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Índice INTRODUÇÃO.................................................................................................i CAPÍTULO I- DIREITO HUMANOS FUNDAMENTAIS 1.Conceito....................................................................................................... 7 2.Teorias.........................................................................................................9 3.Gerações....................................................................................................12 3.1.Primeira Geração..............................................................................12 3.2.Segunda Geração.............................................................................13 3.3.Terceira Geração..............................................................................13 4.Liberdades Públicas...................................................................................15 5.Características............................................................................................18

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Índice

INTRODUÇÃO.................................................................................................i

CAPÍTULO I- DIREITO HUMANOS FUNDAMENTAIS

1.Conceito....................................................................................................... 7

2.Teorias.........................................................................................................9

3.Gerações....................................................................................................12

3.1.Primeira Geração..............................................................................12

3.2.Segunda Geração.............................................................................13

3.3.Terceira Geração..............................................................................13

4.Liberdades Públicas...................................................................................15

5.Características............................................................................................18

CAPÍTULO II- EVOLUÇÃO HISTÓRICA

1.Evolução Histórica dos Direitos Humanos Fundamentais..........................19

1.1Antiguidade........................................................................................19

1.2.Idade Média.......................................................................................20

1.3.Idade Moderna..................................................................................21

1.4. Idade Contemporânea......................................................................21

2.Evolução Histórica dos Direitos Humanos Fundamentais nas Constituições

Brasileiras......................................................................................................26

CAPÍTULO III- PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

1.Origem do Conceito....................................................................................29

1.1. Conceito de Pessoa.........................................................................29

1.2. Conceito de dignidade da pessoa humana......................................30

2.Dignidade da Pessoa Humana em Kant.....................................................32

3.Concepções do Conceito de Dignidade da Pessoa Humana.....................33

3.1.Individualismo....................................................................................33

3.2.Transpersonalismo............................................................................34

3.3. Personalismo....................................................................................34

4. A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Comparado.........................37

4.1. A Dignidade da Pessoa Humana na Constituição Espanhola.........38

4.2. A Dignidade da Pessoa Humana na Constituição Portuguesa........40

5. A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Brasileiro..............................42

5.1. Distinção entre Princípios e Regras.................................................41

5.2.A Dignidade da Pessoa Humana na Doutrina...................................42

5.3.A Dignidade da Pessoa Humana à luz do artigo 1ª, III da

Constituição Federal...............................................................................43

6. A dupla dimensão: negativa e positiva......................................................44

7.Núcleo Essencial dos Direitos Fundamentais............................................46

CAPÍTULO IV- PESQUISA COM AS CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS

1.Início da Vida Humana...............................................................................47

1.1 Origem da Vida Humana para a Ciência...........................................47

1.2.Origem da vida para a Religião.........................................................49

1.3.Origem da Vida Humana para a

Filosofia...................................................................................................50

1.4. Origem da Vida Humana para o

Direito......................................................................................................50

1.4.1. Na Constituição Federal............................................................52

1.4.2. No Direito Civil..........................................................................52

1.4.3. No Direito Penal.......................................................................53

2.Formação e Desenvolvimento do Embrião................................................54

3.O Embrião e o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.......................56

4.Pesquisa com as células-troco embrionárias.............................................58

4.1.Pesquisa com as células-tronco embrionárias nos demais

países......................................................................................................59

5.Bioética.......................................................................................................61

6.Lei de Biossegurança.................................................................................66

CAPÍTULO V- DECISÕES JUDICIAIS DO STF RELATIVAS AOS USO DE CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS

1.Posição favorável à aplicação do artigo 5 o da Lei 11.105/05…................70

2.Posição desfavorável à aplicação do artigo 5 o da Lei 11.105/05..............75

CAPÍTULO VI- CONCLUSÃO

CONCLUSÃO FINAL....................................................................................78

CAPÍTULO VII- BIBLIOGRAFIA

BIBLIOGRAFIA.............................................................................................82

CURSO DE DIREITO

“O USO DE CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS E O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA”

ROBERTA BORGES DE AQUINO

RA: 507175/1

TURMA: 3109A02

FONE: 11-98502937

E-MAIL: [email protected]

SÃO PAULO

2009

1

ROBERTA BORGES DE AQUINO

MONOGRAFIA APRESENTADA À BANCA EXAMINADORA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO DAS FACULDADES METROPOLITANAS UNIDAS, COMO EXIGÊNCIA PARCIAL PARA OBTENÇÃO DO TÍTULO DE BACHAREL EM DIREITO SOB A ORIENTAÇÃO DA PROFESSORA MESTRE EM DIREITO DE ESTADO PELA PUC DE SÃO PAULO MÁRCIA DOMINGUEZ NIGRO CONCEIÇÃO.

SÃO PAULO

2009

2

BANCA EXAMINADORA:

PROFESSORA ORIENTADORA: MÁRCIA DOMINGUEZ NIGRO CONCEIÇÃO

PROFESSOR ARGUIDOR:___________________________________

PROFESSOR ARGUIDOR:___________________________________

3

Dedico este trabalho de conclusão de curso, que

representa meus cinco anos de faculdade, aos

meus pais, Rita e Roberto e a minha irmã Renata,

que tiveram a paciência e me incentivaram nos

momentos exaustivos.

4

Agradeço, primeiramente, a Deus que me iluminou e

confortou no decorrer deste trabalho, a minha

orientadora professora Márcia pelo incentivo e

presteza no auxílio da elaboração do trabalho e a

minha família, Roberto, Rita e Renata pela paciência

e apoio imensurável.

5

INTRODUÇÃO

A ciência sempre evolui para além do seu tempo e dos limites de suas

pesquisas. Ao longo de mais de três décadas, não só o campo da ciência, como

também o do direito vêm se deparando com circunstâncias novas, como o

desenvolvimento da medicina reprodutiva e da genética humana, que criam

situações extremamente delicadas e talvez, longe de um consenso.

Ultimamente, o tema das pesquisas com células-tronco embrionárias está

em voga no mundo todo. Cientistas, juristas, filósofos e religiosos vêm estudando o

assunto com afinco com o fim de chegar à uma resposta mais plausível, porém, as

opiniões divergem.

O que mais se discute são questões acerca do início da vida humana e as

implicações no uso das células embrionárias para fins de pesquisa.

A questão que surge é se tais pesquisas violam ou não o princípio da

dignidade da pessoa humana. Diante disso, tentaremos responder a essa pergunta,

analisando o tema sob aspectos científicos, jurídicos e religiosos.

6

CAPÍTULO I

Direitos Humanos Fundamentais

Este capítulo não tem a pretensão de esgotar a teoria dos Direitos

Humanos Fundamentais, mas sim, fornecer subsídios para alicerçar o tema

estudado. Deste modo, maior aprofundamento do conceito de Direitos Humanos

Fundametais deverá ocorrer no desenvolvimento dos capítulos seguintes.

1.CONCEITO

Com a ampliação e transformação dos direitos fundamentais do homem,

no decorrer da história, é difícil definir de forma precisa e sintética seu conceito.

Também conhecidos como direitos naturais, direitos humanos, direitos públicos

subjetivos etc, sendo, segundo doutrinadores, a terminologia mais adequada, hoje

em dia, é direitos fundamentais do homem.1

Podemos definir os direitos humanos fundamentais como conjunto de

direitos e garantias do ser humano, com a finalidade básica de proteção dos direitos

da pessoa humana contra os excessos do poder cometidos pelo Estado, como

também regras para se estabelecer condições humanas de vida e desenvolvimento

da personalidade humana.

1 Moraes, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais- Coleção Temas Jurídicos –Volume 3.1997. São Paulo: Ed. Atlas, p.15.

7

Há uma tênue diferença entre direitos humanos e direitos fundamentais.

Os direitos fundamentais são aqueles considerados indispensáveis ao homem na

sociedade; são direitos essenciais ao ser humano, como, por exemplo, direito à vida,

à segurança, à liberdade etc.Já os direitos humanos são os direitos necessários para

proteger a vida do homem e assegurar sua dignidade. O respeito a tais direitos é

pressuposto básico de um Estado Democrático de Direito.2

Os direitos humanos é considerado direito subjetivo público e é

reconhecido tanto no plano nacional, quanto no plano internacional.Como salienta

Paulo Hamilton Siqueira Jr., “ os direitos humanos são incorporados nos textos

constitucionais, apresentando-se como verdadeiras declarações de direito do

homem, que juntamente com outros direitos subjetivos públicos, formam os

chamados direitos fundamentais”3.

Os direitos humanos fundamentais relacionam-se diretamente com a

garantia da não ingerência do Estado na esfera individual e a consagração da

dignidade humana.

Segundo Canotilho, os direitos fundamentais constituem, num plano

jurídico-objetivo, normas de competência negativa para os poderes públicos,

proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica individual; e

implicam, num plano jurídico-subjetivo, o poder de exercer positivamente direitos

fundamentais e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar

agressões lesivas por parte dos mesmos.4

Os direitos humanos fundamentais direcionam-se, basicamente, para a

proteção à dignidade humana, em seu sentido amplo. Tais direitos são considerados

2 Moraes, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais- Coleção Temas Jurídicos –Volume 3.1997. São Paulo: Ed. Atlas, p.28. 3 Siqueira Jr, Paulo Hamilton e Oliveira, Miguel Augusto Machado de.Direitos Humanos e Cidadania.São Paulo: RT, 2007, p.43. 4 Moraes, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais- Coleção Temas Jurídicos –Volume 3.1997. São Paulo: Ed. Atlas, p.32.

8

direitos constitucionais uma vez que estão inseridos na Constituição, cuja eficácia e

aplicabilidade são imediatas.

A maioria dos Estados reconhece os direitos humanos fundamentais, seja

em nível constitucional, infraconstitucional, direito consuetudinário ou por tratados e

convenções internacionais.

2. TEORIAS

O jusnaturalismo teve sua origem no feudalismo europeu com o filósofo

Santo Tomás de Aquino.

A dicotomia entre direito natural e direito positivo sempre esteve presente

na história da humanidade. Na maioria das civilizações antigas, a distinção entre os

direitos naturais e direito positivo era explícita.

No Direito Romano, a divisão era tripartida: direito natural, direito das

gentes e direito do cidadão. Na Grécia também havia distinção; para Platão, a lei

natural era fonte da lei positiva.

Já na Idade Média, sob forte influência religiosa, o direito natural

confundia-se com a moral, que tinha origem na Lei Divina, e era considerado

superior ao direito positivo.5

Para John Locke, filósofo do século XVII, todos os homens possuem

direitos que lhe são inatos, e o Estado deveria tutelá-los através do direito positivo.

5 Siqueira Jr, Paulo Hamilton e Oliveira, Miguel Augusto Machado de.Direitos Humanos e Cidadania.São Paulo: RT, 2007, p.57.

9

Para os jusnaturalistas, os direitos humanos fundamentais são superiores,

universais, imutáveis e inatos ao homem. Para essa corrente, tais direitos são tidos

como direitos naturais, ou seja, inerentes ao indivíduo, e predecem a formação do

Estado e do direito positivo.

O juspositivismo considera o direito como fruto da vontade humana e não

como proveniente da natureza humana. Para os juspositivistas, o direito e a moral

não guardam nenhuma relação, e aquele deve ter por base fatos e não valores.

O Direito Positivo teve a Escola Histórica do Direito como sua precursora,

sendo Savigny um de seus seguidores.Para eles, o direito deveria ser um reflexo da

realidade histórica e social do povo.

No século XX, Hans Kelsen lançou a Teoria Pura do Direito. Neste obra,

Kelsen buscou formar um conceito de direito afastando referências de cunho

sociológico e axiológico, uma vez que não eram objeto do Direito.Kelsen foi também

o criador da norma hipotética fundamental.Neste sistema, o ordenamento jurídico é

um conjunto hierarquizado de normas jurídicas, no qual todas as normas retiram sua

validade daquelas que lhes são imediatamente superiores, devendo todas estarem

em consonância com a norma hipotética fundamental.

Para os positivistas, os direitos humanos fundamentais são aqueles que

estão expressos no ordenamento jurídico, ou seja, positivados.

Já para a teoria monista ou de Perelman, os direitos humanos têm como

base a experiência e consciência moral de um determinado povo, no convívio social,

e é daí que provêm os direitos humanos e sua legitimidade, aplicabilidade, eficácia e

efetividade.

Na realidade, para chegar ao fundamento dos direitos humanos

fundamentais, é necessário unir essas três teorias, uma vez que elas se

complementam: a partir de uma consciência social que tem por base uma ordem

10

superior, imutável e universal, é que os direitos humanos fundamentais serão

positivados.

11

3. GERAÇÕES

A Constituição de 1988 previu cinco espécies ao gênero direitos e

garantias fundamentais, sendo eles: os direitos individuais e coletivos, os quais

referem se aos direitos ligados à ideia de pessoa humana e de sua personalidade,

como, por exemplo, o direito à vida; os direitos sociais, também chamados

conhecidos como direitos de grupo, e de observância obrigatória do Estado, uma

vez que tem por finalidade a melhoria das condições de vida aos hipossuficientes,

visando a igualdade social; os direitos de nacionalidade, que é o “ vínculo jurídico

político que liga um indivíduo a um certo e determinado Estado, fazendo deste

indivíduo um componente do povo, da dimensão pessoal deste Estado, capacitando-

o a exigir sua proteção e sujeitando-o ao cumprimento de deveres impostos”6;

direitos políticos, que são direitos públicos subjetivos e permitem os indivíduos

participarem nos negócios políticos do Estado, trazendo a ideia de cidadania; e, por

fim, os direitos relacionados à existência, organização e participação em partidos políticos, que são importantes e necessários para a preservação do

Estado Democrático de Direito.

Seguindo essa previsão contida na Constituição, a doutrina criou uma

classificação de gerações, baseada na ordem cronológica em que foram

constitucionalmente reconhecidas.

3.1. Primeira Geração

Os direitos fundamentais de primeira geração são os chamados direitos e

garantias individuais, também conhecidos como liberdades públicas, humanas e

clássicas. Tais direitos estabeleceram um papel negativo do Estado, na medida que

6 Moraes, Alexandre de.Direito Constitucional.São Paulo: Editora Atlas, 2006, p.188.

12

este não pode interferir nos direitos individuais das pessoas, enquanto os indivíduos

assumem um papel positivo, umz vez que tem o direito assegurado.Estes direitos

nasceram a partir do século XVII e surgiram institucionalmente no Brasil a partir da

Carta Magna.

3.2. Segunda Geração

Os direitos fundamentais de segunda geração, também chamados de

direitos sociais, surgiram no final da Primeira Guerra Mundial e englobam os direitos

relacionados com o trabalho, saúde, educação etc.

Conhecidos como “direito de grupo”, os direitos sociais são de

observância obrigatória de um Estado Democrático de Direito que visa a igualdade

social com o objetivo de alcançar o bem comum.Portanto, o Estado atua de forma

positiva, uma vez que coloca à disposição seus serviços e a sociedade pode atuar

de maneira tanto positiva, quando se utiliza desses serviços, quanto negativa,

quando não os utiliza.

3.3. Terceira Geração

Já os direitos fundamentais de terceira geração, também conhecidos

como direitos de solidariedade ou fraternidade, são considerados direitos

transindividuais, pois se trata de direitos coletivos e difusos, englobando a liberdade

de imprensa, direito a um meio ambiente equilibrado, à paz entre outros. Nessa

geração, o papel do Estado pode ser tanto positivo quanto negativo, enquanto a

sociedade assume uma posição positiva, à medida que implementa o direito de

13

solidariedade, atuando em parceria com o Estado; é nessa geração que surgem as

ONG’s.7

Há ainda a quarta geração que é o conjunto de direitos que regulam a

manipulação genética relacionada com o biodireito. E, por fim, a quinta geração dos

direitos fundamentais, que regulam a realidade virtual, sendo desenvolvida e

implementada pelo aparelhamento da cybernética.

Vale lembrar que a primeira, a segunda e a terceira geração estão

contempladas na Constituição Federal, enquanto a quarta e quinta estão em fase de

construção, logo, não estão previstas no texto constitucional.

7 Moraes, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais- Coleção Temas Jurídicos –Volume 3.1997. São Paulo: Ed. Atlas, p.45.

14

4. LIBERDADES PÚBLICAS

As Liberdade Públicas correspondem aos direitos do homem

reconhecidos pelo Direito Positivo. E são assim chamados de liberdade públicas

aqueles direitos protegidos contra o Poder Estatal.

Elas tiveram origem no Direito Francês, mais precisamente no século XVII

com o Iluminismo.

O direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade

formam o que chamamos de direitos individuais ou coletivos. São os direitos de

primeira geração, como já explicitado anteriormente e são também conhecidos como

liberdades públicas.

O direito à vida é o mais essencial de todos uma vez que precede todo e

qualquer outro direito ou garantia assegurada pela Constituição. A inviolabilidade do

direito à vida está estabelecida no texto constitucional, e segundo Paulo Hamilton

Siqueira Jr.8, o valor fundamental do texto constitucional é a dignidade da pessoa

humana; ou seja, a Constituição não só protege o bem vida, como também

determina sua dignidade. Esta proteção abrange também o direito à existência, que

é o direito de estar e se manter vivo e também de defender a própria vida. “É o

direito de não ter interrompido o processo vital senão pela morte espontânea e

inevitável”9. A inviolabilidade do direito à vida, prevista no artigo 5ª da Carta Magna,

também abarca o direito à integridade física e moral.

A vida “constitui a fonte primária de todos os outros bens jurídicos. De

nada adiantaria a Constituição assegurar outros direitos fundamentais, como a

8 Siqueira Jr, Paulo Hamilton e Oliveira, Miguel Augusto Machado de.Direitos Humanos e Cidadania.São Paulo: RT, 2007, p.21. 9 Silva, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo.São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 188.

15

igualdade, a intimidade, a liberdadee o bem estar, verbi gratia, se não erigisse a vida

humana num desses direitos”10.

O direito à liberdade também está no rol dos direitos individuais. É um

termo amplo pois pode nos reportar à ideia de liberdade de locomoção, liberdade

religiosa, liberdade de pensamento etc.Porém, no caso, o direito à liberdade é

empregado num sentindo mais amplo, ou seja, na ideia de poder fazer desde que

não prejudique o outro.

A liberdade está estritamente ligada à lei porque a lei é o limite da

liberdade, e nas palavras de Paulo Hamilton Siqueira Jr., “não existe liberdade fora

da lei”11. Logo, o que garante a liberdade é o princípio da legalidade que é princípio

fundamental num Estado de Direito e está expresso no texto constitucional. Para o

homem viver em sociedade, deve ceder parte de sua liberdade individual, e essas

parcelas de liberdade se unem, formando um poder que é regulado pelo Direito.

O direito à igualdade, que está expresso no caput do artigo 5ª do texto

maior, estabelece que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer

natureza. Este direito consiste em tratar os iguais de forma igual, e os desiguais de

forma desigual para chegar numa situação de equidade, e posteriomente, de

igualdade e assim alcançar a Justiça. Este princípio estabelece que todos os

indivíduos têm direito de tratamento idêntico pela lei, e que eventual distinção deve

ser razoável e proporcional de acordo com os direitos e garantias

constitucionalmente protegidos.

Já o direito à segurança, previsto no artigo 5º, XXXVI, da Constituição

Federal, diz respeito à segurança jurídica quando estabelece que a lei não

prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Essa

segurança tem por finalidade a garantia da estabilidade dos direitos subjetivos. Ela

se caracteriza pela proteção jurídica que é regida pelo princípio do devido processo

10Silva, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo.São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p.198. 11 Siqueira Jr, Paulo Hamilton e Oliveira, Miguel Augusto Machado de.Direitos Humanos e Cidadania.São Paulo: RT, 2007, p.21.

16

legal e pela inafastabilidade do Poder Judicário, que consiste na invocação da tutela

jurisdicional, seja a direito lesado, ou simplesmente ameaçado, e o monopólio da

jurisdição. Outra característica da segurança jurídica são as garantias constitucionais

do processo, principalmente o direito à ampla defesa e ao contraditório.

O direito à propriedade, elencado no artigo 5ª, XXII e XXIII, a

Constituição, é também tido como uma das liberdades públicas, e

consequentemente, direito individual.

Com a evolução do conceito de propriedade ao longo dos tempos, desde

os primórdios até hoje, não é fácil encontrar uma definição consolidada. O termo

propriedade engloba tanto bens móveis quanto imóveis, e está intimamente ligado

ao conceito de posse, que está explicitado no Código Civil. O direito de propriedade

dá origem a três outros direitos: direito de usar, fruir ou dispor do bem.

Partindo do provérbio inglês que a casa é o castelo do homem, qualquer

indivíduo pode proteger sua propriedade de qualquer lesão ou ameaça de lesão,

inclusive utilizando-se de meios como a legítima defesa da posse, pois a própria lei o

legitima para tanto. Porém, esse direito não é absoluto, uma vez que, nos casos de

necessidade pública, utilidade pública ou por interesse social, o Estado tem

legitimidade para efetuar a desapropriação de qualquer bem, haja vista a função

social que a propriedade exerce na sociedade, tendo por base o princípio da

supremacia do interesse público sobre o privado.

É por meio das liberdades públicas que o povo impõe limitação ao

Estado; e, ao mesmo tempo, o Estado deve assegurar ao seu povo a efetividade dos

direitos fundamentais.

17

5. CARACTERÍSTICAS

Com o objetivo de garantir o respeito da dignidade da pessoa humana,

garantir condições mínimas de vida etc, os direito humanos são dotados de

características inconfundíveis e que não se esgotam.

A previsão dos direitos fundamentais coloca-se em elevada posição em

relação aos demais direitos previstos no ordenamento jurídico, se caracterizando

pela: imprescritibilidade (direitos que não se perdem pelo decurso do tempo);

inalienabilidade(é possível a tranferência de tais direitos; irrenunciabilidade (não

podem ser objeto de renúncia, fazendo surgir importantes questões na doutrina

como a renuncia ao direito à vida, eutanásia e aborto); inviolabilidade (é a

impossibilidade de desrespeito por determinação infraconstitucional ou por atos das

autoridades públicas); universalidade (entende-se que a abrangência desses

direitos engloba todos os indivíduos, independentemente de sua nacionalidade,

sexo, raça etc); efetividade (a atuação do Poder Público deve ser no sentido de

garantir a efetivação dos direitos e garantias previstos); interdependência (esses

direitos apesar de autônomos, possuem diversas intersecções para atingirem suas

finalidades) e complementariedade (os direitos humanos fundamentais devem ser

interpretados de forma conjunta com a finalidade de alcance de seus objetivos, e

não de forma isolada).12

12 Moraes, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais- Coleção Temas Jurídicos –Volume 3.1997. São Paulo: Ed. Atlas, p.38.

18

CAPÍTULO II

1. Evolução Histórica dos Direitos Humanos Fundamentais

1.1- Antiguidade

A origem dos direitos individuais do homem remonta ao antigo Egito e

Mesopotâmia, onde já eram previstos alguns mecanismos para proteção individual

em relação ao Estado.

O Código de Hammurabi talvez seja a primeira codificação a consagrar

um rol de direitos comuns a todos os homens, tais como a vida, a propriedade, a

honra, a dignidade etc. Este código regrava a vida das pessoas e a sociedade da

época, visando um convívio melhor entre os indivíduos.13

Mais tarde, de forma mais coordenada, surgem na Grécia estudos sobre a

necessidade da igualdade e liberdade do homem, prevendo a participação política

dos cidadãos. Contudo, foi no direito Romano que tais direitos ganharam um certo

grau de complexidade, visando tutelar os direitos individuais em relação aos arbítrios

do Estado. A Lei das Doze Tábuas pode ser considerada a origem dos textos

escritos consagradores da liberdade, da propriedade e da proteção aos direitos do

cidadão.14

13 Moraes, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais- Coleção Temas Jurídicos –Volume 3.1997. São Paulo: Ed. Atlas, p. 24-25. 14 Siqueira Jr, Paulo Hamilton e Oliveira, Miguel Augusto Machado de.Direitos Humanos e Cidadania.São Paulo: RT, 2007, p.69.

19

Esta lei contribuiu para os direitos do homem pelo fato de ter colocado no

mesmo pé de igualdade patrícios e plebeus: além destes terem tido acesso a lei, que

ficava exposta a todos os que pudessem ler, a classe plebéia também ganhou

espaço na magistratura, que era o órgão romano que exercia as funções executivas

da república.

Logo em seguida, o Cristianismo, com a mensagem de igualdade de

todos os homens, influenciou diretamente a consagração dos direitos fundamentais,

enquanto necessários à dignidade da pessoa humana.

1.2. – Idade Média

Foi no âmago da Idade Média, entretanto, que apareceram os

antecedentes mais diretos das declarações de direito.15

Durante esse perído, apesar da organização feudal ser de rígida

separação de classes, diversos documentos reconheciam a existência de direitos

humanos, sendo estes caracterizados pela limitação do poder estatal.

Mas os mais importantes antecedentes históricos das declarações de

direitos humanos fundamentais encontram-se na Inglaterra, com a Magna Charta

Liberatum (1215) que garantia a liberdade da Igreja da Inglaterra, restrições

tributárias, proporcionalidade entre delito e sanção, previsão do devido processo

legal etc.16

A Magna Carta inglesa do século XIII foi um documento pactuado pelo

Rei João Sem-Terra com os bispos e barões ingleses, no qual se previam alguns

15 Siqueira Jr, Paulo Hamilton e Oliveira, Miguel Augusto Machado de.Direitos Humanos e Cidadania.São Paulo: RT, 2007, p.70. 16 Moraes, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais- Coleção Temas Jurídicos –Volume 3.1997. São Paulo: Ed. Atlas, p.27.

20

direitos e liberdade civis clássicas. Esta carta estava voltada aos interesses e

privilégios dos homens livres e nobres17. Mas de qualquer maneira, a Magna Charta

Liberatum, definitivamente, contribuiu para a evolução dos direitos humanos

fundamentais, já que foi o embrião das demais declarações que estavam por vir.18

1.3.- Idade Moderna

Mais tarde, em 1628, surge a Petition of Right, um documento que

estabeleceu que ninguém seria obrigado a contribuir com qualquer dádiva,

empréstimo ou benevolência e a pagar qualquer taxa ou imposto sem o

consentimento de todos e que nenhum homem livre ficaria sob prisão ou detido

ilegalmente. Tal petição, elaborada pelo Parlamento e dirigida ao Monarca, pedia a

observância dos direitos e liberdades estabelecidas na Magna Carta.19

Posteriormente, em 1679, outro documento foi instituído, o chamado

Habeas Corpus Act. Este instituto já existia na Common Law inglesa e foi novamente

ressaltado20. Com o Habeas Corpus era possível a reclamação ou requerimento

escrito de algum indivíduo ou a favor de algum indivíduo detido ou acusado da

prática de um crime, ao lorde-chanceler, este poderia conceder providência do

habeas corpus. Isso fez com que prisões arbritárias fossem suprimidas21.

Entretanto, foi com a Bill of Rights (Declaração de Direitos), em 1688, que

houve o fortalecimento do princípio da legalidade, ao impedir que o rei pudesse

suspender leis ou a execução das leis sem o consentimento do Parlamento; houve

17 Silva, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo.São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 152. 18 Siqueira Jr, Paulo Hamilton e Oliveira, Miguel Augusto Machado de.Direitos Humanos e Cidadania.São Paulo: RT, 2007, p.80. 19 Siqueira Jr, Paulo Hamilton e Oliveira, Miguel Augusto Machado de.Direitos Humanos e Cidadania.São Paulo: RT, 2007, p.82. 20 Siqueira Jr, Paulo Hamilton e Oliveira, Miguel Augusto Machado de.Direitos Humanos e Cidadania.São Paulo: RT, 2007, p.70. 21 Siqueira Jr, Paulo Hamilton e Oliveira, Miguel Augusto Machado de.Direitos Humanos e Cidadania.São Paulo: RT, 2007, p.83.

21

também a criação do direito de petição e imunidades parlamentares22. Está clara,

nesse período, a influência do filósofo John Locke, tendo em vista a separação dos

poderes. É nesse momento que nasce na Inglaterra a monarquia constitucional,

submetida à soberania popular.

Em seguida, no ano de 1701, surge o Act of Seattlement que reafirmou o

princípio da legalidade, limitando o poder do monarca.

Com a Revolução dos Estados Unidos da América, advieram documentos

como a Declaração de Direitos de Virgínia (1776), a Declaração da Independência

dos Estados Unidos da América (1776), e a Constituição dos Estados Unidos da

América (1787) que foram de suma importância para a evolução dos direitos

humanos.23

A Declaração de Virgínia foi a primeira declaração de direitos

fundamentais, em sentido moderno, e antecedeu a Declaração de Independência

dos EUA.Inspirada nas ideias iluministas e nas teorias de Locke, Rousseau e

Montesquieu. Esta declaração consolidou as bases dos direitos do homem e

garantiu a limitação do poder estatal. Com direitos e garantias como “ todo o poder

está investido no povo, e, portanto, dele deriva”, nota-se que “ a Declaração se

preocupava com a estrutura de um governo democrático, com um sistema de

limitação de poderes”24. As declarações inglesas anteriores apenas se preocuparam

em limitar o poder do rei, proteger o indivíduo contra a sua arbitrariedade e pactuar a

supremacia do Parlamento.

Já na Constituição da Filadélfia (1787), não estavam previstos os direitos

fundamentais do homem e para que a Constituição entrasse em vigor, era

necessário que pelo menos nove colônias, das treze, ratificassem tal texto

constitucional. Entretanto, alguns Estados-membros só adeririam ao pacto se fosse 22 Siqueira Jr, Paulo Hamilton e Oliveira, Miguel Augusto Machado de.Direitos Humanos e Cidadania.São Paulo: RT, 2007, p.71. 23 Siqueira Jr, Paulo Hamilton e Oliveira, Miguel Augusto Machado de.Direitos Humanos e Cidadania.São Paulo: RT, 2007, p.82. 24 Silva, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo.São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 154.

22

previsto um rol de direitos fundamentais do homem, conhecida como Carta de

Direitos; e isso foi feito, dando origem às dez primeiras emendas constitucionais.25

Porém, a consagração normativa dos direitos humanos fundamentais

coube à França, com a promulgação da Declaração dos Direitos do Homem e do

Cidadão, que previa o princípio da igualdade, liberdade, propriedade, segurança,

legalidade, presunção de inocência etc.

A Revolução Francesa foi diretamente influenciada pela independência

dos EUA e fortemente baseada nas ideias Iluministas. Vários motivos levaram o

povo francês a se rebelar, dentre eles a monarquia absolutista, a desigualdade

social e a falta de participação do povo no governo. Vale lembrar, que a Revolução

Francesa foi fruto de um processo social e político, que tinha por finalidade a

extinção da monarquia.26

Então, em 1789, uma Assembleia Geral Constituinte foi convocada e a

queda da Bastilha, uns dias depois, foi o marco dessa Revolução. Alguns meses

seguintes, ainda no mesmo ano, ocorreu a “consagração normativa dos direitos

humanos fundamentais”, com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.

Tal documento reconhecia os princípios da legalidade, igualdade, propriedade,

liberdade, segurança entre outros.27

A primeira Constituição Francesa foi promulgada em 1791, prevendo

outras formas de controle estatal. Mas foi com o advento da Constituição de 1793

que houve uma melhor regulamentação dos direitos fundamentais.28

A Declaração de Virgínia, comparada com a Declaração Francesa, foi

mais concreta, enquanto a Francesa, de 1789, mais abstrata, universalizante. A 25 Siqueira Jr, Paulo Hamilton e Oliveira, Miguel Augusto Machado de.Direitos Humanos e Cidadania.São Paulo: RT, 2007, p.70. 26 Siqueira Jr, Paulo Hamilton e Oliveira, Miguel Augusto Machado de.Direitos Humanos e Cidadania.São Paulo: RT, 2007, p.88. 27 Siqueira Jr, Paulo Hamilton e Oliveira, Miguel Augusto Machado de.Direitos Humanos e Cidadania.São Paulo: RT, 2007, p.89. 28 Siqueira Jr, Paulo Hamilton e Oliveira, Miguel Augusto Machado de.Direitos Humanos e Cidadania.São Paulo: RT, 2007, p.89.

23

declaração de Direitos era, antes de tudo, um documento filosófico e jurídico que

devia anunciara chegada de uma sociedade ideal29.

1.4.- Idade Contemporânea

A efetivação dos direitos humanos fundamentais continuou durante o

constitucionalismo liberal do século XIX, tendo como exemplo a Constituição

Espanhola (1812), a Constituição Portuguesa (1822), a Constituição Belga (1831) e

a Declaração Francesa (1848).

As declarações dos séculos XVIII e XIX, influenciadas pelo início da

Revolução Industrial, estavam voltadas para a garantia formal das liberdades.

Naquela época, a burguesia, economicamente livre, sofria restrições apenas no

plano político. Com isso, houve o surgimento da classe operária que não tinha

recursos para usufruir dos direitos e garantias previstos nas Constituições. Como

salienta José Afonso da Silva, “estabelecia-se igualdade abstrata entre os homens,

visto que deles se despojavam as circunstâncias que marcam suas diferenças no

plano social e vital”30. E foi com base nessa desigualdade, criada pelo capitalismo

selvagem, que as teorias socialistas se prenderam para tecer suas críticas.

Por isso, no início do século XX, os diplomas constitucionais (A

Constituição mexicana e alemã, verbi gratia) foram fortemente marcados pelas

preocupações sociais, voltadas aos direitos trabalhistas e educação, por exemplo.

Hoje em dia, a abrangência do termo direitos fundamentais é muito mais

ampla devido a esse processo social natural que o mundo vem enfrentando ao longo

dos séculos. Esses direitos e garantias, ao contrário do posicionamento dos

29 Silva, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo.São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 154. 30 Silva, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo.São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 159.

24

jusnaturalistas, são frutos de conquistas, já que para tais direitos sejam

reconhecidos e efetivados, é necessário sua previsão na legislação.

Os direitos e garantias fundamentais aparecem nas Constituições de

acordo com os regimes constitucionais. Nas constituições liberais, por exemplo,

esses direitos estão subjetivados e positivados em capítulos específicos, como é o

caso da constituição dos EUA, da Bélgica e da França. As constituições

transformistas, que estão voltadas para o socialismo democrático,podem ser

notadas no Brasil, Portugal e Espanha. Já as constituições socialistas, que primam

elementos sociais de igualdade, são verificadas na China, em Cuba e na Algéria, por

exemplo. E por fim, as constituições ditatoriais, que não reconhecem e nem

permitem que se desenvolvam os direitos fundamentais, e são encontradas em

países como o Egito, Arábia Saudita e Marrocos.

25

2-Evolução História dos Direitos Humanos Fundamentais nas Constituições Brasileiras

No Brasil, os direitos humanos fundamentais têm reconhecimento desde a

Constituição Política do Império, de 1824, na qual um extenso rol de direitos

humanos fundamentais consagrava direitos e garantias individuais, como os

princípios da igualdade e legalidade, livre manifestação de pensamento, liberdade

religiosa, liberdade de locomoção, inviolabilidade de domicílio, abolição dos açoites,

de tortura, de marca de ferro quente e todas as mais penas cruéis etc.31

Isso prova que a primeira constituição, no mundo, visou a subjetivar e

positivar os direitos do homem, dando-lhes concreção jurídica efetiva, foi a do

Império do Brasil.

A Constituição do Império previa, como já supracitado, quase que de

maneira integral os direitos individuais.

Com o advento da Constituição de 1891, com a instituição da República

no país, houve expansão desse rol de garantias e direitos fundamentais, abarcando

direitos como da ampla defesa, abolição da pena de morte, habeas corpus,

instituição do Júri, entre outros.32

Esta Constituição, entretanto, só consignava os direitos e garantias

individuais, assegurando a brasileiros e estrangeiros residentes no país a

inviolabilidade dos direitos ligados à liberdade, à segurança e à propriedade.

31 Moraes, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais- Coleção Temas Jurídicos –Volume 3.1997. São Paulo: Ed. Atlas, p.48. 32 Moraes, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais- Coleção Temas Jurídicos –Volume 3.1997. São Paulo: Ed. Atlas, p.49.

26

A Constituição de 1934, mantendo a tradição das Constituições

Brasileiras anteriores, de dedicar um capítulo para os direitos e garantias, repetiu o

extenso rol de direitos humanos fundamentais, acrescentando a previsão da

consagração do direito adquirido, irretroatividade da lei penal, impossibilidade da

prisão civil por dívidas, assistência gratuita, mandado de segurança, ação popular

etc.33

A partir dessa Constituição os direitos de nacionalidade e políticos foram

previstos, no título para Declaração de Direitos. Este mesmo texto reconhecia os

direitos econômicos e sociais do homem, como também o direito à subsistência.

Já a Constituição de 1937, apesar das características políticas

preponderantes à época, também previu um rol de direitos e garantias individuais, e

além de manter os direitos humanos fundamentais, acrescentou também a

impossibilidade de aplicação de penas perpétuas, maior possiblidade de aplicação

da pena de morte entre outros. Porém, no que tange as relações políticas, esta

Constituição não respeitou os direitos do homem. Exemplo disso foi a criação de um

tribunal especial com a competência para o processo e julgamento dos crimes que

atentassem contra a existência, a segurança e a integridade do Estado.34

A Constituição de 1946 também previu capítulo específico para os direitos

e garantias individuais; e tratou sobre os direitos sociais e relativos aos

trabalhadores e empregados, assim com proteção à família, educação e cultura.

Esta Constituição estruturou de melhor forma os direitos econômicos e sociais. Além

disso, acrescentou direitos como: contraditório, sigilo das votações, plenitudo de

defesa entre outros.35

33 Moraes, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais- Coleção Temas Jurídicos –Volume 3.1997. São Paulo: Ed. Atlas, p.51. 34 Moraes, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais- Coleção Temas Jurídicos –Volume 3.1997. São Paulo: Ed. Atlas, p.52. 35 Moraes, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais- Coleção Temas Jurídicos –Volume 3.1997. São Paulo: Ed. Atlas, p.54.

27

Nessa mesma esteira, a Constituição de 1967 previa um capítulo de

direitos e garantias individuais, abrangendo direitos sociais aos trabalhadores;

porém, trouxe algumas novidades como: sigilo das comunicações telefônicas e

telegráficas, respeito à integridade física e moral do detento e do presidiário.36

Com a Constituição Federal de 1988 a previsão de um extenso rol de

direitos e garantias fundamentais não poderia ser diferente. Seguindo uma tendência

mais moderna, a Constituição de 1988 trouxe, de imediato, a previsão dos Direitos e

Garantias Fundamentais.

Conhecida como constituição cidadã, a atual Constituição brasileira, traz

um rol de direitos e garantias fundamentais muito maior que o das Constituições

anteriores: esses direitos não estão previstos somente em um capítulo da

Constituição, mas sim espalhados no texto constitucional, quando trata do direito à

saúde, educação, meio ambiente etc.

A atual Carta Magna subdividiu os direitos e garantias fundamentais em

cinco capítulos: direitos individuais, direitos sociais, direitos de nacionalidade;direitos

políticos e direitos relacionados à existência, organização e participação em partidos

políticos.

CAPÍTULO III

36 Moraes, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais- Coleção Temas Jurídicos –Volume 3.1997. São Paulo: Ed. Atlas, p.55.

28

PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

O objetivo desse capítulo é tentar fazer análise do princípio da dignidade

humana porque se relaciona com o tema.

1.Origem do conceito

1.1.Conceito de pessoa

Traçar o conceito de pessoa se faz necessário uma vez que ela é objeto

de diferentes considerações.

Há basicamente dois tipos de antropologia: uma que procura explicar o

homem como animal racional, e outra que procura entendê-lo como animal

encarnado.37Para a primeira correntem o homem é um animal político (Aristóteles),

sujeito moral com fim em si mesmo(Kant); já para a segunda, o homem é um sujeito

que está na natureza e se realiza no encontro com os demais, isto é, como

existência relacional.

Pessoa é o núcleo em torno da qual se desenvolvem os preceitos éticos e

os direitos naturais.

1.2. Conceito de dignidade da pessoa humana

37 Bittar, Eduardo C. B. e Ferraz, Anna Candida da Cunha. Org. Direitos Humanos Fundamentais: positivação e concretização.São Paulo: Edifieo, 2006, p.13.

29

A ideia de dignidade da pessoa humana é a convergência de diversas

doutrinas e concepções de mundo que vêm sendo construídas na cultura

ocidental.38

A noção está presente no pensamento grego uma vez que se manifesta

no campo da ética. Contudo, a ideia ganha maior relevância com o Cristianismo em

razão da influência da cultura da igualdade de todos perante a criação.

Mas é a partir da modernidade que a expressão se torna mais precisa e

base para a cultura dos direitos. Foi no período pós guerra, com o mundo arrasado

pela Segunda Guerra Mundial e pelas atrocidades cometidas durante o período

nazista que a dignidade da pessoa humana ganhou força e apareceu como alicerce

e em posição de destaque na Declaração Universal dos Direitos do Homem, em

1948. Portanto, não se trata de um tema criado na pós-modernidade, mas sim de

uma discussão filosófica bem torneada com a modernidade.39

A diginidade da pessoa humana é expressão de amplo alcance que reúne

em seu bojo todo o espectro dos direitos humanos. Contudo, não se sabe dizer

precisamente o que é “decência”, “digno” ou “indigno”. A construção do que seja

dignidade da pessoa humana não é fruto de uma dedução da razão, mas sim um

construto histórico que deverá ser submetido à análise de acordo com o contexto

histórico.

Esse princípio equivale a um lugar-comum para o abrigo de todas as

gerações de direitos humanos, dos de primeira aos de terceira geração.40A própria

Declaração Universal dos Direitos Humanos lhe confere posição de superioridade

ante os demais princípios e valores.

38 Bittar, Eduardo C. B. e Ferraz, Anna Candida da Cunha. Org. Direitos Humanos Fundamentais: positivação e concretização.São Paulo: Edifieo, 2006, p.41. 39 Bittar, Eduardo C. B. e Ferraz, Anna Candida da Cunha. Org. Direitos Humanos Fundamentais: positivação e concretização.São Paulo: Edifieo, 2006, p.43 40, Bittar, Eduardo C. B. e Ferraz, Anna Candida da Cunha. Org. Direitos Humanos Fundamentais: positivação e concretização.São Paulo: Edifieo, 2006, p.50.

30

A expressão traduz toda a caraga de demanda por justiça, em torno das

aflições humanas, e por isso, pode servir como grande referência no sentido de

proteção de valores fundamentais conquistados ao longo da trajetória da própria

humanidade.41

Nas palavras de Nicola Abbagnamo, a dignidade é assim representado: “

todo homem, aliás, todo ser racional, como fim em si mesmo, possui um valor não

relativo...,mas intrínseco, ou seja, a dignidade.”42

A dignidade da pessoa humana inclui direitos inerentes à personalidade

da pessoa, direitos estes individuais e pessoais (direito à vida, à integridade física e

moral etc) e, também os direitos estabelecidos para a coletividade, quais sejam os

direitos sociais, econômicos e culturais.43

41 Bittar, Eduardo C. B. e Ferraz, Anna Candida da Cunha. Org. Direitos Humanos Fundamentais: positivação e concretização.São Paulo: Edifieo, 2006, p. 54/55. 42 Bittar, Eduardo C. B. e Ferraz, Anna Candida da Cunha. Org. Direitos Humanos Fundamentais: positivação e concretização.São Paulo: Edifieo, 2006, p. 191. 43 Bittar, Eduardo C. B. e Ferraz, Anna Candida da Cunha. Org. Direitos Humanos Fundamentais: positivação e concretização.São Paulo: Edifieo, 2006, p.192.

31

2. A Dignidade da Pessoa Humana em Kant

A filosofia kantiana traduz um pensamento que se dirige à subjetividade.

Para Kant, a pessoa tem valor moral e é um fim em si mesma, de maneira que não

pode servir de meio para a obtenção de outro fim.Este filósofo foi quem primeiro

abordou o tema da dignidade da pessoa humana; porém, a ética kantiana é de

ordem individual.

O que caracteriza a filosofia kantiana é que o sujeito torna-se elemento

decisivo na elaboração do conhecimento, o elemnto central da teoria do

conhecimento. Para Kant, a razão prática possui primazia sobre a razão teórica. A

moralidade significa a liberação do homem, e o constitui como ser livre.44

Para a filosofia kantiana, o homem está sujeito à lei de que ele próprio é

autor, e esta lei aparece como obrigação e não fruto de sua vontade. Logo, a

vontade está submetida à lei e à moral.

Fernando Ferreira dos Santos conclui que para Kant, o homem é um fim

em si mesmo, e por isso, tem valor absoluto, não podendo, de conseguinte, ser

usado como instrumento para algo, e justamente por isso tem dignidade, é pessoa.45

44 Santos, Fernando Ferreira dos.Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana.Fortaleza: Celso Bastos Editor, 1999, p.107. 45 Santos, Fernando Ferreira dos.Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana.Fortaleza: Celso Bastos Editor, 1999, p.27.

32

3.Concepções do Conceito de Dignidade da Pessoa Humana

A análise da concepção do conceito da Dignidade da Pessoa Humana no

decorrer da história é importante porque cada concepção “ traz em si uma

multiplicidade de posicionamentos”.46

Nas palavras de Miguel Reale, citado por Fernando Ferreira dos Santos,

existem, basicamente, três concepções: individualismo, transpersonalismo e

personalismo.47

3.1. Individualismo

O individualismo tem como ponto de partida o indivíduo.Para essa

concepção, se cada homem cuidar dos seus interesses irá proteger indiretamente os

interesses coletivos. “É pensando em si mesmo que o indivíduo cogita no bem da

sociedade”.48

Segundo Fernando dos Santos, o ente estatal não possui um fim próprio,

mas que o seu fim coincide com os fins dos múltiplos dos indivíduos.49

46 Santos, Fernando Ferreira dos. Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana.Fortaleza: Celso Bastos Editor, 1999, p.29. 47 Santos, Fernando Ferreira dos.Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana.Fortaleza: Celso Bastos Editor, 1999,p.29. 48 Santos, Fernando Ferreira dos.Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana.Fortaleza: Celso Bastos Editor, 1999,p.29. 49 Santos, Fernando Ferreira dos.Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana.Fortaleza: Celso Bastos Editor, 1999,p.29.

33

Para o individualismo, os direitos fundamentais são inatos e anteriores ao

Estado, e são colocados como freios à atividade estatal.

“Afinalidade e o objetivo dos direitos fundamentais é de natureza

puramente individual, em que se busca garantir a liberdade pura, a liberdade em si,

e não a liberdade para qualquer fim.”50Logo, de se interpretar a lei com o fim de

proteger a autonomia do indivíduo.

3.2.Transpersonalismo

A concepção do transpersonalismo, contrariamente, visa a proteger o bem

coletivo, e assim, indiretamente, proteger-se-á o interesse individual. Para essa

corrente, o interese coletivo prevalecerá sobre o interesse individual. Logo, nega-se

a pessoa humana como valor supremo.Enfim, a a dignidade da pessoa humana

realiza-se no coletivo.51

As correntes que melhor expressam essa concepção são as socialistas,

em especial a marxista. Para Marx, o comunismo que era o humanismo plenamente

evoluído, seria o retorno do próprio homem como um ser social.52

Para essa concepção, o home possui uma essência social que é um

conjunto de relações sociais. Em razão disso, os interesses individuais são os

mesmos que os da sociedade.53

3.3 Personalismo 50 Santos, Fernando Ferreira dos.Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana.Fortaleza: Celso Bastos Editor, 1999, p.30. 51 Santos, Fernando Ferreira dos.Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana.Fortaleza: Celso Bastos Editor, 1999, p.30. 52 Santos, Fernando Ferreira dos.Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana.Fortaleza: Celso Bastos Editor, 1999, p.30. 53 Santos, Fernando Ferreira dos.Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana.Fortaleza: Celso Bastos Editor, 1999, p.31.

34

Para a corrente personalista, o homem é considerado um ser relacional,

ou seja, um ser que se realiza na dimensão interpessoal, de ligação com os demais.

Diferentemente das correntes anteriores, a personalista busca a compatibilização

entre os valores individuaus e coletivos; inexiste, portanto, a priori, um predomínio do

indivíduo ou predomínio do todo.

A visão personalista considera o homem como ser-no-mundo, ao depois,

como ser-com-os-outros e, finalmente, como ser-para-o-Absoluto.54Esta

intersubjetividade é a característica essencial do homem: a relação pessoal tem

caráter de presença e diálogo.

Está o homem vocacionado à realização de valores, de modo que,

somente com a colaboração dos demais poderá realizar seu projeto

existencial.55Constituem também dimensões da pessoa humana a racionalidade, a

liberdade e a historicidade. É sabido que o homem é dotado de intelcto e vontade;

logo, é capaz de pensar e, consequentemente, elaborar juízos, ou seja, raciocinar. O

ser humano também tem capacidade de se autodeterminar.56

Outro ponto importante nesta teoria é a distinção entre indivíduo e

pessoa. Por indivíduo, entende-se o homem abstrato, com fim em si mesmo; já por

pessoa, pode-se extrair a ideia de que o homem não é apenas uma parte, ele é, nas

palavras de Nicolai Hartimann, citado por Fernando dos Santos, “ uma forma do

mais alto gênero, uma pessoa em sentido amplo- o que a coletividade jamais pode

ser.”57

Para Fernando dos Santos, não há no mundo valor que supere ao da

pessoa humana, e a primazia pelo valor coletivo não pode, nunca, sacrificar o valor

da pessoa. A pessoa é assim, um minimum, o qual o Estado, ou qualquer outra 54 Bittar, Eduardo C. B. e Ferraz, Anna Candida da Cunha. Org. Direitos Humanos Fundamentais: positivação e concretização.São Paulo: Edifieo, 2006, p.22. 55 Bittar, Eduardo C. B. e Ferraz, Anna Candida da Cunha. Org. Direitos Humanos Fundamentais: positivação e concretização.São Paulo: Edifieo, 2006, p.28. 56 Bittar, Eduardo C. B. e Ferraz, Anna Candida da Cunha. Org. Direitos Humanos Fundamentais: positivação e concretização.São Paulo: Edifieo, 2006, p.26. 57 Santos, Fernando Ferreira dos.Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana.Fortaleza: Celso Bastos Editor, 1999, p.32.

35

instituição não pode ultrapassar.58Para ele, a pessoa humana é um ser absoluto, e

não deve prevalecer sobre ela qualquer outro valor ou princípio.

58 Santos, Fernando Ferreira dos.Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana.Fortaleza: Celso Bastos Editor, 1999, p.32.

36

4. A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Comparado

O princípio da dignidade da pessoa humana previsto na Constituição

Federal de 1988 buscou sua base na Cobstituição alemã (1959) que previa a

proteção da dignidade do homem. A Constituição portuguesa (1976) que conceitua

“Portugal como uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa

humana”59também teve forte influência.Já a Constituição Espanhola (1978)

considera a dignidade da pessoa humana como fundamento da ordem política e da

paz social.

O princípio da dignidade da pessoa humana aparece também em

diverdade constituições, como por exemplo, da Irlanda, Peru e Índia.

Vale ressaltar que a Constituição Brasileira de 1988 foi baseada e

espelhada nas Constituições portuguesa e espanhola, por isso guarda com elas

estrita relação. Todas foram elaboradas após períodos autoritários.

Por isso, faremos uma breve análise, ainda que de maneira superficial, a

respeito da dignidade da pessoa humana na Constituição Espanhola e Portuguesa.

59 Santos, Fernando Ferreira dos.Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana.Fortaleza: Celso Bastos Editor, 1999, p.55.

37

4.1 A Dignidade da Pessoa Humana na Constituição Espanhola

O ordenamento jurídico espanhol é tido como um sistema de valores, ou

seja, positivação de uma moralidade e, portanto, uma teoria de justiça que não é

nem jusnaturalista e nem positivista.60

Essa ordem de valores está expressa em vários artigos do texto

constitucional e implícita no decorrer de toda as Constituição. Ela “eleva a

dignidademda pessoa, os direitos invioláveis que lhe são inerentes, e o livre

desenvolvimento da personalidade à categoria de fundamento da ordem política e

da paz social.”61

Para o referido ordenamento jurídico, os valores são elevados a uma

posição hierarquicamente superior62, e por isso, são considerados a base do

sistema jurídico.

Segundo Fernando dos Santos, a Constituição espanhola usa

indistintamente valores e princípios que assumem condição de normas finais e

permanentes63, e por essa razão, se tornam hierarquicamente superiores dentro do

ordenamento jurídico.

Os direitos fundamentais apresentam não apenas um caráter subjetivo,

mas também assumem uma condição sine qua non do estado democrático de

direito. Em caso de dúvida, deve prevalecer a interpretação que propicie maior

viabilidade e vigor ao direito fundamental.64

60 Santos, Fernando Ferreira dos.Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana.Fortaleza: Celso Bastos Editor, 1999, p.57. 61 Santos, Fernando Ferreira dos.Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana.Fortaleza: Celso Bastos Editor, 1999, p.57. 62 Santos, Fernando Ferreira dos.Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana.Fortaleza: Celso Bastos Editor, 1999, p.58 63 Santos, Fernando Ferreira dos.Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana.Fortaleza: Celso Bastos Editor, 1999, p.59. 64 Santos, Fernando Ferreira dos.Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana.Fortaleza: Celso Bastos Editor, 1999, p.60.

38

Para a Constituição espanhola, a dignidade da pessoa é considerada

como um dos maiores valores, e assim, um valor último. Para Francisco Segado,

citado por Fernando dos Santos, o ordenamento jurídico só subsistirá legitimamente

mediante o reconhecimento do princípio da dignidade da pessoa humana, e dos

direitos que lhe são inerentes; em decorrência disso, a Constituição espanhola

possui uma base filosófica juspersonalista65, em outras palavras, individualista

porque para ele “ a pessoa individual é uma realidade em si mesma, enquanto que o

estado não é mais que uma realidade acidental.”66

Para Pérez Luño, autor mencionado por Fernando dos Santos, a

dignidade da pessoa humana possui duas dimensões: uma negativa, que é a

garantia de que a pessoa não sofra ofensas e humilhações; e outra positiva, no

sentido de desenvolver a personalidade.67

A dignidade da pessoa humana é considerado como valor básico

fundamental dos direitos fundamentais, e como alicerce da ordem política, uma vez

que possibilita o desenvolvimento integral do ser humano exigido por sua

dignidade.68

Deve-se ainda, ressaltar o caráter intersubjetivo da dignidade da pessoa

humana, ou seja, homem em sua relação com os demais, uma vez que esta

dimensão é de suma importância para se estabelecer os limites e o alcance dos

direitos fundamentais.69

Para concluir, Fernando dos Santos acrescenta que a dignidade deve

permanecer inalterável, qualquer que seja a situação em que a pessoa se encontre,

65 Santos, Fernando Ferreira dos.Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana.Fortaleza: Celso Bastos Editor, 1999,p.61. 66 Santos, Fernando Ferreira dos.Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana.Fortaleza: Celso Bastos Editor, 1999,p.61. 67 Santos, Fernando Ferreira dos.Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana.Fortaleza: Celso Bastos Editor, 1999, p.61. 68 Santos, Fernando Ferreira dos.Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana.Fortaleza: Celso Bastos Editor, 1999, p.62. 69 Santos, Fernando Ferreira dos.Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana.Fortaleza: Celso Bastos Editor, 1999,p.62.

39

constituindo, consequentemente, um minimum invunerável que todo estatuto jurídico

deve assegurar.70

4.2.A Dignidade da Pessoa Humana na Constituição Portuguesa

A Constituição portuguesa estabelece que os direitos fundamentais

devem ser interpretados e integrados em harmonia com a Declaração Universal dos

Direitos do Homem71.Para José Carlos Vieira de Andrade, mencionado por

Fernando dos Santos, o legislador constituinte tevepor objetivo a subordinação dos

direitos fundamentais ao princípio da dignidade da pessoa humana, uma vez que

este transcende a vontade política dos Estados72; nesse sentido, Jorge Miranda,

citado por Fernando dos Santos, pressupõe a dimensão jusnaturalista e universalista

desse princípio, pois ela entende que os direitos fundamentais não são apenas

aqueles enunciados expressamente, mas podem também ser provenientes de outras

fontes.73Para esse mesmo autor, os direitos fundamentais têm “ sua fonte ética na

dignidade da pessoa, de todas as pessoas.”74

Já para José Carlos Vieira, outro doutrinário português, citado por

Fernando dos Santos, o princípio da dignidade humana contribui para a abertura do

sistema jurídico.75Para ele, referido princípio somente é fonte de soluções jurídicas,

e não direito fundamental.

70 Santos, Fernando Ferreira dos.Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana.Fortaleza: Celso Bastos Editor, 1999, p.62. 71 Santos, Fernando Ferreira dos.Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana.Fortaleza: Celso Bastos Editor, 1999, p.63. 72 Santos, Fernando Ferreira dos.Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana.Fortaleza: Celso Bastos Editor, 1999, p.63. 73 Santos, Fernando Ferreira dos.Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana.Fortaleza: Celso Bastos Editor, 1999, p.63. 74 Santos, Fernando Ferreira dos.Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana.Fortaleza: Celso Bastos Editor, 1999, p.64. 75 Santos, Fernando Ferreira dos.Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana.Fortaleza: Celso Bastos Editor, 1999, p.65.

40

5. A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Brasileiro

O princípio da dignidade humana apareceu pela primeira vez na Carta

Magna de 1988.

Porém, para iniciar o estudo desse ponto da matérias, se faz mister uma

breve distinção entre princípios e regras, que são duas espécies de normas.

5.1.Distinção entre Princípios e Regras

Princípios são normas vetoras do sistema, ou seja, sustentam e dão

fundamento ao ordenamento jurídico. São eles, na maioria das vezes, as fundações,

os alicerces, as matrizes capazes de determinar a ordem e as prioridades que

deverão ser preferencialmente estabelecidas. Os princípios proporcionam equilíbrio

ao sistema político e ocupam posição no ápice da pirâmide normativa e são

considerados a norma das normas e a fonte das fontes.76

Segundo Fernando dos Santos, “é o princípio que iluminará a inteligência

da simples norma”.77Para Robert Alexey, citado por Fernando dos Santos, “os

princípios podem ser cumpridos em diferentes graus”.78

76 Bittar, Eduardo C. B. e Ferraz, Anna Candida da Cunha. Org. Direitos Humanos Fundamentais: positivação e concretização.São Paulo: Edifieo, 2006, p.193. 77 Santos, Fernando Ferreira dos.Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana.Fortaleza: Celso Bastos Editor, 1999, p.71. 78 Santos, Fernando Ferreira dos.Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana.Fortaleza: Celso Bastos Editor, 1999, p.49.

41

Já as regras são normas que somente podem ser cumpridas ou não. Elas

constituiem razões definitivas, pois exigem que se cumpra exatamente o que nelas

se ordena, ao menos que se tenha estabelecido uma exceção.

Contudo, a doutrina brasileira dominante não considera os princípios

como normas pois estes têm somente importância para a hermenêutica.

No entanto, alguns doutrinadores como Fernando dos Santos,

consideram os princípios como o da dignidade humana como razão para decisões.

Para os Ministros Celso Antônio Bandeira de Melo e Carmén Lúcia

Antunes Rocha, os princípios são de conteúdos primários, dotados de origninalidade

e superioridade material sobre as demais normas.79A referida Ministra entende que

os princípios possuem duas funções: uma positiva, na medida que afirmam a diretriz

e o conteúdo dos subprincípios e do regramento jurídico; e negativa porque rejeitam

a introdução de conteúdo que com eles se incompatibiliza. Para ela, os princípios

não podem ser fundamentos autônomos de decisão.80

Outra questão que surge está relacionada com a possível colisão entre os

princípios. Para a metodologia tradicional não existe colisão entre os princípios,

havendo assim, a complementariedade entre eles.

5.2 A Dignidade da Pessoa Humana na Doutrina

Poucos são os autores que se dedicam ao assunto em tela; e aqueles

que se dedicam, tratam de maneira concisa o tema, penas referindo-se ao princípios

de forma superficial.

79 Santos, Fernando Ferreira dos.Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana.Fortaleza: Celso Bastos Editor, 1999,p.72/73. 80 Santos, Fernando Ferreira dos.Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana.Fortaleza: Celso Bastos Editor, 1999,p.73.

42

No entanto, José Afonso da Silva, na XV Conferência Nacional da Ordem

dos Advogados do Brasil, abordou o tema de maneira mais consistente. Ele sustenta

que a norma analisada, partindo da filosofia kantiana, compreende dois conceitos

fundamentais: a pessoa humana e a dignidade.81Na sua visão, a pessoa com fim em

si mesma possui valor absoluto, e por esta razão, tem dignidade. Logo, “a dignidade

é atributo intrínseco da essência da pessoa humana”82, e por isso, o direito existe

em função dela e para propiciar seu desenvolvimento.

Por isso, para Fernando dos Santos a dignidade da pessoa humana não é

uma criação do legislador constituinte, que apenas reconhece a sua existência;

porém, ao colocá-la como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil,

transformou-a num valor supremo da ordem jurídica.83Na concepção do mesmo

autor, a dignidade, empregada no artigo 1ª, III da Constituição Federal, tida como

atributo intrínseco da pessoa humana, como valor de todo ser racional e que não

depende da maneira como ela se comporta; logo, o comportamento indigno de uma

pessoa não a faz ser privada de seus direitos fundamentais.

A dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado Democrático

de Direito implica não apenas no reconhecimento formal da liberdade, como também

na garantia de condições mínimas.

5.3 A Dignidade da Pessoa Humana à luz do artigo 1ª, III da Constituição Federal

Partindo da concepção de Kant, ou seja, que o homem existe como fim

em si mesmo, e analisando o artigo 1ª, III, da Constituição Federal que diz que a

dignidade da pessoa humana é fundamento da República Federativa do Brasil, 81 Santos, Fernando Ferreira dos.Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana.Fortaleza: Celso Bastos Editor, 1999, p.79. 82 Santos, Fernando Ferreira dos.Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana.Fortaleza: Celso Bastos Editor, 1999, p.79. 83 Santos, Fernando Ferreira dos.Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana.Fortaleza: Celso Bastos Editor, 1999, p. 79.

43

pode-se concluir que o Estado existe em função de todas as pessoas e não estas

em função do Estado. A dignidade da pessoa humana é o fim e fundamento para

todo o ordenamento jurídico; e por esta razão, o legislador constituinte, na

Constituição de 1988, trouxe o capítulo dos direitos fundamentais antes da

organização do Estado.

Sob o aspecto da corrente personalista, que busca compatibilizar os

interesses individuais e coletivos, a distinção entre indivíduo e pessoa se faz mister,

pois não se exalta o individualismo (homem abstrato), e sim o ser humano (pessoa

em sentido amplo).Desta forma, o valor coletivo nunca poderá ferir o valor da

pessoa.84E nsta perspectiva, a pessoa é o valor supremo da democracia.

O princípio da dignidade da pessoa humana é tido como absoluto na

medida que considera a pessoa um minimum invulnerável, e precede a todos os

demais princípios.

84 Santos, Fernando Ferreira dos.Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana.Fortaleza: Celso Bastos Editor, 1999, p.93.

44

6. A dupla dimensão: negativa e positiva

Segundo Fernando dos Santos, a dignidade da pessoa humana possui

duas dimensões que lhe são constitutivas: uma negativa e outra positiva.85 Pela

dimensão negativa, a pessoa não pode ser objeto de ofensas ou humilhações. Por

esse motivo, o texto constitucional de 1988 dispõe que “ninguém será submetido à

tortura e nem a tratamento desumano ou degradante.”

Jorge Miranda, citado por Fernando dos Santos, ensina que “a dignidade

pressupõe a autonomia vital da pessoa, a sua autodeterminação relativamente ao

estado, às demais entidades públicas e as outras pessoas”. E acrescenta que a

afirmação de integridade física e espiritual do homem como dimensão irrenunciável

de sua individualidade autonomamente responsável; a garantia de identidade e

integridade da pessoa através do livre desenvolvimento da personalidade.86

Portanto, tudo o que se opõe à vida e viola a integridade da pessoa

humana contraria a dignidade do ser humano.

Já a dimensão positiva pressupõe o pleno desenvolvimento de cada

pessoa, sem interferências ou impedimentos externos, e a autodeterminação que

surge da livre projeção histórica da razão humana.

85 Santos, Fernando Ferreira dos.Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana.Fortaleza: Celso Bastos Editor, 1999, p.96. 86Santos, Fernando Ferreira dos.Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana.Fortaleza: Celso Bastos Editor, 1999, p.96.

45

7. Núcleo Essencial dos Direitos Fundamentais

A dignidade da pessoa humana é o núcleo essencial dos direitos

fundamentais. Como bem colocou Fernando dos Santos, ela “é a fonte ética de valor

e dos direitos fundamentais.”87

Consequentemente, os direitos fundamentais estão no centro do sistema

constitucional, logo, cumprem também funções estruturais. As normas de direito

fundamental ocupam “o grau superior da ordem jurídica, constituem limites materiais

da própria revisão e vinculam imediatamente os poderes públicos.”88Por esta razão,

não podem ser objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os

direitos e garantias individuais (artigo 60, § 4º, Constituição Federal).

Fernando dos Santos ressalta que a interpretação dos demais conceitos

constitucionais e legais há de ser feita à luz daquelas normas constitucionais que

proclamam e consagram direitos fundamentais, as normas de direito fundamental.89

87 Santos, Fernando Ferreira dos.Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana.Fortaleza: Celso Bastos Editor, 1999, p.97. 88 Santos, Fernando Ferreira dos.Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana.Fortaleza: Celso Bastos Editor, 1999, p.98. 89 Santos, Fernando Ferreira dos.Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana.Fortaleza: Celso Bastos Editor, 1999, p.98.

46

CAPÍTULO IV

Pesquisas com as células-tronco embrionárias

1.Início da Vida Humana

Para compreender melhor o tema, é necessário saber quando a vida do

ser humano tem início.E quando inicia a vida? A definição sobre o começo da vida

varia conforme convicções religiosas, filosóficas e jurídicas.

1.1 Origem da Vida Humana para a Ciência

Os cientistas divergem entre si to tocante ao início da vida humana. Faz-

se possível adotar vários enfoques como:

A) o da concepção;

B) o da ligação do feto à parede do útero (nidação);

C) o da formação das características individuais do feto;

D) o da percepção pela mãe dos primeiros movimentos;

E) o da viabilidade em termos de persistência da gravidez;

F) e o do nascimento90. Como se pode notar, os próprios cientistas não

têm a mesma opinião.

90 Mello, Marco Aurélio.O Direito à vida e as pesquisas com células-tronco.São Paulo.Revista de Cultura IMAE.Ano 8, n. 17, 2008; p.15.

47

A Biologia Molecular e a Genética ensinam que os antepassados se

acham ligados às gerações que lhes sucedem por um material contínuo de ligação,

o ADN (ácido desoxirribonucléico), que é o portador das informações vitais dos

novos indivíduos, e que são transmitidos dos genitores aos filhos através dos

gametas feminino e masculino. Essas informações ficam contidas no genoma, o

complexo de cromossomos que contém a carga genética própria do indivíduo e é

formado na concepção91.

Já a Embriologia, que quer dizer o estudo dos embriões, demonstra

que a nova vida tem início com a fusão dos gametas-espermatozóide e óvulo- duas

células germinativas extraordinariamente especializadas e teleologicamente

programadas92.

Como já foi dito, alguns cientistas não concordam que o início da vida

humana seja no momento da concepção e, sim, em um momento mais avançado de

seu desenvolvimento. Assim, se o zigoto humano e sua evolução posterior não for

considerado um ser humano, poderá ser usado para experimentação a critério do

cientista, já que não possui a dignidade humana, nem tem direito como homem.E se

for um ser humano, será válido considera-lo inferior em direitos, só pode estar ainda

em processos biológicos precoces da vida 93?

A ciência experimental já demonstrou que o zigoto marca o seu princípio

de vida: há todo um programa genético a ser cumprido de forma linear e ininterrupta,

sem soluções de continuidade, e isto, disparado por um gatilho “vital” que seria a

união dos dois núcleos: de um óvulo e de um espermatozóide.

91 Brandão, Dernival da Silva.A Vida dos Direitos Humanos- Bioética Médica e Jurídica.Porto Alegre, 1999.Sergio Antonio Fabris Editor; p. 22. 92 Borges, Maria Regina.Genética Humana.2ª Edição.Porto Alegre, 2001.Artmed Editora; p.171. 93 Brandão, Dernival da Silva.A Vida dos Direitos Humanos- Bioética Médica e Jurídica.Porto Alegre, 1999.Sergio Antonio Fabris Editor; p. 337.

48

1.2.Origem da vida para a Religião

Para os pensadores cristãos, o debate teológico refletiu-se nos escritos de

santo Agostinho, que traçava distinção entre embryo inanimatus, quando não

presente a alma, e embryo animatus, portanto o já animado. Tal enfoque, acredita-

se, teria origem na interpretação emprestada a versículo do livro bíblico Êxodo, cuja

autoria pe atribuída a Moisés.”Êxodo 21:22: se alguns homens brigarem, e um ferir

uma mulher grávida, e for causa de que aborte, não resultando, porém, outro dano,

este certamente será multado, conforme o que lhe impuser o marido da mulher, e

pagará segundo o arbítrio dos juízes;

Êxodo 21:23 : mas se resultar dano, então darás vida por vida;

Êxodo 21:24 : olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé;

Êxodo 21: 24 : queimadura por queimadura, ferida por ferida, golpe por

golpe94.

Observa-se que haveria punição diferente para a hipótese de aborto se

comparado à ocorrência de outro dano. Nos escritos de Santo Agostinho, a visão de

que poderes humanos não podem determinar o ponto, durante o desenvolvimento,

em que a mudança crítica ocorre, ou seja, o feto adquire alma.

Para a Igreja Católica, a vida tem seu início desde a concepção. Muito

embora, segunda Francis Kaplan, o fato que costuma ser ignorado é que até

meados do século IX, a igreja considerou, explícita e oficialmente, que o embrião

não se torna um ser vivo até o 40º dia após a concepção - 80º dia no caso de

meninas - e que - portanto, o aborto, por exemplo, apenas seria homicídio a partir

desse momento95.

94 Mello, Marco Aurélio.O Direito à vida e as pesquisas com células-tronco.São Paulo.Revista de Cultura IMAE.Ano 8, n. 17, 2008; p.15. 95 Kaplan, Francis.L’embryon est-il être vivant? .São Paulo, 2008.Folha de São Paulo, Caderno Mais-13/04/2008.

49

Já para o islamismo, a vida começa na 16ª semana, que seria quando o

ser humano adquiriria uma alma. Para grande parte dos judeus, a vida só se inicia

com o nascimento do bebê.

1.3.Origem da Vida Humana para a Filosofia

Os filósofos da antiguidade e Santo Agostinho revelaram ópticas diversas

em relação ao início da vida humana. Aqueles acreditavam que o embrião não se

mostrava formado senão após 40 dias de concepção no caso masculino e entre 80

e 90 dias no caso feminino. O pensamento de Aristóteles derivava da teoria dos três

estágios de vida: vegetal, animal e racional. O estágio vegetal era alcançado na

concepção; o animal na animação- quando incorporada a alma; e o racional, logo

após o nascimento com vida. Essa teoria foi aceita pelos primeiros cristãos, como já

explicada anteriormente.

Já para o pensamento filosófico dos dias de hoje, o corpo formado pela

união de espermatozóide e óvulo é um ser humano, já capaz de compartilhar, como

os demais homens, dos mesmo direitos96.

1.4. Origem da Vida Humana para o Direito

Para muitos doutrinadores, o início da vida do nascituro começa com a

concepção no ventre materno. Sendo assim, no caso de fertilização in vitro, embora

seja a fecundação do óvulo pelo espermatozóide que inicia a vida, seria a nidação

do zigoto ou ovo que a garantiria; logo, para alguns autores, o nascituro só seria

“pessoa” quando o ovo fecundado fosse implantado no útero materno, sob a

condição do nascimento com vida. Para essa corrente, o embrião humano não

96 Brandão, Dernival da Silva.A Vida dos Direitos Humanos- Bioética Médica e Jurídica.Porto Alegre, 1999.Sergio Antonio Fabris Editor; p. 342.

50

poderia ser tida como nascituro, apesar de dever ter proteção jurídica como pessoa

virtual, com carga genética própria97.

Por outro lado, outros doutrinadores, como Maria Helena Diniz, entendem

que o início da vida humana se inicia com a penetração do óvulo pela

espermatozóide, quando surge uma nova vida, distinta da daquelas que lhe deu

origem, pois o embrião, a partir desse momento, passa a ser titular de um patrimônio

genético único98.Para essa mesma corrente, seguindo a observação de Jérôme

Lejeune, professor de genética fundamental, “cada ser humano tem um começo

único, que ocorre no momento da concepção.Embrião: ‘...Essa a mais jovem forma

do ser...’.Pré-embrião: essa palavra não existe.Antes de um embrião existe apenas

um óvulo e o esperma; quando o óvulo é fertilizado pelo espermatozóide, a entidade

assim constituída se transforma em um zigoto; e quando se subdivide, torna-se em

embrião”99.

Assim sendo, para esses autores, o embrião possuiria a qualidade de ser

humano, logo, é merecedor de proteção jurídica pelo que é e pelo que irá ser100.

Na Alemanha, verbi gratia, a Lei de Proteção aos Embriões considera

embrião “o óvulo humano fecundado e capaz de se desenvolver desde o momento

da fusão de seus núcleos, e também toda célula totipotente retirada do embrião, que

tenha capacidade de se dividir e desenvolver até formar um novo indivíduo, desde

que as demais condições para tanto estejam atendidas”101.

97 Diniz, Maria Helena.O estado atual do Biodireito.São Paulo: Editora Saraiva, 2002; p.427. 98 Diniz, Maria Helena.O estado atual do Biodireito.São Paulo: Editora Saraiva, 2002;p. 427. 99 Diniz, Maria Helena.O estado atual do Biodireito.São Paulo: Editora Saraiva, 2002; p.427. 100 Diniz, Maria Helena.O estado atual do Biodireito.São Paulo: Editora Saraiva, 2002; p. 428. 101 Böhmer, Maria.Bioética- Caderno Adeneur, ano 3, 2002, n. 01.Editora Konrad Adeneur Stiftuny; p. 76.

51

1.4.1. Na Constituição Federal A vida perante a atual Constituição do Brasil, seja biológica, seja moral ou

juridicamente, tem proteção desde a concepção.

O constituinte não formula soluções desvinculadas da realidade das

coisas.Existe toda uma teoria das “limitações implícitas” ao Poder

Constituinte.Dentre estas,há aquelas postas pelos dogmas já consagrados por

outras ciências.

O elaborador do pacto fundante precisa contemplar os dados

sociológicos, antropológicos, culturais, enfim, tudo aquilo que se vem chamando

“supraconstitucionalidade”102. A Constituição Federal não pode ignorar a construção

científica a respeito do surgimento da vida, e como já foi explicitado, para boa parte

dos estudiosos, biologicamente, a vida tem início no momento da concepção. Muito

embora, a Constituição, indiretamente, protege a vida a partir da nidação (ligação

do zigoto ao útero) uma vez que métodos anticoncepcionais são autorizados pela lei.

1.4.2. No Direito Civil

O Código Civil tutela a vida humana a partir do nascimento com vida,

ou seja, é a partir dai que a personalidade civil do homem começa; porém, a lei põe

a salvo os direitos do nascituro desde a concepção ( artigo 2ª do Código Civil).

Diante disso, é evidente que o Código Civil considera o início da vida humana com a

concepção.

102 Brandão, Dernival da Silva.A Vida dos Direitos Humanos- Bioética Médica e Jurídica.Porto Alegre, 1999.Sergio Antonio Fabris Editor; p. 270.

52

Poder-se-ia afirmar que na vida intra-uterina, tem o nascituro

personalidade jurídica formal, no que atina aos direitos personalíssimos e aos da

personalidade, passando a ter personalidade jurídica material e alcançando os

direitos patrimoniais que permaneciam em estado potencial soente com o

nascimento com vida. Sendo assim, para doutrinadores como Maria Helena Diniz,

por exemplo, o ser humano em qualquer de suas fases embrionárias, dentro ou fora

do corpo da mulher, merece proteção jurídica103. Logo, o embrião, por ter todos os

atributos da espécie humana, merece proteção de sua vida, integridade física e

dignidade.

1.4.3. No Direito Penal

O Código Penal é claro ao dispor sobre o início da vida humana uma vez

que tutela a vida do ser humano a partir da nidação como já foi anteriormente

mencionado, ou seja, ligação do feto à parede do útero, porque se fosse a partir da

concepção, todos os métodos anticoncepcionais seriam considerados práticas

abortivas, e portanto, crime.

Para entender melhor o momento que a vida humana começa a receber

proteção penal, é necessário remeter-se ao crime de aborto, que trata de maneira

mais claro sobre o tema; para doutrinadores como Julio Fabbrini Mirabete, o aborto

será ovular quando acontee até três semanas da gestação; será embrionário de três

semanas a três meses; ou fetal, se após três meses de gestação104. Diante desse

quadro, fica claro que o Código Penal tutela a vida humana a partir da nidação.

103 Diniz, Maria Helena.O estado atual do Biodireito.São Paulo: Editora Saraiva, 2002; p.429. 104 Mirabete, Julio Fabbrini; Fabbrini, Renato N.Manual de Direito Penal- Parte Especial, Volume 2.25ª Edição.São Paulo, 2007, Editora Atlas.

53

2.Formação e Desenvolvimento do Embrião

O zigoto (óvulo fertilizado), em torno de um dia após a fecundação, divide-

se mitoticamente, iniciando um período de divisão celular rápida, denominado

clivagem. As células resultantes dessas primeiras divisões são chamadas de

blastômeros. Estes continuam se dividindo até formar, por volta do terceiro dia, uma

bola sólida de 16 a 32 células, que é chamado de mórula (nesse momento, alguns

genes do embrião começam a se formar); e é nesta fase que uma cavidade central

cheia de líquido denominada blastocele começa a se formar, e passa a chamar-se

blástula. É, portanto, uma das primeiras fases de formação antes que o embrião seja

propriamente constituído. Após a implantação do embrião, a massa celular interna

do blastocisto torna-se o disco embrionário em desenvolvimento, com a formação do

sulco neural e do sistema nervoso105.

Os espaços repletos de líquidos fundem-se, no quarto dia, para formar

um único e grande espaço, o que converte a mórula em um blastocisto. Por volta do

décimo dia, o blastocisto já está implantado no endométrio. Durante a segunda

semana do desenvolvimento embrionário, surge um espaço entre a massa celular e

as células externas presas ao endométrio. O pólo embrionário desenvolve um

espaço denominado cavidade amniótica, e é ela que formará o saco amniótico que

constituirá o saco vitelino. Estas transformações proporcionam a conversão do

embrioblasto num disco que proporcionará a formação de várias estruturas

orgânicas: a ectoderme, que originará a pele e o tecido nervoso; a endoderme, que

originará órgãos como os do aparelho digestivo, respiratório e urinário; e a

mesoderme, da qual derivarão o aparelho locomotor e o circulatório. No fim do

primeiro mês, embora o embrião meça 5 mm e não chegue a pesar nem 1 kilo, já

apresenta uma forma comprida, com uma proeminência num das suas extremidades

que corresponde à cabeça. É nesta fase que o sistema nervoso e circulatório 105 Borges, Maria Regina.Genética Humana.2ª Edição.Porto Alegre, 2001.Artmed Editora; p.172.

54

começam a se formar, e o coração começa a bater, ainda que de maneira

descompassada106. Ao longo do terceiro mês, o embrião, que já é chamado de feto,

adquire um aspecto definitivamente humano. É no quinto mês que há um

amadurecimento do funcionamento dos órgãos, e começa a se movimentar. E, por

fim, no nono mês, o organismo do feto já está preparado para o nascimento.

O desenvolvimento embrionário é dividido, de acordo com alguns

autores, em 2 períodos: o período embrionário, que vai da formação do zigoto até

aproximadamente 60 dias ou 8 semanas de desenvolvimento; e o período fetal, que

decorre do 61º dia ou da 9ª semana até o nascimento (que se dá, em geral, entre 38

e 39 semanas).

106 Borges, Maria Regina.Genética Humana.2ª Edição.Porto Alegre, 2001.Artmed Editora; p.172,173.

55

3.O Embrião e o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

A premissa normativa da dignidade própria de cada ser humano resulta

em que a vida humana se encontra desde o início, ou seja, do momento da fusão

entre óvulo e espermatozóide, debaixo da proteção da dignidade da pessoa

humana. Esta impõe o respeito à existência de cada ser humano por seu próprio

valor107.

Immanuel Kant em sua Metafísica dos Costumes, publicada em 1797,

forneceu a fundamentação filosófica a um decreto do Direito Geral Prussiano,

segundo o qual “os direitos da humanidade cabem inclusive às crianças ainda em

gestação a partir do momento de sua concepção”108. Isso prova que existe uma

relação indissolúvel entre a ideia da dignidade humana e a de um direito inalienável

à vida, relação esta que fundamenta, tanto na ordem moral como também na

jurídica, as respectivas obrigações de proteção ao embrião. Para se reconhecer o

direito à vida, não importa se o ser humano existe na forma de zigoto, embrião,

recém-nascido, adulto ou idoso.

Toda vida humana é valiosa, jurídica e moralmente. Nesse sentido, pode-

se argumentar em favor da preservação do ser já concebido. Muito embora, o

ordenamento jurídico refira-se, expressamente, à pessoa apenas quando o ser

humano já tenha nascido, não se pode negar que a vida é protegida desde a

concepção109.

Durante muito tempo pareceu haver um consenso na Alemanha de que a

vida humana tem início no momento da fusão do óvulo com o espermatozóide.

107 Schockenhoff, Eberhard. Bioética- Caderno Adeneur, ano 3, 2002, n. 01.Editora Konrad Adeneur Stiftuny; p. 76. 108Schockenhoff, Eberhard. Bioética- Caderno Adeneur, ano 3, 2002, n. 01.Editora Konrad Adeneur Stiftuny; p35. 109 Böhmer, Maria.Bioética- Caderno Adeneur, ano 3, 2002, n. 01.Editora Konrad Adeneur Stiftuny; p. 126.

56

Porém, há algum tempo, também vêm sendo mencionados outros momentos do

desenvolvimento, mais comumente o da nidação, que é a fixação do óvulo

fecundado na parede do útero materno. A maioria que continua defendendo o

momento da fusão como início da vida está dividida entre os que atribuem, a partir

desse momento, direito integral à vida e dignidade humana ao embrião, e aqueles

que não compartilham dessa opinião110.

A dignidade do homem só pode ser compreendida como um conceito real

e determinante da convivência dos cidadãos num Estado Democrático, se ela for

própria de cada indivíduo, desde a origem de sua existência, unicamente em razão

de seu pertencimento ao gênero humano.

110 Böhmer, Maria.Bioética- Caderno Adeneur, ano 3, 2002, n. 01.Editora Konrad Adeneur Stiftuny; p. 74.

57

4.Pesquisa com as células-troco embrionárias

Células tronco são definidas com células indiferenciadas e não

especializadas que têm a capacidade de realizar divisões simétricas e assimétricas.

A capacidade de auto-renovação é característica fundamental da célula tronco. Em

relação à fonte de obtenção, as células tronco podem ser originárias do embrião, do

feto, do cordão umbilical e do adulto111.

As células embrionárias são derivadas do embrião, que desenvolve-se a

partir de sucessivas devisões do oócito fecundado ou zigoto. Durante as fases

iniciais da embriogênese, o embrião passa pela fase onde é chamado de blastocisto

(cerca de 4 a 5 dias após a formaçãodo oócito fecundado). Nessa fase, o blastocisto

é composto por uma camada externa e uma massa interna de células. Cada uma

dessas camadas celulares dará origem a diversos tecidos e órgãos do próprio feo e

também formará a placenta e outros anexos embrionários. Se, nesse estágio de

blastocisto, que é composto de aproximadamente 100-200 células, forem retiradas e

cultivadas em laborátorio as células que compõem a massa interna, essas darão

origem às células-tronco embrionárias. Estas células são pluripotentes. O significado

dessa pluripotência é que uma célula emrbionária é capaz de gerar quaisquer dos

tipos celulares presentes em todos tecidos do nosso organismo, com exceção da

placenta112.

No embrião, as células-tronco formam os três folhetos embrionários:

ectoderma, mesoderma e endorderma, como também as células germinativas

(óvulos e espermatozóides). A partir desses três folhetos temos originadas todas as

células que compõem os diversos tecidos no nosso organismo. Essa ampla 111 Emerick, Maria Celeste; Montenegro, Karla B.M; Degrave, Wim.Novas tecnologias na Genética Humana: avanços e impactos para a saúde.Rio de Janeiro, 2007.Projeto Ghente; p. 51. 112 Emerick, Maria Celeste; Montenegro, Karla B.M; Degrave, Wim.Novas tecnologias na Genética Humana: avanços e impactos para a saúde.Rio de Janeiro, 2007.Projeto Ghente; p. 51.

58

capacidade de diferenciação as torna candidatas em potencial para estudos do

ponto de vista clínico e/ou terapêutico.

Como a própria lei dispõe, a pesquisa seria com células-tronco

embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não

utilizados no respectivo procedimento, desde que sejam emrbiões inviáveis ou

congelados há 3 anos ou mais, na data da publicação da Lei, ou que, já congelados

na data da publicação da Lei depois de completarem 3 anos, contados a partir da

data do congelamento. Por esse motivo, vale tomar uma breve sobre o que seja

fertilização in vitro, que é uma técnica de inseminação artificial que promove o

encontro do óvulo com o espermatozóide fora do útero. Nesse processo, vários

óvulos são fecundados por vários espermatozóides, mas dos 15 apenas 4 serão

implantados no útero, verbi gratia. Os excedentes serão congelados ou descartados;

e é com esses embriões congelados há mais de três anos ou tidos como inviáveis de

onde serão retiradas as células-tronco embrionárias.

4.1.Pesquisa com as células-tronco embrionárias nos demais países

O Brasil, observando a tendência de diversos países, especialmente dos

que fazem parte da União Europeia, por meio da Lei de Biossegurança, autorizou

pesquisas com células-tronco embrionárias, apesar de várias vedações.

Em países como Reino Unido, África do Sul, China, Cingapura, Israel e

Rússia as pesquisas com embriões, inclusive a clonagem terapêutica são liberadas.

Na Alemanha, a pesquisa com linhagens de células-tronco existentes e

sua importação são permitidas, mas é proibida a destruição dos embriões. Já nos

Estados Unidos, é proibida a aplicação de verbas do governo federal a qualquer

pesquisa envolvendo embriões humanos; muito embora, estados como o da

59

Califórnia, permitem e patrocionam esse tipo de pesquisa, inclusive a clonagem

terapêutica.

A França não possui legislação específica, mas permite a pesquisa com

linhagens existentes de células-tronco embrionárias e com embriões de descarte. A

legislação turca pesquisas e uso de embriões de descarte, mas como a legislação

brasileira, proíbe a clonagem terapêutica.

A legislação mexicana é mais liberal que a brasileira e permite tanto o uso

quanto a criação de embriões para pesquisa.

Já a Itália, proíbe totalmente qualquer tipo de pesquisa com células-tronco

embrionárias humanas e sua importação.

60

5.Bioética

Os desenvolvimentos científicos e tecnológicos nos campos da bilogia, da

saúde e da vida humana criaram uma situação que sugere a premente necessidade

de uma reflexão ética. São diárias as notícias provenientes das mais diferentes

partes do mundo relatando a utilização de novos métodos investigativos, a

descoberta de medicamento ais eficazes etc. Se, por um lado, todas estas

conquistas trzem na sua esteira renovadas esperanças de melhoria da qualidade de

vida para as sociedades humanas, por outro, criam uma série de contradições que

necessitam ser analisadas responsavelmente com vistas ai equilíbrio e bem-estar

futuro113.

É nesse ponto que surge a discussão sobre a manipulação da vida, a

defesa de uma ética de responsabilidade e a busca da equidade no tratamento dos

sujeitos sociais.

A bioética não chegou pautada em pribições, limites ou vetos; e muito

menos na necessidade imperiosa que alguns vêem de que tudo seja regulamentado.

Pelo contrário, baseada na multidisciplinariedade pois para ela, o que vale é o

desejo livre, soberano e consciente dos indivíduos e das sociedades humanas,

desde que as decisões não invadam a liberdade e os direitos de outros indivíduos e

outras sociedades. Para a bioética, o que é bem, certo ou justo para uma

comunidade, não é bem, certo ou justo para outra, já que suas moralidades podem

ser diversas114. Logo, a essência é a liberdade, porém com compromisso e

responsabilidade.

113 Emerick, Maria Celeste; Montenegro, Karla B.M; Degrave, Wim.Novas tecnologias na Genética Humana: avanços e impactos para a saúde.Rio de Janeiro, 2007.Projeto Ghente; p. 177.114 Emerick, Maria Celeste; Montenegro, Karla B.M; Degrave, Wim.Novas tecnologias na Genética Humana: avanços e impactos para a saúde.Rio de Janeiro, 2007.Projeto Ghente; p.177.

61

O termo bioética foi empregado pela primeira vez pelo oncologista e

biólogo norte-americano Van Rensselder Potter, em sua obra Bioethics: bridge to the

future, publicada em 1.971. A bioética foi definida como “o estudo sistemático de

conduta humana no campo das ciências da vida e da saúde, enquanto examinada à

luz dos valores e princípios morais”115. Ela seria uma resposta da ética às novas

situações oriundas da ciência no âmbito da saúde, ocupando-se não só dos

problemas éticos, provocados pelas tecnociências biomédicas e alusivos ao início e

fim da vida humana, às pesquisas em seres humanos etc116.

Para Sérgio Rego, a bioética é um campo da filosofia moral que se

preocupa em analisar os argumentos morais a favor e contra determinadas práticas

humanas que afetam a qualidade de vida e o bem-estar dos humanos e dos outros

seres vivos117.

Nos dias de hoje, a bioética procura um comportamento responsável da

parte daquelas pessoas que devem decidir tipos de tratamento, de pesquisa ou de

outras formas de intervenção com relação à humanidade.

O tema da “ética ara a tecnologia” trata-se de atingir o equilíbrio entre o

extremo poder da tecnologia e a consciência de cada um, bem como da sociedade

em seu conjunto118. Para Hans Jonas, um dos pensadores do século XX, a técnica

não pode ser nem eticamente submissa nem histericamente dominadora119.

Apesar de alguns críticos radicais considerarem grande parte dos

avanços da ciência como “perigosos”, é impossível imaginar a atual estrutura

biológica e societária como eterna e imutável. Um dos compromissos da ciência,

portanto, é gestar o futuro, antecipando-se a ele por meio de descobertas que

venham realmente proporcionar benefícios e segurança à espécie humana. A 115 Diniz, Maria Helena.O estado atual do Biodireito.São Paulo: Editora Saraiva, 2002; p.10. 116 Diniz, Maria Helena.O estado atual do Biodireito.São Paulo: Editora Saraiva, 2002, p.10. 117 Emerick, Maria Celeste; Montenegro, Karla B.M; Degrave, Wim.Novas tecnologias na Genética Humana: avanços e impactos para a saúde.Rio de Janeiro, 2007.Projeto Ghente; p. 163.118 Emerick, Maria Celeste; Montenegro, Karla B.M; Degrave, Wim.Novas tecnologias na Genética Humana: avanços e impactos para a saúde.Rio de Janeiro, 2007.Projeto Ghente; p. 179.119Emerick, Maria Celeste; Montenegro, Karla B.M; Degrave, Wim.Novas tecnologias na Genética Humana: avanços e impactos para a saúde.Rio de Janeiro, 2007.Projeto Ghente; p. 179.

62

mutabilidade da sociedade e do mundo é uma certeza; a dúvida reside em

estabelecer o “limite” ou “ponto” concreto até onde os avanços da ciência devam

acontecer120.

Há necessidade de, por um lado, não deixar de ivestir no

desenvolvimento científico e tecnológico; e, pelo outro que, frente as dúvidas e

incertezas, é indispensável que exista um controle prudente sobre estas novidades.

Volnei Garrafa, coordenador da Cátedra de Bioética da UnB, entende que “devemos

avançar de uma ciência eticamente livre para outra eticamente responsável, de uma

tecnocracia que domina o homem para uma tecnologia que esteja a serviço da

humanidade do próprio homem, e de uma democracia jurídico-formal a uma

democracia real que concilie liberdade e justiça”121.

É bom ressaltar que um dos problemas relacionados com toda a questão

não está na utilização ou aplicação de novas tecnologias ou propostas, mas no

controle de cada uma das novidades. E este controle deve se dar em patamar

diferente ao dos planos científicos e tecnológicos: o controle é ético122. A ética ocupa

posição distinta em comparação cm a pura ciência e a técnica, e serve como

instrumento preventivo e prudencial contra abusos atuais e futuros que venham

trazer lucros abusivos para poucos.

Nas pesquisas com células-tronco embrionárias, as questões éticas

estarão especialmente relacionadas com a utilização de embriões. Para Sérgio

Rego, “a intenção da maioria dos pesquisadores envolvidos nessa pesquisa é boa.

Mas há um forte questionamento sobre a partir de quando e até quando se deve

consierar razoável, ou aceitável, a utilização dos embriões para obtenção dessas

células”. Ele acrescenta que o homem não pode ser usado quando se considera que

120Emerick, Maria Celeste; Montenegro, Karla B.M; Degrave, Wim.Novas tecnologias na Genética Humana: avanços e impactos para a saúde.Rio de Janeiro, 2007.Projeto Ghente; p.180. 121 Emerick, Maria Celeste; Montenegro, Karla B.M; Degrave, Wim.Novas tecnologias na Genética Humana: avanços e impactos para a saúde.Rio de Janeiro, 2007.Projeto Ghente; p.180. 122 Emerick, Maria Celeste; Montenegro, Karla B.M; Degrave, Wim.Novas tecnologias na Genética Humana: avanços e impactos para a saúde.Rio de Janeiro, 2007.Projeto Ghente; p.181.

63

há vida. Kant dizia que o homem não pode ser usado como mero meio, mas deve

ser sempre considerado como um fim em si mesmo123.

Muitas pessoas, do ponto de vista teológico, utilizam a expressão “brincar

de Deus” porque crêem que o homem não tem direito de alterar os planos estruturais

de organismos vivos, inclusive do seu próprio, porque isto constituiria uma

usurpação do privilégio de Deus como Criador. A teologia moral cristão distingue

entre o mundo criado por Deus e o campo de atuação da liberdade humana124.

Para alguns, a vida de 6, 18 células que vai ter nessa fase de totipotente

não se compara, não é moralmente relevante como a vida de um adulto ou de uma

criança já formada e nascida. Outros argumentam que embriões que não estão

implantados não têm o mesmo valor moral enquanto valor intrínseco da pessoa.

O pró-reitor de graduação da Universidade Federal de São Paulo e

presidente da Federação da Sociedade de Biologia Experimental, Luiz Eugênio

Mello, ressaltou que “um embrião produzido em laboratório, sem condições para

implantação em um útero de uma mulher, ouo nos termos da lei, um embrião

inviável, que seria descratável, não é uma pessoa humana”125.

A discussão chegou a um acordo temporário por ocasião da Lei de

Biossegurança. Não foi aceita nem a ideia de que não há vida moralmente relevante

em um ebrião recém-formado, e nem foi aceita a ideia de que toda interdição deve

ser implementada. O “corte” dos 3 anos para autorização do uso dos embriões

congelados foi dado porque, probabilisticamente, embriões com mais de 3 anos têm

maior probabilidade de desenvolver problemas; logo, entre descartar embriões

inviáveis e utilizar para pesquisa é dada uma justificativa moral para o seu uso126, o

que parece ser a solução mais plausível.

123 Emerick, Maria Celeste; Montenegro, Karla B.M; Degrave, Wim.Novas tecnologias na Genética Humana: avanços e impactos para a saúde.Rio de Janeiro, 2007.Projeto Ghente; p.167. 124 Schotmans, Paul T. Bioética- Caderno Adeneur, ano 3, 2002, n. 01.Editora Konrad Adeneur Stiftuny; p. 29. 125 Mello, Marco Aurélio.O Direito à vida e as pesquisas com células-tronco.São Paulo.Revista de Cultura IMAE.Ano 8, n. 17, 2008; p.17. 126 Emerick, Maria Celeste; Montenegro, Karla B.M; Degrave, Wim.Novas tecnologias na Genética Humana: avanços e impactos para a saúde.Rio de Janeiro, 2007.Projeto Ghente; p. 168.

64

Vale ressaltar, em contrapartida, que a sociedade como um todo tem

interresse que o desenvolvimento científico neste campo ocorra, principalemente

aquelas pessoas que sofrem de doenças como câncer, diabetes e mal de Parkinson;

ou seja, se por um lado doenças como essas citadas vêm nos apavorando, de outro,

provavelmente só poderemos vencer essas doenças se ampliarmos nosso

conhecimentos sobre as células-tronco embrionárias127.

Do ponto de vista das ciências naturais, não se pode afirmar que as

células embrionárias e a vida humana tenham o mesmo valor; hoje, os

microbiologistas precisam limitar-se a emprestar células de embriões humanos in

vitro. Independentemente das potenciais vantagens de pesquisas com células-tronco

embrionárias, os cientistas precisam sempre levar em conta que também a vida

humana frágil foi criada à imagem e semelhança de Deus128.

A ciência médica tem como objetivo diminuir o sofrimento humano. E

é tarefa da ética examinar como as possibilidades em constante expansão podem

ser realizadas de tal forma que satisfaçam a dignidade humana.

127 Schotmans, Paul T. Bioética- Caderno Adeneur, ano 3, 2002, n. 01.Editora Konrad Adeneur Stiftuny; p.30. 128 Schotmans, Paul T. Bioética- Caderno Adeneur, ano 3, 2002, n. 01.Editora Konrad Adeneur Stiftuny; p.31.

65

6.Lei de Biossegurança

A Lei 11.105, de 24 de Março de 2005 trouxe para a legalidade a

possibilidade da realização de pesquisa e terapias com células-tronco. Ela trata dos

organismos geneticamente modificados, mas em seu bojo, no artigo 5ª, justamente,

encontra-se a aprovação das pesquisas e terapias com células derivadas de

embriões humanos. Assim, a posição que o Brasil adotou é favorável à pesquisa

com células-tronco embrionárias129. Vale lembrar que a lei foi aprovada mediante

placar de 96% dos Senadores e 85% dos Deputados que votaram a favor.

A Lei traz diretrizes para o estímulo ao avanço científico na área da

biossegurança e biotecnologia, a proteção à vida e à saúde humana, animal e

vegetal. Entretanto, é o decreto 5.591, de 22 de Novembro de 2005 que se ocupa

das questões relacionadas à pesquisa com células-tronco embrionárias.

O artigo 5ª da Lei autoriza expressamente a pesquisa e a terapia com

células-tronco embrionárias obtidas de embriões produzidos por fertilização in vitro e

não utilizados no respectivo procedimento atentidas as condições de que sejam

embriões inviáveis e que estejam congelados há três anos ou mais da data da

publicação da Lei, ou, se já congelados na data da publicação da Lei, depois de

completarem três anos contados a partir da data de congelamento130. Artigo 5 o, in

verbis:

É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco

embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não

utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições:

129 Emerick, Maria Celeste; Montenegro, Karla B.M; Degrave, Wim.Novas tecnologias na Genética Humana: avanços e impactos para a saúde.Rio de Janeiro, 2007.Projeto Ghente; p. 195.130 Emerick, Maria Celeste; Montenegro, Karla B.M; Degrave, Wim.Novas tecnologias na Genética Humana: avanços e impactos para a saúde.Rio de Janeiro, 2007.Projeto Ghente; p. 196.

66

I – sejam embriões inviáveis;

II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da

publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois

de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento.

§ 1o Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores.

§ 2o Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem

pesquisa ou terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter

seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em

pesquisa.

§ 3o É vedada a comercialização do material biológico a que se

refere este artigo e sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei no 9.434,

de 4 de fevereiro de 1997.

A pesquisa com células-tronco embrionárias é autorizada, mas

condiciona-se a critérios rígidos. O âmbito das pesquisas está circunscrito aos

embriões produzidos por fertilização in vitro, derivados dos procedimentos de

reprodução humana assistida, e que podem ser identificados. A lei tamém se refere

aos embriões inviáveis, que seria aquele que não seria bom para a utilização na

reprodução assistida, e consequentemente, não produziria uma gravidez e o

nascimento de uma criança com vida131.

O artigo 5o, § 2o da Leitraz a necessidade de que os projetos que

envolvam pesquisa com células-tronco embrionárias sejam submetidos e aprovados

pelos comitês de ética das instituições em que tais pesquisas serão realizadas.

A Lei também traz vedações. Ela define uma tendência encontrada em

várias legislações estrangeiras: a comercialização do material biológico está proibido

no § 3o. Há uma preocupação constante de evitar a produção e a comercialização de

embriões humanos para a pesquisa. É possível notar no artigo 24 as disposições

que punem determinados atos: utilizar embrião em desacordo com o que dispõe o

131 Emerick, Maria Celeste; Montenegro, Karla B.M; Degrave, Wim.Novas tecnologias na Genética Humana: avanços e impactos para a saúde.Rio de Janeiro, 2007.Projeto Ghente; p. 199.

67

artigo 5º; praticar engenharia genética em célula germinal humana e zigoto ou

embrião humano etc. Só serão permitidas a pesquisa e a futura terapia a partir da

utilização do material provindo das células-tronco embrionárias.

O Decreto 5.591 traz as definições que reputavam-se como ausentes na

Lei de Biossegurança, principalmente no que tange às definições qaunto ao que

seria a fertilização in vitro, ao conceito de embriões inviáveis e de embriões

congelados disponíveis, e ao conceito de genitores, dispondo da necessidade de

haver o consentimento dos genitores para a doação de embriões para as pesquisas.

A finalidade do decreto pe de dar condições para viabilizar e operacionallizar a

possibilidade de os cientistas brasileiros trabalharem com essas células

embrionárias no Brasil132.

A Lei também dispõe que caberá ao Ministério da Saúde organizar o

levantamento dos embriões crio-preservados existentes nas referidas clínicas; e

caberá à ANVISA a grande responsabilidade de implementar a parte de fiscalização

e acompanhamento das atividades referidas e de fornecer informações para que os

pesquisadores, com seus projetos aprovados, possam ter condiçoes de passar à

etapa de pesquisa com os embriões que preencham os requisitos da Lei e do

decreto133.

O artigo 66 trata sobre a necessidade do consentimento dos genitores

sobre os embriões que seriam doados para a pesquisa científica. Nesse caso, há

necessidade da apresentação de um termo de consentimento livre e esclarecido

assinado pelo casal.

A Lei de Biossegurança prevê sanções de responsabilidade civil e

administrativa. Além das penas, os responsáveis pelos danos responderão

solidariamente com indenização e reparação integral, independentemente de culpa.

O decreto prevê várias sanções administrativas.

132 Emerick, Maria Celeste; Montenegro, Karla B.M; Degrave, Wim.Novas tecnologias na Genética Humana: avanços e impactos para a saúde.Rio de Janeiro, 2007.Projeto Ghente; p.198. 133 Emerick, Maria Celeste; Montenegro, Karla B.M; Degrave, Wim.Novas tecnologias na Genética Humana: avanços e impactos para a saúde.Rio de Janeiro, 2007.Projeto Ghente; p.199.

68

Diante dessa Lei, pode-se notar que o país adotou uma posição corajosa

e prudente uma vez que optou pela aprovação de uma lei que autoriza a pesquisa

com células-tronco embrionárias. A legislação objetivou enunciar o compromisso

claro entre a liberdade científica, o interesse na formulação de novas terapias e a

responsabilidade ética na ciência. Como há financiamento público para as

pesquisas, a sociedade brasileira terá o retorno dos resultados terapêuticos que já

se apresentam como altamente promissores134.

Diante do exposto, houve a ADI 3510, datada de 31 de Maio de 2005, na

qual o Procudor-Geral da República, Cláudio Lemos Fonteles, pleiteou a declaração

de inconstitucionalidade do artigo 5o, caput e parágrafos, da Lei 11.105/2005, que

autorizou, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco

embrionárias.

O Procurador sustentou que a autorização para a pesquisa com as

células-tronco embrionárias ofenderia o direito à vida e à dignidade da pessoa

humana. Argumentou que a vida humana acontece na, e a partir da, fecundação, e

que o zigoto é constituído por uma única célula que é totipotente e, sendo assim, é

capaz de formar todos os tecidos, constituindo-se em ser humano único e irrepetível.

Concluiu, então, o Procurar que o artigo 5o da referida Lei inobserva a inviolabilidade

do direito à vida porque o embrião humano é vida humana, e faz ruir fundamento

maior do Estado democrático de direito, que radica na preservação da dignidade da

pessoa humana.

Diante disso, o Procurador-Geral pediu a declaração de

inconstitucionalidade do artigo 5o da Lei 11.105/2005.

134 Emerick, Maria Celeste; Montenegro, Karla B.M; Degrave, Wim.Novas tecnologias na Genética Humana: avanços e impactos para a saúde.Rio de Janeiro, 2007.Projeto Ghente; p. 201.

69

CAPÍTULO V

O objetivo desse capítulo, em face da problemática do tema em análise,

diante de valores religiosos, filosóficos e éticos, é retratar a posição dos Ministros do

STF que, por maioria de votos, julgou improcedente o pedido formulado na Ação

Direta de Inconstitucionalidade 3510 pelo Procurador- Geral da República, Cláudio

Lemos Fonteles, conforme será exposto.

Decisões Judiciais do STF relativas ao uso de células-tronco embrionárias

O Tribunal, por maioria de votos, julgou improcedente o pedido

formulado na ADI 3510 formulado pelo Procurador-Geral da República contra o

artigo 5oda Lei 11.105/05 que permite, para fins de pesquisa e terapia, a utilização

de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por

fertilização in vitro e não usados no respectivo procedimento, e estabelece

condições para essa utilização.

1. Posição favorável à aplicação do artigo 5o da Lei 11.105/05

No julgamento da ADI 3510 prevaleceu o voto do Ministro-relator Carlos

Ayres Britto, que julgou improdecente referida ADI. Ele evidenciou que o artigo

70

impugnado seria um bem concatenado bloco normativo, o que contribuiria para o

desenvolvimento de linhas de pesquisa científica das supostas propriedades

terapêuticas de células extraídas de embrião humano in vitro. O Ministro esclareceu

que as células-tronco embrionárias são capazes de originar todos os tecidos de um

indivíduo adulto, e isso constituiria tipologia celular que ofereceria melhores

possibilidades de recuperação de saúde de pessoas físicas ou naturais em

situações de anomalias ou graves incômodos genéticos. Ele também afirmou que as

pessoas físicas ou naturais seriam apenas as que sobrevivem ao parto, dotados de

personalidade civil, e que quando a Constituição Federal se refere à “dignidade da

pessoa humana” ( artigo 1o ,III), “ direitos da pessoa humana”(artigo 34, VII, b) e “

direitos e garantias individuais”( artigo 60, § 4o IV) estaria falando de direito e

garantias do indivíduo-pessoa; logo, a Constituição não faria de todo e qualquer

estágio da vida humana um autonomizado bem jurídico, mas da vida que já é própria

de uma concreta pessoa.

O relator também reconheceu que o princípio da dignidade da pessoa

humana admitiria transbordamento, e que no plano da legislação infraconstitucional

esse princípio alcançaria a proteção de tudo que se revelasse como o próprio início

e continuidade de um processo que desaguasse no indivíduo-pessoa. Ele aduziu

que a lei de Biossegurança se refere a embriões derivados de uma fertilização

artificial, obtida fora da relação sexual, e o emprego de células-tronco embrionárias

para os fins a que ela se destina, não implicaria aborto.

O Ministro Carlos Britto acrescentou que, com base no artigo 226 da

Carta Magna, o casal que recorre a técnicas de reprodução assistida não tem o

dever jurídico de aproveitar todos os embriões eventualmente formados e

geneticamente viáveis. Ele também lembrou que se a lei ordinária permite fazer

coincidir a morte encefálica com a cessação da vida humana, e se o embrião

humano de que trata o artigo 5º é um ente absolutamente incapaz de qualquer

resquício de vida encefálica, a afirmação de incompatibilidade do artigo 5º com a

Constituição haveria de ser afastada.

71

Por fim, o Ministro conclui seu voto evocando o direito à saúde e à livre

expressão da atividade científica.135

Seguindo o mesmo voto do Ministro-relator Carlos Britto, a Ministra Ellen

Gracie acrescentou que após verificar um significativo grau de razoabilidade e

cautela no tratamento normativo dado à matéria debatida, não via qualquer ofensa à

dignidade humana na utlização de pré-emrbiões inviáveis ou congelados há mais de

três anos nas pesquisas de células-tronco que não teriam outro destino que não o

descarte. A Ministra também destacou a plena aplicabilidade do princípio utilitarista,

segundo o qual deve ser buscado o resultado de maior alcance com o mínimo de

sacrifício possível, e que o aproveitamento, nas pesquisas científicas com células-

tronco, dos embriões gerados no procedimento de reprodução humana assistida é

infinitamente mais útil e nobre do que o descarte vão dos mesmos.136

Para a Ministra Carmén Lúcia, que também julgou improcedente a ADI

3510, a lei estabelece limites e imposições às pesquisas, impedindo que direitos

constitucionais sejam violados. Ela observou que a norma poderia ser ainda mais

específica quanto ao controle de pesquisas, impondo um maior rigor legislativo para

os estudos.

Na sua concepção, as pesquisas com células-tronco emrbionárias

garantem o cumprimento do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana

que está na base da estrutura da República Federativa do Brasil e se estende para

além do indivíduo, alcançando toda a espécie humana e todos os que vierem a

nascer.

Seguindo o mesmo raciocínio do Ministro Carlos Britto, a Ministra citou

que tais estudos científicos só podem ser realizados com células embrionárias, uma

vez que estas podem gerar qualquer tecido humano. Ela também lembrou que a Lei

11.105/05 só permite a utilização de embriões que têm baixíssimo potencial de vida.

135 ADI 3510, rel. Min. Carlos Britto, 28 e 29.05.08. Informativo 508 (Lei de Biossegurança 6, 7 e 8). <http://www.stf.gov.br/notícias>. Acesso em 16-08-09. 136 ADI 3510, rel. Min. Carlos Britto, 28 e 29.05.08, <http://www.stf.gov.br/notícias>. Acesso em 16-08-09.

72

A Ministra corroborou aquilo que a Ministra Ellen Gracie expôs, no sentido

de que o embrião que não vier a ser implantado no útero de uma mulher, será

descartado. Para Carmén Lúcia, isso equivaleria a transformar esses embriões em

um “lixo genético”, negando-lhes a possibilidade de serem utilizados para garantir a

“dignidade da vida humana” por meio de pesquisas com potencial para descobrir o

tratamento e talvez até mesmo a cura para doenças que até pouco tempo eram

consideradas incontornáveis, como diabetes, Alzheimer e Parkinson. A Ministra

também ressaltou que o direito à vida deve ser interpretado e aplicado de forma

integrada com outros princípios constitucionais, e que o caso em questão não

guarda relação com o aborto.137

O Ministro Marco Aurélio também votou pela constitucionalidade do artigo

5o da lei em questão. Ele observou que as discussões acerca do início da vida

humana não passam de opiniões, existindo várias concepções sobre embrião e feto.

Para ele, o incício da vida não pressupõe só a fecundação, mas a viabilidade da

gravidez. O Ministro também lembrou que a proteção que a Constituição Federal dá

à vida humana é discutível, uma vez que se considera o aborto terapêutico ou o

aborto de filho gerado com violência.

Compartilhando das mesmas ideias da Ministra Ellen Gracie e Carmén

Lúcia, o Ministro afirmou que as pesquisas serão realizadas com células-tronco

embrionárias produzidas in vitro consideradas inviáveis para a reprodução humana

e, portanto descartáveis, às quais não está reservado outro destino que não o lixo.

Diante disso, ele conclui que seria egoísmo jogar no lixo embriões que poderiam ser

usados para pesquisar a cura de diversas doenças.

Segundo o voto do Ministro-relator Carlos Brittos, o Ministro afirmou que

não se pode obrigar um casal a ter um número de filhos equivalentes àquele de

embriões produzidos in vitro, quando o casal já tiver obtido desse proceso o número

de filhos que desejava.138

137 ADI 3510, rel. Min. Carlos Britto, 28 e 29.05.08, <http://www.stf.gov.br/notícias>. Acesso em 16-08-09. 138 ADI 3510, rel. Min. Carlos Britto, 28 e 29.05.08, <http://www.stf.gov.br/notícias>. Acesso em 16-08-09.

73

O Ministro Celso de Mello acompanhou integralmente o voto do Ministro-

relator Carlos Britto e julgou improcedente o pedido formulado na ADI 3510. Ele

destacou ser vedado ao Estado o exercício de sua atividade com apoio em

princípios teológicos e lembrou que o direito não se submete à religião.

Com relação ao início da vida, para o Ministro não são questões

científicas e biológicas, mas filosóficas e morais, definidas arbritrariamente pela

legislação de cada país, em consonância com os sotumes e com a cultura da

população. Para ele, o desenvolvimento embrionário ocorre com a fecundação;

porém, o embrião não é um ser humano em potencial.

O Ministro, confirmando aquilo que a Ministra Carmén Lúcia já havia dito,

lembrou que as células embrionárias obtidas de embriões congelados não é aborto,

uma vez que no aborto há vida no útero que só será interrompida por intervenção

humana, enquanto que no embrião congelado não há vida se não houver

intervenção humana.

Celso de Mello, em seu voto, também mencionou o fato de haver milhões

de brasileiros que sofrem e se acham postos à margem da vida, e que poderiam ser

beneficiados pelas pesquisas com células embrionárias, e assim, ter o direito de

viver com dignidade.139

O Ministro Joaquim Barbosa, seguindo os votos dos Ministros supra

mencionados, também votou pela improcedência da ADI 3510.

139 ADI 3510, rel. Min. Carlos Britto, 28 e 29.05.08, <http://www.stf.gov.br/notícias>. Acesso em 16-08-09.

74

2.Posição desfavorável à aplicação do artigo 5o da Lei 11.105/05

O Ministro Eros Grau declarou a constitucionalidade do disposto no artigo

5o e parágrafos da Lei 11.105/05, estabelecendo, no entanto, em termos aditivos,

alguns requisitos, a serem atendidos na aplicação dos preceitos. Para ele, a

pesquisa e terapia mencionadas no caput do artigo 5º deveriam ser empreendidas

unicamente se previamente autorizadas por Comitê de Ética e pesquisa do

Ministério da Saúde, e não apenas das próprias instituições de pesquisa e serviços

de saúde.

Ele acrescenta que a fertilização in vitro prevista na lei corresponde a

terapia de infertilidade humana adotada exclusivamente para fim de reprodução

humana, sendo admitida a fertilização de um número máximo de quatro óvulos por

ciclo, e a redução e o descarte de óvulos fecundados seriam vedados. E outro ponto

que o Ministro faz ressalva é na questão de obtenção de células-tronco a partir de

óvulos fecundados ou produzidos por fertilização: deveria ser admitida comente

quando dela não decorresse a sua destruição, salvo quando se tratasse de óvulos

fecundados inviáveis, hipótese na qual poderia ser praticado qualquer método de

extração de células-tronco.140

O Ministro Cezar Peluso julgou improcedente o pedido, mas ressaltou que

dava interpretação conforme à Constituição aos artigos relativos aos embriões na Lei

de Biossegurança. Ele ressalvou que a autorização exclusiva de uso de células-

tronco embrionárias em pesquisas deveria ser para fins exclusivamente terapêuticos,

e não como dispôs a lei, que acrescenta a finalidade de “ pesquisa” também.

140 ADI 3510, rel. Min. Carlos Britto, 28 e 29.05.08. Informativo 508 (Lei de Biossegurança 9). <http://www.stf.gov.br/notícias>. Acesso em 16-08-09.

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O Ministro asseverou que os membros dos Comitês de Ética em Pesquisa

e os das própria Comissão Nacional de Ética em Pesquisa deveriam se submeter ao

tipo penal do artigo 319 do Código Penal, sem prejuízo de incorrerem nas penas

previstas na Lei de Biossegurança. Ele também reputou indispensável submeter as

atividades de pesquisas ao crivo reforçado de outros órgãos de controle e

fiscalização estatal.141

Já o Ministro Menezes Direito, declarou parcialmente a

inconstitucionalidade do artigo 5o da Lei 11.105/05, sem redução do texto,

entendendo que as células-tronco embrionárias sejam obtidas sem a destruição do

embrião, e a expressão “pesquisa”, ser entendida como pesquisa básica voltada

para o estudo dos processos de diferenciação celular e pesquisas com fins

terapêuticos.

O Ministro também resslavou que a fertilização in vitro seja entendida

como modalidade terapêutica para cura de infertilidade do casal, devendo ser

empregada para fins reprodutivos, na ausência de outras técnicas, vedado o

descarte de embriões, independentemente de sua viabilidade, devendo tudo ser

submetido ao controle e fiscalização de órgão federal. Para ele, a expressão

“embriões inviáveis” deveria ser considerada como referente àqueles insubsistentes

por si mesmos, ou seja, tiveram seu desenvolvimento interrompido por ausência

espontânea de clivagem.

Já com relação aos embriões congelados, referido Ministro, ao proferir

seu voto, propôs que deveriam ser embriões congelados há 3 anos ou mais, na data

da publicação da lei, e que com o consentimento prévio e expresso dos genitores,

somente poderiam ser retiradas células-tronco por meio que não cause sua

destruição. Outro ponto que o Ministro Menezes Direito ressaltou foi o fato das

instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizam pesquisa com células

141 ADI 3510, rel. Min. Carlos Britto, 28 e 29.05.08. Informativo 508 ( Lei de Biossegurança 10). <http://www.stf.gov.br/notícias>. Acesso em 16-08-09.

76

embrionárias deverem submeter, previamente, seus projetos também à aprovação

de órgão federal.142

Já o Ministro Ricardo Lewandowski, seguindo os votos e as reservas dos

Ministros Cezar Peluso e Menezes Direito, julgou procedente em parte a ação.

Porém, ele acrescentou a ressalva que as pesquisas com esse tipo de célula

somente poderiam recair sobre embriões inviáveis ou congelados logo após o início

do processo de clivagem celular, sobejantes de fertilização in vitro realizadas com o

fim único de produzir zigotos para a reprodução assistida de mulheres inférteis.143

E, por fim, o Ministro Gilmar Mendes, Presidente, declarou a

constitucionalidade do artigo 5º da Lei de Biossegurança, desde que seja

interpretado no sentido de que a permissão de pesquisa e terapia com células-

tronco embrionárias, obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in

vitro, deve ser condicionado à prévia autorização e aprovação do Comitê Central de

Ética e Pesquisa, vinculado ao Ministério da Saúde.144

Diante desse quadro apresentado, fica claro que a ADI 3510 foi julgada

improcendente, muito embora não houve um consenso entre os Ministros do STF,

ante a complexidade do tema.

142 ADI 3510, rel. Min. Carlos Britto, 28 e 29.05.08. Informativo 508 (Lei de Biossegurança 11). <http://www.stf.gov.br/notícias>. Acesso em 16-08-09. 143 ADI 3510, rel. Min. Carlos Britto, 28 e 29.05.08. Informativo 508 (Lei de Biossegurança 12). <http://www.stf.gov.br/notícias>. Acesso em 16-08-09. 144 ADI 3510, rel. Min. Carlos Britto, 28 e 29.05.08. Informativo 508 (Lei de Biossegurança 13). <http://www.stf.gov.br/notícias>. Acesso em 16-08-09.

77

CAPÍTULO VI

CONCLUSÃO FINAL

Conforme dispõe a Declaração Universal dos Direito Humanos, todo

homem nasce livre e igual em dignidade e em direitos, e pode invocar os direitos

humanos fundamentais aos quais faz jus pelo fato de ser um ser humano. Os

direitos fundamentais são aqueles indispensáveis à condição humana; são direitos

básicos e fundamentais, como o próprio nome diz. São os direitos positivamente

vigentes em uma ordem constitucional que trazem a concepção de dignidade

humana de uma sociedade. Já os direitos humanos são aquelas cláusulas básicas,

superiores e supremas que todo indivíduo deve ter em face da sociedade em que

está inserido.Também conhecidos como liberdades públicas de 1ª geração, os

direitos humanos fundamentais possuem dois sustentáculos primordiais: dignidade

da pessoa humana e limite de atuação do Estado.

A dignidade da pessoa humana atrai todos os direitos fundamentais para

si, sendo todo o ordenamento jurídico brasileiro baseado nesse princípio. Deve ser

reconhecido acima de qualquer outro fundamento. Ela está ligada a valores morais

intrísecos do ser humano e se manifesta instantaneamente com a vida, cabendo ao

Estado assegurar às pessoas o mínimo necessário. A dignidade da pessoa humana

significa que o homem é o centro, sujeito, fundamento e fim de toda a atividade

pública; ou seja, o indivíduo é o limite e o fundamento do Estado.

Para Kant, a dignidade da pessoa humana significa dizer que o homem

deve ser reconhecido como fim em si mesmo e não simplesmente como meio. Para

ele, a dignidade humana reside no fato de a pessoa não poder ser mensurada, não

78

se lhe podendo opor um preço, o que poderia acarretar-lhe uma possível

equivalência com outra coisa.

O princípio da dignidade da pessoa humana é considerado o mais

importante fundamento constitucional da República porque agrega em si todos os

direitos humanos e constitui seu principal fundamento estando previsto no artigo 1ª,

III, Constituição Federal.

É diante do contexto da importância que a dignidade da pessoa humana

tem numa sociedade, que a questão sobre as pesquisas com células-tronco

embrionárias surge. Para melhor compreensão do tema, é necessário tecer breves

comentários sobre o momento que a vida humana se inicia.

Apesar de haver vários enfoques científicos, jurídicos e religiosos acerca

desse ponto, até hoje a questão remanesce opinativa e controvertida, seja do ponto

de vista jurídico, seja do biológico. Acredito que a vida começa imediatamente após

a fecundação, com a fixação do óvulo no útero, quando inicia o desenvolvimento do

embrião e contém todo seu programa de vida, no sentido de se tornar um ser

humano. A partir desse momento, o emrbião viável, ou seja, aquele bom para a

utilização na reprodução assistida (fertilização in vitro) adquire personalidade jurídica

formal, no que atina aos direitos personalíssimos. Logo, já é considerado vida

humana, e portanto, deve lhe ser assegurado a inviolabilidade da vida e,

consequentemente, de sua dignidade.Isso implica em dizer que, em embriões tidos

como viáveis e cujo destino seráo nascimento com vida, a pesquisa com células-

tronco embrionárias ultrapassaria barreiras, afetando a vida e a dignidade daquele

embrião, uma vez que o usaria em pesquisas, ou seja, como um mero instrumento.

Entretanto, a Lei de Biossegurança foi bem clara ao considerar apenas os

embriões resultado de fertilização in vitro que são inviáveis e os congelados hà três

anos. Na prática, há fecundação de vários óvulos para manter o banco próprio para

fazer frente ao insucesso da inseminação. Os óvulos que cobram acabam

desprezados, e serão descartados, já que dificilmente os genitores irão implantá-los

em terceira pessoa.

79

Então, quer pela passagem do tempo sob o estado de congelados, quer

considerada a decisão dos genitores, esses embriões nunca virão a se desenvolver

e se transformar em feto; os embriões serão descartados de qualquer modo.

Logo, se os embriões não viverão porque não serão objeto de

implantação no útero materno, ou por serem inviáveis ou por terem sido congelados

além do tempo previsto na Lei, não há que se falar em vida, e consequentemente,

em dignidade humana.

Por um lado, pode-se considerar que a pesquisa com células-tronco

embrionárias promove a dignidade humana na medida que promove a vida das

pessoas potencialmente beneficiárias da pesquisa. O objetivo do artigo 5ª da Lei

11.105/2005 é de avançar no campo científico para preservar o fundamento da

dignidade da pessoa humana, para devolver às pessoas acometidas de doenças ou

que estão tetraplégicas etc uma vida útil razoavelmente satisfatória.

É de bom alvitre ressaltar que os Comitês de Ética sobre o assunto são

fundamentais na medida que fiscalizam as pesquisas e verificam se não estão

tomando outros rumos contrários à lei e à ética.

Contudo, somente o tempo dirá se as esperanças se concretizarão e se

os conhecimentos obtidos a partir do estudo das células-tronco embrionárias

servirão para o tratamento de patologias graves. De toda forma, só há possibilidade

de saber se as pesquisas se realizarem e se houver um rigoroso acompanhamento

ético nos procedimentos, ou seja, haver uma liberdade de pesquisa científica, de

maneira responsável, observando sempre preceitos éticos.

Como pôde ser observado, o próprio Supremo Tribunal Federal foi a favor

do uso de células-tronco embrionárias com a finalidade de estudo e terapia.

Diante de todos esses argumentos apresentados, entendo não haver

violação do princípio da dignidade da pessoa humana nas pesquisas com células-

80

tronco embrionárias; mas não podemos esquecer que esta é uma questão

eticamente delicada, e ainda remanescem opiniões divergentes.

81

CAPÍTULO VII

BIBLIOGRAFIA

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