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547 Educ. Real., Porto Alegre, v. 36, n. 2, p. 547-567, maio/ago. 2011. Disponível em: <http://www.ufrgs.br/edu_realidade> Infantia: entre a anterioridade e a alteridade Maria Cristina Soares Gouvêa RESUMO – Infantia: entre a anterioridade e a alteridade. A infância tem sido fartamente documentada e estudada ao longo do século XX, à luz de uma perspectiva marcadamente etapista e evolucionista, sendo apreendida como período de construção da racionalidade adulta. Busca-se, neste texto, avaliar tal concepção, aqui nomeada como anterioridade da infância, apontando elementos para repensar a criança, em sua alteridade em relação ao adulto. A partir do diálogo com autores de diferentes campos do conhecimento, tem-se em vista resgatar a singularidade das formas de significação e de inserção social da criança. Palavras-chave: Infância. Alteridade. Significação. ABSTRACT – Childhood: between the anteriority and singularity. Childhood had been documented and studied during the XX century, according to an evolutionary perspective that considered it as the period of adult rationality origin. In this paper we intend to analyze this conception, named the anteriority of childhood, discussing some elements that indicates an rethinking about children specificity. In this sense, in dialo- gue with authors from differents knowledge fields we try to discuss the singularity of the symbolical expressions and social participations of the child Keywords: Childhood. Singularity. Acts of Meaning.

Infância

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  • 547Educ. Real., Porto Alegre, v. 36, n. 2, p. 547-567, maio/ago. 2011.Disponvel em:

    Infantia: entrea anterioridade

    e a alteridadeMaria Cristina Soares Gouva

    RESUMO Infantia: entre a anterioridade e a alteridade. A infncia tem sidofartamente documentada e estudada ao longo do sculo XX, luz de uma perspectivamarcadamente etapista e evolucionista, sendo apreendida como perodo de construoda racionalidade adulta. Busca-se, neste texto, avaliar tal concepo, aqui nomeadacomo anterioridade da infncia, apontando elementos para repensar a criana, em suaalteridade em relao ao adulto. A partir do dilogo com autores de diferentes camposdo conhecimento, tem-se em vista resgatar a singularidade das formas de significao ede insero social da criana.

    Palavras-chave: Infncia. Alteridade. Significao.

    ABSTRACT Childhood: between the anteriority and singularity. Childhoodhad been documented and studied during the XX century, according to an evolutionaryperspective that considered it as the period of adult rationality origin. In this paper weintend to analyze this conception, named the anteriority of childhood, discussing someelements that indicates an rethinking about children specificity. In this sense, in dialo-gue with authors from differents knowledge fields we try to discuss the singularity ofthe symbolical expressions and social participations of the child

    Keywords: Childhood. Singularity. Acts of Meaning.

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    Essa bruma insensata em que se agitam sombras, como eu poderia clare-la(Queneau, 2008, p. 13).

    Infante, em sua raiz etimolgica, significa: aquele que no sabe falar. Areferncia linguagem tambm se encontra na etimologia da palavra brbaro:aquele que emite sons no-humanos. possvel, pois, pensar a alteridade,tendo a linguagem como sinal da diferena, expressa pelos outros, os ditosselvagens e as crianas. A suposta ausncia da fala, ou sua desarticulao,definiria as possibilidades e limites do humano1.

    A humanidade constitui-se na e atravs da linguagem. Ao longo da histriada espcie, ao produzir e partilhar signos, os homens ultrapassaram o domnioda natureza e fizeram-se produtores de cultura. Fez-se humanidade e o homem,animal simblico.

    Ao longo da histria individual, ao tomar posse da linguagem, a crianafaz-se produtora de cultura, informando suas experincias e partilhando valo-res sociais atravs das mltiplas linguagens. Talvez o momento mais importan-te da histria do indivduo ocorra nesta passagem, ao tornar-se signo entresignos, transcendendo a natureza, ultrapassando o espao imediato e o tempopresente. No dizer de Agamben (2005, p. 60),

    [...] ns no encontramos jamais o homem separado da linguagem e no ovemos jamais no ato de invent-la. um homem falante que ns encontramosno mundo, um homem que fala a um outro homem e a linguagem ensina aprpria definio do homem. na linguagem e atravs da linguagem que ohomem se constitui como sujeito.

    Como sujeito de cultura e na cultura, a criana apropria-se da linguagem apartir de seu lugar social, definido pela condio infantil. Essa condio social-mente faz dela o outro2, representado como marcado pela incapacidade da com-preenso e do uso da linguagem adulta.

    Ao mesmo tempo, o dito primitivo ir ser remetido a uma relao diversacom o mundo, produtor e produto de uma cultura diferenciada. Os demaispovos so irredutveis em sua diferena, na construo e no uso de signosdiversos para significar o mundo. Ser, portanto, a alteridade que ir definir oscontornos da relao do adulto ocidental, com estes sujeitos, quer seja a crian-a, quer sejam os povos ditos primitivos.

    Recentemente, a investigao da alteridade da infncia vem sendo desen-volvida pelos chamados estudos da infncia (childhood studies), que vmproduzindo um novo olhar sobre a criana em distintos campos disciplinares.Busca-se, neste artigo, no dilogo com os referenciais que baseiam tais estu-dos, caracterizar a alteridade da infncia, resgatando a singularidade de suasformas de expresso. Para realizar tal trabalho, cabe, inicialmente, resgatar opercurso de constituio de um novo olhar sobre a criana, bem como recupe-rar os principais conceitos que definem essa produo.

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    A Constituio de Estudos sobre a Infncia

    Sendo nossa vida to pouco cronolgica... (Proust, 1976, p. 127).

    Na produo histrica da modernidade, emerge como central o apagamen-to da alteridade, a apreenso das diferenas culturais como etapas evolutivasque teriam seu pice na cultura das sociedades ocidentais. Foi, principalmente,a partir do sculo XIX que as ideias de progresso e de evoluo serviram deeixo explicativo para compreenso das diferenas no apenas culturais, mas,tambm, sociais, raciais3 e geracionais. A diferena foi analisada, ento, comoexpresso da inferioridade, no interior de um processo evolutivo universal,unilinear e etapista4.

    Os sujeitos opostos das relaes sociais: os povos ditos primitivos, ospobres e as crianas foram reduzidos a representantes de um estgio inferior daevoluo humana, a serem submetidos lgica e cultura superiores, de ma-neira a superar sua menoridade constitutiva. Tal paradigma referenciou a cons-tituio da cincia antropolgica, na tentativa de compreender e de significar adiferena. De incio, a chamada antropologia evolucionista tomou as outrasculturas como expresso de um momento da histria humana, j superada pelassociedades ocidentais. Entendia-se que os povos ditos primitivos seriam infe-riores (cognitiva, afetiva e simbolicamente) em relao s sociedades ociden-tais contemporneas.

    Ao longo do processo de consolidao da disciplina, a alteridade foiressignificada. As outras culturas passaram a ser apreendidas como produto-ras de formas diversas de significar o mundo e express-lo em suas prticassimblicas5, superando-se o referencial evolucionista.

    Se o conceito de alteridade permitiu antropologia novas formas de inves-tigao e outra concepo do seu objeto de conhecimento, ele invade-nos aopensar a questo da infncia. A alteridade indica-nos a problematizao dascategorias cientficas que historicamente construmos para compreender e atu-ar junto criana.

    A infncia, por um lado, remete-nos a um estranhamento, a uma relaocom o mundo marcada pela diferena em relao ao adulto. Por outro, ela cons-titui a gnese da vida adulta, como to bem nos ensinou Freud. A alteridade dainfncia no absoluta, o outro habita em ns, nos constitui e se pronuncia,atravs da memria, remetendo-nos a um passado que ainda persiste e insiste.Entre o desconhecimento e a profunda identificao, situamo-nos em relao infncia, tentamos compreend-la, signific-la.

    No interior do campo cientfico, a psicologia afirmou-se historicamente comoespao privilegiado de produo de conhecimento sobre a infncia, informandoas prticas de cuidado e de socializao da criana. Porm, a criana foi apreendi-da a partir do adulto, sendo o processo de desenvolvimento da criana entendidocomo aquisio de competncias referidas ao modo de conhecimento adulto

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    (James, 2003). Tal perspectiva caracteriza, por exemplo, a obra piagetiana, cujoobjeto de conhecimento nunca foi a propriamente a criana, mas os processos deconstruo do conhecimento do adulto ocidental6. O autor incorporou em suateoria uma viso evolucionista do desenvolvimento humano em que os estgiosrepresentariam momentos de construo progressiva de estruturas lgicas queculminariam na racionalidade adulta7. No dizer de Piaget (1991, p. 11),

    [...] da mesma forma que um corpo est em evoluo at atingir um nvelrelativamente estvel, caracterizado pela concluso do crescimento e pelamaturidade dos rgos, tambm a vida mental pode ser concebida como evo-luindo em direo de uma forma de equilbrio, final, representada.

    Cabe, no entanto, ressaltar que, por um lado, ao compreender as estruturascognitivas da criana como qualitativamente diferentes das estruturas cognitivasdo adulto (e no quantitativamente), Piaget deu enorme contribuio para a cons-truo de uma viso da alteridade da infncia. Por outro, a hegemonia do referencialpiagetiano no estudo da criana conferiu legitimidade a uma perspectiva finalistae etapista, muitas vezes absolutizando-a. Por fim, com suas pesquisas, Piagetcontribuiu para um apagamento de uma abordagem interdisciplinar quando setrata de estudos sobre o desenvolvimento da criana, bem como de perspectivaspsicolgicas diferenciadas no tratamento do tema, presentes em autores comoWallon, Vygotsky e, mais recentemente, Bruner.

    Com isso, a anlise das produes simblicas infantis, expresso de umaestrutura cognitiva diversa, sofreu tambm um apagamento. Deixamos deapreend-las em sua complexidade irredutvel, reduzindo-a a manifestaes deum pensamento ainda em construo. Nesse sentido, como nos indica Larrosa(2001, p. 284), a infncia significada como futuro, aquele que nos remete ao jpreviamente conhecido, o adulto, e no como porvir, como acontecimento queanuncia outras possibilidades de construo: [...] a criana no antiga nemmoderna, no est nem antes nem depois, mas agora, atual presente. Seu tempono linear, nem evolutivo, nem gentico, nem dialtico, nem sequer narrativo.

    A linguagem infantil, por exemplo, fica reduzida a uma expresso ingnua,ou graciosa em sua menoridade, preparatria para a fala adulta. Enxergamosnessa construo no sua complexidade, sua sofisticao semntica e sintti-ca, mas a reduzimos a um futuro j determinado e traado: a linguagem adulta.Porm, nos ltimos anos, vem se afirmando uma perspectiva diferenciada decompreenso da infncia. Essa perspectiva no fica mais restrita aos domniosda psicologia, mas definida por um recorte multidisciplinar. Como afirma James(2003, p. 27): [...] precisamente devido a sua complexidade a compreenso dainfncia no pode ser apreendida como o recurso a um nico campoepistemolgico e disciplinar. Como fenmeno complexo, o estudo da infnciademanda um referencial interdisciplinar.

    O alargamento dos referenciais disciplinares de estudo da infncia deter-minou a produo de um novo arcabouo terico conceitual8. Verifica-se a

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    conformao de uma histria da infncia9, de uma antropologia da infncia10, deuma filosofia da infncia11 e, principalmente, de uma sociologia da infncia, coma frutfera construo de novos conceitos que superam uma anlise evolutiva.Tais campos, ao mesmo tempo em que se ancoram nos referenciais epistmicosdas distintas disciplinas, vem estabelecendo intersees e transversalidades,buscando apreender a infncia como fenmeno social. No escopo deste artigo,busco fundamentar minha reflexo preponderantemente na sociologia da infn-cia, resgatando os conceitos centrais de tal produo e utilizando-os no exerc-cio de caracterizao da alteridade da infncia, bem como procuro dialogar comcontribuies de outros campos.

    Uma primeira distino impe-se ao buscar uma redefinio da infncia.Usamos indiscriminadamente os termos infncia e criana, tomando-os comoequivalentes. Qvroutrup (1994) prope o que define como um modelo estrutu-ral de estudo da infncia. Essa categoria, a semelhana de outras categoriassociais, como gnero, raa e insero social, atravessaria as diferentes socieda-des, estruturando-as. No caso da infncia, os determinantes biolgicos infor-mam uma universalidade. Porm, cada sociedade, historicamente, produziu co-nhecimentos diferenciados sobre a infncia, que levaram construo de espa-os sociais distintos, destinados criana. Nesse sentido, o autor toma a infn-cia como o espao social que recebe a criana, em seu nascimento, inserindo-a na cultura. Qvroutrup destaca que a infncia, como estrutura, ir atuar sobreos sujeitos concretos, crianas, produzindo lugares e prticas sociais que iroinformar sua experincia.

    No entanto, a criana no constitui um depositrio passivo dessa estrutura.Ela exerce uma atuao (agency) na vida social. No dizer de Homing (2009, p. 69),

    [...] a infncia uma ordem simblica de conhecimento e a criana um atorsocial. Tal distino torna possvel apreender a relao entre adultos e crianase a ao concreta das crianas, numa perspectiva desnaturalizante [...] emoutras palavras, trata-se da ligao entre relaes geracionais e membrosgeracionais.

    Mas como entender o status de agente social da criana? Como a crianaatua no interior dessa estrutura? Para William Corsaro, atravs de uma apropria-o ativa da cultura, processo que o autor denomina como reproduointerpretativa, que as crianas, coletivamente, atribuem significado ao mundo,a partir de seu lugar social. Nesse processo, constroem uma cultura especfica,a cultura infantil, a partir da cultura mais ampla e do dilogo com essa cultura.De acordo com Corsaro,

    [...] o termo interpretativo captura o carter inovador e criativo da participao dacriana na sociedade, atravs de sua insero na cultura de pares, apropriando-secriativamente das informaes que recebe do mundo. O termo reproduo capturaa ideia de que a criana no simplesmente internaliza a sociedade e a cultura, masativamente contribui para sua produo e transformao (1997, p. 18).

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    A partir desses referenciais, possvel refletir sobre a cultura infantil, dis-cutindo suas caractersticas, como processos singulares de construo doconhecimento e de significao do mundo, que tm na infncia o tempo e oespao de produo ou a fonte de narrao. E qual seria a singularidade dacultura infantil? Para Manuel Sarmento (2004, p. 22), [...] as culturas da infn-cia exprimem a cultura societal em que se inserem, mas fazem-no de mododistinto das culturas adultas, ao mesmo tempo em que veiculam formas especi-ficamente infantis de inteligibilidade, representao e simbolizao do mundo.

    Com base nessa apreenso da alteridade da infncia, busco agora analisarsuas formas de inteligibilidade. A crtica a uma perspectiva essencialista e etapistado desenvolvimento da criana no significa negar a singularidade das suasestratgias de significao do mundo, mas indica a possibilidade de apreend-las como construo social, o que demanda um referencial interdisciplinar.

    A Linguagem dos Sem Fala

    Quando uso uma palavra disse Humpty Dumpty num tom zangado elasignifica exatamente o que eu quero que ela signifique - nem mais nem menos.A questo, disse Alice, se voc pode fazer as palavras significaremtantas coisas diferentes. A questo disse Humpty Dumpty saberqual o significado mais importante isto tudo. Alice estava muito intrigadapara dizer qualquer coisa (Caroll, 1982, p. 52).

    Definida pela ausncia da fala, na linguagem que a criana se faz sujeito,permitindo que suas experincias sejam subjetivadas, significadas e comparti-lhadas. A criana o faz a partir de um sistema de signos cuja objetividade impe-se experincia, ao mesmo tempo em que a modela. Na aprendizagem da lingua-gem, a criana introjeta a estabilidade, fixidez e rigidez dos signos. S possveltraduzir e comunicar a experincia individual fazendo uso de signos convenci-onais e arbitrrios. Contudo, mais do que expresso de uma vivncia, ou pensa-mento, a linguagem informa a experincia, inscrevendo-a e circunscrevendo-ano interior de um repertrio cultural, expresso nos signos lingusticos. Ao fazeruso desses signos, a criana, na interao cotidiana, introjeta as categorias deapreenso do mundo. Como afirma Agamben (2005, p. 56): [...] na linguagemque o sujeito tem sua origem e o seu lugar prprio, apenas na linguagem e pelalinguagem possvel configurar a percepo transcendental como eu penso.

    A linguagem exerce, por um lado, uma funo de representao, ao expres-sar um pensamento, uma imagem, atravs da palavra. Piaget denomina de fun-o simblica essa dimenso representativa da linguagem, manifesta tambmem outras produes, como o desenho e o jogo simblico. Segundo o autor,[...] a linguagem oral do homem no seno a principal e no nica manifesta-o de uma funo simblica mais geral (Piaget; Inhelder, 1971, p. 41 apudBanks-Leite, 1997, p. 214).

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    Nessa viso racionalista, herdeira de uma leitura kantiana, o primado est nasideias que tomam forma na linguagem. Para Granger (1976, p. 204 apud Banks-Leite,1997, p. 212), Piaget compreendia a linguagem como: [...] um comentrio ou expres-so quase transparente de um pensamento ou uma conduta. Quanto mais lgicoe elaborado um pensamento, mais complexa seria sua traduo lingustica.

    Porm, alm da funo representativa, a linguagem constitui-se como ve-culo, forma de comunicao e interao social, fator explorado por Vygotsky. Alinguagem exerce o papel de signo comunicativo, tendo sua origem no desen-volvimento social da criana, mais do que na evoluo de suas capacidadescognitivas (Rivire, 1995). a descoberta de si mesma como ser social, queconduz a criana a fazer uso da linguagem, informada pelos signos culturaispor excelncia: os signos lingusticos.

    Se esse aprendizado permite criana integrar-se no universo cultural, elafaz um uso diferenciado da linguagem convencional do adulto. Ela impe linguagem outros usos e significados, deslocando-a. A criana, tal como opoeta, brinca com as palavras, tomando a linguagem como palco de construode significados. A metfora, recurso utilizado por ambos, indica outra possi-bilidade de produo de discurso. A criana no exprime apenas um pensamen-to pela palavra, ela joga como o carter polissmico da linguagem, explorandoo deslocamento de significados, no uso da metfora.

    Assim, o discurso potico e o infantil encontram-se, ao se tomar a fala comoespao da polissemia, ao se trabalhar o signo lingustico na sua relao com outrossignos e no com um conceito que lhe seria subjacente. A linguagem deixa de serapenas representao de uma coisa, de uma ideia ausente, para ser ela mesma,objeto lingustico com o qual se brinca12. Como afirma Barthes (apud White, 1994,p. 288), [...] o texto coleo de signos dados sem relao com ideias, linguagemou estilos e que intenta definir, na densidade de todos os modelos de expressopossvel, a solido da linguagem ritual.

    Brunner vem dizer-nos de dois tipos de estruturas mentais organizadas emlinguagens. De um lado, a linguagem cientfica, voltada para a produo daverdade, atravs do uso do discurso argumentativo. De outro, o pensamentonarrativo, comprometido com a produo no da verdade, mas da verossimi-lhana. Um busca a universalidade, o outro se volta para a particularidade. Nodizer de Brunner (1997, p. 14),

    [...] o modo paradigmtico ou lgico cientfico tenta preencher o ideal de umsistema formal e matemtico de descrio e explicao. Ele emprega a categorizaoou a conceitualizao e as operaes pelas quais as categorias so estabelecidas,instanciadas, idealizadas e relacionadas umas as outras para formar um sistema.

    J o modo narrativo trata das aes e intenes humanas ou similares shumanas e das vicissitudes e das consequncias que marcam seu curso. Ela seesfora para colocar seus milagres atemporais nas circunstncias da experin-cia e localizar a experincia no tempo e no espao.

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    A linguagem infantil seria informada por uma estrutura narrativa, tendo a crianadificuldade em operar com a linguagem cientfica. interessante observar como, emsuas diferentes produes simblicas, a criana submete-as a uma narrativa, produ-zindo tempos e espaos, deslocando objetos numa relao com o real, em que esse oreal alvo de deslizamentos metafricos. Produz-se um jogo, em que a regra odeslocamento, o como se fosse. Esse jogo est alm da realidade concreta e tang-vel do mundo cotidiano, na experimentao das possibilidades da narrao.

    O Brincar como Significao do Mundo

    Poesia para ser bela tem que ter a seriedade do brincar (Barros, 1998, p. 36).

    Atividade infantil por excelncia na cultura contempornea, o brincar noconstitui privilgio da infncia, embora assuma, no adulto, outra conformao.Brincar constitui uma das aes atravs das quais simbolizamos o enigma doser humano, inserido num universo cultural. Nesse sentido, o brincar conformauma linguagem presente, tanto na criana, como no adulto. No dizer de Schiller(apud Duflo, 1999, p. 77), O homem no joga seno quando na plena acepoda palavra ele homem, e no totalmente homem seno quando joga.

    Schiller, ao discutir o sentido do jogo, analisa-o como possibilidade desuperao da oposio: razo x sensibilidade. Atravs dos jogos, o homemtranscenderia tal dicotomia. O filsofo destaca a dimenso esttica dos jogos(referindo-se aqui aos jogos adultos) que, no seu compromisso com a realiza-o do belo, iriam alm dos limites de uma racionalidade pragmtica, ao mesmotempo em que superam o concreto. possvel perceber nas brincadeiras infan-tis tal dimenso esttica, nas quais, por meio dos jogos, buscam-se o equilbrio,a perfeio, ritualizando a experincia humana.

    No brincar, a criana interroga-se sobre o mundo em que est situada e oestranha (estranhamento a condio primeira para compreenso e construo doconhecimento). Atravs da brincadeira, a criana desnaturaliza o mundo social, aotrabalhar sua estereotipia. A criana no reproduz em sua brincadeira o mundo talcomo ela o vive, mas recria-o, explorando os limites de sua construo. Comolinguagem, o brinquedo traz em si uma gramtica prpria que no constitui umarepresentao ou uma reproduo do real. A criana no pensa o mundo paraexpress-lo na brincadeira, mas o significa atravs dela. Assim que o brinquedotranscende o real, elabora as mltiplas possibilidades de sua construo

    Para Benjamin, o brincar no consiste num fazer como si, uma mimetizaodo real. Ao contrrio, o brincar propicia a construo da experincia. No dizerdo autor (Benjamin, 1984, p. 74),

    [...] antes de penetrarmos, pelo arrebatamento do amor, a existncia e o ritmofrequentemente hostil e no mais vulnervel de um ser estranho, possvelque j tenhamos vivenciado esta experincia desde muito cedo, atravs de

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    ritmos primordiais que se manifestam nestes jogos com objetos inanimadosnas formas mais simples. Ou melhor, exatamente atravs destes ritmos quenos tornamos senhores de ns mesmos.

    Nesse sentido, a ideia do brincar como reproduo do real reduz suaspossibilidades de interpretao. O brincar um domnio irredutvel da experin-cia humana. Ele constitui, em si, espao de vivncia do humano e no suainterpretao. Perec (1995, p. 14) evoca a cena do brinquedo como palco designificados, experincia do humano: [...] fui como uma criana que brinca deesconde esconde e no sabe o que mais teme ou deseja: permanecer escondidaou ser descoberta.

    O carter ldico media a ao da criana no mundo. Em suas atividades, acriana empresta-lhes um sentido que no est na objetividade dos resultados,mas no prazer da sua execuo. Prazer que vem de brincar com os objetos, osseres e a linguagem, emprestando-lhes um sentido que vai alm da realidadeimediata. A criana atribui ao que a cerca um sentido prprio, transgredindo oreal e, ao mesmo tempo, dialogando com esse real, reinventando-o.

    Nesse sentido, como apontou Vygotsky, a brincadeira constitui a atividadeatravs da qual a criana significa a cultura. Seu sentido est no nos resultadosprticos da ao, mas na ao (Leontiev, 1988). Essa ao envolve um deslocamen-to do significado dos objetos, mediado pela imaginao. Para Leontiev, no aimaginao que cria a brincadeira; a imaginao acionada no ato do brincar, nodilogo com o real, transcendendo-o. Conforme o autor (1988, p. 6), [...] o motivopara a criana no reproduzir uma pessoa concreta, mas executar a prpria aocomo uma relao com o objeto, ou seja, precisamente uma ao generalizada.Essa dimenso do brincar refora compreend-lo como interao com a cultura.Nesse sentido, a imaginao apresenta-se no exatamente como capacidade dacriana fabular, mas de extrair, das situaes cotidianas e das interaes concretas,seus elementos prototpicos que permitem significar a cultura.

    Manuela Ferreira (2004) destaca a dimenso de envolvimento mtuo dobrincar, em que os diferentes atores negociam papis, levando em considera-o as perspectivas e o papel do outro. Essa dimenso provoca, segundo aautora, o aprendizado de uma competncia social, cognitiva e cultural. Comonos indica Huizinga (2000, p. 21), citando Plato, [...] preciso tratar comseriedade aquilo que srio [...] a criana joga e brinca dentro da mais perfeitaseriedade, que a justo ttulo podemos considerar sagrada. Mas sabe perfeita-mente que o que est fazendo um jogo.

    Imitao: interao e apropriao

    Tradicionalmente, pouco consideramos a complexidade da ao imitativada criana. Ela tomada como atividade menor, passiva e no como estratgiade aprendizagem e interao social por um sujeito que a utiliza como ferramenta

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    de apreenso do mundo. A imitao fundamental para internalizao da reali-dade pela criana. Ela constitui uma ao simblica, atravs da qual a crianabusca, na repetio reconstrutora do ato adulto, apreender seu significado. Aimitao no a cpia da ao do adulto, mas sua apropriao, mediada pelaimaginao. A criana institui um nexo entre o mundo adulto e o mundo infantil,num processo de reproduo interpretativa, como indica Corsaro (1997).

    Se, por um lado, a imitao configura um mecanismo de aprendizagem edesenvolvimento, por outro, uma forma de expresso intersubjetiva (Rivire,1995). Atravs da imitao, a criana no apenas significa o mundo adulto,experimentando suas possibilidades no ato de imitar, mas tambm vivencia umainterao nesse ato. No jogo imitativo com o adulto, ela partilha o mundosocial, constri um universo comum de significaes.

    Cabe destacar, tambm, que a atividade imitativa, alm de se dirigir aooutro, representante da cultura, ela o faz na interao com os artefatos culturaishistoricamente produzidos. A criana imita o adulto na sua ao sobre os obje-tos que a circulam, internalizando seu significado, apropriando-se de tal objetoe condensando, no ato de imitar, o processo histrico de sua fabricao e uso.

    Outro aspecto a destacar-se na imitao que a criana seleciona, no atoimitativo, aquilo que ela busca compreender. Ela no imita qualquer ato, demaneira mecnica, mas seleciona, no universo adulto, aquilo de que ela querapropriar-se. Assim que, por exemplo, ao imitar a me ao falar no telefone, acriana, por um lado, compreende os usos e significados desse objeto. Mastambm, na imitao, estabelece uma interao com a me, ambas construindoe partilhando um universo comum nessa atividade imitativa. Ao imitar o adultolendo o livro, a criana o faz de maneira ativa. Ela no reproduz a ao concretada leitura adulta, mas a ressignifica, de acordo com sua compreenso do queseja o ato de ler e do seu conceito do objeto livro. Desse modo, ela l asgravuras, l de cabea para baixo, experimenta diferentes formas de interaocom esse objeto, a partir da imitao do ato adulto. Suas aes no so aleat-rias, mas significam um dilogo com a cultura humana, materializada no artefatolivro. Ento, ela reconstri, em nvel individual, o processo histrico de produ-o do artefacto. Ela apropria-se de seu significado historicamente construdo,expresso em sua materialidade.

    O processo de apropriao foi analisado por Leontiev, que o entendia como omecanismo individual de aprendizagem do repertrio cultural, na interao com oadulto. Nesse sentido, o processo de desenvolvimento individual da criana necessariamente histrico, medida que se d na interao com artefatos historica-mente produzidos. A imitao pode ser compreendida como estratgia cognitiva deapropriao da cultura humana. Como aponta Wartofsky (1999, p. 99),

    A ao humana envolve principalmente a feitura e o uso de artefactos. Eles so,pela sua prpria natureza, ou pela sua origem na produo e comunicao humanaintencional, objetos teleolgicos j providos de significado. Eles so asmaterializaes da prxis cognitiva isto a atividade conscientemente intencio-

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    nada e por isso esses artefactos ou construes humanas [...] so entes simb-licos ou representativos, entes que tambm servem como meios de cognio eprottipos de representao interna ou de pensamento imaginativo ou reflexivo.

    Tal perspectiva permite-nos enriquecer a apreenso dos processos de de-senvolvimento. No apenas, como indicaram Vygotsky e Leontiev, constituemprocessos histricos mediados por interaes sociais, mas tambm por artefa-tos, que materializam e potencializam a apropriao da cultura pelo indivduo.Assim que analisar o desenvolvimento da criana envolve tambm o estudoda relao que esta estabelece com a cultura material que a cerca13, apropriadaatravs da imitao do uso dos artefatos pelos adultos.

    A Imaginao: reproduo e criao

    Logo mais se calam, de sbito,E vo seguindo em fantasiaA viagem-sonho da heronaNo pas de assombro e magiaEm alegre charla com os bichosE creem um pouco na utopia (Caroll, 1982, p. 65).

    No ato da brincadeira, buscando compreender o universo que a cerca atra-vs da imitao, a criana desenvolve uma funo psquica fundamental: aimaginao. A imaginao, ao lado da razo, constitui um mecanismo bsico deconstruo de significados. Porm, nossa tradio cultural racionalista infor-mou uma apreenso da imaginao como caracterstica da criana ou do artistae no como processo humano inerente compreenso do mundo.

    Considera-se o recurso imaginao pela criana como resultado de umaracionalidade pouco desenvolvida. Estabelece-se uma dicotomia na anlise doprocesso de desenvolvimento que pressupe a progressiva substituio daimaginao pela razo, caracterstica do pensamento do adulto. Na verdade, aimaginao to importante no adulto como o uso da razo, ela permite exploraro novo, inventar, criar possibilidades para alm do concreto e imediato.

    Na histria da educao fez-se dominante, principalmente a partir de umaperspectiva cientificista desenvolvida no sculo XIX, uma menorizao daimaginao e mesmo a negao de sua importncia na construo do conheci-mento. Toda uma pedagogia foi edificada na crtica ao uso da imaginao notrabalho pedaggico com a criana, que impediria sua apreenso do real. Nestesentido, interessante recuperar autores da tradio romntica da filosofiaesttica que, ao final do sculo XVIII14, anunciaram uma abordagem diferencia-da, destacando a importncia da imaginao na educao da criana. Assim que poetas como Coleridge, Wordsworth e Goethe e filsofos e como Schiller(tambm poeta e teatrlogo) buscaram compreender as dimenses da imagina-o, analisando seu significado na infncia e idade adulta (na figura do artista).

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    Para Coleridge e Wordsworth a imaginao seria, entre outros aspectos,destacadamente, um processo psicolgico que unificaria as experincias hu-manas, [...] tornando manifesto o poder de nossas mentes [...] e permitindo odesenvolvimento de uma autonomia mental [...] por meio dos atos de unifica-o imaginativa, nos damos conta, na expresso de Dewey, que o mundo nos nos dado, mas tomado (Plotz, 1999, p. 199).

    Na produo filosfica contempornea, Bachelard (1984) desenvolve estudosobre a imaginao, distingue-a da razo na construo do conhecimento do mun-do. Para o autor, enquanto compreender, atravs do uso da razo, envolve umdilogo com o real, com as ideias socialmente construdas, a imaginao transcen-de o passado e a realidade imediata, ela nos liberta do concreto e nos lana nasdiferentes possibilidades de significao do real. A imaginao permite o desenvol-vimento do pensamento criativo, fundamental para insero no mundo.

    Mas o que a imaginao? Grosso modo, a capacidade de elaborar ima-gens, tanto evocando objetos e situaes vividas, como formando novas ima-gens. A imaginao funda-se numa relao com o sensvel, ao mesmo tempo emque rompe com ele, ao represent-lo atravs de imagens.

    Para Bachelard (1984), ela carrega duas dimenses, tambm destacadaspelos romnticos: a imaginao reprodutora, em que evocamos situaes, acon-tecimentos, seres e pessoas, sendo referente ao vivido, e a imaginao criado-ra, que envolve a inveno, a combinao de ideias que se encontram alm oreal. Tais dimenses no so, portanto, privilgio da infncia, mas tambmcaracterizam o pensamento adulto. Na criana, entretanto, a imaginao tomauma dimenso mais central na relao cotidiana com o mundo. A criana brincacom o real, sabendo que as fantasias so dimenses diferenciadas da realidade.Mas, no ato de imaginar, em sua produo simblica (usando desenhos, mode-lagem, jogos do faz de conta, no brinquedo etc.), ela compreende e ultrapassaessa realidade, reconstruindo-a na imaginao.

    Afirma-se no recurso imaginao, o que Lyotard chama da irracionalidadeda infantia, ou

    [...] aquilo que resiste apesar de tudo [...] mas alguma coisa nunca ser derrotada,ao menos enquanto os humanos nascerem bebs, infantes. Infantia a garantia deque continua a existir um enigma em ns, uma opacidade no facilmente comuni-cvel- que resta alguma coisa que permanece, e que ns devemos dar testemunhodela (Lyotard, 1992, p. 416 apud Kennedy, 2000, p. 83).

    Repetio como Significao

    Sabemos que para a criana a repetio a alma do jogo, nada alegra-a mais doque o mais uma vez [...] e de fato toda experincia mais profunda deseja insaci-avelmente at o final das coisas, repetio e retorno (Benjamin, 1984, p. 74).

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    Outra caracterstica da relao que a criana estabelece com o mundo a repetio.Ao brincar, ou desenvolver uma atividade que lhe d prazer, o sinal de sua satisfao dizer: de novo, aps o fim da ao. Segundo Benjamin, a repetio que permite acriana compreender o mundo, experimentar suas emoes, elaborar suas experincias.Se o adulto o faz atravs da linguagem, narrando o vivido, a criana tem como estratgiaa repetio. Ela precisa ouvir sempre a mesma histria, contada com as mesmas pala-vras, reviver os mesmos filmes, cantar as mesmas msicas e repetir jogos que lhe deramprazer (ou provocaram angstia), exaustivamente. At que seu interesse se desloca,quando compreende e assimila aquela atividade, substituindo-a pela repetio de umanova. como se atravs da repetio pudesse compreender e apropriar do novo, doangustiante, do prazeroso. Portanto, no apenas o que lhe d prazer que repetido,mas aquilo que deseja experimentar e compreender. Atravs da repetio, a crianaordena suas emoes, disciplina seu mundo interno, apaziguando-o.

    Freud, ao analisar o ato de uma criana que repetidamente brincava com umcarretel, puxando-o para si, afastando-o, e, ao mesmo tempo, acompanhando-o pormeio do som fort-da, indicou ali a repetio como elaborao do vivido, no caso aseparao da me e seu retorno, demonstrando sua complexidade. Segundo Freud,

    [...] no caso da brincadeira, parece que percebemos que as crianas repetemexperincias desagradveis pela razo adicional de poderem dominar uma im-presso poderosa muito mais completamente de modo ativo do que poderiamfaz-lo simplesmente experimentando-a de modo passivo [...] nada disso con-tradiz o princpio do prazer: a repetio, a reexperincia de algo idntico, claramente, em si mesma, uma fonte de prazer (1976, p. 52).

    Freud destaca, portanto, que o prazer se encontra no no motivo, no objetoda repetio, mas no ato de repetir, do refazer. Tal ato, Freud denomina decompulso repetio, elemento caracterstico do brincar infantil. Essa repe-tio tem na criana uma temporalidade prpria, diferenciada do tempo produ-tivo cronolgico do adulto. Ela ditada pelo inconsciente, que desconhece otempo e espao objetivos, e se exerce no brincar. Para Freud, posteriormente, osentido da repetio desaparece. No adulto, [...] a novidade sempre condi-o de deleite (Freud, 1976, p. 52), o que nos dificulta a apreenso do signifi-cado da repetio para a criana.

    importante destacar que a repetio no constitui a reproduo literal damesma situao, marcada pela imobilidade. Nunes (2002, p. 82), num estudosobre as crianas indgenas, destaca que, na perspectiva da criana, a repeti-o assume outro significado. Conforme a autora,

    [...] a repetio permite uma crescente e renovada possibilidade de participa-o em funo do registro anterior, uma vez que, a cada ano, as habilidades sooutras e esse gesto e essa palavra, somados a outros gestos e outras palavras,sofisticam-se e ganham novos contornos e contedos, num ritmo muito veloze em constante experincia. Por isso as crianas insistem em repetir tanto oque para ns parece sempre igual. Na verdade, para as crianas, nunca igual.

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    A cada vez que o repetem, elas tentam novas possibilidades, enfrentam novosdesafios, afirmam um novo saber.

    A Dimenso Esttica

    As coisas sem importncia so bem de poesiaTudo aquilo que nos leva a coisa nenhumaE que voc no pode vender no mercadoComo, por exemplo, o corao verde dos pssarosServe para poesia (Barros, 1998, p. 36).

    Tambm caracterstica da atividade infantil sua forte dimenso esttica.Atravs das atividades mais corriqueiras, como arrumar uma estante, vestiruma roupa, a criana procura expressar-se, produzir o belo, como um artista.Tais atividades superam sua dimenso prtica, tendo um carter expressivo dasubjetividade e de sua compreenso da beleza. Para a criana, a utilidade daao secundria em relao ao seu carter criativo e expressivo.

    Essa necessidade de expresso esttica ir traduzir-se numa farta produoartstica, em que a criana lana mo das mais diferentes linguagens para signi-ficar o mundo. Ela pinta e desenha, canta, dana, representa. Seu fazer artsticotorna-se dimenso fundamental de sua subjetividade. Nessa ao, ela transitapelas diferentes expresses estticas, experimentando materiais, recursos etemticas.

    A riqueza das expresses plsticas infantis vem sendo h muito discutida.Numa perspectiva evolutiva, caracterstica do olhar de grande parte das teoriaspsicolgicas do desenvolvimento, o desenho infantil vem sendo sistematica-mente abordado, luz de um recorte etapista. Busca-se estabelecer parmetrosuniversais de anlise da evoluo dos desenhos infantis, normatizados emetapas, associadas ao desenvolvimento biolgico da criana. Tal perspectivadesconsiderou o significado do desenho para a criana, reduzindo-o expres-so de sua evoluo cognitiva.

    Noutra perspectiva, Gardner (2002) vai falar da IDADE DO OURO DO DE-SENHO, localizada, cronologicamente, entre os 4 e 7 anos. Posteriormente, acomplexidade plstica do desenho infantil sofreria uma atrofia, pois seria deter-minado pelo desenvolvimento de suas estruturas cognitivas lgicas. O dese-nho se transformaria em mera reproduo do real. Tendo isso em vista, o autorbusca problematizar essa aparente involuo do desenho infantil, tentandoanalisar a relao dos desenhos produzidos na idade do ouro com a produ-o artstica do adulto, desenvolvendo uma anlise semitica dessa produo.

    No dizer de Picasso, (s/data apud Abes, 2009, p. 6) [...] levei 20 anos parapintar como Rafael e toda uma vida para pintar como criana. O artista rompea com toda hierarquia infantilizante, apontando a complexidade plstica dapintura infantil, que se tornar referncia esttica para a arte moderna.

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    Porm, cabe considerar que, entre a criana e o artista, existe uma distino.No dizer do pintor Paul Klee (apud Chemama, 1978, p.16),

    [...] no comparem meus trabalhos aos das crianas [...] so mundos parte [...]nunca esqueam que uma criana no conhece nada de arte [...] o artista, pelocontrrio, est preocupado com a composio formal de suas telas: a significaofigurativa destas desejada e se realiza graas s associaes do inconsciente.

    No mesmo sentido, para Malraux, [...] embora a criana seja frequente-mente artista, no um artista, pois embora seu talento a possua, ela no opossui (apud Chemama, 1978, p. 17).

    A produo plstica da criana no tem compromisso com o campo artsti-co, mas tem em vista uma imperiosa expresso de sua subjetividade. As produ-es plsticas infantis constituem domnio no apenas de representao domundo, mas necessidade de uso de linguagens, ordenao do mundo interno,atravs do uso de signos pictricos. Chemama (1978, p. 21), a partir de um vispsicanaltico, analisa o significado do desenho para a criana, destacando que

    [...] o que faria para ns o valor de todo desenho que, ao caos do mundo quenos cerca, at mesmo sua crueldade, o desenho ope como que um limite,circunscrevendo o Outro terrificante que supomos, por engano, ou s vezescom razo, neste universo sem forma.

    Nesse sentido, o desenho possibilitaria criana organizar o mundo, apa-ziguando-o atravs de sua inscrio num pedao de papel, como uma escrita qual se ope o caos.

    Para Chemama, a criana, no ato do desenho (ato que deve ser objeto deanlise mais do que o resultado de sua composio), deixa suas marcas nomundo. Segundo o autor, [...] quando a criana pequena chega a desenharpela primeira vez algo sobre uma folha, o prprio fato de inscrever que pareceter um valor particular, como se evidenciasse a existncia do prprio sujeito(Chemama, 1978, p. 23).

    Alm da anlise do desenho, cabe compreender o papel central que a pro-duo artstica exerce na construo da subjetividade e da cultura infantis,destacando a importncia de uma educao esttica, fundamental em um proje-to de formao15 humana.

    O Grupo de Pares

    Outra caracterstica a ser destacada na cultura infantil seu carter coleti-vo. A produo da criana d-se a partir das interaes com os pares. Elaprecisa do outro: colegas, irmos, adultos para se ancorar e desenvolver suasatividades, principalmente quando essas atividades envolvem o novo, o no-

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    sabido. A ao da criana sobre os objetos sempre mediada pela interaocom adultos, ou com os pares.

    O carter coletivo da produo infantil ir tambm se expressar numa socia-bilidade prpria: os grupos de pares. A criana necessita do grupo para se situarno mundo, estabelecendo uma relao diferenciada da que constri com os adul-tos, com cdigos prprios. Esse universo grupal infantil no despido de regras,mas, ao contrrio, carregado de normas, leis e punies que no reproduzem ouniverso social adulto, mas o ressignificam e o reconstroem.

    Na medida em que est exposta a uma cultura adulta complexa, na qualmuitas das informaes ultrapassam sua capacidade de compreenso (Corsaro,1997), a cultura de pares permite a criana a criao de um espao de proteoe resistncia, em relao ao mundo adulto, num grupo de iguais. Para Wartofsky(1999, p. 106),

    As crianas so ativas na sua prpria construo da infncia, nas formasinstitucionais sociais fornecidas pela sociedade infantil, aquelas formas inventa-das e variveis de organizao e interao de parceiros, quer sejam os jogos que ascrianas brincam, quer a sociedade das esquina do bairro, ou os at hoje misterio-sos e inexplorados modos de transmisso cultural do saber e do humor infantil.

    Como possvel verificar, existem no apenas uma especificidade da aoinfantil na busca de compreenso do mundo, mas tambm uma sociabilidade eestratgias de aprendizagem diferenciadas, a serem melhor compreendidas.

    Corsaro vem falar no do grupo de pares, mas da cultura de pares dascrianas (childrens peer culture), entendida por ele como [...] um conjuntoestvel de atividades e rotinas, artefatos, valores que as crianas produzem ecompartilham na interao entre pares (1997, p. 95). O autor destaca que, coe-rente com seu carter de produo cultural, ela pblica, coletiva e envolveperformances sociais.

    Essa cultura de pares funda-se em outras estratgias e recursos de apren-dizagem, calcados no tanto na transmisso, mas na imerso na experincia, naao coletiva. atravs da participao nas atividades coletivas que a crianaaprende suas regras, formas de realizao, sem que isso seja, necessariamente,expresso verbalmente. A observao atenta das aes das demais crianas, ocarter assistemtico da aprendizagem constituem as principais estratgias deaprendizagem das aes infantis.

    Como afirma Sarmento (2004), a interao infantil realiza-se tanto no planosincrnico, quanto no plano diacrnico. Assim que as crianas, nas interaesintrageracionais, deixam seu legado de jogos e brincadeiras transmitidas aosmais novos que, dessa maneira, conservam-no atravs de sucessivas gera-es, conformando um repertrio de produes culturais prprias. Tal repert-rio tem como caracterstica seu carter de tradio, de conservao de umacultura essencialmente oral.

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    Concluso

    Os fragmentos da cultura infantil, aqui apenas indicados, permitem-nos pensar ainfncia e sua produo cultural no como universos distintos do adulto, mas comoelementos que historicamente foram associados criana e que tambm esto pre-sentes na cultura adulta. Tais fragmentos nos permitem ainda analisar a complexidadeda vida psquica infantil e de suas produes simblicas, superando as hierarquiasredutoras, referenciadas no mundo adulto, e compreendendo a infncia como acon-tecimento irredutvel em sua complexidade. Por fim, indicam possibilidades de atua-o junto criana, uma vez que se pode entender suas manifestaes como expres-ses da complexidade do humano, em suas infinitas formas de produo simblica.

    Se fomos formados numa tradio que entende os processos de desenvol-vimento como aquisio de habilidades referidas ao mundo adulto, o conceitode alteridade enriquece-nos na apreenso da infncia, provocando nossas cer-tezas e permitindo uma desnaturalizao dos referenciais epistmicos dominan-tes. O avano numa perspectiva interdisciplinar de estudo da infncia o gran-de desafio, na investigao do que Lyotard denomina o enigma da infncia,provocando-nos quanto s possibilidades de sua decifrao.

    Talvez mais que conhec-la, ou desvend-la, possamos narr-la, recupe-rando, ou melhor, revisitando aquilo que em ns se fez humano. Como nosindica Bartolomeu Queirs (1995, p. 10),

    A infncia brincava de boca de forno, chicotinho queimado, passar anel oucorrer de cabra cega. Nossos pais, nesta hora preguiosa liam o destino dotempo escrito no movimento das estrelas, na cor das nuvens, no tamanho dalua, na direo dos ventos. O mundo no estava dividido em dois, um para aspessoas grandes, outro para os midos. As emoes eram de todos.

    Recebido em novembro de 2009 e aprovado em janeiro de 2010.

    Notas

    1 Para uma discusso mais aprofundada da etimologia da palavra infans, vide Kohan(2008), Infncia e filosofia.

    2 O termo outro toma, neste artigo, como referncia seu sentido antropolgico. Lacan,a partir de uma releitura da obra de Freud,ir analisar a relao entre linguagem e cultura(expressa no uso do termo Outro, com letra maiscula) no processo de constituioda subjetividade humana. Tal subjetividade, na teoria psicanaltica, tem, como centro davida psquica, o inconsciente, indicando uma abordagem diferenciada do tema em rela-o quela proposta por este artigo. A esse respeito, ver: Lacan (1978).

    3 No sculo XIX, raa e cultura assumiram sentidos quase equivalentes na teoria antro-polgica. A esse respeito, ver: Laraia (1987) Cultura: um sentido antropolgico.

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    4 A respeito dessa discusso, ver: Gould (2004), A falsa medida do homem.

    5 Para uma reflexo mais sistemtica do processo de constituio da antropologia e doconceito de cultura, ver Laraia, Cultura: um sentido antropolgico.

    6 Para um estudo mais aprofundado das crticas teoria piagetiana, ver Archelard (1993),Matthews (1994) e Burman (1994). Archelard compreende que o ideal piagetiano decompetncia cognitiva do adulto seria uma peculiaridade do pensamento ocidental,enquanto Mattews considera que as crianas demonstram capacidades cognitivas asquais ultrapassam o modelo piagetiano. Burman, por sua vez, avalia que o sujeitopiagetiano percebido como despossudo de uma realidade social e histrica.

    7 Cabe observar que as crticas feitas ao autor no anulam sua enorme contribuio paraa construo de referenciais tericos e metodolgicos para o estudo da infncia. Omodelo de Piaget, como analisa Corsaro (1997) diferencia-se de outros modelospsicolgicos de estudo do desenvolvimento ao demonstrar que a criana possui for-mas qualitativamente diferenciadas de significao do mundo.

    8 A construo de um aparato terico-conceitual tem sido expressiva nos diferentes campos.

    9 Alm do clssico trabalho de Aris (1979), Histria da criana e da famlia, vertambm: Kuhlmann, Infncia e educao infantil; Gouva (2008), A escrita da histriada infncia: periodizao e fontes.

    10 Para um estudo da antropologia da infncia, ver: Hardman; Charlote (1973/2001): Canthere be an anthropology of childhood?; Gomes (2008), Outras infncias, outras culturas.

    11 Ver: Larrosa (2001), Habitantes de Babel. No campo da filosofia da infncia vem sendofeito uma instigante anlise luz da teoria deleuziana a partir do conceito de devir-criana.Vide: Kohan, Infncia: entre educao e filosofia (2003) e Infncia e filosofia (2008).

    12 Existe, no entanto, uma distino entre as metforas infantis e as poticas. Enquanto asmetforas infantis expressam aes cotidianas e prototpicas, as metforas poticas buscamrecorrer a associaes novas, que liberam nossa percepo dos objetos (Rivire, 1995).

    13 A antropologia tem desenvolvido extenso estudo sobre a chamada cultura material.Caminhou-se historicamente de um inventrio dos artefatos produzidos por diferentesgrupamentos, para uma anlise da dimenso simblica de tal produo (Vide Laraia).No campo dos estudos vygotskianos, Tomasello (2003) desenvolve interessante estu-do do papel dos instrumentos nos processos histricos de desenvolvimento humano.

    14 No dizer de Plotz (1999, p. 161): [...] durante o perodo romntico, aqueles anostranscorridos desde a Revoluo Francesa at as Revolues de 1848, escritores,artistas e filsofos criaram um conjunto de obras que reimaginaram to convicentementea ndole do indivduo e da sociedade que ns, romnticos do sculo XX, ainda noesgotamos as possibilidades destas vvidas imagens do sculo XIX.

    15 O conceito de formao aqui se refere a bildung, termo alemo que, ao pensar aeducao, remete ao desenvolvimento esttico a partir da imerso na cultura, emoposio mera instruo (vide Schiller).

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    Maria Cristina Soares Gouva professora associada do Departamento deCincias Aplicadas Educao da Faculdade de Educao da UniversidadeFederal de Minas Gerais, onde atua no programa de Ps-Graduao. pesqui-sadora do NEPEI/UFMG (Ncleo de Estudos e Pesquisas em Educao Infantile Infncia) e do GEPHE/UFMG (Grupo de Estudos e Pesquisas em Histria daEducao) e bolsista de produtividade 1-D do CNPq.E-mail: [email protected]