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Índice - Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo · supostamente usá-lo quando apresenta a tese do “capitalismo colonial ”4. A despeito das possíveis convergências

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ÍndiceApresentação.................................................... 1

O.Constituinte.Caio.Prado.Jr......................... 2

Peço.a.Palavra:.Sólon.Borges....................... 12

Legislativo.Paulista.na.República.Velha..... 29

Papéis.Avulsos:.Constituição.Santista......... 37

Leis.&.Letras:.Freitas.Valle.......................... 51

Josefina Álvares de Azevedo......................... 65

História.&.Livros........................................... 83

Registro.&.Datas............................................ 86

Memória.Visual:.Avaí

Acervo histórico chega ao seu segundo número. A repercussão positiva de seu lança-mento, expressa em inúmeras mensagens de congratulações e apoio, também toma corpo

pelo aumento de seu número de páginas e, sobretudo, pela ampliação de seu qualificado corpo de colaborado-res, que começa a se espalhar pelo território nacional.Mantendo sua orientação de abrigar as contribuições suscitadas pelas temáticas oriundas da documentação existente na Divisão de Acervo Histórico, nossa revista mantém suas seções “Peço a Palavra!”, dedicada ao Deputado Sólon Borges dos Reis; “Leis & Letras”, en-focando o Deputado e Senador Estadual Freitas Valle, personagem, aliás, de uma recente mini-série veicula-da na TV brasileira; e “Memória Visual”, enfocando a cidade de Avaí. Acervo histórico também abre suas páginas ao exame das propostas de política tributária do deputado Caio Prado Júnior; às lutas de uma das pioneiras da defesa do direito de voto à mulher, a es-critora Josefina Álvares de Azevedo, reproduzindo sua peça teatral a respeito deste tema; ao estudo de uma pioneira Constituição Municipal de Santos, a qual, em 1894, entre outras inovações, deu o direito de voto à mulher santista, mas que acabou anulada; e também à análise da prática política do Legislativo Paulista duran-te a Primeira República.Esperamos que nossa revista continue a agradar.

DIVISÃO DE ACERVO HISTÓRICO

Mesa Diretora

Presidente: Dep. Sidney Beraldo

1º Secretário: Dep. Emídio de Souza

2º Secretário: Dep. José Caldini Crespo

Secretário-Geral Parlamentar: Auro Augusto Caliman

Secretário-Geral de Administração: José Antonio Parimoschi

Departamento de Comunicação: Tom Figueiredo

Divisão de Imprensa: Marta Rangel

Serviço Técnico de Editoração e Produção Gráfica: Maria do Carmo Borges Damim

Departamento de Documentação e Informação: Maria Helena Alves Ferreira

Divisão de Acervo Histórico: Adélia Ribeiro Santos Hinz, Álvaro Weisheimer Carneiro, Christiani Marques Menusier Giancristofaro, Dainis Karepovs, Marcos Couto Gonçalves, Olívia Gurjão, Priscila Pandolfi, Roseli Bittar Guglielmelli, Solange Regina de Castro Bulcão, Suely Campos de Azambuja e Suzete de Freitas Barbosa.

Editor: Dainis Karepovs Editora Executiva: Olívia Gurjão Editor Assistente: Álvaro Weisheimer Carneiro.

Projeto Gráfico: Lígia Gonçalves

Diagramação e Capa: Antonio Carlos Galban Dias

Fotografia: Marco A. Cardelino e Roberto Navarro

Acervo histórico é uma publicação semestral da Divisão de Acervo Histórico da Assem-bléia Legislativa de São Paulo.

Os artigos assinados refletem unicamente as opiniões de seus autores.

Av. Pedro Álvares Cabral, 201 Ibirapuera – São Paulo – SP - 04097-900 Telefones: (11) 3886-6308 / 3886-6530 / 3884-0783 - Tel./Fax: (11) 3886-6309 e-mail: [email protected] Tiragem: 2.000 exemplares

Assembléia Legislativado Estado de São Paulo

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Acervo histórico

O estudo da formação de políticas de tributação só recentemente tem atraído interesse na área das ciências sociais1. E isso, motivado pelas transformações estruturais ocorridas na década de 1980 no que se refere à política de redução do papel do Estado na economia, num quadro de crise fiscal, que acabou por conferir grande destaque às questões relativas à taxação. Desta forma, tais perspectivas inauguraram uma con-juntura internacional de grande envergadura, onde reformas tributárias importantes foram im-plementadas nos países capitalistas avançados na década de 1980 e início da década de 1990. Na Ibero-América, a primeira leva de reformas teve lugar no início da década de 1960. Após um longo interstício, assistiu-se, recentemente, a uma onda de reformas tributárias igualmente importantes, podendo-se identificar nessa se-gunda leva de reformas um momento importante de redefinição estrutural dos sistemas tributários na Ibero-América2.

As iniciativas de reforma no campo tributário no período recente são numerosas e, efetivamente, sugestivas da importância que esse tema passa a ter na agenda pública brasileira. No período que vai da Constituinte de 1986 aos nossos dias as-siste-se a episódios importantes de iniciativas de reforma tributária. Do governo Collor ao governo Lula, o conjunto de medidas recomendadas para a área tributária não parou de ser sugerido. As-sim, o envolvimento que acabou por se estabele-cer entre um intelectual da envergadura de Caio Prado Júnior e a política tributária na Constituinte do Estado de São Paulo em 1947 constitui uma novidade para os estudiosos que se debruçaram

sobre estes temas, até mesmo para aqueles que se dedicaram à compreensão seja de um aspecto seja de outro.

Se as pistas não são várias, não há como se co-brar, até o momento, um balanço da amplitude e do sentido deste encontro. E é justamente este o nosso objetivo: retomar as respectivas partes em questão, articulando-as em um novo conjunto. A idéia é examinar as várias faces da entrada de Caio Prado Júnior no universo da política tributá-ria. Levando adiante algumas pistas lançadas e procurando outras, o nosso intuito é mostrar que os primeiros passos de uma política tributária de esquerda no Brasil são dados segundo a orienta-ção de um roteiro previamente traçado por Caio Prado Júnior.

Mas, é bom frisar, que a entrada de Caio Prado Júnior no campo da política tributária não é ape-nas um encontro fortuito. Além de representar uma espécie de iniciação da esquerda brasileira neste campo – encontro inaugural, portanto –, é através dele que Caio Prado Júnior define o seu lugar como intérprete da política e da sociedade brasileira. Como procuraremos mostrar, é no de-bate com as outras propostas tributárias que o sociólogo problematiza o seu olhar sobre o tema – logo, a sua identidade – na busca da “revolu-ção brasileira”, estabelecendo aí um patamar de observação. Ao dizer isto, entretanto, o nosso propósito é mostrar que foi no corpo a corpo com as demais propostas políticas tributárias e com os seus maiores expoentes que Caio Prado Jú-nior reafirma sua leitura do Brasil e define a sua posição como analista.

Renata Bastos da Silva*

A Política Tributária de Caio Prado Júnior na Constituinte Paulista

* Doutoranda do Curso de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade (CPDA) da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ, onde desenvolve a tese intitulada: O Constituinte Caio Prado Júnior & A Questão Agrária Brasileira. Mestre em História na área de História e Cultura Política pela Universidade Estadual Paulista – Campus de Franca e bacharel em Economia pela Universidade Fluminense. É diretora do Núcleo de Estudos Antonio Gramsci. ([email protected])

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O encontro entre Caio Prado Júnior e a política tributária pode ser aferida a partir de uma série de indícios: a perspectiva crítica adotada na leitura da História econômica do Brasil, sobretudo na história dos impostos e do sistema tributário brasi-leiro; nas campanhas eleitorais onde se ofereceu como candidato em 1945 e 1946 pelo PCB; e, lastbut not least, na sua atuação como constituinte paulista em 1947.

HISTÓRIA ECONÔMICA DO BRASIL

Poucos sabem que do seu exílio na Europa da década de 1930, Caio Prado Júnior vai pedir aos seus que lhe enviem a Histórica econômica do Brasil de Roberto Simonsen.

Publicada no ano do Estado Novo pelo presiden-te da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) essa obra introduz o problema da tributação a partir do tema do déficit da Colônia frente à Metrópole. Em suas palavras: “Estudan-do a história econômica do Brasil, verificaremos os períodos em que a colônia, em seus primei-ros passos, foi deficitária à Coroa portuguesa. Apontaremos as fases em que determinadas zonas econômicas deram saldo real em sua ex-ploração, enquanto outras se apresentavam em situação deficitária.” 3

Tendo esse parâmetro como ponto de partida Simonsen não se oporá à instalação da ditadura do Estado Novo por Vargas e durante a vigência desse regime, acabou por ser um ativo colabo-rador do governo, destacando-se nos trabalhos de órgãos técnicos governamentais voltados ao fomento das atividades econômicas.

Caio Prado Júnior acompanha atentamente a trajetória de Simonsen, inclusive no fatídico 1942, uma vez que o mesmo é nomeado para o con-selho consultivo da Coordenação de Mobilização Econômica, órgão federal que desempenhou importante papel na condução da economia bra-sileira no contexto da Segunda Guerra Mundial. Sabe-se também que Caio Prado Júnior mobiliza um ponto comum ao de Simonsen na exposição e elaboração da sua História econômica do Brasilchegando alguns desavisados a censurá-lo por supostamente usá-lo quando apresenta a tese do “capitalismo colonial”4.

A despeito das possíveis convergências entre eles a respeito de algum ponto são as diferenças mais substantivas entre Caio Prado Júnior e Roberto Simonsen que chamam atenção e elas aparecem na avaliação sobre como superar as heranças le-

gadas pela colonização e, mais especificamente, como entender a tributação. Enquanto o primeiro autor dá uma maior importância ao tema, já que ressalta a incapacidade de se mudar a orienta-ção da tributação na economia desde a colônia, o segundo ressalta o sentido da modernização conservadora dos impostos.

De certa maneira, História econômica do Brasil, 1500-1820 está presa ao passado patrimonial, enquanto que História econômica do Brasil está desejosa de construir o país do futuro.

Caio Prado Júnior ressalta que a República her-dou do Império boa parte do sentido da estrutura tributária que esteve em vigor até a década de 1930. Sendo a economia eminentemente agrícola e extremamente aberta, a principal fonte de recei-tas do governo durante o Império era o comércio exterior, particularmente o imposto de importação que, em alguns exercícios, chegou a correspon-der a cerca de 2/3 da receita do governo. Às vés-peras da proclamação da República este imposto era responsável por aproximadamente metade da receita total do governo.

Caio Prado Júnior aponta que a Constituição de 24 de fevereiro de 1891 adotou, sem maiores modificações, a composição do sistema tributá-rio existente ao final do Império. Porém, tendo

Caio Prado Junior, na cidade paulistade Campos do Jordão, em 1943

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Acervo histórico

em vista a adoção do regime federativo, era necessário equipar os estados e municípios de receitas que lhes permitissem a existência efetiva e operacional. Foi adotado o regime de separa-ção de fontes tributárias, sendo discriminados os impostos de competência exclusiva da União e dos estados. À União couberam privativamente o imposto de importação, os direitos de entrada, saída e estadia de navios, taxas de selo e taxas de correios e telégrafos federais; aos estados, foi concedida a competência exclusiva para decretar impostos sobre a exportação, sobre imóveis rurais e urbanos, sobre a transmissão de propriedades e sobre indústrias e profissões, além de taxas de selo e contribuições concernentes a seus correios e telégrafos. Quanto aos municípios, ficaram os estados encarregados de fixar os impostos mu-nicipais de forma a assegurar-lhes as suas pre-senças autenticamente. Além disto, tanto a União como os estados tinham poder para criar outras receitas tributárias5.

Observa História econômica do Brasil que os im-postos discriminados na Constituição são tributos sobre o comércio exterior ou impostos tradicio-nais sobre a propriedade ou sobre a produção e as transações internas. Existiam ainda à época da proclamação da República impostos sobre vencimentos pagos por cofres imperiais e sobre benefícios distribuídos por sociedades anônimas. Rendas de diversas outras fontes foram incorpora-das à base tributária durante as primeiras décadas da República mas, somente a partir de 1924, o go-verno instituiu um imposto de renda geral6. Quanto à tributação de fluxos internos de produtos, desde 1892 foi estabelecida a cobrança de um imposto sobre o fumo. Ainda antes do final do século a tri-butação foi estendida a outros produtos, estabele-cendo-se o imposto de consumo. No exercício de 1922 foi criado o imposto sobre vendas mercantis, mais tarde denominado imposto de vendas e con-signações e transferido para a órbita estadual.

Caio Prado Júnior nota que durante todo o perío-do anterior à Constituição de 1934, o imposto de importação manteve-se como a principal fonte de receita da União. Até o início da Primeira Guerra Mundial, ele foi responsável por cerca de metade da receita total da União, enquanto o imposto de consumo correspondia a aproximadamente 10% da mesma. A redução dos fluxos de comércio exterior devido ao conflito obrigou o governo a buscar receita através da tributação de bases domésticas. Cresceu então a importância relativa do imposto de consumo e dos diversos impostos sobre rendimentos, tanto devido ao crescimento da receita destes impostos – definitivo para o

primeiro e temporário no segundo – como à re-dução da arrecadação do imposto de importação. Terminada a Guerra, a receita do imposto de im-portação tornou a crescer, mas sua importância relativa continuou menor que no período anterior (em torno de 35% da receita total da União na década de 1920 e início dos anos de 1930). Na órbita estadual, o imposto de exportação era a principal fonte de receita, gerando mais que 40% dos recursos destes governos.

Cabe notar que este imposto era cobrado tanto sobre as exportações para o exterior como nas operações interestaduais. Outros tributos relativa-mente importantes eram o imposto de transmis-são de propriedade e o imposto sobre indústrias e profissões. O último era também a principal fonte de receita tributária municipal, secundado pelo imposto predial.

História econômica do Brasil não deixa passar que a Constituição de 1934 e diversas leis des-ta época promoveram importantes alterações na estrutura tributária do país, deixando-o em condições de ingressar num novo momento da história dos sistemas tributários, aquela em que predominam os impostos internos sobre produtos. As principais modificações ocorreram nas órbitas estadual e municipal. Os estados foram dotados de competência privativa para decretar o imposto de vendas e consignações, ao mesmo tempo em que se proibia a cobrança do imposto de exporta-ções em transações interestaduais e limitava-se a alíquota deste imposto a um máximo de 10%. Quanto aos municípios, a partir da Constituição de 16 de julho de 1934, passaram a ter competên-cia privativa para decretar alguns tributos7. Outra inovação da Constituição de 1934 foi repartir a receita de impostos entre diferentes esferas de governo. Tanto a União como os estados manti-veram a competência para criar outros impostos, além dos que lhes eram atribuídos privativamen-te, mas tais impostos seriam arrecadados pelos estados que entregariam 30% da arrecadação à União e 20% ao município de onde originasse a arrecadação. Também o imposto de indústrias e profissões, cobrado pelos estados, teria sua ar-recadação repartida entre estados e municípios, cabendo a cada um metade da mesma.

Caio Prado Júnior, no exílio, fica sabendo que a Constituição de 10 de novembro de 1937 pouco modificou o sistema tributário estabelecido pela Constituição anterior.

Interessante observar como História econômica do Brasil8 mostra que em relação a 1934, 1937

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impõem aos estados a perda da competência privativa para tributar o consumo de combustíveis de motor de explosão e aos municípios a com-petência para tributar a renda das propriedades rurais. Por outro lado, o campo residual passou a pertencer somente aos estados, sem qualquer repartição da arrecadação. Em 1940, a Lei Cons-titucional n.º 3 vedou aos estados o lançamento de tributos sobre o carvão mineral nacional e sobre combustíveis e lubrificantes líquidos e a Lei Constitucional n.º 4 incluiu na competência priva-tiva da União o imposto único sobre a produção, o comércio, a distribuição, o consumo, a importação e a exportação de carvão mineral e dos combustí-veis e lubrificantes líquidos de qualquer origem9.

Em face das limitações impostas à cobrança do imposto de exportação pela Constituição de 1934, o imposto de vendas e consignações tornou-se rapidamente a principal fonte de receita estadual correspondendo, no início da década de 1940, a cerca de 45% da receita tributária dos estados, enquanto a participação do imposto de exporta-ção caía para pouco mais que 10%, inferior às dos impostos de transmissão inter vivos e de indústrias e profissões.

Assim, como se vê, Caio Prado Júnior às véspe-ras de sua campanha eleitoral para a constituinte de 1946, se encontrava muito bem informado sobre os caminhos e descaminhos do nosso sis-tema tributário. Pois, para além de um interesse específico que mereceria um tratamento à parte, esse temário, afinal, trata de um ponto de inflexão definidora dos rumos do país e da sua esquerda dentro e fora da estrutura do mundo.

AS ProPoSTAS DE PoLíTICA TrIBuTárIA Do CAnDIDATo CAIo PrADo JúnIor

O processo de formação da agenda da reforma tributária dos anos da redemocratização repre-senta, em grande medida, uma tentativa de des-construção da agenda que balizou os trabalhos após a Constituição de 1937. Fortemente autori-tária, complexa e expansionista do ponto de vista das instituições fiscais, e em nada redistributiva e inclusiva do ponto de vista social, essa agenda vai gradativamente cedendo lugar a uma agenda balizada pela necessidade de integração competi-tiva ao mercado internacional, simplificação e har-monização tributária, recuperação da capacidade fiscal e tributária da Federação, e enfoque atuarial do financiamento da política social.

O processo do autoritarismo fiscal no Brasil tam-bém apresenta um timing específico que teve

fortes repercussões sobre a formação da nova agenda tributária. O arresto fiscal pela União caminhou pari passu ao processo de estabiliza-ção autoritária política. Devido a essa vinculação viciosa, os efeitos perversos dela sobre o federa-lismo fiscal pós-Constitução de 1937 – dentre os quais a submissão absoluta das finanças estadu-ais e municipais – assumiram grande relevância na agenda pública da redemocratização.

O arranjo institucional na área tributária decorren-te da Constituição de 1937 significou, efetivamen-te, uma transferência real de renda dos estados e municípios para a União. Neste processo, os municípios foram os mais prejudicados, ocorren-do uma substancial perda relativa da sua partici-pação na receita fiscal do país.

Desta forma, o tema dominante das elites po-líticas, empresariais e burocráticas em relação às normas constitucionais autoritárias referia-se ao estrangulamento dos recursos para estados e municípios com o peso das suas obrigações constitucionais correspondentes. Em outras pa-lavras, os municípios perderam recursos, mas foram mantidos os mesmos encargos.

Embora os municípios permanecessem pratica-mente com as mesmas atribuições anteriores à promulgação da Carta de 1937, a sua incapaci-dade de manter os níveis históricos de investi-mentos em infra-estrutura e em políticas sociais acarretou uma espécie de “intervenção selva-gem” em suas atividades pelo governo federal. Em função desse status quo, o acirramento do comportamento autoritário do Tesouro Nacional acompanhou uma forte deterioração das contas públicas e diminuição dos graus de liberdade fis-cal do próprio governo federal. Nesse contexto, os estados e municípios passaram a se constituir em atores institucionais privilegiados do conflito fiscal federativo e intragovernamental.

Com isso a área fazendária e de planejamento do governo federal passou a se mobilizar em torno da questão da rigidez orçamentária. O governo federal decidiu patrocinar iniciativas que visavam reter ainda mais as parcelas das transferências constitucionais aos estados e municípios e retirar parcelas dos recursos que compunham as fontes dessas transferências. Essa disputa federativa se desenrolou grada-tivamente e ganhou certa permanência com a Segunda Guerra Mundial. Pela importância que essa disputa vinha assumindo, podemos afirmar que ela se constituiu numa dimensão essencial do conflito político, fiscal e distributivo brasileiro,

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Acervo histórico

se tornando uma agenda fortíssima na redemo-cratização.

No plano federativo mais amplo, observou-se forte expansão do gasto e do endividamento dos governos estaduais. Dispondo de instrumentos para ampliar suas dívidas mobiliárias, os estados buscaram permanentemente escapar ao contro-le das autoridades monetárias. A questão das finanças subnacionais gradativamente passou a ter grande visibilidade na agenda pública, como fonte de ingovernabilidade fiscal.

Esse é o pano de fundo sobre o qual se formou as propostas de política tributária no período pós-Es-tado Novo. Essas propostas estavam ancoradas na idéia de ingovernabilidade fiscal, patologias fiscais associadas aos excessos do autoritarismo tributário (endividamento dos estados, guerra fis-cal, entre outros) e colapso fiscal dos municípios.

Além disso, a busca de uma nova agenda se baseava também nos requisitos empresariais da redução da carga fiscal global – a redução dos impostos do país. Estas idéias passaram a com-por o repertório intelectual dominante na nova agenda e sinalizava a necessidade de redução das contribuições sociais, de desoneração das exportações e de eliminação dos impostos cumulativos.

É contra esta pauta que Caio Prado Júnior vai se apresentar como candidato entre 1945 (deputado federal) e 1947 (deputado estadual). Sua plata-forma, esboçada preliminarmente em Históriaeconômica do Brasil, com o andamento das con-

junturas eleitorais, vai num crescendo em dramaticida-de e conteúdo. Caio Prado Júnior, ao recuperar as raízes históricas da análise da questão tributária bra-sileira, acaba por remeter à própria constituição das sociedades capitalistas.

Para tal, Caio Prado Júnior constrói seus antecedentes históricos partindo dos con-tratualistas, chegando até Keynes, entendendo desde sempre que a relação entre o poder conferido ao Esta-do de tributar e os efeitos decorrentes da execução deste ato – sobre produ-ção, consumo e distribuição

de renda – constituiu uma área do conhecimento que possui raízes profundas nas ciências social e econômica10.

Na idéia do Contrato Social, formulada e desen-volvida pelos pensadores da formação do Estado Moderno – Hobbes e Locke –, o pagamento de tributos dos súditos ao soberano é o elemento básico para a sua constituição. É através deste mecanismo - o imposto – que se financia o Esta-do, permitindo a este se armar para providenciar a defesa dos súditos de agressões externas, o que em última instância vem a ser o motivo racional elementar (comum aos dois autores) pelo qual os indivíduos abrem mão de sua individualidade natural e constituem uma sociedade.

É interessante notar que a visão desses contratu-alistas corresponderia, na teoria moderna da tri-butação, ao princípio do benefício. Este princípio postula que um sistema tributário é eqüitativo se o contribuinte recebe serviços públicos correspon-dentes ao volume de impostos que paga11.

Em contrapartida, a concepção do problema elaborada pelo contratualismo de Rousseau e, posteriormente, reconduzida por John Stuart Mill estaria vinculada ao princípio da capacidade de pagamento, segundo o qual indivíduos com capacidades iguais devem pagar montantes de impostos iguais, enquanto que aqueles com ca-pacidades diferentes devem ser tributados dife-renciadamente12. Nas palavras de Rousseau:

“(...) quanto à igualdade, não se deve entender por essa palavra que sejam absolutamente os

junturas eleitorais, vai num crescendo em dramaticidade e conteúdo. Caio Prado Júnior, ao recuperar as raízes históricas da análise da questão tributária brasileira, acaba por remeter à própria constituição das sociedades capitalistas.

Para tal, Caio Prado Júnior constrói seus antecedentes históricos partindo dos contratualistas, chegando até Keynes, entendendo desde sempre que a relação entre o poder conferido ao Estado de tributar e os efeitos

Caio Prado recebendo seu diploma de deputado estadualdas mãos do desembargador Mário Guimarães

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mesmos os graus de poder e de riqueza, mas, quanto ao poder, que esteja distanciado de qual-quer violência e nunca se exerça senão em vir-tude do posto e das leis e, quanto à riqueza, que nenhum cidadão seja suficientemente opulento para poder comprar um outro e não haja nenhum tão pobre que se veja constrangido a vender-se; o que supõe, nos grandes, moderação de bens e de crédito e, nos pequenos, moderação da avareza e da cupidez.

Tal igualdade, dizem, é uma quimera do espírito especulativo, que não pode existir na prática. Mas, se o abuso é inevitável, segue-se que não precisemos pelo menos regulamentá-lo? Preci-samente por sempre tender a força das coisas a destruir a igualdade, a força da legislação deve sempre tender a mantê-la.” 13

Na economia política clássica, Caio Prado Júnior vai buscar nas obras de Adam Smith e de John Stuart Mill as maiores contribuições à questão distributiva implícita na tributação.

Em A Riqueza das Nações, ao se referir aos prin-cípios gerais de acordo com os quais todos os impostos devem se ajustar, Adam Smith enun-ciou como princípio geral que a equidade deve

ser uma meta do sistema tributário, tanto pelo critério do benefício – visto naquela sentença como a proteção recebida pelo Estado –, como pelo da capacidade de pagamento, entendido como a renda com a qual ele contribui para esta proteção.

Já John Stuart Mill, em seus Princípios de Eco-nomia Política, sustentou que deve prevalecer a eqüidade em matéria de impostos pela razão básica de que assim deve ser em todas as ques-tões de governo. Em suas palavras: “Assim como o governo não deve fazer distinção alguma entre pessoas ou classes no que respeita às reivindi-cações que estas possam fazer-lhe”, diz ele, “os sacrifícios que ele exija devem, por assim dizer, pressionar a todos por igual na medida do pos-sível (...). A igualdade na imposição, como uma máxima na política, significa, por conseguinte, igualdade no sacrifício”14.

Cabe registrar, que é neste ponto da sua reflexão, que Caio Prado Júnior chega a Karl Marx. Com a sua fina percepção, recolhe de O Manifesto Comunista que, dentre as medidas que neces-sariamente teriam que ser tomadas pelas classes subalternas em países avançados quando estas alcançassem a posição de classe governante (de-

Instalação da Assembléia Constituinte de 1947. Na primeira fileira o deputado Vicente de Paula Lima (UDN), na segunda, ocupada pela bancada comunista, estão os deputados João Sanches Segura e Mautílio Muraro – entre eles, na fileira detrás, o também comunista João Taibo Cadorniga – , ainda na segunda fileira, estão os deputados Caio Prado Junior, Estocel de Moraes e Milton Cayres de Brito, todos do PCB

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Acervo histórico

pois de vencida a “batalha da democracia”), para revolucionar o mundo burguês, estariam, além da abolição da propriedade da terra e de todo direito de herança, entre outras medidas, um pesado imposto progressivo15.

Desnecessário dizer que Caio Prado Júnior tem em mente tal passagem para a sua interpretação do Brasil e de como ela vai se deparar com os diagnósticos de fins do século XIX e início do século XX, derivados do desenvolvimento da abordagem teórica marginalista, no âmbito da chamada economia neoclássica, que se consti-tuíram as bases da moderna teoria da tributação aqui e em alhures. Caio Prado Júnior notará que é nesta escola do pensamento econômico que a análise da questão da tributação e de seus refle-xos distributivos passa a remeter à introdução de componentes de progressividade na incidência tributária. A equidade no tratamento tributário dos contribuintes é tratada sob a ótica da perda de utilidade a que os indivíduos são submetidos ao serem tributados. É na escola econômica neoclássica que ganham corpo as teorias de tributação progressiva que, a partir da revolução empreendida por Keynes, vêm permeando as dis-cussões sobre incidência tributária até hoje.

Assim, ao fim e ao cabo identificamos, grosso modo, as duas grandes correntes de pensamento na interpretação do problema tributário no período entre 1945 e 1947. Uma, a dominante, em que os aspectos distributivos da incidência tributária em uma economia são relegados a segundo plano ou, no máximo, considerados apenas de manei-ra implícita no desenho do sistema arrecadador. Nesta visão, assumia-se que, para uma dada distribuição de renda, a tributação deve ter sua interferência restringida, no sentido de minimizar as perdas de eficiência econômica decorrentes da incidência do tributo.

A segunda, minoritária e onde Caio Prado Júnior era seu formulador e expoente, explicita que a tributação deve ter, necessariamente, uma fun-ção redistributiva na economia. A distribuição de renda se coloca, assim, como uma variável a ser determinada pela configuração do sistema tributário. Neste sentido, esta concepção assume que os princípios de eqüidade e de justiça fiscal devem figurar entre os objetivos principais no de-senho ou na reforma de sistemas tributários.

Todavia, infelizmente é forçoso reconhecer que as discussões nas campanhas constituintes de 1945 e 1947, quanto à questão tributária no país, esti-veram muito distantes dos grandes debates que

tais perspectivas teóricas e políticas impunham para o tratamento do assunto. Neste sentido, é desapontador para nós analistas constatarmos que se perdeu (quiçá hoje não estarmos indo pelo mesmo caminho) uma rara oportunidade de se aproveitar dois movimentos convergentes à época - a reforma tributária e o clima favorável ao tratamento das questões sociais oriundas ambas do processo de redemocratização - para operar transformações de monta na estrutura distributiva brasileira.

A PoLíTICA TrIBuTárIA DE CAIo PrADo JúnIor nA ConSTITuInTE PAuLISTA

Como desenlace da campanha de 1945, a Constituição de 18 de setembro de 1946 trouxe poucas modificações no que concerne ao elenco de tributos utilizados no país. Ela mostra, entre-tanto, a intenção de aumentar a dotação de re-cursos dos municípios. Dois novos impostos são adicionados à sua área de competência: o im-posto sobre atos de sua economia ou assuntos de sua competência (imposto do selo municipal) e o imposto de indústrias e profissões, o último pertencente anteriormente aos estados, mas já arrecadado em parte pelos municípios. Estas unidades de governo passam também a partici-par (excluídos os municípios de capitais) de 10% da arrecadação do Imposto de Renda (IR) e de 30% do excesso sobre a arrecadação municipal da arrecadação estadual (exclusive imposto de exportação) no território do município, bem como do imposto único sobre combustíveis e lubrificantes, energia elétrica e minerais do país, de competência da União.

Os estados, que haviam perdido em 1940 o direito de tributar os combustíveis, passaram também a ter participação no imposto único, mas cederam integralmente o imposto de indústrias e profissões aos municípios e tiveram a alíquota máxima do im-posto de exportação limitada a 5%. A competência residual voltou a ser exercida pela União e pelos estados, estes recolhendo os impostos que vies-sem a ser criados e entregando 20% do produto da arrecadação à União e 40% aos municípios.

Assim, embora não tenha promovido uma reforma da estrutura tributária, a Constituição de 1946 mo-dificou profundamente a discriminação de rendas entre as esferas do governo, institucionalizando um sistema de transferências de impostos16.

A intenção da Constituição de 1946 de reforçar as finanças municipais não se transformou em rea-lidade por diversos motivos. Primeiro, a maioria

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dos estados jamais transferiu para os municípios os 30% do excesso de arrecadação. Segundo, as cotas de IR só começaram a ser distribuídas em 1948 e eram calculadas em um ano, com base na arrecadação do período anterior, para distribuição no ano seguinte; em conseqüência, os municípios recebiam cotas cujo valor real já fora corroído pela inflação. Terceiro, estas cotas (e, mais tarde, as do imposto de consumo) eram distribuídas igualmente entre os municípios, o que gerou, através de desmembramentos, um rápido crescimento do número dos mesmos. Com essa situação instalada o constituinte paulista Caio Prado Júnior entendia que a Cons-tituição de 1946 não desenhara uma ordem ins-titucional e federativa significativamente distinta da anterior. Ainda que voltada para a legitimação da democracia, os constituintes de 1946 optaram pela combinação de sistema presidencialista de governo com organização federativa do Estado nacional que, já naquela época, não era nada comum entre as democracias contemporâneas.

O constituinte Caio Prado Júnior, vice-líder da bancada do PCB, entendia ainda que no Brasil, ademais, essa combinação foi acompanhada de

uma significativa variedade no que concernia aos sistemas tributários e partidários de cada estado e região. Tínhamos então em nosso país não só a possibilidade de reprodução do presidencialismo no nível estadual, o que de imediato suscitava a possibilidade do problema do relacionamento entre o Executivo e o Legislativo neste nível de governo, mas também a diversidade de experi-ências quanto ao desenvolvimento do sistema partidário.

Os principais efeitos da combinação desses aspectos na nossa redemocratização do pós-Se-gunda Guerra são a configuração de um quadro institucional de grande complexidade e um enor-me desafio para os políticos.

O constituinte Caio Prado Júnior vai mobilizar jus-tamente esta complexa trama para tentar introdu-zir no sistema tributário do Estado de São Paulo a diminuição da concentração dos impostos sobre o consumo e em contrapartida dirigir o ajuste para a propriedade territorial rural17.

Para isso Caio Prado Júnior responsabilizava essa concentração pelos problemas financeiros ademais, essa combinação foi acompanhada de essa concentração pelos problemas financeiros

Reunião da Comissão Especial de Constituição, em 18 de abril de 1947. Sentados à mesa estão os deputados Padre Carvalho, Sebastião Carneiro, Epaminondas Lobo, Motta Bicudo, Pinheiro Júnior – em pé, o jornalista Sólon Borges dos Reis – Milton Cayres de Brito, Lincoln Feliciano, Brasilio Machado, Caio Prado Junior , Bravo Caldeira, Loureiro Junior e Osny Silveira

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Acervo histórico

da gestão do estado, e também pelo risco perma-nente de enfraquecimento do sistema federativo, além dos atrasos burocráticos e de processo decisório, corrupção e desperdício. Os outros objetivos da política tributária do constituinte Caio Prado Júnior eram: a) fortalecer as finanças mu-nicipais; b) democratizar as responsabilidades; c) redistribuir recursos, dando tratamento privilegia-do às regiões menos desenvolvidas; e, d) tornar o sistema tributário mais transparente e acessível à cidadania18.

Se compararmos a estrutura tributária propos-ta pelo constituinte Caio Prado Júnior e a que acabou sendo aprovada, encontramos o se-guinte: a) as mudanças na moldura do sistema tributário ocorridas entre o primeiro e o estágio final do processo constituinte foram pequenas no que se refere aos impostos estaduais, o que indica uma hegemonia clara em relação às per-das tributárias para o consumo; b) as disputas entre os conservadores e os democratas foram acirradas, o que explica as inúmeras mudan-ças ao longo do processo; e, c) a propriedade da terra foi preservada, o que significa que os conservadores tiveram mais poder na hora da decisão19.

O constituinte Caio Prado Júnior, ao término dos seus trabalhos, concluiu que as questões rela-cionadas com a organização do Estado e com o sistema tributário durante o processo cons-tituinte foram menos voltadas para formular e implementar políticas públicas e mais para aten-der a demandas locais, regionais, corporativas e individuais. Mas, o próprio Caio Prado Júnior assinalaria que essas características não eram uma idiossincrasia brasileira.

Contudo, apesar da assembléia constituinte pau-lista de 1947 ter sido, por natureza, paroquial, Caio Prado Júnior defendeu até as suas últimas forças os interesses dos eleitores. Apesar de uma certa desconfiança existente que pairava no ar, os constituintes hegemônicos assumiram o risco de aumentar o poder do governador. Mas era um risco calculado. Havia, na surdina, a cassação de registros partidários e, no limite, de mandatos e de eleições. Tudo para confirmar o conteúdo localista, regionalista, corporativi-zado e individualizado de diversos aspectos da Assembléia Constituinte Paulista. Daí que a de-núncia de Caio Prado Júnior era formulada nos seguintes termos:

1) Os constituintes abraçaram um modelo anti-popular para a questão tributária, para acabarem

por repetir muito do que era caro ao regime dos interventores estadonovistas.

2) Em nome da restauração do federalismo e das finanças estaduais, muitas medidas foram atropeladas e não negociadas, daí os conflitos e as tensões decorrentes desses dois institutos ultrapassarem a questão da política-administra-tiva para as esferas das questões de políticas partidárias.

3) A opção preferencial pelo conservadorismo tributário teve duas conseqüências principais: a) promoveu uma modernização da esfera estadual; e, b) limitou a possibilidade de enfrentar questões candentes, como a adoção de mecanismos capa-zes de promover uma melhor equalização fiscal entre o estado e os municípios, isso para não falar da cidadania.

A opção pelo conservadorismo tributário mostra-va também o caráter consociativo do federalismo brasileiro e da própria redemocratização.

E, para finalizarmos, cabe reter que a política tributária do constituinte Caio Prado Júnior im-plicava benefícios difusos e perdas concentradas - o padrão exatamente oposto àquele que acabou por prevalecer. Como explicar que uma política tributária com esse perfil fosse derrotada, na me-dida em que enfrentou forte resistência por parte de diversos grupos?

A resposta é que não ocorreu a difusão desse novo paradigma de política de tributação e, por conseguinte, não produziu um consenso entre grupos de interesse na esfera pública em torno da “boa política pública”. Claro que essa explicação contrasta com a própria experiência da constituinte paulista de 1947, pois, embora se observe, nesse caso, um papel igualmente importante das elites e da burocracia estadual - e alguma convergência programática entre as propostas no âmbito mais geral -, verificou-se grande dissenso com raízes nos elementos consociativos da estrutura federativa brasileira e da redemocratização. Na realidade, Caio Prado Júnior é derrotado por que a questão federativa subsumiu as questões relativas à tributação da propriedade e da renda. Essa conclusão é que levou Caio Prado Júnior a sugerir que a questão federativa estava no cerne do conflito distributi-vo e, por extensão, do conflito político no país à época, quiçá nos dias que correm.

Rio de Janeiro, 12 de junho de 2003 - 12 de junho de 2004

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1 Sobre essa tendência recente ver BEAM, David R., CONLAN, Timothy J. e WRIGHTSON, Marga-ret T. Solving the Riddle of Tax Reform: Party Competition and the Politics of Ideas. Political Science Quarterly, Vol. 105, N.º 2, Summer, 1990; e, BOYLAN, Delia M. Taxation and Transition: The Politics of The 1990 Chilean Tax Reform. Latin American Research Review, Vol. 31, N.º 1, 1996.

2 Cf. BIRD, Richard M. Tax Reform in Latin América: A Review of Some Recent Experiences. Latin America Research Review, Vol. 27, N.º 1, 1992.

3 Cf. SIMONSEN, Roberto C. História econômica do Brasil, 1500-1820. São Paulo, Editora Nacional, 1937, 2 v.

4 Cf. TOPALOV, Christian. Estruturas agrárias brasileiras. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1978.

5 Cf. Constituição de 24 de fevereiro de 1891, arts. 7º, 9º, 10, 11, 12 e 68. A reforma constitucional de 7 de setembro de 1926 não alterou as disposições referentes à tributação.

6 Cf. Lei nº 4.783, de 31 de dezembro de 1923.

7 Imposto de licenças, imposto predial e territorial urbano, imposto sobre diversões públicas e impos-to cedular sobre a renda de imóveis rurais, além de taxas sobre serviços municipais.

8 Cf. PRADO JÚNIOR, Caio. História econômica do Brasil. São Paulo, Editora Brasiliense, 1945.

9 Lei Constitucional n.º 3, de 18 de setembro de 1940, e Lei Constitucional n.º 4, de 20 de setembro de 1940.

10 Caio Prado Júnior sabia que uma resenha ampla e aprofundada da vasta literatura que tratava da tributação e seus impactos distributivos era tarefa complexa, que certamente fugiria aos objetivos de uma campanha política eleitoral. Entretanto, pretendeu, por conseguinte, tão-somente fornecer uma idéia de como esta questão era antiga nas teorias sociais e econômicas, indicando que as dis-cussões na literatura a época possuíam sólidas bases.

11 Sobre a questão da tributação nos contratualistas Cf. PENA, M.V.J.V. O Surgimento do Imposto de Renda: Um Estudo sobre a relação entre Estado e Mercado no Brasil. DADOS - Revista de Ciências Sociais. Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro, vol. 35, nº 3, 1992, p. 337-370.

12 Importa reter que o critério do benefício negligencia, por assim dizer, o caráter redistributivo que o sistema tributário pode vir a ter. Este caráter, contudo, está explícito na abordagem da capacidade de pagamento.

13 Cf. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social, Capitulo X. 2. ed. São Paulo, Abril Cultural, 1978, (Os pensadores).

14 Cf. MILL, John Stuart. Princípios de Economia Política, Livro V, Capitulo II, § 2. Fundo de Cultura Econômica, México, 1943.

15 Cf. MARX, Karl & ENGELS, Friederich, O Manifesto Comunista, Capitulo 2. Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1997.

16 Cf. LAFER, Horacio. Descriminação de Rendas. In: Diário da Assembléia. Rio de Janeiro, 26 de março de 1946. Horacio Lafer (1900-1965) foi Relator da Comissão de Investigação Econômica e Social.

17 Cf. PRADO JÚNIOR, Caio. Caio Prado Júnior - Parlamentar Paulista. São Paulo, Assembléia Le-gislativa do Estado de São Paulo, (Parlamentares Paulistas), 2003, p. 80-104.

18 Op. Cit., p. 104-111.

19 Cf. PRADO JÚNIOR., Caio. Ainda a Questão Tributaria. In: Anais da Assembléia Constituinte. São Paulo, 68ª Sessão Ordinária em 12 de junho de 1947.

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Acervo histórico

Sólon Borges dos Reis, educador, jornalista,poeta, escritor, foi deputado estadual por 20 anos consecutivos. É presidente do Instituto de Estudos Educacionais Professor Sud Mennucci1(INESTE), do Centro do Professorado Paulista (CPP), desde sua criação, em 1997.

Sólon esteve à frente do CPP durante quatro dé-cadas, período em que a entidade construiu um edifício-sede de oito andares, na Avenida Liber-dade, formou um patrimônio que consiste em clu-bes, colônias, campos esportivos e prédios, além de ganhar notoriedade nacional e internacional.

Seus mandatos parlamentares selaram o compro-misso do deputado-educador com seu lema: “Só a educação do povo pode conduzir o Brasil a um grande destino”.

O perfil a seguir é fruto de dois de-poimentos prestados pelo profes-sor à equipe do Acervo Histórico2

– um deles na sede do INESTE e outro na Assembléia Legislativa, com registro de imagens feito pela TV Assembléia, nos dias 3 e 6 de agosto de 2004, respectivamente – e pesquisa realizada nos arqui-vos da Assembléia Legislativa, no Instituto Sud Mennucci e nos sites das entidades citadas. Para rea-lizarmos este trabalho contamos com o apoio de Renato Casaro, neto do professor Sólon Borges, e Damaris de Oliveira Gandolfi, sua assistente no INESTE.

NA ROTA DAS FERROVIAS

Sólon Borges dos Reis nasceu em Casa Branca, interior de São Paulo, no dia 27 de junho de 1917, filho de Flávia e Júlio Borges dos Reis. Os pais chegaram à cidade poucos dias antes do seu nascimento, vindos de Guaxupé, em Minas Gerais. A morte precoce do primeiro filho do casal, Bernardino, no dia 20 de junho, fez com que adiantassem o retorno à Casa Branca, cidade onde se conheceram e casaram. Nem o receio da viagem de trem, pelo adiantado estado da gestação, conseguiu adiar a decisão do casal.

A estada da família em Casa Branca, no entanto, durou pouco, só o tempo necessário para cuidar do récem-nascido e novamente encarar a ferrovia

Olívia Gurjão*

* Jornalista, graduada em Comunicação Social pela Fundação Cásper Líbero; cursa especialização em Governo e Poder Legislativo no ILP/UNESP. É funcionária do Acervo Histórico da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. ([email protected])

Um parlamentara serviço da Educação

Peço a Palavra

Sólon Borges dos Reis durante o depoimento prestado à equipe do Acervo Histórico, em 3 de agosto de 2004

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rumo à Barra do Piraí, no Rio de Janeiro, no dia 5 de julho. O pai era gerente das lojas Singer, especializada em máquinas de costura e a mu-dança de cidades acompanhava a abertura de novas lojas. O convívio precoce com o balanço do trem despertou em Sólon uma paixão descrita em prosa e verso, como mostra o fragmento de seu poema Sobre os Trilhos:

No banco do vagão de passageiros,Ao balanço do trem, a luz mortiçaVelando pelo sono da criançaNo regaço da mãe extenuada...

Descendente de portugueses, Júlio estudou em Coimbra, escrevia poemas e deixou dois romances inacabados. Sua esposa, cuja beleza conquistara concursos de fotografia, descendia de italianos. Tinha habilidade para trabalhos manuais e paixão por nomes clássicos. A família de imigrantes vivia na região de Campinas, onde cresceu Sólon.

LEMBRANÇAS DA INFÂNCIA

Em Barra do Piraí o casal gerou mais três filhos, Varo, Ernane e um “que não vingou”. Da cidade a lembrança dos meninos pobres que comiam na tampa do queijo Palmira e brincavam nas ruas;

do Rio Piraí que deságua no Rio Paraíba do Sul... Sólon mergulha no tempo e, com um sorriso, lembra da Ferrovia Central do Brasil. Mãos dadas com o pai, às vésperas de completar seus cinco anos de idade, foi ver os aviadores portugueses Sacadura Cabral e Gago Coutinho, que em 1922 concluíram a célebre travessia do Atlântico Sul3.

Aos cinco anos Sólon mudou-se para Campinas. O pai, doente, precisou retornar a São Paulo. A região de Campinas tinha mais recursos de atendimento à saúde e a família da esposa ajudaria a cuidar das crianças. Diagnosticada a tuberculose, Júlio Borges dos Reis foi para São José dos Campos, onde faleceu aos 32 anos. O menino Sólon foi internado no Liceu Nossa Senhora Auxiliadora, colégio salesiano, na turma dos menores.

A saudade da família, a lembrança do casario an-tigo, de janelas só na frente, onde residiam com a avó Anunciata, no Largo do Mercado, fez o meni-no saltar o muro do pomar e ganhar a rua. Voltou à cidade, mas novamente foi conduzido ao Liceu. Porém, a estadia durou pouco. Com seu saco de roupas sujas, estampado o número 82, foi à rou-paria da unidade e encontrou nova chance para a fuga. Desta feita um carroceiro o levou para casa e Sólon não foi mais aceito no Liceu.

O deputado Sólon Borges conversa com professores na antiga sede daAssembléia Legislativa, no Palácio das Indústrias, em 1961

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Finalmente conseguira desfrutar os folguedos com as crianças, as brincadeiras na enxurrada... A lembranças das cadeiras nas calçadas, da che-gada do circo, outra paixão de sua infância, das fogueiras, dos balões, das frutas apanhadas no pé... Em seu poema Sonho, Sólon registra:

Se fosse para sonhar com o mundo das calçadas e quintaise com os brinquedosdo tempo em que a gente pulava sela,valeria a pena dormira vida inteira...

O seu encontro com a Educação se deu no Gru-po Escolar Francisco Glicério, o mais antigo de Campinas, onde cursou o primário, o ginásio e a Escola Normal. O curso primário era anexo à Escola Normal. Ele lembra que estudou 10 anos nesta escola. No primário foi aluno de Dona Jan-dira, que reencontrou mais tarde em São Paulo e, junto com outros amigos, cuidou até a morte.

O menino Sólon tentou mais uma aventura: em-barcar para São Paulo! Não tinha idéia do que faria na cidade, mas o fascínio pela estação, a viagem no trem...

Foi resgatado pelo tio garçom, que o segurou pelo braço e ordenou:

– Vamos prá casa, Solito!Vamos prá casa, Solito!

Rindo, conta que até hoje é grato ao tio e, por isso, tem muita consideração com quem é garçom.

O PRECOCE ADOLESCENTE

Solito não veio para São Paulo, continuou seus estudos em Campinas, mas manteve a preco-cidade. Ainda estudante, iniciou sua carreira de jornalista. Escrevia no Diário do Povo a coluna literária “Minuto de Eva” e também substituiu o re-pórter policial Durval Cardoso, o Grilo. Em 1932, impedido de participar da Revolução Constitucio-nalista, pela pouca idade, escreve o artigo “Dulce et decorum est pro patria mori”, uma citação de Horácio, que expressava seu sentimento: é doce e agradável morrer pela Pátria.

Em 1933 lançou o tablóide O Normalista, quecirculou até 1953. No ano seguinte (1934), com 17 anos, lança a revista de variedades Nirvana,onde exercia a função de redator-chefe. Sólon lembra das matérias sobre Carmem Miranda, do centenário de Carlos Gomes, em 1936, quando convidou jornalistas de São Paulo para cobrir o

evento. Uma grande festa. Nirvana encerrou suas atividades em 1938.

Da vida escolar, guarda doces recordações. No Estado de São Paulo haviam dez Escolas Nor-mais, todas equipadas com bibliotecas e toda a infra-estrutura necessária. “Os edifícios eram solidamente construídos, os professores eram especializados. Tínhamos Escolas Normais em Pirassununga, Piracicaba, construídas em 1893 e 1897, em Botucatu, Campinas, Casa Branca, Guaratinguetá... essa de 1902. Em São Paulo, além da Caetano de Campos, construída por Prudente de Moraes no século XIX, tinha uma no Brás, só para mulheres”, lembra o mestre, saudo-so da força que outrora teve a educação.

Concluiu o Curso Normal em 1935 e sua turma sempre comemora a formatura num encontro re-alizado no primeiro sábado do mês de dezembro. Sorri e diz que não sabe como será, “Eis-nos aqui, diante da porteira. É o fim da estrada?”4

Sólon viveu em Campinas até 1937. Participava do Centro de Sciencias, Letras e Artes de Cam-pinas, sendo um dos criadores da Ala Moça da entidade, em 1936. Eleito orador da Ala, Sólon

Capa da primeira edição da revista Nirvana(novembro de 1934)

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reafirma “o prestígio da gente moça dentro da sociedade moderna... essa vantajosa posição que a mocidade dos nossos dias ocupa no mundo atual, explica claramente os avanços da juventu-de em todos os ramos das atividades humanas. Campinas, nesta sua fase de inegável progresso que está empolgando completamente, goza da cooperação de sua mocidade empreendedora, cooperação essa que se faz sentir em tudo”5.

Em 1935 foi eleito orador da Associação Campi-neira de Imprensa, assumindo sua presidência no ano seguinte. Reconduzido ao cargo em 1937, abriu mão do novo mandato. Naquele ano visita redações de jornais em Coimbra e recebe, do Centro dos Correspondentes Estrangeiros, um “Porto de Honra”. Na ocasião, entrega-lhes men-sagem de saudação e intercâmbio da Associação Brasileira de Imprensa, presidida, na época, por Herbert Moses.

Inquieto, inovador, récem-formado, repleto de sonhos, Sólon defende o ingresso da mulher na Academia Brasileira de Letras, em artigo publica-do no Correio Popular, em 18 de outubro de 1936, quatro décadas antes do ingresso da primeira integrante feminina da ABL, Rachel de Queiroz, em 1977. Também em 1936 publica artigo sobre o polêmico tema “Porque convém o Divórcio”, no jornal carioca A Pátria.

O INÍCIO DA CARREIRA DE EDUCADOR

Formado em 1935 e interessado pela Educação, Sólon Borges dos Reis pretende lecionar literatu-

ra. Até então lecionara no Grupo Escolar “Profes-sor João Lourenço Rodrigues” e no Curso Noturno de Taquaral, ambos em Campinas, e publicara seu primeiro livro, Apostasia (1937). Naquele tempo o ingresso na carreira dependia de indicação. Não havia concurso para preenchimento de vagas. Sua mãe se recorda, então, de um casal influente, do qual havia cuidado de um filho com eczema. “O eczema mudou minha vida”, relata Sólon.

A mãe enviou uma carta “que voltou grávida: trou-xe a orientação para que procurasse o professor Ataliba Nogueira”6, conta o educador. Cumprida a orientação, descobriu que a tão desejada vaga para lecionar literatura na Escola Normal Caetano de Campos já estava preenchida. Na despedida, casualmente, Ataliba Nogueira lamenta o fato dele não se interessar por uma vaga em Casa Branca. Logo em Casa Branca!

A reforma da educação realizada por Fernando de Azevedo, que exerceu os cargos de diretor geral da Instrução Pública do Distrito Federal de 1926 a 1930 e de São Paulo em 19337, incluiu a disciplina de Educação no curso Normal, destinando a ela uma vaga para professor titular e três vagas para professores assistentes. Estava aí a chance de assumir a função de professor assistente. Aceitou na hora. Seu sonho de educador estava se reali-zando. O salário, maior que o esperado, foi sufi-ciente para ajudar a mãe e o irmão que estudava em São Paulo.

Despede-se de Campinas e assume como assis-tente de Educação, regendo a cadeira de Meto-Sólon Borges dos Reis pretende lecionar literatu tente de Educação, regendo a cadeira de Meto

A foto de 1962 registra a homenagem prestada ao deputado pela criação de mais uma unidade educacional

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Acervo histórico

dologia e Prática do Ensino, no Instituto Estadual de Educação “Doutor Francisco Thomaz de Car-valho”, em Casa Branca.

Uma desavença provocada por cinco minutos criou nova oportunidade para Sólon. Um dos professores assistentes dirigia o curso primário, anexo ao Insti-tuto. A diretora impediu que um dos professores en-trasse atrasado em aula. “Logo dona Inês, mulher do Tristão?”, questionou o superior, lembrando da assiduidade e compromisso da professora citada. Dias depois, a mesma diretora permitiu a entrada, com os mesmos cinco minutos de atraso, de outro professor. Foi a gota d’água. Sólon foi indicado para substituí-la. Enfrentou algumas resistências – afinal, tinha idade para ser filho das professoras –, mas logo conquistou o corpo docente.

Sólon ficou em Casa Branca de 1938 até 1940. Na época, relata, “existia proteção e eu não fui procu-rar. Podia ter ido, como fui anteriormente, mas não quis. Então fui lecionar em São Carlos”. Em Casa Branca escreveu e publicou os livros Poesias Es-colares (1939) e Imprensa e Educação (1940).

A estada do professor Sólon Borges em Casa Branca foi produtiva. Desenvolveu uma pesquisa envolvendo 16.986 estudantes de 17 municípios paulistas, sobre as disciplinas de preferência dos escolares dos cursos primário, secundário funda-mental e de formação profissional do professor primário (ver Anexo).

Em São Carlos o professor Sólon Borges era as-sistente geral da Instituto Estadual de Educação “Álvaro Guião”, onde lecionou Português e ocu-pou o cargo de Vice-Diretor. Já casado com dona Adiléia, com quem contraiu matrimônio em 16 de janeiro de 1939, dependia do salário para susten-tar a família e o salário nunca era pago em dia.

Em 1941, publica o livro Algumas Considerações sobre Programas Escolares e muda-se para Ara-çatuba. O salário, então, pagava as despesas da família – o casal e a filha Raquel, nascida em 14 de abril de 1940 – e ainda era possível guardar uma quantia. No Instituto Estadual de Educação “Manoel Bento da Cruz”, Sólon ocupou o cargo de Vice-Diretor e, também, de Diretor Substituto, tendo ficado na unidade até 1944.

Mudou-se para Jaboticabal em 1944, assumindo a cadeira de História da Civilização no Instituto Estadual de Educação “Aurélio Arrobas Martins” e da cadeira de Educação – Psicologia e Pedagogia – na Escola Normal do Colégio Santo André, o último através de concurso público.

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O ano de 1945 foi significativo na carreira de Só-lon Borges. Saiu de Jaboticabal e veio lecionar em Santos, como titular da cadeira de Educação – Psicologia e Pedagogia – da Escola Normal Particular do Colégio “São José” e do Instituto Estadual de Educação “Canadá”, ambos através de concurso. Coordenou os primeiros Cursos de Férias no Departamento de Educação; participou da comissão instituída no Estado para a localiza-ção e construção de Escolas Rurais, sendo secre-tário da mesma, e assumiu a função de inspetor junto à Escola Normal do Liceu “Eduardo Prado”, que só deixou em 1955.

Sólon Borges dos Reis foi um dos fundadores, em 1945, da Associação dos Professores do Ensino Secundário e Normal Oficial do Estado de São Paulo (APESNOESP), que deu origem à APEO-ESP, hoje Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo, do qual recebeu diploma de “lealdade ao ensino e à classe”.

Em 1945, Sólon também retoma a carreira de jornalista, mantendo uma seção diária no jornal Correio Paulistano, a “Correio Escolar”. No ano seguinte publica no Jornal Trabalhista (18/12/1946) reportagem sobre aspectos do feminismo no Estado de São Paulo, recebendo menção honrosa no concurso de reportagens jornalísti-cas promovido pelo Departamento Estadual de Informação e realizado pela Associação Paulista de Imprensa. Em 1946 Sólon assume, através de concurso, a cadeira de Educação – Psicologia e Pedagogia – da Escola Normal Municipal de Mogi das Cruzes.

Sólon integra, em 1947, a redação da revista esta-tal Educação, onde permanece até 1948; a comis-são designada para opinar sobre livros didáticos, na Secretaria da Educação do Estado, e é desig-nado para o gabinete do Secretário da Educação, com a finalidade de proceder a pesquisas educa-cionais. Mas o fato marcante do ano de 1947 foi a fundação da União Paulista de Educação (UPE), cruzada de educação popular e cidadania.

A UPE iniciou suas atividades com a distribuição de livros novos e usados para bibliotecas de na-vios estrangeiros com escala regular nos portos brasileiros, depois estendeu sua ação para ca-deias públicas e sindicatos de trabalhadores. A partir da década de 1980 a UPE estende a distri-buição de livros às bibliotecas municipais, escolas e outras instituições culturais de todo o país, até a pessoas que possam precisar deles para lei-

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tura, trabalho ou estudos. Nos seus 50 anos de existência, a entidade havia distribuído 170 mil volumes. Segundo Sólon, “a coleta e doação de livros antes que fossem destruídos ou vendidos a peso de papel velho”, foi a atividade voluntária que mais marcou sua vida.

Em 1947, Sólon foi cronista parlamentar dos Diários Associados e secretário da Bancada de Imprensa na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, acompanhando, naquele ano, os tra-balhos da Constituinte Estadual. Em 1948, o de-putado estadual Manoel de Nóbrega, em discurso publicado no Diário Oficial de 23 de maio, diz:

“Sólon Borges dos Reis, outro jornalista credenciado junto a esta Assembléia, bata-lhador nº 1 contra o analfabetismo em São Paulo, pedagogo emérito, cujos trabalhos já transpuseram o território nacional, com uma sinceridade própria dos grandes, dizia-me, há dias, numa das salas desta Casa: ‘O problema do ensino no Brasil poderá ser resolvido se o Governo Federal chamar os técnicos, os especialistas, para discussão e troca de pontos de vista. Na improvisação, no desejo de que uma modificação sem uma diretriz firmemente traçada ou conti-nuando com aquela frase tão conhecida dos brasileiros – deixar como está para ver como fica – qualquer reforma no nosso en-sino só poderá trazer mais confusão ainda ao já tão confuso problema de nossa juven-tude.’ Essa afirmativa, senhor presidente, senhores deputados, é de um homem que há anos dedica as maiores horas de sua vida à pedagogia. De um paulista que possui trabalhos publicados em revistas e anuários de Repúblicas Americanas. De um professor capaz de fornecer preciosos elementos ao ensino brasileiro, de uma voz perfeitamente autorizada.”

A premiada Revista Interamericana de Educación y Cultura Nueva Era, de Quito, Equador, publica em 1948 seu artigo “Co-Educação”, “à qual ainda havia resistência na época”, explica. “Em todo o mundo, as mulheres sofreram ou sofrem precon-ceitos na luta pela igualdade de oportunidades, inclusive no mercado de trabalho. Hoje as mulhe-res são responsáveis por vencer barreiras sociais, nas carreiras profissionais, nas diversas áreas”, completa, lembrando a importância da educação conjunta de homens e mulheres.

Em 1948, publica os livros Geografia e História do Brasil para recém alfabetizados (co-autoria) e

Novas Poesias Escolares. Assume, na Capital, a cadeira de Educação – Pedagogia e História da Educação – do Instituto Estadual de Educação “Anhanguera”, e a cadeira de Educação – Psico-logia e Pedagogia da Escola Normal do Colégio “Salete”, ambos através de concurso. No Colégio “Salete” permanece até 1954.

Ainda em 1948 é nomeado Assistente Geral do Departamento de Educação do Estado, perma-necendo na função até 1950, ano em se formou em direito pela atual Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Neste período, Sólon atualizou programas do ensino primário e implantou, com histórica luta no Executivo, no Legislativo e no Ju-diciário, concursos anuais de remoção e ingresso para professores no ensino médio. Em 1949 Só-lon promove a primeira campanha nacional por mais verbas para a educação.

novoS DESAfIoS O ano de 1952 abre para Sólon novas frentes em defesa da Educação. O jornal Correio Paulistano publica coluna diária “A propósito da Educação”, assinada por ele. A coluna se mantém até 1955. Sólon também passa a colaborar, a partir de 1952, até 1965, com a Revista Brasileira de Es-tudos Pedagógicos, publicada pelo Ministério da Educação. Ainda em 1952, assume a cadeira de Educação – Psicologia e Pedagogia da Escola Normal do Colégio “Manoel da Nóbrega”, na capi-tal, onde fica até o ano seguinte.

Em 1954 assume a chefia de serviço do Ensino Secundário e Normal da Secretária da Educa-ção, cargo que renuncia durante assembléia da APESNOESP, entidade da qual era secretário, em solidariedade à categoria que discutia pen-dências salariais. Neste ano assume a cadeira de Educação – Psicologia e Pedagogia da Escola Normal do Colégio “Assumpção”, na Capital. Ain-da em 1954, Sólon conclui o curso de Pedagogia na Universidade de São Paulo.

No ano seguinte assume a cadeira de Educação – Pedagogia e História da Educação no Instituto Estadual de Educação “Fernão Dias Pais”, na capital, onde permanece até 1956. Porém, o ano de 1955 é marcante na carreira do educador, que assume a Diretoria Geral do Departamento de Educação da Secretaria da Educação do Estado, no governo Jânio Quadros8.

No cargo, instituiu concursos para docentes e especialistas; criou as primeiras escolas estadu-ais para deficientes auditivos, com remuneração

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Acervo histórico

adequada aos professores especializados e envio de professores para especialização no Instituto Nacional de Surdos. Criou os primeiros Museus Histórico-Pedagógicos no interior; a Escola Nor-mal Rural em Piracicaba (1957) e o Colégio de Aplicação da USP (1956). No ano seguinte, último à frente do departamento, recebe o Troféu “Gloire au Travail” (Glória ao Trabalho), uma estatueta de bronze medindo 70 cm de altura, homenagem prestada pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP.

O professor Sólon Borges dos Reis havia recu-sado, em 1956, o convite para aceitar em cará-ter efetivo o alto cargo que ocupava. O fato foi publicado no jornal O Estado de S. Paulo, em sua edição do dia 15 de abril de 1956, através de editorial que destacava o raríssimo gesto de desprendimento. Questionado sobre a atitude, explica: “Havia me oposto publicamente à nome-ação sem concurso, de quem quer que fosse, em caráter efetivo, pois é prejudicial ao serviço público. O cargo que ocupava era provido em comissão desde o Império. Nunca quis um cargo a qualquer preço”.

Em entrevista concedida ao jornal Espaço Mulher,o professor ressalta: “Trabalho em silêncio. Não me afobo, embora possa me afligir. Em posições nunca pleiteadas, exceto mandatos parlamenta-res por eleições diretas e nos concursos de títulos e provas. A vida não é o que buscamos, mas o que acontece, naturalmente, sem que tenhamos buscado.”

Sólon tentou, ainda, promover a Reforma do En-sino Normal, acrescentando um ano de aperfei-çoamento na formação do educador. Conseguiu a aprovação e promulgação da lei, mas fora do departamento, de onde se desligou em 1957, não chegou a aplicá-la.

Em 1957 assume a presidência do Centro do Professorado Paulista, permanecendo na direção da entidade por 40 anos. O CPP ganha, neste período, maior estrutura estadual e dimensão nacional e internacional. Em 1957 Sólon também assume a vice-presidência da Confederação Americana de Educadores (CAE), no Uruguai, e as cadeiras de Literatura Infantil nos cursos de Aperfeiçoamento e de Administradores Escolares a qualquer preço”. Aperfeiçoamento e de Administradores Escolares

Tarde de autógrafos, no lançamento do seu livro A Maior Herança, em 1965,da qual participou o ex-governador Carvalho Pinto, à direita do autor

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do Curso de Administração Escolar, do Instituto Estadual de Educação “Caetano de Campos”, na capital, e de Administração Escolar da Facul-dade de Filosofia, Ciências e Letras, de Santos, permanecendo nos cargos até 1958. De 1957 até 1965 também foi diretor superintendente da Revista do Professor.

Em 1958, à frente do CPP, promove uma gran-de mobilização de rua, pleiteando mais prédios para as escolas e melhores vencimentos para os professores, abrindo caminho para a criação do Fundo Estadual de Construções Escolares, reivin-dicado em documento encaminhado ao Governo do Estado, subscrito por todas as entidades do magistério. Sólon Borges concorre a uma vaga na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, pelo Partido Democrata Cristão (PDC), fazendo “dobradinha” com Franco Montoro, candidato a deputado federal.

O DESAFIO ELEITORAL

O PDC foi o primeiro partido político do educador. Fundado em 1945, sem o apoio da Igreja Católica, o PDC ganhou grande fôlego após o Congresso

Democrata Cristão, realizado em 1947, em Mon-tevidéo, que teve a participação de Eduardo Frei, do Chile, de Rafael Caldera, da Venezuela e dos brasileiros Franco Montoro, então professor uni-versitário e membro da Juventude Universitária Católica (JUC), e de Alceu Amoroso Lima. Mon-toro cria a Vanguarda Democrática e conquista o apoio da JUC e da Ação Católica. Políticos como Plínio de Arruda Sampaio e Antonio Queirós Filho compõem o PDC.

Na década de 1950 Queirós Filho assume a presi-dência do partido, até então exercida pelo Monse-nhor Alfredo de Arruda Câmara, de Pernambuco. Em 1953 o crescimento do PDC foi comprovado com a eleição de Jânio Quadros à prefeitura paulistana, apoiado pela coligação PDC, PSB (Partido Socialista Brasileiro) e PTN (Partido Tra-balhista Nacional). Em 1958, Juarez Távora (DF) e Nei Braga (PR) filiam-se ao PDC. No partido convivem políticos de diferentes pensamentos, divididos em três correntes, a conservadora, da qual participam, entre outros Arruda Câmara e Ju-arez Távora, a centro-reformista, mais conciliado-ra, da qual participam Franco Montoro, Sólon Bor-ges, Aloysio Nunes, e a nacionalista-reformista,

Sólon Borges recebe a medalha da Constituição das mãos do presidente da Assembléia, deputado Francisco Franco, durante a Comemoração de 9 de Julho, em 1966. Detalhe para a presença do Comandante da Polícia Militar do Estado de

São Paulo, General João Batista Figueiredo, à direita na foto

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representada por Plínio Arruda Sampaio, Chopin Tavares de Lima e Roberto Cardoso Alves.

Nas eleições de 1958, o PDC apóia a candidatura vitoriosa de Carvalho Pinto9 ao Governo do Es-tado, lançada pelo PTN-PSB, e desponta como a segunda agremiação mais importante de São Paulo, elegendo 11 deputados estaduais, entre eles Sólon Borges (eleito com 8.025 votos), Aloy-sio Nunes, Roberto Cardoso Alves, e Fernando Mauro Pires da Rocha.

Sólon assume seu primeiro mandato em 1959. Como parlamentar, se dedica prioritariamente à defesa da educação. A Assembléia Legislativa, então instalada no Palácio das Indústrias, não oferece infra-estrutura aos parlamentares, como gabinete, carro e assessoria. Sólon conta que era comum trabalhar até às 24 horas e ir à pé para casa, conversando... As proposituras eram ela-boradas pelo próprio parlamentar. A militância no CPP alimentava seu mandato.

O parlamentar manteve a curiosidade do menino Solito. A ele não bastava ouvir dizer, queria ver, conhecer, debater. Assim, no seu primeiro mandato, Sólon aceita um convite para conhecer a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e participar do Festival da Juventude, realizado em Viena, junto com uma delegação de parlamentares de todo o mundo. Volta maravilhado com a organização do even-to. “A nota (sobre a paz) emitida pela mesa do encontro poderia ser subscrita por qualquer dos parlamentares de qualquer dos 12 partidos brasileiros, porque advoga a paz e a amizade de todos os povos”, registra Sólon em discurso após seu retorno.

A primeira viagem do parlamentar Sólon Borges o impressionara. Sobre a visita à URSS relata: “Pela minha própria convicção democrática e pela minha própria formação cristã de que não abri mão e nem pretendo abrir, jamais poderia recomendar a adoção das fórmulas educacio-nais que vi e das quais já tinha notícias na União Soviética para uso num país democrata. Mas estou absolutamente certo de que posso reco-mendar, posso pedir e posso entusiasmar-me com a determinação que se impôs o Estado So-viético de levar a sério a obra da educação e de, realmente, na prática, conseguir efetivar aquilo que tinha em mira. Para os objetivos da União Soviética, que não são os objetivos da educação democrata e da educação cristã, é um êxito inte-gral o programa educacional que se desenvolve na União Soviética, tendo em vista os objetivos

que a filosofia da educação naquela nação pôs em evidência.”

O parlamentar aprendeu rapidamente a conviver e respeitar a diversidade, a debater idéias e buscar soluções para as políticas públicas. À viagem ao bloco socialista se sucederam inúmeras outras, para diversos países, em vários continentes. Soli-to ganhou o mundo. O trem já não poderia trans-portá-lo pelos caminhos traçados em sua vida.

MESTrE ATé no PArLAMEnTo

Sólon Borges dos Reis permaneceu na Assem-bléia por 20 anos, 5 mandatos consecutivos, de 1959 a 1979. Visitou, a convite, unidades educa-cionais dos EUA, da URSS, da República Popu-lar da China e de Israel. Participou também das Assembléias Anuais da Confederação Mundial de Organização dos Profissionais do Ensino (CMO-PE) na França (1964); na Costa do Marfim (1969); no Quênia (1971); na Inglaterra (1972), nos Es-tados Unidos (1976), sempre se licenciando de suas funções no Legislativo paulista. O objetivo de suas viagens era estudar os aspectos do pro-blema da educação. Chefiou, ainda, a delegação brasileira em congressos internacionais de ensino e magistério na Índia (1961), no Rio de Janeiro (1963) e na Alemanha Ocidental (1975).

Nos seus dois primeiros mandatos, Sólon elegeu-se pelo PDC, sendo o primeiro mais votado nas eleições de 1962, quando o partido elegeu 13 parlamentares10. Em 1962 Sólon se licencia da Assembléia para assumir a Secretaria de Estado dos Negócios da Educação, do Governo Carvalho Pinto, de 15 de maio a 5 de agosto daquele ano.

Em pronunciamento feito em 26 de abril de 1962, sobre o IX Simpósio do Menor em Jun-diaí, Sólon diz: “Quando se despendem recur-sos e trabalho em favor do menor, é trabalho e é despesa abençoados, que o poder público e os representantes do povo devem aplaudir.” De volta à Assembléia, Sólon reafirma, a cada pronunciamento e propositura, sua luta por mais verbas para a educação, mais e melhores esco-las. Insiste que não basta gastar mais, é neces-sário aplicar melhor os recursos.

À frente do CPP, Sólon lidera, em 1963, a primei-ra greve do magistério público, que é plenamente vitoriosa. Ele se lembra bem da assembléia da categoria, realizada em um cinema no Brás, na Capital. “Não era qualquer um que passava na rua que entrava. Ocupamos os lugares no cinema de forma ordenada. Para votar era necessário a

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identificação. O ‘Estadão’ (jornal O Estado de S. Paulo) colocou na manchete: Mestres até na Gre-ve”, relata o professor.

A assembléia decidiu pela greve. Sólon solicitou oito dias para intervir em favor da categoria. O professor encerra seu relato mostrando a dispo-sição que tinham para resolver as reivindicações através do diálogo: “Procurei o Hilário Torloni, que era líder do governo na Assembléia; o governador Ademar de Barros; a primeira dama... Nada! No dia 15 de outubro fomos à greve.”

Seu mandato, embora aborde variados temas das políticas públicas, é centrado na questão da edu-cação, do magistério e do funcionalismo público. A participação do parlamentar na condução da política educacional é inegável. Sólon é reconhe-cido dentro e fora do parlamento, dentro e fora das fronteiras do nosso país. O pronunciamento realizado em 6 de maio de 1964 caracteriza o perfil parlamentar do educador:

“Senhor presidente e nobres colegas, ao examinar o Plano de Desenvolvimento Inte-grado – PLADI – divulgado pelo Governo do Estado de São Paulo para ser desenvolvido nos anos de 1964, 1965 e 1966, é óbvio que teria de demorar-me particularmente no ca-pítulo referente à matéria de minha especia-lidade, que é o problema da educação.

Logo na introdução fiquei satisfeito porque vi as minhas próprias palavras repetidas na sustentação de uma tese que sempre apregoei aqui e lá fora, a da importância da educação nos planos de desenvolvimento nacional.

As idéias que sustentei como educador, na cátedra, como homem público, em toda a oportunidade que me foi dada, e como parlamentar, desta tribuna e nas reuniões das comissões da Casa, estão aqui. (...) Realmente diz a introdução:

O investimento no ensino reveste-se de duplo significado: por um lado destina-se a preparar o homem como agente do processo de desenvolvimento; por outro, permite-lhe melhor usufruir dos resultados proporcionados por esse mesmo desen-volvimento.’

É o que sempre sustentei: a educação é ne-cessária ao desenvolvimento na preparação dos técnicos, para ensejar o desenvolvimen-

to econômico, científico e social. Ainda que ela não fosse necessária, insistiria sempre. Ela seria indispensável ao povo porque se o desenvolvimento pudesse processar-se à revelia da educação, prescindindo da edu-cação, seria imprescindível ao povo, por-que precisa da educação para – palavras minhas aqui transcritas, página 385 do Pla-no – usufruir os resultados proporcionados por esse mesmo desenvolvimento. De nada adiantaria o processo material se a criatura humana não estivesse preparada no plano espiritual, no plano humano para usufruir as benesses do desenvolvimento material. (...) Realmente a educação é o problema bási-co da Nação brasileira. (...) De fato o Plano trata de maneira feliz de alguns aspectos fundamentais da educação popular em nossa terra, quando, por exemplo, enfoca o problema do ensino elementar. Todos nós devemos reconhecer que a escola primária é o alicerce da Nação e como alicerce é a sustentação de todo o processo educacio-nal ulterior. A escola de nível médio, que é a escola imediatamente superior, só terá consistência quando a escola primária, ali-cerce de toda a programação educacional for sólida, efetiva, autêntica e consistente. (...) Por isto os governos devem preocupar-se essencialmente com a escola primária. Temos que nos preocupar com a escola pri-mária, quer no campo da quantidade, quer no campo da qualidade.

Ainda agora, se fez um grande alarme ao redor dos problemas dos métodos para a alfabetização, quando se examinou o cha-mado método Paulo Freire – e que já tratei deste assunto nesta tribuna.

Não é um processo de alfabetização de maior ou menor alcance didático que irá resolver o problema do analfabetismo no Brasil, mas, sim, a adoção de uma política de educação capaz de acudir à clientela escolar onde quer que ela se encontre, levando a escola praticamente ao domicílio e atraindo os educadores para a escola, permitindo-lhes, inclusive, a possibilidade de freqüentar, mais do que a possibilidade de nela matricular.

E se quisermos diminuir o alto índice de analfabetismo existente no Brasil, que é de mais de cinqüenta por cento, e o existente em São Paulo de aproximadamente trinta por cento (graças à migração interna de

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elementos vindos de outros estados e sem alfabetização), teremos de dar escolas a todas as crianças em idade escolar. (...)

Promete o Estado, através do plano do ensino, dentro de três anos atender a essa população estudantil. Se sua promessa for cumprida, então na parte que diz respeito à quantidade, no que se refere à escola primá-ria, teremos atingido uma meta apreciável.

(...) um dos pontos fracos do plano, no campo da educação, é a falta de indicação dos recursos financeiros. (...)

(...) Vimos que o ensino primário foi foca-lizado no seu aspecto preliminar, que é o aspecto da construção de escolas. Real-mente, precisamos antes de mais nada ter escolas. Em segundo lugar ter boas escolas. (...) Enquanto grupos escolares funcionarem com duas horas ou menos por dia não teremos escola primária fun-cionando. A solução desse problema é difícil, porém, possível’.

MuDAnçA DE PArTIDo

O PDC abrigava políticos de várias matizes, a ética cristã dava-lhes a unidade necessária para o convívio partidário. Em vários momentos suas alas divergiam sobre as condutas a serem ado-tadas pelo partido. No plebiscito que decidiu pela volta do sistema presidencialista, por exemplo, em janeiro de 1963, o PDC liberou o voto dos seus filiados, evitando um confronto. O golpe militar de 1964 acirrou as contradições existentes entre os grupos.

A ala reformista, representa-da por Paulo de Tarso e Plínio Arruda Sampaio colocava-se contra o golpe, em defesa do governo constitucional, a ala conservadora, representada por Nei Braga e Juarez Távo-ra, apoiava o levante militar. Embora Juarez Távora não tivesse participado das arti-culações que prepararam o golpe, na condição de líder do PDC na Câmara Federal, ca-racterizou a “iniciativa conjun-ta das forças armadas” como garantia da “sobrevivência dos princípios democráticos e cristãos”.

Em 9 de abril, com a edição do Ato Institucional nº 1, que instituiu a cassação de mandatos e a suspensão de direitos políticos, entre outras medidas, Plínio Arruda e Paulo de Tarso perdem seus mandatos. Sólon não se cala, registra seu repúdio contra as cassações de prefeitos e par-lamentares.

Em 1965, na convenção nacional do partido foi lançada a candidatura de Franco Montoro para a presidência nacional do PDC, em oposição a Nei Braga, que tentava se reeleger. Apesar do apoio governista ao seu opositor, Montoro vence a convenção, diminuindo desta forma o compro-metimento do PDC com o governo militar.

Em 27 de outubro de 1965, o governo edita o Ato Institucional nº 2 e extingue os partidos políticos. Está estabelecido o bipartidarismo no país. A ban-cada do PDC se divide entre a Aliança Renovado-ra Nacional (ARENA), governista, e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), de oposição. Franco Montoro ingressa no MDB, Sólon Borges opta pela Arena, partido pelo qual se candidata e se elege deputado estadual por 3 mandatos. Em 1969, o Ato Complementar 47, de 7 de fevereiro, fecha a Assembléia e o recesso parlamentar só é suspenso em 1º de junho de 1970. No seu último mandato na Assembléia (1975/1979), Sólon foi o mais votado da legenda, conseguindo o expressi-vo número de 48.304 votos.

Questionado sobre a escolha, afirma que foi coe-rente, ficou no PDC até que ele fosse extinto. “O PDC era uma somatória de gente”, divaga. “Eu sempre fui fiel a meus princípios. Eu não mudei, continuei defendendo o que sempre defendi”, finaliza.

O parlamentar discursa na Tribuna do Plenário da Assembléia, em 1972

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No dia 28 de setembro de 1965, Sólon apresen-tou o Projeto de Lei nº 1262/65, que dispunha sobre a colocação de placas nas obras públicas do Estado. Em seu artigo 1º colocava: “Em todas as obras públicas já inauguradas ou que vierem a ser inauguradas, o Estado colocará, em lugar visível, uma placa permanente com os seguintes dizeres: “Construído no regime democrático, com o dinheiro do povo, pelo Governo do Estado, eleito pelo povo”. Em sua justificativa lembra a necessidade de defender e divulgar o regime democrático: “É preciso lembrar constantemente a todos que, não obstante as imperfeições do re-gime democrático, há muita coisa de bom, inclu-sive, no plano material, que é muito mais osten-sivo, construído no sistema da democracia, em que os governos são eleitos pelo povo.” Encerra sua justificativa argumentando: “Há numerosos recursos de que nos devemos valer para educar politicamente o povo e promover o regime. Gran-de ou pequeno, este é um deles.”

No seu último mandato Sólon Borges participa do grupo denominado “Arena de Vanguarda”, formado pelos deputados estaduais Felício Castelano, funcionário público com trabalho na área de educação social; Marco Ântonio Caste-lo Branco e Armando Pinheiro, advogados; Pau-lo Kobayashi, professor de Geografia, Política Internacional e Economia Brasileira, e ele. Os principais objetivos do grupo eram normalidade institucional, “dentro de um processo demo-crático compatível com a realidade brasileira”, eleições diretas em todos os níveis, pluriparti-darismo e ativa política social-democrática no governo.

A formação do grupo coincide com a ascensão eleitoral da oposição ao regime militar, represen-tada pelo MDB. Em entrevista concedida ao jornal O Globo, de 16 de outubro de 1977, o grupo afirma seu compromisso com a “total volta do estado de direito”. Sólon lembra que para tanto está implícita a revogação do AI-511 e outros atos de exceção e sua substituição por instrumentos de defesa da soberania nacional, nos moldes e nos padrões de democracia mais adiantada que a nossa.

Sólon conclui a entrevista conjunta com a seguin-te declaração:

“Nós temos de partir dos maiores acontecimentos sócio-políticos deste século. O último deles foi a revolução socialista. Nós não vamos repetir a re-volução socialista, mas vamos aproveitar a experi-ência de outros povos e partir para uma democra-cia social. O impulso do homem para a liberdade é incoersível. Mas a problemática social é prioritária. No Brasil de hoje nós estamos preocupados com a ordem jurídica porque é o que mais carecemos. Mas isso não esgota as nossas necessidades. A ordem política é mais complexa do que a ordem jurídica. No momento nós precisamos de uma or-dem jurídica, de uma normalidade, sobre a qual, depois, vamos construir uma democracia social.”

Os cinco parlamentares ligados à “Arena de Van-guarda” eram caracterizados, em charges publica-das em jornais e revistas, como leões, como mos-queteiros, tinham o apoio da ala jovem do partido e eram assessorados por jovens universitários. O grupo quebrava a hegemonia do governador Paulo Egydío Martins dentro da bancada estadual

Charge publicada na revista Visão caracteriza os deputados da Arena de Vanguarda:Sólon Borges, Felício Castelano, Armando Pinheiro, Paulo Kobayashi e Marco Antonio Castelo Branco

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da Arena e em vários momentos representaram a pedra no caminho dos governistas. Vivíamos a última década da ditadura militar.

As atividades parlamentares e a intensidade do debate político não afastaram Sólon da carreira literária, no período publicou os livros A maior herança (1965); Lira da América (1973) e Crise Contemporânea da Educação (1978), livro que recebeu menção honrosa do Pen Center.

ATUAÇÃO PARLAMENTAR

Ao longo de sua estada na Assembléia Legislati-va, o deputado estadual aprovou 329 leis. Delas, 281 são diretamente ligadas à educação, 253 de-nominando escolas, 28 sobre temas específicos da área, dos quais 10 que criam escolas. As ou-tras 48 leis propostas pelo parlamentar abordam temas gerais, entre eles o que dispõe sobre o con-trole da potabilidade da água, através da obrigato-riedade da análise física, química e bacteriológica e 29 leis de declaração de utilidade pública.

Em suas proposituras destaca-se a preocupação constante com a integração dos portadores de deficiência auditiva no sistema educacional; a ação conjunta das Secretarias da Agricultura e Educação no incentivo ao ensino rural; o acesso dos servidores aos recursos do Instituto de Pre-vidência do Estado (IPESP); a regionalização do atendimento hospitalar aos servidores estaduais; o policiamento nas escolas; a questão do trans-porte coletivo e o seu constante apoio aos ex-com-batentes brasileiros da Segunda Guerra Mundial.

Em moção apresentada em 1970 (nº 54/70), apela ao Governo Federal no sentido de que o Ministério

da Saúde adote providências a fim de obrigar o comerciante de medica-mentos a anotar, no verso da receita de psicotrópicos, o documento de identidade do comprador. Antecipou-se aos dispositivos legais que prevê-em o uso de medicação controlada.

Sólon Borges dos Reis foi membro efetivo da Comissão de Educação e Cultura de 1959 a 1963, por cinco anos consecutivos. Neste período a escolha dos membros das comis-sões era anual. Voltou a compor a Comissão de Educação e Cultura, como membro titular, em 1967. Em 1968 foi novamente indicado como membro titular da Comissão, per-manecendo até 1970, quando as

Comissões tiveram nova nomenclatura e a Cultu-ra passou a integrar, junto com Esportes e Turis-mo, nova comissão. No período de 1970 a 1972, Sólon integra a Comissão de Educação como membro efetivo. No biênio 77/78 foi reconduzido à comissão como membro titular, mas renunciou em favor do deputado Adib Razuk.

No período em que integrou as Comissões de Educação e Cultura e, posteriormente, Educação, o deputado Sólon Borges dos Reis foi presidente das mesmas nos anos de 1960; 1967; 1968 até 1970; 1971 e 197212.

Em 1971, Sólon assumiu o cargo de editor-chefe do Jornal dos Professores, se mantendo na fun-ção até 1997. Desde 1978 é membro da Acade-mia Paulista de Jornalismo. No seu 5º mandato consecutivo na Assembléia, Sólon decidiu can-didatar-se à Câmara dos Deputados em 1978, mas só na eleição de 1982 conseguiu a segunda suplência, assumindo a vaga do deputado Celso Amaral em novembro de 1985, sendo efetivado em março de 1986, com a saída do deputado Mendonça Falcão.

Com o fim do bipartidarismo e a reformulação par-tidária, em novembro de 1979, Sólon filiou-se ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), ao qual man-têm sua filiação. De 1980 a 1983, foi redator-chefe do semanário paulistano O Povo. Em 1983 tornou-se membro do Conselho Estadual de Educação, no Governo Franco Montoro, deixando o cargo em 1986.

Em 1984, participou da Assembléia Anual da Confederação Mundial de Organização dos Pro-fissionais do Ensino (CMOPE), em Togo. Em

da Saúde adote providências a fim de obrigar o comerciante de medicamentos a anotar, no verso da receita de psicotrópicos, o documento de identidade do comprador. Antecipou-se aos dispositivos legais que prevêem o uso de medicação controlada.

Sólon Borges dos Reis foi membro efetivo da Comissão de Educação e Cultura de 1959 a 1963, por cinco anos consecutivos. Neste período a escolha dos membros das comissões era anual. Voltou a compor a Comissão de Educação e Cultura, como membro titular, em 1967. Em 1968 foi novamente indicado como

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Identidade profissional de 1946, do Diário de São Paulo

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1986, participou do Congresso de Pedagogia em Havana, Cuba; foi delegado do Brasil da União Interparlamentar no Conferência de Bangcoc, na Tailândia, e tornou-se segundo vice-presidente da Ordem Nacional dos Escritores, cargo que exer-ceu até 1988.

Elege-se deputado federal constituinte, na elei-ção realizada em 1986 e assume o mandato no início do ano seguinte. Em 1990 se reelege deputado federal, licenciando-se do cargo em dezembro de 1992.

Nesse período publica os livros Oceano Sob a Pele (1984); ABC da Constituinte (1985); Carros-sel do Tempo (1985); Condição Humana (1985), que recebeu o prêmio Pen Center de São Pau-lo; Poesias infantis (1990); Educação Política – Educar para a Liberdade, Educar para a Res-ponsabilidade (1990); Semente de ouro (1992) e Poemas da adolescência (1992).

Durante seus mandatos, foi vice-presidente da Comissão de Educação, Cultura e Desporto, e suplente da Comissão de Relações Exteriores, no período de 1986 a 1990; foi relator da CPI destinada a investigar a aplicação dos recursos federais no ensino, provenientes da Emenda Calmon, no período de 1987 a 1989, e integrou a Procuradoria Parlamentar da Câmara Federal de 1991 a 1992.

Na Constituinte fez parte da Comissão de Reda-ção, responsável pelo texto final da Constituição Brasileira, aprovada em 1988. Chefiou, em 1990, a delegação brasileira no Congresso Internacio-nal de Ensino, no Japão. Em 1991, foi membro da Federação Nacional dos Jornalistas.

Em outubro de 1992, Sólon elege-se vice-prefeito de São Paulo, na chapa encabeçada por Paulo Maluf, assumindo a vice-prefeitura e o cargo de Secretário Municipal da Educação no dia 1º de janeiro de 1993. Por duas vezes assumiu a prefei-tura de São Paulo, por impedimento do prefeito. A primeira de 27 de outubro a 22 de novembro de 1993 e a segunda de 13 de abril a 7 de maio de 1995. Foi membro do conselho curador da Funda-ção Padre Anchieta (Rádio e TV Cultura, canal 2 , São Paulo), no período de 1993 a 1996.

No dia 8 de julho de 1994, morre sua esposa, Adiléia Borges dos Reis. Terminado o mandato na prefeitura, em dezembro de 1996, Sólon deixa a carreira política. Em 1996, Sólon publicou os livros O tempo: Via e Viagem, de poesias, e os infantis A coruja e Frutos e Frutas.

UMA VIDA DEDICADA À EDUCAÇÃO

O encerramento da carreira política, não afastou Sólon Borges dos Reis da luta que norteou sua vida: a Educação. Em 1998 é eleito presidente da Academia Paulista de Educação, cargo que ocupou até 2002. Deu continuidade ao trabalho iniciado em 1947, assumindo a presidência da União Paulista de Educação, e do recém criado INESTE, Instituto de Estudos Educacionais Sud Mennucci, cujo o objetivo é proporcionar maior qualificação cultural e pedagógica aos professores e às escolas.

Diariamente o professor cumpre sua jornada de trabalho no INESTE e se orgulha ao falar das atividades desenvolvidas. O Instituto incentiva e apóia estudos e iniciativas que promovam a me-lhoria das instituições educacionais. “Mantemos abertas ao público, gratuitamente, biblioteca e hemeroteca com quase 17 mil volumes especiali-zados em ensino e magistério”, relata. “Além dos títulos registrados, classificados e catalogados, no INESTE os interessados têm acesso ao setor de biografias, da História de São Paulo e dos 645 municípios paulistas”, conclui.

Sólon carrega alguns sonhos, como o de divulgar a Constituição a todos os cidadãos brasileiros, para que tenham acesso ao texto legal, e o de ver priorizados os recursos para erradicar o analfabe-

Cartaz de divulgação do III Congresso Normalista Rural,realizado em Casa Branca, em outubro de 1949

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Acervo histórico

tismo no País. ”Partindo do princípio de que só se pode estimar e apreciar aquilo que se conhece, conhecer é necessário.” 13

O professor Sólon Borges dos Reis é membro da Academia Paulista de Jornalismo, onde ocupa a cadeira nº17, desde 1978; Presidente de Honra da Ordem Nacional dos Escritores; membro da Aca-demia Paulista de Letras, ocupando a cadeira 37; membro da Academia. de Letras da Grande São Paulo, cadeira 14; membro da Academia Lusíada de Ciências, Letras e Artes, cadeira 47; membro da Academia Paulistana de História cadeira 29; membro da União Brasileira dos Escritores; mem-bro da União Brasileira de Trovadores (SP); sócio emérito do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo; sócio dos Institutos de História e Geografia de Sorocaba, Piracicaba, em São Paulo, e Arce-burgo, em Minas Gerais, e sócio das Academias Campinense e Taguatinguense de Letras.

Sua extensa carreira como político deixou um grande legado. “Sem liberdade para poder esco-lher e educação para saber escolher, não há de-mocracia.” Sua carreira como educador nos ensina que “Tudo o que merece ser feito merece ser bem

feito” e que “Feliz aquele que vai ao trabalho como quem vai para o lazer”. Citar suas frases são um in-centivo a lembrar que este homem, aos 87 anos de vida e uma obra edificada, não se dá por satisfeito, prepara um livro sobre Educação que deve ser publicado ainda em 2004; trabalha com paixão e resume: “Nunca perguntei a ninguém por que não se aposenta. Quanto mais os anos nos alcancem, mais temos necessidade de motivação.”

“Certa vez na Grécia antiga, chegando a um espetáculo, em Atenas, um velho não encontrou lugar. Percorrendo o recinto à procura de assen-to, atravessou as arquibancadas em vão. Até que, chegando a um ponto onde estavam sentados diversos espertanos, estes se levantaram e ce-deram-lhe o lugar. O gesto chamou a atenção de todos, e os presentes, admirados, aplaudiram. Vendo isto, um dos espartanos virou-se para o público presente e exclamou: – Os atenienses sabem que se deve respeitar a velhice. Mas, nós, espartanos, respeitamos a velhice.

Este episódio da antigüidade clássica exemplifica bem o que é educação. Não é a notícia que se tem do valor. É o hábito de viver esse valor.”14

AnEXo“EducaçãoPesquisa Educacional realizada no Interior do Estado

A preferência, por matérias, dos alunos dos cursos primário, secundário e normal

O professor Sólon Borges dos Reis, que ocupa agora o cargo de assistente geral da Escola Normal “Álvaro Guião” de São Carlos, enviou-nos o resultado de uma investigação realizada no tempo em que residia na cidade de Casa Branca. Sendo de grande interesse para o ensino trabalhos dessa natureza. Infelizmente muito raros entre nós, é com prazer que publicamos. (...)

Procuramos conhecer a preferência dos escolares pelas matérias do respectivo curso. Tentando isso em abril e maio do corrente ano, levamos a efeito uma investigação entre alunos de três cursos: primário, secundário fundamental e de formação profissional do professor primário. Dentre as disciplinas do respec-tivo programa, desejamos conhecer a predileta do estudante, principalmente entre as crianças dos grupos escolares e das escolas isoladas.

Logramos consultar, no Estado de São Paulo, 16.986 escolares, dos quais 15.581 de escolas primárias, 1.088 de curso secundário fundamental (ginásio ou curso fundamental de Escola Normal) e 317 alunos do Curso de Formação Profissional do Professor Primário, de escolas normais oficiais.

A pesquisa abrangeu escolas estaduais e municipais de 17 municípios paulistas, com 35 distritos, atingin-do 28 grupos escolares, 161 escolas isoladas, quatro cursos ginasiais e quatro cursos profissionais, num total de 471 classes, incluindo zona urbana e rural.

Dos 16.986 estudantes consultados, 8.958 eram do sexo masculino, e 8.028 do sexo feminino. No curso primário, 8.343 meninos e 7.238 meninas; no ginasial 558 rapazes e 530 moças e no profissional 57 rapa-zes e 260 moças.

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O trabalho estendeu-se a escolas dos seguintes lugares: Caconde, Cajuru, Casa Branca, Cássia dos Coqueiros, Campinas, Catanduva, Cruz da Esperança, Bento Quirino, Grama, Itaiquara, Mocóca, Pirassu-nunga, Rio das Pedras, Santa Rosa, Santo Antonio da Alegria, São José do Rio Pardo, São Simão, Serra Azul, Tambaú, Tapiratiba, Vargem Grande e respectivas zonas rurais. (...)

o Método

As respostas dos escolares à nossa pergunta da disciplina preferida, dentro do curso que freqüentam, foram apuradas por grau de adiantamento, sexo, natureza da escola, sua localização em zona urbana ou rural. Antes de mais nada, o que logo constatamos foi que não houve influência da aula do momento em que se realiza o inquérito, ou do professor que o executou.(...)

resultados no Curso Primário

O inquérito nas escolas primárias revelou uma preferência de 19,35% das crianças pela Aritmética, dis-ciplina apontada por 3.015 alunos, dos quais 1.152 nas escolas isoladas e 1.863 nos grupos escolares. (...) A Leitura tem na nossa sindicância, a preferência de 17,93% (2.794 crianças, sendo 1.341 de escolas isoladas e de 1.453 de grupos escolares), e a Linguagem Escrita, 15,13% (2.358 crianças, sendo 1.027 de escolas isoladas e 1.331 de grupos escolares). (...) Essa preferência de 8.167 crianças, ou seja 52,41% do total, pelas três importantes matérias do programa paulista, Aritmética, Leitura, Linguagem Escrita (...) Os demais 47,59% das crianças consultadas repartiram suas preferências pelas 11 matérias restantes do programa, acrescentando ainda gosto particular pela Religião, que aparece como predileta de 146 esco-lares. (...) A História do Brasil, outra matéria, pela sua natureza, muito querida do espírito infantil, é muito mais apreciada na cidade (805 crianças) do que na roça (249 crianças). (...) Por fim mostraram-se muito diminutas as preferências pela Instrução Moral e Cívica (0,53%) cujo ensino não é ainda entre nós , por causas várias, o que deve ser, malgrado o esforço incontestável das autoridades competentes. (...)

Em 15.581 crianças consultadas, apenas 46 na roça e 38 na cidade, embora consultássemos mais crian-ças na cidade que na roça, lembraram-se de responder pela Instrução Moral e Cívica, o que nos faz sentir de maneira eloqüente, com agravante das poucas preferências pelo ensino de História, e principalmente de Geografia, a imperiosa necessidade de uma reação forte, visando o incremento prático desses impor-tantes estudos na escola primária brasileira. O ensino de Lições de Coisas (Ciências Físicas e Naturais nas últimas classes) não tem, pelo que mostram os resultados desse modesto e imperfeito inquérito, empolgado a escola primária, como fora necessário, notadamente na zona rural, pois foi lembrada por 79 crianças das escolas isoladas e 194 dos grupos escolares. O sentido prático experimental, objetivo e ativo da nova escola brasileira, ainda tem necessidade de ser mais acentuado, principalmente nas regiões rurais onde compete à escola, numa ação social proveitosa, melhorar o trabalhador e procurar fixá-lo ao meio em que deve viver.

Nos estabelecimentos ginasiais, mais de 20% dos estudantes consultados declararam que mais apreciam as aulas de Geografia, seguindo-se História da Civilização, Português e Matemática. As preferências pela Física, pela Química, pela História Natural, tão de se desejar num país novo e cheio de possibilidades como é o Brasil, são, infelizmente, pequenas por este rápido inquérito, não somando as três 10% das respostas.(...)

No Curso de Formação Profissional do Professor Primário, nas escolas normais Psicologia e Sociologia foram, respectivamente, as matérias preferidas, a primeira com a predileção de 77 normalistas e a se-gunda com a predileção de 68. Seguindo-se-lhes Biologia, com 50 e História da Educação, com 47. Dos 317 normalistas consultados, apenas 26 disseram preferir a Prática do Ensino, disciplina primordial no curso em apreço, e que só foi apontada por 6 rapazes e 19 moças. Apenas 8% dos futuros professores interrogados, segundo esta consulta, se agradam, em primeiro lugar, da Prática, ou seja, da matéria cujo conhecimento constitui, na verdade, o objetivo próximo e real dos seus estudos, conhecimento esse de cujo êxito depende toda a sua carreira futura.”

[Trechos da matéria Publicada no Jornal O Estado de São Paulo, no dia 23 de novembro de 1940, que reproduz texto encaminhado pelo professor Sólon Borges dos Reis, responsável pela pesquisa realizada em 17 municípios paulistas.]

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Acervo histórico

noTAS

1 Educador, em 1930, participou da criação do Centro do Professorado Paulista (CPP), o qual presi-diu entre 1933 e 1948. Em 1931, foi nomeado Diretor Geral do Ensino de São Paulo. Deu especial atenção ao ensino rural. Entre 1943 e 1945, foi nomeado Chefe do Departamento de Educação, tendo instituído cursos de especialização em práticas agrícolas para professores. 2 Dainis Karepovs, Álvaro Weissheimer Carneiro e Olívia Gurjão.3 Artur de Sacadura Freire Cabral (1881/1924) e Carlos Viegas Gago Coutinho (1869/1959).4 Citação do poema No fim do caminho, de seu livro O Tempo Via e Viagem.5 Trecho extraído de entrevista concedida ao jornal Folha da Noite, publicada na edição de 16 de novem-bro de 1936.6 José Carlos de Ataliba Nogueira, educador e jurista, iniciou sua carreira como professor. Foi Depu-tado Federal por São Paulo e membro da Assembléia Nacional Constituinte de 1946; Secretário de Educação do Estado de São Paulo no Governo Adhemar de Barros (1964) e Secretário da Justiça. 7 Durante a intervenção federal, em decorrência da Revolução Constitucionalista, Fernando Azevedo assume a diretoria do Departamento de Educação (janeiro a julho de 1933) e converte a Diretoria Geral do Ensino em Departamento de Educação Pública; institui a carreira do magistério primário; reorganiza o aparelho escolar e expande os serviços técnicos. Fernando Azevedo e Lourenço Filho são apontados por Sólon Borges como os dois grandes dirigentes da Educação no País. Os dois edu-cadores foram responsáveis pela criação de uma Escola Normal Superior. Lourenço Filho transforma a Escola Normal da Praça da República em Instituto Pedagógico, em 1931, e Fernando de Azevedo cria o Instituto de Educação, em 1933, ambos idealizados como centro de investigação aplicada e formação de profissionais do ensino dotados de consciência técnica. 8A candidatura Jânio Quadros ao governo do Estado de São Paulo causou uma crise entre o dire-tório regional e a direção nacional do PDC, ao qual Sólon se filiará posteriormente. O diretório pau-lista resolveu retirar a candidatura de Jânio Quadros, com o suposto objetivo de marcar um estilo não-eleitoralista de participação política. O diretório nacional rechaçou a proposta paulista e propôs a dissolução do diretório regional, a expulsão de Franco Montoro e a renúncia de Queirós Filho, ambos da direção do PDC no Estado. Só não alcançou seu intento por força do Tribunal Eleitoral, que manteve a candidatura de Jânio, mas não concordou com as demais medidas. Eleito Jânio Quadros, Queirós Filho deixa sua cadeira na Câmara Federal para assumir a Secretaria de Justiça e Negócios Interiores.9 Carlos Alberto Carvalho Pinto havia assumido, em 1953, a Secretaria de Finanças do Município de São Paulo, na gestão Jânio Quadros, indicado por Queirós Filho.10 A política brasileira, no início da década de 60 foi bastante conturbada. O presidente eleito, Jânio Quadros, que teve apoio do PDC, renunciara ao seu mandato e havia controvérsias sobre a posse do vice-presidente, João Goulart. O Congresso decidiu, então, por proposta apresentada pelo PDC, alterar a Constituição para que se implantasse no país o regime parlamentarista, defendido pelo partido. No dia 2 de setembro de 1961 foi aprovada a emenda Constitucional nº4, que instaurou o novo regime e no dia 7 de setembro toma posse João Goulart. Franco Montoro, então líder do PDC na Câmara, faz parte do ministério parlamentarista, chefiado por Tancredo Neves, assumindo a pasta do Trabalho. Nas eleições de 1962, o PDC obteve grande crescimento eleitoral: elege 19 deputados federais e fortalece sua representação nos estados. Sólon se elege deputado estadual com 19.116 votos. 11 O Ato Institucional nº5, de 13 de dezembro de 1968, foi o instrumento utilizado pelos militares para aumentar os poderes do presidente, autorizando-o a decretar o recesso do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas e das Câmaras de Vereadores; intervir nos estados e municípios, sem as limitações previstas na Constituição; suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 anos; cassar mandatos eletivos; decretar o estado de sítio, entre outras medidas. 12 O deputado Sólon Borges também foi membro efetivo da Comissão de Serviço Civil nos anos de 1960 e de 1963; da Comissão de Constituição e Justiça no biênio 1975/76 e foi indicado à Comis-são de Redação no biênio 1977/78, renunciando em favor do deputado Ricardo Izar.Como membro substituto, participou da Comissão de Saúde e Higiene e da Comissão de Reda-ção em 1959; da Comissão de Finanças nos anos de 1960 a 1963; da Comissão de Serviço Civil em 1970 e da Comissão de Cultura, Esportes e Turismo nos biênios 1971/72 e 1973/74. Também integrou, como membro substituto, a Comissão de Cultura, Ciência e Tecnologia, a Comissão de Assuntos Metropolitanos e a Comissão de Administração Pública no biênio 1975/76, e foi indicado à Comissão de Segurança Pública no biênio 1977/78, tendo renunciado a favor do deputado Ademar de Barros. 13 Reis, Sólon Borges dos. Educação política: educar para a liberdade, educar para a responsabili-dade. São Paulo, Pannartz: União Paulista de Educação, 1990, p.14.14Idem, p.8.

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A concepção de um Estado assentado no equilíbrio dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário tem sido objeto de dúvidas e interroga-ções, tendendo, geralmente, conferir ao primeiro um papel mais expressivo em relação aos demais poderes.

As instituições políticas não são nem mais nem menos poderosas em razão de usufruírem um prestígio ratificado por uma Carta Constitucional. Como peças-chave de um sistema de controle e dominação, fortes ou fracas, elas desempenham um papel, inspirado nas diretrizes e prescrições firmadas pelo grupo hegemônico que detém o po-der. E, qual hábil jogador de xadrez, esse grupo hegemônico manipula, ofensiva e defensivamen-te, as figuras em um tabuleiro, sacrificando algu-mas, se necessário, para manter seu domínio na gestão dos negócios do Estado.

Cada instituição política considerada, não impor-tando quão significativa ou inexpressiva possa se afigurar à primeira vista, tem sua atuação igual-mente relevante para garantir o funcionamento do sistema. Entretanto, a plena dimensão de cada uma só se expressa na efetiva contribuição para ratificar a integridade do sistema de dominação instaurado.

Focalizaremos aqui alguns aspectos do compor-tamento político da oligarquia agroexportadora paulista que, nos primeiros decênios do regime republicano, manipulou as instituições político-jurídicas em favor de seus próprios interesses e conveniências. Monitorando as posições e as ações da Comissão Diretora do Partido Republi-cano Paulista, ela interviu e impôs soluções nos níveis municipal, estadual e mesmo federal, como forma de assegurar estabilidade à conjuntura eco-nômica e, coerentemente, o próprio poder.

Reconhecida como grupo economicamente mais forte no Estado de São Paulo, a oligarquia ca-feicultora controlou o exercício do poder político, salvaguardando seus privilégios e impondo à nação seus projetos. Exercendo o poder como representante do povo nas instituições políticas, esse grupo preocupou-se em prover a preserva-ção e a dinamização da monocultura agrícola, manipulando instrumentos formais disponíveis como decretos, leis, projetos, pareceres, indica-ções e moções.

A ausência de classes sociais suficientemente competitivas ensejou um ambiente propício e tranqüilo à atuação dessa oligarquia, durante os primeiros trinta anos do regime republicano. A manutenção do seu sistema de dominação não exigiu barganhas ou concessões a segmentos específicos da população, mas apenas o controle e reajuste de suas dissensões internas.

A diversidade e a complexidade assumidas pe-las relações de produção capitalista geraram o inchaço da oligarquia, dando abrigo a interes-ses cada vez mais heterogêneos. Com isso, a manutenção do poder, por parte do grupo hege-mônico, ficou sujeita à habilidade no exercício de jogo de cintura, que dificultasse a evolução de cisões internas e provocasse rupturas de conseqüências irremediáveis; daí, os contínuos compromissos e recomposições de forças de que o Legislativo paulista foi a um só tempo alvo e palco.

No resgate do comportamento político da oligar-quia cafeicultora ficou perceptível, na prática par-lamentar, os mecanismos por ela adotados para se conservar no poder e dar foros legais à sua permanência.

Zita de Paula Rosa*

Prática Política do Legislativo Paulista

* Zita de Paula Rosa é natural de São Paulo. Graduou-se em História pela Universidade de São Paulo, onde obteve também os títulos de mestre e doutor em História Social. Leciona atualmente na rede pública estadual e é autora dos livros A dominação Legitimada (Contexto), onde desvenda os caminhos trilhados por deputados e senadores paulis-tas na República Velha, e O Tico Tico: meio século de ação recreativa e pedagógica” (Universidade São Francisco). ([email protected])

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Acervo histórico

Sessão solene de abertura dos trabalhos legislativos no ano de 1923.

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É importante destacar que os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário não existem isoladamente, mas coexistem num contexto no qual suas atri-buições se definem e se redefinem como forma de sustentar o próprio sistema de dominação. Por constituir-se em peça vital na engrenagem mon-tada, o Poder Legislativo não pode ser visto como uma instituição frágil, inexpressiva, manipulável, mera chancelaria do Poder Executivo.

Nas primeiras décadas do regime republicano o Poder Executivo era exercido por um presidente de Estado e o Poder Legislativo por um Congres-so, composto por duas Câmaras: a dos deputa-dos e a dos senadores.

Uma análise das manifestações dos congres-sistas, ostensivas e de bastidores, revelou es-tratégias e recursos empregados pela oligarquia dominante para promover a eleição de elemen-tos identificados com os seus interesses e para exercer o devido controle sobre a atuação desses parlamentares. Os divergentes não eram impedi-dos de emitir opiniões, convicções e denunciar injunções impostas ao Congresso. Enquanto não comprometessem sensivelmente os interes-ses da oligarquia cafeicultora, tais interlocutores eram tolerados. Seus pronunciamentos eram até mesmo incorporados aos discursos governistas, em nome da legitimação do próprio sistema, que estaria assim evidenciando sua natureza

democrática. Todavia, a partir do momento em que tais manifestações excedessem os limites do suportável seriam prontamente neutralizadas ou embargadas, em nome da fidelidade e harmonia partidárias ou em razão dos interesses do “bem público”.

A nulidade do Congresso e sua sujeição ao coman-do ou arbítrio do Poder Executivo, evidenciadas na aprovação, sem questionamentos ou maiores debates, das proposituras de iniciativa governa-mental, devem ser percebidas em sua adequada dimensão. Na docilidade e maleabilidade do Po-der Legislativo residia, na realidade, a sua força, na medida em que sua aparente inexpressividade constituía condição essencial para provimento da coesão, sustentação e legitimação necessárias ao sistema de dominação oligárquica.

Se fosse acentuado o fortalecimento do Legislati-vo, isto geraria, possivelmente, conflitos, desequi-libraria o sistema e, em última instância, poria em risco os interesses do grupo dirigente, perspectiva que cumpria evitar a todo e qualquer custo.

Assim, a submissão do Legislativo, habilmente induzida, favorecia a implantação de uma política centralizadora e autoritária, sem espaço para opo-sições expressivas, revelando as contradições de um arcabouço liberal, mantido sobre estruturas tradicionais e anacrônicas.

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Abertura solene do Congresso no ano de 1926. Parlamentares apreciam a mensagem do Governador

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Na distribuição de vagas no Congresso, na com-posição das Mesas e Comissões e na indicação de lideranças partidárias se evidenciava o esque-ma de sustentação do poderio oligárquico. As bases desse poderio se assentavam, virtualmen-te, na colocação de pessoas confiáveis em posi-ções-chave para garantir rumos consentâneos na condução do processo político.

A definição de parâmetros para o provimento de uma conveniente representação nas Casas do Congresso esteve regularmente presente nos debates concernentes a questões eleitorais. Ra-ramente uma legislatura conseguiu eximir-se da discussão do assunto, uma vez que a composição de forças necessárias aos interesses próximos e mediatos da Comissão Diretora do Partido Repu-blicano supunha freqüentes reajustes no proces-so eleitoral.

As diretrizes norteadoras da composição dos quadros do Legislativo eram geralmente definidas cuidadosamente, levando em conta as forças envolvidas, os acordos e os comprometimentos dos diretórios locais com a Comissão Diretora do Partido Republicano Paulista.

O postulante ao Congresso tinha, a princípio, que estar devidamente qualificado como eleitor, ser brasileiro, maior de vinte e um anos, alfabetizado e não sujeito à obediência de regras e estatutos que implicassem restrições à liberdade individual.

Além disso, deveria encontrar-se no pleno exer-cício de seus direitos políticos e estar domiciliado no estado, há pelo menos três anos. Disposições complementares impediam o acesso ao Legisla-tivo dos que exercessem funções junto ao Poder Judiciário, bem como dos ocupantes de cargo na presidência ou direção de companhias, empresas ou bancos beneficiários do governo do Estado.

O caminho que conduzia ao Legislativo, em geral, delineava-se de forma progressiva para o aspiran-te à vida parlamentar; de ocupante de cargo pú-blico de carreira, por exemplo, passava a exercer funções de confiança, daí partindo, via indicação, para concorrer ao Legislativo. Pesavam nessa trajetória, além da confiabilidade inspirada, com-petências em oratória e sagacidade para agir sem comprometer os interesses do grupo hegemônico. O acesso ao Legislativo, no entanto, era facilitado aos egressos das academias e aos vinculados por laços de parentesco aos detentores do poder.

Na composição das chapas, a Comissão Diretora procedia com extremo cuidado, bloqueando o acesso de elementos que pudessem criar obs-táculos a uma atuação parlamentar sintonizada com os interesses que ela representava. Situa-ções supervenientes podiam comprometer esse esforço, gerando o aparecimento de dissidências que deveriam ser erradicadas, neutralizadas ou absorvidas, antes que se transformassem em sé-ria ameaça ao grupo hegemônico no poder.

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Acervo histórico

O acesso ao Poder Legislativo só podia ser com-preendido em razão do processo eleitoral que o viabilizava. Este, nas primeiras décadas do regi-me republicano, transcorreu, de um modo geral, em clima tranqüilo. Apesar de não haver obri-gatoriedade de voto, a ocorrência de incidentes durante a realização dos pleitos surgia quando os resultados desejáveis eram ameaçados por eventuais surpresas.

A adoção do voto distrital foi introduzida nos deba-tes parlamentares desde 1896, segundo ano da Terceira Legislatura. A insistência de uns poucos congressistas em propor a divisão do estado em distritos visava favorecer a representatividade de parlamentares não plenamente sintonizados com o ideário e a prática política da Comissão Diretora do Partido Republicano.

Uma reforma eleitoral promulgada em 1905 am-pliou de vinte para vinte e quatro o número de senadores e, de quarenta para cinqüenta, o de deputados, instituindo o voto distrital apenas para as eleições destes últimos.

Além da divisão do Estado de São Paulo em dez circunscrições eleitorais, elegendo cada qual cin-co deputados, ficou estabelecido que seriam reali-zados dois escrutínios. No primeiro, se elegeriam os candidatos que obtivessem votação igual ou superior ao quociente resultante da divisão da to-talidade dos votos apurados por cinco, número de vagas por distrito. Assim, por exemplo, se em um distrito votassem cinco mil eleitores, o quociente a ser alcançado seria de mil votos. Qualquer candidato que obtivesse esse total estaria eleito. Previa-se que apenas um ou dois candidatos em cada distrito atingiriam o quociente necessário, o que imporia a realização de segundo escrutínio para eleger os demais representantes, pela or-dem de votos obtidos.

Posto em prática o voto distrital em dois escru-tínios para deputado estadual, em 1907, houve necessidade de interferências da Comissão Dire-tora do Partido Republicano Paulista para garantir a indicação de determinados nomes nas chapas “oficiais”. A introdução do novo sistema ocorria após a chamada “Conciliação” ou “Congraçamen-to” que, em 1906, reintegrou à família republicana antigos dissidentes do Partido. Incertezas quanto à efetiva receptividade de candidaturas indepen-dentes despertavam na Comissão Diretora temor quanto a eventuais surpresas.

Embora desde os tempos da Propaganda Re-publicana se acenasse com a perspectiva de

ensejar ao povo o pleno gozo de prerrogativas inerentes à cidadania, na realidade o que lhe era oferecido em termos de participação política era avalizar candidaturas impostas.

Apologistas da implantação do voto distrital para a eleição de deputados estaduais afirmavam que ele conferiria cunho efetivamente liberal ao pro-cesso eleitoral e propiciaria a almejada represen-tação das “minorias”. Contudo, o rigoroso controle dos eleitores, a rigidez da disciplina partidária e a manipulação das composições de força para viabilizar a eleição de elementos desejáveis, no duplo escrutínio, bloquearam, na prática, as chan-ces remotas dos candidatos independentes.

Apesar da nova roupagem de que se revestiram, as reformas eleitorais não ensejaram às minorias e aos distritos qualquer representatividade. A for-ma de operacionalização da referida reforma, as adequações nela processadas e os mecanismos específicos a que sucessivamente deu origem foram de molde a não deixar dúvidas quanto às intenções que haviam norteado sua implantação, inspiradas e convergentes, em última instância, para a manutenção do status quo.

Saudada como marco renovador na política do Estado de São Paulo, por supor um contato es-treito dos eleitos com os distritos responsáveis por sua eleição, as expectativas de mudanças na representatividade de minorias se desvaneceram. O rígido esquema montado pela Comissão Dire-tora do Partido Republicano Paulista, objetivando promover as indicações para as chapas “oficiais” e controlar a distribuição de votos nos distritos eleitorais entre os seus candidatos, bloqueou o acesso de candidaturas independentes.

Num processo de rearticulação de forças, tanto no primeiro como no segundo escrutínio, a atuação da Comissão Diretora foi eficiente, concentrando os sufrágios em dois ou três nomes distinguidos com preferência. E para coibir a crescente expan-são de oposições no seio de Partido Republicano e evitar possíveis surpresas, promoviam-se pré-vias nas quais algumas indicações seriam supri-midas ou deslocadas e outras seriam impostas.

A despeito da interferência direta da Comissão Diretora, nas eleições de 1910, algumas candi-daturas oposicionistas, preteridas pelas forças governistas, lograram êxito. Concorrendo em chapas próprias, elas conseguiram um relativo aumento de representatividade, sem contudo se converterem em ameaça mais séria. Estes oposicionistas, entretanto, não conseguiram, em

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Senador Cândido Motta lê mensagem do Governador, na sessão solene de abertura do Congresso, em 1930

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momento algum, articular qualquer projeto políti-co, mantendo apenas embates modestos com os legitimadores dos projetos governistas.

Se os mecanismos legais, como, por exemplo, leis concernentes ao processo eleitorais, se mostrassem insatisfatórios, havia, como alterna-tiva, um conjunto de práticas a que se podia re-correr para obter o impedimento de ingresso dos indesejáveis: desorganização intencional nos trabalhos eleitorais, substituição de cédulas, im-pedimento da presença de fiscais de candidatos oposicionistas no acompanhamento do processo de votação, distribuição criteriosa dos votos nos núcleos eleitorais entre os candidatos oficiais, irregularidades na remessa de cópias das atas das mesas eleitorais, dificultando a atuação da junta apuradora, dupla votação de eleitores e outras artimanhas. Imaginação e criatividade eram dons cultivados com carinho pelo grupo dirigente, quando se tratava de assegurar sua perpetuação no poder.

A existência de um partido único, que usufruía o prestígio oficial, que se arrogava o direito de indicar e eleger a totalidade dos representantes, que recorria ao rodízio, como forma de fugir às críticas, que escamoteava os direitos dos elei-tores, impedia o êxito de tentativas isoladas de moralização do processo eleitoral.

Enquanto o Poder Executivo propagava a liber-dade de voto e recomendava a neutralidade dos agentes do poder, a Comissão Diretora recorria, com a cooperação de chefes distritais, a toda a sorte de mecanismos, impedindo o acesso de representantes franco-atiradores, que pudessem falar e agir por conta própria. A Comissão Diretora

não criava obstáculos ao surgimento de candida-turas independentes, pois era preciso conferir um cunho democrático ao processo eleitoral posto em prática; contudo, raramente essas candida-turas alcançavam sucesso nas urnas, tais as artimanhas a que se lançavam mão para derrotá-las. Caso saíssem vitoriosas, apelava-se, como último recurso, para a interferência da Comissão Verificadora de Poderes, verdadeira expurgadora de candidaturas indesejáveis. A ela cabia apreciar os diplomas dos candidatos eleitos e averiguar o mérito das contestações havidas e das irregulari-dades registradas no processo eleitoral.

O ceticismo popular em relação às eleições era atribuído à falta de espírito cívico e de educa-ção política do povo. Em certa medida, ele não passava de produto do próprio desprestígio das instituições republicanas, da ausência de partidos políticos e dos casuísmos da legislação eleitoral, cuja perspectiva, explícita ou velada, resumia-se em assegurar a perpetuação das oligarquias no poder, frustrando continuadamente o direito de representação das minorias.

A preocupação com o eleitorado independente, rebelde às diretrizes e orientações da Comissão Diretora do Partido Republicano Paulista, evi-denciou-se em 1907, com a implantação do voto distrital. Concentrando-se nos grandes centros urbanos, especialmente na Capital, com seu comportamento imprevisível, esse contingente dificultava para a Comissão a tarefa de distribuir, entre os candidatos por ela referendados, os dife-rentes núcleos eleitorais.

Entretanto, se na Capital existia um eleitorado independente e insubordinado, aí também se con-

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Acervo histórico

centrava a maioria do funcionalismo público, su-jeita a pressões, mediante promessas e ameaças. Atentos, os mandarins do poder apelavam para todas as estratégias para evitar que um eleitorado rebelde provocasse desequilíbrios, que pudessem perturbar, ainda que em escala reduzida, o esforço de manutenção de sua dominação hegemônica.

Na linguagem popular, a expressão “eleições a bico-de-pena” identificou o simulacro, a falcatrua e os abusos que comumente ocorriam durante o processo eleitoral.

A tarefa da mesa receptora era fundamental. Às vezes ela nem chegava a ser constituída, como forma de impedir a votação, nas localidades em que os opositores aos candidatos governistas fossem reconhecidamente imbatíveis. A inexistên-cia de livros e urnas, a não abertura do local de votação, o não atendimento à convocação pelos mesários indicados, a dificuldade para completar ou compor a mesa, momentos antes do início da eleição foram expedientes empregados para obs-truir o processo eleitoral. Em tais circunstâncias, não ocorria votação, só restando a alguns eleito-res o recurso de se dirigir a um cartório de paz, para lavrar veemente mas inócuo protesto.

Multas em dinheiro e prisão celular, de três meses a dois anos, seriam aplicadas àqueles que impe-dissem o eleitor de votar, solicitassem votos, me-diante promessas ou ameaças, vendessem seu voto, tentassem votar com o título de outro eleitor, fornecessem seu título a outro ou votassem mais de uma vez, impedissem ou dissolvessem a mesa eleitoral, portassem armas ao votar, extravias-

sem, ocultassem, inutilizassem, confiscassem ou substituíssem títulos. Entretanto, tais infrações ficavam impunes, a despeito das denúncias por parte dos prejudicados.

O fato de o voto não ser obrigatório favorecia o emprego de múltiplas estratégias, visando condu-zir o processo eleitoral aos resultados desejadosOs relatórios dos chefes de polícia e dos Secretá-rios do Interior e da Justiça, ao se referirem às al-terações na ordem pública, reconheciam que, nos períodos que antecediam à sucessão em cargos do Executivo e do Legislativo, multiplicavam-se os distúrbios político-eleitorais; sintomaticamente, entretanto, tendiam a subestimar as proporções desses eventos.

Eram declarados eleitos os candidatos com maior votação. Em caso de empate, a escolha era deter-minada por sorteio, anunciado na imprensa, com 24 horas de antecedência, sendo seu resultado consignado em ata.

Nos distritos eleitorais, o processo de apuração tendia a ser mecânico, tranqüilo e inquestioná-vel. O mesmo, no entanto, não acontecia nas se-ções eleitorais, onde as mesas, ao procederem à apuração dos sufrágios, podiam forjar os resul-tados desejados, antes de lavrarem suas atas. Era nesta etapa que se processava a inutilização de votos válidos ou o cômputo de sufrágios de mortos e ausentes, em conformidade com os interesses majoritários.

Para o grupo dirigente, afigurava-se vital as-segurar a composição e o comportamento da

Congressistas na abertura dos trabalhos legislativos no ano de 1930

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facção hegemônica no Congresso do Estado, tanto como forma de prover a sustentação e a dinamização ao seu projeto econômico, como de ensejar condições para que o projeto em questão, extrapolando os limites territoriais do Estado, se impusesse à Nação.

Para garantir a hegemonia no Congresso, blo-quear as fissuras detectadas no seio do Partido Republicano e harmonizar interesses díspares e conflitantes de facções do grupo dirigente, um dos espaços ideais para negociações, acordos e compromissos era, certamente, o representado pela distribuição das vagas no Legislativo.

Sendo o acesso a essas vagas inspirado e regula-do por propostas liberais, afigurar-se-ia incoeren-te a criação de obstáculos ao surgimento de can-didaturas independentes. Assim, a admissão de tais candidaturas no processo eleitoral prestou-se para conferir-lhe foros de autenticidade e matizes democráticos. O acolhimento dessa concorrên-cia, contudo, gerou a necessidade do apelo a múltiplos mecanismos, institucionalizados ou não, para prover o expurgo de candidaturas indesejá-veis que, se vitoriosas, pudessem pôr em risco o funcionamento harmônico da representatividade do grupo hegemônico no Poder Legislativo.

“Maioria” e “minoria” foram expressões comumen-te usadas nos pronunciamentos de deputados e senadores e nos editoriais políticos da imprensa. Tais referências identificavam, respectivamente, o disciplinado contingente de parlamentares sintoni-zados com as diretrizes da Comissão Diretora do Partido Republicano Paulista e o reduzido grupo de congressistas insubordinado a essas mesmas diretrizes. Menções a “minorias” jamais indicaram qualquer compromisso com os problemas, inte-resses ou reivindicações de setores excluídos da sociedade.

As minorias nas primeiras décadas republicanas não chegaram a constituir-se em verdadeira opo-sição às diretrizes governistas. Sem coesão, uni-dade e regularidade de ação, bem como interesse pela apresentação de projetos de reorganização social ou política, elas não passaram de um so-matório de atitudes contestatórias, independentes entre si, ditadas mais por simpatias e antipatias pessoais, que por convicções ideológicas.

Em razão do seu caráter assistemático, difuso, ino-fensivo para os interesses do grupo hegemônico, a atuação das minorias tendeu a ser, não apenas tolerada, mas, inclusive estimulada, como forma de legitimar o sistema de dominação vigente.

Deputados que se auto-identificavam como mino-rias não ingressavam na Câmara em decorrência de eventuais “furos” no processo eleitoral. A pos-tura de resistência ou antagonismo às diretrizes da Comissão Diretora, que caracterizou a atuação dessa minoria foi endógena à vivência parlamen-tar. Tanto maioria como minoria tenderam a se identificar, mais propriamente com pessoas, do que com doutrinas e programas de ação.

Tatus, mosquitos, jorgistas, bernardistas, linsis-tas... não designavam partidos políticos, classi-camente entendidos como agremiações constituí-das em torno de princípios e ideais para a defesa e execução de programas de ação específicos, buscando representatividade no Congresso Le-gislativo; simplesmente identificavam diferentes facções em que se fragmentava o único partido reconhecido - o Partido Republicano - lutando, cada qual, para conservar o poder quando o deti-nha, ou para conquistá-lo, quando este ainda não lhe pertencia.

No sistema de dominação oligárquica vigente, o Poder Legislativo adquiriu características específi-cas. Assim, não representou a sociedade civil, em sentido mais amplo. Esta era pouco complexa e precariamente organizada para permitir uma efe-tiva pluralidade na representação de interesses e aspirações. Os setores médios da população en-contravam-se, ainda, em estado embrionário. O Poder Legislativo constituiu-se, então, sobretudo, em expressão dos interesses do grupo dirigente e de suas facções, em disputas internas.

À pouca complexidade da sociedade civil contra-punha-se a diversidade crescente assumida pela própria oligarquia, na medida em que interesses econômicos, cada vez mais variados, nela encon-travam abrigo. Acentuava ainda mais a complexi-dade em questão, a intrincada rede de relações familiares, de laços de apadrinhamento e de com-prometimento continuamente estabelecidos.

O poeta Mário de Andrade, em “Paulicéia Des-vairada” (1922), sob o título “O Rebanho!” , associava os deputados no Congresso com a imagem de um rebanho submisso ao condutor, pastando rente ao palácio da Presidência do Estado. No entanto, essa subserviência, inope-rância e inexpressividade do Poder Legislativo são possíveis de serem contestadas. Em sua sujeição e fragilidade aparentes é que residiu sua força; esse arcabouço, débil como se afi-gurava, sustentou e legitimou durante décadas um sistema de dominação, do qual, ainda hoje, encontramos resquícios.

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Uma das principais bandeiras dos republicanos brasileiros, exposta no seu manifesto inaugural de 1870, era a da instituição de um Estado fundado no princípio federativo. Eles o definiam como uma idéia democrática por excelência e o apresenta-vam como a única forma de manter a coesão do Brasil. No seu manifesto inaugural de 1870 os re-publicanos faziam, desse modo, um contraponto com o regime monárquico e seu caráter extrema-mente centralizador:

“A centralização, tal qual existe, representa o despotismo, dá força ao poder pessoal que avassala, estraga e corrompe os ca-racteres, perverte e anarquiza os espíritos, comprime a liberdade, constrange o cida-dão, subordina o direito de todos ao arbítrio de um só poder, nulifica de fato a soberania nacional, mata o estímulo do progresso local, suga a riqueza peculiar das provín-cias, constituindo-as satélites obrigados do grande astro da Corte - centro absor-vente e compressor que tudo corrompe e tudo concentra em si – na ordem moral e política, como na ordem econômica e administrativa.”

Desta visão resultava a formulação da autono-mia às províncias, “princípio cardeal e solene” inscrito na bandeira dos republicanos. E tam-bém, como decorrência lógica, defendiam a autonomia dos municípios. Assim o fazia, um entre vários exemplos, o deputado provincial Prudente de Moraes, em pronunciamento feito no plenário do Legislativo Paulista, em 20 de Março de 1882:

“Sou sectário convicto da descentralização política e da mais larga descentralização administrativa; por isso quero que se re-conheça a plena autonomia de municipa-lidade, dando-lhe faculdade para resolver definitivamente sobre criação, arrecadação e aplicação das rendas municipais. Está isso no programa de meu partido.”

No entanto, o programa republicano não se con-cretizou conforme a teoria. Com a instauração do regime republicano, os municípios se viram confrontados com uma prática que lhes tolheu por muito tempo as aspirações de autonomia. Somente mais de um século depois, com a Cons-tituição de 1988, o Município receberia o estatuto de ente federado.

Aqui iremos examinar como os primeiros repu-blicanos construíram, teórica e praticamente, a figura da autonomia municipal. A partir de docu-mentação preservada na Divisão de Acervo Histó-rico da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, será examinado um caso concreto: a da Constituição Política do Município de Santos de 15 de Novembro de 1894, que chegou a instituir a eleição direta para prefeito e, ao que consta, pela primeira vez sob o regime republicano, o voto da mulher e que acabou anulada pelo Congresso Legislativo do Estado de São Paulo.

A quESTão MunICIPAL no 2º IMPérIo E oS rEPuBLICAnoS

Sob o centralizado regime imperial brasileiro os municípios tinham de ter as suas leis, então

Dainis Karepovs*

* - Dainis Karepovs é historiador. Mestre e Doutor em História Social e História Econômica pela Universidade de São Paulo. Diretor da Divisão de Acervo Histórico da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. Autor, em parceria com Fulvio Abramo, de Na contracorrente da história. São Paulo, Brasiliense, 1987; A história dos bancários - Lutas e conquistas: 1923-1993. São Paulo, Bangraf, 1994; Luta subterrânea. São Paulo, Hucitec/Ed. da UNESP, 2004, além de artigos publicados em revistas do Brasil e do exterior. ([email protected])

A Constituição Santista

Papéis Avulsos

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Acervo histórico

chamadas de posturas municipais, referendadas pelas Assembléias Legislativas Provinciais, as quais, além disso, também tinham a tarefa de dis-cutir e aprovar os orçamentos municipais.

Os republicanos paulistas, frente a isto, elabora-ram, em 1873, as “Bases para a Constituição do Estado de São Paulo”, formuladas pela Comissão Permanente do Congresso Republicano. Nele propunham que, sob o regime republicano, em cada município houvesse um Poder Executivo Municipal, confiado a uma ou mais pessoas, por eleição ou nomeação, “conforme determinar o Município por deliberação de seu Conselho”, e um Conselho Municipal, com 7 a 21 membros, eleitos a cada quatro anos. A ambos ou a qual-quer um deles caberia a nomeação, fiscalização, demissão, bem como a regulação das atribuições e vencimentos dos funcionários “indispensáveis à administração do Município”.

Com respeito às Câmaras Municipais eram-lhes dadas pelo Projeto de Constituição as seguintes atribuições:

“§ - Organizar o respectivo Estatuto Muni-cipal;§ - Legislar por meio de Posturas sobre estradas, ruas, jardins, logradouro público, mercados, abastecimento d’água, obras de irrigação, incêndios, iluminação, instrução pública, bibliotecas populares, hospitais, hi-giene e saúde pública, embelezamentos e regularidade das povoações, cemitérios, e sobre todos os serviços e obras de peculiar interesse do Município;§ - Fixar e despesa municipal e decretar impostos para ela;§ - Criar e organizar uma guarda munici-pal exclusivamente destinada a auxiliar os poderes do Município no exercício de suas atribuições e cumprimento de suas leis;§ - Decretar desapropriações por utilidade municipal, de harmonia com os casos e for-ma determinados por lei do Estado.”

Tais posicionamentos seriam mantidos, em 1881, no programa dos candidatos do Partido Republicano nas eleições na Província de São Paulo. A eles acrescentava-se, como uma espé-cie de adaptação ao quadro então existente - em que, como vimos acima, a Assembléia Provincial tinha de sancionar as posturas municipais -, o seguinte item:

“Fica o poder legislativo provincial com di-reito de cassar ou anular as deliberações

das municipalidades, que forem contrárias ao interesse provincial ou nacional.”

oS MunICíPIoS PAuLISTAS SoB A rEPúBLICA

Com a proclamação da República, os republi-canos paulistas puderam pôr em prática o seu programa para os municípios.

Prudente de Moraes, então como primeiro Gover-nador paulista sob o novo regime, reiterou a dou-trina dos republicanos a respeito da autonomia dos municípios:

“Considerando que a tutela administrativa, exer-cida durante muitos anos sobre os municípios, só tem produzido o entorpecimento e a penúria na sua vida econômica e que era urgente, sob o novo regime, a necessidade de emancipar os municípios, confiando-lhes a faculdade de proverem aos seus próprios negócios, por es-tar verificado, teórica e praticamente, que só a descentralização, pelo estabelecimento da au-tonomia municipal, pode despertar as energias locais, impulsionar a vida pública e expandir as suas forças latentes ...”1

Em 15 de Janeiro de 1890, por meio de decreto, Prudente de Moraes deu aos municípios compe-tência para criar e suprimir impostos; orçar a re-ceita e a despesa; contrair empréstimos; alterar, revogar e decretar posturas municipais; suprimir e criar empregos municipais; decidir sobre a po-lícia administrativa e econômica do município; e, igualmente, tudo quanto se referir à tranqüilidade, segurança, comodidade e saúde dos munícipes. Tal decreto, todavia, “para garantir os inestimá-veis benefícios da instituição da autonomia muni-cipal pela repressão de quaisquer exorbitâncias”, dava ao Governador o poder de cassar ou anular atos contrários “às leis do Estado ou da Nação ou prejudiciais ao interesse do município, do Estado ou da Nação”.

Em 1891 reuniu-se o Congresso Constituinte Estadual de São Paulo e, no texto final promul-gado em 14 de Julho, dedicou-se uma parte da Constituição ao Regime Municipal, que remetia à legislação ordinária a organização dos municí-pios, determinando apenas alguns princípios ge-rais a serem observados. Estes estabeleciam que todos os cargos criados para autoridades seriam eletivos, os quais podiam ser suprimidos pelos municípios ou terem seus mandatos revogados pelos eleitores – cidadãos maiores de 21 anos –, os quais também teriam o direito de revogar suas

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deliberações. Reiterava-se na Constituição a “má-xima autonomia governamental e independência econômica” dos municípios

Além disso, a Constituição paulista de 1891 dava ao Legislativo estadual prerrogativas para anular os atos municipais:

“Art. 54 º As deliberações e atos do gover-no municipal só poderão ser anulados pelo Congresso:§ 1º) quando contrários a esta e à constitui-ção federal;§ 2º) quando ofenderem direitos de outros municípios e estes representarem;§ 3º) quando forem exorbitantes das atri-buições do governo municipal.Art. 55 - O presidente do Estado, no inter-valo das sessões legislativas, poderá sus-pender, em qualquer dos casos do artigo antecedente, a execução das deliberações e atos municipais.§ Único - A respectiva anulação pelo Con-gresso só poderá ser decretada se por ela votarem pelo menos dois terços dos mem-bros presentes.”

A Lei nº 16, de 13 de Novembro de 1891, regula-mentada pelo Decreto nº 86, de 29 de Julho de 1892, organizou os municípios paulistas, dando-lhes uma autonomia inigualável até então. A lei de organização dos municípios estabeleceu que as Câmaras Municipais teriam de seis a dezoito vereadores, com mandatos de três anos, eleitos pelo sufrágio direto e por maioria dos votos. Além de estabelecer algumas normas de funcionamen-to das Câmaras, definia que competia a um dos vereadores, eleito anualmente por seus pares, a tarefa da execução das deliberações dos Legis-lativos Municipais. Estes vereadores recebiam o

nome de intendentes, ou seja, corresponderiam ao que hoje seriam os prefeitos.

A lei dos municípios também lhes dava pode-res para estabelecer o processo eleitoral mais conveniente aos seus interesses, desde que respeitada a Constituição do Estado. Deixava claramente estatuído que as Câmaras Munici-pais, nos termos da Constituição estadual e das leis estaduais, exerceriam “livremente todas as suas atribuições e deliberarão sobre todos os negócios do município por meio de leis, posturas ou provimentos”.

Cabia também às Câmaras Municipais decretar as despesas, as receitas e os impostos locais. A Lei nº 16 estabeleceu as fontes de receita dos municípios, proibindo-os de criar impostos que já constituíssem renda do Estado. Permitia-se, desde que o serviço da dívida não excedesse a 25% da receita municipal, que os municípios fizessem operações de crédito e obtivessem empréstimos, excetuando-se os obtidos junto a estabelecimentos de crédito com sede no exterior, que teriam de obter a anuência do Legislativo estadual.

A Lei de 1891 dava às Câmaras o poder de “de-liberar a venda, aforamento, locação e troca de bens do município, sem licença ou aprovação de qualquer outro poder”, bem como decretar desapropriações por utilidade pública. Também se dava aos municípios a liberdade de criação de empregos municipais. Além disso, permitia às municipalidades organizar suas guardas e polícias municipais, as quais seriam dirigidas por “autoridade eleita” pelas Câmaras.

Quanto à abrangência de seu poder de legislar, competia às Câmaras Municipais deliberar:

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“1º - Sobre o alinhamento, limpeza, cal-çamento, demolição e numeração das ruas e praças, construção, conservação e reparos de cais, jardins públicos, mu-ros, calçadas, pontes, fontes, chafarizes, poços, lavanderias, viadutos, e em geral sobre todos os logradouros públicos e construções em benefício comum dos ha-bitantes ou para decoração e ornamento das povoações;2º - Sobre servidões, estradas e caminhos dentro do município;3º - Sobre pesos e medidas;4º - Sobre matadouros, talhos e açougues, feiras e mercados, local para venda, fabri-cação e depósito de fogos de artifício, de pólvora e de todos os gêneros inflamáveis ou que possam prejudicar a saúde e o sos-sego dos habitantes e sobre a qualidade dos gêneros de consumo sujeitos à dete-rioração;5º - Sobre o uso de armas nas povoações, proibindo-o daquelas que julgar perigosas;6º - Sobre tudo que interessar à higiene do município, decretando todas as medidas e providências, que, não contrariando a lei geral do Estado, forem a bem da salubri-dade do lugar e da saúde e o sossego dos habitantes, reclamando auxílio dos pode-res do Estado nos casos extraordinários e auxiliando as competentes autoridades sanitárias, onde as houver;7º - Sobre abastecimento de águas, serviço de esgotos e iluminação pública, sem pre-juízo dos direitos firmados nos lugares em que estes serviços sejam feitos por contra-tos com o Governo do Estado;8º - Sobre o serviço de extinção de incên-dios e de irrigação das ruas;9º - Sobre espetáculos, divertimentos públi-cos e jogos;10º - Sobre caça e pesca;11º - Sobre o serviço telefônico, que come-ce e acabe no município;12º - Sobre veículos e serviço de transporte;13º - Sobre hospitais, serviço de socorro aos indigentes e criação e manutenção de estabelecimentos que se destinem a obras pias e de caridade;14º - Sobre cemitérios e serviços de en-terro, organizando os respectivos regula-mentos, em que deixarão livre a todos os cultos a prática dos ritos religiosos, desde que não ofendam à mortal pública e às leis;15º - Sobre tudo quanto diga respeito à polícia e ao bem do município.”

A Lei nº 16, de 13 de Novembro de 1891, dava aos eleitores do município o poder de anular, mediante proposta de um terço e aprovação de dois terços deles, as deliberações das autorida-des municipais e regulava o seu procedimento. A este tópico seguia-se a repetição dos artigos 54 e 55 da Constituição, quando se tratava da possibilidade de recorrer diretamente ao Con-gresso Legislativo do Estado de São Paulo contra as deliberações das autoridades muni-cipais.

Concluía a lei de organização dos municípios com dois artigos que merecem destaque. O pri-meiro deles, o artigo 83, definia que, à medida que fossem eleitas as Câmaras Municipais, estas deveriam rever “todas as leis, regulamentos, pro-vimentos e posturas existentes, revogando, refor-mando ou modificando-as, conforme exigirem os interesses e condições peculiares do município”. O outro, o artigo 92, permitia às Câmaras Munici-pais “organizar o seu governo sob forma diversa da estabelecida na presente lei, suprimindo e substituindo as autoridades criadas e criando outras com atribuições diferentes”, desde que fossem respeitadas as diretrizes da Constitui-ção estadual. Com relação a este artigo cumpre precisar que em sua regulamentação, através do Decreto nº 86, de 29 de Junho de 1892, estabe-lecia-se que somente após primeira eleição os municípios poderiam proceder às alterações que desejassem.

O Decreto nº 86 manteve fundamentalmente o texto e as diretrizes da Lei nº 16, fazendo apenas uma exposição mais racional e precisando alguns aspectos, quando necessário, com o texto da Constituição estadual. O decreto, além de subs-crito pelo Presidente do Estado em exercício, J. A. de Cerqueira César, tinha a assinatura do então Secretário dos Negócios do Interior, o jurista e poeta Vicente de Carvalho, personagem dos fatos adiante narrados e que, também, havia sido um dos constituintes paulistas de 1891.

o CASo SAnTISTA

A partir daqui se fará uso de dois importantes conjuntos documentais preservados na Divisão de Acervo Histórico da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo para ilustrar as tensas relações entre teoria e prática no campo da auto-nomia dos municípios sob o regime republicano implantada em 1889. Trata-se do Projeto nº 120, de 1895, da Câmara dos Deputados de São Pau-lo, e do Recurso Municipal sem número de 1894, do Senado do Estado de São Paulo.

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Se no arcabouço legal os republicanos, como se viu acima, colocaram na forma de lei o seu programa de autonomia para os Municípios, sua aplicação prática chocou-se com a teoria. Como a passagem do regime monárquico para o republicano deu-se a frio, sem quebras bruscas e violentas das instituições, é lícito imaginar-se que muitos dos parlamentares que elaboraram a Constituição Federal e as constituições esta-duais tivessem pertencido, até 15 de novembro de 1889, às fileiras dos partidos monarquistas Conservador e Liberal, para os quais muitos dos pontos programáticos republicanos eram consi-derados inadmissíveis. No campo das questões da federação e da autonomia dos municípios é extremamente simbólico o fato de, quando da criação da Biblioteca do Congresso Legislativo do Estado de São Paulo – através da Lei nº 150, de 4 de julho de 1893 –, haver um artigo determinando que a biblioteca deveria também abrigar obras relativas às especialidades de cada Comissão, os códigos, constituições e leis usuais de outros países, “especialmente dos que são regidos pelo sistema federativo”2. Era este último, como é fácil de perceber, um tema ainda árido aos novos parlamentares da nova ordem republicana.

Apesar de haver indicações no sentido da bus-ca de uma melhor compreensão, por parte dos parlamentares paulistas, da temática da questão da autonomia dos municípios sob um regime fe-derativo, como a acima citada, suas atitudes nas questões a ela relativas mostram um posiciona-mento mais próximo do centralismo existente no período monárquico, do que o defendido histo-ricamente pelos republicanos em relação aos municípios. Nesse sentido, é exemplar o caso de Santos.

Esta importante porta de entrada e de saída de riquezas e do progresso de São Paulo, que é o porto de Santos, sempre foi considerada uma cidade em que a vontade de sua população em favor das causas mais avançadas era uma de suas marcas característica. O professor e escri-tor Júlio Ribeiro, em seu conhecido romance “A Carne”, pela voz de um personagem, deixa um vívido retrato do que seria a cidade de Santos em 1887 e assim descreve o estado de espírito de sua população:

“O povo santista é polido, afável, obsequio-so, franco: a riqueza que lhe proporciona o comércio de sua cidade, fá-lo generoso, até pródigo. E tem nervo, tem brio: é o único povo que eu julgo capaz de uma revolução

nesta pacata província. Não há muito em uma questão de abastecimento de água ele deu mostras de si ...”

o ConSTITuIção PoLíTICA Do MunICíPIo DE SAnToS

Após a promulgação da Lei nº 16, de 13 de No-vembro de 1891, e de sua regulamentação pelo Decreto nº 86, de 29 de Julho de 1892, elegeu-se neste ano a primeira Câmara Municipal de Santos. Empossados em 29 de Setembro, os doze vereadores3 da 1a Legislatura Republicana deveriam exercer seu mandato até 7 de Janeiro de 1896. A nova Câmara no mesmo dia da posse discutiu e aprovou seu regimento interno e iniciou seus trabalhos legislativos.

No entanto, ao longo dos anos de 1893 e 1894, houve sucessivas renúncias aos mandatos por parte dos vereadores e posses de suplentes, o que levou a que em fins de outubro de 1894 houvesse apenas onze vereadores, dos quais apenas três haviam tomado posse em 1892. Em função de tal quadro de crise o corpo dos vereadores adquiriu a convicção de que seria necessário criar uma lei que regulasse o fun-cionamento dos poderes Legislativo e Executivo municipais. Para tanto, os vereadores santistas solicitam ao ex-secretário do Interior, Vicente Au-gusto de Carvalho, que redigisse o texto do pro-jeto de lei. Tal lei, aprovada em 15 de novembro de 1894, com a assinatura de nove vereadores4, tomou o nome de Constituição Política do Muni-cípio de Santos.

A Constituição Política do Município de Santos concretizou, por meio de uma série de inova-ções, a radicalização do processo de autonomia do município.

Depois de, no preâmbulo, declarar o município de Santos “em pleno exercício da sua autonomia, como parte integrante do Estado de S. Paulo”, a Constituição afirmava no seu primeiro artigo que Santos era autônoma na “esfera da sua economia própria e nos assuntos de seu peculiar interesse”. Logo a seguir definiu seus órgãos de soberania, “por delegação do eleitorado”: a Assembléia Mu-nicipal [novo nome da Câmara Municipal], o Pre-feito e a Câmara dos Recursos.

Com relação ao Poder Legislativo, definiu a Constituição Municipal que este se reuniria, em sessões de quinze dias, quatro vezes ao ano, nos primeiros dias úteis de Janeiro, Abril, Julho e Outubro. Estabeleceu também que as eleições

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Acervo histórico

aconteceriam no dia 7 de Setembro e a posse em 4 de Janeiro. As atribuições e competências da Assembléia Municipal eram quase todas extraídas da Lei nº 16, de 13 de Novembro de 1891, e de sua regulamentação pelo Decreto nº 86, de 29 de Julho de 1892. Compete aqui destacar apenas um item, que dava ao Município como fonte de receita o produto do aforamento de terrenos de marinha, coisa que sabidamente era prerrogativa da União.

Quanto ao Poder Executivo, no caso a figura do Prefeito, Santos realmente inovava ao criar tal figura. A Constituição Política do Município de Santos estabelecia que o Prefeito e o Subpre-feito seriam eleitos, no dia 7 de Setembro, por sufrágio direto e que tomariam posse, para um mandato de 4 anos, no dia 4 de Janeiro, não se permitindo a reeleição. Definiu-se que, para serem considerados eleitos, teriam de obter dois terços dos sufrágios. Caso não obtivessem, cabia à Assembléia escolher “entre os dois mais vota-dos para cada cargo”. As suas atribuições eram semelhantes à do Presidente do Estado [nome dado pela Constituição do Estado de 1891 ao go-vernador], reduzidas à escala municipal. Caberia ao Subprefeito, entre outras atribuições, presidir a Assembléia Municipal.

A maior novidade era a Câmara dos Recursos, que era composta por três membros, eleitos na mesma ocasião em que o Prefeito e o Sub-prefeito. À Câmara dos Recursos cabia decidir sobre a “responsabilidade do Prefeito e do Sub-prefeito; recursos de atos do Prefeito; inclusão ou não no alistamento eleitoral; reclamações ou dúvidas suscitadas a respeito de eleição para

qualquer cargo municipal; erro de coleta de qualquer contribuinte; exigência injusta em assunto de hi-giene ou polícia; contratos de empreitada feitos sem concorrência; negação de alinhamentos; exigência, sobre pesos e medidas, matadouros, açougues, farmácias, feiras, merca-dos, lavanderias e constru-ções; exigência em matéria de abastecimento de água e canalização de esgotos; exigência em assuntos de caça e pesca; exigência em matéria de veículos e transportes urbanos; exi-gências sobre enterros; multas; perda de emprego

municipal; inconstitucionalidade da lei ou resolu-ção em que se baseou ato do Prefeito”.

Além disso, também são dignos de destaque na Constituição Política do Município de Santos a atribuição do direito de voto às mulheres e o estabelecimento da necessidade de concurso público para o exercício dos cargos de secretá-rio, tesoureiro, chefe de contabilidade, chefe de seção, oficial, amanuense e lançador, dando-se a estes, após cinco anos de exercício, a estabilida-de na função.

Ao final, nas Disposições Transitórias, a Cons-tituição Política do Município de Santos esta-beleceu que os primeiros Prefeito e Subprefeito seriam eleitos pela Assembléia Municipal. No dia seguinte foram escolhidos, respectivamente, os vereadores Manoel Maria Tourinho e José André do Sacramento Macuco, sendo também definidos os membros da Câmara dos Recursos, entre eles figurando o nome de Vicente de Carvalho.

Em uma sessão solene e bastante concorrida, a Constituição Política do Município de Santos foi promulgada no dia 15 de Novembro de 1894, não comparecendo a ela dois vereadores5. Neste mes-mo dia houve uma série de eventos festivos e sole-nes pelo município para comemorar-se a nova lei.

OS RECURSOS CONTRA ACONSTITUIÇÃO DE SANTOS

No entanto, reações contrárias também foram desencadeadas. A primeira delas foi feita por José Emílio Ribeiro Campos, advogado e diretor

qualquer cargo municipal; erro de coleta de qualquer contribuinte; exigência injusta em assunto de higiene ou polícia; contratos de empreitada feitos sem concorrência; negação de alinhamentos; exigência, sobre pesos e medidas, matadouros, açougues, farmácias, feiras, mercados, lavanderias e construções; exigência em matéria de abastecimento de água e canalização de esgotos; exigência em assuntos de caça e pesca; exigência em matéria de veículos e

José Emílio Ribeiro Campos requereu a suspensão daConstituição de Santos em 26 de novembro de 1894

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Em 10 de maio de 1895, nova petição representava contra a Constituição de Santos

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Pdo jornal Diário de Santos, que no dia 26 de No-vembro de 1894 enviou uma carta ao Presidente do Estado de São Paulo, Bernardino de Campos, requerendo a suspensão da Constituição Política do Município de Santos. Em seu documento, Campos argüía a suposta inconstitucionalidade das figuras do Prefeito e do Subprefeito e, em especial, da Câmara dos Recursos, por enxer-gar que a esta se atribuíam poderes judiciários. Imediatamente, o Presidente do Estado solicitou os devidos esclarecimentos da Assembléia Muni-cipal de Santos e remeteu a carta de Campos ao Congresso Legislativo do Estado de São Paulo.

A resposta da Assembléia Municipal, transcri-ta adiante e datada de 26 de Janeiro de 1895, calcou-se essencialmente nos artigos da Lei nº 16, de 13 de Novembro de 1891, e do Decreto nº 86, de 29 de Julho de 1892, que “reconhecem nos municípios a faculdade de organizar os po-deres que a eles são atribuídos, distribuindo-os por órgãos que a elas compete criar e suprimir, marcando-lhes atribuições”. Quanto à Câmara dos Recursos, a Assembléia Municipal afirmou em carta que a ela competia “o conhecimento das exorbitâncias cometidas pelo prefeito e a aplica-ção do corretivo aos seus atos abusivos”, sendo, portanto, uma leviandade atribuir-lhe poderes ju-diciários, como o fazia o bacharel Campos, como era sarcasticamente chamado.

No entanto, se aparentemente a resposta dada pela Assembléia Municipal de Santos parecia ter arrefecido os inimigos da Constituição Municipal, a reação se fez mais forte através de outra peti-ção, desta vez dirigida à Câmara dos Deputados e subscrita pelo major Francisco Cruz, tenente-coronel Constantino Xavier, capitão Adolpho A. Miller, Alberto José da Costa e Eduardo Weis-smann. Repetindo os argumentos de Campos, a petição do major Cruz e seus companheiros

ampliava o espectro de supostas inconstituciona-lidades da Constituição de Santos e possuía uma aparente melhor forma jurídica. Mas certamente o que lhe deu mais força foi o fato de a petição ter sido diretamente protocolada junto à Mesa da Câmara dos Deputados pelo deputado João Galeão Carvalhal, na 28a Sessão Ordinária, de 18 de Maio de 1895. Observe-se, aliás, que Galeão Carvalhal residia em Santos, sendo, portanto, seu ato uma demonstração de nítida solidariedade com a petição.

O documento do major Cruz e seus colegas re-presentava contra a Constituição de Santos em razão de ter supostamente infringido a Consti-tuição do Estado e as leis que organizavam os municípios e pediam a sua anulação. Os pontos do texto aprovado pelos vereadores santistas apontados como inconstitucionais pelo major Cruz e outros começavam pelos seus primeiros artigos que consideram o Município de Santos como “autônomo”, quando deveria apenas ter-se declarado “soberano”. Depois seguiam as alegações de ter-se, com a Câmara dos Re-cursos, criado um poder judiciário municipal. O terceiro ponto foi o fato de se dar às mulheres o direito de voto. Em seguida, o major Cruz e seus amigos apontavam o fato de a Constituição de Santos estabelecer penas, definir delitos e regu-lar formas processuais. Logo depois, apontavam como inconstitucional a determinação de casos de desapropriação por utilidade pública. Outro defeito apontado foi o da marcação para o dia da eleição e o da posse dos vereadores. Também indicavam a criação de um poder executivo exer-cido por um não vereador eleito e com mandato de quatro anos. Mais uma inconstitucionalidade teria sido incluir entre as fontes de renda muni-cipal o aforamento de terrenos de marinha. Em seguida indicavam como defeituoso o direito da Assembléia Municipal de verificar poderes de

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seus membros com recurso distinto do estabe-lecido em lei. Uma outra irregularidade seria o estabelecimento de novos casos de perda de cargo de vereador. Logo após, apontavam como defeituosa a decisão que deu à Assembléia Mu-nicipal o poder de deliberar sobre a incorporação de territórios de outros municípios ao de Santos, bem como sobre o seu próprio desmembramen-to. O penúltimo item apontado era a faculdade de organizar a força municipal do município. Por fim, no décimo terceiro item, eram questionados os valores dos salários dos subsídios do Prefei-to, do Subprefeito e dos vereadores.

o PArECEr Do DEPuTADo ALfrEDo PuJoL

No próprio dia 18 de Maio a petição do major Cruz e seus amigos foi enviada à Comissão de Cons-tituição e Justiça para exame e teve designado como relator o deputado Alfredo Pujol. Em um lon-go parecer de vinte e seis páginas manuscritas, o deputado Alfredo Pujol deu conta de sua tarefa e esmiuçou cada um dos pontos levantados pelos recorrentes.

Cinco das alegações feitas pelo major Cruz e seus amigos foram julgadas improcedentes pelo deputado Pujol, por estarem as decisões dos ve-readores de Santos claramente amparadas nas leis existentes, a saber: a soberania do Município, o poder de desapropriar por utilidade pública, a definição de casos para a perda de mandato de vereador, o poder de constituir força policial e, por fim, a definição de valor dos subsídios.

Em parte, o deputado Alfredo Pujol acatou dois argumentos dos recorrentes.

O primeiro foi o referente à Câmara dos Recur-sos. O deputado Pujol, ao examinar os artigos da Constituição Municipal de Santos referentes à Câmara dos Recursos, constatou que esta era “uma instituição meramente administrativa”, que tinha como finalidade “facilitar às partes em litígio a pronta reparação de direitos prejudicados na esfera administrativa do município”, nada impe-dindo que as partes pudessem recorrer a outras instâncias, como deixava, claro, o próprio texto da Constituição Municipal. Não tinha, portanto, o caráter de poder judiciário. No entanto, o relator apontava duas disposições do texto legal que deveriam ser anuladas: a que dava à Câmara o poder de decidir a respeito da responsabilidade do Prefeito e do Subprefeito e a que lhe dava poderes para decidir sobre inclusão ou não no alistamento municipal. Argumentava o deputado

Pujol que eram disposições inócuas, platônicas, sem efeitos práticos:

“Qualquer que seja a decisão da Câmara de Recursos sobre a responsabilidade do prefeito e do subprefeito, ou sobre reclama-ções a propósito de eleição para qualquer cargo, é claro que nos termos da legislação criminal (Lei nº 16, de 13 de novembro de 1891, art. 91) tornar-se-á efetiva a respon-sabilidade de quaisquer autoridades muni-cipais, desde que tenham elas incorrido na sanção penal, bem como, na hipótese da letra E [“de reclamações ou dúvidas sus-citas a respeito de eleição para qualquer cargo municipal”, dk], o tribunal de justiça decidirá quaisquer recursos eleitorais de acordo com a legislação eleitoral (art. 32 § único, da lei nº 16).”

O deputado Pujol indagava se o Congresso Le-gislativo do Estado de São Paulo deveria perder tempo em analisar “disposições inúteis que a fantasia dos legisladores municipais lhes suge-rir”, mas deixava clara sua disposição em anular todas as resoluções municipais que exorbitas-sem das atribuições conferidas pela lei, mesmo as que, como as de Santos, “nenhum embaraço possam opor à ação autoritária das leis do Esta-do, quer na ordem administrativa, quer na esfera judiciária”.

A segunda argumentação acatada parcialmente pelo deputado Pujol era a que tratava da questão do Prefeito. Quanto ao cargo em si e da forma como os vereadores de Santos o fizeram, o deputado Pujol entendia que estavam em seu pleno direito:

“A execução das deliberações das Câ-maras é, evidentemente, uma atribuição governativa: ora, se as Câmaras podem organizar SEU GOVERNO sob forma di-versa da estabelecida na lei orgânica (res-peitado princípio fundamental, consagrado na Constituição, que impõe a eletividade de todas as autoridades municipais), nada pode impedir que as funções executivas sejam confiadas pelas Câmaras – como o fez a de Santos – a um funcionário ELEI-TO, fora do quadro dos vereadores.”

Apontava, no entanto, um aspecto que deveria ser anulado: o mandato de quatro anos estabelecido ao Prefeito. Com lógica, o deputado Pujol afirma-va que ele não poderia ser superior a três anos, conforme estabelecido em lei, pois a questão da

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duração do mandato constituía uma questão geral ligada às “conveniências de harmonia e homoge-neidade na vida política do Estado”.

Os outros sete pontos questionados pelo major Cruz e outros foram acatados integralmente pelo relator. As questões relativas aos delitos, penas e formalismo processual, à verificação dos poderes e ao território municipal o deputado Pujol as incluiu entre aquelas que chamou de inócuas e deveriam ser anuladas. As outras três Pujol classificou como exorbitância da

Assembléia Municipal de Santos. Entre estas estava a questão da concessão do direito de voto à mulher, a qual o deputado Pujol afirmava ser contrária às Constituições Federal e Paulista. O relator citava o artigo 70 da Constituição Federal e o artigo 59 da Constituição de São Paulo. Ambas tinham a mesma redação: Eram eleitores os brasileiros natos e maiores de 21 anos. Tal formulação, em seu entendimento, deixava implícita a privação dos direitos de voto à mulher. A rigor, como se vê, o argumento é insustentável, pois é fundado no entendimento

Na petição de 1895, os requerentes alegam que o direito ao voto feminino contraria as constituições Federal e Estadual.

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que a expressão “os brasileiros” refere-se ao gênero masculino, ao passo que em vários dos artigos em que se refere a “funcionários públicos” – o que incluía professoras, por exemplo –, aí eram inseridas as mulheres. Todavia, esta lei não escrita vigiu durante toda a República Velha.

O deputado Alfredo Pujol concluiu seu parecer propondo a nulidade de artigos e parágrafos que, em parte, deram provimento ao recurso do major Cruz e outros, e os demais fossem mantidos.

O relator da Comissão de Constituição e Justi-ça, ao final de seu parecer, deixou claro que o seu trabalho ali exposto estava restrito ao qua-dro legal então existente. Todavia, afirma que se impunha ao Congresso Legislativo paulista a revisão das leis de organização municipal, pois considerava que o disposto no artigo 92 da Lei nº 16, de 13 de Novembro de 1891, bem como outros artigos que considerava “radicais”, haviam produzido “resultados anarquizadores, que era lícito esperar da outorga de tão ampla autonomia a municípios gerados e educados no domínio centralizador e absorvente da lei de 1º de Outubro de 1828 [a lei sobre as câmaras mu-nicipais do Império do Brasil, dk] e apenas ex-perimentados para a vida autonômica na rápida transição determinada pelo decreto do governo provisório de 15 de Janeiro de 1890”. Para o de-putado Pujol não bastava decretar as liberdades publicas nem regulamentar o seu exercício, era “preciso que o sentimento da independência penetre nos costumes do povo sem os impul-sos da licença e da intemperança”. Evocando exemplos relativos aos Estados Unidos, à Suíça e à Inglaterra o relator da Comissão de Consti-tuição e Justiça da Câmara dos Deputados do Congresso Legislativo do Estado de São Paulo, caudatário do liberalismo hegemônico entre as classes dirigentes paulistas e brasileiras, deixa-va claro em seu parecer que o sentimento de independência penetraria gradualmente e sob a vigilância e a tutela de elites esclarecidas: a democracia temperada pelo bom senso, na fra-se de Bernard D’Harcourt de que faz uso para coroar seu raciocínio.

Todavia, na data em que o relator apresentou seu parecer à Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, em 14 de Junho de 1895, seus colegas de Comissão, os deputados Alexandre Florindo Coelho e Eugênio de Andrade Egas, não tiveram os mesmos pru-ridos de Pujol e votaram contra seu parecer e

apresentaram substitutivo em que simplesmente anulavam toda a Constituição de Santos e que acabou sendo considerado como “o” parecer da Comissão.

o DEBATE no LEGISLATIvo PAuLISTA

No dia 18 de junho os dois pareceres e os reque-rimentos do major Cruz e de Campos foram apre-sentados ao plenário e no dia 22, na 55ª Sessão Ordinária, entraram em discussão. O primeiro a pedir a palavra foi o maior interessado no assun-to, o deputado Galeão Carvalhal, que examinou o parecer do deputado Pujol sobre a “burlesca lei”, cognome pelo qual o deputado Carvalhal se refe-ria à Constituição Municipal.

O deputado Carvalhal em suas primeiras palavras deixou claro, ao comparar a organização federa-tiva brasileira com a norte-americana e a suíça, qual o verdadeiro lugar a ser ocupado pelas muni-cipalidades: “subordinadas à autoridade do corpo legislativo, ao Tribunal de Justiça, como represen-tante do poder judiciário, e ao poder executivo”. Como resultado lógico desta perspectiva enfocou em primeiro lugar o ponto para o qual atribuiu falta de competência dos vereadores santistas: a decretação de uma constituição política. Para o deputado Carvalhal, a expressão constituição política designava um objeto definido:

“A lei fundamental, o estatuto político que determina a forma de governo de um povo, que regula os direitos políticos, os deveres e as relações dos cidadãos de uma nação livre. Uma constituição política pode bem ser definida – o conjunto das instituições e das leis fundamentais destinadas a re-gular a ação da administração e de todos os cidadãos. Uma constituição contém in-questionavelmente as bases fundamentais da organização social e da organização po-lítica, que são por sua vez os elementos ne-cessários para a organização do Estado.”

Fica evidente, pela leitura da Constituição Munici-pal de Santos não ser este exatamente o seu caso, já que seu foco era o da organização de poderes, não se vendo em seus artigos algo relativo aos direitos e deveres dos cidadãos. Além disso, como observou em parte o deputado Pujol, o argumento de Carvalhal teria sentido se a Câmara Municipal de Santos houvesse decretado uma constituição para o Estado de São Paulo. Cumpre deixarmos assinalados estes comentários, antes de prosse-guirmos com a exposição do deputado Carvalhal. A seguir reiterou, entre outros, os argumentos do

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major Cruz e seus amigos de que os vereadores de Santos haviam instituído três poderes em San-tos: O Legislativo, representado na Assembléia de 12 membros, o Executivo, encarnado no prefeito, e o Judiciário, exercido pela Câmara dos Recursos.Enfatizada por Carvalhal e por vários outros depu-tados que o sucederam na tribuna em defesa dos mesmos pontos de vista foi a instituição da figura do prefeito eleito em votação específica e pelos eleitores. Carvalhal expunha claramente como deveria ser conformado o Poder Executivo: em-bora delegado pelo povo, o Executivo deveria ser definido de modo indireto, pelo voto dos vereado-res. Além de revelar uma permanência subjacen-te do centralismo existente no Estado monárquico abolido em 15 de Novembro, o controle sobre os municípios seria um dos principais pilares do que se veio conhecer um pouco mais tarde como a “política dos governadores”: uma rígida cadeia de controle que vinha dos municípios e chegava à presidência da República. Não se poderia correr o risco de a vontade dos eleitores nela interferir de modo direto, sem os filtros dos acordos polí-ticos e concretizados nas chamadas comissões de verificações de poderes, compostas pelos próprios candidatos eleitos, nas quais se podia simplesmente anular a voz das urnas através dos mais disparatados argumentos. Desse modo, conformada a Câmara, implicitamente estava es-tabelecido o Poder Executivo6.

Para o deputado Carvalhal era inadmissível “ad-mitir o pensar daqueles que concedem aos pode-res municipais a faculdade de legislar sobre tudo o que não esteja expressamente proibido tanto pela constituição do Estado, como pela constituição fe-deral”. O resultado de tal “pensar” era a anarquia e, por isso, concluía afirmando que a Constituição deveria ser anulada em sua totalidade.

Ao deputado Carvalhal seguiram os outros dois membros da Comissão de Constituição e Justiça, deputados Alexandre Coelho e Eugênio Egas, justificando seu voto contrário ao parecer do deputado Pujol, que reiteraram, com pequenas variações, o que já havia dito o deputado Carva-lhal. Este e Eugênio Egas deram exemplos da su-posta anarquia propiciada pela lei de organização dos municípios. O deputado Carvalhal apontara o caso de uma lei de Santos, também anulada, em que se estaria regulamentando a prostituição. Mas o maior rol ficou por conta do deputado Egas, que, sintomaticamente, deixou claro seu modelo de organização municipal:

“No regime da lei de outubro de 1828 nós não conhecíamos câmaras municipais que

tivessem um orçamento de 1.800:000$000 e que despendessem com o pagamento de funcionários públicos mais de 600:000$000; nós não conhecíamos câmaras municipais que garantissem empréstimos hipotecários de companhias particulares; nós não conhecíamos câmaras municipais que acobertassem desfalques ocasionados pelos seus procuradores; nós não conhe-cíamos, enfim, câmaras municipais que não prestassem contas, que não zelassem completamente os interesses sagrados do contribuinte que paga e que fizessem doa-ção gratuita do patrimônio municipal.

Hoje, as câmaras municipais, afastando-se do terreno que deviam trilhar, isto é, o terreno unicamente administrativo, aquele que se prende ao bem-estar de seus muní-cipes, enveredam por um caminho cheio de perigos, e, em vez de tratarem da felicidade de seus munícipes, elas se dão ao capri-cho de publicar até constituições políticas municipais.”

Além disso, o deputado Egas manifestou sua indignação pelo fato de a Constituição Municipal ter garantido “direitos civis, e até políticos, dando o voto às mulheres”.

Além dos acima citados, também enveredaram pelas mesmas críticas os deputados José de Almeida Vergueiro, Álvaro Augusto da Costa Car-valho e Carlos de Campos.

O deputado Pujol tentou defender seu parecer. Reiterou seus pontos de vista de que a figura do prefeito eleito diretamente pela população não era inconstitucional, nem tampouco a Câ-mara dos Recursos podia ser vista como um Poder Legislativo. Embora deixasse claro que se opunha também à “extrema liberalidade para com os municípios” da Lei nº 16, em especial de seu artigo 92 – para o qual chegou a lançar um repto aos seus colegas: “Vamos riscar o art. 92 da lei orgânica e depois anularemos toda a constituição de Santos” -, chamou a atenção de seus colegas para o risco que corriam. Para o deputado Pujol anular toda a Constituição de Santos significava a Câmara dos Deputados anular dispositivos da Lei nº 16 reproduzidos na Constituição santista:

“É justo, é prático, é sensato anular com-pletamente a lei, anarquizando serviços começados e outros em andamento no município, anulando todos os esforços con-

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cretizados numa lei sábia, levando a mais completa anarquia à vida do município?”

Mas sequer este argumento foi ouvido em função de a maioria dos deputados estar convicta de que se tratava não apenas de discutir se determinadas questões eram constitucionais ou não, tratava-se de adotar uma posição exemplar. Assim, 27 votos foram dados à favor da completa anulação da Constituição de Santos, contra três pelo parecer do deputado Pujol7.

A resolução da Câmara dos Deputados seguiu, em 27 de Junho, para o Senado Estadual, sendo enviada à sua Comissão de Constitui-ção, Legislação e Poderes, composta pelos senadores Antônio Pinheiro de Ulhôa Cintra, Frederico José Cardoso de Araújo Abranches e Antônio Mercado. O parecer nº 53 foi apresen-tado em 8 de Julho e discutido em plenário dois dias depois. Este parecer centrou seu foco na questão, absolutamente formal e terminológica, de não ser prerrogativa de câmaras municipais promulgar constituições, e que, portanto, esta deveria ser anulada, ratificando-se a decisão da Câmara dos Deputados. Desse modo, o Senado eximiu-se de discutir o conteúdo da Constituição Municipal de Santos.

Tal parecer foi assinado com restrições pelo senador Mercado. Em primeiro lugar, o senador Mercado afirmava que, nos casos de pronuncia-mentos sobre deliberações de Câmaras Munici-pais, como o Congresso Legislativo do Estado

de São Paulo agia como um tribunal, deveriam as suas resoluções ter a forma de sentenças, independendo de promulgação para se torna-rem efetivas. A segunda restrição deveu-se ao fato de o senador Marcado, não para este caso, para o qual manifestava sua adesão, considerar que não se deveria ter como norma apenas a apreciação de um ato municipal em seu con-junto, mas podendo-se destacar as disposições inconstitucionais.

Tais observações não modificaram o decidido e assim o Senado Estadual paulista enviou ao Pre-sidente do Estado e à Câmara dos Deputados a resolução anulando a Constituição Municipal de Santos e a publicou no Diário Oficial do Estado, o que ocorreu no dia 11 de Julho de 1895.

E assim acabou anulada a “Constituição Política do Município de Santos”, voltando-se ao quadro anterior a 15 de novembro de 1894. O episódio também deixou clara mensagem aos municípios de São Paulo sobre os limites de sua autonomia municipal sob o novo regime republicano: “o ter-reno unicamente administrativo, aquele que se prende ao bem-estar de seus munícipes”, como o deixara explícito o deputado Eugênio Egas. As idealizações feitas ao tempo da propaganda re-publicana no 2º Império deram lugar a um arranjo pragmático que serviu para viabilizar a estrutura política que sustentou os governos estaduais e municipais até 1930. A autonomia municipal ficou apenas para ser exaltada nos dias de festa da República Velha8.

AnEXo

“Secretaria da Assembléia Municipal de Santos, em 26 de Janeiro de 1895.

Cidadão

A Assembléia Municipal vem informar o recurso interposto pelo bacharel José Emílio Ribeiro Campos pelo modo seguinte:Antes de analisar e de contestar os argumentos que fundamentam o recurso interposto, é de suma con-veniência instar-vos que mediante incumbência da então Câmara Municipal, o projeto da Constituição Po-lítica do Município de Santos foi formulado pelo ilustrado advogado dr. Vicente Augusto de Carvalho, que seria incapaz de comprometer a Câmara Municipal, de abusar da confiança em si depositada, redigindo o mesmo projeto contra a Constituição do Estado de S. Paulo, em que colaborou ele como Deputado no Congresso Estadual, concorrendo com o seu voto e também com a sua assinatura para a promulgação dessa lei básica e fundamental do Estado.E como era natural esta comissão consultou a opinião do ilustrado redator do projeto da Constituição Mu-nicipal, a fim de ser o recurso interposto respondido e informado criteriosamente.

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Em conformidade com o parecer dado a essa consulta, a parte primeira do referido recurso exprime ape-nas ignorância do assunto.Os dois argumentos usados pelo recorrente contra a legitimidade da Constituição Municipal são ambos equivalentes na ausência, a ambos comum e completa em ambos [sic], dos princípios do direito e precei-tos das leis [ilegível] que regulam a matéria.Pretende o recorrente, em primeiro lugar, que a Constituição é nula por alterar a organização dos poderes estabelecida pela lei nº 16 de 13 de Novembro de 1891, e que só mediante aprovação do Congresso do Estado poderia o município alterar a organização de poderes que vigorou até a promulgação da sua lei fun-damental.Heresia admirável, que contra o princípio da autonomia municipal pretende doutrinar uma intervenção [ilegível] do Congresso do Estado em matéria afeta à decisão dos municípios; heresia admirável, que se levanta contra disposição expressa e clara de leis escritas!Quer a Constituição do Estado, art. 53 § 1, quer a lei nº 16 citada, artigo 92, reconhecem nos municípios a faculdade de organizar os poderes que a eles são atribuídos, distribuindo-os por órgãos que a eles com-pete criar e suprimir, marcando-lhes atribuições.Quer a Constituição do Estado, quer a lei nº 16, mandam apenas, na organização dos poderes municipais por ato dos municípios, respeitar os preceitos da eletividade para todos os cargos de autoridade, revogabili-dade do mandato e dos atos e deliberações de quaisquer autoridades, capacidade eleitoral e condições de elegibilidade. Todos esses preceitos são rigorosamente observados pela Constituição Municipal. Onde, pois, a exorbitância das atribuições do município para dar azo à intervenção dos poderes do Estado? O munícipe, usando desse argumento absurdo, deu um tiro para o ar. Não o deu menos quando atribui caráter judiciário à Câmara dos Recursos, para sustentar a sua ilegitimidade em face da lei do Estado, que nega aos municípios jurisdição contenciosa. O caráter judiciário da Câmara dos Recursos é uma invenção infeliz do recorrente.O município delegou na Câmara dos Recursos atribuições que lhe são próprias, isto é, confiou-lhe inter-venção e deliberação em assuntos que são de positiva e expressa competência municipal. No regime comum aos municípios do Estado no geral os atos do executivo, representado pelos intendentes, estão sujeitos à apreciação das Câmaras Municipais.As Câmaras Municipais destituem os intendentes que lhes desagradam, marcam-lhes, ao sabor das maio-rias ocasionais, a tarefa; e para as Câmaras há recurso dos atos que eles praticam.No regime santista houve desmembramento dessa atribuição acumulada pelas Câmaras com a faculdade legislativa.Aqui, o Legislativo legisla unicamente, cabendo à Câmara dos Recursos o conhecimento das exorbitân-cias cometidas pelo prefeito e a aplicação do corretivo aos seus atos abusivos.Atribuir-lhe caráter judiciário é ignorar a significação da palavra.A Câmara dos Recursos não distribui justiça, não decide em questão de direito. Permite-se, em casos previstos na lei, a anular atos do prefeito e declará-lo destituído do cargo. As suas atribuições nada têm, portanto, de judiciárias, são, apenas e acentuadamente, administrativas e políticas.Quanto à falta de publicação da Constituição Municipal, também não procede o respectivo argumento do recorrente.É certo que nos termos das “Disposições transitórias” da Constituição Municipal, no dia seguinte ao da sua promulgação, a Câmara Municipal reuniu-se como Assembléia Municipal em sessão extraordinária, para tratar, como tratado, das medidas mais urgentes, procedendo-se então as eleições do prefeito, do subprefeito e dos membros e suplentes da Câmara dos Recursos.Porém, se a execução da Constituição Municipal a respeito dessas medidas mais urgentes, conforme as suas “Disposições Transitórias”, após a sua promulgação sem anteceder sua publicação pela imprensa, constitui irregularidade, não motivo de nulidade, o que se contesta; conclui-se que também estão viciadas das mesmas irregularidades ou nulidades a Constituição Federal e a própria Constituição Política do Es-tado de São Paulo, em cujas “Disposições transitórias” foram também determinadas certas providências urgentes e que foram executadas logo depois das promulgações dessas Constituições por não poderem ser adiadas posteriormente a [ilegível] de suas respectivas publicações.E, além disso, a promulgação solene da Constituição Política do município de Santos em 15 de Novembro do ano findo foi um ato essencial e notoriamente público, para o qual foram convidados o povo e todas as autoridades da comarca, não só pela imprensa como por convites especiais feitos por comissão nomeada pela Câmara Municipal.E, além disso, logo depois da promulgação mandou-se publicar a Constituição Municipal pela imprensa, o que já antes se havia feito no projeto e imprimiram-se folhetos e foram geralmente distribuídos pelos habitantes do município.

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Acervo histórico

Em conseqüência, da mesma forma que as outras, tal argumento do recorrente não tem procedência alguma.

Saúde e fraternidadeO Subprefeito

José André do Sacramento Macuco

O 1º SecretárioAntônio Manoel Fernandes

Ao cidadão Dr. Cesário MottaM. D. Secretário dos Negócios do Interior do Estado de S. Paulo.”

noTAS1 - Exposição apresentada ao Dr. Jorge Tibiriçá pelo Dr. Prudente José de Moraes Barros, Primeiro governador do Estado de São Paulo, ao passar-lhe a administração no dia 18 de Outubro de 1890. São Paulo, Vanorden, 1890, p. 13-14.2 - Além disso, cabia à Biblioteca do Congresso reunir todas as leis, decretos, resoluções, relatórios, anais, mensagens e outros documentos dos poderes do Estado de São Paulo, dos outros Estados e da União; de adquirir, ou obter cópia de crônicas, roteiros e memórias relativas ao Brasil e principal-mente a São Paulo e também tudo quanto pudesse interessar ao estudo da Geografia, da História e da Etnografia do Brasil e de São Paulo.3 - Afonso Francisco Veridiano, Antônio Augusto Bastos, Brasílio Monteiro da Silva, João da Costa Silveira, João Éboli, João Nepomuceno Freire Júnior, João Octávio dos Santos, José Antônio Vieira Barbosa, José Caetano Munhoz, José Cesário da Silva Bastos, Manoel Maria Tourinho e Narciso de Andrade foram os vereadores santistas empossados em 29 de Setembro de 1892.4 - Eram eles Manoel Maria Tourinho (Presidente), José Caetano Munhoz (1º Secretário), Alexan-dre José de Mello Júnior (servindo de 2º Secretário), José André do Sacramento Macuco, Alberto Veiga, Antônio Manoel Fernandes, João Braz de Azevedo, Antônio Vieira de Figueiredo e Augusto Filgueiras.5 - Trata-se de João Antônio de Segadas Viana e Ricardo Pinto de Oliveira6 - Anos mais tarde, como resultado da Reforma da Constituição Paulista ocorrida em 1905, a Lei nº 1.103, de 26 de Novembro de 1907 – modificando a Lei nº 1.038, de 19 de dezembro de 1906, que dispunha sobre a organização municipal –, admitiu a eleição por sufrágio direto e maioria relativa de votos, apenas para Prefeito (sendo o subprefeito escolhido pela Câmara Municipal), nos municí-pios de São Paulo, Santos e Campinas. Nos demais cabia à Câmara escolher ambos. Se a eleição direta para os três maiores municípios paulistas poderia assinalar uma certa confiança na eficácia dos arranjos político-estruturais da República Velha, o fato de os demais municípios não terem este instituto mostra a mão férrea da oligarquia paulista e os limites de seu “liberalismo”.7 - Votaram a favor da anulação total da Constituição de Santos os deputados Alexandre Coelho, Álvaro Carvalho, Nogueira Cobra, Costa Carvalho, Fontes Júnior, Arnolpho Azevedo, Arthur Prado, Carlos de Campos, Daniel Machado, Eduardo Garcia, Elpídio Gomes, Eugênio Egas, Estevam Marcolino, Oliveira Braga, Francisco Malta, Pereira da Rocha, Malta Júnior, Galeão Carvalhal, Ro-drigues Guião, Almeida Vergueiro, Rangel Júnior, Paula Novaes, Lucas de Barros, Luiz Piza, Oscar de Almeida, Pedro de Toledo e Raphael de Campos, e contra os deputados Alfredo Pujol, Cardoso de Almeida e Pereira de Queiroz.8 - Ao mesmo tempo, em processo que se conformou ao longo de alguns anos, o Poder Legislativo estruturou a forma pela qual avocou para si, de forma inequívoca, através da Reforma da Consti-tuição de 1905, o poder de anular as deliberações e atos das municipalidades. Este poder coube específica e exclusivamente ao Senado Estadual, que constituiu, inclusive, uma comissão de ca-ráter permanente, a Comissão de Recursos Municipais, a fim de apreciar e decidir tais questões. Suas resoluções revocatórias de leis municipais eram consideradas definitivas, não podendo mais as municipalidades ou o Poder Judiciário aplicá-las.

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Pelos idos de 1905, quando tudo ainda era mata selvagem, terra dos índios Terena e Guarani, repleto de jacutinga – pássaro

muito encontrado e caçado na região –, alguns desbravadores já habitavam o local.Um deles, o “João Guari” – apelido de João Batis-ta Dias, que veio de São Manuel com a família e alguns companheiros – foi quem deu a sugestão, no início de 1906, ao Major Gasparino de Qua-dros, um dos donos da Fazenda Jacutinga, da doação de terras para a formação de um novo povoado.A contribuição seria de 10 alqueires para a Câ-mara Municipal de Bauru e a Igreja, com atri-buição da Prefeitura executar o arruamento e a venda dos lotes.O lugarejo denominado Jacutinga e com tempo São Sebastião de Jacutinga – em honra a seu padroeiro – começou a crescer com a chegada da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil e a inau-guração de sua estação ferroviária, em 27 de setembro de 1906.No ano seguinte o progresso foi significativo: com a construção de novas casas de madeira, apareceram os primeiros comércios – o arma-zém, o açougue, a farmácia – e construção do primeiro cemitério.Em 1910, com as ruas já iluminadas por lam-piões, é inaugurado o primeiro cinema, funcionando em um bar-racão, com eletricidade fornecida por um motor.A próspera Vila foi elevada a Distrito de Paz do Município de Bauru, pela Lei nº 1246, de 30 de dezembro de 1910.Em agosto de 1918, Jacutinga contava com 2.000 habitantes, 245 prédios; com arrecadação, referente ao período de 1º de janeiro a 24 de julho de 1918, de 24.368#925 (vinte e quatro con-tos e trezentos e sessenta e oito mil e novecentos e vinte e cinco réis) e 133 prédios comerciais.Pela Lei nº 1672, do dia 2 de de-zembro de 1919, foi o Distrito de

Jacutinga elevado a município, recebendo o nome de Avaí, para evitar a confusão, muito comum na época, entre as cidades homônimas de São Paulo e Minas Gerais e com intenção de relembrar a celebre batalha contra o exército paraguaio, co-mandada pelo Marquês de Caxias, em dezembro de 1868, às margens do arroio do Avaí.O conjunto de imagens e documentos desta “Memória Visual” é procedente do Projeto de Lei nº3, de 1918, do Senado do Estado de São Paulo, adotado e votado como Projeto Substitutivo pela Câmara dos Deputados do Estado de São Paulo, em novembro de 1919.Avaí está localizada no centro do Estado, distante da Capital em 325 km, pertencendo à 7ª Região Administrativa, vizinha das cidades de Bauru, Presidente Alves, Reginópolis, Gália e Duartina.Com um clima variável, nos seus 543 km², to-pografia de planalto, tem na agricultura – café, abacaxi, laranja e verduras – e na pecuária – bo-vino (nelore), eqüino, suíno e caprino – o seu ponto forte. Com quase 5 mil habitantes, em sua maioria na área suburbana, o município possui a última re-serva indígena da região – a Aldeia de Araribá, povoada por índios de etnia Terena e Guarani, que ainda cultivam os seus costumes na agricul-tura, no artesanato e na tecelagem.

Avaí: Terra da JacutingaMemória Visual

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O 1º Juiz de Paz, com a elevação de distrito, em 1910.Foi o Dr. Horácio Messias Nogueira

Para 1º sub-delegado de polícia foinomeado o capitão Juvencio Silva

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Pela certidão ao lado, o Sr Aurélio Barcellos de Almeida, sub-prefeito de Jacutinga, declara que existem 220 prédios na província, sendo 150 bons e 70 inferiores.

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Freitas Valle e Jacques D’Avray: o senador-poeta

* Doutora em História Social realiza pós-doutorado no Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo – IEB/USP. Escreveu, entre outros, Monteiro Lobato: Furacão na Botocúndia. São Paulo, SENAC, 1997 (em co-autoria); Villa Kyrial: Crônica da Belle Époque paulistana. São Paulo, SENAC, 2001 e A Semana de 22: entre vaias e aplausos. São Paulo, Boitempo, 2002. ([email protected])

O seu feitio era de Mecenas. A galanteria nele não se incrustava numa máscara social: era um vértice do seu espírito pluri-facetado. Tinha qualquer coisa de príncipe da Renascença, de uma figura medícia da estirpe daqueles políticos que sabiam ser, ao mesmo tempo, homens de empresa e artistas.

Menotti Del Picchia1

Reconstituição sempre problemática e incom-pleta do que não existe mais, nas palavras de Lévi-Strauss, a história traz impressa a assina-tura de quem a escreve, constituindo antes uma versão do que a verdade inquestionável dos fa-tos. Ninguém duvida que o pesquisador privilegia certos episódios e personagens, recortando no conjunto das memórias individuais e coletivas os elementos para costurar os processos históricos. A subjetividade inerente ao ofício explica, em parte, porque determinados eventos e sujeitos sociais acabem superdimensionados em relação a outros de igual ou maior importância no seu tempo. Nessa dinâmica insere-se a figura de José de Freitas Valle, cujo salão artístico e literá-rio batizado Villa Kyrial, marcou profundamente a vida intelectual da cidade nas décadas iniciais do século XX.

Adquirida em 1904, sua mansão da Domingos de Morais, 10, no bairro de Vila Mariana, tornou-se um ponto de encontro da elite social e política da

capital do café, ao lado de jovens talentos sem re-cursos em busca do apoio da oligarquia ilustrada. Patrocinador da primeira exposição do pintor rus-so Lasar Segall no Brasil em 1913, Valle recebia, em saraus e banquetes memoráveis, personalida-des em visita ao país, além dos futuros protago-nistas da Semana de 22, como Mário e Oswald de Andrade. Mentor do Pensionato Artístico de São Paulo, programa que de 1912 a 1930 concedeu bolsas de estudos na Europa a nomes como Anita Malfatti, Victor Brecheret, o maestro Francisco Mignone e o pianista João de Souza Lima, entre muitos outros, Valle controlava o circuito das ar-tes na cidade. E, apesar de conduzir um espaço de sociabilidade e de trocas de idéias que desa-guariam em movimentos de vanguarda estética, como no caso do modernismo, ele permaneceu por décadas a fio ausente das páginas dos livros da nossa história cultural recente. Por isso, vale a pena conhecer mais de perto este gaúcho que deixou Alegrete em 1885, aos 15 anos de idade, para ingressar na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, celeiro de presidentes de Esta-do e da República.

frEITAS vALLE, o MAGnífICo

Múltiplo de político, mecenas, literato, educador e gourmet, membro da maçonaria e do restrito cír-culo da elite paulista, posição realçada por meio do casamento com uma representante da oligar-quia regional, Valle foi o que se pode chamar de um legítimo legislador da República Velha. Como deputado de 1904 a 1924 e, depois, senador da

Marcia Camargos*

Leis&Letras

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Acervo histórico

bancada do Partido Republicano Paulista até a Revolução de 30, quando saiu do cenário e aban-donou a vida pública, ele desenvolveu uma atua-ção parlamentar focada na educação e nas artes. Comparecia com assiduidade ao prédio da Praça João Mendes, onde funcionava o Poder Legislati-vo bicameral, formado pela Câmara e pelo Sena-do. Relator da Comissão de Recursos Municipais, articulador do Pensionato Artístico do Estado de São Paulo, assumia compromissos e propunha medidas que se coadunavam com preocupações típicas do universo político e cultural do período.

Para divulgar os métodos pioneiros de ensino, popularizados pelo governo de Washington Luís, Freitas Valle publicou dois livros condensando seu discurso na Câmara, a lei e a regulamentação do ensino público, que inspiraria iniciativas semelhan-tes Brasil afora2. Presidente da Comissão de Ins-trução Pública por muitos anos, Valle apresentou projetos de lei criando escolas operárias e agríco-las para menores, reformulando os cursos da Es-cola Politécnica e da Escola Superior de Agricultu-ra Luiz de Queiroz e fundando a Escola Normal do Brás. Foi, também, responsável pela remodelação da Biblioteca Pública que, até 1911, existia apenas nominalmente, contando com quatro ou cinco fun-cionários mal remunerados. Ainda em 1911 propôs a aquisição da biblioteca de Eduardo Prado, autor de A ilusão americana, morto dez anos antes.

Também apresentou projeto de lei regulamentan-do a Pinacoteca do Estado, fundada por ele junta-mente com Carlos de Campos, Ramos de Azeve-do, Sampaio Viana e Adolfo Pinheiro e, desde no-vembro de 1905, instalada em salas do Liceu de Artes e Ofícios. Apoiada por Sampaio Viana e os engenheiros Ramos de Azevedo e Adolfo Pinto, a Câmara dos Deputados aprovou verba destinada à recuperação do museu, finalmente aberto à vi-sitação pública em 24 de dezembro de 1911 com a I Exposição Brasileira de Belas-Artes. No ano seguinte, 1912, Freitas Valle propôs a instituição de bibliotecas populares, destinadas às camadas sociais menos favorecidas, a serem implantadas nos logradouros mais populosos dos respectivos distritos, se possível junto aos pólos fabris3. Valle sugeriu, ainda, a criação do Canto Orfeônico.

O Museu do Estado, atual Museu Paulista, tam-bém foi alvo do seu interesse de legislador, tendo recebido aumento de pessoal técnico a fim de permanecer aberto mais dias na semana. Aos co-legas da Câmara, Valle deu como exemplo o visi-tante que, chegando à capital num domingo à noite e partindo três dias depois, estaria impossibilitado de conhecer seu acervo, impenetrável ao público como um “tesouro de avarento”4. Em outra oportu-nidade, apresentou projeto para amparar profes-sores e funcionários públicos que se alistassem como voluntários nas fileiras do Exército Nacional, quando este preparava os primeiros contingentes de soldados para lutar com os aliados na Primeira Guerra Mundial. Sancionada pelas duas casas do Legislativo paulista, a iniciativa foi promulgada pelo presidente do Estado em 28 de novembro de 1917, recebendo o nome de Lei Freitas Valle. E, quando esquentaram as discussões sobre as reformas constitucionais, o deputado-mecenas foi partidário da emenda que exigia naturalidade brasileira para o presidente do Brasil.

Sempre pelo PRP, elegeu-se senador estadual em 1924 na vaga aberta com a morte de Gustavo de Oliveira Godoy, com 90.470 votos. Seria reconfir-mado no cargo em 25 de abril de 1925, levando para o Senado o mesmo estilo, voltado para os problemas educacionais de São Paulo. Ao rece-ber da Câmara o projeto no 45, que reformulava a instrução pública, Valle deu parecer reconhe-cendo que o professorado paulista era mal pago, não só em face da importância de suas funções, mas diante da carestia crescente. Circunstância, a seu ver, agravada no caso do profissional da zona rural, cuja baixa remuneração proporcionava um parco sustento em troca do grande serviço que prestava no fundo dos sertões. Dadas às dificulda-des orçamentárias, que não permitiriam um ime-

Capa do livro Ensino Público no Governo Washington Luís, publicado pela Editora Garraux, em 1924

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diato reajuste salarial, propôs o rodízio do corpo docente, de modo a tornar obrigatório pelo menos um ano de exercício fora do perímetro urbano, an-tes de qualquer outra colocação no magistério5.

Por sua militância no campo educacional ao longo de 27 anos de mandatos consecutivos como de-putado e senador, Freitas Valle teria sido o artífi-ce, naquele período, da maior parte da legislação de ensino em São Paulo6.

JACQUES D’AVRAY

Para além do político do PRP, Freitas Valle foi um poeta que, filiado à corrente simbolista, es-crevia em francês sob o pseudônimo de Jacques D’Avray. Junção do sobrenome materno Jacquescom Avray, subúrbio parisiense, o pseudônimo homenageava o lado francês da família: sua mãe, Luísa Firmino, descendia de Jean Guillaume Jac-ques, médico proveniente de Saint-Pierre de Lille que em 1781 se casara em Desterro, atual Floria-nópolis, com a brasileira Antônia Joaquina do Ro-sário. Também reverenciava a “pátria espiritual”, ao evocar a minúscula e charmosa Ville-d’Avray, nas proximidades de Paris e que serviu de residência a pintores e literatos, como Musset e Balzac.

Na pele desse semeador sui generis, Valle de-senvolveria os tragipoemas, modalidade poética constituída por pequenas peças em verso, nas quais recontava um incidente que o impressio-nara. Combinando dramatização e ritmo poético, ele urdia métricas que, para João do Rio, recor-davam os trovadores medievais7. Contagiado por Rimbaud, Mallarmé, Verlaine e Leconte de Lisle, D’Avray criava, em verso livre, soneto ou rondel, uma atmosfera penumbrista por onde desfilavam figuras melancólicas como o cego, o louco, o le-proso, o náufrago ou o palhaço.

Guiado por esse leitmotiv, publicou seus tragipoe-mas em requintadas plaquetes – com poucas pá-ginas e aspecto gráfico apurado. Dedicados a um amigo ou parente, dividiam-se em duas séries, editadas entre 1916 e 1917. Um terceiro álbum com L’arc en ciel, La coupe du roi de Thulé, LeHéros, Héllenia e Un moine qui passait, entre ou-tros, foi anunciado em 1920, mas não se efetivou. Impressos sob a forma de folhetos e partituras, a maioria deles chegou a um público restrito ape-nas a saraus literários. La belle aux fleurs contou com harmonia para canto e piano de Sousa Lima e Clair de lune, um rondel, com arranjo de Fran-cisco Casabona. Já L’Étincelle seria apresentado, com sucesso, no Teatro Municipal do Rio de Ja-neiro em 1919. Capas de três Tragipoëmes de Jacques D’Avray

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Acervo histórico

Da primeira série dos tragipoemas, elaborada en-tre 1892 e 1906, constam sete peças que foram musicadas por nomes como Carlos Pagliuchi, Félix de Otero e Alberto Nepomuceno – como Les aveugles-nés, Le clown, Hères e Rataplan.Apenas Le fou de la grève, La glace e Ophis não mereceram composições melódicas nem ganha-ram o aplauso de uma platéia. A série seguinte, escrita entre 1902 e 1917, inclui Le miracle de la semence, em cantata para barítono e orquestra pelo maestro Alberto Nepomuceno e levada ao palco do Municipal do Rio de Janeiro em 1917; Hosanna, com melodia de Francisco Braga; L’Enseigne, musicado por Henrique Oswald e com recital em Buenos Aires em 1919, sob re-gência de Armand Crabbé; Guignol, por Xavier Leroux; Les naufragés; Les ames en allées e La bibliotèque d’Alexandrie. A capa dos quatro últi-mos tragipoemas trazia ilustrações de Boaventura Pacífico, que se inspirou em Antonio Rocco para realizar a xilogravura de Les naufragés e de Lesames en allées, e em gravura de Picard le Ro-main, de 1731, para La bibliotèque d’Alexandrie.As tiragens, em geral, iam de cinco a oito de cada um em papel Whatman, 25 em Polaire ou Kas-chmir e cinqüenta em Japon ou Hollande, nunca ultrapassando um total de 81 exemplares.

Com tipologia, cor e vinhetas diferentes umas das outras, essas plaquetes, acondicionadas em

caixas de papel marmorizado com título gravado em dourado, contribuíam para firmar o conceito de livro inaugurado pelos simbolistas. Conside-rado um espaço de significação, ele passou a ser concebido conforme normas de requinte e da busca de novos efeitos, contrastando com as obras parnasianas e realistas pelo tamanho, formato, número de páginas, pelo luxo e pequena tiragem. Confeccionados em papéis especiais, exploravam com sensibilidade artística o desenho das letras, o emprego de cores, ilustrações dentro do texto e apropriação das margens em branco. Valorizados, os recursos gráficos associavam-se ao tema abordado no poema, estabelecendo um diálogo sinestésico entre forma, conteúdo e sono-ridade das palavras, tornando-se parte integrante da própria obra.

TRECHO DE LÊS AVEUGLES-NÉS

Dans l’ombre immortelle qui les accompagnePromenant de longs regards, autospectifs,Les aveugles-nés s’ent vont, d’um pas tardif,Lourds, foulant les pres fleuris de la campagne.

“Na sombra eterna que os acompanha,Derramando longos olhares, autospectivos,Os cegos de nascença se vão, em passo tardio,Lerdos, pisando os prados floridos do campo”8.

Freitas Valle, ladeado pelo presidente de Estado Washington Luís e Júlio Prestes, em 1925

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Essa receita, que ensinava a buscar o raro, mas terminava no livro tornado raridade, foi seguida à risca por Freitas Valle, sintomaticamente cha-mado, por Alphonsus de Guimaraens, de Prince royal du symbole et grand poète inconnu. Pois ao contrário dos parnasianos, dispostos a escre-ver sob encomenda, Valle recusava-se a comer-cializar seus versos. Vendê-los significava aviltar seu valor intrínseco, conspurcar sua nobreza, trair sua essência. Mas também implicava expor sua arte ao julgamento dos críticos e da opinião pública, sujeitando-a a apreciação dos eventuais leitores de fora do anel dos amigos simpáticos, de pareceres afáveis e aplausos garantidos.

Nesse sentido, torna-se fácil compreender por que Jacques D’Avray optou pelo simbolismo, cor-rente que, enquanto atitude de espírito, passava ao largo dos problemas nacionais. Inserindo-se cada vez menos na teia da vida social, o poeta fazia do exercício da arte uma missão e, no limite, um sacerdócio9. Guiado pelo espiritualismo e culto dos símbolos, ele dava à sua obra uma acepção nitidamente estética, ilustrativa da observação de Leopoldo de Freitas, para quem um literato do quilate de Valle só na arte encontraria con-solação para a miséria existencial10. Já o uso da língua francesa por alguns simbolistas seria, no entender de Brito Broca, menos para estabelecer uma identificação mais perfeita com os modelos externos do que para acentuar a diferença entre os meios de expressão do poeta e os da massa popular e ignorante.

Amigo e admirador do senador poeta, José de Oiticica, conhecido militante anarquista, crítico li-terário e também poeta, acrescentou que os Tra-gipoèmes constituíam pequenas obras-primas, prodígios de sugestão, suavidade e emoção. E que, embora lamentável para o egoísmo nacio-nal, o fato de Valle escrever em francês não lhe retirava a brasilidade nem diminuía seu patriotis-mo11. Algumas publicações chegaram a justificar Valle na medida em que o francês facilitaria a leitura de Jacques D’Avray num maior número de países, dando à sua obra uma ressonância difícil de obter se escolhesse a sintaxe lusíada, a “última flor do Lácio, inculta e bela”, a um tempo esplendor e sepultura, como apontou Olavo Bi-lac. Hipótese reiterada pela revista ABC, em 5 de julho de 1919: “Freitas Valle, ou melhor, Jacques D’Avray, que é o pseudônimo em que se desdo-bra sua personalidade, escrevendo em francês abre à irradiação das suas rimas horizontes mais largos do que se as burilasse nesse sonoro, mas misterioso idioma que Herculano chamou de o túmulo do pensamento”12.

A par da universalidade almejada, o uso do então internacional francês por Jacques D’Avray teria algumas raízes fincadas nos desdobramentos da publicação de Rebentos. Financiado pelo seu pai, o livro de versos da juventude seria utilizado roti-neiramente pelos seus opositores, durante toda a sua vida, como munição para ataques e críticas ferozes, levando-o a abandonar o português para finalidades literárias. Tanto que, com o passar dos anos, na medida em que Valle ia perdendo im-portância social e política e, conseqüentemente, tornando-se um alvo menos atraente para críticos em geral, ele voltou a redigir poemas no linguajar nativo. Publicados em revistas como Para Todose O Cruzeiro, ao lado da letra do Hino dos cava-lheiros da Villa Kyrial e de Renúncia, com melodia dos irmãos Romeu e Artur Pereira e editados em brochura, assim como Quem canta..., musicado para barítono por Francisco Mignone em 1924, esses escritos demonstram que Freitas Valle não abdicou totalmente da língua pátria. E embora te-nha realizado incursões pelo italiano, com La sig-nora del Fuoco, musicado por Francisco Mignone e Alberto Nepomuceno; La signora della terra, Lasignora dei cieli e La signora del mare, de 1915, musicados por Romeu Pereira, e também pelo espanhol, com Los cantares, musicado por Félix de Otero, a porção substancial da sua obra poé-de Otero, a porção substancial da sua obra poé

O poeta aprecia sua obra

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Acervo histórico

tica é definitivamente em francês. Algo que, para o jornalista Francisco Pati, tratava-se de um caso de heterônimos, comparável ao de Fernando Pes-soa. Assim como o poeta luso, Jacques D’Avray não se escondia atrás de um pseudônimo, ele desdobrava-se, multiplicava-se13.

Pouco conhecido fora dos círculos literários, Jacques D’Avray teve poemas publicados em re-vistas e jornais estrangeiros. Em 1917 e 1920 foi citado no Mercure de France, no qual trabalhou seu amigo José Severiano de Resende. Vetor do simbolismo mundial, esse quinzenário francês dera início, em 1901, a “Lettres Brésiliennes”, uma seção a cargo de Figueiredo Pimentel que procurava traçar um panorama da literatura na-cional, abrangendo desde José de Alencar até Alphonsus de Guimaraens. Quase duas décadas depois, a Ilustración Sud-Americana, de Buenos Aires, traria Ophis:

En regardant l’horizon rouge où le ciel brûle,Je vois venir le Mythe Ardent des affligés,Promenant par l’espace une crinière en tuleEt pleurant des rayons de ses yeux constellés.Tu es pour touts la gloire, étrange majusculeOméga prodigueur des bonheurs desirés;Pour moi, pour mon espoir, hyémal crépuscule,Tu brûles cependant mes yeux désespérésAu fond de quelque trou, méconnu des humains,Je te croyais perdu, héros de ma tendresse:Je maudissais la Nuit, qui me liait les mains,Et le soleil qui m’aveuglait dans ma détresse...Mais le ciel a permis une plus triste finÀ l’amour, victimé par ton âme traîtresse:Il m’a conduite à toi, pour souffrir ton dédainEt pour te voir aux bras de cette autre maîtresse.Aveugle maintenant, aveugle et delaissée,Me voilà sur la terre à la merci du sortDes gueux, des mendiants, dont la Route est tracéeDans les champs où l’Espoir à tout jamais s’endort.Mes forces me poussant, je vais par les al-lées,Au gré des vents et dans l’attente de la mort:Et j’invoque à genoux, pour leurs âmes damnées,Le châtiment, le désespoir et le remords.14

“Mirando o horizonte vermelho onde queima o céu,Vejo chegar o Mito Ardente dos aflitos,Esvoaçando pelo espaço uma crina de tuleE chorando raios pelos olhos constelados.

És para todos a glória, estranha maiúscula,Omega prodigalizador das felicidades desejadas;Para mim, para minha esperança, hiemal cre-púsculo,Queimas, contudo, meus olhos desesperados...Ao fundo de alguma cavidade, desconhecida para os humanos, Cria-te perdido, herói de minha ternura:Amaldiçoava a Noite, que me atava as mãos,E o sol, que me cegava em minha aflição...Mas o céu permitiu um fim mais tristeAo amor, vitimado por tua alma traidora:Ele me conduziu a ti, para sofrer o seu desdémE para ver-te nos braços desta outra amante.Cega agora, cega e abandonada,Eis-me sobre a terra à mercê da sorteDos indigentes, dos mendigos, cujo Caminho está traçadoNas campinas onde a Esperança para sempre adormece.Minhas forças impelindo-me, vou pelas aléias,Ao sabor dos ventos e no aguardo da morteE eu invoco de joelhos, para suas almas con-denadas,O castigo, o desespero e o remorso.”15

Do outro lado do Atlântico, o Mercure de France celebrava Jacques D’Avray porque ele ajudava a valorizar a civilização francesa na América Me-ridional16. Aqui, Otávio Augusto acreditava que sua poesia, repleta de imagens subjetivas e de humanidade, condensada e simbólica, tinha a missão de levar a Paris uma visão de conjunto necessária à arte francesa, então ameaçada por um “objetivismo infecundo”, por uma “dissolu-ção precoce”17. Outros, porém, julgavam-na um

Freitas Valle, como Jacques D’Avray, em 1899

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autêntico desperdício. Comentando L’Étincelle, apresentada no Rio de Janeiro logo após o tér-mino da Primeira Guerra, quando uma onda de nacionalismo varreu o país, a revista Nossa Terra lamentava que Jacques D’Avray não empregasse seu talento para enriquecer a literatura nacional e cantar as belezas nativas na língua de Camões, Bocage, e Gonçalves Dias. Desculpava-o por to-dos os caprichos espalhafatosos a ele atribuídos, com exceção dessa que importava em menospre-zo e concorria para aumentar o “desamor”, já tão acentuado, ao que era nosso18.

Na mesma linha da publicação carioca, Manuel Bandeira atestou que o trabalho de Valle não era desdenhável, mas ao escrever em francês ele perdia a excelência provavelmente alcançada se tivesse optado pelo português. Para o autor de Pasárgada, ninguém foi cabalmente poeta em idioma diverso daquele que mamou junto com

o leite materno19. Assim mesmo declarava-se um admirador tão fervoroso quanto o autor de Grande Sertão, veredas. Em carta remetida a Freitas Valle em 7 de janeiro de 1948, ao acusar o recebimento de dois envelopes aéreos contendo versos do “bom e querido amigo”, ninguém menos do que Guimarães Rosa em pessoa afirmava seu entusiasmo pelo poeta que escrevera:

L’herbe sait qu’on la foulera,et l’herbe grandit...Je sais que notre amour périra.Je t’aimerai,tu m’aimeras...

“A relva sabe que será pisada,mas ela cresce...Eu sei que nosso amor pereceráEu a amarei, Tu me amarás...”20

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1 Menotti Del Picchia, “Freitas Valle, o mecenas”, A Gazeta, São Paulo, 25-2-1958, p. 2.2 O problema do ensino público e sua solução no Estado de São Paulo, de 1921, e O ensino público no governo de Washington Luís, de 1924.3 José de Freitas Valle, “Projeto no 68”, 86a sessão ordinária, Anais da Câmara dos Deputados do Estado de São Paulo, São Paulo, 1912, p. 896. 4 José de Freitas Valle, “Projeto no 62”, 56a sessão ordinária, Anais da Câmara dos Deputados do Estado de São Paulo, São Paulo, 1911, p. 389.5 José de Freitas Valle, “Projeto no 45”, 103a sessão ordinária, Anais da Câmara dos Deputados do Estado de São Paulo, 1927, pp. 654-655.6 Rui Bloem, “Um legislador da República Velha”, Folha da Manhã, São Paulo, 16/2/1958, 1º caderno, p. 4.7 João do Rio, “Freitas Valle, o Magnífico”, O Estado de S. Paulo, Suplemento Literário, São Paulo, 7/9/68, p. 4. 8 Tradução livre da autora. 9 BOSI, Alfredo Bosi História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1981, p. 302. 10 Leopoldo de Freitas, “Poesias de Jacques D’Avray”, Diário Popular, São Paulo, 26/7/1902, p. 1. 11 José de Oiticica, “L’Étincelle”, A Rua, Rio de Janeiro, 1o -7-1919, p. 4. 12 “A obra de um magnífico”, ABC, Rio de Janeiro, 12-7-1919, ano V, no 227, p. 12. 13 Francisco Pati, “Pseudônimos e heterônimos”, Correio Paulistano, São Paulo, 12-6-1949, p. 4. 14 “La plante”, primeiro canto do tragipoema Ophis. Os demais são “La chanson”, “Le bois” e “La chêne”; cf. Ilustración Sud-Americana, Buenos Aires, 1o -7-1902, p. 186.15 Tradução livre da autora. 16 André Fontainas, “Les poèmes”, Mercure de France, Paris, fevereiro de 1920, Revue de la Quin-zaine, ano XXXI, tomo CXXXVII, no 519, p. 761.17 Carta de Otávio Augusto a Freitas Valle. Rio de Janeiro, 28 de setembro de 1919. (AFV)18 “Ribaltas e gambiarras”, Nossa Terra, Rio de Janeiro, 3-7-1919, p. 14.19 Manuel Bandeira, “Freitas Valle”, Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 26-2-1958, 1o caderno, p. 3. 20 Tradução livre da autora.

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DISCURSO DO DEPUTADO FREITAS VALLEFEITO NA 78ª SESSÃO ORDINÁRIA,EM 11 DE NOVEMBRO DE 1907.

O Sr. Freitas Valle – Sr. Presidente, a natural emoção que de mim se apodera sempre que, no desempenho do mandato, devo dirigir-me a esta Assembléia, agrava-se neste momento, e justificadamente, quando tomo a palavra para apresentar à consideração da Casa o projeto que dispõe sobre a instrução pública em nosso Estado.

Digo apresentar o projeto que dispõe sobre a ins-trução pública em nosso Estado, porque não sei se lhe poderá dar o nome de projeto de reorgani-zação ou de reforma.

A Casa, ouvida a sua leitura, ouvidas as modifica-ções, e talvez alterações, que ele vem trazer às disposições vigentes, aceitará ou não a denomi-nação que se lhe pôs e com que corre discutido

no espírito público, na imprensa e mesmo entre nós, por aqueles dos nossos companheiros que já tiveram ensejo de conhecer algumas de suas disposições.

Pergunto-me a mim mesmo, e me falha a res-posta, porque o mais humilde entre os membros da Comissão de Instrução Pública (Não apoia-dos gerais) ...

O Sr. Azevedo Marques – Não apoiado, V. Exa. é muito competente.

O Sr. Freitas Valle - ... é o portador de tão impor-tante projeto, se não o mais, seguramente um dos mais importantes que se tenham apresentado na presente sessão legislativa.

O Sr. Azevedo Marques – A instrução pública é o assunto mais importante para o Estado.

O Sr. Freitas Valle – Na bondade dos meus companheiros de Comissão, em que folgo de reconhecer profunda e segura compe-tência em matéria de ensino público ...

O Sr. João Sampaio – Obriga-do pela parte que me toca.

O Sr. Freitas Valle - ... julgo poder encontrar a razão de ser tão honrosa delegação ...

E devo, ao apresentá-lo, declarar que o projeto foi à Comissão que o fez, não só com as disposições que ela aconselhou, como com a se-gurança e clareza com que soube encaminhar aquelas que partiram originalmente do orador.

O Sr. Mário Tavares – No pro-jeto preponderavam as luzes de V. Exa.

O Sr. Freitas Valle – Cou-be-me redigir o projeto. Apresento-o e chamo a mim a responsabilidade de todos os senões que porventura a Casa nele possa encon-trar (Não apoiados), pois se deve dar como razão desses

Charge de Voltolino, “Perfil de um deputado”, publicada no livro Sonetaços, de Antonio Lavrador, em 1923

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senões mais a pena do seu relator que a bem orientada inspiração, a notória competência da Comissão que o ditou.

Tratando-se de um projeto complexo, não me pa-receu acertado tomar delongadamente a atenção da Câmara para justificar detidamente, uma por uma, as modificações que ele vem trazer às dis-posições vigentes em matéria de ensino: reservo-o para a discussão.

O Sr. João Sampaio – Convém que cada um es-tude o assunto.

O Sr. Freitas Valle – Entendi bastante frisar ligei-ramente os pontos capitais da reforma; e, por meu intermédio, a Comissão de Instrução Pública não só solicita mas reclama até a efetiva, a sincera, a leal, a constante colaboração de cada um dos nossos ilustrados companheiros, pois só assim reputa ela possível que venha a ser trazida bené-fica modificação à legislação do ensino público de São Paulo, que é, proclamam-no, seguro padrão de glória para aqueles que a organizaram e para o próprio Estado de S. Paulo, que, neste ponto, atinge à culminância na justa compreensão de de-ver cívico e da responsabilidade social na nossa República. (Muito bem.)

O projeto visa simplificar o ensino e torná-lo efe-tivo pela fiscalização, pois sem a fiscalização, a mais lata, a mais completa, embora a mais one-

rosa, sem a fiscalização, o ensino se limita a uma ilusão legislativa, a uma ilusão governamental, a uma ilusão do próprio povo, pois nós bem com-preendemos que a boa fiscalização foi sempre tida em matéria de ensino como elemento auxi-liar, como elemento quase que imprescindível, imprescindível mesmo, da boa, da real adminis-tração do ensino.

Pelo relatório do Sr. Secretário do Interior, em que se apresentam dados interessantes em matéria de estatística escolar, é S. Exa. que denuncia muitos dos males a que o projeto vem dar remédio.

Entre eles não é o de menor monta o caso dos alunos, dispostos a aprender, concorrerem à ma-trícula dos estabelecimentos públicos, e, entriste-cidos e desiludidos, voltarem para os seus lares, sem compreenderem bem qual foi a razão que determinou essa triste volta à escuridão de que eles vinham, em procura da luz.

A deficiência do número de escolas e o imper-feito aproveitamento das existentes: eis a razão positiva disso que acontece aos pobres pedintes de luz, que, infelizmente, se contam aos milhares entre nós.

E eles, que ouvem dizer que a instrução é um bem, não compreenderão nunca porque é que se lhes veda a conquista desse bem ...

Villa Kyrial, recepção aos protagonistas da Semana de 22, dias após o evento.

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O projeto, aumentando o número de inspetores escolares, determinando uma nova forma de fiscalização, autorizando o desdobramento dos cursos públicos, fazendo-os funcionar em perí-odos diurnos diversos, duplica a possibilidade do ensino; e, com o acréscimo insignificante de um décimo talvez da despesa, aumenta para o dobro o número dos alunos que o Estado pode, por meio das suas escolas, encaminhar para a vida.

O Sr. Azevedo Marques – Isso é encantador.

O Sr. Freitas Valle – As escolas ambulantes, criação puramente teórica e que a prática no Es-tado de São Paulo demonstra inúteis, o projeto as extingue e determina que elas sejam fixadas pelo Governo nos bairros que estiverem efetivamente

contribuindo com maior nú-mero de alunos freqüentes.

Compreende-se a razão do insucesso dessa inovação entre nós. Se a fiscalização, pode-se dizer, não foi até hoje praticada em relação às escolas fixas, máxime impra-ticável se tornou em relação às escolas ambulantes, pois que, sem uma determinação prévia do local a que o pro-fessor deveria servir, seria completamente impossível saber se ele realmente cum-priu os deveres do seu espi-nhoso cargo, mais espinho-so ainda pela instabilidade que a lei lhe impõe.

Onerado como se acha o Estado pela responsabilida-de de ensinar ao povo, e a todo o povo, é natural que a Câmara aceite uma altera-ção que se traz relativamen-te às escolas de bairros, que, segundo o projeto, a contar de 1º de janeiro de 1908, não terão mais pri-meiro provimento. Isto quer dizer, conseqüentemente, que continuarão a ser nova-mente providas as escolas já criadas e providas, no caso de posteriormente vi-rem a vagar. Desse modo, o Estado diminui um pouco

os ônus que lhe pesam tanto nos seus orçamen-tos anuais. E como não suprime as escolas que estão atualmente funcionando, não vem, injusti-ficavelmente, atacar o interesse dos alunos que nelas recebem o ensino. Como que para provi-denciar a respeito de provimentos futuros das escolas não providas, o Governo indiretamente virá em seu auxílio por intermédio das munici-palidades em cujas circunscrições se acharem os bairros não servidos, e lhes facultará valioso favor com o fornecimento do material escolar, li-vros, impressos, etc., uma vez que os programas do Estado sejam por elas adotados e se sujeitem às disposições que regem o ensino.

Adotadas algumas providências salutares para o provimento das escolas em geral, sempre respeitados o título, a competência e a anti-

já criadas e providas, no

Freitas Valle, o elegante proprietário de Villa Kyrial, em 1912

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guidade no magistério, o projeto, entre outras disposições importantes, dá regras para a administração nas escolas complementares, estatuindo que 60% das vagas a preencher serão disponíveis para os alunos que tiverem completado o curso das escolas-modelo e dos grupos escolares, e os 40% de vagas restantes por alunos estranhos, que demonstrem perante as comissões da escola as suas aptidões, o seu preparo, nas matérias reclamadas para a matrí-cula do curso complementar.

Desaparecem dos programas das escolas nor-mais e complementares a trigonometria, a as-tronomia e a mecânica, que, talvez por descuido do legislador, lá ficaram, suprimidas as cadeiras constituídas por essas matérias. A permanência destas disciplinas vinha sobrecarregar o traba-lho dos alunos, sem proveito real para o ensino técnico reclamado para a especialidade a que se destinam.

Em cada escola normal do Estado fica criada uma cadeira de zootecnia e agricultura. As condições naturais do nosso Estado justificam eloqüente-mente a criação destas cadeiras ...

O Sr. Azevedo Marques – Apoiado.

O Sr. Freitas Valle - ... uma vez que aos alunos sejam dadas apenas noções e na proporção sufi-ciente para que não venham sobrecarregá-los e, possivelmente, alterar a média do conhecimento que de todas as matérias eles devem ter.

Ficam constituindo cadeiras independentes na Escola Normal da Capital as atuais conjuntas de latim e português. Não foi, a meu ver, e assim pensa a Comissão de Instrução Pública, acer-tada a providência legislativa pela qual, pouco tempo atrás, foi estabelecido que as cadeiras de latim e português, então existentes, se fun-diriam, desdobrando-se em duas das matérias conjuntas. O ensino não lucrou, antes sofreu – é fato. O meio de restabelecer o estado anterior aproveitará para que se possa ter, como então, em vez de dois bons professores de português e latim, um ótimo professor de português e um ótimo professor de latim.

Nas escolas complementares, as matérias foram agrupadas em quatro cadeiras, em cada uma das seções, masculina e feminina, no sentido

Convidados no terraço de Villa Kyrial, durante um almoço de domingo, em 1916

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de facilitar a especialização e o estudo para os professores que devam regê-las. Não há aumen-to de pessoal, e, entretanto, deve naturalmente haver aumento de preparo, sendo certo que o professor, em vez de estudar ou recordar o pro-grama completo da escola, recordará simples-mente as matérias que se prenderem à cadeira que lhe couber.

O governo providenciará para auxiliar as munici-palidades que instituírem cursos noturnos para adultos; fá-lo-á permitindo que esses cursos funcionem nos próprios edifícios dos grupos escolares do Estado, desde que as Câmaras Municipais se responsabilizem pela conservação do material escolar e dos prédios em que eles funcionarem.

Há uma disposição que por si só se justifica: é a que determina que o Governo poderá, nos lugares em que houver deficiência de escolas públicas, subvencionar, temporariamente, esco-las particulares que adotem seus programas e se sujeitem à fiscalização do Estado.

Resulta esta faculdade que se dá ao Governo do fato que se pôde observar quando se tratou de reorganizar o ensino no Estado, há bons quinze anos: as escolas primárias particulares cederam o lugar aos estabelecimentos de ensino público, não só porque estes eram gratuitos, como tam-bém porque os métodos eram mais perfeitos, o material melhor e o pessoal mais preparado.O Sr. Bento Bueno – Desapareceram completa-mente.

o Sr. freitas valle – Agora que, como bem diz o nobre deputado, essas escolas de ensino pri-mário desapareceram quase completamente, é ensejo oportuno facilitar o seu reaparecimento; e afigurou-se à Comissão que, com esta dispo-sição, o Governo poderia trazer para isso um poderoso incentivo.

Para a matrícula em qualquer dos estabelecimen-tos de ensino preliminar do Estado, o candidato deve trazer, selado com uma estampilha estadual de 2$000, um atestado médico que prove ter sido vacinado ou revacinado, ou afetado de varíola, não ter moléstia repugnante ou contagiosa, nem defeito que lhe impossibilite o aproveitamento. Este artigo tem importância capital, pois que o produto desse selo fica atribuído ao fundo escolar permanente de que vou falar dentro em pouco, e é destinado à melhor fiscalização das escolas. O atestado de não ter o candidato defeito que lhe impossibilite o aproveitamento é, indubitavelmen-

te, uma providência sã, socialmente reclamada pela defesa, que se impõe a todos, desses po-bres mártires das escolas, verdadeiros mártires, que, sem as condições mentais para acompanhar o desenvolvimento do ensino, ficam constituídos em assunto de pilheria, de mofa, se não de casti-go, quando a culpa é de sua deficiência orgânica, quando a culpa não lhes vem se não da triste e misérrima condição em que a natureza os colo-cou. (Muito bem.)

Outro ponto que seguramente não desmerecerá da atenção preciosa da Câmara é o que estatui que o Governo regulamentará a obrigatoriedade do ensino, de modo a, quanto possível, torná-la real. E para isto, desfazendo o argumento que se antolha aos propugnadores da obrigatorie-dade, nós estabelecemos que a obrigatorie-dade seja considerada sempre relativamente à localidade em que se derem, nas escolas, vagas disponíveis. Porque esperar, para que se efetive a obrigatoriedade, que haja para o povo um número de escolas suficiente, é perfeito mito: nunca se poderá dar, ouso afirmá-lo, que realizemos esse ideal, inatingível como todos os ideais, de ouvir ao poder público proclamar que o ensino chegou a tal perfeição que o número de escolas é suficiente em todo o vasto âmbito da sua administração.

O Sr. Mário Tavares – Muito bem.

o Sr. freitas valle – Ora, sendo assim, se o Estado mantém uma escola, se ele tem esse ônus, poderá ou não ter a vantagem social conseqüente, isto é, aproveitar o seu esforço, tornando obrigatório o preenchimento das vagas existentes, de modo a assim contribuir mais eficazmente para que o povo cesse de ser analfabeto e tornar por este modo, não só mais profícuo o ensino, como muito mais barato, considerada a quota com que cada cidadão entra para o erário público?

E, terminando, o projeto institui o tesouro comum das escolas, que entre outros elementos constitu-tivos, conta o fundo escolar permanente.

O tesouro comum das escolas não visa tirar ao Estado o direito que ele tem sobre os bens desti-nados ás funções escolares, mas é como que uma hipoteca moral que o Estado faz ao ensino, para garantir-lhe, em qualquer emergência em que se encontre o uso, o aproveitamento ininterrompido de um patrimônio que, assim, se considera ina-lienável, quaisquer que sejam as exigências que reclamem a sua disponibilidade.

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O fundo escolar permanente, que é a sua parte imediatamente aplicável, pelo Secretário do Inte-rior, constituir-se-á:

a) por dotações orçamentárias especiais;

b) por legados, doações e auxílios pecuniários de aplicação imediata;

c) pela importância das multas escolares;

d) pelos saldos das verbas orçamentárias do en-sino público, anualmente verificados;

e) pela porcentagem de 10% sobre a venda de terras devolutas, arrecadáveis a contar do próxi-mo exercício;

f) pela importância das taxas de matrícula e ins-crição de todos os estabelecimentos de ensino do Estado;

g) pelo produto do selo a que se refere o art. 26º;

h) pelo rendimento de bens ou fundos do tesourocomum das escolas;

i) por quaisquer contribuições diretas ou indire-tas que, de futuro, a lei estabelecer.

Se, Sr. Presidente, a estas disposições, acresci-das de outras de menor relevância, se pode dar a denominação de reforma de instrução pública, é

este o projeto de reforma da instrução pública que tenho a honra de apresentar a esta Casa.

Mas, reformar a instrução pública, se isso é refor-má-la, como medida preliminar, que se peça vênia ao pontífice máximo da instrução pública em São Paulo, ao Dr. Bernardino de Campos.(Muito bem.)

O Sr. Mário Tavares – Um dos maiores propul-sores que tem tido o progresso de São Paulo. (Apoiados.)

O Sr. Freitas Valle – Se eu não conhecesse a ha-bitual, a normal, a constitucional modéstia que em V. Exa. mais realça o brilho real de um valor dia-riamente afirmado, diria que V. Exa. veio presidir a esta sessão na certeza de se ver imediatamen-te alvejado pelas forçosas referências que, em se tratando de legislar sobre a instrução pública, não poderia o orador calar sobre o venerado chefe do Partido Republicano de São Paulo.

E se essa modéstia não tivesse velado a previ-são, estou certo de que a ausência de V. Exa., caso tão raro nesta Assembléia, hoje se daria.

Permita-me, porém, V. Exa. que, considerando simplesmente o Estado em si, a instrução em si mesma, despreocupado de referências pessoais, despreocupado dos elos de afeição, de amizade e de respeito, eu entenda, entretanto, dever su-blinhar, na presença de V. Exa., seu digno primo-gênito, que o papel do Dr. Bernardino de Campos denominação de reforma de instrução pública, é gênito, que o papel do Dr. Bernardino de Campos

Comitiva da Secretaria do Interior, em 1915, visita os municípios de Itabira, Itararé e Faxina.Freitas Valle está em primeiro plano, o futuro governador Altino Arantes é o quarto à sua esquerda

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na organização do progresso intelectual e real do Estado impõe-se mesmo àqueles que porventura menos tenham aplicado o seu espírito à elucida-ção dos fatos que hão de constituir a primeira fase da nossa história republicana.

O Sr. Mário Tavares – Apoiado.

o Sr. freitas valle – Bernardino de Campos e Cesário Motta, duas entidades que, nos pólos que mais se podem contrapor na nossa exis-tência, podem ser considerados a brilharem em campos opostos, mas a brilharem igualmente, sempre que se rememore a campanha gloriosa que trouxe para o nosso Estado o ensejo feliz de se fazer o exemplo da nação brasileira! (Muito bem.)

Charles Dickens diz: “Penaliza-me ver iniciar as crianças nos expedientes da vida, desde os seus mais tenros anos. Porque destruir a sua confiança e a sua simplicidade, as duas melhores qualida-des que tenham recebido do céu, e obrigá-las a partilhar as nossas dores antes que possam to-mar parte nas nossas alegrias?”

E é esta a triste condição a que o reclamo cons-tante da luta pela vida obrigará sempre a criança, que vem ao mundo para divisar no seu futuro uma ilusão dourada, mas que, prestes desiludida, aos primeiros passos, encontra a miséria, negra e triste, que a assoberba, que a domina e que fatalmente a vence, se não vier em seu amparo a escola.

Se a criança entra no mundo, como diz Beecher, pela porta dourada do amor, é preciso, uma vez que o amor no-la vai confiar, que a recebamos carinhosa e protetoramente; é preciso que de-mos combate, no seu ânimo incipiente, a todos os males que a cercam e que a podem vencer e prostrar; é preciso que a livremos da moléstia, é preciso que a livremos da dor, do sofrimento, da escravidão, da ignorância, que, no dizer de Shakespeare, é a maldição de Deus.

É contra a maldição de Deus que se armam as escolas; é contra a maldição de Deus, que é a ignorância, que se organizam esse arsenais do ensino em que é chamado o professor a aguerrir falanges para a luta.

Eu definiria, apropriando-me da definição que Ruskin dá do artista, eu definiria assim o profes-sor: o professor é uma pessoa que se submeteu a uma lei à qual é difícil obedecer, para poder dis-pensar um benefício que é delicioso dispensar.

Com efeito, para que seja professor, é preciso, substancialmente, o ânimo de o ser, a intenção, o compromisso de se votar a esse sacrifício que parece feito pelo bem do indivíduo, mas que o é pela garantia da sociedade.

No relatório do Sr. Secretário do Interior, que percorri detidamente, tive a curiosidade de pro-curar nas denominações das múltiplas oficinas de ensino que há semeadas pelo nosso Estado, em quais delas se achariam inscritos os nomes de Cesário Motta e Bernardino de Campos.

Quase desiludido ante uma lacuna certo con-denável, senti-me feliz, eu que esperara vê-los muitas vezes reproduzidos, encontrando o nome do Dr. Cesário Motta apenas no grupo escolar de Itu, e o do Dr. Bernardino de Campos no grupo escolar de S. Roque.

Afigurou-se me na homenagem desta locali-dade tão pequenina, tão modesta, um tributo exemplar com que o humilde vinha lembrar aos fortes, que nunca o poderiam esquecer, esse nome glorioso entre os nomes gloriosos do nosso Estado.

Ao mesmo tempo, sem deixar de reconhecer o mérito real de cada um daqueles a que me vou referir em globo, vi citados nomes diversos, etiquetando os mais importantes estabeleci-mentos de ensino público do Estado, nomes que significam sem dúvida um auxílio, um pa-trocínio de momento, mas que representam, principalmente, as influências efêmeras que a política faz surgir e que a própria política faz submergir-se.

E compreendi que, apesar do delineamento perfeito das placas denominativas, quando da penumbra crepuscular surgir a história, o povo, até então pela árvore impedido de ver a flores-ta, verá, por detrás das denominações de hoje, ressurgirem, ofuscantes, as denominações que, apesar de tudo, existirão sempre, porque todo estabelecimento de ensino em São Paulo é Ber-nardino de Campos e é Cesário Motta. (Muito bem.)

A criança, já o disse eu, repetindo o pensamento inglês, entra no mundo pela porta dourada do amor. Pois bem, façamos com que o homem saia para a vida pela porta iluminada da escola.

Vozes – Muito bem! Muito bem!

(O orador é felicitado pelos seus colegas.)

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Josefina Álvaresde Azevedo

* Doutora em Letras, pesquisadora DCR/CNPq, atuando presentemente como professora junto ao Programa de Pós-Graduação em Letras/UFPB ([email protected]).

TEATRO E PROPAGANDA SUFRAGISTA NO BRASIL DO SÉCULO XIX1

Surgido no Brasil, de forma organizada, durante a década de 1920, o movimento pela conquista dos direitos políticos das mulheres ensaia seus primeiros passos já na segunda metade do sé-culo XIX, momento em que, por entre as dobras do projeto modernizador que então começara a se implantar no país, tem início o processo de formação de uma nova consciência acerca das relações sociais entre os sexos. Assim, ainda que isoladas, podemos identificar algumas vozes femininas que, anteriores à de Bertha Lutz (1894-1976), figura central da campanha sufragista bra-sileira, impõem-se como iniciativas embrionárias da mobilização das mulheres na luta por seus direitos à cidadania.

Essas outras mulheres – vozes ilhadas, sim, mas que não se deixaram intimidar por isso – se pronunciaram por meio de seus muitos escritos, que faziam circular pela imprensa, buscando for-mar uma opinião pública a favor do seu ideário de emancipação feminina, tal como faziam, na época, quaisquer grupos com pretensão de se apresentar à sociedade com novas idéias.

Um nome a guardar na memória, neste sentido, é Francisca Senhorinha da Motta Diniz (séc. XIX-?). Fundadora, editora e redatora de um dos vários jornais de orientação feminista surgidos país afora a partir das três últimas décadas do século XIX – O Sexo Feminino –, a professora Francisca Diniz, já nos idos de 1875, não perdeu a chance de informar o público leitor da época sobre uma proposta relativa ao sufrágio feminino feita no país décadas antes pelo senador Manoel Alves Branco (1797-1855). No final da década de 1880, seu jornal, rebatizado como O Quinze de Novem-bro do Sexo Feminino desde a mudança do regi-me político no país, ganha uma coluna exclusiva para tratar da questão. E em abril de 1890, pu-

blica um artigo intitulado “Igualdade de direitos”, em que afirma: “Desejamos que os senhores do sexo forte saibam que se nos podem mandar, em suas leis, subir ao cadafalso, mesmo pelas idéias políticas que tivermos, [...], também nos devem a justiça de igualdade de direitos, tocante ao direito de votar e o de sermos votadas.”

Devemos nos lembrar também de Ana Eurídice Eufrosina de Barandas (1806-?), uma das nos-sas primeiras escritoras a reivindicar publica-mente, embora não pelas páginas de um jornal, o direito das mulheres terem e expressarem sua opinião em questões políticas. Num texto intitu-lado Diálogos, escrito em 1836, e publicado em coletânea em 1845, Ana Eurídice recrimina du-ramente a atitude repressiva dos homens frente à participação das mulheres no debate político

Valéria Andrade Souto Maior*

à participação das mulheres no debate político

Josefina Álvares de Azevedo, retratada por L. Amaral

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que agitava a Porto Alegre da época, em torno da Guerra dos Farrapos.

Não nos deve escapar o nome de Isabel de Sou-sa Matos (séc. XIX). Cirurgiã-dentista, no ano de 1885, requereu seu alistamento eleitoral na sua cidade natal (São José do Norte/RS) com base na Lei Saraiva (09/01/1881) – que garantia o di-reito de voto aos portadores de títulos científicos. Com o advento da República e a convocação de eleições para a Assembléia Constituinte, Isabel de Matos, que se transferira para o Rio de Ja-neiro por aquela época, procura a comissão de alistamento eleitoral da Capital Federal na tenta-tiva de garantir novamente o pleno exercício dos seus direitos de cidadã. O parecer do governo, contrário ao pleito da Dra. Isabel, seria o mote para exacerbar os ânimos feministas em torno da inclusão das mulheres no espaço político, como os da professora Josefina Álvares de Azevedo (1851-?), cujas iniciativas, desde que se instalara o novo regime político, vinham se desenvolvendo, como vere-mos adiante, como autênti-co ativismo sufragista. Seja pelo seu percurso intelec-tual, literário e profissional inteiramente dedicado ao ideal de emancipação fe-minina no Brasil, seja prin-cipalmente pelo seu papel relevante e inquestionável nas discussões pelo direito ao voto feminino na nossa Constituição de 1891, Jo-sefina Álvares de Azevedo tem seu nome gravado na história do nosso sufra-gismo em seus momentos inaugurais2.

Apesar do sobrenome fa-moso e de compartilhar um lugar de vanguarda na his-tória do feminismo brasileiro com Nísia Floresta (1810-1885)3, quase tudo o que sabemos sobre Josefina de Álvares Azevedo guarda relação apenas com sua trajetória como escritora e intelectual.

Seu perfil biográfico, em termos de vida pessoal, ain-

da está quase todo por desvendar. A data de seu nascimento, 5 de março de 1851, é o único dado mais preciso de que dispomos por enquanto. Outros são desconhecidos ou desencontrados. Segundo o registrado por Blake4 (e repetido na maioria das poucas referências sobre a autora), ela seria natural de Itaboraí (RJ) e irmã – por par-te de pai e, ao que parece, ilegítima – do gênio do nosso romantismo, Manoel Antonio Álvares de Azevedo (1831-1852). No entanto, conforme declarações da própria autora (que localizamos há alguns anos no seu jornal, o combativo A Fa-mília, sobre o qual falaremos adiante), sua terra natal era Recife (Pernambuco) e o poeta famoso era seu primo e não seu irmão. Evidente que não descartamos a hipótese de que, para não se expor socialmente na condição degradante de filha bastarda, Josefina preferisse não se assumir como meio-irmã de Álvares de Azevedo. Contudo, inclusão das mulheres no espaço político, como como meio-irmã de Álvares de Azevedo. Contudo,

Revista A Família, nº 72, de 21 de Agosto de 1890

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o caráter testemunhal da informação, como tam-bém daquela relativa à naturalidade da autora, nos autoriza a considerá-las como mais próximas da veracidade. Sobre outros fatos da sua vida pri-vada, há indícios de que Josefina viveu em Recife até os 26 anos e vivenciou, de modo exemplar, a experiência da maternidade, mas nada sabemos, por exemplo, sobre quantos filhos teve, se foi ca-sada, quem foi sua mãe, onde fez seus estudos, onde e como passou a infância e juventude, onde e quando veio a falecer5.

Em contrapartida, sua obra jornalística e lite-rária, produzida integralmente em função da defesa dos direitos femininos, nos oferece uma espécie de retrato de corpo inteiro do que foi sua vida. Suas narrativas (contos, artigos, esboços biográficos), seus versos, suas traduções, seu texto teatral – praticamente tudo o que escreveu

e publicou foi com o objetivo primeiro de intervir na ordem social e política do seu tempo, buscando criar condições mais justas e igualitárias para mu-lheres e homens.

Saindo de Recife por volta de 1877, nossa autora segue para São Paulo. No ano seguinte, já então radicada na cidade, a “infatigável feminista, [...], num livro que fez sensação, anunciou que se levantava uma voz de mulher para a grande reivindicação,” segundo nos informa Barros Vidal6. No final de 1888, ainda em São Paulo, Josefina funda o jornal A Fa-mília. Seis meses depois, se transfere para o Rio de Janei-ro, onde suas expectativas de melhores oportunidades para divulgar suas idéias não seriam frustradas. Sua folha circularia ali, ininterruptamente até 1897, ano de publicação de Galleriaillustre (Mulheres celebres)7,seu terceiro e último livro de que temos notícia. Em 1898, A Família volta a circular, como se depreende da nota de agrade-cimento da redatora da revista A Mensageira, que recebera o primeiro número da “nova fase” do jornal8. Depois disto, ao que sabemos, não há registros so-bre essa mulher que, embora

se julgasse “pouco hábil em esgrimir a pena”9, o fez, com maestria, muita coragem e verdadeira devoção, em sua luta pela cidadania das mulhe-res brasileiras.

Nas páginas do jornal A Família, a educação foi a primeira causa defendida pela ativista, que a considerava condição sine qua non para a eman-cipação feminina. A princípio, sua postura arroja-da se evidencia por reivindicar para as mulheres uma “educação sólida e desenvolvida”, que as preparasse “para todos os misteres da vida, como dignas e leais companheiras do homem, tão capazes de desempenhar altas funções do estado, como as secundárias obrigações que lhe competem na família”10. Mais tarde, ela se caracteriza por doses maciças de audácia e agressividade. Em 1890, por exemplo, quando Benjamin Constant, então Ministro dos Cor-

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reios e Instrução, assinou um decreto vedando o acesso feminino às escolas de nível superior, Josefina o atacou frontalmente, recriminando a doutrina positivista que o inspirava.

Embora menos radicais em suas posições, as co-laboradoras do avançado jornal11 enfatizavam que somente através de uma educação completa se poderia elevar o status da mulher na sociedade, inclusive fora do lar. Algumas delas, como Nar-cisa Amália (1852-1924), Júlia Lopes de Almeida (1862-1934) e Inês Sabino (1853-?), eram escri-toras de renome, enquanto outras, como Anália Franco (1859-1919), se destacavam por sua ex-celência como educadoras. A maior parte delas residia no Rio de Janeiro ou em São Paulo, mas muitas enviavam suas colaborações de outras partes do país, como Revocata de Melo (1860-1945) e Julieta de Melo Monteiro (1863-1928), do Rio Grande do Sul, Presciliana Duarte de Almeida (1867-1944), de Minas Gerais, e Maria Amélia de Queiroz (séc. XIX-?), de Pernambuco. Outras, como a portuguesa Guiomar Torrezão (1844-1898) e a francesa Eugénie Potonié Pierre (séc. XIX-?), mandavam escritos de seus países, tornando mais evidente a extensa rede formada pelos diversos grupos de escritoras que, na épo-ca, mantinham entre si intenso intercâmbio e for-tes relações de solidariedade12, através do que as mulheres se viam e se mostravam como seres ca-pazes de se equiparar socialmente aos homens. Tal como outros jornais editados por mulheres, A Família servia como “caixa de ressonância do movimento feminista brasileiro”13, inclusive divul-gando, assiduamente, exemplos estrangeiros e nacionais de mulheres que se distinguiam por sua atuação profissional, fosse nas letras, fosse em outras áreas, entre elas advocacia, medicina e artes plásticas.

Quando da transferência d’A Família para o Rio de Janeiro, em maio de 1889, seu grupo de co-laboradoras, já então bem mais numeroso, era formado em grande parte por professoras que, a exemplo da redatora-chefe, utilizavam suas pági-nas para protestar publicamente contra a precária situação da educação feminina, bem como contra a opressão social sobre o sexo feminino. Ao mes-mo tempo, essas mulheres se serviam do jornal para dar vazão a suas aptidões literárias, como tantas outras o faziam através dos vários outros jornais editados por mulheres que então prolifera-vam pelo país14.

Desde o início das atividades à frente do jornal, Josefina se viu confrontada com as maiores di-ficuldades, sobretudo com relação à indiferença

das próprias mulheres que, em geral, aos artigos pró-emancipação feminina, preferiam leituras mais amenas, com direito a figurinos de moda, receitas de beleza e culinária. Mas não se deixava abater, sempre determinada a “levar adiante uma propa-ganda acérrima em prol da educação das minhas patrícias, uma propaganda eficaz, que as liberte dos estólidos preconceitos da acanhada rotina a que temos sempre obedecido”15. E o fato em si de conseguir manter uma folha redigida exclusi-vamente por mulheres aparecia-lhe como prova cabal da capacidade feminina de construir sua autonomia16.

Como parte dessa determinação em expandir seus ideais libertários, em julho de 1889, a mili-tante faz uma viagem a algumas cidades do Nor-te-Nordeste do Brasil. Em seu roteiro, inclui as capitais da Bahia, Pernambuco, Ceará e Pará, nas quais, recepcionada por colegas da impren-sa, visita educandários públicos e particulares, sedes de vários jornais, além de órgãos públi-cos, entre os quais as Assembléias Provinciais de Pernambuco e do Ceará, visando sempre conquistar mais assinantes para A Família e,

A feminista do Rio Grande do Sul, Natércia da Silveira,comemora a concessão do voto feminino

no Rio Grande do Norte, em 1928

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desse modo, mais adesões para a causa que abraçara17.

Marco de uma nova fase da mobilização em tor-no da emancipação feminina, a proclamação da República foi também a ‘deixa’ para a feminista entrar em cena, ofensivamente, em busca do di-reito de voto para as mulheres. A Família, embora conservasse sua proposta primeira de lutar pela emancipação da mulher via educação, passa a reivindicar para as mulheres também “o direito de intervir nas eleições, de eleger e ser eleitas, como os homens, em igualdade de condições”. Daí em diante, Josefina transforma seu jornal em veí-culo de propaganda do direito feminino ao voto, através do qual, inclusive, tenta convencer suas contemporâneas da urgência de cada uma tornar-se também, em seus lares, uma “propagandista acérrima” da causa, da qual dependia sua “eleva-ção na sociedade”18. Passa então a escrever uma série de artigos sob o título “O direito de voto”, argumentando basicamente que, sem o exercício desse direito pelas mulheres, a igualdade pro-metida pelo novo regime não passava de uma utopia19.

A partir daí, não se satisfazen-do em travar sua luta apenas através da imprensa perió-dica, Josefina vai ampliar e diversificar seus espaços de engajamento sufragista. Logo no início de 1890, manda imprimir, na própria tipografia do seu jornal, um opúsculo intitulado Retalhos20, em que reproduz vários dos seus ar-tigos já publicados em A Fa-mília: os da série “O direito de voto”, os relativos à questão da educação da mulher, reu-nidos sob o título “A mulher moderna”, bem como uma crítica impiedosa à comédia A Doutora, em que ataca duramente o autor, recrimi-nando-o por ter pretendido “chegar à conclusão absurda de que a profissão médica é incompatível com a honra de uma moça”21. A inclusão de alguns outros textos, meio desligados da temática cen-tral da coletânea – como um artigo sobre problemas de algumas cidades paulistas e alguns versos humorísticos22

– revela suas “primeiras intenções”, que foram, sem dúvida, fortalecer sua propaganda sufragista e fixá-la em páginas menos efêmeras que as de um jornal. Bastante elogiada pela imprensa em geral, a publicação teve seu “potencial bélico” destacado pelo redator da Gazeta de Notícias,que, apesar de minoria na ala masculina, defen-dia abertamente os direitos das mulheres23.

Pouco depois, em abril do mesmo ano, a jorna-lista decide levar ao palco o acalorado debate então aberto na imprensa sobre essa questão, transformando o espaço cênico numa espécie de tribuna – o que, aliás, já se fizera na cena brasilei-ra entre 1855 e 1865, quando, sob inspiração do teatro realista francês, foram discutidos no palco vários problemas sociais enfrentados pela então emergente burguesia brasileira24.

Instigada pelo parecer negativo do então ministro do Interior, Cesário Alvim, em relação à consulta que lhe fizera a comissão de alistamento eleitoral referente ao pleito de Isabel de Matos, mencio-desse direito pelas mulheres, a igualdade pro referente ao pleito de Isabel de Matos, mencio

Imagem do Teatro Recreio do Rio de Janeiro, em 1909.O local, um dos mais populares da cidade, foi palco,

em 1890, da comédia O voto feminino

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nado no início deste artigo, Josefina escreve a comédia O voto feminino, que vai à cena, no final do mês seguinte, no Teatro Recreio Dramático25, um dos mais populares do Rio de Janeiro na épo-ca. Levando para o centro da ação dramática uma querela doméstica gerada pela expectativa da posição do governo sobre a procedência ou não do alistamento eleitoral das mulheres, O voto fe-minino enfatiza o ridículo da resistência masculina em aceitar a participação feminina nas questões políticas da Nação, como também a confiança que as mulheres podiam e deviam depositar nos congressistas, cuja reunião em Assembléia para elaborar a nova constituição do país se anunciava para o semestre seguinte. Nesse sentido, a última cena da comédia expressa inequivocamente a intenção da autora, já explicitada em seus artigos, de seguir “compelindo os constituintes a firmarem de uma vez para sempre o nosso direito obscu-recido”26. Diante da euforia da grande maioria do bloco masculino, comemorando a exclusão das mulheres do universo de eleitores, uma das personagens femininas avisa esperançosa: “Não se entusiasmem tanto. Ainda temos um recurso. Aguardemos a Constituinte!”27.

Embora bastante aplaudida – e, aliás, saudada calorosamente antes da estréia pela imprensa –, O voto feminino termina por subir ao palco apenas uma vez. Mas a urgência de continuar com o lo-bby junto aos constituintes leva a ativista a buscar alternativas para exibir sua comédia novamente. Nesse mesmo ano, O voto feminino reaparece publicamente outras duas vezes: nos rodapés do jornal A Família, de agosto a novembro e, segun-do consta, em forma de livro28. Além disso, como parte da coletânea, intitulada A mulher moderna: trabalhos de propaganda29, a segunda organizada por Josefina e editada no ano seguinte, quando a Constituinte ainda se encontrava reunida. Em cada uma dessas oportunidades, fica patente o senso estratégico da autora, sempre voltado para a necessidade de fortalecer a propaganda sufragista, em especial junto aos parlamentares, no sentido de que a omissão da Constituição de 1824 quanto aos direitos eleitorais das mulheres não se repetisse no novo texto constitucional.

Visando, ainda, sensibilizar a opinião pública o mais amplamente possível, Josefina escolhe o caminho sugerido pelo então popularíssimo teatro musicado e escreve um texto com traços de comédia de costumes recheada com breves números musicais. E como pretendia também intervir na ordem social, tornando-a compatível com os avanços do novo tempo inaugurado pelo novo regime político, inclui um raisonneur30, figura

que, embora típica da então desgastada comédia realista francesa, casava perfeitamente com a in-tenção de expor racionalmente os seus argumen-tos a favor do voto feminino. Em grande parte da ação dramática, essa função de porta-voz da au-tora fica a cargo do Dr. Florêncio, posto em cena estrategicamente como a encarnação do homem público consciente, sensato e progressista, ideali-zado por Josefina para apresentar no Congresso propostas de extensão da cidadania plena às mulheres31. Ainda assim, é também pela voz das personagens femininas – Inês, a protagonista, e sua filha Esmeralda, ambas mais inteligentes, mais fortes e mais decididas que seus maridos – que escutamos o discurso sufragista da autora. Em relação ao porta-voz masculino, vale anotar que suas intervenções, embora um tanto senten-ciosas, são feitas através de frases curtas, muitas vezes interrogativas, que se afinam perfeitamente ao ritmo ágil do diálogo da comédia e, como uma espécie de jogo de pergunta-e-resposta, evoca a dinâmica de uma disputa forense. Ressaltamos a argúcia da autora ao colocar em cena um raison-neur menos problemático que o do modelo fran-cês, pois em sua rápida aparição mal há tempo de começar a ser maçante32.

Em termos de eficiência com relação aos seus ob-jetivos imediatos, impossível pensar que O voto feminino foi uma experiência bem-sucedida, já que as brasileiras só conquistaram seus direitos políticos quase meio século mais tarde, em 1932. Mas isso, obviamente, só confirma o caráter de vanguarda do ativismo sufragista de Josefina. Como também da sua obra teatral. Quanto a isso, importa salientar igualmente que a amostra deixa-da pela autora no campo da dramaturgia eviden-cia que, se não tivesse sido uma experiência tão isolada, seu nome estaria, certamente, entre as grandes influências do teatro brasileiro.

De outro lado, quanto ao uso das técnicas de dramaturgia, a comédia é um sucesso. Apesar do fôlego curto e certas fraquezas de composição, seus diálogos têm vivacidade, suas personagens são convincentes, seu humor é afiado e inteligen-te. Vale citar, por exemplo, a perspicácia da autora na caracterização do ex-ministro e ex-conselheiro de Estado Anastácio. Delineado como o mais me-díocre dos homens – preconceituoso, autoritário, retrógrado, inescrupuloso e intelectualmente es-túpido –, Anastácio é mostrado também como a personificação do egoísmo masculino. Percebido por Josefina de Azevedo como uma perturbação do espírito dos homens, que os tornava “inaptos para as grandes generosidades”, esse egoísmo já fora inúmeras vezes apontado por ela, desde

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1 O presente artigo tem como ponto de partida nossas pesquisas realizadas desde 1993, com a proposta de reconstituir a trajetória literária e intelectual da escritora, cujos primeiros resultados fundamentaram nossa dissertação de mestrado, intitulada O florete e a máscara: Josefina Álvares de Azevedo, dramaturga do século XIX, defendida na UFSC, em 1995, e publicada em 2001, pela Editora Mulheres.

2 Para saber mais sobre estas e outras precursoras da nossa literatura de autoria feminina e do pen-samento feminista brasileiro, ver especialmente BERNARDES, Maria Thereza Caiuby Crescenti. Mulheres de ontem? São Paulo, T. A. Queiroz, 1989; MUZART, Zahidé Lupinacci (org.). Escritoras brasileiras do século XIX: antologia. 2ª ed. Florianópolis, Mulheres/Edunisc, 2000; SCHUMAHER, Schuma e VITAL BRAZIL Érico (orgs.) Dicionário Mulheres do Brasil: de 1500 até a atualidade. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2000; SOUTO-MAIOR, Valéria Andrade. Entre/linhas e máscaras: a formação da dramaturgia brasileira de autoria feminina no Brasil do século XIX. João Pessoa, UFPB, 2001. (Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Letras); HAHNER, June E. Emancipação do sexo feminino: a luta pelos direitos da mulher no Brasil, 1850-1940. Florianópolis, Mulheres/Edunisc, 2003.

3 Um estudo circunstanciado sobre essa fundadora do pensamento feminista no Brasil encontra-se em DUARTE, Constância L. Nísia Floresta: vida e obra. Natal, Ed. UFRN, 1995.

4 BLAKE, Augusto V. Alves Sacramento. Diccionario bibliographico brazileiro. Rio de Janeiro, Typ. Nacional, 1883-1902. v. 5, p. 237-8.

5 Para uma abordagem pormenorizada desse quebra-cabeça-ainda-por-montar a que se assemelha a trajetória de vida de Josefina Álvares de Azevedo, ver SOUTO-MAIOR, Valéria Andrade. O peso de um nome, uma obra de peso. In: _____. O florete e a máscara: Josefina Álvares de Azevedo, dramaturga do século XIX. Florianópolis, Mulheres, 2001, p. 39-81.

6 VIDAL, [Olmio de] Barros. Precursoras brasileiras. Rio de Janeiro, A noite, [1944], p. 162. O autor, infelizmente, não informa sequer o título do livro a que se refere.

seus primeiros artigos sobre o voto feminino, como a única razão pela qual as mulheres ainda estavam impedidas do pleno exercício dos seus direitos de cidadãs33. No palco, ela não poderia ter sido mais feliz ao materializar esse egoísmo, logo na cena de abertura da comédia, através da figura ridícula e desprezível do homem avarento que, apesar de riquíssimo, se dá ao trabalho mes-quinho de conferir uma pequena nota de compras do armazém, item por item, preço por preço e, em seguida, arma um escândalo, exigindo a presen-ça e as explicações da esposa, porque descobre uma diferença de míseros onze vinténs. Outra característica risível incluída inteligentemente no perfil de Anastácio, para mostrar que os argumen-tos masculinos contrários ao voto das mulheres não tinham qualquer consistência, é um cacoete lingüístico. As falas de Anastácio são, em geral, iniciadas, encerradas ou entremeadas por uma expressão completamente esvaziada de significa-do, “Ora figas”, que a autora usa para desnudar a incapacidade intelectual da personagem.

Importa salientar, ainda, que a utilização de alguns dos recursos formais e estilísticos que, mais tarde, viriam a compor o perfil do teatro de agitprop34– tais como tipificação hiperbólica e maniqueísta das personagens, inclusão de números musicais, substituição da organicidade dramática pela montagem ou sucessão de cenas – faz da pequena comédia de Josefina Álvares de Azevedo um texto que antecipa, em mais de meio século, a experiência mais efetiva desse teatro no Brasil, só desenvolvida no início dos anos de 1960 pelo movimento teatral do CPC da UNE (Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes), sob a liderança de autores que, como Oduvaldo Vianna Filho, já então haviam assimilado o arsenal técnico brechtiano35. Utilizado como instrumento de ‘agitação e propaganda’ na luta pelos direitos políticos das mulheres, O voto feminino impõe-se, portanto, como texto teatral emblemático do sufragismo à brasileira em sua fase de gestação.

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7 AZEVEDO, Josephina Álvares. Galleria illustre (Mulheres celebres). Rio de Janeiro, A Vapor, 1897.

8 Cf. [ALMEIDA, Presciliana Duarte de.] A Mensageira, São Paulo, p. 240, 15 maio, 1898.

9 AZEVEDO, Josephina Alvares de A mulher moderna: trabalhos de propaganda. Rio de Janeiro, Montenegro, 1891, p. 133.

10 [AZEVEDO, Josephina Alvares de]. A Família, Rio de Janeiro, 23 fev. 1889, p. 1.

11 Franqueando “suas colunas a todas as senhoras que a queiram honrar com a sua colaboração”, A Família distinguia-se dos jornais editados por mulheres na segunda metade do século XIX no Brasil, que eram, em geral, abertos à colaboração de pessoas de ambos os sexos, como nos informa BI-CALHO, Maria Fernanda Baptista. O Bello Sexo: imprensa e identidade feminina no Rio de Janeiro em fins do século XIX e início do XX. Rio de Janeiro, Museu Nacional (Dissertação de Mestrado em Antropologia Social, UFRJ), 1988, p. 12.

12 A esse respeito, ver BERNARDES, op. cit., p. 118-121 e SOARES, Pedro Maia. Feminismo no Rio Grande do Sul: primeiros apontamentos (1835-1945). BRUSCHINI, Maria Cristina e ROSEMBERG, Fúlvia (orgs.). Vivência: história, sexualidade e imagens femininas. São Paulo, Brasiliense, 1980, p. 145-6. Há, neste sentido, um interessante artigo de Eugénie Potonié Pierre, que foi traduzido por Josefina Álvares de Azevedo e publicado na revista A Mensageira, em 1899, no qual sua autora con-vida as mulheres a se unirem não apenas para proveito próprio, mas para benefício e renovação de toda a sociedade; cf. PIERRE, [Eugénie] Potonié. A solidariedade feminina. Trad. Josephina Alvares de Azevedo. A Mensageira, São Paulo, p. 206-8, 15 dez. 1899.

13 A expressão é de SOARES, op. cit., p. 146, em relação ao jornal Corimbo, editado por Revocata de Melo no Rio Grande do Sul.

14 Ao contrário de A Família, parte dos periódicos femininos surgidos nessa época, como a citada revista A Mensageira, privilegiava a veiculação dessa produção literária, dedicando-se secundaria-mente às questões relativas à condição da mulher; cf. PAIXÃO, Sylvia. A fala-a-menos: a repressão do desejo na poesia feminina. Rio de Janeiro, Numen, 1991, p. 38.

15 AZEVEDO, Josephina Alvares de. A Família, Rio de Janeiro, 30 jan. 1890, p. 1.

16 Idem. Ibid., p. 1, 27 fev. 1890.

17 Idem. Carnet de voyage. A Família, Rio de Janeiro, 30 nov. 1889, p. 2; 7 dez. 1889, p. 2; 14 dez. 1889, p. 2; 21 dez. 1889, p. 6. No início desse mesmo ano, quando ainda residia em São Paulo, Josefina anunciou uma viagem sua ao norte do país, para observar o sistema de educação apli-cado às meninas, informando que, com objetivo idêntico, visitaria também Lisboa, Paris, Espanha, Estados Unidos e Argentina; cf. [AZEVEDO, Josephina Alvares de.] Novidades. A Família, 19 jan. 1889, p. 8.

18 AZEVEDO, Josephina de. A Família, Rio de Janeiro, 30 nov. 1889, p. 1; 19 abr. 1890, p. 1.

19 [Idem]. O direito de voto. A Família, Rio de Janeiro, 21 dez. 1889, p. 1; 30 nov. 1889, p. 1.

20 Até agora não localizamos nenhum exemplar desse opúsculo. A maior parte das informações sobre essa publicação foi recolhida nas notas de agradecimento publicadas nos vários jornais que a receberam e transcritas por Josefina em sua folha; cf. (AZEVEDO, Josephina Alvares de). Como nos tratam. A Família, Rio de Janeiro, 20 fev. 1890, p. 7-8; 9 mar. 1890, p. 7-8; 16 mar. 1890, p. 8; 23 mar. 1890, p. 8; 14 jun. 1890, p. 3; AZEVEDO, Josephina de. O Apóstolo. A Família, Rio de Janeiro, 3 maio 1890, p. 6.

21 AZEVEDO, Josephina Alvares de. A doutora. A Família, Rio de Janeiro, 9 nov. 1889, p. 4.

22 Parece razoável pensar que a autora terá aproveitado a ocasião para reproduzir os versos que publicara em A Família, 7 dez. 1889, p. 5, com o título de “Cidadã ou cidadoa”, em que, sob o pseudônimo de Zefa, celebra a principal vitória advinda da adoção do termo cidadã: “já se não diz mais – senhora,/ninguém mais já tem – senhor.”

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23 [AZEVEDO, Josephina Alvares de]. Como nos tratam. A Família, Rio de Janeiro, 14 jun. 1890, p. 3.

24 Sobre esse período da história do teatro brasileiro, ver FARIA, João Roberto. O teatro realista no Brasil: 1855-1865. São Paulo, Perspectiva, 1993. Vale ressaltar que o processo de formação da tradição de autoria feminina brasileira no campo da dramaturgia desencadeia-se neste pe-ríodo, tendo como figura central a dramaturga Maria Angélica Ribeiro (1829-1880); cf. SOUTO-MAIOR, Valéria Andrade. Gabriela e Cancros sociais: a estratégia palimpséstica no teatro de Maria Angélica Ribeiro. In: AQUINO, Ricardo Bigi e MALUF, Sheila Diab (orgs.). Dramaturgia e teatro. Maceió, Edufal, 2004, p. 305-318.Maceió, Edufal, 2004, p. 305-318.

25 [Idem]. Teatros. A Família, Rio de Janeiro, 17 maio 1890, p. 3-4; 24 maio 1890, p. 3.

26 [AZEVEDO, Josephina Alvares de]. O direito de voto. A Família, Rio de Janeiro, 19 abr. 1890, p. 1; [Idem]. Ainda o nosso direito. A Família, Rio de Janeiro, 26 abr. 1890, p. 1.

27 AZEVEDO, Josephina Alvares de. O voto feminino. In: �����.In: _____. A mulher moderna, p. 72.

28 Cf. BLAKE, op. cit., v. 5, p. 238. Até agora, no entanto, nenhum exemplar desse livro foi localiza-Até agora, no entanto, nenhum exemplar desse livro foi localiza-do. Curiosamente, A Família nada registra a respeito desta publicação de O voto feminino.

29 AZEVEDO, A mulher moderna.

30 Encarregado de fazer com que se conheça, através de seus comentários, uma visão ‘objetiva’ ou ‘autoral’ da situação, o raisonneur representa a moral ou o raciocínio adequado. Não ocupan-do nunca o lugar de protagonista, essa personagem é uma figura marginal e neutra, que dá sua opinião abalizada, tentando uma síntese ou uma reconciliação dos pontos de vista segundo e, muitas vezes, é considerado porta-voz do/a autor/a. Herdeiro do coro trágico grego, o raisonneur aparece sobretudo na época clássica, no teatro de tese e nas formas de peças didáticas; cf. PA-VIS, Patrice. Dicionário de Teatro. Trad. J. Guinsburg e Maria L. Pereira. São Paulo, Perspectiva, 1999, p. 323.

31 Ao criar esta personagem, a autora inspirou-se, provavelmente, no médico e jornalista José Lo-pes da Silva Trovão (1848-1925), deputado pelo Distrito Federal no Congresso Constituinte, que apresentou emenda concedendo o direito de voto às mulheres. Ver HAHNER, June E. A mulher brasileira e suas lutas sociais e políticas (1850-1937). São Paulo, Brasiliense, 1981. p. 87. Em seus artigos da série O voto feminino, Josefina refere-se a “opiniões respeitáveis” a favor do voto feminino na imprensa, mas não o cita nominalmente, como fizera meses antes, conclamando suas contemporâneas a trabalharem pela eleição de um candidato cuja plataforma incluía o direito elei-toral das mulheres; cf. AZEVEDO, Josephina de. As mulheres e a eleição. A Família, 6 jul. 1889. p. 1; Idem. O direito de voto. A Família. 19 abr. 1890. p. 1.

32 Um raisonneur típico da comédia realista de inspiração francesa aparece em O crédito (1857), de José de Alencar, na pele do protagonista Rodrigo, cujas preleções infindáveis acerca do papel do dinheiro na sociedade burguesa acabam comprometendo, segundo FARIA, op. cit., 176, a qualidade formal da peça.

33 AZEVEDO, Josephina Alvares de. A Família, 14 dez. 1889, 21 dez. 1889, 19 abr. 1890. p. 1; 26 abr. 1890. p. 1; 31 maio 1890. p. 1; 11 dez. 1890. p.1.

34 O termo agit-prop vem do russo agitatsiya-propaganda, agitação e propaganda; cf. PAVIS, op. cit., p. 379. Sobre a gênese e as realizações do teatro de agitprop, ver GARCIA, Silvana. Teatro da militância: a intenção do popular no engajamento político. São Paulo, Perspectiva/EDUSP, 1990.

35 Para mais detalhes sobre essa experiência dramatúrgica realizada por Josefina Álvares de Azevedo que antecipa a proposta agitpropista desenvolvida no Brasil, ver SOUTO-MAIOR, Valéria Andrade. A intuição feminista do agitprop no teatro brasileiro em fins do século XIX. Estudos femi-nistas, Rio de Janeiro, IFCS/UFRJ, v. 5, n. 2, p. 275-289, 1997. Uma versão revista deste ensaio encontra-se no sexto capítulo do nosso Entre/linhas e máscaras, citado acima.

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Acervo histórico

Personagens:

CONSELHEIRO ANASTÁCIO – CastroDR. RAFAEL, deputado – BragançaDR. FLORÊNCIO – GermanoANTONIO, criado – PintoESMERALDA – IsolinaINÊS – Elisa CastroJOAQUINA, criada – Luisa Pomi

Ação – Rio de Janeiro

Época – Atualidade

Sala em casa do conselheiro Anastácio.Mobília rica. Decoração de luxo.

CENA 1a.Anastácio (só)

(Ao subir o pano, está sentado com um pequeno papel na mão, fazendo contas)

ANASTÁCIO – Cebolas, 200 réis; azeite doce, uma garrafa, 640; fósforos, um pacote, 200 réis; toucinho, um quilo, 1$500: (parando a leitura). Como está caro o toucinho! (continuando a ler)carvão, um saco, 2:000 réis; batatas, 240. Soma 4:780. Quatro mil setecentos e oitenta, bem certos. Mas em que foi então que minha mulher gastou cinco mil réis?! (chamando para dentro) Senhora! Oh! Senhora! (pausa) Há de estar lendo os artigos de fundo dos jornais diários. É a sua mania! E en-quanto lê vai tudo por água abaixo como numa cor-renteza; não há dinheiro que chegue! (chamando)Senhora D. Inês! Oh! Senhora D. Inês

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O voto feminino*

Comédia em um ato

Josefina Álvares de Azevedo

Anúncio da festa artística em benefício do ator Castro, publicado em A Família, 24 de Maio de 1890, p. 4

* Transcrita da versão inserida na coletânea A mulher moderna: trabalhos de propaganda, organizada pela autora da comédia, publicada em 1891. Foi feita a atualização ortográfica conforme as normas em vigor na língua portuguesa; a pontuação foi mantida tal como no original; foi feita a correção de erros tipográficos óbvios.

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INÊS (de dentro) – Já vou, já vou.ANASTÁCIO – Arre! Que a senhora minha mulher em se metendo no gabinete de leitura, não se lhe importa que a casa caia. Isto é demais. Ora figas!

CEnA 2a.Anastácio e Inês

INÊS (entrando) – Aqui estou, Senhor Anastácio. Que barulho! Vão ver que é para aí qualquer ni-nharia!ANASTÁCIO – Ah! Para a senhora tudo é ninha-ria!...INÊS – Decerto.ANASTÁCIO – Pois não é, não senhora, são onze vinténs que faltam nesta conta ...INÊS – Ora, louvado seja Deus! Por onze vinténs um barulho tão grande!ANASTÁCIO – Pois sim, pois sim; mas é que mui-tos onze vinténs arruínam um homem e ...INÊS – E o senhor queria que eu deixasse os meus afazeres para estar a tomar conta destas insignificâncias...ANASTÁCIO – Sem dúvida. É este o dever de uma boa dona de casa.INÊS – Meu dever?! Oh! Senhor Anastácio, pois o senhor quer que a mulher de um ex-conselheiro esteja a ridicularizar com a criada?ANASTÁCIO – Ridicularias! Ridicularias! Para a senhora só são importantes as discussões de política, a literatura piegas desses franchinotes que andam peralteando pela rua do Ouvidor, as borradelas dos pintores, os teatros, os partidos, e até os duelos! Senhora D. Inês, a senhora não se sai bem desta vez. Os duelos! INÊS – Naturalmente. Então queria o senhor que assim não fosse?ANASTÁCIO – Está visto. Ah! Mulheres!... Mu-lheres!...INÊS – Já não estamos no tempo da mulher objeto de casa, escrava das impertinências mas-culinas.ANASTÁCIO – Ora figas, senhora Inês!INÊS – Estamos no fim do século XIX, em que o livre arbítrio faz de cada criatura um ser igual-mente forte para as lutas da vida, ouviu?ANASTÁCIO – Tá, tá, tá, tá. Ora figas! Qual lutas da vida! Qual livre arbítrio! Qual século XIX! Qual nada! A mulher foi feita para os arranjos de casa e nada mais!INÊS– O senhor está me desacatando!ANASTÁCIO – Ora figas! A senhora é que não está em si; perdeu a razão.INÊS – Ah! Não quer que nós tenhamos direitos?!ANASTÁCIO – Não, decerto. O pior é que a se-nhora já está transtornando a cabeça de minha

filha, que anda-me também com as mesmas idéias.INÊS – Sem dúvida alguma. E há de aproveitar muito, a nossa querida Esmeralda.ANASTÁCIO – Há de ser muito divertido.INÊS – Que bonito futuro está reservado à nossa filha!ANASTÁCIO – Se for uma boa mãe de família...INÊS – Há de ser; e também uma das melhores figuras da nossa política...ANASTÁCIO – Que diz?INÊS – Se passar a lei...ANASTÁCIO – Ó senhora, eu já lhe disse que não me meta a mulher na política!INÊS – Que! Não meter a mulher na política! Oh! Senhor Anastácio, a mulher não é porventura um ser humano, perfeitamente igual ao homem?ANASTÁCIO (com calma) – Sei lá! O que sei é que a política não foi feita para ela. A mulher metida em política, santo Deus!... Não me quero incomodar senhora D. Inês. Vou à chácara tomar um pouco de fresco. Até já. (sai).

CEnA 3a.Inês (só)

INÊS – São insuportáveis estes monstros de egoísmo! E quando se lhes fala em concorrermos com eles na vida pública, é um Deus nos acuda; fazem logo vir o céu abaixo...

CEnA 4a.Inês e Esmeralda

ESMERALDA (entra lendo um jornal) – Que que-reis fazer de uma mulher como vós inteligente, como vós ativa, como vós ilustrada, como vós amante da pátria, e que lhe quer, pode e deve prestar todos os serviços?!INÊS (que tem estado a prestar muita atenção) – Sim, sim, o que querem os homens fazer de uma mulher assim?ESMERALDA – Oh! Minha mãe, que belo artigo o do Dr. Florêncio, publicado no Correio do Povo de ontem. INÊS – É um grande talento!ESMERALDA – Tem feito do voto feminino uma campanha célebre.INÊS – E há de vencer.ESMERALDA – Se vencerá! INÊS – Em passando a lei, já se sabe, hás de te apresentar para deputada1.ESMERALDA – Eu, minha mãe?INÊS – Sem dúvida. Pois não estás habilitada para isso?ESMERALDA – Sim, estou habilitada. Mas meu marido?

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Acervo histórico

INÊS – Ora, o teu marido! Que se empregue em outra coisa.ESMERALDA – É bom de dizer, a senhora sabe, que ele tem sido sempre deputado... E não há melhor emprego do que esse.INÊS – De ora em diante serás tu. Se lhe hás de estar todas as noites a ensinar o que ele há de dizer, vai tu mesma dizer o que sabes.ESMERALDA – Pobre Rafael! Ele que deseja tanto subir!...INÊS – Sobe tu. Faz-te deputada, (aparece ao fundo a criada) depois senadora, depois ministra, e talvez que ainda possas chegar a ser presidente da república...

CEnA 5a.Inês, Esmeralda e Joaquina

JOAQUINA (entrando) – Quem? O senhor Rafael?INÊS – Não tola; a Esmeralda.JOAQUINA (admirada) – Uê!ESMERALDA – Ora, mamãe, isso não se faz assim.INÊS – Como não; faz-se sim, senhora. E eu hei de ser tua secretária.JOAQUINA (contente) – Que belo! Nesse tempo eu ficarei sendo sua criada grave.INÊS – É verdade, poderás proteger essa rapari-ga arranjando-lhe algum emprego razoável.JOAQUINA – Olhe, minha ama, sabe o que eu queria ser?ESMERALDA – Diz lá.JOAQUINA – Aquele homem que anda num carro fechado e com dois soldados a cavalo...ESMERALDA – Oh! Mulher! Querias logo ser ministra?INÊS – Isso é impossível, Joaquina.JOAQUINA – Eu sei lá! Queria ser uma coisa que pudesse mandar os soldados.ESMERALDA – Mandar soldados, para quê?JOAQUINA – Para nada, não senhora. (aparte) Para mandar prender aquele ingrato do seu Anto-nico que não se quer casar comigo. (sai)INÊS (que tem estado a conversar com Esmeral-da, durante o aparte de Joaquina) – No dia em que for decretado o nosso direito de voto...

CEnA 6a.As mesmas e Dr. Rafael

RAFAEL (entrando) – Esmeralda, minha boa ami-ga! Senhora D. Inês...ESMERALDA – Foi decretada?RAFAEL – A lei do voto feminino...INÊS – O ministro já decidiu?RAFAEL – Ainda não. Espera-se a todo o momento.

INÊS – Que demora!ESMERALDA – É possível que seja decretada, não? E o que dizes tu?INÊS (aparte) – O que diz? Nada, como de cos-tume.RAFAEL – Eu!... Eu!... Aplaudo com entusiasmo essa propaganda.ESMERALDA (sorrindo) – Aplaudes? Fazes muito bem.RAFAEL – E dou-lhes o meu voto.ESMERALDA – Enfim, vamos ter o direito de voto. INÊS – E o de sermos votadas.

CEnA 7a.Os mesmos e Anastácio

ANASTÁCIO (entrando, furioso) – Que pouca vergonha!INÊS – Ora, até que enfim, já se pode ser mulher nesta terra!ANASTÁCIO – Como diz?INÊS – Digo-lhe que o direito de voto às mulheres vai ser decretado pelo ministro.ANASTÁCIO – Está doida, minha senhora.ESMERALDA – Está em consulta, meu pai.RAFAEL – Está, não; subiu para o ministro.ANASTÁCIO – Figas! Figas, é o que é. Pode lá dar-se semelhante patifaria.INÊS – Patifaria, não. É a coisa mais justa deste mundo.ANASTÁCIO – Se tal acontecer pode-se dizer que o Brasil é uma terra de malucos.INÊS – Senhor Anastácio, não me faça falar...ANASTÁCIO – Senhora D. Inês, lembre-se de que eu sou um ex-conselheiro de Estado do ex-Império e já fui ministro!INÊS – Lembro-me, sim; e por sinal que não era o senhor quem escrevia os despachos; mas sim eu e minha filha, que nem sequer tínhamos o direito de assiná-los.ANASTÁCIO – Figas! Figas! A senhora não sabe que é mulher?INÊS – E o senhor não sabe que uma mulher não é inferior ao homem?ANASTÁCIO – É, é, e será sempre. Para mim nem há dúvida.ESMERALDA – Isto é conforme, papá.RAFAEL – Sim, é conforme.ANASTÁCIO – Qual conforme! É e é!INÊS – Não é, não é e não é. Que desaforo! A mulher inferior ao homem! Então foi para ser infe-rior a um carroceiro que o senhor mandou educar sua filha?ANASTÁCIO – Foi para ser uma belíssima mãe de família. Ora figas!RAFAEL (entusiasmando–se) – Apoiado.

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Charge publicada na revista O Malho, em 23 de junho de 1917

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INÊS (olhando para Rafael) – Foi para ensinar ao marido, assim como eu ensinei ao senhor. Ora aí está para o que foi! ANASTÁCIO – Pois que fosse; mas não para ser votante... Ora figas! Figas!RAFAEL (baixo a Inês) – D. Inês, olhe que isso é muito pesado!ESMERALDA – Mas isso não é justo, meu pai.ANASTÁCIO – Ah! Também pensas como tua mãe! Aqui está o que são as mulheres de hoje! O que todas vocês querem é ficar livres... para não prestarem mais obediência a ninguém. Mas tal não há de acontecer. Figas!ESMERALDA – Mas meu pai...ANASTÁCIO (colérico) – Qual teu pai, qual nada!ESMERALDA – Acalme-se!ANASTÁCIO – Isto não tem cabimento.INÊS – Ah! Querem a eterna humilhação!ANASTÁCIO (passeando, agitado) – Figas! Figas!INÊS – Havemos de ser iguais; se a mulher está habilitada para ser mãe, essa missão sublime e grandiosa, porque o não há de estar para exercer o direito de voto?

ANASTÁCIO – Que querem que façam os ho-mens? Que cedam o lugar às mulheres? Que vão para a cozinha? Que vão dar ponto nas meias?... Que vão... amamentar crianças?ESMERALDA – Ninguém diz isso. Ninguém quer tirar o lugar aos homens, sem por isso continuar-mos nós na humilhante condição em que temos jazido até hoje.ANASTÁCIO – É o mesmo estribilho. Esta gente está idiota.INÊS – O Senhor é que parece que perdeu a razão.ANASTÁCIO (dirigindo–se a Rafael) – Meu gen-ro, estamos perdidos, a revolução das saias en-trou-nos porta dentro: é preciso reagir. A mulher votante! Com direito aos cargos públicos! Que desgraça! Que calamidade!INÊS – Calamidade é a de termos homens como o senhor que procuram aniquilar os nossos direi-tos em proveito da sua vaidade.ANASTÁCIO (para Rafael) – O que diz a isso?RAFAEL (atrapalhado, olhando para Esmeralda)– Eu... eu não digo nada.ANASTÁCIO – Se o senhor tem aprovado a ati-tude delas.

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Acervo histórico

ESMERALDA – Porque é justo meu pai.ANASTÁCIO – Até a senhora! Está desejosa por votar e ser votada, ir ao parlamento, sobraçar uma pasta, andar de coupé e ordenanças! São assim todas as mulheres. Ah! Mas eu hei de ensiná-las! Agora é comigo. Senhor meu genro, venha daí. É preciso ser homem, ouviu? Ser homem! (empur-rando-o na frente) Ande, mexa-se. Até já, D. Inês. (saem os dois).

CEnA 8a.Esmeralda e Inês

INÊS (indo a porta) – Vão conspirar? Pois vão, que os havemos de ensinar.ESMERALDA – O quê! Pois pensa que eles serão capazes...INÊS – Teu marido não, que é uma mosca morta, um toleirão; mas teu pai...ESMERALDA – Meu marido tenho a certeza de que não se atreveria ...INÊS – Ora, ora! Teu pai o convencerá.ESMERALDA – Mas isto é horrível. Conspirarem contra os nossos direitos é matar-nos a esperan-ça de...INÊS – É horrível! E diante disso não podemos cruzar os braços! ESMERALDA – Mas os outros homens?INÊS – São todos iguais.ESMERALDA – Que fazer, então?INÊS – Vamos ao encontro da sua conspira-ção.ESMERALDA – Neste caso, vamos!INÊS – É a conspiração das saias. Hei de mostrar a esses homenzinhos para quanto presta uma mulher. Vamos Esmeralda.

DuETo

ESMERALDA – Eia à luta!INÊS – Eia à luta! Pois é certa esta vitória.ESMERALDA – Batalhemos sem temor.INÊS – Sem temor que é nossa a glória.ESMERALDA – Seja o homem forte embora...INÊS – Sempre é forte o vencedor!ESMERALDA – Sejamos fortes...INÊS – Lutemos!ESMERALDA – Venceremos pelo amor!

JUNTAS – Caia o homem! Mulher acima!Homem abaixo é o que se quer.Pois que é chegado o reinadoGlorioso da mulher! (terminado o

dueto saem)

CEnA 9a.Joaquina (só)

JOAQUINA (entrando) – Que balbúrdia! Parece um dia de juízo o dia de hoje nesta casa. Ouvi falar em conspiração! Há de ser a política das patroas! Até que desta vez vou ser aquele homem do carro e dos soldados. A patroazinha vai ser uma grande coisa! E eu apanho o meu lugarzi-nho. Então sim, (aparece Antonio à porta) mando prender o Antonio e se ele quiser que o solte há de casar-se comigo.

CEnA 10a.Joaquina e Antonio

ANTONIO – Para isso não é preciso prender-me.JOAQUINA – Ui!ANTONIO – Não te assustes, meu quitute; sou eu.JOAQUINA – Que medo! (canta)

DuETo

JOAQUINA – Oh! Que medo tão danado!Me fizeste agora entrando.

ANTONIO – Pois te assustas, meu bem, quandoMeu prazer é ter entrado?!

JOAQUINA – Tenho nervos, sou medrosaANTONIO – Nervos assim, tentação?...JOAQUINA – Esta surpresa!...ANTONIO – Vaidosa! Se tivesses coração...

JUNTOS – Pode o amor vir de surpresa,Que bem vale um susto o amor.Passa o susto e se desprezaToda a idéia de terror.

ANTONIO – Não foi nada; passou.JOAQUINA – Não faça outra; ainda estou a tre-mer. Para outra vez...ANTONIO – Para outra vez, hei de pedir licença... para entrar.JOAQUINA – Por força; cá não se entra sem mais aquela...ANTONIO – Ora, adeus! Eu é que, em gostando dum derriço como tu, não estou com cerimônias... vou entrando... E não faço caso de que me man-dem prender, porque como tu sabes, o pássaro preso na gaiola também canta, depois da prisão vem a soltura...JOAQUINA – E quem falou em prendê-lo? (apar-te) Ouviu tudo!ANTONIO – Você mesmo. E não sei para quê... se eu já estou preso pelo beicinho...JOAQUINA – Eu cá me entendo. Os homens... É verdade: que vieste aqui fazer?ANTONIO – Eu? Vim procurar o patrão... e ver-te. Ora, aí está!JOAQUINA – Ver-me? Só?... (suspira)

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ANTONIO – Só... e procurar o patrão!JOAQUINA – Ver-me só!... (suspira) Ai! Ai!ANTONIO (suspirando) – Só!... se nós já fosse-mos casados!...JOAQUINA – Casados! Ah! O fingido! Como sus-pira!ANTONIO – Casados, sim. Pois tu não és a minha noiva?JOAQUINA – Sou. E podemos ser muito felizes. Olha, vai passar-se aqui uma cons... uma cons... Como é mesmo?ANTONIO – Eu sei lá mulher! Seja o que for.JOAQUINA – Pois sim! A patroazinha vai ser mi-nistro...ANTONIO – O quê ?JOAQUINA – Ministro!ANTONIO – Estás doida, mulher!JOAQUINA – Ministro, sim! Ora aí está. E eu vou ter um bonito emprego. Depois me casarei contigo...ANTONIO (desconfiado, aparte, olhando-a muito)– Que diz ela? Estará doida? Hom’essa!... (conti-nua a olhá-la)JOAQUINA – E tu também terás emprego...ANTONIO (resoluto) – Menos essa! Eu é que não quero esse emprego!JOAQUINA – Então é porque não sabes o que há.ANTONIO – O que há?JOAQUINA – As mulheres agora vão ser como os homens.ANTONIO – Como os homens? E os homens?JOAQUINA – Como as mulheres.ANTONIO – Livra!

JOAQUINA – Sim, senhor! Agora somos nós que vamos para os empregos.ANTONIO – Oh! Joaquina! Ou tu estás doida, ou estás brincando...JOAQUINA – É sério! Eu já pedi a patroa o meu emprego. É aquele em que a gente anda sentada num carrinho com os soldados a cavalo atrás...ANTONIO – E eu que fico fazendo?JOAQUINA – Tu não precisas trabalhar, não, ficas em casa.ANTONIO – Para lavar as tuas saias e esfregar a tua roupa? Eu nunca tive jeito para esfrega-ções...JOAQUINA – Como é bom!ANTONIO – O quê? As esfregações? Nada, eu não sou homem para estas coisas. Não quero...JOAQUINA – Ah! Se não quiseres assim...ANTONIO – Que descaramento!JOAQUINA – Qual nada! A mulher está na pon-ta!ANTONIO – Sim... sim... na ponta da cozinha ou, quando muito, na do quintal!JOAQUINA – Olha, eu gosto muito de ti; mas lá por isso não é que eu hei de deixar o meu empre-go. Se quiseres casar comigo é assim; se não é chuchar no dedo. (sai)

CENA 11a.Antonio, Rafael e Anastácio

ANTONIO (só) – E esta! Ser obrigado a fazer de mulher para fisgar este diabo! É horroroso! de mulher para fisgar este diabo! É horroroso!

Após quatro décadas, as brasileiras conquistam, em 1932, o direito de voto.Na foto, a representante classista Almerinda Farias Gama vota na Constituinte de 1934

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Acervo histórico

Porque afinal de contas, se isto acontecer, serei obrigado a escamar o peixe, limpar o quarto da mulher, lavar a roupa e fazer a goma para as saias! Isto põe um homem na espinha! Porém no meio disto tudo, do que eu tenho birra é da cozinha! Cozinhar, eu?... Que sempre tive quizí-lia pelas panelas! Qual! Isto não pode nem deve acontecer. Prefiro morrer de fome a ter de mexer em panelas!ANASTÁCIO (entrando, sem reparar em Anto-nio) – Irra! É uma calamidade! O mulherio está alvoroçado!RAFAEL – O caso está tomando proporções assustadoras.ANASTÁCIO – Não pode ser! É uma desgraça se tal acontecer! É o fim do mundo! É... é... (a Rafael) O que é que é?RAFAEL – Eu sei lá o que é!ANASTÁCIO – Pois sei eu... É... é... (com custo) é uma figa, ora, aí está o que é.RAFAEL – Estamos bem servidos, não há dúvi-da!ANASTÁCIO – Está claro! Votam as mulheres, as mulheres são votadas! Para elas os empre-gos, as honras, as posições, e tudo, tudo! Que há de fazer o homem? Ficar em casa pregando colchetes nas saias?RAFAEL – Isso nunca!ANTONIO (aparte) – Os homens estão danados!ANASTÁCIO – É preciso conspirar!RAFAEL – Mas como? De que modo?ANTONIO (aparte) – Sim, eu também sou inte-ressado na questão!ANASTÁCIO – De que modo? Ir contra as mu-lheres! Impedir que isso se dê.RAFAEL – Ir contra as mulheres?! Mas vê que isso é difícil!ANTONIO (aparte) – Eu cá por mim, já estou resolvido a lavar as saias da Joaquina.ANASTÁCIO – Qual difícil! Vou fazer um mee-ting! Estamos já aqui dois homens (reparando em Antonio), com este que apesar de ser o criado do Dr. Florêncio, há de acompanhar-nos, três; (agarra-o pelo braço) o compadre Izidro, quatro...RAFAEL – O Silva cinco.ANASTÁCIO – Qual Silva! Qual nada! Aquilo é um banana! Um pancada! É capaz de tomar as saias da mulher e ir para o lado delas. Queremos homens que não se entreguem a essas lambis-góias. (segurando Antonio, que ainda o conserva seguro) Você é homem?ANTONIO – Pelo menos pareço.RAFAEL – Nesse caso, é uma guerra de morte?ANASTÁCIO – De morte? Não, de honra!ANTONIO – Ui! Não me aperte o braço!ANASTÁCIO – Fora com o voto às mulheres!

CEnA 12a.Os mesmos e Dr. Florêncio

DOUTOR – Bom dia! Que é isso? Vejo-os exal-tados!ANASTÁCIO – Muito obrigado! O senhor é que é o causador de toda esta balbúrdia, de toda esta exaltação!RAFAEL – Sim, o senhor mesmo.DOUTOR – Mas, senhor conselheiro...ANASTÁCIO – Figas! Meu amigo! Figas! A cidade está em desordem! O mulherio está alvoroçado!RAFAEL – Até a minha mulher!DOUTOR – Meu colega, que é isto? Explique-se.ANASTÁCIO – Não há explicações. Agora é cada um tratar de defender os seus direitos.RAFAEL – Até a minha Esmeralda!ANASTÁCIO – E afinal de contas, também a se-nhora Inês!DOUTOR – Mas o que tenho eu com isto?ANASTÁCIO – Minha mulher está doida! Compre-ende, doida!RAFAEL – E eu estou aqui e estou sem mulher, sem a minha Esmeralda!DOUTOR – Mas senhores, digam–me o que te-nho que ver com isso.RAFAEL – Foi o colega que andou introduzindo esta trapalhada por aí.

CEnA 13a.Os mesmos, Esmeralda e Inês

INÊS – Que grande vitória! Ah! Ainda bem que os encontro reunidos. Tenho boas notícias a dar-lhes. (vendo o doutor) Oh! Doutor! Não sabe quanto prazer sinto com a sua visita.ANTONIO (aparte) – O que estará a Joaquina a fazer na cozinha?ESMERALDA – Aceite os meus cumprimentos pelo seu brilhante artigo de ontem.DOUTOR – Oh! Minhas senhoras! VV. EExs. confundem-me. (dirigindo–se a Antonio) Que fazes aqui?ANTONIO – Vim aqui para saber de meu amo a que horas vai jantar.INÊS – O doutor janta conosco.ANTONIO – Nesse caso...DOUTOR – Podes retirar-te.ANTONIO (aparte, saindo) – Graças a Deus! Que estou livre das unhas e das figas do velho!

CEnA 14a.Os mesmos, menos Antonio

INÊS – Pois como ia dizendo, tenho boas notícias a dar.

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Charge de Pereira Netto, publicada na Revista Ilustrada, em 23 de março de 1890, ilustra o Secretário de Estado dos Negócios do Interior, José Cesário de Faria Alvim,

divulgando resolução contrária ao voto feminino

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ANASTÁCIO – É escusado, não quero aqui mais discussões.INÊS – Pois quero eu! De ora em diante mandam todos igualmente. E para o futuro, seremos iguais perante a lei.ANASTÁCIO – Nunca, senhora Inês; nunca!RAFAEL – Nunca, repito. O direito de voto não há de vir.ESMERALDA – Olá, senhor meu marido, então o senhor também?...RAFAEL – Não... sim... Mas isso é uma invasão de atribuições...DOUTOR – Perdão, eu creio que se trata do voto feminino. É uma coisa perfeitamente justa!ANASTÁCIO – Justa! Isso diz o senhor. E sabe porque o diz? É porque não é casado.RAFAEL – Descansem! O direito de voto à mulher não veio nem virá!ESMERALDA – Lá isso não. A consulta está em mãos do ministro; hoje ou amanhã será introduzi-da na lei.DOUTOR – Sem dúvida alguma. É uma das mais belas conquistas deste fim de século; a reparação de uma injustiça secular, dos tempos bárbaros.INÊS E ESMERALDA – Muito bem, doutor; muito bem!RAFAEL – É o ridículo sobre os homens!DOUTOR – Mas senhores, sejamos todos cordatos. O direito de voto às mulheres é de toda a justiça.ANASTÁCIO – Não é só o direito de voto que elas querem, é o direito de votar e ser votadas. É o reinado das saias!DOUTOR – Não há tal. Será antes o reinado das competências. De ora em diante não veremos mais na sociedade a impostura de serem as mulheres que façam as coisas e os homens que recebam as honras... como por aí se dá...ANASTÁCIO (baixo a Ra-fael) – Isto agora é com o senhor.RAFAEL (o mesmo)– Comigo, não; é com o senhor.DOUTOR – Se a mulher tem aptidão para adquirir títulos científicos, porque não há de ter para os car-gos públicos?INÊS – Apoiado; e aqui está a Esmeralda para prova.DOUTOR – Se pode exer-

cer cargos públicos, porque não há de poder de-sempenhar o mandato?ANASTÁCIO – Mas nesse caso, teremos também de ser governados por elas.RAFAEL – Virão ocupar os nossos lugares.DOUTOR – Quando provarem competência para eles, porque não?ANASTÁCIO – Seria horroroso! Isso não! A desti-tuição do homem, o predomínio nefasto da fragili-dade feminina! Figas!ESMERALDA – Seria a mais bela das conquistas humanas, porque nós não somos senão iguais aos homens, apenas tendo diferenças sexuais e virtudes para melhor.ANASTÁCIO – Cala-te! Cala-te! E que farão os homens?INÊS – O que puderem e souberem fazer.ESMERALDA – É a compensação das iniqüida-des de tantos séculos! DOUTOR – Demais, nem todas as mulheres irão ocupar cargos importantes, assim como nem to-dos os homens hoje os ocupam.ANASTÁCIO – E o escândalo?ESMERALDA – A moralidade existe por si.INÊS – Senhor Anastácio, fique certo de que o domínio das calças está para acabar.ANASTÁCIO – Nunca! Ora figas!RAFAEL – Senhora minha sogra, cuidado com os homens!ANASTÁCIO – Pois fiquem certas de que não hão de levar o melhor. (sai)

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Acervo histórico

CEnA 15a.Os mesmos, menos Anastácio

DOUTOR – Tenho certeza de que a mulher será emancipada; e com o direito que lhe cabe à ele-gibilidade, far-se-á representar no parlamento, já nesta sessão.RAFAEL – Meu colega, olhe que isto é muito.ESMERALDA – Rafael, lembra-te que és meu marido.INÊS – Sem dúvida. O senhor Rafael deve ser razoável.DOUTOR – Há de ser. Ainda hei de vê-lo cabalan-do pela candidatura da senhora D. Esmeralda.INÊS – O que me dá cuidado é o Anastácio. Que iria aquele homem fazer agora à rua?RAFAEL (com malícia) – Naturalmente foi ao ministro.INÊS E ESMERALDA – Ao ministro?!DOUTOR – Não há de ser nada. Não conseguirá coisa alguma.

CEnA 16a.Os mesmos e Anastácio

ANASTACIO (fora) – Meu genro! Meu genro! (en-tra esbaforido, com um jornal na mão)INÊS E ESMERALDA – Céus! Que foi!ANASTÁCIO (mostrando o jornal) – Está aqui! Aqui!

CEnA 17a.Os mesmos, Joaquina, depois Antonio

INÊS – O decreto?!ANASTÁCIO – Qual decreto, qual nada! Não votam!TODOS – Ah!JOAQUINA (aparte) – Lá se foi o meu emprego!ANASTÁCIO – O ministro despachou a consul-ta que lhe foi submetida, nestes termos: (lê) O governo resolvendo a questão apresentada não considera nem oportuna, nem conveniente, qual-quer (aparece Antonio) inovação na legislação vi-gente no intuito de admitir as mulheres sui juris ao alistamento e ao exercício da função eleitoral!ANTONIO – A-q-u-i! Menéres!RAFAEL – Bravo! Muito bem!ANASTÁCIO – Já vêm que não votam, minhas senhoras.

INÊS – Horror!ANTONIO – Então Joaquina, ainda pensas em ser ministra?JOAQUINA – Só se for do teu coração!ANTONIO – Visto não teres o tal emprego, nem o carrinho, nem os soldados a cavalo atrás, eu peço a tua mão.JOAQUINA – Aqui a tens!DOUTOR – Ainda não me dou por vencido.ANTONIO – O patrão se me desse licença, eu sempre diria uma coisa...DOUTOR – Dize lá.ANTONIO – A mulher não foi feita de uma costela do homem?DOUTOR – Foi.ANTONIO – A costela é o emblema do descanso. Portanto, a mulher não foi feita para a calaçaria das ruas.ESMERALDA – Para que foi então?ANTONIO – Para os arranjos da casa... e etc. e tal.ANASTÁCIO – Ele tem razão. O verdadeiro lugar da mulher é no centro da família.ESMERALDA – Não se entusiasmem tanto. Ainda temos um recurso. Aguardemos a Constituinte!

EnSEMBLE

ESMERALDA – A querida vitória há de, creioDar-nos ganho de causa por fim

RAFAEL – Isso não, q’eu não marcho no meio!INÊS – Ah! Respiga! Pois sim! Oh! Pois sim!ESMERALDA – Venceremos, ou não? Doutor, diga!DOUTOR – Por que não?! A vitória é fatal!ANASTÁCIO – Ora figas! Ora figa! Ora figa!

Esta gente ‘stá doida, afinal!

AS MULHERES – Pois veremos, senhores, ve-remos,

Vencerá a razão, venceráJusto é pois q’ por isso espe-

remosConfiantes daqui até lá!

OS HOMENS – Ora qual! Ora qual! Não teme-mos! Ficará tudo assim como está! E seguros do caso esperemos Confiantes daqui até lá

noTAS1[Nota da dramaturga] – A palavra como significação de emprego que só convém ao homem é inva-riável; mas no caso da tese que se discute varia logicamente.

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Os estudos históricos sobre o Legislativo no Brasil são oásis num território deserto e árido. Daí o fato aprazível e instigante de encontrarmos obras como a de Luís da Câmara Cascudo sobre a Assembléia Legislativa norte-riograndense.

Como Affonso de Taunay, que somou à sua obra voltada ao passado paulista uma história do Se-nado no Império, Cascudo demonstra sua veia de historiador incansável e produtivo dedicando-se ao Legislativo potiguar. Não se trata de um estu-do histórico sistemático sobre aquele parlamento estadual, nem tampouco de uma história política do Rio Grande do Norte. Trata-se, antes de tudo, de um senso de oportunidade e de necessidade de colocar a memória histórica em livro.

O livro Uma História da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Norte levou 18 anos para ser publicado. Em 1953, Luís da Câmara Cascudo aceitou o primeiro convite para escrever a história daquela casa parlamentar. “Pela primeira vez, que me conste na bibliografia brasileira, alguma Assembléia desejava ter sua história escrita e so-licitava, fora de suas bancadas, ao menos político de todos os norte-riograndenses vivos. Aceitei.”1

A incumbência que lhe fora designada não estava tão distante de seus afazeres. Dez anos antes, Cascudo trabalhara na Diretoria Regional de De-fesa Civil, e exatamente na sala onde funcionava a repartição estava o arquivo da Assembléia, con-sultado diariamente pelo pesquisador e jornalista, que dele tomou muitos episódios para publicá-los na seção “A República”, do Acta Diurna.

Quando iniciou seu trabalho sobre a Assembléia Legislativa, o arquivo já havia sido transferido

para o Instituto Histórico local. O historiador notou a ausência de dezenas de livros de atas, registros de leis, correspondências, especialmente do pe-ríodo republicano. As lacunas encontradas foram supridas, tanto quanto possível, pelos jornais de época do Rio Grande do Norte e da imprensa da capital do estado vizinho, Recife.

A entrega dos originais dessa primeira versão da história do Legislativo do Rio Grande do Norte foi feita em novembro de 1953. No entanto, o livro não foi publicado. “A Assembléia modestamente evitava a notoriedade de sua nobre história”, diria Cascudo anos mais tarde.

Em setembro de 1971, o então presidente do Legislativo estadual, deputado Moacyr Torres Duarte, formalizou um novo convite para a atua-lização do trabalho iniciado em 1953. Desta vez, os esforços do historiador seriam concluídos com a publicação de um volume com 500 páginas, nas quais figuram jornadas de cinqüenta legislaturas, recobrindo 136 anos legislativos.

O etnógrafo, apaixonado pelo folclore, freqüenta-dor de terreiros de macumba, das praias e portos de jangadeiros, do sertão dos vaqueiros e canta-dores, colecionador de casos, interessado na tradi-ção, na fala, na alimentação e nos gestos da gente simples, passara a ser reconhecido como historia-dor oficial do Legislativo de seu estado natal.

Luís da Câmara Cascudo, em Uma História da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Norte, percorre os antecedentes de 1834 e do Ato Adi-cional à Constituição do Império a partir do qual as Assembléias Legislativas do Brasil foram cria-das. A Assembléia da Província do Rio Grande do

* Fernando Duarte Caldas, mestre em História Social pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, bacharel em Economia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Agente Técnico Legislativo na Divisão de Imprensa da Assembléia Legislativa de São Paulo. ([email protected])

Fernando Duarte Caldas*

Uma história de Cascudo

História&Livros

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Acervo histórico

Norte foi instalada em 2 de fevereiro de 1835 e ao longo dos 170 anos de existência os locais de funcionamento dela já assumiram vários nomes: Assembléia Legislativa Provincial, quando se instalou na antiga Câmara Municipal, Congresso Legislativo, Congresso Legislativo Estadual ou Congresso Estadual. Sua sede já recebeu o nome Palácio Amaro Cavalcanti e hoje está abrigada no moderno Palácio José Augusto.

No livro de Cascudo estão arroladas todas as composições das Mesas da Assembléia norte-rio-grandense, desde o Período Imperial (1835-1889) até a do ano de 1971. Encontram-se também a cronologia e a relação nominal de todos os depu-tados estaduais que compuseram as 27 legislatu-ras do Império e as 23 do período republicano.

Cerca de 150 páginas do livro são dedicadas a breves perfis biográficos de figuras que “honra-ram” a Assembléia, já mortas na época da publica-ção do livro. As qualidades de biógrafo de Cascu-do se revelam na constância em que os perfis de personalidades traçados por ele aparecem como referência em inúmeros dicionários biográficos.

Há ainda boas passagens em que são descritos episódios da história do cotidiano. Como a substi-tuição nos pedidos de compra das antigas penas de pato, destinadas à caligrafia, pelas penas de aço. Enquanto estas custavam três mil réis, o “quarteirão” das de pato valiam 240 réis. Perfeita desmoralização!

Porém as intenções do historiador potiguar não se limitavam ao simples registro oficial de interesse histórico. Além da ordenação mnemônica, o autor de Uma História da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Norte expressa veleidades de análise sociológica e de enveredar por searas da psicolo-gia social. Nesse aspecto, o livro de Cascudo, a despeito da necessidade de síntese, não chega a entusiasmar. Mas oferece algumas interpretações interessantes sobre a cultura política em que se desdobrou a história do parlamento estadual em diferentes momentos.

No período do Império, embora o governo jamais conseguisse as delícias de uma Assembléia unâ-nime, havia nela o cumprimento de seus deveres de cortesia para com o imperador e de seu papel autorizador sobre assuntos econômicos. Temas prosaicos animavam a vida inicial da instituição. A simplicidade da vida provinciana refletia-se nos pedidos que passavam por seu crivo, como a ele-vação de vencimentos de professores, autoriza-ções para contratação de serviços e outros. “Inútil,

pois, procurar maravilhas na legislação nascida da velha Assembléia. Também é debalde procurar uma inutilidade. Há o útil, o lógico, o indispensá-vel.”2 Assim, pois, Cascudo descreve os afazeres dos deputados, o envolvimento destes com o que diz respeito ao dia-a-dia de suas comunidades, os ciclos de plantios, os males do gado, a produção, estradas, açudes, escolas, juizados de paz.

Cascudo enfatiza o patriarcalismo rural e a pre-sença carismática do chefe local como elementos predominantes de uma psicologia unânime e na-tural de caráter centenário.

Tanto no Império quanto na República os partidos políticos nunca chegaram a representar o centro de gravidade da vida política. O partido não tinha real-mente nome, nem forma e reunia os adversários de um ou outro chefe político cujos núcleos eleitorais mobilizavam-se de acordo com a sorte dos arranjos políticos travados nas esferas locais, provincial ou estadual e o governo central. O governo sempre funcionou como pólo irresistível e ordenador das trama do solidarismo e do fidelismo partidário.

A imagem do político atuante no legislativo re-fletida por Cascudo, na passagem do Império à República, revela a duradoura mística da con-fiança e dedicação aos dirigentes. “Os políticos influentes, agitados, inteligentes, nunca saíram das batalhas de formigueiro e campanhas de saú-vas. Perderam tempo e força nas lutas miúdas e dispersas, perseguindo sombras e construindo com areia solta... Os homens eram os mesmos e a terra não mudara. A política sim. Esse congres-so semi-silencioso, obediente, pronto a cumprir as ordens de transformar em lei os pensamentos do administrador, respaldava, garantia, dava ao go-vernador o destemor de agir e de falar, alto e forte, fazendo crescer o Rio Grande do Norte.”3

O sistema político instalado pela República, como o desenha Cascudo, não oferece brechas a for-ças políticas fora da constelação do governo. Ser oposição ao governo era como não existir. Como percebe Cascudo, o partido era o governador. Ser de oposição ou apenas político de cuja fidelidade se desconfiava significava derrota eleitoral certa. De 1894 até os anos 1930, nenhum oposicionista chegou a deputado estadual no Rio Grande do Norte. “Afastar-se, dissentir do governo, era o exílio eleitoral inapelável”, atesta Câmara ao re-ferir-se à mecânica eleitoral impingida pelo voto descoberto. Distante de qualquer possibilidade de favorecimento dos favores fiscais e administrati-vos do governo, a ação política não se concretiza, simplesmente não existe.

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Desse modo, a história do Legislativo estadual foi longamente atraída pela semi-onipotência do po-der executivo. A atuação dos governadores sobre o Congresso Legislativo, regulando apresenta-ções de propostas e reprimindo demonstrações estridentes e discordantes, levou o Legislativo à monotonia e fez evaporar a imagem dos partidos.

Somente após 1930, pela primeira vez no regime republicano, o governo do Rio Grande do Norte viria a perder uma eleição estadual para a Assem-bléia. “O governo estava de baixo, dando o glorio-so precedente da vulnerabilidade solar”.

Entretanto, o lampejo de uma Assembléia opo-sicionista não duraria. Em 1937, o Estado Novo dissolve a Assembléia. Os dez anos de dissolu-ção do parlamento são avaliados por Cascudo como um “interstício de promoção”, visto que todo esse tempo serviu como espécie de contraprova e excitação mental, um estágio concentrador de tenacidades.

O historiador potiguar reputa a 17ª legislatura (1947-1950), surgida da redemocratização, a mais sugestiva, pela intensidade dos debates, nível intelectual, diversão dialética. Numa espé-cie de nostalgia de tempos em que o plenário da Assembléia oferecia a seiva dos debates públi-cos, Cascudo relembra um momento em que o parlamento despertava o interesse das ruas. “O público, normalmente desinteressado, repletava as galerias, acompanhando os duelos ou esca-ramuças grupais com uma atenção alerta e es-portiva de campeonato olímpico. Os comentários prolongavam na cidade os rumos dos embates e a repercussão deliciada das respostas felizes, que pareciam eternas, mas ninguém as recorda mais. Adiava-se encontro comercial para não se perder um discurso, com prometidos apartes con-tundentes.”

Do tempo descrito e exaltado pelo historiador ao tempo então vivido por ele já distavam alguns anos. Os homens até pareciam os mesmos e a

terra não mudara. A política, sim. O livro sobre a Assembléia do Rio Grande do Norte foi apre-sentado ao público em sessão solene de encer-ramento dos trabalhos legislativos de 1971. O líder do governo e da Arena, deputado Ezequiel Ferreira, apresentou a obra do eminente comen-dador Luís da Câmara Cascudo após reportar-se à ordem e ao respeito instalados no Brasil com o advento da Revolução de 1964. O orador constrói um todo coerente, o bom nome e a seriedade do Poder Legislativo aparecem ajustados aos princí-pios preconizados pela revolução de março. “A filosofia da revolução fez substituir nos parlamen-tos a demagogia pela tecnologia, a loquacidade pela eloqüência e a imaginação pelo raciocínio”4,sentenciou o orador arenista.

A tradição republicana e democrática reclama uma outra história das assembléias legislativas.

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NOTAS

1 Cascudo, Luís da Câmara. Uma História da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Norte. Natal, Fundação José Augusto, 1972, pg. 1.2 Idem, ib., pg. 10.3 Idem, ib., pg. 28.4 Idem, ib., pg. XVIII.

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Acervo histórico

Registro&Datass Novas instalações – Poucos dias após fechar-mos a primeiro número de Acervo histórico

mudamos para novas instalações, em novembro de 2003. Deixamos para trás espaços inadequa-dos para a conservação da documentação e o atendimento aos consulentes. Hoje a Divisão de Acervo Histórico ocupa uma edificação anexa ao Palácio 9 de Julho e cuja entrada situa-se pelo lado defronte o quartel-general do II Exército. O novo espaço do Acervo Histórico divide-se em três salas. A maior delas é a reservada aos livros, negativos e documentos, os quais se encontram preservados em ambiente de temperatura estável e controlada e com controle de umidade e salubri-dade. A outra sala agrupa a parte funcional. E, por fim, a terceira é a destinada aos consulentes, que têm à sua disposição terminais de computador que dão acesso a toda a documentação digitaliza-da do Legislativo Paulista - abrangendo o período de 1819 a 1937 -, as bases de dados de negativos e livros da Divisão de Acervo Histórico, bem como terminal conectado com a “Internet” e à base de dados do Legislativo Paulista.Apesar da mudança de localização nosso ende-reço para correspondência e nossos telefones continuam os mesmos:Divisão de Acervo HistóricoAv. Pedro Álvares Cabral, nº 201Ibirapuera – São Paulo – SP04097-900Tel: (11) 3886-6308 e (11) 3886-6530Tel/fax: (11) 3886-6309 e (11) [email protected]

Funcionários do Acervo elaborampublicações e exposições

Os documentos, assim comoos livros, são preservados

em ambiente adequado

Fachada do prédio onde está instalada a Divisão de Acervo Histórico

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Arquivos deslizantes abrigamaproximadamente 28 mil volumes

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s Lançamento do nº 1 de Acervo histórico – Transcrevemos trecho da matéria publicada na edição de 10 de fevereiro de 2004 do Diário Ofi-cial – Poder Legislativo:“A Divisão de Acervo Histórico da Assembléia Legislativa promoveu, nesta segunda-feira, 9 de fevereiro, o lançamento de sua mais nova pu-blicação. Trata-se do primeiro número da série intitulada “Acervo Histórico”, revista que deve ser editada com periodicidade semestral.Estiveram presentes à cerimônia de lançamento o ex-deputado Vicente Botta, o secretário geral par-lamentar da Assembléia, Auro Augusto Caliman, funcionários do Poder Legislativo, representantes do arquivo da Câmara Municipal de São Paulo, o diretor da Biblioteca Mário de Andrade, do Institu-to de Estudos Brasileiros e convidados da acade-mia e da sociedade civil.”Registre-se, também, o lançamento, na mesma ocasião, de vídeo institucional da Divisão de Acer-vo Histórico veiculado pela TV Legislativa.

s Base de dados do Acervo Histórico na Inter-net – Desde o final de agosto de 2004 a Divisão de Acervo Histórico passou a disponibilizar bases de dados na Internet. A primeira a ser disponibili-zada foi a referente aos documentos do Legisla-tivo Paulista referente ao período imperial. A fim de auxiliar os pesquisadores e demais interes-sados na consulta da documentação referente ao intervalo que vai da criação da Assembléia Legislativa Provincial de São Paulo até o fim do regime monárquico, a Divisão de Acervo Históri-co da Assembléia Legislativa do Estado de São

Paulo com apoio da Divisão de Desenvolvimento Organizacional do Departamento de Informática, coloca à disposição do público a relação dos pa-péis sob sua guarda referentes a este importante período da história paulista e brasileira.Agrupando informações referentes a cerca de 250.000 páginas de documentos, o banco de da-dos deste acervo documental foi organizado por assunto, local e data, permitindo que os interessa-dos possam pesquisar isolada ou conjuntamente por tais parâmetros.Desse modo, ao disponibilizar esta base de da-dos, a Divisão de Acervo Histórico da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo deu aos inte-ressados a possibilidade de verificar de antemão a existência e a localização da documentação desejada, agilizando a pesquisa e o atendimento.Para acessar a base de dados do Império bas-ta digitar o seguinte endereço da Internet: http: //www.al.sp.gov.br/AH/AH�Lista.htm.

O Secretário Geral Parlamentar, Auro Augusto Caliman, discursa no lançamento da revista,observado pelos presentes. Sentado está o ex-deputado Vicente Botta

Consulentes pesquisam os documentosdigitalizados do Legislativo Paulista

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Acervo histórico

Acervo histórico é uma publicação semestral da Divisão de Acervo Histórico da Assembléia Legis-lativa do Estado de São Paulo e tem como objetivo a divulgação de artigos e fontes de pesquisa de História e disciplinas afins, informes parciais de pesquisa em desenvolvimento, documentos inéditos e resenhas críticas, cujos temas estejam presentes em seu acervo - preferencialmente, trabalhos realizados com os documentos desse acervo. Acervo histórico convida autores de instituições de ensino e pesquisa nacionais e internacionais e também recebe colaborações espontâneas. Publica também, em reedição e tradução, trabalhos relevantes que se caracterizem como fundamentais à sua temática, desde que, para tanto, haja a autorização expressa do editor da publicação original.Os artigos cujos autores são identificados representam o ponto de vista dos próprios autores e não a posição oficial de Acervo histórico , da Divisão de Acervo Histórico ou da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. o autor receberá, sem ônus, cinco exemplares da publicação na qual consta seu artigo.A publicação de qualquer matéria está subordinada à aprovação prévia da Divisão de Acervo His-tórico. os artigos aceitos para publicação serão revisados em língua portuguesa. no caso de cola-boradores internacionais o texto será traduzido para o português.

Normas de redação de Acervo Histórico

Apresentação dos originais

O artigo deve ter aproximadamente 15 pá-ginas. Deve ser gravado, preferencialmente, em programa Word for Windows, fonte Times New Ro-man, tamanho 12, entrelinhas 1,5, margens 3cm (superior e esquerda) e 2,5cm (inferior e direita). O espaço das notas será no final e deverá conter além das citações as referências bibliográficas, em fonte Times New Roman, tamanho 10.

As resenhas seguem as mesmas normas ge-rais e deverão ter, no máximo, 4 páginas.

Abaixo do título deverão constar o nome com-pleto dos autores e indicações quanto à titu-lação acadêmica, instituição outorgante e ativi-dades que desempenham na instituição a que estão vinculados e e-mail. Para uso exclusivo do Editor, o endereço para correspondência e telefone.

Exemplos da apresentação das referências no espaço de notas:

1) Monografias:COELHO, Henrique. O Direito Público do Es-

tado de S. Paulo: Breve comentário da Lei Cons-titucional de 8 de julho de 1911. São Paulo, Casa Vanordem, 1920, p. 27-28;

SILVEIRA, Valdomiro. Os caboclos: contos. 4a ed. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1975, p. XI.

2) Artigos em revistas:THOMSON, Alistair. Histórias (co)movedoras:

História Oral e estudos de migração. Revista Bra-sileira de História, São Paulo, vol. 22, no 44, p. 341-364, 2002.

3) Artigos com autoria em obra coletiva:COSTA, Emília Viotti da. Brasil: A era da re-

forma, 1870-1889. In: BETHELL, Leslie (Org.). His-tória da América Latina: de 1870 a 1930, volume V. São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo; Imprensa Oficial do Estado, 2002, p. 705-760.

4) Artigos de jornais:ARAÚJO, Olívio Tavares de. Lívio Abramo:

1903-1992. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 28/04/1992. Caderno 2, p. 1.

KRIEGER depõe sobre a guerra da sucessão. Correio Braziliense, Brasília, 23/01/1983, p. 4.

O artigo deve ser gravado em disquete 3½, acompanhado de uma cópia impressa. Fotografias e desenhos devem ser enviados no formato “tif “ com definição de 300dpi ou no original para possibilitar boa reprodução. Gráficos, quadros, tabelas, fluxo-gramas, etc. devem ser enviados separadamente, em outro disquete 3½ com uma cópia impressa.

Textos para reedição deverão indicar sua fonte original.

Os artigos não aproveitados por Acervo histórico não terão outra utilização e não serão devolvidos.

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