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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
CENTRO DE TECNOLOGIA
DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA QUÍMICA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA QUÍMICA
TALITA MACEDO DOS SANTOS
INFLUÊNCIA DE NANOCRISTAIS DE CELULOSE SOBRE AS
PROPRIEDADES DE FILMES DE GELATINA DE RESÍDUOS DE
TILÁPIA
FORTALEZA
2012
TALITA MACEDO DOS SANTOS
INFLUÊNCIA DE NANOCRISTAIS DE CELULOSE SOBRE AS PROPRIEDADES
DE FILMES DE GELATINA DE RESÍDUOS DE TILÁPIA
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Engenharia Química, da
Universidade Federal do Ceará, como requisito
parcial para a obtenção do Título de Mestre em
Engenharia Química.
Orientador: Prof. Dra. Henriette Monteiro Cordeiro
de Azeredo.
Co-orientador: Prof. Dr. Men de sá Moreira de
Souza Filho
FORTALEZA
2012
TALITA MACEDO DOS SANTOS
INFLUÊNCIA DE NANOCRISTAIS DE CELULOSE SOBRE AS PROPRIEDADES
DE FILMES DE GELATINA DE RESÍDUOS DE TILÁPIA
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Engenharia Química, da
Universidade Federal do Ceará, como requisito
parcial para a obtenção do Título de Mestre em
Engenharia Química.
Aprovada em:_____/_____/_____
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________________
Prof.ª Drª. Henriette Monteiro Cordeiro de Azeredo (Orientadora)
Universidade Federal do Ceará - UFC
_____________________________________________________
Prof. Dr. Men de sá Moreira de Souza Filho (Co-orientador)
Embrapa Agroindústria Tropical
_____________________________________________________
Prof.ª Drª. Morsyleide de Freitas Rosa
Universidade Federal do Ceará - UFC
_____________________________________________________
Dr. Carlos Alberto Cáceres Coaquira
Embrapa Agroindústria Tropical
AGRADECIMENTOS
Tenho muito a agradecer. Nada disso seria possível sem a ajuda de muita
gente!
Em primeiro lugar, agradeço a Deus por me dar capacidade e força, por ser
meu amigo, por iluminar sempre meu caminho e por ser minha fonte de equilíbrio e
paz.
À minha mãe Nesita por ser tão maravilhosa, me ensinar tanto, cuidar de
mim e me motivar sempre. Sua compreensão foi essencial em todos os momentos.
Ao meu namorado Maurílio por seu amor e por sua paciência que parece
ser infinita, principalmente nas épocas de correria e estresse. Por estar sempre por
perto pra me socorrer e me ouvir!
Aos meus irmãos lindos Samuel e Luisa e ao meu padrasto Ismael por
todo apoio e paciência. A toda minha família e amigos, que torcem muito por mim,
especialmente os da igreja Betesda, a qual faço parte, e do Grupo Vitrola Nova, meu
querido grupo que eu canto!
À minha sogra Socorro por cuidar de mim sempre que eu precisei e ao meu
sogro Murilo por todas as caronas pela manhã!
À Dra. Henriette por me orientar, me ensinar, me apoiar sempre e
acreditar no meu trabalho. Pelas palavras de incentivo nas horas certas e pelo
grande exemplo de competência, dedicação e profissionalismo. Sou sua grande fã!
À Dra. Deborah Garruti, por ter sido uma mãe no período da graduação,
me ensinando sempre e por me ajudar a entrar no Mestrado. Sua ajuda foi essencial e
nunca vou esquecer! Também ao Manoel Alves por ter me incentivado e me ensinado
os primeiros passos no universo científico.
Ao Dr. Men de Sá e Dra. Morsyleide que me adotaram na hora que eu
precisei e possibilitaram a realização deste trabalho. Pelos sábios conselhos e por
tudo que me ensinaram... Ao Dr. Carlos Cáceres por estar sempre disponível a ajudar
e motivar e por não medir esforços pra que eu fizesse um bom trabalho. Serei
eternamente grata a vocês!
À Alaídes, minha amiga e companheira de todas as horas desde o inicio
do Mestrado, por me alertar sempre para coisas que eu não me enxergava e por me
ajudar sempre, além de ser uma ótima companhia.
À Ana Cristina por ser minha amiga fiel e sempre tão prestativa, desde o
ínicio, além de trazer ótimos momentos e muitas risadas!
À turma de Mestrado, (Alaídes, Ana Cristina, Eurânio, Flávio, Diego,
Carol, Ana Alice e todos os companheiros de disciplinas) a melhor de todos os
tempos, e à Darlane, por todo aprendizado e diversão juntos. Fomos muito felizes!
Ao pessoal do Lab. de Embalagens pela companhia e amizade, em especial ao
Hálisson, Vitória e Camila por toda a ajuda no laboratório, e ao Ryan, Larissa e
Wanderson, por todas as conversas e ensinamentos.
Ao Laboratório de Tecnologia de Biomassa pela maravilhosa recepção e
por disponibilizar o espaço e os conhecimentos para que eu pudesse obter a matéria-
prima utilizada nesse trabalho, especialmente à Yana e Rayane pela ajuda com a
gelatina, à Mabel pela nanocelulose, à Lilian e Ana Cassales por todas as análises, e
ao Brenno (UFRN) pela ajuda nas análises e nos conhecimentos.
À UFRN na pessoa do prof. Ito e ao Hugo pela análise de MEV e por me
ajudar a interpretar os dados.
Ao seu Machado do Lab. de Solos pela disponibilidade em me ajudar a
utilizar o moinho de bolas.
À Capes pela bolsa concedida.
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia i
RESUMO
Atualmente é crescente o número de pesquisas sobre materiais biodegradáveis e
aproveitamento de resíduos, devido à necessidade de preservação dos recursos naturais e
outras questões ligadas à sustentabilidade. O objetivo do trabalho foi desenvolver filmes
biodegradáveis a partir de gelatina obtida de resíduos de tilápia adicionados de nanocristais de
celulose (NC). A formulação do filme foi feita com 9,6% de gelatina de peixe e 25% de
glicerol (em base seca) variando a quantidade de nanocristais de celulose de línter nas
concentrações de 0, 5, 10 e 15% (em base seca) com uso ou não de ultrassom (US) na
preparação do filme. A gelatina foi obtida de resíduos de carne mecanicamente separada
(CMS) de tilápia. Os filmes foram obtidos por casting e caracterizados quanto à
permeabilidade a vapor de água, propriedades mecânicas de resistência à tração, elongação e
módulo elástico, propriedades térmicas (DSC), ópticas, de estabilidade pela cor, morfológicas
(MEV) e de hidrofilicidade a partir do ângulo de contato. Os filmes obtidos se apresentaram
com boa aparência, homogêneos e manuseáveis, com boa transparência e com umidade entre
12,5 e 20,7%, diminuída significativamente com a adição de NC. Os nanocristais de celulose
utilizados foram efetivos para reduzir a permeabilidade ao vapor de água (PVA), a qual foi
reduzida significativamente com a utilização de 10% de NC e uso de ultrassom, e com 15%
de NC com e sem US. A adição de NC incrementou a resistência à tração e módulo a partir de
5% com um pequeno decréscimo na concentração de 15%, e o aumentando o módulo elástico
a 15% de NC com ultrassom. Não houve efeito significativo com a adição de NC e uso de US
na elongação dos filmes e nem na opacidade. O uso de ultrassom melhorou a barreira ao
vapor de água, módulo elástico e não influenciou significativamente as propriedades de
tração, elongação e opacidade. As imagens obtidas por microscopia eletrônica de varredura
apresentaram aglomerados, possivelmente pela presença de minerais ou estruturas cristalinas
de colágeno residuais do processo de hidrólise para obtenção da gelatina ou dos filmes, além
de processos com o tempo de armazenamento. As análises de DSC mostraram possíveis
fenômenos de fusão da gelatina e outros processos térmicos simultâneos no primeiro ciclo,
além de processos térmicos no segundo ciclo que podem estar associados à transição vítrea, os
quais não foram influenciados expressivamente pelo teor de NC e pelo uso de US, porém
foram bastante influenciados pelo tempo de armazenamento dos filmes. Estes apresentaram
pequena intensidade de cor que foi mais intensificada com a quantidade de nanocelulose e não
variou de forma expressiva com o tempo, indicando que os filmes apresentaram cor estável. O
ângulo de contato revelou que a NC não interferiu na hidrofilicidade dos filmes. O melhor
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia ii
filme obtido para aplicação em alimentos foi o com 10% de nanocelulose e utilização de
ultrassom por apresentar melhor barreira à água e melhores propriedades mecânicas, não
interferindo na transparência dos filmes.
Palavras-chave: gelatina, nanocristais de celulose, resíduos de tilápia, filmes biodegradáveis.
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia iii
ABSTRACT
Currently the studies about biodegradable materials and waste recovery are increasing, due to
need to preserve natural resources and other issues related to sustainability. The objective of
this work is to develop biodegradable films from tilapia waste gelatin and cellulose
nanocrystals (CN). The formulation of the film was made with 9.6% fish gelatin, glycerol
25% (on dry basis) and varying the amount of nanocrystals from linter pulp at concentrations
of 0, 5, 10 and 15% (on a dry basis) and the use of ultrasonic treatment (US) in the
preparation of films. The films were obtained by casting and characterized with respect to
water vapor permeability (WVP), mechanical properties (tensile strength, elongation and
elastic modulus), thermal properties (DSC), optical properties, color stability, morphology
(SEM) and hydrophilicity by contact angle. The obtained films are presented in good shape,
homogeneous and manageable, with good transparency and moisture content between 12.5
and 20.7%, which decreased significantly with adding CN. Cellulose nanocrystals were
effective in reducing the permeability, substantially decreasing WVP with use of 10% CN and
US, and 15% of NC with US and without US. The addition of CN increased tensile strength
from 5% CN and with a small decrease in concentration of 15%. The elastic modulus
increased at 15% with US. There was no significant effect with the addition of NC and use of
US at elongation of films and no effects in opacity of films. The use of ultrasound has
improved barrier to water vapor and elastic modulus, and it did not has significant influence
on the properties of tensile strength, elongation and opacity. The images obtained by scanning
electron microscopy showed structures originating from gelatin, possibly by presence of
minerals or crystal structures of collagen in the process of obtaining gelatin or films, and
processes with storage time. The DSC analysis showed possible phenomena of gelatin
melting or other thermal processes simultaneously in the first cycle, and thermal processes in
the second cycle, which can be associated with glass transition of gelatin. These events were
not influenced significantly by CN content and use of US, but were heavily influenced by
storage time of films. These showed little color intensity, which was further enhanced by the
amount of CN and did not vary significantly with time, indicating that colors of the films
were stable. Contact angle analysis have shown that CN did not decrease the hidrofilicity of
films. The best film obtained for application to food products was 10% with NC and use of
ultrasound due to better barrier to water, improved mechanical properties and the same
transparency.
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia iv
Key-words: gelatin, cellulose nanocrystals, tilapia waste, biodegradable films.
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia v
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
Símbolo Descrição
ASTM American Standard Testing Methods
CMS carne mecanicamente separada
CMF celulose microfibrilada
DSC calorimetria diferencial de varredura
MEV microscopia eletrônica de varredura
MMT montmorillonita
NC nanocristais de celulose
PHA polihidroxialcanoato
PLA polilactato
PVA permeabilidade ao vapor de água
PVC policloreto de vinila
RH umidade relativa
Tg temperatura de transição vítrea
Tm temperatura de fusão
US ultrassom
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia vi
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Classificação dos polímeros biodegradáveis de acordo com a síntese ..................... 6
Figura 2 - Estrutura do glicerol ................................................................................................. 8
Figura 3 - Estrutura básica da gelatina. ................................................................................... 11
Figura 4 - Estrutura tripla hélice do colágeno: (a) filamento (b) modelo compacto ............... 12
Figura 5 - Unidade de repetição da celulose ........................................................................... 21
Figura 6 - Estrutura interna de uma microfibrila de celulose. ................................................. 22
Figura 7 - Fluxograma simplificado de obtenção de gelatina a partir de resíduos de CMS da
tilápia ........................................................................................................................................ 32
Figura 8 - Célula de permeação com filme de gelatina. .......................................................... 35
Figura 9 - Dessecador utilizado com células de permeação. ................................................... 36
Figura 10 - Corpo de prova utilizado e separação entre garras utilizada nos ensaios mecânicos
com filme de gelatina. .............................................................................................................. 36
Figura 11 - Equipamento utilizado na análise de DSC............................................................ 37
Figura 12 - Cadinhos utilizados na análise de DSC ................................................................ 38
Figura 13 - Cordenadas de cor CIE LAB (Hunter). ................................................................ 39
Figura 14 - Amostra de filme de gelatina sendo removida de Mylar ...................................... 41
Figura 15 - Efeito da concentração de nanocristais de celulose e do uso de ultrassom sobre a
permeabilidade a vapor de água de filmes de gelatina de resíduos de tilápia. ......................... 43
Figura 16 - Efeito da concentração de nanocristais de celulose e do uso de ultrassom sobre as
propriedades mecânicas (resistência à tração, elongação na ruptura e módulo elástico) de
filmes de gelatina de resíduos de tilápia. .................................................................................. 46
Figura 17 - Termogramas de DSC de filmes de gelatina de resíduos de tilápia variando a
concentração de nanocristais de celulose e o uso de ultrassom. ............................................... 51
Figura 18 - Termogramas de DSC de filme de gelatina e NC (15%) após diferentes períodos
de armazenamento. ................................................................................................................... 54
Figura 19 - Varredura de filme de gelatina de resíduos de tilápia para o tratamento 1 (sem NC
e sem US). ................................................................................................................................ 56
Figura 20 - Efeito da concentração de nanocristais de celulose e do uso de ultrassom sobre a
opacidade de filmes de gelatina de resíduos de tilápia ............................................................. 57
Figura 21 - Micrografias obtidas por MEV de superfície ....................................................... 60
Figura 22 - Efeito da concentração de NC e do uso de US na hidrofilicidade verificada pelo
ângulo de contato de filme de gelatina de resíduos de tilápia. ................................................. 62
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia vii
Figura 23 - Termogramas de gelatina de resíduos de tilápia, primeiro e segundo ciclo,
respectivamente ........................................................................................................................ 67
Figura 24 – Termogramas de nanocristais de celulose, primeiro e segundo ciclo,
respectivamente ........................................................................................................................ 68
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia viii
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Composição dos aminoácidos das gelatinas tipo A e tipo B (fontes em geral) ...... 13
Tabela 2 - Produção de pescado (t) da aquicultura continental por espécie. ........................... 17
Tabela 3 - Condições experimentais de cada tratamento......................................................... 34
Tabela 4 - Efeito da concentração de nanocristais de celulose e do uso de ultrassom sobre a
umidade de filmes de gelatina de resíduos de tilápia. .............................................................. 42
Tabela 5 - Efeito da concentração de nanocristais de celulose e do uso de ultrassom sobre as
propriedades térmicas de filmes à base de gelatina de peixe ................................................... 49
Tabela 6 - Efeito do tempo de armazenamento sobre as propriedades térmicas de filmes à
base de gelatina de peixe e NC (15%). ..................................................................................... 55
Tabela 7 - Valores de ΔE*, ΔL*, Δa* e Δb* dos filmes de gelatina de resíduos de tilápia
adicionados ou não de NC e com ou sem uso de US após a primeira semana de
armazenamento. ........................................................................................................................ 58
Tabela 8 - Efeito da adição de NC e do uso de US sobre a cor representada por ΔE com o
tempo de armazenamento para filmes de gelatina de resíduos de tilápia ................................. 59
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia ix
SUMÁRIO
RESUMO .................................................................................................................................... i
ABSTRACT .............................................................................................................................. iii
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ................................................................................ v
LISTA DE FIGURAS ............................................................................................................... vi
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 1
2 OBJETIVOS........................................................................................................................ 4
2.1 Geral ............................................................................................................................. 4
2.2 Específicos ................................................................................................................... 4
3 REVISÃO DE LITERATURA ........................................................................................... 5
3.1 Polímeros e filmes biodegradáveis e/ou comestíveis .................................................. 5
3.1.1 Plastificantes ......................................................................................................... 7
3.2 Filmes à base de proteínas ........................................................................................... 9
3.2.1 Colágeno e gelatina ............................................................................................ 10
3.2.2 Filmes à base de gelatina .................................................................................... 15
3.2.3 Tilápia ................................................................................................................. 16
3.3 Nanocompósitos ......................................................................................................... 19
3.3.1 Celulose e nanocristais de celulose .................................................................... 20
3.3.2 Línter .................................................................................................................. 24
3.4 Propriedades dos filmes ............................................................................................. 25
3.4.1 Propriedades de barreira ..................................................................................... 25
3.4.2 Propriedades mecânicas ...................................................................................... 26
3.4.3 Propriedades térmicas ......................................................................................... 28
3.4.4 Morfologia dos filmes ........................................................................................ 29
4 MATERIAIS E MÉTODOS ............................................................................................. 31
4.1 Materiais utilizados .................................................................................................... 31
4.2 Preparação dos filmes ................................................................................................ 33
4.3 Condicionamento das amostras ................................................................................. 34
4.4 Espessura e aspecto visual ......................................................................................... 34
4.5 Umidade ..................................................................................................................... 35
4.6 Permeabilidade ao vapor de água .............................................................................. 35
4.7 Testes mecânicos ....................................................................................................... 36
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia x
4.8 Calorimetria Exploratória Diferencial ....................................................................... 37
4.9 Opacidade .................................................................................................................. 38
4.10 Estabilidade por colorimetria ..................................................................................... 38
4.11 Microscopia Eletrônica de Varredura ........................................................................ 39
4.12 Ângulo de Contato ..................................................................................................... 40
4.13 Análise estatística ...................................................................................................... 40
5 RESULTADOS E DISCUSSÃO ...................................................................................... 41
5.1 Espessura e aspecto visual ......................................................................................... 41
5.2 Umidade residual antes do condicionamento dos filmes ........................................... 41
5.3 Permeabilidade ao vapor de água .............................................................................. 42
5.4 Propriedades mecânicas ............................................................................................. 45
5.5 Calorimetria Exploratória Diferencial ....................................................................... 49
5.6 Opacidade .................................................................................................................. 55
5.7 Estabilidade por colorimetria ..................................................................................... 57
5.8 Microscopia Eletrônica de Varredura ........................................................................ 59
5.9 Ângulo de Contato ..................................................................................................... 62
6 CONCLUSÃO .................................................................................................................. 64
7 SUGESTÕES PARA TRABALHOS FUTUROS ............................................................ 66
8 APÊNDICES ..................................................................................................................... 67
APÊNDICE A – Termogramas dos materiais utilizados na elaboração de filmes de gelatina de
resíduo de tilápia obtidos por DSC. .......................................................................................... 67
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................................... 69
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 1
1 INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, tem crescido o número de pesquisas sobre materiais
biodegradáveis, devido à grande quantidade de lixo gerada pela produção de plásticos
oriundos do petróleo (AVELLA et al., 2005) e à diminuição de recursos fósseis, causando o
aumento de interesse nas questões ambientais (BORDES; POLLET; AVÉROUS, 2009). O
uso de materiais biodegradáveis agrega valor principalmente substituindo os derivados de
petróleo, quando estes são utilizados em aplicações com um curto tempo de vida, como é o
caso dos alimentos. Embora seja impossível substituir totalmente os plásticos convencionais
por plásticos “eco-friendly”, o uso desses últimos é a tendência para aplicações específicas,
como em embalagens de alimentos (SIRACUSA et al., 2008). A capacidade de produção
global de bioplásticos aumentou para mais de 700 mil toneladas em 2010 e, como já foi
atingida a escala industrial, esta produção é projetada para aumentar para mais de 1,7 milhões
de toneladas até o ano de 2015 (EUROPEAN PLASTICS, 2012).
Dentre os diversos biopolímeros utilizados na elaboração de filmes
biodegradáveis, estão as proteínas, que se destacam devido às suas propriedades funcionais e
variedade de fontes. Nesse contexto, a gelatina vem sendo estudada para utilização em filmes
comestíveis devido à abundância de sua matéria-prima, baixo custo de produção e
disponibilidade global, além de excelentes propriedades de formação de filme. Filmes de
gelatina, como outros filmes de proteínas, apresentam boa propriedade de barreira ao
oxigênio, porém têm relativamente pobre barreira à água e pobres propriedades mecânicas
quando comparados a filmes de polímeros convencionais.
A literatura científica sobre diferentes fontes e novas funcionalidades do colágeno
e da gelatina tem experimentado um “boom” nos últimos 10 a 15 anos, em parte devido ao
crescente interesse na valorização econômica dos subprodutos industriais, ao manejo
ambientalmente correto dos resíduos industriais, e à pesquisa por inovações nas condições de
processo, assim como novas aplicações potenciais (GÓMEZ-GUILLÉN et al., 2011). A
gelatina de peixe tem interessado à comunidade científica devido à variedade de espécies com
características intrínsecas (especialmente a tilápia entre as espécies tropicais), com destaque
para as propriedades das gelatinas obtidas de resíduos de pele e ossos (GÓMES-GILLÉN et
al., 2011).
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 2
Um dos peixes utilizados na obtenção de gelatina é a tilápia. O Brasil apresenta
grande potencial hídrico e, portanto, apresenta condições favoráveis para o crescimento da
aquicultura. Na aquicultura continental nacional a tilápia apresenta destaque, sendo a espécie
mais produzida, representando 39,4% da produção (BRASIL, 2010). É de extrema
importância estudar formas de aproveitamento do grande volume de resíduos gerados no
processamento da tilápia, pois o rendimento da produção de filé a partir dessa espécie
geralmente fica em torno de 30% enquanto os 70% restantes são resíduos do processamento
(FREITAS et al., 2012), os quais apresentam alto teor de colágeno, a partir do qual se produz
gelatina. A necessidade de uma boa utilização desses subprodutos da indústria de peixe é uma
das razões do interesse que abrange a exploração de diferentes espécies e otimização da
extração de gelatina de peixe (GÓMEZ-GUILLÉN et al., 2011; KARIM; BHAT, 2009) para
aplicação em filmes biodegradáveis.
A utilização de filmes biodegradáveis como embalagens de alimentos exige que
estes possuam barreira adequada a gases e a vapor de água, além de boas propriedades
mecânicas. Nanocompósitos representam uma nova alternativa para tecnologias
convencionais por melhorar as propriedades dos polímeros (ARORA; PÁDUA, 2010),
tornando os polímeros biodegradáveis mais competitivos. O uso de nanoestruturas na
elaboração de filmes melhora a relação eficiência-preço-custo (SORRENTINO; GORRASI;
VITTORIA, 2007). Por causa do seu tamanho, as nanopartículas têm uma relação área de
superfície/volume proporcionalmente maior do que em escala micro (AZEREDO, 2009), o
que facilita suas interações com a matriz polimérica, aumentando muitas das vantagens
inerentes ao material. Já foram observados efeitos benéficos da adição de nanopartículas sobre
o desempenho de nanocompósitos de gelatina utilizando nanotubos de carbono (HAIDER et
al., 2007), nanoestruturas de alumina-Al2O3 (LI et al., 2002), montmorillonita (BAE et al.,
2009; HAROUN; AHMED; EL-GHAFFAR, 2011) e nanocelulose bacteriana (CHANG et al.,
2012; WANG et al., 2012; GEORGE; SIDDARAMAIAH, 2012). No entanto, não foram
encontrados efeitos específicos de estruturas de nanocelulose obtidas a partir de hidrólise de
línter em filmes de gelatina.
Nanocristais de celulose têm sido avaliados como material de reforço em matrizes
poliméricas pelo seu potencial em melhorar as propriedades mecânicas, ópticas, dielétricas,
dentre outras, dessas matrizes (SILVA; D’ ALMEIDA, 2009). Dentre as fontes de celulose, o
línter, fibra curta restante na semente do algodão após o descaroçamento, se destaca pela sua
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 3
disponibilidade, e pelo fato de conter alto teor de celulose (GÜMÜSKAIA et al., 2003). Por
apresentar fibras curtas, o línter é visto como um co-produto de baixo valor dentro da cadeia
produtiva das fibras destinadas ao setor têxtil, por isso, o uso desse resíduo como matéria-
prima é atrativo para a produção sustentável (SHI; SHANNON; PELKY, 2010).
Entre os desafios ligados à tecnologia para produzir materiais biodegradáveis está
o de possibilitar a melhoria das propriedades mecânicas e de barreira desses materiais aliada
com a agregação de valor aos resíduos gerados pela indústria. A obtenção de filmes
biodegradáveis a partir de gelatina obtida de resíduos da filetagem da tilápia é uma forma
potencial de agregação de valor à indústria de beneficiamento de tilápia, além de apresentar
possibilidade de aplicação na indústria de alimentos. O estudo de incorporação de
nanocelulose em filmes de gelatina ainda é pouco estudado e é importante para que este
material seja utilizado melhorando as propriedades de barreira e mecânicas dos filmes.
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 4
2 OBJETIVOS
2.1 Geral
Desenvolver filmes biodegradáveis a partir de gelatina de resíduos de tilápia e
avaliar o efeito da adição de nanocristais de celulose sobre as características e desempenho de
filmes biodegradáveis de gelatina de resíduos de tilápia.
2.2 Específicos
i) Desenvolver, pela técnica de casting (deposição), filmes biodegradáveis a partir
de gelatina de resíduos de tilápia, adicionados de nanocristais de celulose e plastificados com
glicerol;
ii) Caracterizar o filme de gelatina avaliando algumas de suas propriedades
químicas, morfológicas e de estabilidade;
iii) Avaliar o efeito dos nanocristais de celulose a fim de se obter filmes de
gelatina com o melhor desempenho possível em termos de propriedades mecânicas, de
barreira, ópticas e térmicas para aplicação como embalagem de alimentos.
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 5
3 REVISÃO DE LITERATURA
3.1 Polímeros e filmes biodegradáveis e/ou comestíveis
Os polímeros biodegradáveis estão entre os mais estudados atualmente, sendo
definidos como aqueles cuja degradação resulta da ação de organismos vivos como bactérias,
fungos e algas (ASTM-D-883-00), gerando CO2, CH4, componentes celulares e outros
produtos (FRANCHETTI; MARCONATO, 2006). Satyanarayana; Arizaga e Wypych (2009)
definem polímeros biodegradáveis como materiais obtidos da natureza ou por via sintética
cujas ligações químicas são clivadas pelo menos em uma etapa por enzimas da biosfera, com
condições adequadas de temperatura e pH e tempo de processamento total para a conclusão.
Os polímeros biodegradáveis podem ser classificados em naturais ou sintéticos
(SATYANARAYANA; ARIZAGA; WYPYCH, 2009; VIEIRA et al., 2011). De acordo com
a origem, estes se dividem em polímeros agrícolas (amido ou celulose), microbianos
(polihidroxialcanoatos), quimicamente sintetizados a partir de monômeros de origem agrícola
e sintetizados quimicamente de monômeros sintetizados convencionalmente
(SATYANARAYANA; ARIZAGA; WYPYCH, 2009). A Figura 1 mostra uma classificação
mais completa, segundo a origem e forma de síntese.
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 6
Figura 1 - Classificação dos polímeros biodegradáveis de acordo com a síntese
Fonte: Adaptada de Bordes; Pollet; Avérous (2009).
Uma das principais formas de utilização dos polímeros biodegradáveis é a
obtenção de películas. Estas são finas camadas contínuas, preparadas a partir de materiais
biológicos (ANDREUCCETTI, 2010), que podem ser classificadas em coberturas ou
revestimentos, quando são depositadas diretamente na superfície do alimento, e em filmes,
quando são formadas de forma independente e posteriormente aplicadas da forma desejada.
Para que sejam comestíveis, filmes e revestimentos devem ser formulados apenas com
componentes aprovados para uso em alimentos, e devem ser sensorialmente e funcionalmente
compatíveis com os alimentos aos quais serão aplicados (DEBEAUFORT; QUEZADA-
GALLO; VOILLEY, 1998).
Para a formação de filmes, vários componentes são necessários, cada um com sua
finalidade. Guilbert e Gontard (2005) explicam que, na formulação de bioplásticos ou filmes
comestíveis, deve haver um componente capaz de representar uma matriz, ou seja, um
polímero que tenha coesão e continuidade, formando estruturas contínuas, amorfas ou
cristalinas. Além da matriz (geralmente uma macromolécula), que é o agente formador de
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 7
filme, são necessários o solvente (água, etanol ou outros) e o plastificante (glicerol, sorbitol
ou outros), entre outros componentes específicos de cada tipo de filme, como surfactantes e
ajustadores de pH.
As funções a serem desempenhadas pelo filme dependem do produto alimentício
em que o filme será aplicado, levando em consideração especialmente o tipo de deterioração a
que este produto está sujeito (KESTER; FENNEMA, 1986). As principais funções do filme
são: servir como barreira a elementos externos (umidade, oxigênio, dióxido de carbono,
aromas, lipídios e outros solutos), funcionando como materiais seletivos quanto à
transferência de massa; carregar propriedades ativas, como carrear aditivos alimentares e
agentes antimicrobianos; melhorar a integridade mecânica e as características de manuseio de
alimentos (ANDREUCCETTI, 2010; KESTER; FENNEMA, 1986; QUINTAVALLA;
VICINI, 2002). Todas estas funções servem para proteger o alimento e aumentar sua vida de
prateleira, ou melhorar a funcionalidade do material para que este tenha capacidade de ser
utilizado.
Dentre os filmes biodegradáveis mais estudados estão os filmes à base de
proteínas (VANIN et al., 2005; AKBARI; GHOMASHCHI; MOGHADAM, 2007; ZHAO;
TORLEY; HALLEY, 2008; ZHOU; WANG; GUNASEKARAN, 2009; ANDREUCCETTI et
al., 2011; CHANG et al., 2012; NÚÑEZ-FLORES et al., 2012).
3.1.1 Plastificantes
Os plastificantes são aditivos essenciais para a produção de filmes biodegradáveis
e/ou comestíveis, pois quando adicionados em outro material provocam certas mudanças nas
propriedades físicas, químicas e mecânicas dos mesmos. São substâncias com alto ponto de
fusão e baixa volatilidade. Em termos estruturais, os plastificantes são inseridos na matriz,
aumentando o espaço livre entre as cadeias poliméricas, provocando diminuição das forças
intermoleculares ao longo da matriz, produzindo um decréscimo na força de coesão e na força
de tensão, redução na temperatura de transição vítrea e aumento na flexibilidade e
manuseabilidade, com diminuição de possíveis descontinuidades e zonas quebradiças
(ANDREUCCETTI, 2010).
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 8
O uso de plastificantes em filmes de proteínas modifica a organização molecular
tridimensional da rede protéica, diminuindo as forças de atração intermoleculares e
aumentando o volume livre do sistema. A rede torna-se menos densa com a diminuição das
forças, melhorando a flexibilidade e extensibilidade dos filmes (SOTHORNVIT; KROCHTA,
2000). Isso porque a maioria dos plastificantes apresenta caráter hidrofílico, e, por estes serem
normalmente moléculas pequenas, são facilmente acoplados entre as cadeias poliméricas
devido à sua habilidade em reduzir a formação de pontes de hidrogênio entre as cadeias, o que
provoca esse aumento do volume livre ou da mobilidade molecular dos polímeros
(BODMEIER; PAERATAKUL, 1997).
Segundo Sothornvit e Krochta (2001), a seleção do plastificante é baseada na
compatibilidade entre o plastificante e a matriz (no caso, a proteína), na retenção pelo filme e
na quantidade necessária para plastificação. Sorbitol e glicerol são os plastificantes mais
utilizados em filmes à base de proteínas.
O glicerol é um composto com baixa massa molar e vem sendo amplamente
utilizado no processamento termoplástico de proteínas (SOTHORNVIT et al., 2007). É um
composto polar devido aos radicais hidroxila presentes em sua molécula (Figura 2), por isso é
altamente hidrofílico. Seu alto efeito plastificante é atribuído à facilidade que o glicerol tem
de se inserir e posicionar-se na rede protéica tridimensional (CUQ; GONTARD; GUILBERT,
1998).
Figura 2 - Estrutura do glicerol
Fonte: Beatriz; Araújo; Lima (2011).
Em filmes de gelatina é necessário o uso de plastificantes para reduzir interações
entre as cadeias, atenuando a rigidez e melhorando a flexibilidade do filme (SOTHORNVIT;
KROCHTA, 2001; BERTAN, 2003). Isto porque a gelatina forma uma rede tridimensional
com zonas de junções intermoleculares microcristalinas (SLADE; LEVINE, 1987 apud
VANIN et al., 2005), e a desidratação do sistema pode produzir filmes quebradiços (VANIN
et al., 2005). Vanin et al. (2005) compararam o uso de diversos plastificantes (glicerol, etileno
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 9
glicol, dietileno glicol e propileno glicol) em filmes de gelatina, concluindo que de maneira
geral, em termos de propriedades funcionais, o glicerol apresentou o maior efeito plastificante
e maior eficiência. Rivero; García e Pinotti (2010) estudaram propriedades de barreira,
mecânicas e térmicas com o aumento da quantidade de glicerol e concluíram que foi possível
estabelecer relações entre propriedades físicas e a quantidade de glicerol presente nos filmes
de gelatina, o que permite escolher as condições ótimas para desenvolver os filmes de acordo
com o processo desejado bem como da aplicação específica do filme.
3.2 Filmes à base de proteínas
As proteínas estão entre as principais macromoléculas encontradas em filmes
comestíveis. Devido ao caráter hidrofílico das proteínas, os filmes têm boa barreira a gases,
porém pobre barreira à umidade (NUSSINOVITCH, 2009; ANDREUCCETTI;
CARVALHO; GROSSO, 2009). Estes são sensíveis às condições ambientais, especialmente à
umidade relativa, devido à característica higroscópica desse tipo de material.
Filmes de proteínas são mais atrativos comparados com filmes de lipídeos e
polissacarídeos, pois, além de serem fonte de nutrientes, apresentam propriedades superiores
de barreira a gases. Por exemplo, a permeabilidade a oxigênio de filmes de proteína de soja
quando não estão úmidos é 500, 260, 540 e 670 vezes mais baixa do que a do polietileno de
baixa densidade, metilcelulose, amido e pectina, respectivamente (AKBARI;
GHOMASHCHI; MOGHADAM, 2007). Esta boa barreira ao oxigênio se deve à baixa
permeabilidade a substâncias apolares, conferida pela alta densidade de energia coesiva que as
proteínas apresentam, e à sua natureza polar (MAIA et al., 2000). Deve-se enfatizar também
sua baixa permeabilidade ao vapor de água comparada a filmes de polissacarídeos, devido à
sua estrutura mais linear e baixo volume livre (MILLER; KROCHTA, 1997).
As propriedades mecânicas de filmes proteicos são também melhores do que as de
filmes de polissacarídeos e lipídeos porque as proteínas têm uma estrutura específica que
confere uma maior gama de propriedades funcionais, especialmente elevado potencial de
interações intermoleculares (AKBARI; GHOMASHCHI; MOGHADAM, 2007). Isso se deve
ao fato de as proteínas apresentarem uma larga variedade de interações e reações químicas
possíveis (HERNANDEZ-IZQUIERDO; KROCHTA, 2008): reações químicas por meio de
ligações covalentes (peptídeo e dissulfeto) e ligações e interações não covalentes (hidrogênio,
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 10
iônica, e ligações de van der Waals). Além disso, interações hidrofóbicas ocorrem entre
grupos não-polares de cadeias de aminoácidos (KOKINI et al., 1994). Os tipos de ligação das
proteínas variam quanto ao tipo de proteína e quanto às condições ambientais (KINSELA,
1984). Na formação de filmes à base de proteínas deve-se considerar a influência direta dessas
interações nas suas propriedades (KINSELA, 1984), pois estas são responsáveis pela melhoria
das propriedades dos filmes em relação a outros materiais.
A capacidade de formação de película de várias proteínas tem sido utilizada em
aplicações industriais por um longo tempo (CUQ; GONTARD; GUILBERT, 1998). Proteínas
como a caseína, proteínas do soro de leite e zeína do milho têm sido utilizadas na formulação
de película comestível como uma barreira contra a umidade, já que são abundantes, baratas e
facilmente disponíveis (AKBARI; GHOMASHCHI; MOGHADAM, 2007). Além destas
proteínas, outras utilizadas em aplicações comerciais são o colágeno, albumina, e proteínas
miofibrilares do peixe (ZHAO; TORLEY; HALLEY, 2008). Na indústria de alimentos, a
gelatina é utilizada como um ingrediente para melhorar a elasticidade, consistência e
estabilidade de alimentos, sendo utilizada na produção de confeitos, filmes comestíveis,
encapsulação, clarificação de sucos de frutas, processamento de laticínios, sopas, etc
(SHAKILA et al., 2012).
Existem sérias preocupações quanto ao desempenho de filmes de proteína em
embalagens de alimentos e esforços significativos têm sido feitos para melhorar as
propriedades de várias proteínas aplicando a tecnologia de nanocompósitos (ARORA;
PÁDUA, 2010).
3.2.1 Colágeno e gelatina
A gelatina é um complexo produzido por hidrólise parcial do colágeno animal
(NUSSINOVITCH, 2009), constituído essencialmente por proteínas (entre 85 e 92%), além
de sais minerais e umidade ainda deixada depois da secagem (SCHRIEBER; GAREIS, 2007).
É muito utilizada em alimentos, medicamentos, fotografia e indústria de cosméticos (BAE et
al., 2009; PRANOTO; LEE; PARK, 2007). Esta se caracteriza por ser um hidrocolóide,
portanto com natureza hidrofílica (ARVANITOYANNIS, 2002). A Figura 3 apresenta a
estrutura básica da gelatina.
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 11
Figura 3 - Estrutura básica da gelatina.
Fonte: Smitha et al. (2007).
Atualmente a gelatina é um ingrediente versátil na indústria de alimentos
(GÓMEZ-GUILLÉN et al., 2002; KARIM; BHAT, 2009) pois pode ser utilizada para
melhorar a consistência, elasticidade e estabilidade dos alimentos. Além disso, sua atividade
biológica tem sido identificada no hidrolisado de gelatina e outras proteínas (ALEMÁN et al,
2011; GÓMEZ-GUILLÉN et al., 2011).
Além das características físico-químicas, os principais atributos que melhor
definem a qualidade comercial de gelatina são a força de gel e estabilidade térmica
(temperatura de fusão e de gelificação) e método de obtenção (GÓMEZ-GUILLÉN et al.,
2011; SHAKILA et al., 2012 ).
O colágeno (Figura 4) é composto por proteínas de estrutura linear, como fibras
(SCHRIEBER; GAREIS, 2007). É uma proteína abundante presente nos tecidos conectivos
de animais vertebrados (cerca de 50% do total da proteína humana) e invertebrados
(ARVANITOYANNIS, 2002), sendo a principal proteína fibrosa que constitui ossos,
cartilagens e peles (GÓMEZ-GUILLÉN et al., 2011). A gelatina origina-se da dissociação
térmica ou química das cadeias polipeptídicas do colágeno, em que o colágeno insolúvel é
convertido em gelatina solúvel (em temperaturas acima de 50 °C) através de hidrólise ácida
ou básica. Sendo o colágeno produzido pelo processo ácido classifica-se a gelatina resultante
em tipo A e, pelo processo básico, gelatina tipo B (ARVANITOYANNIS, 2002).
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 12
Figura 4 - Estrutura tripla hélice do colágeno: (a) filamento (b) modelo compacto.
Fonte: Vulcani (2004).
A estrutura da gelatina é semelhante à do colágeno, por isso, a gelatina é uma
mistura complexa de vários aminoácidos com sequências geralmente idênticas, predominando
sempre duas cadeias iguais designadas por α1, e uma terceira por α2. Estas cadeias são
enroladas em torno de um eixo comum, por isso, essa estrutura é conhecida como tripla hélice
(MENESES, 2007). A estrutura tripla-hélice é estabilizada pela formação de pontes de
hidrogênio intercadeias entre os grupos C=O e N−H e durante o processo de desnaturação, a
estrutura tripla-hélice é quebrada para formar estruturas aleatórias em forma de espiral (DAI;
CHEN; LIU, 2006). O colágeno insolúvel deve ser pré-tratado antes de ser convertido em
uma forma adequada para extração, a qual é feita normalmente pelo aquecimento da água a
temperaturas maiores que 45°C (GÓMEZ-GUILLÉN et al., 2011). Um pré-tratamento
químico irá quebrar as ligações não-covalentes e desorganizar a estrutura das proteínas,
produzindo expansão adequada e solubilização (STAINSBY, 1987 apud GÓMEZ-GUILLÉN
et al., 2011), enquanto um tratamento térmico posterior cliva as ligações covalentes e de
hidrogênio para desestabilizar a estrutura tripla-hélice, resultando na transição de estrutura
hélice para espiral e conversão em gelatina solúvel (GÓMEZ-GUILLÉN et al., 2002). O grau
a) b)
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 13
de conversão do colágeno em gelatina está relacionado com a gravidade do pré-tratamento, do
processo de extração de água quente, e como uma função do pH, temperatura e tempo de
extração (JOHNSTON-BANKS, 1990), além das propriedades e do método de preservação da
matéria-prima inicial (KARIM; BHAT, 2009).
Os polipeptídios presentes na gelatina podem ser diferentes, dependendo da
origem da matéria-prima utilizada na sua produção (ossos, peles bovinas e suínas e de tecidos
conectivos). Independente da fonte, a gelatina contém 18 aminoácidos (Tabela 1), sendo
predominantes a glicina e a alanina, contabilizando aproximadamente de um terço a metade
do total dos resíduos de aminoácidos. A glicina é predominante no resíduo terminal N da
gelatina obtida pelo processo básico, enquanto que a alanina tende a ser predominante na
processada em meio ácido (ANDREUCCETTI, 2010). A prolina e hidroxiprolina também são
predominantes, contabilizando aproximadamente um quarto dos resíduos de aminoácidos, e
estão presentes tanto na gelatina tipo A quanto na tipo B (DJAGNY et al., 2001).
Tabela 1 - Composição dos aminoácidos das gelatinas tipo A e tipo B (fontes em geral).
Aminoácidos Gelatina do Tipo A1 Gelatina do Tipo B
1
Glicina 33,0 33,5
Prolina 13,2 12,4
Alanina 11,2 11,7
Hidroxiprolina 9,1 9,3
Ácido glutâmico 7,3 7,2
Arginina 4,9 4,8
Ácido aspártico 4,5 4,6
Serina 3,5 3,3
Lisina 2,7 2,8
Valina 2,6 2,2
Leucina 2,4 2,4
Treonina 1,8 1,8
Fenilalanina 1,4 1,4
Isoleucina 1,0 1,1
Hidroxilisina 0,6 0,4
Histidina 0,6 0,4
Metionina 0,4 0,4
Tirosina 0,3 0,1 1Número de resíduos de aminoácidos em base a 100 resíduos totais. Fonte: GENNADIOS et al.
(1994) apud ANDREUCCETTI (2010).
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 14
A gelatina pode ser dissolvida indiretamente, através de repouso de suas partículas
em água até formação de uma massa homogênea seguido de aquecimento (50-60 °C) até a sua
dissolução completa, com a adição de água quente (60-80 °C) sob forte agitação. O método
direto, devido à agitação, pode fazer com que a gelatina espume (JOHNSTON-BANKS,
1990), o que é inconveniente na elaboração de filmes comestíveis.
Acima de 35 °C, a gelatina existe como uma única molécula numa configuração
que não pode formar cadeias de ligações de hidrogênio, enquanto que a temperaturas mais
baixas, a gelatina tem um dobramento da configuração do colágeno capaz de formar cadeias
de ligações de hidrogênio. Por isso, é importante que a secagem de filmes de gelatina seja
feita a temperaturas menores que 35 °C.
As fontes mais abundantes de gelatina são pele de porco (46%), couro bovino
(29,4%) e ossos suínos e bovinos (23,1%) (GÓMEZ-GUILLÉN et al., 2011). A gelatina de
peixe contribuiu com menos de 1,5% do total da produção de gelatina em 2007, mas esta
porcentagem foi o dobro de 2002, indicando que a produção dessa gelatina como alternativa
para mamíferos tem crescido em importância (GELATINE MANUFACTURE OF EUROPE,
2012). Devido a diversas razões, tais como proibição religiosa relacionada a produtos suínos
por parte dos muçulmanos e judeus e produtos bovinos por parte dos hindus (PRANOTO;
LEE; PARK, 2007) e preocupações sobre a disseminação da encefalopatia espongiforme
bovina (BSE), alternativas para essas gelatinas obtidas de mamíferos estão em crescente
demanda (CHIOU et al., 2008; BAE et al., 2009). Por isso, gelatinas de peixes vêm sendo
bastante estudadas por ser alternativa potencial (PRANOTO; LEE; PARK, 2007). Estas são
obtidas principalmente de peles, ossos, nadadeiras, escamas e bexigas natatórias (SHAKILA
et al., 2012).
Uma das limitações da gelatina de peixe é que suas temperaturas de gelificação e
de fusão são relativamente baixas, além de suas propriedades mecânicas serem pobres quando
comparadas às de gelatinas de mamíferos (BAE et al., 2009; GÓMES-GILLÉN et al., 2011).
Isto é principalmente devido ao fato de que a gelatina de peixe contém quantidades inferiores
de prolina e hidroxiprolina (BAE et al., 2009; GÓMEZ-GUILLÉN et al., 2011). No entanto,
estudos relativamente recentes têm apontado que gelatinas de espécies de peixes tropicais e
subtropicais de água quente (tilápia, perca do Nilo, bagre) podem ter estabilidade térmica
semelhante a gelatinas de mamíferos, dependendo da espécie, tipo de matéria-prima e
condições de processamento (KARIM; BHAT, 2009, GÓMEZ-GUILLÉN et al., 2011).
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 15
As matérias-primas de peixe e aves têm recebido considerável atenção nos
últimos anos, mas sua produção limitada torna o preço destas menos competitivas em relação
às gelatinas de mamíferos (GÓMES-GILLÉN et al., 2011). Além dos aspectos citados
socioculturais e sanitários, o crescente interesse na boa utilização de subprodutos da indústria
de peixe é uma das razões do interesse que abrange a exploração de diferentes espécies e
otimização da extração de gelatina de peixe (GÓMEZ-GUILLÉN et al., 2011; KARIM;
BHAT, 2009).
3.2.2 Filmes à base de gelatina
A gelatina foi um dos primeiros materiais utilizados na formação de filmes de
biopolímeros e continua sendo utilizada em estudos de filmes comestíveis, graças à
abundância de matéria-prima, baixo custo de produção, disponibilidade global, e excelente
propriedade de formar filmes (VANIN et al., 2005).
A gelatina forma filmes claros, flexíveis, fortes e de boa barreira a oxigênio, cujas
propriedades são influenciadas pela temperatura de secagem (NUSSINOVITCH, 2009).
Vários estudos vêm sendo feitos com filmes de gelatina de várias origens, a maioria com o
objetivo de melhorar as propriedades de barreira a vapor de água desse material.
Revestimentos comestíveis com gelatina reduzem a migração de oxigênio, umidade e óleo ou
podem carrear agentes antioxidantes ou antimicrobianos (KROCHTA; MULDER-
JOHNSTON, 1997).
Os principais tipos de gelatina utilizados em filmes encontrados na literatura são a
gelatina de porco (SOBRAL et al., 2001; PEÑA et al., 2010) e a bovina (CARVALHO;
GROSSO, 2006; RIVERO; GARCÍA; PINOTTI, 2010). Andreucetti, Carvalho e Grosso
(2009 e 2010) e Andreucetti et al. (2011) estudaram o efeito de plastificantes hidrofóbicos e
surfactantes em gelatina de porco e observaram que estes diminuíram levemente a
permeabilidade ao vapor de água e, em alguns casos, melhoraram as propriedades mecânicas,
mas não foram efetivos para melhorar a barreira a vapor de água, sendo necessários mais
estudos.
Estudos sobre a produção e caracterização de filmes utilizando-se gelatina de
peixe são razoavelmente recentes, os quais mostram que todas as gelatinas de peixe estudadas
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 16
possuem ótima propriedade de formar filme, relativa transparência, solubilidade em água e
alta extensibilidade (CARVALHO et al., 2008; GÓMES-GILLÉN et al., 2007;
JONGJAREONRAK et al., 2006; ZHANG et al., 2007).
Entre os trabalhos com gelatina de peixe estão o de Ahamad et al. (2012), que
elaboraram filmes a partir de pele de peixe tropical marinho (Aluterus monoceros) conhecido
como peixe-porco, usado na produção de filés na Tailândia, e incorporaram óleos essenciais
para melhorar propriedades físico-químicas e antimicrobianas. Chiou et al. (2008) estudaram
o efeito de ligações cruzadas nas propriedades de biodegradação, mecânicas, térmicas e de
barreira de filmes de gelatina de peixes de água fria. Pranoto; Lee e Park (2007) estudaram o
efeito da adição de polissacarídeos (gelana e carragenana) nas propriedades de filmes de
gelatina de pele de tilápia, e concluíram que estas foram um pouco melhoradas. Outros
trabalhos e fontes de gelatina estão citados em Karim; Bhat (2009); Gómes-Gillén et al.
(2007) e Gómes-Gillén et al. (2011). Estes últimos autores citam a importância da tilápia na
elaboração de filmes.
3.2.3 Tilápia
A produção mundial de pescado (proveniente tanto da pesca extrativa quanto da
aquicultura) atingiu aproximadamente 146 milhões de toneladas em 2009 e 142 milhões de
toneladas em 2008, e o Brasil, neste contexto, contribuiu com 1.240.813 t em 2009,
representando 0,86% da produção mundial de pescado, além de apresentar crescimento nos
últimos anos, registrando-se um incremento de 2% no ano de 2010 em relação a 2009, com
produção de 1.264.765 t (FAO, 2010). Entre os fatores que contribuíram para este
crescimento estão a produção da pesca extrativa continental e a aquicultura continental, que
fecharam em alta em relação a 2009, com acréscimos de 3,9% e 16,9%, respectivamente
(BRASIL, 2010). Destaca-se o crescimento da Região Nordeste como o maior produtor de
pescado do país e o Ceará como quarto maior produtor nacional e segundo maior produtor
regional, apresentando-se como segundo maior produtor da aquicultura marinha, quarto maior
produtor da aquicultura continental, quinto maior produtor da pesca extrativa continental e
oitavo maior produtor da pesca extrativa marinha.
A tilápia (Oreochromis niloticus) apresenta importante papel na aquicultura
mundial e o Brasil tem potencial para se tornar o principal criador do mundo dessa espécie,
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 17
devido ao clima tropical que permite a produção e crescimento de tilápia ao longo do ano
(BOTARO et al., 2011). Além disso, o Brasil é um importante produtor e exportador de soja e
milho, ingredientes que são a base da alimentação da maioria dos peixes (BOTARO et al.,
2011). De acordo com o Boletim Estatístico da Pesca e Aquicultura (BRASIL, 2010), a tilápia
apresenta destaque na aquicultura continental nacional, sendo a espécie mais produzida,
representando 39,4% da produção, seguida da carpa, segundo mostra a Tabela 2. O Estado do
Ceará apresenta enorme potencial para o cultivo de tilápia devido aos diversos recursos
naturais existentes no estado (SEBRAE, 2008) sendo o maior produtor nacional dessa espécie.
Tabela 2 – Produção de pescado (t) da aquicultura continental por espécie.
Espécie Produção (t)
2008 2009 2010
Total 282.008,1 337.353,0 394.340,0
Bagre 2.912,5 3.484,1 4.073,4
Carpa 67.624,2 80.895,5 94.579,0
Cascudo 26,5 31,7 37,1
Curimatã 3.736,5 4.469,9 5.226,0
Jundiá 911,0 1.090,0 1.274,3
Matrinxã 2.131,8 2.550,5 2.981,9
Pacu 15.190,0 18.171,0 21.245,1
Piau 5.227,0 6.252,0 7.227,6
Pirarucu 7,4 8,9 10,4
Pirapitinga 560,2 670,2 783,6
Piraputanga 976,3 1.168,0 1.365,6
Pintado 1.777,8 2.126,7 2.486,5
Tambacu 15.459,0 18.492,8 21.621,4
Tambaqui 38.833,0 46.454,1 54.313,1
Tambatinga 3.514,6 4.204,3 4.915,6
Tilápia 111.145,3 132.958,3 155.450,8
Traíra 190,4 227,7 266,3
Truta 3.662,6 4.381,4 5.122,7
Outros 8.122,0 9.715,9 11.359,6
Fonte: Brasil (2010).
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 18
A tilápia possui características que a colocam no pódio das principais espécies
cultivadas comercialmente: é uma espécie que aceita diversos tipos de alimentos, tem
capacidade de aproveitar alimentos naturais em viveiros apresentando boa conversão
alimentar e excelente crescimento, apresenta facilidade de reprodução e obtenção de alevinos,
possibilidade de manipulação hormonal do sexo para produção de machos e resistência às
doenças (SIMÕES et al., 2007; BORDIGNON, 2010).
A tilápia do Nilo é a espécie mais utilizada para beneficiamento sendo processada
para obtenção de filés frescos ou congelados, sem peles (BORDIGNON, 2010). O rendimento
da produção de filé geralmente fica em torno de 30% enquanto os 70% restantes são resíduos
do processamento (FREITAS et al., 2012) que incluem: 14% de cabeça, 30% de carcaça, 10%
de pele e 1% de escamas. Os resíduos gerados da cadeia da piscicultura, principalmente em
relação à tilápia após a filetagem, se constituem em uma diversidade de matérias-primas de
alta qualidade, podendo ser transformadas em diversos subprodutos destinados à produção
dos mais variados produtos e agregando valor econômico considerável à produção de
tilapicultura (BORDIGNON, 2010). De acordo com uma pesquisa de mercado realizada pelo
SEBRAE (2008), a maioria dos produtores extraem e vendem o filé por um bom preço, mas a
grande quantidade de resíduos resulta em uma perda considerável na produtividade. O lixo é
vendido para produção de ração ou farinha de peixe, apresentando baixa rentabilidade.
Após a obtenção dos filés de tilápia, uma considerável quantidade de carne
permanece ligada às espinhas (FREITAS et al., 2012). O aparecimento de equipamentos
capazes de separar o material muscular agregado às espinhas com facilidade foi a grande
inovação tecnológica para recuperação dos resíduos de pescados (PESSATTI, 2001). Este
material é denominado carne mecanicamente separada (CMS). A polpa de peixe obtida a
partir da máquina (cerca de 14% do peso da tilápia in vivo) pode ser usada na obtenção de
outros produtos com maior valor agregado (FREITAS et al., 2012). Uma grande quantidade
de resíduos ainda resta após a obtenção de CMS, incluindo pele e espinhas, ricos em
colágeno. A produção de gelatina de peixe é considerada como a melhor forma de processar
resíduos da indústria de pescado (GÓMEZ-GUÍLLEN et al., 2002)
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 19
3.3 Nanocompósitos
Compósitos poliméricos têm sido amplamente utilizados, pois sabe-se que a
utilização de um polímero, a matriz, e um ou mais enchimentos sólidos, a fase dispersa,
permitem a obtenção de várias vantagens e, em particular, a combinação das propriedades
principais de cada fase sólida utilizada (MANTIA; MORREALE, 2011). Fibras, plaquetas e
partículas têm sido usadas por décadas para formar compósitos (materiais com uma fase
contínua, ou matriz, e uma fase descontínua, ou de enchimento) poliméricos com
propriedades mecânicas e térmicas melhoradas. Um recente avanço em materiais compósitos
é o avanço da nanotecnologia (WEISS; TAKHISTOV; MCCLEMENTS, 2006).
Nanocompósitos são definidos como compósitos em que uma das fases tem, no
mínimo, uma dimensão em escala nanométrica (1 a 100 nm) (ROOHANI et al., 2008;
WEISS; TAKHISTOV; MCCLEMENTS, 2006; DUNCAN, 2011). Segundo Bordes; Pollet e
Avérous (2009), nanocompósitos são novos materiais com propriedades drasticamente
melhoradas devido à incorporação de pequenas quantidades de nano-enchimentos em uma
matriz polimérica. As fases que compõem os nanocompósitos são insolúveis entre si e
apresentam uma nítida interface de separação, a qual tem extrema influência nas propriedades
do material (PAUL; BUCKNALL, 2000).
Bordes; Pollet e Avérous (2009) classificam as nanopartículas de acordo com a
sua morfologia, tais como partículas que são (i) em placas (por exemplo, nanoargilas), que
têm apenas uma dimensão na nanoescala, (ii) esféricas (por exemplo, nanoesferas de sílica),
que têm as 3 dimensões na nanoescala, ou (iii) aciculares (por exemplo, nanofibras de
celulose emaranhados, nanotubos de carbono), que têm 2 dimensões nanométricas. Suas
dimensões geométricas específicas e proporções afetam em parte as propriedades finais dos
materiais.
As propriedades dos nanocompósitos irão depender das características físicas e
químicas das fases, da microestrutura e da morfologia da matriz e da fase dispersa, da fração
mássica ou volumétrica desta última, bem como da escolha das condições de processamento e
conformação que assegurem uma microestrutura e interface finais adequadas para o
nanocompósito (PAUL; BUCKNALL, 2000). Propriedades mecânicas e térmicas de
nanocompósitos muitas vezes diferem bastante das dos materiais que os compõem (WEISS;
TAKHISTOV; MCCLEMENTS, 2006; ARORA; PÁDUA, 2010). Esses materiais
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 20
proporcionam aumento das propriedades de barreira, propriedades mecânicas e resistência ao
calor, se comparados aos polímeros puros e compósitos convencionais (SORRENTINO;
GORRASI; VITTORIA, 2007).
De acordo com Chivrac et al. (2010), a principal razão para as diferenças de
comportamento entre materiais compósitos e nanocompósitos está relacionada com a elevada
área superficial da fase descontínua destes últimos, resultando em intensa interação entre a
matriz e as nanopartículas. Por essa razão, os nanocompósitos podem apresentar propriedades
semelhantes aos compósitos tradicionais utilizando menores concentrações de carga, o que
reduz o custo do material e pode diminuir a densidade e aumentar a tenacidade do mesmo
(RAMOS FILHO et al., 2005). Uma dispersão uniforme das nanopartículas leva a uma área
interfacial matriz/enchimento muito maior, o que muda a mobilidade molecular, o
comportamento de relaxação e, consequentemente, as propriedades térmicas e mecânicas do
material (AZEREDO et al., 2009).
Muitos tipos de nanopartículas podem ser utilizados em nanocompósitos,
dependendo da aplicação. Dentre as mais estudadas estão as nanoargilas, principalmente a
montmorilonita (BAE et al., 2009; CHIVRAC et al., 2010; HAROUN; AHMED; EL-
GHAFFAR, 2011) e as nanofibras ou nanocristais de celulose (AZEREDO et al., 2009).
3.3.1 Celulose e nanocristais de celulose
A celulose é um biopolímero muito abundante. É o maior polímero estrutural da
parede celular das plantas, sendo composta por agregações de microfibrilas de celulose
embebidas nas matrizes de hemicelulose e lignina, e pode também ser sintetizada por algumas
bactérias (JIANG et al., 2008; EICHHORN et al., 2010). A unidade de repetição do polímero
de celulose é conhecida por conter dois anéis de anidroglicose ligados por ligação glicosídica
β-1,4 desta unidade chamada celobiose, como mostra a Figura 5 (EICHHORN et al., 2010).
Estes últimos autores afirmam que a rede de ligações de hidrogênio torna a celulose um
polímero relativamente estável, que não se dissolve facilmente em típicos solventes aquosos e
não tem ponto de fusão.
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 21
Figura 5 - Unidade de repetição da celulose.
Fonte: Eichhorn et al., 2010.
Compósitos reforçados com fibras de celulose têm recebido muita atenção e têm
sido foco de vários trabalhos de pesquisa devido às características da celulose: baixa
densidade, não abrasiva, não tóxica, baixo custo e propriedades biodegradáveis (KALIA et
al., 2011).
Isolados de materiais celulósicos com uma dimensão na escala nanométrica são
referidos genericamente como nanoceluloses, entre os quais se destacam os cristalitos,
nanocristais, ou “whiskers” (KLEMM et al., 2011). Em plantas ou animais as cadeias de
celulose são sintetizadas para formar microfibrilas (ou nanofibras), que são feixes de
moléculas que são elongadas e estabilizadas através de ligações de hidrogênio (AZIZI
SAMIR; ALLOIN; DUFRESNE, 2005).
Usando processos de hidrólise ácida, as microfibrilas de celulose, representadas
na Figura 6, podem ser desintegradas e separadas em cristalitos elementares tipo agulha,
denominados frequentemente nanocristais de celulose, os quais têm o potencial de reforçar
polímeros significativamente utilizando-se baixa quantidade (JIANG et al., 2008).
Nanocristais de celulose (NC), também conhecidos como whiskers, são os domínios
cristalinos de fontes celulósicas (SILVA; D’ALMEIDA, 2009). Estes consistem de cristais de
celulose com larguras de 5-70 nm e comprimentos de 100 nm a vários micrômetros. Eles são
gerados pela remoção das partes amorfas de uma fonte de celulose purificada por hidrólise
ácida, muitas vezes seguida de tratamento ultrassônico.
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 22
Figura 6 - Estrutura interna de uma microfibrila de celulose.
(A) uma cadeia de celulose; (B) uma fibra elementar contendo feixes de cadeias de nanocelulose; (C) fibrilas
elementares paralelas; (D) quatro microfibrilas mantidas juntas por hemicelulose e lignina.
Fonte: Ramos (2003).
A produção de celulose na escala nano e aplicação em compósitos tem ganhado
atenção graças à sua alta força e rigidez combinados com seu baixo peso, biodegradabilidade
e renovabilidade (KALIA et al., 2011). Eichhorn et al. (2010) explicam que estas
características se devem à quebra da estrutura hierárquica da planta em nanofibras
individualizadas de cristalinidade elevada, com uma redução das partes amorfas. Além de
serem amplamente disponíveis, nanofibras de celulose são facilmente recicladas por
combustão e requerem baixo consumo de energia na sua fabricação (AZEREDO, 2009).
Todas estas características tornam as nanofibras de celulose uma classe atrativa de
nanomateriais para elaboração de nanocompósitos.
Azeredo et al. (2009) utilizaram nanocristais de celulose como reforço em filmes
comestíveis à base de purê de manga. Os nanocristais se mostraram eficientes no aumento da
resistência à tração, e mais ainda sobre o módulo de Young, sugerindo a formação de uma
rede fibrilar dentro da matriz. Estes também foram efetivos na barreira a vapor de água, e
provocaram uma pequena mudança na temperatura de transição vítrea (Tg) do material, o que
mostra que as propriedades de filmes de purê de manga podem ser melhoradas
significativamente através do reforço com nanocristais de celulose. Existem outros trabalhos
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 23
utilizando nanocelulose com diversas matrizes (CHO; PARK, 2011; LU; WENG; CAO,
2005; AZEREDO et al., 2012; MESQUITA et al., in press).
Recentemente, começou a ser estudado o efeito de nanomateriais nas propriedades
de filmes de gelatina. Chang et al. (2012) estudaram o efeito da nanocelulose bacteriana com
agentes reticulantes em filmes de gelatina de tilápia, visando melhorar sua hidrofilicidade e
resistência mecânica. Wang et al. (2012) estudaram propriedades físicas e composição
química de compósitos de nanofibras de celulose bacteriana e gelatina reticulados com
procianidina para aplicação na engenharia de tecidos. George e Siddaramaiah (2012)
estudaram as propriedades de filmes de gelatina adicionados de nanocristais de celulose
bacteriana avaliando propriedades de barreira, mecânicas e térmicas.
O estudo do uso de ultrassom é de extrema importância para se garantir boa
dispersão dos nanocristais de celulose, tanto em suspensão quanto em matrizes poliméricas,
por isso tem sido reportado por vários pesquisadores como pré-requisito para alcançar
resultados desejáveis quando da aplicação dessas nanopartículas como materiais de reforço
mecânico (SILVA; D’ALMEIDA, 2009). Segundo Xing et al. (2010), o termo ultrassom é
usado para descrever ondas sonoras com frequência entre 20 kHz e 10 MHz, que estão acima
dos limites de audibilidade humana (16 Hz a 16 kHz), e o mecanismo primário dos efeitos
químicos sonoros vêm da cavitação acústica, ou seja, da formação, crescimento e colapso de
bolhas. Durante a cavitação, o colapso de bolhas produz intenso aquecimento local
(temperaturas maiores que 5000 K), altas pressões (em torno de 50 MPa) e tempos de vida
muito curtos, por isso a cavitação ultrassônica em sistemas sólido-líquido tende a produzir: (a)
danos à superfície nas interfaces sólido-líquido pelo choque de ondas e microjatos; (b)
geração de colisões de alta velocidade entre partículas em suspensão, e (c) a fragmentação de
sólidos frágeis para aumentar a área superficial (XING et al., 2010; SUSLICK; PRICE,
1999).
As fontes de celulose são variáveis, e o seu grau de cristalinidade influencia
fortemente as dimensões dos cristais liberados: algodão, madeira, e Avicel® (celulose
microcristalina) produzem uma distribuição estreita de “nanorods” altamente cristalinos (90%
de cristalinidade), com largura de 5 a 10 nm, e comprimento de 100 a 300 nm, enquanto que
outras fontes, tais como tunicados (extraídos a partir de animais marinhos), bactérias e algas
geram cristais com polidispersões maiores e dimensões comparáveis aos da celulose
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 24
microfibrilada (CMF) (largura: 5-60 nm, comprimento: 100 nm a vários micrômetros), de
acordo com Klemm et al. (2011).
3.3.2 Línter
O línter é um dos subprodutos do esmagamento das sementes para a produção do
óleo de algodão. Este é definido como uma camada de fibras curtas, entre 3 e 12 mm, que
permanecem ligadas à semente após a retirada das fibras longas, compostas principalmente de
celulose pura, servindo como uma importante matéria-prima para a indústria química, como,
por exemplo, na fabricação de algodão hidrofílico, na indústria de fibras (raion e acetato de
celulose) e papel-moeda, dentre outros usos (ASS, 2004; LU; WENG; CAO, 2005), como
para produzir pólvora e tecidos rústicos. Por apresentar fibras curtas, o línter é visto como um
co-produto de baixo valor, dentro da cadeia produtiva das fibras destinadas ao setor têxtil
(SHI; SHANNON; PELKY, 2010).
Na semente do algodão, 40% da sua massa são fibras, enquanto os 60% restantes
são de caroço. O teor de línter, no caroço de algodão, pode variar de 4% a 8% em massa
(ARAUJO et al., 2003) que, em geral, é prensado juntamente com o caroço para extração de
óleo, e produção da torta de algodão, a qual é usada na formulação de rações destinadas a
ruminantes.
Em média, pode-se obter cerca de 50 kg de línter por tonelada de sementes. Para o
plantio, a semente é deslintada com o objetivo de facilitar esta operação, aumentar o valor
cultural da semente do algodão e protegê-la de alguns patógenos causadores de doenças. Esta
operação é feita por via mecânica, na qual fica ainda 1 a 2% de línter, ou química - via ácido
sulfúrico ou clorídrico -, onde todo línter é digerido. Neste último a semente fica lisa e preta.
Antes de ser processado nos silos, o caroço do algodão é aerado, mantendo-se a umidade em
torno de 12%. Em seguida é limpo utilizando peneiras, para eliminar as impurezas. Já
deslintado, vai para o descascamento para separar a casca da amêndoa. Após o
descaroçamento, a amêndoa vai para moagem, cozimento e, finalmente, para a extração do
óleo, que pode ser mecânica ou química, via uso de solventes (BELTRÃO, 2000).
Estimativas da CONAB (COMPANHIA NACIONAL DE ABASTECIMENTO,
2011), apontam uma produção de 3,5 milhões de toneladas de algodão em caroço para a safra
2011/2012, resultando na produção de algodão em pluma em valores próximos a 2,1 milhões
de toneladas, e, por conseguinte, 1,4 milhão de toneladas de caroço de algodão. Admitindo-se
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 25
um teor de línter de 4%, e que metade do caroço de algodão produzido possua línter na
semente, o que é uma subestimativa, pode-se estimar um total de 28 mil toneladas de línter
disponíveis para aproveitamento pela indústria.
Devido ao fato de ser constituído por fibras formadas por celulose quase pura, o
línter serve para destinações especiais como para a produção de nanocelulose, propiciando
altos rendimentos. Trabalhos citam o uso de cristalitos de fibras do línter como reforço
mecânico em compósitos biodegradáveis (LU; WENG; CAO, 2005, ROOHANI et al., 2008),
buscando a substituição de materiais derivados da indústria petroquímica.
3.4 Propriedades dos filmes
Diversos fatores afetam as propriedades de filmes biodegradáveis. Os principais
parâmetros que afetam as propriedades dos filmes à base de gelatina são: fonte da matéria-
prima, método de extração, massa molar, método de preparação do filme, e grau de hidratação
ou presença de plastificante (ARVANITOYANNIS, 2002). A utilização de nanoestruturas
deve interferir em alguns destes parâmetros de modo a afetar positivamente as diversas
propriedades, que serão apresentadas a seguir, de forma geral.
3.4.1 Propriedades de barreira
A vida útil de um produto alimentício é determinada por fatores relacionados ao
próprio produto e/ou ao ambiente externo, principalmente devido a trocas de massa entre
estes, provocando modificações que podem ser químicas, físicas, enzimáticas ou
microbiológicas (MORILLON et al., 2000). A determinação das propriedades de barreira de
um polímero é crucial para estimar e prever a vida útil do produto e embalagem (SIRACUSA
et al., 2008). Os filmes com aplicação em alimentos devem protegê-lo da ação da luz e
umidade, entre outros, sendo a resistência à umidade geralmente a característica mais
importante do filme.
O requisito de barreira específico do sistema de embalagem está relacionado com
as características do produto e com aplicação de uso final a que este é destinado. Geralmente
os plásticos são relativamente permeáveis às moléculas pequenas, tais como gases, vapor de
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 26
água, os vapores orgânicos e líquidos e que proporcionam uma ampla gama de características
de transferência de massa, que podem ser desde excelentes a baixas, o que é importante no
caso dos produtos alimentares (SIRACUSA et al., 2008).
Uma das maneiras de reduzir a transmissão de umidade entre o alimento e o meio
ambiente é diminuir o gradiente de pressão de vapor de água, principal força que impede a
difusão do permeante, neste caso, do vapor de água (MAIA; PORTE; SOUZA, 2000). Isto
pode ser conseguido pela redução da temperatura de armazenamento e pelo ajuste dos valores
da atividade de água dos componentes do alimento para valores mais próximos, e pela
utilização de filmes comestíveis.
A permeabilidade dos filmes é a medida obtida através da passagem de um
permeante de um lado do filme para outro quando ambos são expostos a diferentes
concentrações de permeante em um determinado tempo, sendo medida pela diferença de peso
e estabelecendo a temperatura, umidade relativa, espessura e diferença de pressão parcial. A
permeabilidade de gases e vapores em filmes comestíveis pode ocorrer pelos mecanismos de
difusão capilar e difusão molecular, em que o primeiro é dominante em materiais porosos ou
com alguma imperfeição, e o segundo envolve a solubilidade do gás permeante no filme,
difusão através do filme e dessorção do outro lado do filme (FERREIRA, 2006). Os fatores
que afetam os movimentos das cadeias de polímeros incluem forças de atração entre cadeias
(pontes de hidrogênio e interações tipo Van der Waals), grau de interação molecular e taxa de
cristalização (KESTER; FENNEMA, 1986).
Quanto mais hidrofílico for o polímero, mais fácil será a transmissão de umidade,
logo, os filmes protéicos e de polissacarídeos devem ser otimizados. Diversas alterações
podem ser realizadas, como a inserção de ligações cruzadas com ácidos láctico e tânico em
filmes de proteínas, resultando na redução à permeabilidade de umidade do filme, porque as
ligações cruzadas diminuem os deslocamentos segmentais da estrutura do polímero,
diminuindo a difusão ativada, a solubilidade do permeante e, por conseguinte, a
permeabilidade (MAIA, et al. 2000).
3.4.2 Propriedades mecânicas
As propriedades mecânicas dos polímeros são caracterizadas pelo modo com que
esses materiais respondem às solicitações mecânicas aplicadas, que podem ser do tipo tensão
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 27
ou deformação, e o tipo de resposta depende da estrutura química, temperatura, tempo e da
história e condições de processamento do polímero (CANEVAROLO JR, 2006).
As principais propriedades mecânicas avaliadas nos testes mecânicos de
tensão/deformação de polímeros são: tensão de ruptura (MPa), alongamento na ruptura (%) e
módulo elástico (MPa). Estes valores são importantes para obter informações mecânicas dos
biopolímeros para comparar com os polímeros comerciais não-biodegradáveis (SIRACUSA et
al., 2008).
As tensões são calculadas através da razão entre a carga ou força e a área de seção
transversal do corpo de prova, sendo chamada tensão nominal quando a área utilizada para o
cálculo da tensão é a inicial (Ao) e tensão real se a área utilizada no cálculo for a área obtida
no instante do registro de carga (A) (CANEVAROLO JR., 2006). A tensão de ruptura (MPa)
se refere à tensão máxima suportada pelo filme até o momento da ruptura sob as condições de
ensaio, a qual depende da velocidade de deformação aplicada, ou seja:
(1)
em que é a carga máxima necessária (N) e é a área do corte transversal
(m2) das amostras.
O módulo de Young está diretamente relacionado com a rigidez do polímero e é
obtido através da inclinação da curva a baixas deformações (CANEVAROLO JR., 2006):
até 2% de deformação. (2)
O alongamento na ruptura informa sobre a capacidade de alongamento do filme,
ou maleabilidade. O autor citado acima explica que as deformações no escoamento e na
ruptura definem o poder de escoamento das moléculas poliméricas durante o estiramento e
são calculadas através da equação:
(3)
em que , é o comprimento da região útil do corpo de prova no
instante em que a deformação é medida, e é o comprimento inicial da região útil.
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 28
Entre os parâmetros que influenciam as propriedades mecânicas de polímeros
estão a estrutura química, a massa molar, a cristalinidade, e o tipo de plastificante
(CANEVAROLO JR., 2006). No caso de filmes à base de proteínas, estas propriedades vão
depender da aptidão dessas moléculas de formar pontes e/ou numerosas ligações a nível
molecular, além da interação entre as proteínas e os outros componentes e do processo de
obtenção e de secagem (CHAMBI, 2004).
3.4.3 Propriedades térmicas
Entendem-se por propriedades térmicas as respostas ou reações do material à
aplicação de calor, entre as quais está a capacidade térmica (dQ/dT, em que dQ é a energia
necessária para provocar uma mudança dT de temperatura) e dilatação térmica (relacionada à
difusividade do material e temperatura de fusão, entre outros fatores) (PADILHA, 1997).
Temperatura de fusão (Tm) refere-se à temperatura na qual ocorre uma mudança de fase de
primeira ordem (variação de entalpia) nos materiais amorfos. A passagem do estado vítreo (de
alta viscosidade) para o gomoso (mais fluido) ocorre a uma temperatura denominada de
temperatura de transição vítrea (Tg), uma transição de segunda ordem (variação de
capacidade calorífica), específica para cada material, a qual é acompanhada de mudanças nas
propriedades termodinâmicas e mecânicas (CHAMPION; LE MESTRE; SIMATOS, 2000;
AZEREDO, 2004). Esta transição tem como principal consequência o aumento da mobilidade
molecular, que pode resultar em aumento das taxas de alterações químicas (SLADE;
LEVINE, 1991).
As mudanças termodinâmicas citadas podem ser medidas com técnicas
calorimétricas, como a calorimetria diferencial de varredura (DSC). A análise de DSC mede a
diferença de energia necessária à substância e a um material de referência que seja inerte
termicamente, enquanto ambos são submetidos a uma variação controlada de temperatura, de
forma que a amostra e a referência sejam mantidas em condições isotérmicas, uma em relação
à outra, independente do evento térmico que esteja ocorrendo na amostra (MOTHÉ;
AZEVEDO, 2009). Esta análise mede as temperaturas e o fluxo de calor associados com as
transições dos materiais em função da temperatura e do tempo. Estas medidas fornecem
informações qualitativas e quantitativas sobre mudanças físicas e químicas que envolvem
processos endotérmicos (transferência de calor da referência para a amostra) como transições
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 29
de fase, desidratações, reduções e algumas reações de decomposição, e exotérmicos (fluxo de
calor da amostra para a referência) como cristalização, oxidação, reações de decomposição,
ou mudanças na capacidade calorífica (MOTHÉ; AZEVEDO, 2009).
Conforme o calor é transferido através do disco, o fluxo de calor diferencial entre
amostras e referência é monitorado por meio da área do suporte de cada uma das plataformas
(amostra e referência) que corresponde à junção do termopar com o disco. Os termopares são
conectados em série e medem o fluxo de calor diferencial usando o equivalente térmico da lei
de Ohm mostrada na equação:
(4)
em que é o fluxo de calor, é o tempo de intervalo considerado, é a
diferença de temperatura entre a referência e a amostra, é a resistência térmica do disco.
3.4.4 Morfologia dos filmes
A caracterização microscópica dos filmes é importante quando uma melhor
compreensão do comportamento do filme é desejada. A visualização a partir da microscopia
eletrônica de varredura (MEV) permite identificação da incorporação dos materiais formando
uma estrutura homogênea ou ainda a separação dos mesmos originando uma estrutura
heterogênea (FERREIRA, 2006).
A geração das imagens no microscópio eletrônico de varredura é feita através da
incidência de um feixe de elétrons sobre a amostra. Um feixe de elétrons de pequeno diâmetro
explora a superfície da amostra, ponto a ponto, por linhas sucessivas e transmite o sinal do
detector a uma tela catódica cuja varredura está perfeitamente sincronizada com aquela do
feixe incidente. Por um sistema de bobinas de deflexão, o feixe pode ser guiado de modo a
varrer a superfície da amostra segundo uma malha retangular, e o sinal de imagem recolhido
pelo detector, resultante da interação do feixe incidente com a superfície da amostra, é
utilizado para modular o brilho do monitor, permitindo a observação (DEDAVID; GOMES;
MACHADO, 2007). A imagem formada a partir do sinal captado na varredura eletrônica de
uma superfície pode apresentar diferentes características, uma vez que a imagem resulta da
amplificação de um sinal obtido de uma interação entre o feixe eletrônico e o material da
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 30
amostra. Diferentes sinais podem ser emitidos pela amostra, sendo os mais utilizados para
obtenção da imagem originários dos elétrons secundários e/ou dos elétrons retroespalhados.
As imagens obtidas a partir de elétrons retroespalhados são fruto de interações do feixe de
elétrons com os átomos da amostra, em trajetórias quase a 180º e sem perda de intensidade.
Para a formação da imagem, o mecanismo de contraste deste modo de funcionamento é a
dependência da reflexão com o número atômico médio do material, pois o fenômeno de
retroespalhamento depende bastante do número atômico (DEDAVID; GOMES; MACHADO,
2007).
Diversos trabalhos utilizaram a técnica de MEV para avaliar a homogeneidade de
filmes de gelatina (CARVALHO; GROSSO, 2006; CAO et al., 2007; PRANOTO; LEE;
PARK, 2007; ANDREUCCETTI et al., 2011). Pranoto; Lee e Park (2007) realizaram MEV
de filmes de gelatina de pele de tilápia e verificaram a presença de zonas descontínuas nos
filmes, e associaram estas zonas à formação de canais durante o processo de secagem dos
mesmos. Andreuccetti et al. (2011) avaliaram filmes de gelatina adicionados de componentes
hidrofóbicos e surfactantes pela técnica de MEV e observaram superfície homogênea e
contínua, porém foram observados pequenos glóbulos na superfície dos filmes com maior
quantidade de lecitina. Os artigos citados comprovam a importância dessa análise para avaliar
os filmes morfologicamente.
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 31
4 MATERIAIS E MÉTODOS
4.1 Materiais utilizados
A gelatina utilizada foi obtida no Laboratório de Tecnologia de Biomassa da
EMBRAPA Agroindústria Tropical (CNPAT) a partir dos resíduos da filetagem de tilápia
(Oreochromis Niloticus), fazendo parte de um projeto de pesquisa que abrange vários projetos
de dissertação de mestrado com o objetivo de caracterizar e possibilitar a aplicação deste
material. A obtenção dos resíduos foi realizada no Centro de Pesquisas Ictiológicas Rodolpho
Von Ihering (Pentecoste, CE) do Departamento Nacional de Obras Contras a Secas (DNOCS)
em máquina despolpadora de pescado (marca High Tech, modelo HT 250) para obtenção de
carne mecanicamente separada (CMS). Os resíduos são constituídos de pele, cabeças,
escamas, espinhas, nadadeiras peitorais e aparas do toalete do filé.
Para obter a gelatina, foram realizados pré-tratamentos de hidrólise ácida/alcalina
branda para facilitar o processo de obtenção de gelatina a partir do colágeno presente nos
resíduos, e em seguida foi feita extração em água a 45°C por 2 horas. Depois de obtida, a
gelatina foi filtrada e liofilizada. Foi feita moagem em um moinho analítico (IKA, modelo
A11 basic) para tornar a gelatina em forma de pó, seguida de homogeneização em moinho de
bolas para maior uniformização do tamanho das partículas.
Após o processo de hidrólise e obtenção do pó a gelatina de resíduos de CMS de
tilápia final apresentou as seguintes características:
• pH = 5,45;
• Umidade = 17,73% (m/m);
• Força de gel = 139g = 139 Bloom;
• Cor por espectrofotômetro (solução de 6,67%) a 450 nm: 0,471abs;
Cor Hunter: L*= 98,12; a*=7,25; b*=8,78;
• Transparência (solução de 6,67%) a 620nm: 0,359abs;
• Aw (Atividade de Água): 0,596.
O processo simplificado completo está representado no fluxograma da Figura 7.
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 32
Figura 7 – Fluxograma simplificado de obtenção de gelatina a partir de resíduos de CMS da
tilápia.
O plastificante utilizado foi o glicerol (marca Dinâmica, PA).
Os nanocristais de celulose utilizados na elaboração dos filmes foram cedidos
pelo Laboratório de Tecnologia de Biomassa da EMBRAPA – CNPAT, e foram extraídos por
hidrólise ácida a partir de línter do cultivar Delta Opal, cedido pela Embrapa Algodão,
Campina Grande – PB. O línter utilizado continha 81.5 ± 8 % (m/m) de holocelulose, dos
quais aproximadamente 77% (m/m) são alfa-celulose.
Os nanocristais de celulose de línter utilizados foram obtidos a partir de pré-
tratamentos térmicos e químicos, seguidos de hidrólise ácida com ácido sulfúrico 60% (m/m)
a 45°C sob agitação constante por 1 hora. A suspensão final obtida apresentou concentração
de 31,2 g/L. Os nanocristais obtidos continham as seguintes características:
• Dimensões médias: comprimento de 177 nm; largura de 12 nm;
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 33
• Índice de cristalinidade: 90,5%.
4.2 Preparação dos filmes
Foram realizados ensaios preliminares com o objetivo de encontrar a melhor
quantidade de gelatina para obter um filme com espessura adequada observando o aspecto
visual, espessura e facilidade de destacar o filme. Os filmes foram preparados utilizando a
técnica de casting, com uma concentração de 9,6% de gelatina por 100 g de solução
filmogênica e utilizando água como solvente. Glicerol foi adicionado como plastificante em
uma concentração fixa de 25% com base na massa seca de gelatina. A nanocelulose obtida a
partir do línter foi adicionada variando nas concentrações de 0, 5, 10 e 15g/100g de gelatina.
A quantidade de nanocristais foi calculada a partir da concentração da solução utilizada, que
foi de 31 g/L, e a quantidade de água colocada foi somada à quantidade de água acrescentada
na solução de nanocristais de celulose, para obter as mesmas proporções gelatina/água. Foi
avaliada também a utilização do ultrassom nos tratamentos, conforme descrito abaixo.
Para a preparação da solução filmogênica, a gelatina foi hidratada com água na
proporção 1:10 (gelatina/água) em temperatura ambiente e aquecida até 50±5°C. O tempo de
hidratação da gelatina foi o tempo de aquecimento da água (em torno de 20 minutos), e então
a gelatina foi mantida nessa faixa de temperatura por mais 15 minutos. A solução de gelatina
foi agitada periodicamente durante os 15 minutos e o glicerol foi adicionado nos últimos 5
minutos de solubilização. No fim deste período, a solução de gelatina foi homogeneizada em
UltraTurrax IKA T25 a 10000 rpm por 10 min. Nos tratamentos com nanocristais de celulose
(NC) esta foi adicionada em solução 31 g/L, aos poucos, durante os primeiros 2 minutos. Nos
tratamentos com ultrassom, a mistura homogeneizada foi tratada em processador ultrassônico
HIELSCHER UP400S (potência de 400 watts e frequência automática de 24 kHz) por 10
minutos utilizando-se amplitude máxima de 100%, pulso máximo de 1 (o equipamento varia
de 0 a 1) e sonotrodo H22 (de titânio com diâmetro da ponta de 22 milímetros). Em seguida, a
mistura passou por degasagem em bomba de vácuo (BUCHI, modelo V-700) durante 1 hora
para retirar as bolhas formadas durante a agitação. As soluções filmogênicas obtidas foram
vertidas sobre placas de vidro (30 x 30 cm) cobertas por superfície de poliéster (Mylar®),
puxadas com o auxílio de uma barra de alumínio na espessura de 1 mm, e mantidas a 24 ºC
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 34
por 24 horas para secagem do filme. A descrição de cada tratamento está representada na
Tabela 3.
Tabela 3 - Condições experimentais de cada tratamento.
Tratamento Nanocelulose (%) Ultrassom
1 0% sem
2 5% sem
3 10% sem
4 15% sem
5 0% com
6 5% com
7 10% com
8 15% com
4.3 Condicionamento das amostras
O condicionamento foi realizado segundo a norma ASTM D882-00 (2000). Antes
das análises, os filmes permaneceram em dessecadores com solução saturada de nitrato de
magnésio, mantidos a 25°C e UR de 55 ± 2% durante no mínimo 40 horas.
4.4 Espessura e aspecto visual
As espessuras dos filmes foram determinadas utilizando-se um micrômetro digital
(resolução 0,001mm) MITUTOYO, modelo Digimatic Micrometer. A espessura foi fixada
como sendo a média aritmética de, no mínimo, oito medidas aleatórias sobre a área do filme.
O aspecto visual foi avaliado através da homogeneidade e facilidade de remoção do filme das
placas com Mylar.
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 35
4.5 Umidade
A análise de umidade foi realizada segundo INSTITUTO ADOLFO LUTZ (2008)
através da diferença de peso da amostra após secagem em cadinho utilizando estufa com
circulação de ar a 105ºC até obter peso constante. A análise foi realizada em triplicata, antes
do condicionamento das amostras, para verificar a umidade residual após a secagem dos
filmes.
4.6 Permeabilidade ao vapor de água
A permeabilidade ao vapor de água (PVA) foi determinada gravimetricamente
segundo método ASTM E96-00 (ASTM, 2000). Foram utilizadas células de permeação com
49 mm de diâmetro e 13,2 mm de altura (Figura 8) contendo 6 ml de água, mantendo um
espaço livre na célula de 10 mm de altura. Os filmes em formato de disco foram selados no
topo das células, que foram colocadas em dessecador vertical ARSEC DCV-040 com
circulação de ar contendo sílica gel (0% UR) previamente seca a 105 ºC por 24 horas (Figura
9). Foram feitas, no mínimo, 7 repetições para cada tratamento. As células foram mantidas a
25°C e 30% UR durante no mínimo 24 horas e foram pesadas 8 vezes ao longo de 1 dia, com
intervalos de, no mínimo, 1 hora. O ganho de peso foi plotado em função do tempo.
Figura 8 - Célula de permeação com filme de gelatina.
A PVA (em g.mm.kPa-1
.h-1
.m-2
) foi definida como:
(5)
em que TPVA é a taxa de permeabilidade ao vapor de água (declividade da reta
dividida pela área do filme), ou seja, taxa de transmissão de vapor de água (g m-2
h-1
) através
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 36
do filme, calculada a partir da inclinação da linha reta dividida pela área exposta do filme
(m2), e a espessura, e ΔP a diferença de pressão parcial de vapor de água entre as faces do
filme.
Figura 9 - Dessecador utilizado com células de permeação.
4.7 Testes mecânicos
As propriedades mecânicas resistência à tração, elongação na ruptura e módulo
elástico foram medidas de acordo com a norma ASTM D638-01. Foram utilizados corpos de
prova em formato de gravata de 100 mm por 6,3 mm na região de deformação (Figura 10). As
análises foram feitas em quintuplicata, após o condicionamento das amostras, em uma
máquina universal de ensaios Emic DL-3000, com célula de carga de 100 N, separação inicial
entre garras de 5 cm, e velocidade de 10mm/min.
Figura 10 - Corpo de prova utilizado e separação entre garras utilizada nos ensaios mecânicos
com filme de gelatina.
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 37
4.8 Calorimetria Exploratória Diferencial (DSC)
A análise térmica foi realizada em um equipamento DSC, modelo Q20 da marca
TA Instruments (Figura 11), sendo realizada para comparar a influência da nanocelulose (NC)
e do ultrassom nos tratamentos 1 (sem NC sem ultrassom), 4, (15% NC sem ultrassom), 6
(5% NC com ultrassom), 7 (10% NC com ultrassom) e 8 (15% NC com ultrassom). Foi
também feita uma análise comparando o tratamento 8 em diferentes períodos de
armazenamento. A taxa de aquecimento e resfriamento foi a 10°C/min e foi utilizada uma
atmosfera de nitrogênio a uma vazão de 50mL/min.
Figura 11 - Equipamento utilizado na análise de DSC.
As amostras foram pesadas e seladas em cadinhos de alumínio com peso de 8±0,3
mg. Um cadinho vazio foi utilizado como referência (Figura 12). Foi realizado um primeiro
ciclo de aquecimento de -10°C até 180°C para poder apagar a historia térmica do material e
seguidamente a amostra foi resfriada até a temperatura de -10°C. Logo após foi realizado um
segundo de ciclo de aquecimento até a temperatura de 180°C. Todos os dados foram
registrados e armazenados para posterior analise.
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 38
Figura 12 - Cadinhos utilizados na análise de DSC.
4.9 Opacidade
A opacidade dos filmes foi determinada de acordo com método proposto por
Gontard; Gontard e Cuq (1992), utilizando espectrofotômetro (Varian, modelo Cary 50). Os
filmes foram cortados em formato retangular (1 x 4 cm) e colocados dentro de uma cubeta
transparente de vidro. Foi feita uma varredura da absorbância de 400 a 800 nm para cada
tratamento. O espectro foi calibrado com a cubeta sem amostra como 100% de transmitância.
As medidas foram feitas em triplicata. A opacidade foi definida como a área sob a curva,
determinada por integração, por meio do método trapezoidal e expressa como unidades de
absorbância × nanômetros (A.nm).
4.10 Estabilidade por colorimetria
A cor das amostras de filme foi determinada utilizando um colorímetro Konica
Minolta modelo CR-400. A cor foi expressa como L* (luminosidade/brilho), a* (do vermelho
ao verde) e b* (do amarelo ao azul), utilizando o sistema CIE Lab. A diferença total de cor foi
calculada de acordo com a equação 6 (CARVALHO; GROSSO, 2006), em que os valores de
ΔL*, Δa* and Δb* representam a diferença entre o parâmetro de cor da amostra e o parâmetro
de cor do padrão branco. As coordenadas de cor estão representadas na Figura 13. Foram
feitas medições da cor dos tratamentos 1 (controle), 4 (com 15% de NC), 5 (com US) e 8
(com NC e US) de 7 em 7 dias, ao longo de 10 semanas, utilizando um padrão branco para
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 39
avaliar a variação da cor dos filmes com o tempo e avaliar qualitativamente a influência do
uso de ultrassom e de nanocelulose na estabilidade dos filmes. As análises de cor foram feitas
sob a luz do ambiente. Os filmes analisados permaneceram em placas de Petri de vidro
expostas à temperatura e à luz do ambiente durante o armazenamento.
(6)
Figura 13 – Cordenadas de cor CIE LAB (Hunter).
Fonte: González; Vicente (2007).
4.11 Microscopia Eletrônica de Varredura
Para analisar a morfologia dos filmes foi utilizado microscópio eletrônico tipo de
mesa da marca HITACHI, modelo TM3000, tensão aceleração 5kV. Os filmes foram
colocados sobre um plano liso e colados com fita dupla face de carbono, para incidir um feixe
de elétrons. A interação foi gerada por elétrons retroespalhados. Buscou-se analisar a
influência da nanocelulose (NC) e do ultrassom (US) na morfologia de forma qualitativa, por
isso foram escolhidos quatro tratamentos: 1 (gelatina), 4 (gelatina e 15% de NC), 5 (gelatina
com US), 8 (gelatina e 15% de NC com US).
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 40
4.12 Ângulo de Contato
Os ângulos de contato foram medidos de acordo com a norma ASTM D-5725-99
(ASTM, 2003) para avaliar a hidrofilicidade dos filmes. Gotas de água deionizada foram
depositadas sobre a superfície dos filmes previamente condicionados com auxílio de uma
seringa acoplada ao sistema de medida de ângulo de contato. As imagens foram capturadas
por uma câmera Nikon logo após a formação da gota e o ângulo obtido na superfície do filme
foi calculado pelo programa Angle Calculator. Todas as medidas foram realizadas em
temperatura ambiente. Esta análise foi feita com, no mínimo, 6 repetições.
4.13 Análise Estatística
Foi realizado o Teste de Tuckey (P<0,05) para avaliar se houve diferenças
significativas com o aumento de nanocelulose nos filmes e o Teste t (p<0,05) para comparar
amostras com e sem uso de ultrassom. Utilizou-se o programa Minitab, versão 15.
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 41
5 RESULTADOS E DISCUSSÃO
5.1 Espessura e aspecto visual
Todos os filmes se apresentaram com boa aparência (Figura 14), visualmente
homogêneos, sem exsudação aparente, sem áreas quebradiças, sem poros visíveis e fáceis de
remover das placas com Mylar.
A espessura dos filmes verificada após a secagem apresentou média de
0,052±0,003 mm. A espessura fina se deve à baixa quantidade de sólidos no filme.
Figura 14 - Amostra de filme de gelatina sendo removida de Mylar.
5.2 Umidade residual antes do condicionamento dos filmes
A Tabela 4 mostra a variação de umidade residual dos filmes com a variação de
nanocelulose (NC) e comparando o uso de ultrassom (US) em cada tratamento. Observa-se na
Tabela 4 que a umidade dos filmes diminuiu significativamente com o aumento de
nanocelulose a partir de 5%, porém o tratamento com 10% de NC não variou em relação aos
outros. Nos tratamentos com US, os filmes não apresentaram diferenças significativas com a
variação da quantidade de NC. O filme de gelatina sem NC e sem US apresentou valor de
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 42
umidade alto, próximo ao encontrado por VANIN et al. (2005) para filme de gelatina bovina
com 25% de glicerol (21,8%) que pode ser explicado pela hidrofilicidade e alta atividade de
água da gelatina utilizada.
Tabela 4 – Efeito da concentração de nanocristais de celulose e do uso de ultrassom sobre a
umidade de filmes de gelatina de resíduos de tilápia.
Quantidade de
nanocelulose Sem ultrassom Com ultrassom
0% 20,5 aA 17,1 abA
5% 16,1 bA 15,8 bA
10% 16,7 abA 15,9 bA
15% 12,7 bA 15,2 bB
Umidade expressa em % (massa de água/massa de amostra).
Valores na mesma coluna seguidos da mesma letra minúscula não
diferem significativamente (Tukey, p < 0,05);
Valores na mesma linha (mesmo teor de nanocelulose) seguidos da
mesma letra minúscula não diferem significativamente (teste t, p < 0,05).
Observa-se que o uso de US só influenciou significativamente o tratamento com
15% de NC, em que o tratamento com US apresentou umidade significativamente maior,
provavelmente porque a alta quantidade de NC se sobrepôs ao efeito do ultrassom. Em todos
os outros tratamentos, o uso de ultrassom não afetou a umidade dos filmes.
5.3 Permeabilidade ao vapor de água (PVA)
A Figura 15 apresenta os valores de PVA com o aumento da nanocelulose (NC) e
comparando a utilização de ultrassom (US) ou não no processamento dos filmes. Quanto
menor a permeabilidade ao vapor de água, maior a eficiência dos filmes como agentes de
barreira à umidade.
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 43
Figura 15 - Efeito da concentração de nanocristais de celulose e do uso de ultrassom sobre a
permeabilidade a vapor de água de filmes de gelatina de resíduos de tilápia.
As letras após as médias e valores sublinhados indicam resultados de testes estatísticos. Valores na
mesma sequência seguidos da mesma letra não diferem significativamente (Tukey, P<0,05). Pares de
valores sublinhados (mesmo teor de NC) indicam diferenças significativas (teste t, p<0,05).
A PVA dos filmes sem NC apresentou valores entre 2,254 e 2,538 g.mm.kPa-1
.h-
1.m
-2, muito altos se comparados a filmes sintéticos como PEBD, PVC e PP (0,0026-0,0035;
0,0052-0,0069; 0,0018 g.mm.kPa-1
.h-1
.m-2
, respectivamente, segundo Briston, 1988 apud
Andreuccetti, 2010. Estes valores foram próximos ao valor de PVA encontrado por Pranoto;
Lee e Park (2007) para o filme controle de gelatina comercial de pele de tilápia, sem
utilização de glicerol, que foi de 2,40 g.mm.kPa-1
.h-1
.m-2
. Devido à sua característica
hidrofílica, o glicerol pode ter sido um fator que aumentou os valores de PVA, devido ao fato
de que sua alta capacidade de interagir com água facilita a solubilização e permeação do
filme. O glicerol possui baixa massa molar, reduzindo interações proteína-proteína pois é
facilmente inserido entre as cadeias de proteína, aumentando a mobilidade e provocando
maior difusão de água pela matriz do filme, graças à desorganização da rede de proteínas que
se torna menos densa e com maior volume livre (CUQ et al., 1997; SOBRAL et al., 2001;
THOMAZINE et al., 2005, ANDREUCCETTI et al., 2009). Isto já foi comprovado na
literatura (JONGJAREONRAK et al., 2006; SOBRAL et al., 2001; VANIN et al., 2005).
De acordo com o gráfico representado na Figura 15, de forma geral a
incorporação de NC foi eficiente para melhorar ao barreira ao vapor de água dos filmes. A
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 44
resistência a água foi aumentada com o aumento da concentração desses nanocristais, assim
como nos resultados obtidos por Wang et al. (2006) no estudo do efeito de nanocristais
obtidos do línter de algodão em filmes com matriz glicerol-proteína de soja termoplástica, e
também, nos resultados obtidos por George e Siddaramaiah (2012) para filmes de gelatina
adicionados de nanocelulose bacteriana. De acordo com estes últimos autores, esse aumento
de resistência se deve à baixa higroscopicidade de nanocristais de celulose de alta
cristalinidade. Porém, a utilização de 5% de NC não afetou a permeabilidade do filme, pois o
resultado de PVA não apresentou diferença significativa em relação aos filmes não
reforçados, ao contrário dos resultados encontrados por BAE et al. (2009) em filmes de
gelatina de peixe com 5% de MMT. Uma provável explicação é que o processo de
homogeneização não tenha sido eficiente em relação ao tempo de sonicação, fazendo com que
não houvesse boa dispersão dos nanocristais na matriz. BAE et al. (2009) utilizaram um
tempo de sonicação bem maior do que 10 minutos (30 minutos).
Utilizando-se 15% de NC, a diminuição de permeabilidade é significativa, tanto
com US quanto sem o uso de ultrassom, devido à formação de uma rede polimérica mais
densa e com maior quantidade de nanocristais dispersos na matriz. Com a incorporação de
10% de NC, a redução de PVA foi significativa somente para o tratamento com US,
mostrando que este foi eficiente para melhorar a barreira a vapor de água nessa concentração.
Este resultado indica que houve uma melhora do processo de obtenção dos filmes, pois uma
quantidade menor de NC foi necessária para melhorar a barreira ao vapor de água. O uso de
US é importante, pois é necessário que a nanocelulose seja bem misturada, homogeneizada e
dispersa em todo o filme para que possa ser efetiva na melhoria da barreira ao vapor de água
(SILVA; D’ALMEIDA, 2009). A aplicação de ultrassom gera grandes gradientes de tensão e
de cisalhamento com a movimentação dos líquidos da suspensão, causados por transmissão
muito rápida de moléculas de solvente ao redor da bolha de cavitação, bem como por ondas
de choque intensas emanadas em colapso (SUSLICK; PRICE, 1999), o que pode favorecer a
dispersão de nanopartículas nos filmes, diminuindo a taxa de permeação.
Houve um aumento significativo da PVA do filme com 0% de NC com a
utilização de US. Um dos possíveis motivos para esse aumento pode ser a formação de cargas
nas moléculas de aminoácidos que favoreçam ligações de hidrogênio com o uso de US,
tornando os filmes mais hidrofílicos e consequentemente aumentando a taxa de permeação de
água nos filmes. Bae et al. (2009) verificaram que não houve diferença significativa com o
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 45
uso de ultrassom (por 30 minutos) na PVA de filmes de gelatina comercial de peixe
adicionados de MMT.
Os valores de PVA foram baixos se comparados a filmes obtidos a partir de
alguns outros materiais/fontes como purê de manga (AZEREDO et al., 2009) e alguns filmes
de amido (HAN et al. 2006, ZHANG et al. 2006), porém, a PVA foi alta comparada à de
outros filmes de gelatina. CARVALHO e GROSSO (2006) encontraram valores bem menores
para filmes de gelatina bovina, tendo o filme controle apresentado PVA de 0,198 g.mm.kPa-
1.h
-1.m
-2. Isso pode ser explicado pelo fato de a gelatina de peixe apresentar força de gel e
outras propriedades inferiores a gelatinas de origem bovina e suína (BAE et al., 2009). Chiou
et al. (2008) estudaram filmes de gelatina de peixe obtida a partir de salmão e badejo e
encontraram valores entre 0,7 e 1 g.mm.kPa-1
.h-1
.m-2
, confirmando que a variabilidade da
espécie de peixe utilizada na obtenção de gelatina também influencia as propriedades do
filme. ANDREUCETTI et al. (2009) encontraram valores em torno de 0,2 g.mm.kPa
-1.h
-1.m
-2
utilizando plastificantes hidrofóbicos derivados do ácido cítrico em filmes de gelatina de
porco. Devido à sua baixa afinidade com água, plastificantes hidrofóbicos vêm sendo
estudados como alternativa para reduzir a suscetibilidade da matriz à umidade do ambiente.
Pranoto; Lee e Park (2007) explicam que não é fácil comparar os resultados de
PVA com outros trabalhos similares devido à variabilidade do método de medida. A variação
do método pode provocar respostas diferentes do desejado.
Analisando os valores obtidos, pode-se estabelecer uma associação entre a
quantidade de nanocelulose e o uso de ultrassom, revelando que o uso de ultrassom (como foi
feito neste estudo) só foi importante para diminuir a permeabilidade para quantidades maiores
que 5% de nanocelulose.
5.4 Propriedades mecânicas
Os resultados de resistência à tração mostram que a nanocelulose (NC) foi
eficiente como reforço na tensão dos filmes, tornando estes mais resistentes à ruptura, como
observado na Figura 16. A partir de 5% de NC, o aumento da resistência foi significativo
(17,00 MPa) e se manteve com 10% (17,01 MPa) e 15% de NC (16,81 MPa). De forma geral
os valores foram bem menores do que os encontrados na literatura para gelatina de outras
fontes (CAO et al., 2007; ANDREUCETTI et al. 2009; CAO et al., 2009), o que se deve,
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 46
principalmente, às suas características intrínsecas superiores, como força de gel e composição
de aminoácidos. Andreuccetti et al. (2010) obtiveram resistência à tração em torno de 90 MPa
com uso de plastificantes hidrofóbicos em filmes de gelatina de porco. A resistência também
foi menor do que a encontrada para outras gelatinas de peixe (CHIOU et al., 2008; AHMAD
et al., 2011; BAE et al., 2009). Dentre os diversos motivos possíveis estão as características
intrínsecas de cada espécie e dos diferentes processos de obtenção dos filmes e de
metodologias utilizadas na análise. Pranoto, Lee e Park (2007) estudaram filmes de gelatina
de pele de tilápia e encontraram tensão em torno de 100 MPa. Além dos motivos já citados
que podem explicar valores menores de tensão, deve-se destacar que a gelatina de tilápia
utilizada foi obtida a partir de resíduos da tilápia, podendo apresentar características próprias
ainda não estudadas.
Figura 16 - Efeito da concentração de nanocristais de celulose e do uso de ultrassom sobre as
propriedades mecânicas (resistência à tração, elongação na ruptura e módulo elástico) de
filmes de gelatina de resíduos de tilápia.
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 47
As letras após as médias e valores sublinhados indicam resultados de testes estatísticos. Valores na
mesma sequência seguidos da mesma letra não diferem significativamente (Tukey, P<0,05). Pares de
valores sublinhados (mesmo teor de NC) indicam diferenças significativas (teste t, p<0,05).
Deve-se ressaltar que grande parte dos estudos com gelatina de outras fontes e de
peixe não utiliza glicerol como plastificante, utilizando plastificantes hidrofóbicos. Carvalho e
Grosso (2006) obtiveram tensão bem menor utilizando gelatina bovina (15,12 MPa) e
elongação bem maior (39,24%), provavelmente devido à utilização de grande quantidade de
glicerol (45% da massa utilizada de gelatina). Grandes valores de elongação também foram
encontrados utilizando-se grandes quantidades de glicerol por Thomazine et al. (2005) e
Jongjareonrak et al. (2006).
A elongação não variou significativamente com o uso de NC e de US. Esta
propriedade dos filmes apresentou valores bem maiores do que o encontrado por Vanin et al.
(2005) para o filme de gelatina bovina com a mesma quantidade de glicerol (25%), que foi de
9,32%. A utilização de glicerol como plastificante em filmes protéicos gera uma menor
interação entre as proteínas, devido ao aumento do volume livre entre as cadeias de proteína,
atraindo mais água para a estrutura do filme, como citado na discussão da análise de PVA
(ANDREUCCETTI et al., 2010). A elongação de filmes com plastificantes hidrofóbicos é
bem menor pois estes apresentam uma cadeia mais complexa, levando a uma menor
flexibilidade (ANDREUCCETTI et al., 2010; ANDREUCCETTI et al., 2009).
Deve-se ressaltar também o efeito da umidade, tanto da gelatina quanto do filme,
podem interferir nos resultados. A alta umidade da gelatina, que é de 17,73% e dos filmes
(tabela 3) favorecem o aumento da elongação, já que a água atua como plastificante, sendo o
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 48
predominantemente utilizado para polímeros hidrofílicos (RIVERO; GARCÍA; PINOTTI,
2010).
O módulo elástico expressa a rigidez do material e é relacionado a propriedades
intrínsecas do mesmo. Observa-se nos resultados que a NC foi efetiva no aumento do módulo
elástico. Nos tratamento sem US, o aumento foi significativo a partir de 5% de NC. Isto
indica que a incorporação de NC foi eficiente para aumentar a rigidez do material, o que pode
ser explicado pelas características de força e rigidez da celulose (KALIA et al., 2011). O uso
de ultrassom também demonstrou ser efetivo, apresentando diferença significativa nos
tratamentos sem NC e com 15% de NC. A melhoria expressiva com o ultrassom ressalta a
importância de um processo adequado na obtenção dos filmes. Chiou et al. (2008) obtiveram
valores de tensão em torno de 50 MPa e módulo elástico em torno de 2000 MPa, enquanto a
elongação foi em torno de 3,5% para filmes de gelatina obtida de salmão e badejo (sem
utilização de glicerol).
Chiou et al. (2008) explicam que os valores menores de tensão da gelatina de
peixe em relação à bovina e suína podem estar relacionados aos diferentes níveis de
renaturação das proteínas desenvolvidos durante o processo de formação de filme.
Geralmente os filmes de gelatinas de origem bovina secam em temperatura abaixo da
temperatura de gelificação, permitindo que as cadeias de gelatina revertam parcialmente para
uma estrutura tripla helicoidal (estrutura do colágeno) em solução. As cadeias se prendem a
esta estrutura no filme seco. Em contraste, gelatinas de peixe secam em temperaturas acima
da temperatura de gelificação. Sendo assim, as cadeias permanecem como espirais aleatórias
na solução e começam a interagir mais intensamente com a evaporação de água da amostra,
podendo formar estruturas helicoidais triplas ou estruturas não helicoidais não inteiramente
triplas, o que se deve a níveis mais baixos de renaturação encontrados em filmes de gelatina
de peixe (CHIOU et al., 2008). O aumento da resistência à tração e módulo com o aumento de
NC se justificam porque os nanocristais de celulose atuam como componentes de suporte de
cargas e de transferência de carga efetiva das cadeias de polímero para os nanocristais
(GEORGE; SIDDARAMAIAH, 2012)
Wang et al. (2006) verificaram em filmes com matriz proteína de soja
termoplástica com línter de algodão e uso de glicerol que a resistência do filme passou de 5,8
MPa (0% de nanocristais) para 8,1 MPa (30%). Para o módulo de Young, estes autores
encontraram um aumento de 44,7 MPa para 133,2 MPa para as mesmas concentrações. A
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 49
adição de nanocristais de celulose bacteriana em filmes de gelatina aumentou
expressivamente sua resistência à tração e módulo elástico utilizando quantidades bem
menores de nanocristais, de 1 a 5%, provavelmente devido à maior eficiência no método de
incorporação dos nanocristais à matriz (GEORGE; SIDDARAMAIAH, 2012).
5.5 Calorimetria Exploratória Diferencial
A calorimetria exploratória diferencial (DSC) foi a análise térmica utilizada para
obter informações sobre eventos térmicos com a variação de temperatura, sejam estes de
primeira ordem, ocasionados pela variação de entalpia, ou de segunda ordem, caracterizados
pela variação de capacidade calorífica. A Tabela 5 mostra as características térmicas dos
filmes de gelatina obtidas nos dois ciclos de aquecimento. O primeiro ciclo térmico permite
observar processos de volatilização da água e temperatura de fusão (Tm) da gelatina. O
evento térmico mostrado no segundo ciclo pode estar relacionado à temperatura de transição
vítrea dos filmes.
Tabela 5 - Efeito da concentração de nanocristais de celulose e do uso de ultrassom sobre as
propriedades térmicas de filmes à base de gelatina de peixe.
Tratamento Nanocelulose Ultrassom 1º ciclo (°C) 2º ciclo (°C)
(%)
1º evento 2º evento
1 0 sem 70,1 95 82,7
6 5 com 78,6 95,7 93,2
7 10 com 71,0 114,0 81,3
8 15 com 75,9 123,0 85,9
4 15 sem 75,3 100,3 82,7
No primeiro ciclo de aquecimento, o primeiro evento endotérmico observado nas
amostras varia na faixa de 70,1 a 78,6°C e está relacionado à transição da estrutura de tripla-
hélice para a estrutura espiral (sol-gel), que é a estrutura de origem na solução água/gelatina
antes da secagem (CHIOU et al., 2008), ou seja, caracteriza a temperatura de fusão da
gelatina. Durante a secagem dos filmes, as estruturas em espiral aleatórias dos aminoácidos da
gelatina começam a interagir intensamente, formando novamente estruturas tripla-hélice,
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 50
originárias do colágeno antes da hidrólise (VANIN et al., 2005; CHIOU et al., 2008), por isso
a fusão implica na transição hélice-espiral, devido à quebra de pontes de hidrogênio da
estrutura tripla-hélice ocasionada pelo aquecimento.
Os resultados obtidos são próximos ao valor da Tm obtido por Pranoto, Lee e
Park (2007) para filme à base de gelatina de pele de tilápia, que foi de 76,5°C e foram maiores
do que filmes de gelatina obtida de outras espécies de peixe, como reportadas por Chiou et al.,
(2008) e Núnez-Flores et al. (2012), mostrando estabilidade térmica maior em relação a esses
filmes. Porém, de forma geral, a Tm foi menor do que a encontrada para filmes de gelatina de
origem bovina (VANIN et al., 2005; RIVERO; GARCÍA; PINOTTI, 2010) e suína (PEÑA et
al., 2010). A estabilidade térmica maior de filmes à base de gelatina destas fontes se deve à
presença maior de estruturas tripla-hélice no filme ou de estruturas tripla-hélice mais
completas, devido às altas temperaturas de gelificação das gelatinas bovina e suína (CHIOU
et al., 2008).
O segundo evento endotérmico observado nas amostras no primeiro ciclo de
aquecimento varia em torno de 95 a 123°C, o que pode ser relacionado a uma sobreposição de
eventos térmicos como a evaporação de água (RIVERO; GARCÍA; PINOTTI, 2010;
NÚNEZ-FLORES et al., 2012) e fusão de estruturas cristalinas de colágeno. A evaporação de
água ocorre porque moléculas de água são liberadas durante a transição hélice-espiral
(STAROSZCZY et al., 2012), o que ocorre simultaneamente com a fusão da estrutura
parcialmente cristalina de gelatina (DAI; CHEN; LIU, 2006), e se deve também à umidade
ainda remanescente nos filmes após a secagem (Tabela 3). Provavelmente, existem estruturas
cristalinas de colágeno na gelatina de resíduos de tilápia devido à hidrólise branda utilizada no
seu processo de obtenção, fazendo com que a conversão do colágeno em gelatina não tenha
sido completa. Os termogramas obtidos por DSC, apresentando dois eventos endotérmicos no
primeiro ciclo e um evento endotérmico no segundo ciclo, estão representados na Figura 17.
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 51
Figura 17 - Termogramas de DSC de filmes de gelatina de resíduos de tilápia variando a
concentração de nanocristais de celulose e o uso de ultrassom.
1A 1B
6A 6B
7A 7B
B
8A 8B
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 52
1 (0% NC); 6 (5% NC); 7 (10% NC); 8 (15% NC); 4 (15% NC, sem US). A primeira coluna
apresenta o primeiro ciclo, representado pela letra A e a segunda coluna apresenta o segundo ciclo de
aquecimento, representado pela letra B
Segundo Langmaier et al. (2008), o primeiro ciclo de aquecimento provoca a
remoção da água absorvida pelo filme e de água ligada às estruturas dos aminoácidos. Outros
processos que podem ser visualizados no primeiro ciclo, além da fusão do filme e evaporação
de água são a contínua fusão e recristalização de cristalitos pequenos e/ou imperfeitos de
gelatina, os quais podem ser visualizados na análise de MEV (Figura 20), além de associação
da transição vítrea de blocos de α-aminoácidos na cadeia polipeptídica (PATIL et al, 2000).
Um possível fator para a formação de dois picos no primeiro ciclo, mostrado na Figura 17, é a
eficiência da conversão de colágeno para gelatina no processo de extração, que pode não ter
sido completa. Isto explica o favorecimento da formação de fases sólidas nos filmes, que
puderam ser percebidas nas micrografias obtidas por MEV. Estas fases sólidas apresentam
temperatura de fusão maior (segundo pico) que a temperatura de fusão da gelatina,
representada no primeiro pico do primeiro ciclo.
Vanin et al. (2005) encontraram ponto de fusão (transição de hélice para espiral)
na temperatura de 88,9 ± 8,4 (primeiro ciclo) e transição vítrea de 35,5±14°C (segundo ciclo)
em filmes de gelatina bovina com 25% de glicerol. Em seu estudo sobre a influência dos
plastificantes, estes últimos autores verificaram que o glicerol influenciou as propriedades
térmicas, diminuindo a temperatura de fusão e de transição vítrea. Isto pode ter ocorrido nos
filmes estudados, devido ao uso de alta quantidade de glicerol (25% p/p). Langmaier et al.
(2006) observaram o aumento da Tg dos filmes de gelatina com o aumento de glicerol.
Rivero; García e Pinotti (2010) verificaram que a Tg dos filmes também diminuiu, porém a
Tm dos filmes aumentou com o aumento de glicerol.
4A 4B
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 53
O segundo ciclo é importante para visualizar mais claramente a temperatura de
transição vítrea, já que é obtido um material completamente amorfo (VANIN et al., 2005).
Observa-se na Tabela 5 que as temperaturas do segundo ciclo são próximas, entre 81,3 e
93,2°C, e podem estar relacionados à transição vítrea do material. Núnez-Flores et al. (2012)
determinaram a temperatura de transição vítrea no primeiro ciclo da análise (corrida entre 0 e
90°C). Estes últimos observaram grandes processos de transição vítrea, tendo em vista o
longo intervalo de temperatura, com alta mudança de capacidade calorífica que são
geralmente observadas para teores mais elevados de gelatina, devido à sua característica
amorfa. Staroszczy et al. (2012) encontraram Tg de 99 °C em filme de gelatina de peixe.
Samir et al. (2011) verificaram na literatura que a utilização de nanocristais de celulose de
várias fontes como fase dispersa em vários compósitos estudados não implicou em
modificação de valores de Tg, independentemente da natureza da matriz polimérica, porém
outros trabalhos afirmam que a transição vítrea foi afetada, sendo aumentada pela presença de
nanocelulose (JIANG et al., 2008). George e Siddaramaiah observam que com o aumento do
teor de NC a Tg se torna mais ampla e desloca-se para uma temperatura mais elevada, o que
foi observado por esses autores com o aumento até 5% de NC e também foi observado neste
trabalho, com o aumento da Tg de 82,7 para 93,2.
Comparando-se o tratamento 4 e tratamento 8, observa-se que o ultrassom não
influiu nos eventos do segundo ciclo, mas influiu nos processos citados para o segundo pico
endotérmico do primeiro ciclo, pois este apresentou temperatura maior com o tratamento de
ultrassom, provavelmente devido ao possível incremento de interação entre NC e gelatina.
Samir et al. (2004) apresentam uma explicação para a influência de nanocristais
de celulose na Tg de compósitos. Em compósitos, a presença de nanocristais pode influenciar
os valores de Tg de duas formas opostas. Primeiro, a superfície sólida de nanocristais de
celulose pode induzir a uma mobilidade restrita das cadeias de polímero na área interfacial
(confinamento do polímero). Isto resultaria em um aumento global da Tg até altas
temperaturas. De forma oposta, uma diminuição da densidade de ligações intercruzadas da
matriz polimérica foi observada na presença de nanocristais de tunicados. Este efeito pode
resultar indiretamente em uma diminuição da Tg. Estes dois efeitos competitivos poderiam
explicar a variação aleatória dos valores de Tg com a quantidade de nanocristais nos
compósitos. Porém, pode-se observar na figura 17 um aumento da área do segundo pico do
primeiro ciclo com o aumento de NC nos filmes, o que indica que provavelmente a presença
de NC favorece os fenômenos relacionados ao segundo evento endotérmico.
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 54
É importante destacar que as análises de DSC foram realizadas um período depois
da obtenção dos filmes, pois as amostras podem apresentar respostas diferentes das que
seriam obtidas logo após os filmes serem formados, devido à possível alteração com o tempo.
Por isso, foi investigada a influência do tempo de obtenção dos filmes sobre os eventos
térmicos obtidos por DSC. A Figura 18 apresenta os termogramas obtidos para o tratamento 8
(15% NC) após diferentes períodos de armazenamento dos filmes com a obtenção.
Figura 18 – Termogramas de DSC de filme de gelatina e NC (15%) após diferentes períodos
de armazenamento.
1 (tratamento 8 após um dia de obtenção); 2 (tratamento 8 após 45 dias); 3 (tratamento 8 após 105
dias). A primeira linha apresenta o primeiro ciclo, representado pela letra A e a segunda linha
apresenta o segundo ciclo de aquecimento, representado pela letra B.
Pode-se observar na Figura 18 e na Tabela 6 um aumento do segundo pico no
primeiro ciclo de aquecimento. Esse aumento se deve provavelmente ao aumento de cristais
com o tempo mostrados na análise de MEV e também a processos de degradação, resultando
em pico endotérmico com maior área, devido à presença maior de cristalitos e à possível
degradação de aminoácidos, além da presença de estruturas de colágeno que não haviam sido
convertidas em gelatina e formadas durante a secagem dos filmes. A transição vítrea de filmes
de gelatina é muito variável com a umidade relativa e o processo de envelhecimento físico de
filmes de gelatina é esperado mesmo em temperatura ambiente se a transição vítrea for maior
do que a temperatura de armazenamento (DAI; CHEN; LIU, 2006).
1A
2A
3A
1B
2B
3B
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 55
Tabela 6 - Efeito do tempo de armazenamento sobre as propriedades térmicas de filmes à
base de gelatina de peixe e NC (15%).
Tempo 1º ciclo (°C) 2º ciclo (°C)
(dias) 1º pico
Tm
2º pico
sobreposição
-
1 101,8 146,1 125,3
45 75,9 123,0 85,9
105 80,5 119,0 85,2
O envelhecimento físico de filmes é manifestado por mudanças nas propriedades
térmicas e mecânicas, sendo caracterizado um processo secundário de relaxamento de entalpia
(DAI; CHEN; LIU, 2006) ao qual a gelatina vítrea amorfa pode ser também submetida. O
aumento da área do segundo pico com o tempo de estocagem do filme demonstra o
envelhecimento físico dos filmes. Observa-se um deslocamento do segundo pico observado
na tabela 6 pela dimunuição da temperatura de 146, 1 para 119 °C, que possivelmente está
relacionado ao aumento da formação de cristais. Observa-se que não houve grandes
diferenças entre os eventos térmicos do filme armazenado por 45 dias e o filme armazenado
por 105 dias, somente na entalpia representada pela área dos picos no primeiro ciclo,
mostrando que somente o efeito de envelhecimento físico é observado.
Comparando o filme analisado após 1 dia de obtenção e o termograma de DSC da
gelatina (Apêndice A, Figura 23), observa-se que o comportamento térmico mostrado nos
termogramas dos dois filmes se assemelha, pois a análise da gelatina apresenta o primeiro
pico endotérmico na temperaturas de 102,33°C, correspondente à temperatura de fusão
encontrada no filme novo (101,8 °C). O segundo pico encontrado no filme de gelatina
(169,47°C) chega mais próximo ao segundo pico do filme novo (146,1°C) comparado com os
outros filmes estudados.
5.6 Opacidade
A opacidade está relacionada à transmissão de luz visível pelos filmes – quanto
maior a opacidade, menor a transmissão de luz visível, ou seja, menor a transparência. A
transparência é uma característica desejável quando se deseja obter filmes comestíveis, ou
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 56
utilizá-los como embalagens de alimentos de forma geral, por isso, para essa aplicação, é
vantajoso que os reforços utilizados no filme não aumentem sua opacidade.
Os filmes de gelatina apresentaram boa transparência após obtidos, pois
apresentaram baixíssimos valores de absorbância (Figura 19). Todos os filmes apresentaram
perfis de absorbância semelhantes ao da Figura 19. Os valores de absorbância foram próximos
do que os encontrados por Pérez-Mateos; Montero e Gómez-Guillén (2009) para filmes de
gelatina de bacalhau na faixa de 400 a 700 nm.
Figura 19 - Varredura de filme de gelatina de resíduos de tilápia para o tratamento 1
(sem NC e sem US).
A espectroscopia de varredura em comprimentos de onda de luz visível (de 400 a
800 nm) de todos os filmes estudados apresentou espectros de absorbância similares à do
tratamento 1, representado na figura 19, apresentando uma leve tendência de diminuição com
o aumento do comprimento de onda.
A opacidade não variou significativamente com os tratamentos (Figura 20), o que
indica que a nanocelulose e o ultrassom não afetaram a transparência dos filmes. Andreuccetti
et al. (2010) observaram um aumento da opacidade com o uso de plastificantes hidrofóbicos,
verificando opacidade maior quanto maior a quantidade deste tipo de plastificante. Enquanto
isso, a utilização de glicerol como plastificante não altera a transparência dos filmes (VANIN,
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 57
et al., 2005). Existe uma grande variabilidade da metodologia utilizada para obter a
opacidade, por isso é difícil a comparação dos dados de forma direta.
Figura 20 – Efeito da concentração de nanocristais de celulose e do uso de ultrassom sobre a
opacidade de filmes de gelatina de resíduos de tilápia.
As letras após as médias e valores sublinhados indicam resultados de testes estatísticos. Valores na
mesma sequência seguidos da mesma letra não diferem significativamente (Tukey, P<0,05). Pares de
valores sublinhados (mesmo teor de NC) indicam diferenças significativas (teste t, p<0,05).
5.7 Estabilidade por Colorimetria
Além de apresentar opacidade e cor atrativas, os filmes não devem sofrer
alteração de cor com o tempo de armazenamento, para não prejudicar a aceitação do produto
acondicionado (BERTAN, 2006). Além de avaliar a transparência através dos valores de
opacidade, a variação da cor dos filmes foi verificada com o tempo de armazenamento.
Através dessa informação é possível conhecer parcialmente sua estabilidade, pois algumas
reações que podem ocorrer entre os materiais utilizados na elaboração do filme assim como
reações de degradação podem provocar mudança de cor. A Tabela 7 mostra os valores de ΔE*
e das coordenadas ΔL*, Δa* e Δb* que representam a intensidade de cor, comparados com um
padrão branco de calibração do colorímetro (L*=96,56 , a*=-6,00 , b*=6,55).
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 58
Tabela 7 – Valores de ΔE*, ΔL*, Δa* e Δb* dos filmes de gelatina de resíduos de tilápia
adicionados ou não de NC e com ou sem uso de US após a primeira semana de
armazenamento.
Tratamento ΔL* Δa* Δb* ΔE*
T1 -2,56 -0,06 2,90 3,87
T4 -3,13 0,17 4,00 5,07
T5 -2,01 -0,25 2,19 2,98
T8 -3,37 0,17 4,09 5,30
T1 (0% NC); T4 (15% NC, sem US); T5 (0% NC, com US); T8 (15% NC, com US).
A cor do filme de gelatina obtido sem NC e sem US no início foi maior que a
encontrada por Carvalho e Grosso (2006) e Vanin et al. (2005), provavelmente devido à
composição da gelatina obtida de resíduos. Observa-se que os tratamentos 4 e 8, que contém
NC, apresentam maior intensidade de cor do que os filmes sem NC devido principalmente ao
aumento do parâmetro b, que vai do azul ao amarelo, o que indica a NC intensificou a cor
amarela dos filmes de gelatina.
A Tabela 8 apresenta a avaliação da cor dos filmes durante 10 semanas de
armazenamento. Verifica-se que a intensidade de cor dos filmes não variou expressivamente
durante o tempo de armazenamento. De forma geral, o ultrassom não influenciou na cor dos
filmes durante o armazenamento tanto para o tratamento com NC como para o tratamento sem
NC, e todos os filmes estudados apresentaram o mesmo perfil de variação com o tempo.
Observou-se um aumento na intensidade de cor nos filmes relacionado ao aumento do valor
do parâmetro b (amarelo) com o aumento de NC. Este aumento pode ocorrer pela possível
reação entre resíduos de proteína oriundos da gelatina e presença de pentoses, conhecida por
reação de Maillard. As pentoses, especialmente xiloses, são extremamente reativas na reação
de Maillard, e podem estar presentes nos filmes devido à possível degradação dos nanocristais
de celulose com o tempo, ou podem ser formadas durante a hidrólise.
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 59
Tabela 8 – Efeito da adição de NC e do uso de US sobre a cor representada por ΔE com o
tempo de armazenamento para filmes de gelatina de resíduos de tilápia.
Tempo (semanas) ΔE
T1 T4 T5 T8
1 3,87 5,07 2,98 5,30
2 2,28 4,72 2,99 5,23
3 2,63 5,22 3,44 5,56
4 2,52 5,22 3,14 5,37
5 3,36 5,03 3,52 4,84
6 2,83 5,51 3,37 5,63
7 3,21 5,55 3,48 5,53
8 3,03 5,56 3,38 5,47
9 2,81 5,25 3,20 5,55
10 2,49 4,99 2,81 5,03
T1 (0% NC); T4 (15% NC, sem US); T5 (0% NC, com US); T8 (15% NC, com US).
5.8 Microscopia Eletrônica de Varredura (MEV)
As imagens foram obtidas por MEV logo após sua elaboração (A, C, E) e após
dois meses de estocagem (B, D, F, G), conforme a figura 21. É possível verificar que as
amostras apresentaram sem bolhas e rachaduras, porém apresentaram superfície heterogênea,
diferente da encontrada por Cao et al. (2007) para filmes de gelatina bovina. A microscopia
eletrônica de varredura realizada permitiu uma visualização geral da estrutura do filme, mas
não nos permitiu uma análise das nanoestruturas. As pequenas espessuras dos filmes
desenvolvidos neste trabalho, de aproximadanente 60 μm, não permitiram obter aumentos
elevados, pois os feixes de elétrons mais intensos provocavam queimaduras na superfície dos
mesmos.
Podem ser observados aglomerados na superfície de todos os filmes, com
variações de acordo com o uso de US e NC. Os aglomerados podem ser oriundos de
características da gelatina, como impurezas de origem dos resíduos da tilápia e possível
presença de minerais, que estão em fase de estudo. O processo de obtenção dos filmes
também deve ser investigado, como o tempo de solubilização da gelatina e homogeneização
da solução filmogênica, para verificar sua influência na presença de partículas nos filmes.
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 60
Figura 21 - Micrografias obtidas por MEV de superfície.
(1): 0% NC sem US; (5) 0% NC com US; (4) 15% NC sem US; (8) 15% NC com US. (A): 7% de
gelatina e após duas semanas de elaboração dos filmes; (B): com 9% de gelatina e após dois meses de
elaboração dos filmes.
1A
A
1B
5A 5B
4A 4B
BB
8B
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 61
Um dos possíveis fenômenos associados às partículas vistas na análise de MEV
são a recristalização de cristalitos pequenos e/ou imperfeitos de gelatina, entre outros (PATIL
et al, 2000). Segundo Borchard et al. apud Patil et al. (2000), a gelatina tem a propriedade de
formar cristais mistos com água, o que pode explicar a presença dessas partículas observadas
na Figura 21.
PRANOTO; LEE e PARK (2007) encontraram zonas descontínuas e atribuiu estas
a canais formados no processo de secagem. Comparando os filmes sem NC, observa-se que os
aglomerados foram pequenos e dispersos no filme na imagem A, sendo menores ainda com a
utilização de ultrassom no filme C, mostrando que o ultrassom diminuiu o tamanho dos
aglomerados, como esperado. Porém, comparando A e B, observa-se que as estruturas
responsáveis pela heterogeneidade das amostras se tornaram maiores com o tempo de
armazenamento do filme. Deve ser ressaltado que a análise feita após duas semanas foi
realizada com filmes com concentração menor de gelatina (7%), o que favorece o tamanho
menor das partículas.
Ao observar as imagens B e D, também se percebe uma diminuição da quantidade
de partículas de D em relação à B, porém a morfologia das amostras não se apresentou
similar, com a formação de estruturas compridas (figura 21) em formato de fibras, sugerindo a
aglomeração ou cristalização das moléculas de gelatina provocada pelo ultrassom. Carvalho e
Grosso et al. (2006) também observaram formato de fibras na análise de filmes de gelatina e
associaram as descontinuidades observadas à grande quantidade de glicerol utilizada,
sugerindo que essas descontinuidades são responsáveis pela maior permeabilidade ao vapor
de água. Esta pode ser uma explicação para a maior permeabilidade encontrada do tratamento
5 (com ultrassom) em relação ao tratamento 1 (sem ultrassom).
Possivelmente, minerais como cálcio e fósforo podem estar presentes nos filmes,
oriundos da estrutura óssea de tilápia que fazia parte dos resíduos utilizados para obter
gelatina. Assim também, é provável a presença de estruturas de colágeno devido à hidrólise
branda utilizada no processo de conversão de colágeno em gelatina. Estas estruturas de
colágeno e os minerais podem estar atuando como agentes nucleantes, favorecendo o aumento
do tamanho dos cristais.
Os aglomerados podem ser devido também à má distribuição de massa molar,
pois esta depende das condições de processamento da hidrólise da gelatina (GÓMEZ-
GUILLÉN et al., 2011). No que diz respeito à distribuição de massa molar, a gelatina consiste
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 62
de uma mistura de polipeptídeos, frequentemente apresentando um padrão de distribuição de
banda típica de colágeno de tipo I, com uma proporção de cadeia característica A1/A2 de
cerca de 2, a presença de componentes b e g (ligados covalentemente uma cadeia de dímeros e
trímeros, respectivamente), juntamente com mais elevadas formas de peso molecular, bem
como de fragmentos de baixo peso molecular de degradação da proteína (STAINSBY, 1987
apud GÓMEZ-GUILLÉN et al., 2011). A aplicação de condições mais intensas de extração
(pH, temperatura, tempo), que é uma prática industrial normal para melhoria de rendimento,
proporciona uma forte diminuição da prevalência de componentes b e g e o quase
desaparecimento de agregados moleculares mais elevados, com um aumento da presença de
fragmentos de degradação (JOHNSTON-BANKS, 1990). Por isso, é necessário um estudo
comparando as vantagens de uma extração mais intensa com as vantagens de uma extração
utilizando condições brandas, através da avaliação das propriedades químicas e morfológicas.
5.9 Ângulo de Contato
Através da medição do ângulo de contato entre a superfície dos filmes e gotas de
água é possível avaliar a hidrofilicidade desses materiais, ou seja, a afinidade destes com a
água, pois o ângulo de contato está relacionado à tensão superficial entre o líquido e a
superfície sólida. A Figura 22 mostra a influência da concentração de NC e do tempo de
utilização de US no ângulo de contato de filmes de gelatina de tilápia.
Figura 22 – Efeito da concentração de NC e do uso de US na hidrofilicidade verificada pelo
ângulo de contato de filme de gelatina de resíduos de tilápia.
0 5 10 150
20
40
60
80
100
Sem ultrassom
Com ultrassom
An
gu
lo d
e C
on
tato
Concentração de Nanocelulose (%)
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 63
Observa-se que os ângulos de contato apresentaram valores próximos, entre 62,4°
e 70,5°, indicando que não houve grande afinidade dos filmes com a água. Porém os valores
foram menores que o valor encontrado por Prasertsung et al. (2011) para filmes de gelatina de
porco, que foi de 90°, provavelmente devido à maior força de gel de gelatinas obtidas de pele
de porco. De forma geral, a nanocelulose não teve efeito na redução de hidrofilicidade dos
filmes, pois não houve grande variação do ângulo de contato com o aumento de NC.
Houve um pequeno incremento do ângulo com a utilização de US a 10% de NC,
indicando que houve melhora na mistura entre a gelatina e NC, aumentando a interação entre
esses componentes e diminuindo a disponibilidade de interação entre a água e os sítios
hidrofílicos da gelatina. Isto porque a diminuição da hidrofilicidade com a adição de NC pode
ocorrer devido à interação entre os nanocristais e a parte hidrofílica da gelatina, que substitui
a interação entre gelatina e água que predomina no polímero hidrófilo puro (GEORGE;
SIDDARAMAIAH, 2012).
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 64
6 CONCLUSÃO
Foi possível obter filmes à base de resíduos de gelatina de resíduos da tilápia
adicionados de nanocristais de celulose a partir de línter pela técnica de casting. Os filmes se
apresentaram visualmente com boa aparência, homogêneos e manuseáveis, com umidade
entre 12,5 e 20,7%, diminuída com a adição de NC.
Os nanocristais de celulose utilizados foram efetivos para reduzir a PVA
diminuindo a permeabilidade significativamente com a utilização de 10% de NC e uso de
ultrassom, e com 15% de NC com e sem ultrassom. A adição de NC melhorou a resistência à
tração e o módulo elástico a partir de 5% e não interferiu na elongação e opacidade dos
filmes.
O uso de ultrassom melhorou a barreira ao vapor de água e módulo elástico e não
influenciou as propriedades de tração, elongação e opacidade.
A análise de microscopia eletrônica de varredura mostrou que os filmes
apresentam estruturas de origem da gelatina possivelmente pela presença de minerais ou
estruturas cristalinas de colágeno do processo de obtenção da gelatina ou dos filmes, além de
cristalização e outros processos com o tempo de armazenamento.
As análises de DSC mostraram possíveis fenômenos de fusão da gelatina e outros
processos térmicos simultâneos no primeiro ciclo, além de processos térmicos no segundo
ciclo que podem estar associados à transição vítrea ou à fusão de estruturas cristalinas de
colágeno, os quais não foram influenciados expressivamente pelo teor de nanocelulose e pelo
uso de ultrassom, porém foram bastante influenciados pelo tempo de armazenamento dos
filmes.
Os filmes apresentaram pequena intensidade de cor, que foi mais intensificada
com a quantidade de nanocelulose e não variou de forma expressiva com o tempo, indicando
que os filmes apresentaram cor estável.
A análise de ângulo de contato revelou que a hidrofilicidade dos filmes não foi
reduzida expressivamente pela adição de NC e que o US foi efetivo para aumentar o ângulo
na concentração de 10%.
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 65
O melhor filme obtido para aplicação em alimentos foi o com 10% de
nanocelulose e utilização de ultrassom por apresentar melhor barreira à água, melhores
propriedades mecânicas e não interferir na transparência dos filmes.
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 66
7 SUGESTÕES PARA TRABALHOS FUTUROS
Buscar a melhor forma de solubilização da gelatina obtida a partir de resíduos de
tilápia e verificar a conversão de colágeno em gelatina, a fim de investigar as causas da
presença de aglomerados nos filmes.
Buscar a otimização da forma de incorporação de nanocristais nos filmes de
gelatina, bem como a adição de outros materiais, visando melhoria mais expressiva das
propriedades de barreira, mecânicas e térmicas.
Verificar a caracterização da gelatina quanto à presença de minerais, ácidos
graxos e composição de aminoácidos e o estudo de propriedades como viscosidade,
cristalinidade e FTIR.
Estudar a mistura com componentes hidrofóbicos ainda não testados com gelatina
buscando melhorar de forma mais expressiva a barreira ao vapor de água de filmes de gelatina
de tilápia.
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 67
8 APÊNDICES
APÊNDICE A – Termogramas dos materiais utilizados na elaboração de filmes de gelatina de
resíduo de tilápia obtidos por DSC.
Figura 23 - Termogramas de gelatina de resíduos de tilápia, primeiro e segundo ciclo,
respectivamente.
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 68
Figura 24 – Termogramas de nanocristais de celulose, primeiro e segundo ciclo,
respectivamente.
Influência de nanocristais de celulose sobre as propriedades de filmes de gelatina de resíduos de tilápia 69
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