo se tornasse tema depesquisas sociológicas e passasse à cate-goria estruturante da crítica da sociedadecontemporânea. Nesse sentido, deixa deser tratado como efeito marginal, ao mes-

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    mo tempo em que provoca a solidariedadee a intervenção pública. A continuidadedo processo de forte acumulação e do de-semprego do último quartil do século XX,em contradição com o avanço científico-

     tecnológico do período, levou à proposiçãode um modelo de Estado de responsabili-dades mínimas. Como resultado, o conceitode exclusão social adquire, nesse período,caráter de denúncia quanto ao rompimen-

     to com a noção de responsabilidade socialdo Estado que foi construída no pós-guerra,bem como com o rompimento da univer-salidade da cidadania conquistada.

    Segundo Buchardt et alii (2002), arepercussão da formulação do conceito ter se dado de modo particular em paísesde tradição republicana, como a França,se deve ao fato de que, nesses países acoesão social é critério essencial para amanutenção do contrato com base no quala sociedade se estrutura. Como a defesa dasolidariedade entre os indivíduos se cons- titui princípio fundamental de organizaçãonesses países, a existência de grupos quese sentem excluídos representa ameaça àunidade do Estado, razão pela qual o con-ceito encontrou, neles, campo mais propíciopara a difusão desses estudos.

    Nessa direção, cabe fazer um ques- tionamento sobre a origem do conceito deinclusão social como reconhecimento daexistência de excluídos na sociedade e danecessidade de intervir para protegê-los.Mesmo tendo derivado de uma atitude desolidariedade, com a intenção de dar pro-

     teção aos carentes, sua origem não estariasituada também no interesse de protegera sociedade? Os sistemas educativos mo-

    dernos, por exemplo, foram criados comesses dois propósitos, tendo a RevoluçãoFrancesa sido usada como argumento paraconvencer aos opositores da necessidadede educar as massas para evitar maioresmales e disciplinar os rebeldes. Do mesmomodo, não seria a inclusão social umasalvaguarda da sociedade, um modo deprotegê-la e preservá-la? Nesse caso, alémde representar uma injustiça, a exclusãoseria também um perigo a ser enfrentadopor meio de ações destinadas a integraros cidadãos que se encontram nessas

    condições (CAMILLONI, 2008).2.1 Inclusão / exclusão social e desen-volvimento econômico e social

    A relação entre a noção de exclusãosocial e o processo de desenvolvimentoeconômico e social se faz presente emvários estudos sobre o tema. Esta abor-dagem baliza a temática pelas transfor-

    mações macroestruturais produzidas nasociedade e na economia pós-industrial,ao mesmo tempo em que a situa nomarco das mudanças sociais e culturais,como a diversificação étnica, a alteraçãodo padrão etário e a emergência de novasformas de convivência familiar. Essas no-vas configurações sociais conformam umasociedade mais heterogênea, com novas

    demandas, novos sujeitos coletivos e eixosde desigualdade, rompendo com uma so-ciedade estabilizada em divisões de classee polarizada de modo mais unidimensionale linear. Nessa perspectiva, enquanto pro-blema social e objeto de políticas públicas,as características da exclusão aparecem

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    vinculadas fortemente ao cenário con- temporâneo, pós-industrial, globalizado,constituído pela soma de várias situaçõesde destituição e vulnerabilidade.

    No período que vai do pós-guerraaté a segunda metade do século XX, omodelo econômico capitalista proporcio-nou oportunidades para o funcionamentodas sociedades ocidentais em condiçõesde estabilidade e homogeneidade. O cres-cimento econômico se fez de modo rápidoem grande número de países de centro eperiferia do sistema, tendo o keynesianis-

    mo conduzido à constituição de sistemasde relações de trabalho altamente institu-cionalizados. Ao mesmo tempo, o Estadode Bem-Estar Social se expandiu, com dife-rentes modelos e graus de cobertura, carac-

     terizando sociedades de traços fortementeinclusivos. O pleno emprego, a incorpora-ção da classe trabalhadora à cidadania, aentrada das mulheres na vida pública e

    no mercado de trabalho são componentesde uma era de inclusão, afluência e con-formismo caracterizada pela assimilaçãodos trabalhadores das classes populares,das mulheres, dos jovens e dos imigrantes.Essa assimilação implicou a conquista dedireitos civis, políticos e sociais (moradia,

     trabalho, renda, educação, saúde) e garan- tiu a incorporação à economia de grande

    parte da população, apesar da existênciade conflitos e contradições responsáveispela criação de bolsões de extrema misériae desigualdade (LAPLANE, 2006).

    A noção de universalidade dacondição de cidadania, concretizada nasociedade do pós-guerra com o mode-

    lo do Estado de Bem-Estar Social, foi aalternativa capitalista de inclusão sociale de responsabilidade social do Estadopara com as necessidades de reproduçãosocial. Contudo, “esta aparente igualdadecapitalista não foi capaz de aniquilar coma exclusão inerente ao modo de produçãocapitalista, já que é cada vez mais evidenteque o pleno emprego é incompatível como processo de acumulação” (SPOSATI,1998, p.1).

    As mudanças culturais que carac- terizaram a década de 1960 levaram aoincremento do individualismo, da diver-sidade e a desconstrução dos valores

     tradicionais, substituindo as certezas, entãopresentes, por um mundo de pluralismo,debate, controvérsia e ambiguidade. Aesse cenário se seguiu a crise econômicados anos de 1970, substituindo a certezae a estabilidade pela instabilidade e acrise. As necessidades de expansão dogrande capital transnacional entram emconflito com as regulações nacionais dasrelações de trabalho e de remessas de lu-cros, enquanto os Estados-nação perdem ocontrole sobre componentes fundamentaisde suas políticas econômicas e o cres-cimento econômico se torna mais lentoe mais desigual. O Estado do Bem-EstarSocial entra em crise, sendo sua extensãoreduzida em diversos países, nos quais seinstauram as ideias neoliberais. Ao mesmo

     tempo, as relações de trabalho tornam-sepulverizadas e flexibilizadas, num contextode alteração da correlação de forças entrecapital e trabalho, no qual o capital émóvel, fluido e volátil, e o trabalho é lento,preso e represado (MORAES, 2004).

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    Essas transformações econômicase sociopolíticas do capitalismo mundialcombinam a marginalização e a condena-ção social e econômica dos pobres, comas segregações raciais, étnicas e espaciaisno meio urbano, sendo seus componentesprincipais

    1) desemprego em massa, persistentee crônico, representando para seg-mentos inteiros da classe trabalha-dora a desproletarização que traz emseu rastro aguda privação material; 2)exílio em bairros decadentes, ondeescasseiam os recursos públicos eprivados à medida que a competiçãopor eles aumenta devido à imigração;3) crescente estigmatização na vidacotidiana e no discurso público, tudoisso ainda mais terrível por ocorrerem meio a uma escalada geral dedesigualdade. (WACQUANT, 2001apud COSTA, p. 5).

    Nesse cenário, o mercado atua como

    vetor de um fenômeno antigo e multidi-mensional, a globalização. A novidadedesse processo está na escala assumidaem tempos recentes e nas possibilidadesque abre com as inovações tecnológicas,combinando, de forma rara na História,a exploração com a exclusão social elevando ao aparecimento de setores so-ciais inteiros que perdem o trabalho ou

     trabalham cada vez mais por menos, semproteção social, nem jurídica, nem política.Essa situação faz com que, a despeito dainconsistência teórica no tratamento danoção de exclusão e de ser apenas um dosefeitos mais visíveis da questão social, elaseja, hoje, objeto de um grande consenso.

    “É a desagregação das proteções que fo-ram progressivamente ligadas ao trabalhoque explica a retomada da vulnerabilidadedas massas e, no final do percurso, da‘exclusão’” (CASTEL, 2004, p. 35, aspas doautor), de tal forma que a luta contra aexclusão passa a exigir a intervenção sobreas regulações e os sistemas de proteçãoligados ao trabalho.

    O consenso em torno da associaçãoda noção de exclusão com o processo dedesenvolvimento econômico e social semanifesta em diversos estudos. Feres e

    Zoninsein (2006) consideram que a no-ção de exclusão está referenciada a duasdimensões complementares do processode desenvolvimento. Na primeira delassão identificados os processos sociais quediscriminam certos grupos e indivíduosdificultando seu acesso aos frutos do de-senvolvimento, tais como a participação noprocesso decisório, o acesso à educação e

    à saúde, ao emprego, aos bens materiais eàs redes de proteção social; e/ou impedemsua integração à cultura dominante e quefornece os fundamentos da identidadenacional. Na segunda dimensão, a exclu-são social tem a ver com a causalidadeinstrumental das diversas dimensões dodesenvolvimento, em que seus frutos ouefeitos específicos estão interrelacionados.

    É o que ocorre, por exemplo, quando seconsidera que a maior renda individualfacilita o acesso à educação e ao serviçode saúde público e privado, bem comogarante maior participação dos indivíduosnas tomadas de decisão e no processopolítico, isto é, a posição do indivíduo nesta

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    dimensão determina suas possibilidadesde inclusão social.

    Abordando trabalhos que tratamde experiências de ações afirmativas soba perspectiva étnica, esses autores anali-sam aquela relação sob diversos ângulos.Para a teoria política e econômica liberal,o crescimento econômico sustentável, ogoverno democrático e a igualdade deoportunidades para todos resultariam daseparação entre incentivos capitalistas ede mercado e os processos políticos carac-

     terísticos das sociedades modernas. Nas teorias da modernização do desenvolvi-mento capitalista, Lipset, Rostow e Hoselitz,entre outros, postulam que a diferenciaçãosocial ocorre de forma espontânea à me-dida que a sociedade deixa de ser umconjunto de comunidades agrárias e seconverte num sistema industrializado, ur-banizado e baseado no interesse, processono qual ocorre o rompimento de ligações

     tradicionais étnicas e familiares. Segundoessa perspectiva, a modernização seriaum caminho linear, integrativo, histórico,em que o Estado-nação desempenhapapel unificador. No modelo econômiconeoclássico de discriminação, essa filosofiamodernizadora é reproduzida num nívelmais específico, com a defesa de que, nolongo prazo, a competição de mercadopor renda, trabalho, bens imóveis e capitaleliminaria da sociedade o comportamentodiscriminatório.

     Tese oposta a esta é a que responsa-biliza os processos de globalização pelocolapso das políticas econômicas dosgovernos e pelo fim do modelo de cres-cimento sob o comando do Estado, vol-

     tado para o mercado interno e usandoprogramas de bem-estar deficitários paragrupos menos privilegiados. Nessa tese,iden tidades raciais, étnicas, religiosas e cul-

     turais adquiriram proeminência na arenapolítica, sendo que vários autores estabele-cem relação causal entre globalização,desempenho econômico, desigualdade ea mobilização crescente de identidadesétnicas. Esta relação é apresentada nosestudos, ora de forma mais incisiva, oramais suavizada.

    Os estudos que expõem esta rela-ção de forma mais concisa apontam aincapacidade de os governos nacionaisestabelecerem lei e ordem, prestarem ser-viços públicos e promoverem crescimentoeconômico, sendo as identidades étnicasa ampliação das disparidades regionaisde renda e as desigualdades crescentesentre trabalhadores especializados e nãoespecializados partes do processo geradorde descontentamento. Amin (1997 apudFERES e ZONINSEIN, 2006, p.17) observaque a globalização, além de promover adisseminação de técnicas de produçãoque tornam impossível a absorção demão-de-obra disponível em países emdesenvolvimento ou em transição e impe-de o crescimento econômico sustentado,

     tem como consequências inevitáveis aestagnação econômica – e o aumentode conflitos distributivos. Desse ponto devista, Hofbauer (2006) considera a possi-bilidade de que, com o enfraquecimentodo Estado nacional e de suas instituiçõesrepresentativas clássicas, cada vez maisas pessoas venham a se articular emgrupos de pressão, uns competindo com

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    os outros, para obter certos benefíciosantes percebidos como garantias sociaisdo cidadão. Isso explicaria a intensidadedas reivindicações de movimentos sociaispor benefícios destinados a determinadosgrupos da sociedade.

    Mingione (1998) é outro autor que também relaciona a exclusão com o ce-nário globalizado, situando-a no processomais geral de risco crescente de um déficitde integração e marginalização. Razõesligadas ao meio, à origem social ou a

     trajetórias de empobrecimento mais gravee cumulativo tornam parte da populaçãomarginalizada vítima de segregação, viven-do em estado de penúria que coincide comuma verdadeira discriminação institucionalsem perspectivas de retorno à normalidade,que impõem condições de vida e formasde comportamento estigmatizadas pelorestante da população. O emprego precárioe o trabalho informal são reflexos diretos

    de as condições de trabalho estaremabaixo do padrão geral de vida social-mente necessário para que o indivíduose integre normalmente na comunidadea que pertence. A persistência crônicadessas condições torna muito difícil queos indivíduos se atenham aos horizontes,valores, perspectivas e comportamentos

     típicos das comunidades a que pertencem

    e, nesse sentido, a transformação dos regi-mes de emprego cria mais do que tensõesno sistema de regulação, pois

    [...] a acumulação de desvantagensnos planos social e do emprego quese observa em determinados gruposda população – minorias, imigrantesrecentes, moradores de bairros pobres

    e de certas áreas metropolitanas dasregiões mais atingidas pela desin-dustrialização, ou caracterizadas porformas mais débeis e dependentesda industrialização – torna-se ver-

    dadeira síndrome de exclusão socialem massa, interpretada como umaforma crônica e institucionalizada deimpedir o acesso às possibilidades eaos recursos que garantem o padrãode vida da maioria da populaçãonos países industriais avançados.(MINGIONE,1998, p. 9).

    O impacto da globalização se faz

    presente, de forma mais suavizada, no trabalho Globalization, Growth and Pover- ty: Building an Inclusive World Economy(WORLD BANK, 2002) produzido peloBanco Mundial. Nesse estudo, esse fenô-meno seria filtrado pelo sistema políticoe intensificaria a diversidade cultural eétnica, sendo os efeitos gerados para ocrescimento econômico tanto positivos

    quanto negativos. Isto é, ao mesmo tempoem que a diversidade étnica trazida pelaglobalização dificulta a confiança mútuae o uso de códigos gerais de comporta-mento, uma sociedade mais diversa tema vantagem de produzir maior variedadede informação e redes empresariais maisdinâmicas. O equilíbrio entre esses efeitosseria determinado pela natureza do siste-

    ma político.A trajetória dos termos inclusão e

    exclusão social mostra que sua abordagemganhou, progressivamente, espaço nos es-

     tudos sociológicos, em associação com aspolíticas formuladas e implementadas nosdiversos países. A maior intensidade que

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    o fenômeno adquiriu no final do séculoXX, em decorrência das transformaçõesverificadas no sistema capitalista, de certaforma tem sido responsável por essa maiorintensidade da presença nos estudos, atémesmo como resultado da divulgaçãomais ampla produzida pela expansão emaior alcance dos meios de comunicação.

    3 O conceito de inclusão social hoje

     Territórios, etnias, migração, cidada-nia são novos ingredientes das manifes-

     tações de exclusão social, mais voltadas

    para o acesso às políticas públicas, princi-palmente as sociais. Essas manifestações

     transformaram-se em locus  do exercício dopoder social e político, de tal forma que aspolíticas sociais adquiriram crescente papelnas lutas entre sociedade e Estado. A glo-balização do trabalho expõe as diferençassociais, constituindo o que Sposati (2006)denominou de exclusão ao sul do Equador,

    demarcada pela ausência de um pacto deuniversalização da cidadania. Na visão deOliveira (1998), a exclusão seria o efeitomais perverso dos processos de inclusãosubordinada dos países latino-americanosnos núcleos globalizados do capitalismomundial que, para isso, abrem mão daintegração de uma parcela significativade sua população.

    O prazo curto em que a exclusãoera, anteriormente, seguida pela inclusão,foi substituído, hoje, por um espaço de

     tempo maior que transcorre entre os doisprocessos. Isso fez com que houvesse umapercepção mais aguda da exclusão, pois o

     tempo que o indivíduo fica desemprega-

    do é mais longo e, muitas vezes, o modocomo se dá a inclusão implica degradação.Assim, afirma Martins,

    [...] a sociedade moderna está criando

    uma grande massa de populaçãosobrante, que tem pouca chance deser de fato reincluída nos padrõesatuais de desenvolvimento econômi-co. Em outras palavras, o período dapassagem do momento da exclusãopara o momento da inclusão está se transformando num modo de vida,está se tornando mais do que umperíodo transitório. (MARTINS, 1997,

    p.33).Em consequência desse processo

    estabeleceram-se sociedades includentesdo ponto de vista econômico e excludentesdo ponto de vista social, moral e até políticoA inclusão precária e instável, marginal,é característica das políticas econômicasneoliberais, de tal forma que elas “nãosão, propriamente, políticas de exclusão.

    São políticas de inclusão das pessoas nosprocessos econômicos, na produção ecirculação de bens e serviços, estritamenteem termos daquilo que é racionalmenteconveniente e necessário à mais eficiente(e barata) reprodução do capital” (MARTINS,1997, p. 20).

    Como a massa de população exclu-ída que está sendo criada na sociedademoderna tem pouca chance de ser, defato, reincluída, dados os padrões atuaisdo desenvolvimento econômico, as formasde inclusão vêm se manifestando cada vezmais degradadas. Assim, o que está sendochamado de exclusão seria, na verdade, aextensão, no tempo e no espaço, de for-

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    mas cada vez mais precárias de inclusão.Nesse sentido, a lógica excludente ine-rente à produção capitalista torna-se umaquestão social, cultural e ética, que atribuinova rigidez ao processo de superação daexclusão pela inclusão, wm que os murosdos guetos não são físicos e sim aquelesconstruídos no cotidiano das relações quese dão na escola, no trabalho, no clube. Após-modernidade não produziu uma iden-

     tidade coletiva, “o sentido dessa identidadenão foi mais percebido nem pela culturanem por uma ideologia de legitimação

    associada ao poder e a uma comunidadepolítica. Para a pós-modernidade, a ordemsocial implicou a superação de uma dinâ-mica de oposição de classes mediante acriação de uma nova estrutura de castas:de um lado, os incluídos, de outro, os exclu-ídos de todos os tipos” (DUPAS, 2005, p.34).

    3.1 Inclusão e exclusão social: açõesafirmativas

    O debate sobre o direito à diferençavem adquirindo grande relevância nocontexto mundial, complementando-se anoção de igualdade pela de equidade.Isso exige mais do que o estabelecimentode um padrão homogêneo de acessoaos direitos sociais, pois faz com que aavaliação do patamar de exclusão social

    dos indivíduos passe a ser estabelecidapor meio da análise das condições deigualdade, equidade e cidadania.

    Moehlecke (2004) ressalta doissignificados clássicos de justiça: o que aidentifica com a legalidade e o que con-sidera como justa uma ação que respeita

    certa relação de igualdade, estando ambosos significados associados em diversosordenamentos sociais contemporâneos.Apoiada em Norberto Bobbio, esta autoraobserva que a conotação positiva atribuídaà enunciação de que todos os homens sãoou nascem iguais não se deve à igualdadesimplesmente. É a extensão da igualdadea todos, conforme os entes com os quaisse está tratando e com relação a que elessão iguais, isto é, a igualdade em que eentre quem que assegura esse caráterà enunciação. Nesses termos, políticasuniversalistas seriam, hoje, consideradasinsuficientes para promover a inclusão,pois a sua focalização em grupos espe-cíficos torna possível dar mais a quemmais precisa, compensando ou reparandoperversas sequelas do passado. A equida-de não seria, assim, uma suavização daigualdade. Ela estabelece uma dialéticacom a igualdade e a justiça, ou seja, entre

    o certo, o justo e o equitativo para a buscade um equilíbrio em que são consideradas tanto as diferenças individuais de méritoquanto as sociais, visando, sobretudo, eli-minar discriminações.

    As ações afirmativas se constituemnum modo de focalização das políticas so-ciais voltadas para a promoção da inclusãosocial e dizem respeito a

    [...] qualquer medida que aloca bens– tais como o ingresso em universida-des, empregos, promoções, contratospúblicos, empréstimos comerciais eo direito de comprar e vender terra– com base no pertencimento a umgrupo específico, com o propósito deaumentar a proporção de membros

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    desse grupo na força de trabalho,na classe empresarial, na populaçãoestudantil universitária e nos demaissetores nos quais esses grupos este- jam atualmente sub-representados

    em razão de discriminações passadasou recentes. (FERES e ZONINSEIN,2006, p.21).

    É em torno da década de 1960 que tem início a aplicação das políticas de açãoafirmativa na educação superior. ConformeFeres (2006), a Índia é o país de mais longaexperiência na história dessas políticas,implantadas ainda sob o domínio colonial

    inglês, tendo tido, por vezes, até mesmo oobjetivo de dividir os colonizados e enfra-quecê-los ante o domínio britânico. Apósa independência, essas iniciativas foramratificadas na Constituição de 1950. A basepara sua implantação foi constituída porquatro princípios de justificação utilizadosem momentos distintos: a) compensaçãoou reparação por injustiças cometidas no

    passado contra determinado grupo social;b) proteção dos segmentos mais fracos dacomunidade; c) igualdade proporcional nadistribuição das oportunidades de educa-ção e emprego em relação ao tamanhorelativo de cada grupo na sociedade; ed) justiça social, baseada no conceito de

     justiça distributiva, princípio que justifica aação afirmativa simplesmente pela cons-

     tatação de desigualdades passíveis de se tornarem objeto de políticas públicas.

    Segundo D’Avila e Lesser (2008),nos Estados Unidos, os programas deação afirmativa tiveram origens remotasno Decreto 8.802 de 1941, pelo qual oPresidente Franklin Roosevelt proibiu

    as indústrias bélicas de discriminaçãocontra os afro-americanos. Essa medidapresidencial constituiu uma resposta àpressão organizada de trabalhadores afro-americanos contra os padrões desiguaisde contratação, pagamento e promoçãodos negros nas indústrias bélicas. Criou

     também um novo padrão, em que o Gover-no Federal se definiu como mediador emquestões de inclusão racial, ao mesmo

     tempo em que gerou expectativa de que asindústrias deveriam fornecer evidências deque não estariam implicadas em práticasdiscriminatórias.

    Quando as ações afirmativas naeducação começaram a ser implantadasnos Estados Unidos, na primeira metadede 1960, os argumentos de justificaçãoutilizados foram a reparação e a justiçasocial, embora estivesse também presentea ideia de igualdade substantiva, no sen-

     tido de que a igualdade não deveria serapenas um direito formal, deveria ser umresultado e não um mero procedimento.Essa concepção de justiça social rom-peu com a concepção liberal clássica deque é por meio do Estado e das leis quegarantem direitos universais que os cida-dãos se tornam verdadeiramente iguais.Uma igualdade formal perante direitose deveres, sendo o mercado o lugar dadesigualdade, regulado pelo mérito decada um. O paradigma que predominanessa nova concepção de justiça social éo do Estado do Bem-Estar Social, em queEstado e mercado não funcionam comoesferas autônomas geridas por valoresindependen tes de igualdade e mérito. Pelocontrário, o valor da igualdade pode adqui-

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    rir proeminência sobre o mérito, subtraindodo Estado recursos do mercado e os redis-

     tribuindo para promover maior igualdade,isto é, para promover a igualdade subs-

     tantiva. As diferenças entre os indivíduosnão seriam, assim, acidentes naturais, masprodutos das relações sociais, da maneiracomo a sociedade se organiza, passandoas aptidões e qualidades exercitadas porindivíduos em processos competitivoscomo condições iniciais da competição,a serem objeto de legislação de políticaspúblicas. No modelo liberal, ao contrário,essas aptidões e qualidades estariam forado alcance das leis (FERES, 2006).

    O desmanche do Welfare State  e adecretação, nos Estados Unidos, da incons-

     titucionalidade da política de cotas raciais,em 1978, modifica o argumento da justiçasocial. No início do século XXI, a raça, comocritério de admissão na educação superior,passa a ser um ins trumento para garantir a

    diversidade na sala de aula, convertendo-se num terceiro argumento de justificaçãodas políticas de ação afirmativa, agora, nosentido de contribuir para a qualidade daexperiência universitária na graduação eabrangendo também a diversidade de ori-gem social, geográfica, aptidões, etc. Nessecontexto, o termo diversidade tornou-secentral em discursos multiculturalistas e

    na justificação das políticas da identidade.Cabe observar, considerando os três argu-mentos justificadores, que a questão é ago-ra tratada num nível distinto dos anteriores.Enquanto o argumento da reparação olhapara o passado e o da justiça social focali-za sobre a desigualdade presente, a diver-sidade tem um registro temporal incerto, às

    vezes sugerindo a produção de um tempofuturo, quando as diferenças puderem seexpressar em todas as instâncias da socie-dade. Em parte, a diversidade também atuacontra o argumento da justiça social, pois adesigualdade e a discriminação se diluemnuma valorização geral da diferença que,por seu turno, é definida em termos decultura e etnia, conceitos mais vagos e deoperacionalização mais difícil.

    Não deve ser descartado aqui oalerta de Hofbauer (2006) de que a ideiade ações afirmativas surgiu para afirmaro acesso igual a direitos civis, buscandoretificar injustiças históricas. Hoje, emdiversos países, em lugar de contribuirpara afirmar a crença nos direitos civis,elas servem para afirmar a crença nascomunidades étnicas e religiosas e nodireito de cada uma delas determinar oseu próprio destino. Isso significa que osdireitos civis e os direitos comunitáriospassaram a seguir lógicas diferentes e, atécerto ponto, excludentes, pois enquanto osprimeiros excluem estrangeiros, os direitosétnicos excluem aqueles considerados“não-étnicos” ou “semi-étnicos”, isto é,estabelecem uma distinção de grupos nointerior de um grupo maior.

     Tendo em vista o predomínio dasações afirmativas como metodologia paraa promoção da inclusão, em especialquando aplicada à educação superior,quais seriam suas potencialidades efetivasnesse contexto? Ela poderia ser desenhadade modo a interagir com outras políticaspúblicas, principalmente aquelas voltadasao desenvolvimento?

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    4 Inclusão e exclusão social: tendên-

    cias e proposições

    4.1 Tendências

    Duas tendências podem ser identifi-cadas no debate atual sobre os conceitosde inclusão e exclusão social. A primeiraé de caráter político, com estímulo a quegovernos atuem na construção de naçõesinclusivas, onde impere o respeito dodireito à diferença. A segunda, de caráter

     teórico, retoma a discussão da relaçãoentre pobreza e exclusão social presente

    no processo inicial do debate sobre o tema,mas situada, agora, numa perspectiva queconsidera as características novas introdu-zidas no primeiro desses conceitos comoprincípios justificadores dessa retomada.

    O objetivo de estabelecer democra-cias multiculturais é uma tendência atualdas políticas de desenvolvimento, com oreconhecimento de que a discriminaçãobaseada na identidade cultural – étnica,religiosa e linguística – constitui um obs-

     táculo ao exercício da liberdade individuale ao desenvolvimento humano. O Relatóriodo Desenvolvimento Humano da ONU, de2004, sustenta que, para tornarem-se maisinclusivos, os Estados-nação precisam ado-

     tar políticas que reconheçam explicitamen- te diferenças culturais. Essa formulação tem por princípio o entendimento de quea democracia, o crescimento econômico afavor dos pobres e a expansão socialmenteigualitária de oportunidades constituembases necessárias, porém insuficientespara o desenvolvimento, sendo fortes asevidências de que o crescimento econômi-

    co per se  não promove automaticamentea superação das discriminações.

    Nesse sentido, esse relatório propõea execução de políticas multiculturaisnacionais e globais. As políticas globaisenfocariam a inclusão de povos indígenas,a regulação e a partilha de renda de indús-

     trias extrativas e os direitos de propriedadeintelectual do conhecimento tradicional; aregulação do comércio e do investimentointernacional em bens e serviços culturais;a administração de fluxos de imigração. Aspolíticas multiculturais nacionais visariammelhorar as estratégias de desenvolvimen-

     to em cinco áreas: ações para assegurara participação política de diversos gruposculturais; políticas que tratem da religiãoe de práticas religiosas; políticas sobre leisconsuetudinárias e pluralismo jurídico;políticas sobre o uso de múltiplas línguas;políticas que buscam reparação da exclu-são socioeconômica.

    As políticas de ações afirmativasna educação superior estão incluídasnesse último grupo. Quando projetadas ecoordenadas com estratégias de desenvol-vimento nacional nas áreas de educação,emprego, concorrência pública e acesso afinanciamento, estudos apontam que seupotencial para o desenvolvimento chegaa ser superior aos ganhos obtidos quando

    grupos discriminados são incorporados àscamadas superiores das classes médias edas elites dos Estados-nação.

    Compreendidas na perspectiva dodireito à diferença, nessas políticas se mes-clam questões de gênero com as de etnia,idade, origem, religião e deficiência, entreoutras. Nesse sentido, afirma Cury (2005), a

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    256 Maria do Carmo de L. PEIXOTO. Inclusão social na educação superior 

    presença de imigrantes, provindos em boaparte de ex-colônias ou de outros países,repõe, no âmbito dos espaços nacionais,não só o tema da desterritorialização e dosfluxos migratórios, como provoca o retornode temas como tolerância e multiculturalis-mo perante minorias. Cabe considerarainda que se as diferenças são visíveis,sensíveis e imediatamente perceptíveis,especialmente no caso das pessoas comnecessidades especiais, o mesmo nãoocorre com o princípio da igualdade. Aocontrário da desigualdade, fortementeperceptível no âmbito social, a igualdadenão é visível a olho nu. Se as políticasinclusivas têm como meta combater todase quaisquer formas de discriminação queimpeçam o acesso a maior igualdadede oportunidades e de condições, elasdevem corrigir as fragilidades de umauniversalidade focalizada em todo e emcada indivíduo e que, em uma sociedadede classes, apresenta graus consideráveisde desigualdade.

    Outra tendência das análises doconceito de exclusão social que vemsendo elaborada por vários autores comreferenciais analíticos diversos residena retomada da relação entre pobrezae exclusão social que esteve presentenos primórdios do debate dessa questão,agora discutida sob perspectivas distintas.Para alguns autores, como Sposati (1998),pobreza e exclusão social são fenômenosdistintos, pois enquanto a exclusão contémelementos éticos e culturais referidos tam-bém à discriminação e à estigmatização,a pobreza se refere a uma situação queé ou absoluta ou relativa. A primeira es-

     tenderia, portanto, a noção de capacidadeaquisitiva relacionada à pobreza a outrascondições atitudinais e comportamentaisque não se referem apenas à capacidadede retenção de bens, pois alcança valoresculturais, discriminações, abandono, perdade vínculos, esgarçamento das relaçõesde convívio que não necessariamente severificam com a pobreza. Isso supõe anecessidade de estabelecer um padrão devida de inclusão de costumes, valores, qua-lidade de vida, desenvolvimento humano,autonomia e equidade. Nessa perspectiva,para medir a exclusão social, deveriam seridentificados não apenas os desprovidosde recursos, mas também aqueles cujanão-participação se mostra de formas va-riadas, como pela discriminação, doençacrônica, localização geográfica, identifica-ção cultural. Embora não esgote todas aspossibilidades, a falta de recursos materiaispoderia ser considerada uma causa cen-

     tral e importante de não-participação dosindivíduos.

    Outros autores, contudo, como Cos- ta e Carneiro (2004), consideram que osconceitos de pobreza e de exclusão socialpoderiam ser sobrepostos um ao outro,permitindo certa aproximação de signifi-cados, desde que a concepção de pobrezautilizada não tivesse única e/ou prioritaria-mente a dimensão econômica como fatorexplicativo. A utilização de uma concepçãoampliada e multidimensional de pobrezaressaltaria a existência da multiplicidadede dimensões que se sobrepõem paraa produção, manutenção e transmissãointergeracional desse fenômeno, dimen-sões essas que interagem, reforçando-se

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    mutuamente e gerando situações de difícilsolução, dada a natureza complexa e mul-

     tideterminada da exclusão.Nessa concepção ampliada, as di-

    mensões materiais seriam as faces maisvisíveis da pobreza, enquanto a exclusãoextrapola o limite dessas dimensões. Porisso, ela exige que o foco seja posto tam-bém nas diversas maneiras pelas quais,em diferentes situações e contextos, osvetores da destituição se relacionam ese interpenetram. Em grande medida, énessas condições que as desigualdades

     tendem a se sobrepor e se reforçar mutua-mente, levando à reprodução da pobrezae da exclusão social. É o que acontece,por exemplo, com a escolaridade da mãe,fortemente associada às chances futurasdos filhos na escola e às taxas de mortali-dade infantil. Ou o que ocorre com as as-sociações entre fracasso escolar, inserçãoprecária no mercado de trabalho e relaçõesde gênero.

    Nessa perspectiva, pobreza e ex-clusão poderiam ser considerados termosintercambiáveis, sendo a concepção deexclusão um fenômeno dinâmico e commúltiplas dimensões. Dado que a situaçãode pobreza inclui também aspectos menos

     tangíveis ligados a atitudes, a valores e acondutas dos setores pobres da população,não é suficiente fazer a provisão de bens eserviços, porque a carência material persis-

     tente é geralmente acompanhada por ati- tudes e relações sociais – inclusive e, talvez,principalmente com os não pobres – quelimitam fortemente a capacidade dessesindivíduos se apropriarem e fazerem usodos recursos, bens e serviços disponibiliza-

    dos pelo Poder Público. Frequentemente, àsituação de intensa vulnerabilidade estãoassociadas baixas expectativas dos indiví-duos quanto às possibilidades e condiçõespresentes e futuras de seus filhos, baixaautoestima, resignação, ressentimento esubalternidade em relação a outros etc.Esses sentimentos ou atitudes, por sua vez,estão enraizados nas relações que essesgrupos mantêm com seu entorno e comsetores não pobres da sociedade, sendoas atitudes individuais moldadas a partirdas experiências cotidianas nos gruposfamiliares, de vizinhos e nas relações comos outros setores sociais com os quaisinteragem.

    Castel (2004) admite a relação entreesses dois conceitos, ressaltando que se

     trata de uma pobreza de novo tipo, quedenomina de “nova pobreza”, conformeexpressão cunhada em meados da décadade 1980. A crítica marxista, por sua vez,nega essa novidade, por considerar não

     ter sentido pensar em nova pobreza ouem exclusão social como elementos deuma nova questão social. Para ela, nãoexiste essa nova questão social, ela nãose distingue da permanência das velhasquestões do capitalismo, sendo apenasa nova expressão da questão social naordem do capital (COSTA, 2008).

    A “nova pobreza”, segundo a pers-pectiva de Castel (2004), entretanto, nãoconsiste numa “pobreza residual, dealguma forma intemporal, mas de umanovidade que exige análises novas, porquerepresenta o que há de inédito na conjun-

     tura social” (CASTEL, 2004, p. 22). Segundoele, a pobreza teria mudado de forma, de

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    âmbito e de consequências, compreen-dendo mais do que privação econômica,ela tem certa dimensão moral. Enquantoa “velha pobreza” oferecia ao pobre pers-pectiva de ascensão social com base emeconomias feitas ao longo da vida ou pormeio da escolarização de filhos e netos, anova pobreza não proporciona mais essaalternativa.

    A distinção entre os dois tipos depobreza é reforçada por Raczynski (1995),para quem esse fato tem um perfil diferen-

     te do de 20 anos atrás e tornou-se umfenômeno acentuadamente urbano. Se, porum lado, a qualidade de vida melhorou,como os indicadores de expectativa devida ao nascer, alfabetização e nível deescolarização e acesso a serviços de saúde,água, saneamento e eletricidade, por outrolado, em muitos países, essa qualidadese tornou mais heterogênea e, naquelespaíses com tradição de política social, ospobres foram beneficiados de forma parciale desigual pelo Estado. Alguns tiveramacesso aos benefícios da seguridade social,outros aos de habitação, educação e saúde,outros tiveram possibilidade de mobilidadesocial ascendente, enquanto outros, ainda,puderam proporcionar isso a seus filhos.Segundo a autora, qualquer que seja oindicador utilizado, o nível, a escala ea evolução da pobreza que predominaem um país é influenciado pela políticasocial, bem como pela situação e políticasrelacionadas à economia, trabalho, renda,custo de vida e subsídios, infraestrutura eatividades públicas. Aspectos culturais esociais (atitudes, comportamento, recur-sos) dos setores pobres, característicos do

    sistema político e das instituições públicase privadas equipadas para atender àsnecessidades básicas são também deter-minantes da pobreza. Desse modo, umaestratégia de combate à pobreza efetivaprecisa estar integrada a um conjunto deestratégias de desenvolvimento.

    Em sintonia com essa abordagem,Pochmann et alli (2004) analisaram o

     tema da exclusão no Brasil, destacando aexistência de uma “velha” e de uma “nova”exclusão social. A primeira seria a

    [...] forma de marginalização dos

    frutos do crescimento econômico eda cidadania expressa pelos baixosníveis de renda e escolaridade, in-cidindo mais freqüentemente sobreos migrantes, analfabetos, mulheres,famílias numerosas e a população ne-gra. (POCHMANN et alii, 2004, p. 43).

    Na sua grande maioria, ela resultoude pressão da mão de obra do campo nas

    cidades, ocasionando a expansão da misé-ria nos centros urbanos. A nova exclusãosocial, por sua vez, seria um

    [...] fenômeno de ampliação de par-celas significativas da população emsituação de vulnerabilidade social, e também as diferentes formas de ma-nifestação da exclusão, abarcando asesferas cultural, econômica e política.

    (POCHMANN et alii, 2004, p.49).Ela atinge segmentos sociais an-

     tes preservados, como jovens com altaescolaridade, indivíduos com mais de 40anos, etc. As novas fontes de geração daexclusão para esses autores seriam o de-semprego e a precarização das formas de

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    inserção do cidadão no mercado de traba-lho, tendo como subprodutos o aumentoda violência urbana e a vulnerabilidade

     juvenil intensificadas pela maior flexibili-dade ocupacional e dos níveis de renda.

    Duas tendências, portanto, se fazempresentes no encaminhamento das ques-

     tões relacionadas à análise da temáticada inclusão social. De um lado, no campodas políticas, a ênfase nas característicasmulticulturais das sociedades, buscandoo respeito a identidades culturais étnicas,religiosas e linguísticas e o combate à dis-criminação a essas características. De outrolado, no campo das análises sociológicas,a retomada da relação anteriormente es-

     tabelecida entre pobreza e exclusão social,compreendendo o debate sobre os limitesda existência dessa relação.

    4.2 Inclusão e exclusão social: propo-sições

    As políticas inclusivas estão ba-seadas em princípios morais e políticosestabelecidos em documentos nacionaise internacionais e na legislação, tanto depaíses desenvolvidos como dos em desen-volvimento. O acesso à educação de qua-lidade é hoje um direito humano inques-

     tionável e diversos países têm formuladopolíticas e leis que, aparentemente, visam

    garantir esse direito como o caminho maiscurto para estender a todos o conceito decidadania. O processo educativo no contex-

     to atual exige sua vinculação ao princípioda equidade, ou seja, a orientação para aconstrução de uma sociedade que respei-

     te a diversidade e saiba conviver com asdiferenças. Nesse sentido, a reivindicação

    de universalização dos padrões básicos dedignidade humana é parte do padrão de

     justiça social que a sociedade reconhececomo desejável. Cabe a ela exigir garantiasde seu cumprimento e, ao Estado, consoli-dar e regular seu funcionamento.

    O debate e a polêmica em torno doconceito de inclusão social, aqui delinea-do, mostram a dificuldade para formulare implementar políticas voltadas paraequacionar essa problemática. Um pontode partida para isso talvez possa ser en-contrado em Sposati (1998) que, diante daausência de referências universais paraestabelecer um padrão de inclusão social,sintetizou em quatro utopias os elementosindispensáveis para concretização dessepadrão: autonomia, qualidade de vida,desenvolvimento humano e equidade. Aautonomia diz respeito à capacidade epossibilidade de o cidadão suprir suasnecessidades vitais, especiais, culturais,políticas e sociais, inclusive a capacidadede usufruir segurança social e pessoal. Aqualidade de vida se refere à possibilida-de de obter uma melhor redistribuição eusufruto da riqueza social e tecnológicapelos cidadãos de uma comunidade,bem como à garantia de um ambiente dedesenvolvimento ecológico e participativode respeito ao homem e à natureza commenor grau de degradação e precariedade.O desenvolvimento humano compreende apossibilidade de todos os cidadãos de umasociedade se desenvolverem com o menorgrau possível de privação e sofrimento,enquanto a equidade está relacionadaà possibilidade de manifestação e derespeito às diferenças, sem discriminação

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    ou restrição do acesso aos direitos e semestigmatização das diferenças.

    O enfrentamento eficaz do problemada exclusão exige a aplicação de políticasflexíveis, de modo a abarcar as caracterís-

     ticas específicas com que ela se apresentae se reproduz, tendo em vista que, sob orótulo genérico de exclusão encontram-sesituações muito distintas, com condicio-nantes e nexos causais diversos. A exe-cução de políticas com foco na autonomiapoderá ressaltar as potencialidades ealternativas presentes nos contextos deexclusão, identificando e enfatizando asideias e capacidades presentes nos gruposde excluídos, de modo a criar e consolidar,neles, o capital social.

    É necessário alertar para a tendênciadas políticas inclusivas de atribuir caráterde permanência a uma ação que deveriaser provisória. Nesse caso, em lugar deassegurar um algo mais para aqueles que

     têm menos, como compete às políticas dediscriminação positiva, elas acabam por se

     transformar em políticas de discriminaçãonegativa, pela recusa em intervir sobre oprocesso global responsável pelas situa-ções de inutilidade social. Assim, para queos programas realizados com o objetivo depromover a inclusão não sejam apenas decaráter compensatório, voltados para o su-primento imediato de carências materiaismais extremas, é preciso que eles atuemsobre os mecanismos de reprodução dadestituição.

    Para tanto, é preciso implementarpolíticas intersetoriais voltadas para odesenvolvimento de ações integradas nasdiversas áreas sociais: educação, saúde,

    habitação, assistência social, bem comobuscar a integração de objetivos, metase procedimentos. Essas ações devem serorientadas para prevenir ou reduzir o riscoda entrada em uma situação de exclusão;para promover a saída ou a transição dasituação de exclusão para maior inclusão;para proteger diante da ocorrência dedeterminados eventos, evitando que umasituação que é transitória se deteriore emuma exclusão ainda mais consolidada; epara impulsionar os indivíduos ou gruposno sentido de saída da exclusão, favore-cendo trajetórias mais inclusivas e de nãoretorno à exclusão. Essas ações devemser, a um só tempo, compensatórias eredistributivas, emergenciais e estratégicas,exercendo intervenções também sobre ascondições não tangíveis da exclusão. Istoé, que além de prover bens e serviços paraassegurar a sobrevivência, elas devemcontribuir para e sustentar a melhoria daautoestima, da autonomia e da construçãode alternativas e estratégias de vida.

    Como mecanismo de políticas desti-nadas a atingir um patamar adequado deinclusão social, a educação superior devese orientar para a realização das utopiasmencionadas, tendo em vista as possibili-dades que esse nível de ensino proporcio-na de mobilidade social, principalmentequando se trata da primeira geração deindivíduos que a ele tem acesso. Confor-me Chauí (2001), a universidade é umainsti tuição social que realiza e exprime, demodo determinado, a sociedade de que ée faz parte. Ela “não é uma realidade sepa-rada e sim uma expressão historicamentedeterminada de uma sociedade determina-

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    da” (CHAUÍ, 2001, p.35)  , o que justifica seucompromisso com a promoção da inclusãosocial. Moehlecke (2004) ressalta, contudo,que a implementação de políticas sociaisapenas na educação superior nem sempreé suficiente para resolver uma situação dedesigualdade. Como raça e classe social serelacionam de modo complexo em diver-sos países, gerando uma combinação dediscriminação racial e social, torna-se ne-cessário aplicar medidas complementaresàs políticas de ação afirmativa. Entre essasmedidas, esta autora destaca a expansão emelhoria de qualidade da educação básica,pois a democratização do acesso e a maiorequidade na oferta na educação superiordependem também da associação entre aelevação da escolarização da populaçãoe a melhoria da qualidade da educaçãooferecida.

    É preciso clareza, no entanto, quantoao potencial efetivo que a educação possuipara contribuir com este objetivo. A com-plexidade da problemática aqui abordadamostra que as intervenções devem se fazerpor meio de uma atuação concertada so-bre o conjunto de fatores causadores daexclusão, não só para que as políticas dediscriminação positiva não se convertamem discriminação negativa, mas, também,para que cada componente desse processo

    contribua, na medida exata das suas possi-bilidades, para a concretização do objetivomaior que se pretende atingir.

    Desse ponto de vista, analisando ocaso brasileiro, Zoninsein (2006) consideraque as implicações políticas, econômicase desenvolvimentistas decorrentes daelaboração das políticas de inclusão por

    meio de ações afirmativas têm sido su-bestimadas, porque elas têm sido objetode uma concepção equivocada, como ummero processo burocrático de realocaçãodos recursos disponíveis. Por essa razão,resultados das oportunidades educacionaise realizações acadêmicas são percebidoscomo se ocorressem de forma automática ecom baixo custo de investimentos. Têm sido

     também dispensadas a análise da gestãodas instituições e a proposição de mecanis-mos institucionais específicos destinadosa maximizar os benefícios dessas açõespara seus beneficiários e para a sociedade.

    A análise de Russell (2006) sobreas políticas de ação afirmativa nos Esta-dos Unidos ilustra ações desenvolvidasde forma mais abrangente. Naquele país,diversos programas foram proporcionadosaos estudantes favorecidos pelas açõesafirmativas, no sentido não só de assegurara permanência, como também o sucessono ensino superior. Entre eles, encontram-se programas de auxílio financeiro gover-namental, de apoio acadêmico destinadosa fornecer apoio adicional a estudantespromissores no sentido de superar bar-reiras de classes, sociais e culturais, taiscomo serviços de aconselhamento, aulasparticulares e de reforço. Foram criados,

     também, programas de acesso de minoriasa carreiras de pesquisa, além de outros,destinados a promover informação sobreas condições e possibilidades oferecidaspelo ensino superior, com o objetivo deatrair estudantes de minorias das institui-ções de ensino fundamental.

    O retorno obtido com investimentosdesse tipo depende da habilidade dos

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    beneficiários das ações afirmativas emaproveitar eficazmente as oportunida-des educacionais criadas para poderemdesempenhar bem suas atividades aca-dêmicas e, eventualmente, dos trabalhosde elevada produtividade e do valordos salários que conseguem alcançarapós a graduação. O investimento numaquantidade significativa de recursos ematividades múltiplas, como os destinadosa lidar com a qualificação acadêmicaincompleta, com processo de seleção eaconselhamento, bem como com o auxílio

    financeiro aos estudantes, entre outros, éparte integrante do nível de sucesso atin-gido. A maximização dos benefícios dasações afirmativas é tanto maior quantomaiores forem a magnitude da prioridadedada aos grupos que são alvos desses pro-gramas; a extensão de suas desvantagenssocioeconômicas e educacionais; o grau deresistência das comunidades acadêmicas a

    essas políticas; o volume do investimentoque o governo e a sociedade civil quereme são capazes de mobilizar; e a naturezados procedimentos institucionais disponi-bilizados para implementá-las.

    Finalmente, é preciso considerar também as incertezas quanto ao sucessoda implantação de projetos políticos deação afirmativa na educação superior,

    como aquelas presentes na aplicaçãode cotas para o ingresso, por exemplo.Hofbauer considera que, por constituíremum desafio para o processo de inclusãosocial na educação superior, seus riscosprecisam ser problematizados e avaliados.Segundo ele,

    Ninguém pode prever os desdobra-mentos que a implementação deprogramas de ação afirmativa acar-retará (por exemplo, se irá fortaleceruma tendência de sensibilização e

    de conscientização [...] para com aproblemática da discriminação e/ouse ocorrerá uma “contra-reação” quepoderá impulsionar um acirramentode atos discriminatórios). (HOFBAUER,2006, p. 50).

    A aplicação de ações afirmativas naeducação superior constitui-se, hoje, umaquestão geradora de polêmicas e é preci-

    so levar em conta toda a diversidade dequestões que se fazem presentes nessaspolêmicas. No estado atual do conhe-cimento sobre a inclusão social nestenível de ensino, e por se constituírem naalternativa preferencial de intervenção naeducação superior, as ações afirmativasdevem ser objeto de análises sistemáticas.A existência de medidas destinadas a

    assegurar que os indivíduos sejam bemsucedidos não só em ingressar como emconcluírem os estudos e, também, emencontrarem condições e oportunidadesadequadas no mercado de trabalho sãopartes constituintes dessa dimensão doproblema da inclusão na educação su-perior. Elas devem ser consideradas naabordagem do conceito, tanto do pontode vista das políticas, quanto do ponto devista acadêmico.

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    Conclusão

    A análise apresentada neste textopermite observar que a ênfase nos estudossobre o conceito de inclusão social tem

    sido posta, de forma mais acentuada, sobrea negação da ação, ou seja, o foco vemsendo posto sobre o conceito de exclusãosocial, pouco contribuindo para a compre-ensão do fenômeno. Os debates em tornodo significado desse termo, bem como asanálises sobre situações de exclusão que

     têm sido produzidas em quantidade razo-ável, revelam, ainda, a existência de uma

    polêmica que, com a continuidade dosdebates, tem potencial para aportar con-

     tribuições significativas ao tema. Revelam, também, serem deles ainda desconhecidasaspectos de abordagem mais recente eque estão assumindo grande relevânciapara o processo de inclusão na educaçãosuperior, como é o caso das experiênciasde integração internacional que estão

    sendo construídas nesse nível de ensino,a exemplo de universidades brasileirasvoltadas para a integração na AméricaLatina e na Comunidade dos Países deLíngua Portuguesa.

    Mesmo assim, é possível afirmarque a problemática, até o momento, temsido situada de modo satisfatório, conside-rando-se as divergências existentes sobre

    os termos, a exposição das concepçõesorientadoras das diversas abordagens e aspercepções sobre os mecanismos a seremadotados para intervir nesse processo. Coma realização de análises mais sistemáticasdas práticas de inclusão que vêm sendoproduzidas nas diversas sociedades e a

    sinalização de que deve ocorrer maiordiversificação e intensificação dessaspráticas, em futuro próximo o estágio doconhecimento sobre o tema tende a seapresentar de forma mais robusta. Na eta-pa atual, tanto um conceito como o outrosão percebidos pelos estudiosos como pou-co esclarecedores sobre o fenômeno queeles designam, não permitindo perceberadequadamente o que eles encobrem e asformas mais adequadas para enfrentar osdesafios propostos pelo fenômeno.

    O problema em questão demandauma abordagem abrangente, envolvendoa multiplicidade e complexidade de aspec-

     tos que dele fazem parte. Desse ponto devista, a educação superior é apenas umdos elos dessa corrente. As análises per-mitem perceber que esse nível de ensinopode desempenhar papel relevante noprocesso de inclusão social, mas que aspossibilidades de êxito no cumprimentodesse papel dependem, também, de umagrande diversidade de ações a serem rea-lizadas nos demais níveis de ensino. Domesmo modo, o alcance da educação emgeral, nesse processo, embora importante,é de cunho restrito e depende da sua as-sociação com uma série de outras açõesda sociedade destinadas a promover con-dições de desenvolvimento econômico esocial que proporcionem maior igualdadee justiça social. Entre essas ações ressaltaa maior abertura do mercado de trabalhopara receber profissionais de nível superiorfavorecidos por ações afirmativas em siste-mas de ensino superior que estão sendosubmetidos a processos de ampliação edemocratização.

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    As novas perspectivas de integraçãointernacional que vêm sendo propostaspara a educação superior levam a conside-rar, também, o impacto que elas podem vira produzir para a escolha, pelo estudante,das melhores universidades onde buscarprogramas de estudos e de mobilidadeestudantil, bem como os melhores pro-gramas entre os que estão sendo nelasoferecidos. Se, no plano nacional, o capitalsocial e cultural do indivíduo desempenhapapel importante na escolha da instituiçãoe do curso superior, no plano i