159

Informação e controle bibliográfico um olhar sobre a cibernética

Embed Size (px)

Citation preview

  • INFORMAO E CONTROLE BIBLIOGRFICO

  • FUNDAO EDITORA DA UNESP

    Presidente do Conselho Curador Jos Carlos Souza Trindade

    Diretor-Presidente Jos Castilho Marques Neto

    Editor Executiva Jzio Hernani Bomfim Gutierre Conselho Editorial Acadmico

    Alberto Ikeda Antonio Carlos Carrera de Souza Antonio de Pdua Pithon Cyrino

    Benedito Antunes Isabel Maria F. R. Loureiro Lgia M. Vettorato Trevisan

    Lourdes A. M. dos Santos Pinto Raul Borges Guimares

    Ruben Aldrovandi Tania Regina de Luca

    Editora Assistente Joana Monteleone

  • INFORMAO E CONTROLE BIBLIOGRFICO:

    UM OLHAR SOBRE A CIBERNTICA

    ANA MARIA NOGUEIRA MACHADO

  • Editora afiliada:

    2003 Editora UNESP

    Direitos de publicao reservados : Fundao Editora da UNESP (FEU)

    Praa da S, 108 01001-900-So Paulo-SP

    Tel.: (0xxl1)3242-7171 Fax: (0xxl1)3242-7172

    www.editora.unesp.br [email protected]

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Machado, Ana Maria Nogueira Informao e controle bibliogrfico: um olhar sobre a ci-

    berntica/Ana Maria Nogueira Machado. -So Paulo: Edi-tora UNESP, 2003.

    Bibliografia. ISBN 85-7139-462-8

    1. Bibliotecomonia 2. Ciberntica 3. Controle bibliogr-fico 4. Informao - Sistemas de armazenagem e recupera-o 5. Informtica 6. Teoria da informao I. Ttulo

    03-1865 CDD-025.3

    ndices para catlogo sistemtico: 1. Controle bibliogrfico e informao: Biblioteconomia 025.3 2. Informao e controle bibliogrfico: Biblioteconomia 025.3

    Este livro publicado pelo projeto Edio de Textos de Docentes e Ps-Graduados da UNESP - Pr-Reitoria de Ps-Graduao e Pesquisa

    da UNESP (PROPP)/Fundao Editora da UNESP (FEU)

  • Para Fbio, Guga, Alemo, Carol e Paulinha.

  • "Os cus proclamam a glria de Deus e o firmamento anuncia as obras das suas mos.

    Um dia discursa a outro dia, e uma noite revela conhecimento a outra noite. No h linguagem, nem h palavras, e deles no se ouve nenhum som; no entanto, por toda a

    terra se faz ouvir a sua voz, e as suas palavras at aos confins do mundo."

    (Salmos, 19:1-4)

  • SUMRIO

    Apresentao I I

    1 Informao: do senso comum ao uso cientfico I 5

    Informao em diferentes contextos I 5 Informao no contexto da biblioteconomia 25

    Informao e sistemas complexos 29

    2 Controle Bibliogrfico 39

    Antecedentes histricos 39

    Evoluo das bibliografias e dos catlogos 4 I

    Controle Bibliogrfico Universal 5 I Controle Bibliogrfico Brasileiro 58

    3 Controle Bibliogrfico como sistema 67

    Da busca manual ao Sistema de Controle Bibliogrfico 67 Impacto das novas tecnologias 7 I

    Controle Bibliogrfico e Teoria dos Sistemas 81

    4 Teoria Matemtica da Informao 89

    A Teoria Matemtica da Informao: uma abordagem cientfica 89

  • Informao e entropia 93 Informao e probabilidade 99

    Informao e sistema de comunicao 106 Rudo e redundncia 112

    5 Informao, ciberntica e Controle Bibliogrfico 119

    Informao e ciberntica 119 Ciberntica do Controle Bibliogrfico 130

    A regulao e o controle no Sistema de Controle Bibliogrfico I 36

    Consideraes finais 145

    Referncias bibliogrficas I 5 I

  • APRESENTAO

    O que informao? O uso do conceito de informao no cotidiano o mesmo do contexto cientfico? Podemos chamar in-formao representao descritiva de um documento registrado em um sistema de controle bibliogrfico? Que relao h entre controle bibliogrfico e ciberntica? Questes como essas so abor-dadas neste livro e podem interessar queles que trabalham com o conceito de informao e, principalmente, aos bibliotecrios e pro-fissionais de reas afins.

    Focalizar a aplicao das leis fundamentais da ciberntica - a da regulao e a do controle - ao Sistema de Controle Bibliogrfi-co e analisar a informao recuperada por meio dele, qual deno-minamos informao-potencial,1 o que nos motiva a escrever este texto, que teve origem como tese de doutorado, sob orienta-o da Dra. Maria Eunice Quilici Gonzalez. Essa informao-po-tencial, ainda que no quantificada, apresenta caractersticas de imprevisibilidade, incerteza e probabilidade que se aproximam daquelas investigadas pela Teoria Matemtica da Informao e tam-bm dos novos paradigmas da cincia, representados principal-mente pelo afastamento gradual das abordagens e posturas exclu-sivamente deterministas, referentes aos sistemas complexos.

    Para alcanar esse propsito, traamos um dos possveis cami-nhos, que inclui a anlise de diferentes conceitos de informao, um panorama do controle bibliogrfico, o controle bibliogrfico

    1 Expresso utilizada na literatura biblioteconmica por Gilda Maria Braga (1995).

  • como sistema, o modo de quantificar a informao de acordo com a Teoria Matemtica da Informao e a relao entre controle bi-bliogrfico e ciberntica.

    Situamos nossa anlise da informao em diferentes contex-tos. Ressaltamos que, nos ltimos cinqenta anos, esforos tm sido envidados por especialistas de diferentes reas do conheci-mento, como a Biologia, Engenharia, Matemtica, Computao, Lingstica e Cincia da Informao, no sentido de elucidar as questes relativas natureza da informao.

    Entendemos ser relevante apresentar o controle bibliogrfico em suas muitas faces, passando pela evoluo das bibliografias e dos catlogos e tambm pelo tratamento que recebe a publicao da bibliografia nacional, bem como a legislao que a viabiliza, porque os textos que tratam do assunto, com raras excees, enfatizam um ou outro aspecto do tema.

    Tratamos da evoluo da tecnologia e do grau de automao dos sistemas. Assinalamos que perceptvel o modo de apresenta-o do controle da informao aps utilizar-se do potencial tecnolgico (base de dados, banco de dados, sistema on-line). Des-tacamos o tratamento que recebe cada documento (anlise do-cumentria) antes de ser introduzido no sistema.

    Mostramos que a expresso da informao registrada em um Sistema de Controle Bibliogrfico tem por base a frmula mate-mtica da entropia negativa, a mesma que possibilitou a Boltzmann exprimir a medida da organizao das molculas em um recipien-te contendo gs e a Shannon & Weaver medirem a organizao de uma mensagem.

    Salientamos que Shannon & Weaver trabalharam com uma concepo quantificada da informao, que substitui a linguagem ordinria pelas equaes matemticas, sem aludir ao significado ligado informao. Eles propem uma abordagem tcnica do conceito de informao e entendem informao como uma medida da liberdade de escolha na seleo de uma mensagem, medida essa obtida pelo logaritmo do nmero de escolhas possveis das mensa-gens, cuja ocorrncia governada por probabilidades. Informao , ento, uma propriedade de mensagens dentro de uma multiplicidade delas. Quanto maior o nmero de escolhas poss-

  • veis de uma mensagem gerada na fonte, maior a quantidade de informao associada a sua ocorrncia.

    Vimos ainda como a informao transmitida, essencialmen-te por sinais; como ela se degrada sob o efeito do rudo e da entropia e tambm como a informao tratada graas lgebra e aos logaritmos.

    Aplicamos duas das leis da ciberntica, a da regulao e a do controle, ao Sistema de Controle Bibliogrfico e visualizamos o efeito que cada uma delas produz nas rotinas de controle e nos reguladores e, conseqentemente, na recuperao da informao-potencial inserida no sistema.

    Nesta obra, abordamos esses assuntos em cinco captulos: No Captulo 1 - "Informao: do senso comum ao uso cient-

    fico" - tratamos do conceito de informao no cotidiano e no con-texto cientfico, passando pelo uso que dele fazem os profissionais bibliotecrios e de reas afins. Examinamos, ainda, de que modo as caractersticas de imprevisibilidade, incerteza e probabilidade, prprias da informao-potencial, obtidas nos sistemas de recupe-rao da informao, aproximam-se daquelas investigadas pela Teoria Matemtica da Informao e dos novos paradigmas da cin-cia relacionados aos sistemas complexos.

    No Captulo 2 - "Controle bibliogrfico" - apresentamos uma viso geral do que se entende por controle bibliogrfico desde que o homem comeou a registrar o conhecimento por ele elaborado, com nfase no perodo ps-imprensa, at o uso disseminado dos compu-tadores, quando a adoo dos processos automatizados tornou-se imperativa. Inclumos o processo de implantao e institucionalizao do controle bibliogrfico em mbito nacional e universal, e ainda a importncia da padronizao internacionalmente aceita, da coope-rao entre bibliotecas e da proliferao das redes de informao conectadas mundialmente, para maior xito do sistema.

    No Captulo 3 - "Controle bibliogrfico como sistema" - ex-pusemos a idia central dos visionrios Paul Otlet e Vannevar Bush como precursora das novas tecnologias da educao. Explicitamos o tratamento da informao, desde a busca manual, documento por documento, at a recuperao automatizada, que envolve uma

  • grande quantidade de obras em uma nica busca, bem como a noo de sistema que interessa ao controle bibliogrfico.

    No Captulo 4 - "Teoria Matemtica da Informao" - a con-cepo quantificada da informao foi tratada juntamente com con-ceitos bsicos que interessam a essa teoria e, conseqentemente, ciberntica e ao controle bibliogrfico. Entre eles, inclumos: entropia, probabilidade, sistema de comunicao, rudo e redundncia.

    No Captulo 5 - "Informao, ciberntica e controle biblio-grfico" - analisamos uma possvel relao entre informao, ci-berntica e controle bibliogrfico e o modo como o Sistema de Controle Bibliogrfico, tanto o descritivo quanto o exploratrio, parece obedecer s leis fundamentais da ciberntica, que incluem as noes de regulao e de controle. Mostramos que o acesso representao descritiva das obras inseridas no Sistema de Con-trole Bibliogrfico pode se tornar vivel no s pela concretizao das novas tecnologias, mas tambm por obedecer a regras genri-cas e de padro internacional, em detrimento do acesso ao assunto tratado nos documentos, representado pelo controle bibliogrfico exploratrio, que depende da adequao da linguagem natural linguagem documentria, que precisa ser constantemente aprimo-rada, a fim de minimizar o artificialismo e o reducionismo que a caracterizam.

  • I INFORMAO: DO SENSO COMUM AO USO CIENTFICO

    "Informao informao, nem matria nem energia."

    (Wiener, 1961, p. 132)

    INFORMAO EM DIFERENTES CONTEXTOS

    Informao uma palavra que nunca foi fcil definir, mas seu uso regular est sempre presente em nossa vida como elemento im-prescindvel - podemos dizer que vivemos em uma sociedade da informao. Ou ainda, como aponta Kppers (1990, p.xiii-xiv):

    Assim como o homem da idade do bronze e do ferro lidava com esses elementos mas no dispunha de estruturas conceituais apropria-das para defini-los, tambm ns, habitantes da era da informao, te-remos que aguardar o desenvolvimento das cincias para podermos ir alm das metforas na descrio do conceito de informao.

    A palavra informao tem sua origem no latim, do verbo informare, que significa dar forma ou aparncia, colocar em for-ma, criar, mas tambm representar, construir uma idia ou uma noo (Zeman, 1970).

    Na linguagem comum, o conceito de informao est sempre ligado ao significado e usado como sinnimo de mensagem, no-tcia, fatos e idias que so adquiridos e passados adiante como conhecimento. O homem procura manter-se informado sobre a vida poltica do pas e do mundo, sobre os progressos da cincia, pelo simples prazer de saber. Esse uso comum do conceito de in-formao exprime uma concepo antropomrfica do vocbulo.

  • As trs principais caractersticas do conceito antropomrfico da informao so apresentadas por Pereira Jnior & Gonzales (1996,p.255):

    a) sua existncia e/ou transmisso dependeria do recurso da linguagem simblica;

    b) a uma dada informao estaria necessariamente associado um significado, ou seja, o emissor transmitiria uma informao com a inteno de que o receptor a interpretasse de uma maneira convencionada;

    c) a informao possui um carter de novidade, relativamente ao conhecimento prvio do receptor.

    Essa concepo de informao utiliza uma noo que j pres-supe algo a ser explicado, a saber: a noo antropomrfica (e muitas vezes subjetiva) de significado. No trataremos em profun-didade da noo de significado neste trabalho; no entanto, poder ser tema de um prximo texto.

    Como homens livres, temos o direito de dar e receber informa-o e, igualmente, de expressar nosso pensamento. Esse direito en-contra-se registrado oficialmente na Declaracin de los derechos del hombre y del ciudadano, de 26 de agosto de 1789, em seu artigo 11: "A livre comunicao das opinies e dos pareceres um direito dos mais preciosos do homem: todo cidado pode, portanto, falar, es-crever e imprimir livremente, salvo no caso de responsabilidade por abuso desta liberdade nos casos determinados na lei" (Enciclopdia..., 1907, p.1217-9). Entretanto, a legalizao no suficiente para ga-rantir o uso da informao, sua disponibilidade e o desejo de us-la.

    Entendemos que, para fazer uso da informao, indispensvel se faz que ela exista, que se torne conhecida e que se encontre disponvel. Cobertas essas condies, Campos (1992, p.10) lem-bra a possibilidade de depararmos com duas situaes: a necessi-dade de obter a informao ou a indiferena diante dela. Um gru-po seleto de seres humanos, minoritrio, requer uma demanda consciente de informao, reconhece seu valor e a exige como requisito fundamental para realizao de atividades cotidianas. En-tretanto, grande parte dos humanos faz uso limitado da informa-o, expondo-se apenas quela transmitida por meio audiovisual.

  • Temos a idia tambm de que a informao quase sempre so-frer algum grau de influncia por parte de quem a emite, cons-ciente ou inconscientemente. Algumas vezes, essa interferncia premeditada, com a finalidade de orientar o comportamento dos usurios da informao de acordo com interesses de uma classe dominante, seja ela qual for.

    A disponibilidade da informao possvel tecnicamente, mes-mo que fatores sociais, polticos e/ou acadmicos no a proporcio-nem em sua totalidade. s vezes, acontece com a informao o mesmo que acontece com as florestas e com os rios. Corre perigo de extino esse patrimnio natural, e, por no querer perd-lo, nos damos conta de que custa caro resgat-lo. Com a informao no diferente. "Camos no absurdo de dizer que muito impor-tante; porm, no atuamos em seu favor" (ibidem, p.14).

    Informao tem um custo e, portanto, um valor. Para taxar a informao, no suficiente determinar o valor de seu contedo; devem ser calculadas todas as etapas posteriores a sua criao, edi-o e distribuio, por exemplo. Ao mencionarmos o servio de recuperao da informao, tero custo todos os processos de aqui-sio e de organizao do sistema que o contemplam, alm do meio pelo qual a informao ser transportada, bem como o custo das telecomunicaes.

    Ao abordar o estudo referente informao, Yuexiao (1988) destaca que h mais de quatrocentas definies apresentadas por estudiosos de distintos campos do saber e de distintas culturas, situa-o que torna inevitvel o surgimento de interpretaes errneas. Informao no ainda um conceito singular; ao contrrio, carac-teriza-se como um conceito controverso e, s vezes, enganoso.

    Sustenta Yuexiao (ibidem) que no possvel, nem mesmo necessrio, pretender que diferentes profisses, culturas e povos utilizem uma definio consensual de informao, embora esteja convencido da necessidade de que acordos sejam estabelecidos sobre possveis hierarquias de definies, de modo a evitar confuso, quando se discute acerca delas.

    preciso, em primeiro lugar, analisar a vasta rea em que a informao pode estar inserida. No mbito filosfico, o mais abrangente deles, discutem-se a causa fundamental, a natureza e a

  • funo da informao, e esta se define de modo abstrato, mas como veculo de inter-relao e interao entre objetos e contedos.

    A relativa obscuridade do conceito de informao, declaram Pereira Jnior & Gonzales (1996, p.256),

    tem impedido sua aceitao generalizada entre cientistas da nature-za, que o recusam sob a alegao de que seria essencialmente antropomrfico ... Ao ser usado no contexto filosfico/cientfico, como conceito de base para a explicao dos processos cognitivos (humanos e no-humanos), a noo de informao no pode ser en-tendida da maneira antropomrfica.

    Apesar das dificuldades, esclarecem Pereira Jnior & Gonzales (ibidem), a concepo no antropomrfica da informao tem de-sempenhado importante papel na histria recente da cincia e da tecnologia. Citam esses autores, como exemplo, a Teoria Matemti-ca da Informao (TMI) de Shannon & Weaver, que envolve uma concepo quantificada da informao, substituindo a linguagem or-dinria pelas equaes matemticas, sem nenhuma referncia a seus possveis significados. Contudo, acrescentam esses pesquisadores, tem sido na biologia molecular que a noo de informao e seu desdo-bramento nas idias de cdigo e programa genticos tm possibilita-do a expresso terica de regularidades dos processos biolgicos.

    Para os bilogos, esclarece Lwoff (1970, p.110), a informa-o o que determina a vida:

    O que podemos denominar informao para um ser vivo , pois, uma srie de estruturas, de seqncias, uma ordem bem determinada. esta ordem que representa a informao biolgica. O conceito de informao corresponde a este conjunto de dados bastante complexo.

    Na opinio de Pereira Jnior & Gonzales (1996, p.256-7), "o uso da noo de informao constitui o maior desafio para aqueles que so cticos quanto sua desantropomorfizao, pois as estru-turas informacionais que se propagam do genoma para as prote-nas so claramente independentes da linguagem humana, e da atri-buio de significados".

    possvel compreender a informao como algo que colo-cado em forma, em ordem, em algum sistema classificado. Infor-

  • mao no um termo apenas matemtico, mas tambm filosfi-co, diz Zeman (1970, p.156-7):

    pois no est ligado apenas quantidade, mas tambm qualidade, que, alis, tem conexo com ela. Portanto, no apenas uma medida da organizao, tambm a organizao em si, ligada ao princpio da ordem, isto , ao organizado - considerado como resultado - e ao organizante - considerado como processo. A informao , pois, a qualidade da realidade material de ser organizada ... e sua capacidade de organizar, de classificar em sistema, de criar.

    Nesse contexto, alm de sugerir alguns elementos para se ob-ter uma definio de informao de uso geral, Hoffmann (1993) prope uma curiosa analogia entre as propriedades das substncias qumicas e o conceito de informao, a qual torna evidente seu interesse por conciliar as diferentes interpretaes do termo infor-mao. Aps assinalar os trs possveis estados da matria - slido, lquido e gasoso -, o autor esclarece que a informao pode encon-trar-se tambm em trs estados, perfeitamente reconhecveis:

    a) informao assimilada: d-se na mente, na qual processa-da, organizada e compreendida;

    b) informao documentada: apresenta-se em forma de regis-tros fsicos, tal o caso das publicaes em papel, fitas, discos e qualquer outro suporte material;

    c) informao transmitida: consiste na comunicao da infor-mao nas diversas formas possveis.

    Na Biblioteconomia e na Cincia da Informao, os pesquisa-dores tm proposto diferentes conceitos de informao, os quais consideram adequados para seu contexto de aplicao ou ainda para explicar um fenmeno especfico de que se ocupam. Embora no exista acordo acerca do conceito de informao, possvel identificar trs grupos distintos com base na reviso da literatura existente, assinala Kando (1994):

    a) informao como entidade objetiva: compreende o con-tedo dos documentos;

    b) informao como entidade subjetiva: representada pela imagem-estrutura do receptor e suas permutas;

  • c) informao como processo: faz referncia ao processo diante do qual o sujeito se informa.

    Nesse sentido, a informao pode ser descrita de uma forma objetiva, por meio de texto, figura etc, mas seu significado pode ser subjetivo, dependendo dos estados mentais de quem faz uso dela.

    No que diz respeito informao compreendida como entida-de objetiva, julgamos que o contedo registrado no diretamente utilizvel, uma vez que exige esforo e capacidade para selecionar, interpretar e adequar os dados s necessidades e propsitos. A orga-nizao e a classificao que se imprimem a esse registro incrementam suas possibilidades de utilizao, mas no constituem informao por si mesmas, como tampouco informao a representao sim-blica do texto por meio da referncia bibliogrfica, resumo e indexao ou mesmo sua incorporao integral em um sistema de recuperao automatizada, como entendem muitos arquivistas, bi-bliotecrios e documentalistas. O contedo dos documentos pode ser registrado e os registros podem ser transferidos; porm, a infor-mao, nesse caso, uma condio inseparvel da fonte que a gera.

    Conforme Kando (1994), a informao subjetiva gerada a partir dela mesma, mediante um processo orientado para dar-lhe sentido, o qual conecta a informao objetiva e a informao sub-jetiva. O contedo intangvel e sua representao fsica esto inter-relacionados e influenciam um ao outro. Os contedos no po-dem se comunicar na ausncia de sua representao fsica, e a re-presentao fsica padeceria de significado sem contedo.

    A informao subjetiva gerada na mente do receptor, tornan-do-se difcil sua observao ou mesmo sua medio. Em contraste, a informao objetiva, suscetvel de armazenamento e de comunica-o, constitui uma entidade fsica externa, a qual se faz autnoma e escapa ao controle ou influncia de quem a tenha gerado. Ambas as concepes encontram-se vinculadas em um processo de comu-nicao entre uma mente e outra. O que difere um tipo de outro seu modo de manifestao. A informao registrada, independente-mente do suporte, encontra-se disponvel para acesso, ao passo que a informao subjetiva processada, organizada e compreendida na mente e, portanto, no se encontra disponvel para acesso.

  • Ressalta Marcial (1996) que o estudioso Kando se limita a destacar a relao entre conceitos distintos de um mesmo fenme-no; embora aborde o ponto central do problema, no se compro-mete quanto natureza ontolgica da informao, mostrando ape-nas sua relao no contexto da comunicao humana.

    Informao, para Marcial (ibidem, p.193), pode ser entendi-da como "a significao que adquirirem os dados como resultado de um processo consciente e intencional de adequao de trs ele-mentos: dados do meio ambiente, propsitos e contexto de aplica-o, e estrutura de conhecimento do sujeito".

    A informao, segundo esses autores, d-se na mente, por isso inseparvel do ser que a gera e a aplica, no propriedade de uma cincia em particular e se destaca de todo produto tangvel, suscetvel de armazenamento. No so os dados ou conhecimen-tos que determinam a qualidade da informao, seno a forma como ela relacionada e interpretada para se adequar a um pro-psito estabelecido. Assim, a capacidade de gerar informao no depende, de forma exclusiva, dos registros aos quais temos acesso, mas do amadurecimento e do desenvolvimento de habilidades in-dividuais para a manipulao.

    Ainda que essa seja uma perspectiva, ela no sem problema. Em um contexto amplo, sustenta Currs (1993) que a informao no existe por si mesma, mas propriedade relacionai entre fontes e receptores. Considera a informao por dois diferentes enfoques:

    a) a informao como fenmeno, gerada no meio ambiente e suscetvel de captar-se de modo consciente;

    b) a informao como processo, elaborada por ns mesmos a partir de documentos.

    Essa informao, entendida como processo, refere-se a uma condio derivada de um processo volitivo e no de um evento alheio conscincia, e tem incio na mente do sujeito. Na gerao de informao, utilizam-se dados da prpria experincia, obtidos do meio ambiente com auxlio da observao, e ainda dados de fontes documentais.

    Em um sentido ligeiramente distinto dos anteriores, Belkin & Robertson (1976) propem uma anlise do conceito de informao

  • baseada na categorizao, na estrutura. Na busca de uma noo bsi-ca contida nas diferentes expresses do termo informao, eles en-contram a idia de estruturas sendo alteradas. Propem, ento, que informao aquilo capaz de transformar ou de mudar estruturas.

    Entendemos que Belkin & Robertson (ibidem) reconhecem a amplitude da conceituao por eles elaborada e constroem um es-pectro de informao com uma tipologia de complexidade cres-cente, a saber:

    infracognitivo (hereditariedade, incerteza, percepo); cognitivo individual (formao de conceitos, comunicao inter-

    humana); cognitivo social (estruturas conceituais sociais); metacognitivo (conhecimento formalizado).

    Nessa perspectiva, para uma investigao do conceito de in-formao no contexto da comunicao humana, importam: a co-municao inter-humana, que se refere s estruturas semiticas, construdas por um emissor com o objetivo de mudar a imagem de um receptor, o que implica que o emissor tem conhecimento da estrutura do receptor; e as estruturas conceituais sociais, que se referem s estruturas de conhecimento coletivo, compartilhadas por membros de um mesmo grupo social.

    Compreendendo estrutura de modo geral como ordem, Belkin & Robertson (ibidem) propem como elemento bsico para cons-truo do conceito de informao, de interesse para a Cincia da Informao, o texto e o que se pode inferir dele.

    De maneira resumida, podemos esquematizar as idias de Belkin & Robertson, do modo como as vemos no Quadro 1:

    Quadro 1 - Os conceitos bsicos da cincia da informao um texto

    informao

    uma coleo de signos propositadamente estruturados por um emissor com a inteno de mudar a estrutura-da-imagem de um receptor a estrutura de qualquer texto capaz de mudar a estrutura-da-imagem de um receptor

    Fonte: Freire (1995).

  • Mesmo diante de inmeras interpretaes do que se entende por informao, o pesquisador sabe que o trabalho cientfico tem incio quando o significado dos conceitos circunscrito com pre-ciso. A tentativa de definir univocamente os termos utilizados prpria da atividade cientfica. A partir de 1940, o conceito de informao passa a ser definido como termo cientfico.

    Em contraste com a viso at ento trabalhada, nasce a in-formao como um elemento ativo, independentemente do sujei-to (no sentido clssico do termo) para quem a informao se des-tina. A informao passa a ser concebida como algo que no fica somente assistindo passivamente, mas que informa (no sentido de dar forma) o mundo material. Emerge o princpio universal da informao trabalhando no mundo, dando forma ao sem-forma, especificando o carter peculiar das formas vivas e at ajudando a determinar, por meio de cdigos especiais, os modelos do pensa-mento humano. Nesse sentido, informao atravessa os diferentes campos da computao e da fsica clssica, da biologia molecular e da comunicao humana, da evoluo da linguagem e da evoluo do homem.

    A complexidade do conceito de informao e sua natureza especfica to peculiar esto exemplarmente ilustradas na clebre observao de Wiener (1961, p.132): "Informao informao, nem matria nem energia. Nenhum materialismo que no admita isto pode sobreviver nos dias de hoje". Ainda de acordo com Wiener (1993, p.17-8), informao um termo que:

    designa o contedo daquilo que permutamos com o mundo exterior ao ajustar-nos a ele, e que faz com que nosso ajustamento seja nele percebido. O processo de receber e utilizar informao o processo de nosso ajuste s contingncias do meio ambiente e de nosso efetivo viver nesse meio ambiente. As necessidades e a complexidade da vida moderna fazem, a este processo de informao, exigncias maiores do que nunca, e nossa imprensa, nossos museus, nossos laboratrios cientficos, nossas universidades, nossas bibliotecas e nossos com-pndios esto obrigados a atender s necessidades de tal processo, sob pena de malograr em seus escopos. Dessarte, comunicao e con-trole fazem parte da essncia da vida interior do homem, mesmo que pertenam sua vida em sociedade.

  • Desse modo, o mundo fsico no pode mais ser visto somente como matria e energia. s poderosas teorias da qumica e da fsi-ca, temos que adicionar a Teoria Matemtica da Informao. As-sim, para Stonier (1990, p.127), a natureza tem que ser interpreta-da como matria, energia e informao.

    Essa noo moderna de informao pode ser pesquisada em pelo menos trs diferentes direes, assegura Breton (1991):

    no movimento de idias que visa distino entre o sentido e a forma;

    nas tcnicas derivadas das necessidades da transmisso de men-sagens;

    nas pesquisas sobre a natureza do raciocnio correto e sobre as consideraes acerca da verdade dos enunciados.

    As pesquisas que convergem para essa noo de informao evidenciam uma distino entre sentido e forma. O sentido en-tendido como o conjunto de significaes que a mensagem pode conter para os que tm acesso a ela. A forma, por sua vez, como a conseqncia de um conhecimento tcnico e de uma busca de efi-ccia na transmisso das mensagens. Por exemplo, a informao jornalstica, aquela oferecida pela imprensa e pelos outros meios de comunicao, carregada de significado, ao passo que as ope-raes realizadas pelas mquinas so despojadas dele.

    Para ilustrar a diferena entre as noes de sentido e forma, Breton (1991, p.48) apresenta o exemplo do telegrama:

    Quando algum leva um telegrama ao correio, sua mensagem lida pelo encarregado, mas este ltimo no se interessa pelo sentido do que foi escrito. Leva em conta apenas ... os smbolos que ele con-tm (com a finalidade de estabelecer o preo do servio, mas tambm para verificar se esses smbolos correspondem s normas habituais...). Tais smbolos vo ser transformados em sinais telegrficos. Smbolos e sinais podem ser processados independentemente de sua significao ... eles constituem a forma tomada pela mensagem. (grifo do autor)

    Outra distino, prossegue Breton (ibidem), aquela em que a forma de uma mensagem pode ser decomposta em smbolos e em sinais, ambos constitudos pelo suporte fsico da mensagem.

  • A origem dessa decomposio encontra-se nos avanos tcnicos de transmisso de mensagens e na utilizao da corrente eltrica.

    A manipulao dos sinais, descoberta no final do sculo XVIII, permite que se descubra que a variao de quantidade de um ele-mento, por mais anrquico e imprevisvel que seja, pode ser repre-sentada com preciso por uma soma de funes matemticas regu-lares, e tambm manifestada em termos de sinais eltricos. As in-vestigaes acerca das condies fsicas da transmisso de mensa-gem levam ao aperfeioamento da noo de sinal, ao passo que as investigaes acerca da codificao de mensagens resultam na no-o de smbolo.

    Conforme veremos no Captulo 4, a articulao entre o sinal e o smbolo descrita na Teoria Matemtica da Informao, formula-da por Shannon & Weaver (1963), no final da dcada de 1940.

    Nesta seo, analisamos o conceito de informao no senso comum e no contexto cientfico, passando por vrias interpreta-es. Ressaltamos a dedicao de pesquisadores ao estudar as dife-rentes conceituaes j existentes do termo e chegamos viso de informao como processo. Informao essa concebida como algo que informa (no sentido de dar forma) o mundo material.

    No item seguinte, veremos como o conceito de informao utilizado pelos bibliotecrios e por outros profissionais ligados rea.

    INFORMAO NO CONTEXTO DA BIBLIOTECONOMIA

    Os profissionais bibliotecrios estudam o documento em um contexto bem definido, tanto em relao ao suporte que o susten-ta quanto em relao instituio que o abriga. O suporte fsico (papel, filme, meio eletrnico etc.) certamente tangvel e passvel de manipulao em seu contedo. H ainda o espao fsico, no qual os documentos agregam-se logicamente em colees.

    Documento, de acordo com clssica definio de Briet (1953), toda base de contedo informacional, fixada materialmente e suscetvel de estudo, prova ou confronto. Informao, como vi-mos no item anterior, aquilo de que necessitamos quando faze-

  • mos escolhas. Mensagem o que levado de um emissor a um receptor por meio de um processo de comunicao.

    A nossa experincia como bibliotecria evidencia, porm, que esse entendimento a respeito do conceito de informao no conhecido no ambiente profissional, ou no veiculado. Com o intuito de fortalecer essa conjetura, apresentamos uma importante declarao. O editor da revista eletrnica Netfuture, Stephen Talbott (1998), em duas conferncias proferidas para bibliotecrios, com considervel audincia, desafia a platia a dizer o que entende por informao. Profissional algum emitiu qualquer opinio. Retoma a temtica o palestrante e, desta feita, solicita aos presentes que, por escrito, respondam o que entendem por informao. Palavra alguma foi registrada.

    Trs aspectos prevalecem associados ao uso que fazem da in-formao os bibliotecrios e demais profissionais da rea:

    a) representao descritiva de documentos; b) desenvolvimento de colees; c) acesso informao. Nessa perspectiva, no item (a), aspira-se a ter mais informa-

    o oferecendo tratamento adequado aos documentos que faro parte da coleo; em (b), aumentando o acervo em quantidade; j em (c), pensa-se que a capacidade de resposta s necessidades de informao encontra-se solucionada ao se dispor de um sistema automatizado, capaz de realizar as mesmas operaes que antes se faziam manualmente e se assume que os usurios tm maior quan-tidade de informao pelo fato de terem acesso a sistemas de recu-perao da informao, com uma ou mais base de dados bibliogr-ficos ou de textos completos.

    O acesso a um banco de dados, na perspectiva de Marcial (1996), parece anunciar o fim da aquisio compulsiva de obras, mudar os esquemas tradicionais de organizao bibliogrfica e exigir dos responsveis pela rea uma redefinio de seus papis, em ra-zo tambm da proliferao de empresas dedicadas venda dos servios e produtos de informao que competem com a bibliote-ca. Um exemplo encontra-se na possibilidade de acesso aos recur-sos da informao, seja de casa seja do escritrio, sem ter que se

  • deslocar biblioteca, por meio de rede de informao internacio-nalmente conectada.

    Assim sendo, os profissionais da informao podero envidar esforos na elaborao de estruturas mais eficazes para o acesso ao contedo registrado e na obteno de maiores benefcios, no uso da tecnologia da informao, sobretudo desfazer o tratamento dis-pensado a entidades distintas, como se elas fossem iguais, como o caso do documento identificado como informao e tambm como mensagem.

    A disponibilidade tanto de recursos quanto de infra-estrutura , sem dvida, uma evidente vantagem, porm no condio suficiente para gerar informao. Enganoso pensar que se est mais informado por dispor-se de um maior nmero de bases de dados, de acervo de livros e de revistas ou, ainda, por dispor-se de acesso a redes mundiais interconectadas.

    Concordamos com Marcial (1996, p.194), quando declara que "se o leitor no estiver preparado para interpretar, renovar e reestruturar de modo permanente o conhecimento, o investimen-to em recursos e servios de informao resultar pouco produti-vo e, inclusive, infrutuoso".

    No que diz respeito ainda ao acesso informao, item (c) deste tpico, foram construdos os sistemas de recuperao da in-formao (SRIs) com o objetivo de maximizar o uso da informa-o. Na perspectiva de Braga (1995, p.85), os SRIs

    mantiveram o conceito de informao atrelado ao documento. Na verdade, os Sistemas de Recuperao da Informao no recuperam informao, ou recuperam apenas uma informao-potencial, uma probabilidade de informao, que s vai se consubstanciar a partir do estmulo externo documento, se tambm houver uma identificao (em vrios nveis) da linguagem desse documento, e uma alterao, uma reordenao mental receptor-usurio. (grifo nosso)

    No a informao-potencial que determina a qualidade da possvel informao a ser produzida, mas a relao e a interpreta-o que aquele que a gera estabelece com os registros recuperados.

    No posicionamento de Barreto (1999, p.2), "as informaes armazenadas em bases de dados, arquivos ou museus possuem a

  • capacidade potencial de produzir conhecimento, o que s se efeti-va a partir de uma ao de comunicao mutuamente consentida entre a fonte (os estoques) e o receptor".

    No possvel prever se a informao-potencial vai gerar ou no informao no indivduo receptor; sabemos, porm, que uma pequena alterao nas condies iniciais de codificao da mensa-gem, ou do estado emocional do receptor etc , pode sugerir gran-des alteraes no processo como um todo: caractersticas dos cha-mados sistemas complexos.

    Focalizada desse modo, informao pode ser entendida como uma probabilidade, uma incerteza. E essa a proposta da TMI. A informao, de acordo com essa teoria, no depende de uma insti-tuio fsica ou de um suporte material, mas de um processo de comunicao entre emissor-canal-receptor, podendo ser quanti-ficada.

    A relao de equivalncia entre informao e documento, cria-da principalmente por arquivistas, bibliotecrios e documentalistas, pode se desfazer a partir de Shannon & Weaver (1963), que esta-belecem uma nova identidade da informao com o domnio do quantitativo e da probabilidade. Isso ocorre quando desvinculam informao de seu suporte fsico obrigatrio, transportando-a por um canal, o ar. Estabelecem ainda a noo da mensagem distinta da informao e a noo da dependncia distinta do estado mental do receptor.

    Ainda que a informao-potencial recuperada pelos SRIs no seja quantificada, suas caractersticas de imprevisibilidade, incer-teza e probabilidade aproximam-na da TMI, de Shannon & Weaver, e dos novos paradigmas da cincia, representados principalmente pelo afastamento gradual das abordagens e posturas exclusivamente deterministas, relacionados aos sistemas complexos.

    Pudemos ver neste tpico que os profissionais bibliotecrios e outros vinculados rea mantm o conceito de informao ligado ao conceito de documento, mesmo aps a criao dos modernos sistemas de recuperao da informao - sistemas que se abrem para uma relao mais dinmica entre documento e informao, movimento prprio dos sistemas complexos, com os quais traba-lharemos na seqncia.

  • INFORMAO E SISTEMAS COMPLEXOS

    Uma das contribuies deste trabalho consiste em investigar o Sistema de Controle Bibliogrfico no contexto dos sistemas com-plexos. De acordo com Haken (2000), sistemas complexos consti-tuem-se de muitas partes ou elementos que podem ser ou no do mesmo tipo. A anlise mais apropriada para esse tipo de sistema aquela que parte de uma viso macroscpica (viso do sistema no todo). Por exemplo, no se conhece um gs pela lista de seus to-mos, mas em termos de quantidades macroscpicas, como presso e temperatura. Podemos ver no crebro outra ilustrao de siste-ma complexo. O crebro, com sua complexidade, permite que pa-dres sejam reconhecidos como a fala, a audio e o olfato. No Sistema de Controle Bibliogrfico, caso especfico desta obra, que tambm pode ser considerado um sistema complexo, padres po-dem ser reconhecidos como autoria, assunto, editora, de qualquer obra indexada no sistema.

    Outra perspectiva do entendimento de sistema evidencia que as partes de um sistema e suas propriedades so dados objetivos e que o todo pode ser deduzido das partes (por considerar que o todo resulta do somatrio das partes que o compem). Interessan-te checar se diferentes modelos microscpicos (partes do siste-ma) podem conduzir ao mesmo conjunto macroscpico de dados. Essa compreenso de sistema baseia-se em um conceito reducionista que apresenta limitaes. Por exemplo, conhecer os componentes qumicos de um sistema no significa conhecer a vida nele existen-te. O que precisamos entender no o comportamento das partes individuais, mas sua orquestrao ou atividade coletiva. Essa a abordagem que nos interessa, a que corresponde aos sistemas complexos. Para lidarmos com esses sistemas, torna-se necessrio encontrarmos variveis adequadas ou quantidades relevantes que descrevam suas propriedades.

    Uma descrio macroscpica leva-nos a uma compreenso da informao de modo a nos importarmos, no exclusivamente, com os dados microscpicos. Dessa forma, somos conduzidos a descre-ver o comportamento dos sistemas complexos em termos antro-pomrficos. Porm, tornou-se uma tradio exorcizar os antropo-

  • morfismos e basear as explicaes em pontos de vista mecnicos. A cincia fsica, h no muito tempo, trabalhava com habilidades que possibilitavam a previso de eventos futuros. Quanto mais a fsica lida com sistemas complexos, mais aflora a compreenso de que novos conceitos so necessrios.

    Vemos, na literatura, que o estudo dos sistemas complexos trouxe novos elementos de reflexo sobre o papel do caos, do determinismo e do acaso no quadro conceituai construdo pelo homem em sua tentativa de analisar e prever o comportamento da natureza.

    Diferentemente da concepo cientfica, os dicionrios defi-nem caos como confuso geral dos elementos antes de sua separa-o e da formao do mundo. Em sentido figurado, caos enten-dido como limite extremo da confuso, desordem irremedivel. Assim, por exemplo, o estado anterior formao do planeta indi-ca que se trata de conceito fundamentalmente referido ao proces-so de gerao do universo, situao primordial da qual o cosmos teria surgido como resultado de ordenao. A contraposio cos-mos/caos corresponde, portanto, oposio ordem/desordem.

    Outra caracterizao para caos vem do grego e significa espa-o vazio. Caos o deus primeiro, a origem, na mitologia grega; pai de Erebo, rio dos infernos e da noite, do qual surgem as turbuln-cias, as flutuaes e as confuses (Currs, 1993).

    No uso regular, ento, a palavra "caos" associada a um esta-do desordenado, a uma grande confuso. No rigor da cincia, caos tratado como comportamento aleatrio que ocorre em sistemas determinsticos. Para melhor compreenso desses sistemas, pre-ciso retroceder perspectiva do mecanicismo newtoniano e bus-ca pela regularidade. De acordo com essa mecnica, as previses feitas por meio do conhecimento das foras e das equaes do mo-vimento podem ser conhecidas com certeza. Um exemplo clssico do mecanicismo refere-se ao futuro, que determinado apenas com base no passado, em que acaso e incerteza devem ser negli-genciados. O determinismo liga-se idia de lei natural e encontra uma expresso precisa na formulao matemtica das leis fsicas.

    A fsica newtoniana descreve um universo em que tudo acon-tece precisamente de acordo com a lei; um universo compacto,

  • cerradamente organizado, no qual todo futuro depende estrita-mente de todo passado.

    Por sistemas determinsticos, entende Moreira (1992, p. l1), com quem concordamos, "qualquer modelo dinmico baseado em regras bem definidas e que associam, em um determinado instante de tempo, valores unvocos s variveis que descrevem o sistema, a partir do conhecimento dessas mesmas variveis em instantes anteriores".

    Determinismo, acrescenta Arajo (1995, p.72), implica a vi-so de um "comportamento necessrio e bem regulado para o uni-verso material e contrape-se idia de acaso. Esses dois concei-tos, determinismo e acaso, evocam o antigo debate filosfico-teo-lgico sobre necessidade e livre-arbtrio, mostrando que o cerne dessa questo muito anterior formalizao da cincia".

    A anttese do determinismo o acaso, descrito pela teoria da probabilidade, isto , a descrio de como um grande nmero de eventos pode comportar-se de maneira previsvel, quando esses mesmos eventos, ao serem analisados individualmente, tornam-se imprevisveis. A probabilidade de cara ou coroa em um nmero grande de lances de moeda de aproximadamente 50%, embora no seja possvel prever cada lance individual da moeda.

    Na perspectiva histrica, o primeiro desafio ao determinismo nasce entre 1920 e 1930 com a teoria quntica, tambm baseada no clculo de probabilidades, e o outro desafio ocorre entre 1960 e 1970 com a teoria do caos, na qual a previso nem sempre possvel, em razo de uma persistente instabilidade abrangendo at mesmo os sistemas deterministas. Nesse perodo, os cientistas voltam-se aos estudos concernentes s irregularidades da natureza e s possveis identidades entre essas irregularidades encontradas na natureza, ou seja, comeam a estudar o lado descontnuo e in-certo da natureza.

    Nesse percurso, cientistas de reas diversas do conhecimento encontram sempre um mesmo padro de irregularidade, especial-mente em relao aos que surgem em escalas diferentes ao mesmo tempo. Essa discusso torna-se particularmente importante em meteorologia, quando a previso do tempo por longos perodos uma tarefa quase impossvel. O meteorologista Edward Lorenz,

  • ao fazer uma caricatura de uma situao semelhante, diz: "At o bater de asas de uma borboleta pode mudar as condies iniciais e influenciar o comportamento atmosfrico a longo prazo" (Pires & Costa, 1992, p.37).

    Caos e determinismo colidem-se desde os tempos dos gregos, assinala Currs (1993, p.249):

    Demcrito com seu azar e necessidade, de um lado, e Aristteles e Plato com suas leis determinsticas, de outro, representam os plos da controvrsia. Ao longo dos tempos parece que a batalha foi con-quistada pelos deterministas. Kant, Laplace, Poincar so exemplos bem relevantes. Hoje em dia, a balana se inclina para o lado do caos.

    Onde existe caos, existe uma densidade semntica que vem sendo explorada por cientistas e filsofos ao longo da histria do pensamento ocidental, desde a Antigidade:

    De um lado, a acepo de mistura, confuso, desordem. De outro, a acepo espacial, de intervalo, de vcuo. De um lado, a desordenada concomitncia de todas as qualidades, de todos os pa-res opostos qualitativos (quente-frio, denso-raro, claro-escuro etc), que precisam ser relativamente separados para que se instaure o cos-mos e seus seres diferenciados. De outro, o onde, o lugar, o espao, imprescindveis configurao das coisas distintas... Os dois aspec-tos ora se alternam, ora se conjugam, com maior ou menor predomi-nncia de um sobre o outro. (Pessanha, 1992, p.59)

    Ao referir-se ao caos, James Clerk Maxwell trata-o como pon-tos singulares ou limites de domnios de atrao (bacias), em que um desvio imperceptvel suficiente para levar o sistema a cair em domnios diferentes. So pontos em que influncias, cuja magnitu-de fsica muito pequena para ser levada em conta, podem produ-zir posteriormente efeitos de grande importncia (Moreira, 1992).

    Desse modo, podemos dizer que caos est presente no com-portamento de pequenas alteraes que levam a grandes mudan-as posteriores, instabilidade persistente, imprevisibilidade. Comportamento catico um comportamento desorganizado, no peridico e irregular. O que caracteriza um sistema catico sua sensibilidade s condies iniciais, que impe restries a uma pre-viso precisa sobre seu comportamento futuro.

  • No livro Cincia e mtodo, publicado em 1908, o grande matemtico e filsofo francs Henri Poincar expe a problemti-ca resultante da sensibilidade do sistema s condies iniciais. Apre-senta esse autor algumas idias sobre a impossibilidade de predi-o, considerando que o conhecimento do estado inicial de um sistema cercado de incerteza (ibidem).

    Em um sentido ligeiramente distinto dos anteriores, a Royal Society de Londres define caos como "comportamento estocstico que ocorre em um sistema determinstico". A primeira vista, essa definio pode parecer paradoxal, uma vez que estocstico sin-nimo de aleatrio, e determinista significa ser passvel de previso (Christvo & Braga, 1997, p.37). Ainda nessa perspectiva, Stewart (1991) assinala que o comportamento determinista governado por uma lei exata e no passvel de infrao, ao passo que o com-portamento estocstico o oposto, sem lei e irregular, governado pelo acaso.

    Corroborando essas afirmaes, Tamarit et al. (1992, p.43) consideram caos determinstico uma expresso que contm uma aparente incoerncia: a equao matemtica que o representa, xt+1 = x

    2t - c, em que c uma constante, parece sugerir que

    possvel prever com exatido o comportamento do sistema, uma vez conhecida a sua situao inicial. Entretanto, qualquer pequena incerteza, mesmo controlada, que se admita no conhecimento dessa situao inicial, acarretar a ignorncia quase absoluta da evolu-o do sistema. Desse modo, o poder de previso a longo prazo se desfaz, completam Tamarit et al. (ibidem).

    Em artigo publicado pela revista Cincia Hoje, em um fasc-culo especial sobre caos, Rezende (1992, p.29) trata da condio de um sistema quando este apresenta comportamento catico:

    Caos um estado complexo caracterizado pela (aparente) imprevisibilidade de comportamento e por grande sensibilidade a pe-quenas mudanas nas variveis do sistema ou nas condies iniciais. observado tanto em sistemas muito simples quanto em sistemas complexos. A condio essencial para um sistema apresentar estado catico ser no-linear, isto , apresentar uma resposta no propor-cional ao estmulo.

  • O estudo de sistemas no-lineares relativamente recente e acompanha o explosivo aumento da capacidade de computao, proporcionada pelo advento dos computadores.

    Nos sistemas lineares, dizem Pires & Costa (1992), quando as condies de dois experimentos independentes so aproxima-damente as mesmas, os estados finais sero tambm aproximada-mente os mesmos. Para os sistemas no-lineares, essa situao deixa de ser verdade, e, como resultado, temos o caos determi-nstico. Consideremos um rio: quando a gua se move em baixa velocidade sobre um leito, dizemos que o escoamento tem as ca-ractersticas do movimento linear, ou seja, previsvel, regular, descrito em termos matemticos de forma simples; quando a ve-locidade da gua excede um valor crtico, o movimento torna-se turbulento, com redemoinhos localizados que se movem de ma-neira irregular, complicada e errtica, caractersticas do movi-mento no-linear.

    Com o intuito de melhor visualizarmos as diferenas entre sistema linear e no-linear, apresentamos o Quadro 2:

    Quadro 2 - Diferena entre sistema linear e no-linear

    Fonte: Dados retirados de Pires Sc Costa (1992).

    Em relao ao movimento ( qualitativamente diferente)

    Mudanas nos parmetros ou devido a estmulos externos

    Fenmeno de disperso

    Sistema linear regular, podendo ser descrito em termos de funes matemticas bem comportadas

    em geral suave, proporcional mudana ou ao estmulo

    um pulso de onda nele localizado decair devido ao seu alargamento

    Sistema no-linear muda com freqncia de um movimento aparentemente regular para um movimento catico

    pode produzir uma diferena qualitativa enorme no movimento

    em contraste, podemos ter estruturas altamente coerentes e estveis, que permanecem por longo tempo ou, no caso ideal, por um tempo infinito

  • Os sistemas no-lineares, segundo Moreira (1992), apresen-tam algumas caractersticas especiais:

    - para certos valores do parmetro de controle, o sistema mos-tra um comportamento regular, mas quando um certo valor crtico deste parmetro atingido, o sistema passa a exibir bruscamente comportamento catico;

    - comportamento catico em geral no ocorre em todos os valores dos parmetros externos e das condies iniciais do sistema;

    - comportamentos semelhantes podem ser observados em sis-temas totalmente distintos (universalidade).

    O pndulo, neste caso, uma ilustrao esclarecedora. Quan-do est livre, isto , na ausncia de fora externa, seu movimento regular. Diante de pequena perturbao, para alguns valores das condies iniciais, seu movimento torna-se catico; para outros valores, seu movimento mantm-se regular e semelhante ao do pndulo no perturbado.

    Diante do exposto, entendemos que a idia de caos resume a seguinte situao: pequenas causas, grandes efeitos. Essa despro-poro aparente gera situaes atpicas para os padres mdios dos sistemas em que esses fenmenos se incluem.

    H certas classes de fenmenos que apresentam uma regulari-dade, nas quais um pequeno erro inicial introduz um pequeno erro no resultado. O curso dos eventos nesses casos considerado est-vel. Do-nos subsdios esclarecedores os exemplos que seguem:

    a) a lei dos 80/20:' quando aplicada para determinar a medi-da de um acervo de biblioteca, apresenta uma impressionante inva-

    1 Enunciada por Trueswell (1969) a partir do modelo de Pareto, de ampla ge-neralizao. Expressa um padro generalizado de distribuio relativa a fen-menos naturais e construdos pelo homem. Essa generalizao evidencia uma distribuio desigual de dois conjuntos produtores e produtos quando so colocados em correspondncia. Uma pequena parte do conjunto produtor corresponde a uma grande parte do conjunto produzido. Tal fenmeno tem diferentes expresses numricas e caracterizado como lei emprica, ou me-lhor, observado, embora ainda no esteja inserido em um contexto terico de ampla aceitao (Fairthorne, 1970).

  • rincia na escala. Independentemente do tamanho da coleo, 20% dela atendem a 80% da demanda dos usurios;

    b) o comportamento eleitoral: as pesquisas eleitorais, levadas a cabo por conceituadas instituies de pesquisa, tm uma mar-gem surpreendente de acerto, haja vista alguns dos resultados com-provados nas ltimas eleies;

    c) uma busca via Internet: asseguram Lawrence & Giles (1999) e Bueno & Vidotti (2000) que as ferramentas de busca alcanam no mximo 16% da coleo registrada na Internet, em detrimento dos 84%, em razo das limitaes tcnicas que envolvem o desem-penho de cada ferramenta. Na literatura relativa ao assunto, no h indicao de uma ferramenta de busca ideal. Na deciso por uma delas, devem-se considerar a temtica em questo, a expecta-tiva de retorno e ainda o escopo da investigao. Pode-se tambm utilizar mais de uma ferramenta para realizar a mesma pesquisa.

    Outras classes de fenmenos tornam-se sensveis s perturba-es iniciais, mesmo que sejam aparentemente insignificantes. Consideremos, como exemplo, um Sistema de Recuperao de In-formao: pequenas alteraes em uma poltica de seleo de do-cumentos ou de indexao de descritores, atividades caractersti-cas das condies iniciais desse processo, provocam grandes alte-raes na recuperao da informao-potencial. Ou ainda, uma estratgia de busca mal estruturada, como uma palavra grafada erroneamente (descrio/discrio), pode recuperar referncias indesejveis e irrelevantes.

    As indagaes que dizem respeito ao caos prosseguem, e, por isso, sabemos que o comportamento catico j quantificvel e previsvel, desde que disponhamos de um modelo matemtico, analtico ou numrico para descrever o sistema. Os trabalhos re-centes sobre o controle do caos colocam perspectivas interessantes para a construo de mquinas com comportamento altamente flexvel e adaptativo.

    Temos a idia de que o estudo por computador, de modelos matemticos realsticos que reproduzam os vrios modelos de re-cuperao da informao, pode trazer um grande benefcio para os SRls e, conseqentemente, para o controle bibliogrfico. A for-

  • mulao de modelos matemticos que levem em considerao os aspectos fundamentais dos SRIs pode ser de grande valia quando da anlise da variao desse sistema e igualmente de sua evolu-o dinmica.

    Em nosso entender, algumas das pesquisas que tratam do caos tomam a informtica como utenslio para realizar seus clculos matemticos, e a informtica toma os resultados das investigaes a respeito do caos para realizar certos programas, jogos, simula-es bastante atraentes. A evidncia do emprego de simulaes tem sido a representao dos fractais. Nessa situao de irmanda-de entre caos e informtica, surge a informao, que se manifesta com grande fora, invadindo todo o mbito de ao.

    Nesta seo, analisamos a caracterizao popular do conceito de caos associada confuso e desordem, bem como a contrapo-sio cosmos/caos que tem correspondncia com a oposio or-dem/desordem. Mostramos, ainda, que o Sistema de Controle Bi-bliogrfico sensvel s alteraes iniciais a ele propostas, que le-vam a grandes mudanas posteriores (caracterstica do caos).

    Em resumo, vimos neste captulo como o conceito de infor-mao tem sido empregado cotidianamente e como informao passou a ser definida como termo cientfico, sendo ainda objeto de estudo nas diferentes reas do conhecimento. Apresentamos trs aspectos que, at os dias de hoje, prevalecem associados ao concei-to de informao para os bibliotecrios, arquivistas e documenta-listas. Vimos, ainda, que a informao-potencial, recuperada nos sistemas de recuperao da informao, com caractersticas de imprevisibilidade e de incerteza, aproxima-se da proposta de Shan-non & Weaver (1963), a Teoria Matemtica da Informao, e de novos paradigmas da cincia relacionados aos sistemas complexos.

    Na seqncia, vamos examinar o controle bibliogrfico em seus diferentes aspectos, incluindo o modo como a anlise documentria tem se operacionalizado no sistema e como a informao-potencial vem sendo recuperada, da Antigidade at nossos dias.

  • 2 CONTROLE BIBLIOGRFICO

    "Livros so papis pintados com tinta."

    (Pessoa, 1969, p.188)

    ANTECEDENTES HISTRICOS

    A publicao do artigo "Prolegomena to Bibliographic Control", por Egan & Shera (1949), parece ter introduzido na literatura biblioteconmica o conceito de Controle Bibliogrfico (CB). Esses autores no definem o termo, mas, ao declararem que CB oferece acessibilidade ao contedo e acessibilidade fsica do documento, delineiam a meta operacional do CB.

    A noo de CB ligada ao uso efetivo de mquinas, objetivando um fim previamente estabelecido, observada nesse texto por Egan & Shera (1949). A proximidade da publicao do texto desses au-tores com a primeira impresso da obra Cybernetics, em 1948, quando Norbert Wiener estabelece os fundamentos da cincia do controle e comunicao no animal e na mquina ou o estudo da regulao e controle dos sistemas, pode no ser mera coincidncia.

    Anteriormente poca de Wiener, entendia-se mquina como um aparelho mecnico, eltrico ou eletrnico construdo pelo ho-mem. Os pesquisadores Egan & Shera ainda extraram sua analo-gia da mecnica. Com Wiener, a mquina passa a ser associada ao controle. O vocbulo "mquina", quando usado na ciberntica, possui um significado mais amplo: designa qualquer sistema din-mico que apresente determinado comportamento observvel - um

  • pndulo, um organismo vivo, uma sociedade, um construto men-tal, ou seja, um sistema conceituai (Ashby, 1970).

    A nova expresso Controle Bibliogrfico ento adotada por profissionais bibliotecrios e documentalistas e, em 1950, formal-mente definida em um documento emitido pela Unesco e pela Library of Congress como "o domnio sobre os registros escritos e publicados, suprido pela bibliografia e para os objetivos da biblio-grafia" (Bibliographic..., 1950).

    O uso indiscriminado de Controle Bibliogrfico para desig-nar desde listas de referncias, at mesmo qualquer atividade liga-da armazenagem e recuperao da informao, leva a Unesco (1967), porm, a tratar novamente o conceito como "um termo definido de vrias maneiras, mas que transmite a idia de uma meta que mostrou ser atormentadoramente indefinvel". Situao anloga ocorre hoje com exploso da informao, sistema de in-formao e biblioteca virtual, entre outras.

    A ampla utilizao da expresso Controle Bibliogrfico, aliada a sua fragilidade conceituai, pode ter levado Wilson (1968) a sub-meter CB a uma incisiva investigao filosfica. Estabelece Wilson (1968) uma distino entre CB descritivo, que proporciona acesso s caractersticas formais e fsicas de um documento, e CB explora-trio, que permite seu domnio do contedo temtico. O CB descri-tivo pode, pelo menos em teoria, ser exercido de maneira completa, mas o chamado CB exploratrio, apenas parcialmente.

    O controle pleno da recuperao temtica das publicaes no se faz to-somente com mtodos e mecanismos de controle mais potentes, tampouco com a utilizao de computadores de ltima ge-rao. Os entraves que se apresentam so muitos; citaremos os con-siderados mais importantes: as dificuldades trazidas pelos instrumentos da linguagem, pelo processo dos signos que pode ser estudado no campo de ao da sintaxe, quando se refere s relaes formais dos signos entre si; no campo de ao da semntica, quando envolve as relaes de significado; e ainda no mbito pragmtico, que implica as relaes significativas com aquele que utiliza os signos.

    Cabe salientar que, mesmo no sculo XVI, quando o nmero de trabalhos publicados nfimo se comparado aos ndices atuais, apenas listar todos os documentos revela-se uma meta enganosa,

  • sendo ainda menos possvel a explorao exaustiva e abrangente de seu contedo temtico.

    A abordagem conceituai e terica, delineada por Shera (1975), visualiza o processo de CB como parte do sistema geral de comuni-cao da sociedade. Trata do CB no mbito geral, particular e in-terno, e descreve os dois primeiros:

    - o mbito geral, de responsabilidade do governo federal, visa be-neficiar qualquer cidado do pas e refere-se ao controle dos re-gistros dos materiais bibliogrficos que interessam nao, isto , em mbito nacional. O gerenciamento do sistema d-se por um rgo coordenador com verba do governo central e participao de membros de todos os segmentos interessados no CB;

    - o mbito particular [correspondente hoje bibliografia especializa-da ou por assunto] acontece quando um grupo de pessoas com necessidades informacionais especficas demanda um tipo especial de CB. O gerenciamento financeiro fica a cargo do prprio grupo, bem como o planejamento das atividades a serem desenvolvidas.

    O mbito interno, apesar de no ter sido detalhado por Shera (1975), refere-se ao tratamento da informao como incumbncia das bibliotecas e instituies afins.

    Ao referir-se bibliografia especializada, Shera aponta como motivo de preocupao a excessiva fragmentao que pode ocor-rer com a proliferao de servios bibliogrficos isolados, inde-pendentes e sem coordenao, criados sem nenhum vnculo com o controle bibliogrfico em mbito geral e, quase sempre, adminis-trados de acordo com procedimentos prprios.

    Com base nesses argumentos, podemos inferir que o Contro-le Bibliogrfico pressupe aes planejadas e articuladas, envol-vendo comunicao entre especialistas e tambm entre especialis-tas e usurios do sistema, sejam eles peritos ou leigos.

    EVOLUO DAS BIBLIOGRAFIAS E DOS CATLOGOS

    O uso eficiente dos recursos bibliogrficos de qualquer acer-vo depende essencialmente da organizao de seu material. Afir-mativa que se comprova desde que o homem comea a registrar o

  • conhecimento por ele elaborado, preocupando-se simultaneamente com seu controle.

    Os primeiros catlogos e bibliografias so puramente listas inventariais e no instrumentos bibliogrficos. Nas bibliografias, a nfase dada aos autores e no aos livros, so biobibliografias; nos catlogos, nicos tipos de listas bibliogrficas, a caracterizao d-se pela tcnica pouco elaborada, falta de arranjo e transcrio sucinta e pouco precisa dos ttulos (Melo, 1981; Pinto, 1987). Para melhor identificao das obras, que crescem quantitativamente com a inven-o da imprensa, os ttulos comeam a ser utilizados e os acervos das bibliotecas e livrarias passam a exigir uma organizao mais criteriosa.

    Bibliografia

    O sentido da palavra "bibliografia" tem por finalidade a trans-crio dos ttulos dos livros, segundo a significao etimolgica dos termos gregos biblion = livros cgraphein = descrever.

    As bibliografias, at o sculo XVIII, so compilaes elabora-das por eruditos, historiadores e mesmo amadores, sem recorrer a mtodos ou regras firmados em reconhecidos processos tcnicos. A criao do que hoje chamamos bibliografia d-se em razo do aumento na produo de livros e a conseqente necessidade de organizao desse material para posterior recuperao.

    Um marco na histria da bibliografia ocorre na Biblioteca de Alexandria, fundada por Ptolomeu I, especificamente na organiza-o do catlogo sob a direo do poeta e bibliotecrio grego Calmaco, cerca de 305-240 a.C. A necessidade de ordenar as re-ferncias bibliogrficas de produo cientfica individual se fez sentir no sculo II, quando Galeno, mdico grego, relaciona trabalhos de sua prpria autoria para que estes no sejam confundidos com os de outros autores (Caldeira, 1984).

    Em um plano mais amplo, outro acontecimento considervel da histria da bibliografia ocorre em 1545, poucas dcadas aps a inveno da imprensa. Trata-se do repertrio Bibliotheca univer-salis, do biblifilo suo Conrad Gesner, que intenta arrolar todas as obras publicadas em latim, grego e hebraico. Alm dos ttulos

  • dos trabalhos, Gesner complementa a lista com anotaes, avalia-es e comentrios sobre a natureza e o valor de cada um dos documentos (Campello & Magalhes, 1997).

    Apesar de ser considerada uma bibliografia que abrange todas as reas do conhecimento, conhecida como geral, Bibliotheca universalis no chega a ser universal, uma vez que abarca uma quinta parte da produo bibliogrfica europia.

    Com o mesmo objetivo, o de reunir toda a produo bibliogr-fica editada no mundo, em 1895, na cidade de Bruxelas, Paul Otlet e Henri de la Fontaine criam o Repertoire bibliographique universel, que consegue reunir aproximadamente onze milhes de fichas, re-presentando as bibliotecas da Europa e dos Estados Unidos. Alm dos dados bibliogrficos dos textos indexados, a obra inclui a loca-lizao fsica de cada um deles. As dificuldades financeiras e a viso utpica desse trabalho constituem entraves para o Instituto Interna-cional de Bibliografia, responsvel pela publicao do material, pros-seguir com as atividades, que se encerram por ocasio da Primeira Guerra Mundial (Pinto, 1987; Campello & Magalhes, 1997).

    Ainda com relao ao Repertoire bibliographique universel, seus autores fazem referncia aos

    Avanos na teleleitura (leitura distncia) e na teleinscrio (es-crita distncia), destacando a ausncia de um complexo de mqui-nas - um crebro mecnico e coletivo - associados para realizar, entre outras, as seguintes operaes: classificao e recuperao au-tomtica dos documentos; manipulao mecnica de todos os dados registrados para obter novas combinaes de fatos, novas relaes de idias. (Pereira, 1995, p.102)

    Ao considerarmos essas palavras, vemos o imaginrio de Paul Otlet e Henri de la Fontaine projetado hoje na realidade virtual, potencialmente real, exibida atravs das redes de computadores mundialmente conectadas.

    Novas tentativas de produo de bibliografias universais veri-ficam-se nos sculos subseqentes, mas a gerao de bibliografias, geral e especfica, em diferentes reas do conhecimento humano, algumas delas propulsoras de novas tecnologias, d-se nos sculos XIX e XX. No Quadro 3, apresentamos as primeiras bibliografias internacionais.

  • Quadro 3 - Primeiras bibliografias internacionais

    Fonte: Carvalho & Caldeira (1978); Pinto (1987); Biblioteca da UNESP - Marilia.

    Incio 1810

    1830

    1879

    1884

    1895

    1907

    1907

    1933

    1950

    1961

    1967

    1970

    Ttulo Bibliographie de Ia France Pharmaceutisches Central -Blatt para Chemisches Zentralblatt Index Medicus

    Enginneering Index

    Review of American Chemical Research para Chemical Abstracts Readers Guide to Periodical Literature

    Cummulative Book Index British National Bibliography Science Citation Index

    ISBN (International Standard Book Number) - sistema de numerao capaz de individualizar qualquer ttulo de livro

    ISSN (International Standard Serial Number) - sistema de numerao capaz de individualizar qualquer ttulo de peridico

    Produto Bibliografia de carter geral Bibliografia que controla a literatura peridica de qumica Bibliografia que controla a literatura peridica de medicina Bibliografia que controla a literatura peridica de engenharia Bibliografia que controla a literatura peridica de qumica

    Bibliografia que controla a literatura peridica de literatura nos EUA Controla os livros da lngua inglesa Bibliografia de carter geral ndices de citaes

    Cdigo com nove dgitos mais um dgito de controle, aprovado pela ISO 2108 de 1972

    Cdigo com sete dgitos acrescido de um dgito de controle, aprovado pela ISO 3297 de 1986

    Observao publicada at hoje com o mesmo ttulo hoje com seis subdivises

    publicada at hoje com o mesmo ttulo

    hoje com trs subdivises

    hoje com dezesseis subdivises

    hoje com trs subdivises

    publicada at hoje com o mesmo ttulo publicada at hoje com o mesmo ttulo publicada at hoje com o mesmo ttulo no Brasil, o sistema foi implantado em 1978 por representantes do SNEL, IBICT, IBGE, ABNT. A partir de 1978, a ABNT aprova a NBR 10521 que fixa condies para a atribuio do ISBN a NBR 10525 fixa as condies para definir e promover o uso do ISSN no Brasil

  • O desenvolvimento industrial no final do sculo XIX e as gran-des guerras do sculo XX proporcionam um aumento de conheci-mento tecnolgico. O acmulo de publicaes nessa rea leva as indstrias e os institutos de pesquisas a criarem servios de infor-mao para uso exclusivo de seus membros. Estrategicamente, naquele momento, no visam disseminar a informao para o de-senvolvimento cientfico e tecnolgico em geral, mas acabam im-pulsionando a difuso da bibliografia, como mostram as impres-ses das publicaes a seguir:

    Fica para ns evidente, aps essas colocaes, que bibliografia existe a partir da necessidade que o homem tem de organizar o conhecimento gerado por ele, para melhor utiliz-lo. Sua origem remonta ou mesmo antecede os tabletes de terracota da Biblioteca de Assurbanipal e aos pergaminhos da Biblioteca de Alexandria. Porm, no sculo XIX, em 1885, que bibliografia recebe sua pri-meira definio oficial, por Daniel Grand, na Grande encyclopdie, como sendo a "cincia do livro sob o ponto de vista de sua descri-o e de sua classificao" (Figueiredo & Cunha, 1967, p.16).

    Em 1934, o Centre de Synthse Historique, em Paris, destaca os elementos do trabalho bibliogrfico que consiste em pesquisar, descrever e classificar documentos, determinando que bibliografia "destina-se, no vasto domnio do livro, pesquisa, descrio e classificao de ttulos, visando utilizao prtica, cientfica ou comercial" (ibidem).

    Na obra Cours de bibliographie, Louise-Noelle Malcls (1954, p.6) resume os conceitos que lhe foram atribudos at ento e define:

    Bibliografia o conhecimento de todos os textos impressos ou multigrafados. Fundamenta-se na pesquisa, na transcrio, na des-

    Incio

    1970

    1970

    1975

    Produto

    Atomindex

    Air Pollution Abstracts

    Agrindex

    Observao

    Controla a literatura sobre energia atmica

    Controla a literatura sobre meio ambiente

    Controla a literatura sobre agricultura

  • crio e no arranjo desses textos, visando organizar servios ou ela-borar repertrios destinados a facilitar o trabalho intelectual.

    A funo da bibliografia, para Figueiredo & Cunha (1967, p.19),

    consiste em fornecer dados relativos produo bibliogrfica de um determinado pas ou de um conjunto de pases, e informar sobre a atividade intelectual internacional ou nacional, em cada um dos ra-mos do conhecimento humano ... so obras de pesquisa ou de con-sulta, e no de leitura ou estudo, que, indicando o que j foi realiza-do, ou est em realizao nos domnios do saber, visam a facilitar o trabalho cientfico, tcnico ou cultural.

    Reconhecida, desde logo, como um meio indispensvel para a pesquisa e para o desenvolvimento cientfico e tecnolgico, a bi-bliografia ainda objeto de preocupao para estudiosos que pro-curam aprimorar tcnicas e mtodos para melhor controlar e di-vulgar o material bibliogrfico existente.

    Catlogos

    O catlogo de bibliotecas, nas palavras de Shera & Egan (1969, p . l l ) , "comeou como simples inventrio, ou relao do conte-do de determinada coleo. Podia ser arranjado alfabeticamente por autor, ttulo, ou assunto, segundo as disciplinas gerais, ou sim-plesmente conforme a posio dos livros na estante".

    As antigas listas de livreiros levam o processo bibliogrfico um passo adiante, prosseguem Shera & Egan (p.12),

    ao indicar as obras disponveis, assentando, destarte, os alicerces para nosso moderno sistema de bibliografias especializadas. Pode remon-tar-se ainda aos livreiros o incio de certas funes descritivas da catalogao tais como tamanho, nmero de pginas, tipos e estado da encadernao, preo e at alguma descrio do contedo.

    As funes bsicas atribudas ao catlogo, em vrias pocas, podem dividir-se em duas categorias principais: as relacionadas com o inventrio, que determinam rpida e precisamente a exis-

  • tncia de um documento, e as que se prendem recuperao, pelo acesso por assunto.

    As primeiras preocupaes com a padronizao da descrio bibliogrfica podem ser detectadas no trabalho de Andrew Maunsell que, em 1595, publica o Catalogue of English Printed Books. Esse trabalho apresenta alguma sistematizao, na qual os registros de entrada so recuperados pelo sobrenome do autor, ttulo e/ou as-sunto, no caso de obras annimas, e pelo autor e tradutor, quando a publicao traduzida (Pinto, 1987).

    Nesse mesmo sculo XVI, proliferam os catlogos com finali-dade comercial e originam-se as chamadas feiras de livros, tornan-do-se conhecidas as de Leipizig e Frankfurt, sendo essa ltima at hoje reconhecida internacionalmente. No sculo seguinte, os cat-logos das grandes bibliotecas apresentam-se impressos, com uma certa sistematizao, visando facilitar seu manuseio e ainda um certo padro na descrio das obras.

    Em 1791, a Frana edita o cdigo nacional de catalogao, que origina o primeiro catlogo em fichas com entradas por autor, regras para localizao das obras e ainda estabelecimento de refe-rncias. Aquele que considerado o primeiro dos modernos cdi-gos de catalogao surge no ano de 1839, de Anthony Panizzi, intitulado British Museum: 91 regras. Tais regras provocam um movimento conhecido por Batalha das regras, do qual participam no s bibliotecrios, mas tambm usurios do Museu e at mem-bros da Cmara dos Comuns (Barbosa, 1978).

    Entre as principais caractersticas do British museum: 91 re-gras, destacam-se a valorizao da pgina de rosto, a introduo do conceito de autoria coletiva e o cabealho de entrada de autor, conforme designa a pgina de rosto, acatando a vontade do autor.

    Assiste-se a um desenvolvimento da sistematizao da prtica catalogrfica, no final do sculo XIX e incio do XX, comeando com Panizzi e passando por Cutter, o primeiro terico da catalo-gao, que busca sair de uma simples prtica para uma metodologia mais cientfica.

    A importncia da estrutura dos catlogos de bibliotecas real-mente definida por Charles Ami Cutter em Rules for a Dictionary Catalog, publicada no ano de 1876. Nessa obra, Cutter enfatiza seus objetivos e funes, afirmando:

  • o catlogo deve ser instrumento que permita: a) encontrar um livro do qual se conhea o autor, o ttulo ou o assunto; b) mostrar o que existe numa coleo de um determinado autor, ou sobre uma deter-minada edio de sua obra. (apud Barbosa, 1978, p.23-4)

    No sentido com o qual foi editada, Rules for a Dictionary Catalog, juntamente com ALA Rules for Filing Catalog Cards, so consideradas ainda as obras mais importantes. Cerca de cem anos depois da impresso de Rules fora Dictionary Catalog, publicada, como resultado da Conferncia Internacional sobre Princpios de Catalogao, em Paris, em 1961, uma Declarao de princpios, na qual as funes e a estrutura dos catlogos, com pequenas diferen-as, so as mesmas expostas por Cutter.

    A mudana perceptvel na atividade catalogrfica do sculo XX , na realidade, o requinte; torna-se altamente sofisticada, e a cata-logao descritiva comea a demandar decises complexas, acarre-tando um atraso considervel no processamento tcnico das obras.

    Em 1953, Seymour Lubetzky cria o Cataloging Rules and Principies: a Critique of ALA Rules for Entry and a Proposed Design for their Revision, que defende o estabelecimento de regras basea-das em princpios e no em casos. Analisa e critica muitas das re-gras relativas entrada de cabealhos, constantes do cdigo da American Library Association (ALA), indagando sobre a necessida-de e o valor de cada uma.

    Entendemos que Lubetzky prova a fragilidade do cdigo da ALA pela inconsistncia, repetio e arbitrariedade de suas nor-mas, decorrentes, em grande parte, da ausncia de um plano e da organizao sistemtica destas. Esse pesquisador tem por objetivo construir um cdigo baseado mais em condies de autoria do que em tipo de trabalho, o que resulta em uma reduo drstica do nmero de regras e, conseqentemente, em sua uniformizao. A partir da obra de Lubetzky, nota-se uma preocupao com a racio-nalizao das atividades relativas catalogao, baseada em re-gras, que ele chama de condies.

    Em 1961, institui-se a cooperao internacional automatizada, tanto no campo da catalogao quanto no campo da bibliografia. Cada ramificao importante do sistema bibliotecrio opta pela automao, porm de modo diferente. A rea da sade decide pela

  • criao de um programa de recuperao dos dados bibliogrficos atualizados pelo Medlars (Medicai Literature Analysis and Retrieval), ao passo que a Library of Congress desenvolve um sis-tema de comunicao computadorizada de informaes bibliogr-ficas de monografias em ingls por intermdio do MARC (catalo-gao para leitura mquina).

    O formato MARC, da Library of Congress, que comea efeti-vamente em 1966, considerado pela International Standard Organization (ISO) o primeiro projeto de automao com influn-cia internacional e estabelece normas de descrio bibliogrfica em forma mecanicamente legvel, em uma linguagem-padro. Por ter sido considerada uma linguagem-padro para intercmbio de informaes bibliogrficas, o MARC passa a interessar outros pa-ses que, com as alteraes devidas a cada um deles, adotam-no na compilao de suas bibliografias nacionais e servios centralizados na catalogao.

    No Brasil, em 1972, o ento Instituto Brasileiro de Bibliogra-fia e Documentao (IBBD) comea a usar essa catalogao legvel por computador, pelo chamado Projeto CALCO (Projeto de Cata-logao Cooperativa Automatizado), que se baseia no formato MARC e contempla as necessidades brasileiras.

    O projeto MARC impulsiona a catalogao a ajustar-se me-canizao a fim de possibilitar que um livro seja catalogado uma nica vez em seu pas de origem, proporcionando, entre outras facilidades, uma rpida troca de informaes.

    O precursor dessa catalogao nica Charles Jewett. O pro-jeto por ele construdo, em 1852, mostra-se tecnicamente inexe-qvel, mas com concepo bsica correta: tornar acessveis os re-gistros disponveis no catlogo do Instituto Smithsoniano a todas as bibliotecas que neles tm interesse e, ainda, criar um centro nacional de bibliografia em parceria com respeitveis bibliotecas americanas. Desse modo, no h duplicidade de trabalho, o que permite maior agilidade do processo tcnico dos documentos. "A catalogao seria feita somente uma vez e das chapas assim produ-zidas poderia ser elaborado um catlogo nacional. A ironia que, embora a idia fosse boa, a tecnologia para confeco e estoque das chapas era to elementar" (Hickey, 1977, p.568).

  • O avano tecnolgico que viabiliza o plano de Jewet d-se no sculo XX, circunstncia adequada para a Library of Congress aper-feioar o sistema por ele proposto, antes mesmo que um catlogo nacional pudesse tornar-se realidade. A catalogao de qualquer obra na fonte, uma nica vez, em seu pas de origem, passa a ser requisito obrigatrio do Controle Bibliogrfico Universal.

    Toda essa seqncia de fatos contribui para a organizao da Reunio Internacional de Especialistas em Catalogao (RIEC), em 1969, em Copenhague. A RIEC tem como objetivo conseguir uma padronizao internacional da catalogao descritiva, considerada imprescindvel ao bom desempenho da catalogao compartilha-da e necessria disseminao da informao (Maia, 1975).

    Nesse sentido, a Library of Congress trabalha em duas fren-tes: aprimorar o mecanismo de processamento rpido dos mate-riais bibliogrficos em vrias lnguas e agilizar a distribuio de fichas catalogrficas de modo eficiente; e tambm participar ativa-mente do processo de reviso do cdigo de catalogao. As duas primeiras edies do Cdigo de Catalogao Anglo-Americano (AACR) ocorrem no perodo de 1967 e 1978. A segunda edio torna-se conhecida como AACR-2 e trata de uma abordagem inte-grada na catalogao de diversos materiais bibliogrficos. A tradu-o para o portugus acontece entre os anos de 1983 e 1985.

    Ainda em 1978, o atual Instituto Brasileiro de Informao em Cincia e Tecnologia (IBICT), antes IBBD, lana o Catlogo coletivo nacional de publicaes peridicas (CCN), resultado da cooperao de aproximadamente mil bibliotecas brasileiras, que exibe o estado de colees peridicas existentes nas bibliotecas e instituies de pesquisas do Brasil. Concomitantemente, o IBICT cria o Servio de Comutao Bibliogrfica para oferecer cpia de artigo de peridi-co constante do CCN aos interessados. Esse catlogo distribudo em microficha at 1990, depois em CD-ROM (disco compacto so-mente para leitura) e hoje disponvel tambm via Internet.

    Diante da evoluo das bibliografias e dos catlogos, eviden-ciamos que:

    a pesquisa, alm dos limites do catlogo de uma biblioteca, reclama a cooperao entre bibliotecas em mbito nacional e

  • internacional; a necessidade de bibliografias, principalmente das especializadas; e a indicao das bibliotecas que agregam os documentos pertinentes investigao e ao modo eficaz de obt-los;

    nas diferentes iniciativas de ambos, salvo excees, no so devi-damente valorizadas as condies exigidas para seu pleno fun-cionamento, ou seja, malogram padro, norma, cooperao nacio-nal e internacional e falham tambm as aes planejadas e articu-ladas que devem envolver especialistas e usurios do sistema.

    Hoje, por entendermos imperativas as foras que nos impe-lem rumo padronizao internacional, cooperao recproca entre pases e s redes de informao automatizadas, considera-mos que cada catlogo e cada bibliografia locais dispem de po-tencial para contribuir com a implantao do Sistema de CB, tanto em mbito nacional quanto universal.

    CONTROLE BIBLIOGRFICO UNIVERSAL

    A expresso Controle Bibliogrfico recente, data de 1949, porm sua prtica remonta Antigidade. At Guttenberg inven-tar a imprensa, perodo de produo restrita de livros, Controle Bibliogrfico visto como uma atividade possvel de ser praticada, uma vez que as bibliotecas guardam em seus acervos colees qua-se completas. As bibliotecas so as primeiras instituies respons-veis pelo CB, e os catlogos e bibliografias nelas existentes os pri-meiros instrumentos para viabiliz-lo.

    O Controle Bibliogrfico Universal (CBU), idealizado pela IFLA e adotado pela Unesco, deve ser entendido como um programa com objetivos de longo alcance e cujas atividades levam forma-o de uma rede universal de controle e intercmbio de informa-es bibliogrficas, de modo a tornar prontamente disponveis, com rapidez e de forma universalmente compatvel, os dados bi-bliogrficos bsicos de todas as publicaes editadas em todos os pases (Anderson, 1974, 1978; Melo, 1981; Caldeira, 1984; Cam-pello & Magalhes, 1997).

  • Ainda hoje, a IFLA lidera o CBU e faz uso da Catalogao de Leitura Mecnica, possvel pela cooperao do Projeto MARC, que exige a adoo de princpios internacionalmente aceitos, com es-foros direcionados coordenao de sistemas e normas para o desenvolvimento do CB nacional.

    Um marco respeitvel na histria do CB , inquestionavelmen-te, a inveno da imprensa e, como conseqncia, o desenvolvi-mento mais acelerado da pesquisa. O registro do conhecimento dissemina-se apenas na forma de livro at 1665, mas o crescimen-to da cincia experimental exige a criao de um novo tipo de suporte bibliogrfico, o peridico cientfico. O Journal des Savans citado como o primeiro material do gnero (Campello & Maga-lhes, 1997).

    De meados do sculo XVII at os dias de hoje, a literatura pe-ridica aumenta ininterruptamente. O sinalizador dessa realidade so os dados publicados no Ulrich's International Periodicals Directory, que, em sua edio de 2000, com cinco volumes, rela-ciona perto de 158 mil ttulos de peridicos regulares e irregulares, alm de 10 mil ttulos que j tiveram cessadas suas publicaes.

    A complexidade do ambiente informacional no se limita, porm, ao volume de publicaes, mas tambm variedade de tipos de publicaes. Um nmero considervel deles ocupa hoje esse universo da informao, juntamente com o livro e o peridi-co: documentos oficiais, anais de eventos, dissertaes e teses, re-latrios tcnicos e cientficos, entre outros, e as conhecidas publi-caes eletrnicas, nas quais a informao se desvincula de seu suporte fsico tradicional.

    A diversidade de registro bibliogrfico, hoje existente, torna o CB um sistema cada vez mais complexo, exigindo responsabilidade tanto do setor privado quanto do setor pblico, com a finalidade de buscar novas solues que o viabilizem.

    A partir do sculo XIX, o CB foi sendo estabelecido e sistema-tizado, de modo a possibilitar uma anlise sob diferentes aborda-gens: a dos profissionais bibliotecrios e documentalistas, que con-tribuem para o desenvolvimento e o aperfeioamento de tcnicas que agilizam a recuperao da informao; a influncia de institui-es internacionais como Library of Congress, Unesco, IFLA, no

  • registro e controle das publicaes, principalmente no estabeleci-mento de normas e padres; a organizao de eventos que possibi-litam o encontro de especialistas e, como conseqncia, a interao de idias e experincias; e da editorao, que publica cdigos, em vrios idiomas, com o intuito de padronizar prticas de CB.

    O assunto tambm desperta o interesse do governo federal, e o tratamento da informao assume um carter poltico, como ins-trumento de desenvolvimento e fonte de poder. A informao, vista desse modo, pode tanto ser distorcida quanto suprimida, como j vimos no primeiro captulo deste livro. Em qualquer das situa-es, acarreta limitao das alternativas de escolha no mbito da sociedade civil e do cidado, em particular.

    Com relao a esse respeito, Caldeira (1984) relata uma se-qncia de fatos que culmina com a institucionalizao do CB: reali-zam-se eventos internacionais e criam-se grupos de trabalho para estudar os princpios da catalogao (1954); sente-se a necessidade de cooperao internacional no campo de atuao da bibliografia e da catalogao (1961); procura-se estabelecer normas internacionais de descrio bibliogrfica (1969); o Controle Bibliogrfico Univer-sal (CBU) tema principal de importantes reunies (1973); incenti-va-se cada pas a coordenar seus prprios servios da informao, tendo em vista um sistema mundial (1974). Esse conjunto de ativida-des garante a execuo do sistema de CB, em mbito universal.

    As diretrizes que devem servir de guia para os pases engajados na obteno de um efetivo CB e, ainda, as estruturas de sustenta-o do CBU, com base no CB de cada nao, so aprovadas em 1977, quando da realizao do Congresso Internacional sobre Bi-bliografias Nacionais, na cidade de Paris.

    Outro evento, o Seminrio sobre CBU no Rio de Janeiro, em 1972, coordenado pela IFLA, assinala o grau de complexidade que emana da organizao de um sistema de CB e ressalta a importn-cia da cooperao entre bibliotecas, da criao de uma Agncia Bibliogrfica Nacional (ABN) e da Indstria e do Comrcio Livrei-ros, para se obter sucesso no Controle Bibliogrfico Nacional, que deve preceder qualquer tentativa em mbito mundial.

    Em cada pas, a ABN deve ligar-se, preferencialmente, ao Sis-tema Nacional de Bibliotecas, com a finalidade de fazer transitar

  • as recomendaes traadas pelos rgos coordenadores do pro-grama de CBU. Sugere a Unesco que a ABN funcione como um rgo setorial da Biblioteca Nacional, em razo da semelhana de atividades das duas instituies.

    O que mais importa, porm, que ABN seja atribuda, por lei, a responsabilidade de coordenar os mecanismos que facilitem os processos de captao e registro bibliogrfico definitivo dos do-cumentos, com objetivo de tornar acessvel o conhecimento pro-duzido no pas e de cumprir determinaes relativas ao depsito legal. Tais incumbncias efetivam-se, primordialmente, com a de-vida aplicao dos cdigos e normas bibliogrficas, aceitos inter-nacionalmente como o Cdigo de Catalogao Anglo-Americano (AACR), da Descrio Bibliogrfica Internacional Normalizada (ISBD), do Nmero Internacional Normalizado para Publicaes Seriadas (ISSN) e do Nmero Internacional Normalizado para Li-vros (ISBN).

    A realizao desses encargos vai se concretizar caso a ABN, alm de ser criada por dispositivo legal, assegure que seus objeti-vos e funes sejam fixados, bem como alocados os recursos hu-manos, materiais e financeiros necessrios produo de uma bi-bliografia nacional, resultado concreto desse trabalho.

    Em relao ao c