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Introdução Os mercados e os contratos de trabalho “in- formais” têm sido percebidos no Brasil como pro- blemas econômicos e sociais, pois representam rupturas com um padrão contratual único (ou quase único), isto é, o contrato “formal”. Subja- centes a essa afirmação há duas premissas: (1) a boa sociedade deve ter apenas um tipo de contra- to (o “formal”) e (2) para isso deve contar com al- gum órgão central (o Estado, por meio do poder Legislativo) que defina padrões mínimos de lega- lidade para os contratos de trabalho. A noção de “informalidade” é tanto mais problemática quanto mais a noção de “padrões mínimos legais” não é consensual. Desde meados da década de 1990 as noções de mínimo estão em debate no Brasil, em- bora verbalizadas sob a forma de flexibilização. De fato, o significado da dupla conceitual “formal”/”informal” não é claro, assim como não há coesão sobre a pertinência de contratos homo- gêneos nem sobre o papel da legislação nos con- tratos de trabalho. Argumentamos que somente quando tivermos identificado os diversos tipos ou grupos de “contratos atípicos” (conceito que tal- vez seja preferível ao de “informalidade’), previs- tos ou não pelas leis, poderemos definir as even- tuais inconveniências da ausência de um padrão contratual único e, principalmente, identificar as razões da existência de contratos atípicos e ilegais ou não previstos em lei e socialmente ilegítimos. O conceito de “informalidade”, embora mui- to adotado pelas ciências sociais e econômicas brasileiras, refere-se a fenômenos demasiadamen- te diversos para serem agregados por um mesmo conceito, como a literatura internacional vem apon- tando. O significado de “informalidade” depende sobretudo do de “formalidade” em cada país e “INFORMAL”, ILEGAL, INJUSTO: percepções do mercado de trabalho no Brasil Eduardo G. Noronha Artigo recebido em fevereiro/2003 Aprovado em agosto/2003 RBCS Vol. 18 nº. 53 outubro/2003

“INFORMAL”, ILEGAL, INJUSTO: percepções do mercado de

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Introdução

Os mercados e os contratos de trabalho “in-formais” têm sido percebidos no Brasil como pro-blemas econômicos e sociais, pois representamrupturas com um padrão contratual único (ouquase único), isto é, o contrato “formal”. Subja-centes a essa afirmação há duas premissas: (1) aboa sociedade deve ter apenas um tipo de contra-to (o “formal”) e (2) para isso deve contar com al-gum órgão central (o Estado, por meio do poderLegislativo) que defina padrões mínimos de lega-lidade para os contratos de trabalho. A noção de“informalidade” é tanto mais problemática quantomais a noção de “padrões mínimos legais” não éconsensual. Desde meados da década de 1990 asnoções de mínimo estão em debate no Brasil, em-bora verbalizadas sob a forma de flexibilização.

De fato, o significado da dupla conceitual“formal”/”informal” não é claro, assim como nãohá coesão sobre a pertinência de contratos homo-gêneos nem sobre o papel da legislação nos con-tratos de trabalho. Argumentamos que somentequando tivermos identificado os diversos tipos ougrupos de “contratos atípicos” (conceito que tal-vez seja preferível ao de “informalidade’), previs-tos ou não pelas leis, poderemos definir as even-tuais inconveniências da ausência de um padrãocontratual único e, principalmente, identificar asrazões da existência de contratos atípicos e ilegaisou não previstos em lei e socialmente ilegítimos.

O conceito de “informalidade”, embora mui-to adotado pelas ciências sociais e econômicasbrasileiras, refere-se a fenômenos demasiadamen-te diversos para serem agregados por um mesmoconceito, como a literatura internacional vem apon-tando. O significado de “informalidade” dependesobretudo do de “formalidade” em cada país e

“INFORMAL”, ILEGAL, INJUSTO: percepções do mercado de trabalho no Brasil

Eduardo G. Noronha

Artigo recebido em fevereiro/2003Aprovado em agosto/2003

RBCS Vol. 18 nº. 53 outubro/2003

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período, e, embora isso seja evidente, as análisessobre o tema tendem a ignorar a noção contra-posta da qual ela deriva. Assim, a compreensãoda “informalidade” ou dos contratos atípicos de-pende antes de tudo da compreensão do contra-to formal predominante em cada país, região, se-tor ou categoria profissional.

No Brasil, o entendimento popular de “traba-lho formal” ou “informal” deriva da ordem jurídi-ca. São informais os empregados que não pos-suem carteira de trabalho assinada. Até as recentesmudanças introduzidas no governo FHC, o contra-to por tempo indeterminado previsto na CLT erapraticamente a única opção disponível para as em-presas do setor privado. O “formal”, no Brasil, ti-nha apenas uma forma, ao contrário de outros paí-ses, cuja legislação prevê (e de fato são praticados)contratos em tempo parcial, contratos específicospara pequenas empresas, contratos temporáriosetc. No Brasil, as mudanças legais recém-criadas ti-veram impactos limitados, seja por serem bastanteinspiradas no padrão CLT, seja por sua aplicaçãoainda reduzida. De todo modo, os padrões contra-tuais da “informalidade” são muito mais diversos,e, apesar disso, pouco discutidos, salvo em estu-dos sobre categorias ou segmentos informais es-pecíficos. Ao formal (no sentido de legal) contra-põem-se diversos tipos de contratos “informais”,sejam os claramente ilegais (ou criminosos, como,por exemplo, o trabalho escravo), sejam trabalhosfamiliares ou diversos outros tipos de contratos,cujo estatuto legal está freqüentemente em dispu-ta – por exemplo, cooperativas ou contratos detercerizados. Contudo, freqüentemente trata-se a“informalidade” como se fosse um fenômeno uni-forme, objetivo e mensurável. Aliás, o planejamen-to governamental e as políticas públicas impõemformas de mensuração objetivas e de fácil aplica-ção (muitas vezes padronizadas para comparaçõesinternacionais) das condições contratuais, as quaisreforçam sobremaneira a simplificação que a clas-sificação binária implica.

Aceitas essas considerações, é necessário ad-mitir que as abordagens econômicas ou sociológi-cas baseadas no par formal/”informal” represen-tam apenas uma visão parcial e com limitadopoder explicativo das razões pelas quais o Brasil

conta com uma longa história de contratos atípi-cos e de fracassos na busca da homogeneizaçãodos mercados de trabalho. Sustenta-se neste artigoque o debate sobre “informalidade” pouco avan-çou, pois a maioria dos analistas continua a classi-ficar sob um mesmo conceito fenômenos diversos.Mesmo os que detectam a insuficiência da contra-posição da dupla conceitual raramente apresen-tam e discutem a diversidade de tipos contratuaise suas formas de classificação.

Sustenta-se aqui que as noções de contratos“eficientes” da economia, de contratos “legais” dodireito, bem como as noções populares de contra-tos “justos”, podem elucidar as possibilidades con-tratuais de fato existentes no mercado de trabalhode forma mais rica do que aquela derivada deuma interpretação puramente econômica, jurídicaou sociológica. Portanto, o objetivo deste artigo ésobretudo conceitual. Trata-se de um esforço deredefinir “informalidade” com base na forma pelaqual os economistas, os juristas e a opinião públi-ca a interpretam – termo esse aqui usado para de-signar os grupos não especialistas, mas direta-mente envolvidos ou interessados, tais comoempregados, empregadores e seus representan-tes. Toma-se como pressuposto a existência deuma disputa conceitual entre diversos segmentospara redefinir novas noções de contratos de traba-lho moralmente defensáveis no Brasil – tema queserá objeto de outro artigo.

Os argumentos apresentados neste estudosão o resultado inicial de uma pesquisa1 sobre osdiferentes significados de formalidade e “informa-lidade” e as noções de contratos de trabalho legí-timos. Na primeira parte, faz-se um breve resumodo surgimento de contratos atípicos como problemasocial e, em seguida, apresenta-se o argumento daexistência de três grandes matrizes de abordagem dotema: (1) os economistas, com a oposição formal/”in-formal”; (2) os juristas, com a oposição legal/ile-gal; e (3) o senso comum com a oposição justo/in-justo. Eficiência, legalidade e legitimidade são trêsdimensões subjacentes a esses princípios constitu-tivos do contrato.

Na segunda parte, faz-se uma crítica às inter-pretações predominantes de “informalidade” eapresenta-se a diversidade de situações contra-

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tuais abarcadas pelo termo “informal”. Em segui-da, argumenta-se a respeito da especificidade do“trabalho informal” dentro do “mercado informal”,bem como os princípios que distinguem as ativi-dades de empregado, empregador e prestador deserviços autônomos.

Com base nos princípios que orientam asabordagens econômica e jurídica sobre o tema, naterceira parte, apresenta-se um quadro contendoseis tipos de explicações a respeito do fenômenoda “informalidade”, as quais, ao enfatizarem asorigens dos contratos atípicos, mostram-se maisadequadas a determinadas épocas, regiões ou seg-mentos do mercado.

Na quarta parte, analisam-se as noções popu-lares de contrato de trabalho “justo”, na medida emque elas mantêm relações reflexivas com as noçõeseconômicas e jurídicas de contratos legítimos.

Na quinta, argumenta-se sobre as dificulda-des analíticas do tema no Brasil dada a sobrepo-sição no tempo e no espaço dos diversos proces-sos geradores de contratos atípicos. A partir dessequadro, apontamos para a necessidade de estu-dos interdisciplinares no sentido de uma melhorcompreensão dos contratos atípicos.

Definindo o problema: O significado de “informalidade”

A seguir, apresentamos um resumo simplifica-do da história do mercado de trabalho no Brasil.

No início do século XX, começou a se de-senvolver o mercado de trabalho, no sentido mo-derno do termo, como a forma predominante deprodução de bens e serviços. Durante as primei-ras três décadas, o trabalho transformou-se numamercadoria livremente negociada, já que leis econtratos coletivos eram quase inexistentes (verLamounier, 1988). Durante as décadas de 1930 e1940, o corporativismo de Estado de Vargas esta-beleceu um amplo código de leis do trabalho, oqual marcou o mercado nacional por todo o sé-culo. A partir de então, as noções de “formalida-de” e “informalidade” foram pouco a pouco sen-do construídas. As estatísticas indicam um longoprocesso de formalização das relações de traba-

lho, sedimentado sobretudo por leis federais e,apenas secundariamente, por contratos coletivos.

A legislação do trabalho estabelecia, de ma-neira cada vez mais detalhada, quais eram as re-gras mínimas de relações de trabalho justas. Saláriomínimo, jornada de trabalho, férias anuais e mui-tos outros direitos foram definidos por lei. Acordoscoletivos tiveram um papel bastante secundárionesse processo. Muitos direitos sociais também fo-ram garantidos aos trabalhadores, aqui entendidoscomo trabalhador formal, conformando um típicowelfare ocupacional.2 Os servidores públicos foramos primeiros beneficiários dos contratos de traba-lho formais e, conseqüentemente, dos direitos so-ciais a ele associados. Gradualmente, os trabalha-dores urbanos não industriais foram incorporados.Wanderley Guilherme dos Santos descreveu essahistória como a do desenvolvimento de uma “cida-dania regulada”, isto é, um processo no qual as di-versas categorias de trabalhadores obtiveram direi-tos sociais (e do trabalho) de acordo com suaposição no mercado. Entre as grandes categorias,uma das últimas a obter sua “cidadania” foi o dostrabalhadores rurais na década de 1960. Assim, es-pecialmente a partir de 1930, o mercado de traba-lho brasileiro e as questões do subemprego3 ou da“informalidade” só podem ser entendidos como re-sultados da própria construção da noção de “for-malidade”, que, por sua vez, está associada às no-ções de cidadania e de direito social.

Nos anos de 1970 o perfil do mercado de tra-balho já era claramente dual: a maioria dos trabalha-dores industriais havia sido incorporada ao mercadoformal, bem como expressiva parte dos trabalhado-res do setor de serviços. Além disso, o processo si-multâneo de urbanização diminuiu de modo signifi-cativo, em poucas décadas, o número detrabalhadores rurais, os quais se encontravam fun-damentalmente no mercado de trabalho “informal”,ou em outras relações não propriamente contratuaisde trabalhos familiares, em economias de subsistên-cia e com práticas “contratuais” tradicionais. A urba-nização e a industrialização ampliaram também amassa de trabalhadores subempregados, mal incor-porados ao mercado de trabalho.

A invenção peculiar da carteira de trabalhoteve variados significados simbólicos e práticos.

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Durante muito tempo funcionou (e marginalmen-

te ainda funciona) como uma verdadeira carteira

de identidade ou como comprovante para a ga-

rantia de crédito ao consumidor, prova de que o

trabalhador esteve empregado em “boas empre-

sas”, de que é “confiável” ou capaz de permane-

cer por muitos anos no mesmo emprego. Hoje,

seu significado popular é o compromisso moral

do empregador de seguir a legislação do trabalho,

embora, de fato, não haja garantia, pois os empre-

gadores podem, na prática, desrespeitar parte da

legislação e os que não assinam podem ser pro-

cessados. De todo modo, a assinatura em carteira

torna mais fácil ao empregado a comprovação da

existência de vínculo empregatício. Enfim, popu-

larmente no Brasil, ter “trabalho formal” é ter a

“carteira assinada”.

Em janeiro de 1991, os empregados com car-

teira representavam 55,0% da força de trabalho.4

Além desses, quase 20,0% eram autônomos regis-

trados e outros 4,5% empregadores. Os emprega-

dos “informais” representavam 20%.5

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Até o final dos anos de 1980 a “informalida-de” (ou o subemprego) era percebida principal-mente como um problema endêmico pela maioriados especialistas. Porém, as mudanças das décadasanteriores levaram os especialistas e políticos aprever (e desejar) uma expressiva redução do mer-cado “informal”. Predominava a suposição de quea “informalidade” (ou o subemprego) era um lega-do de uma economia semi-industrializada, cujo fimera uma questão de tempo e desenvolvimento.

Contudo, em termos de mercado de traba-lho, é razoável supor que o início dos anos de1990 representou uma ruptura no movimento cres-cente de formalização do trabalho. Desde então,tem crescido a “informalidade”. A proporção deempregados sem carteira cresceu 8,1%: de 20%,em janeiro de 1991, para 28,1%, em janeiro de2001; ao mesmo tempo, a proporção de emprega-dos com carteira decresceu 12,8% (Gráfico 1).

É provável que esse crescimento represente,de fato, uma reviravolta na história de um aparen-te caminho seguro em direção à equalização domercado de trabalho; pode também resultar da máperformance macroeconômica da América Latinanos anos de 1990, ou ainda ser o reflexo da rápi-da internacionalização da economia. Muitos paísessofreram mutações similares. Para alguns analistas,trata-se de uma nova safra de contratos atípicos,os quais rompem com os padrões de “sociedadeassalariada” (ver Castel, 1998). Novos processos detrabalho e tecnologias demandariam novas formasde contratos. A nova “informalidade” derivariadessas mudanças (voltaremos a tratar dessas inter-pretações na terceira parte deste artigo).

No Brasil “velhas” e “novas” formas de traba-lhos atípicos misturam-se, tornando particularmen-te difícil a identificação das causas de seu recentecrescimento. A incorporação de diversos segmentosao mercado formal ainda estava em processo quan-do “novas informalidades” surgiram – retomareiessa contraposição também na terceira parte).

Além disso, a coincidência do crescimentodos contratos atípicos em muitos países reforça osargumentos dos que consideram que esses con-tratos resultam do aumento da competição inter-nacional por mercados. Os países na periferia domercado internacional sofreriam as conseqüên-

cias de formarem o elo fraco das cadeias produti-vas internacionais (Gereffi, 1995). Sua vantagemcompetitiva é o baixo custo da mão-de-obra, queleva os países em desenvolvimento a competirementre si. Não se pretende aqui medir a “velha” ea “nova” “informalidade”, mas discutir um temaque antecede tal avaliação, isto é, os diferentessignificados de “informalidade” em contraposiçãoao termo “formal”.

Se esse conceito adquiriu algum significadoclaro foi devido a certa abordagem econômicaque vinculava a “informalidade” (ou melhor, o su-bemprego) a atividades periféricas não rentáveis.Contudo, o uso coloquial do termo no Brasil estáligado à legislação: o trabalho é formal se, e so-mente se, o trabalhador possui carteira de traba-lho assinada ou registro de autônomo ou, ainda,status de empregador.

A terceira interpretação é a adotada por ju-ristas: rigorosamente, não há contratos formais ou“informais”, mas apenas “legais” ou “ilegais”. Naverdade, a existência de registro que comprove ostatus de empregado, empregador ou autônomo éum parâmetro de importância indiscutível, tantopela relativa facilidade de sua mensuração comopela legitimidade da CLT, observável por seu pa-pel paradigmático na definição de um “bom con-trato de trabalho”.

Portanto, há três diferentes fontes de inter-pretação do fenômeno, popularizado pelos eco-nomistas e pela mídia como “informalidade”. Aprimeira é justamente a interpretação econômica.Contrastando-a, juízes e procuradores, por seupróprio ethos profissional classificam como ilegala maior parte das situações entendidas como “in-formal” pelos economistas. Sob a influência deambos (bem como dos institutos de pesquisa) apopulação tende a identificar “informal” com aausência de carteira de trabalho e, em decorrên-cia, com “injusto”.

Dessa forma, há três pares contrastantes deconceitos por meio dos quais são percebidos oscontratos de trabalho: formal e “informal”; legal eilegal; justo e injusto. Embora “informal” tenda aser identificado com “sem carteira” e este com “in-justo”, a aderência dos conceitos não é linear. Ve-remos adiante o quão rica pode ser a combinaçãoentre eles.

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Crítica ao uso do conceito de “informalidade”

Não pretendemos discorrer sobre a vasta lite-ratura sobre economia ou trabalho “informais”. Hádiversas revisões da literatura6 desde a primeira re-ferência ao fenômeno numa pesquisa sobre a Áfri-ca elaborada pela OIT. O termo “informalidade”, adespeito das tentativas de depurá-lo, é ainda pordemais polissêmico para ser utilizado sem adjetivos.

As ambigüidades do conceito apareceramdesde sua origem, a qual não é estritamente aca-dêmica, mas institucional. O termo foi cunhadopara retratar uma sociedade que não era tipica-mente urbana e industrial.7 A despeito disso, otermo tem sido usado para descrever uma amplagama de situações urbanas-industriais, bem comopara classificá-las e mensurá-las por meio de me-todologias diversificadas de institutos de estatísti-cas nacionais e internacionais.

Muitos autores já criticaram a natureza obs-cura desse conceito. Alejandro Portes apontou ainsuficiência de visões que identificam “informali-dade” com algum tipo de pobreza ou que nãodistinguem práticas criminosas (por exemplo, avenda de produtos ilegais) de outras situações ile-gais não criminosas ou não previstas pela lei. Ins-pirado na sociologia econômica, Portes afirmaque a “informalidade” depende de redes sociais.Sem elos comunitários, os contratos “informais”não seriam possíveis. O controle de um grupo ét-nico sobre determinadas atividades “informais”,encontradas em muitas cidades do mundo, é umbom indício de que mecanismos sociais são re-queridos para selar contratos “informais”. Sem alei ou outros contratos formais de compromisso(por exemplo, acordos coletivos) as identidadesculturais são a base da confiança mútua, evitandosituações hobbesianas de mercado:

[...] o contexto no qual tais oportunidades (lucrarcom atividade informais) são transformadas emempreendimentos informais depende da capaci-dade das comunidades de mobilizar os recursossociais necessários para enfrentar o poder das leisestatais e asseguras transações de mercado tran-qüilas (Portes, 1994, p. 434).8

Apesar das contribuições de Portes, acredita-mos que ainda há certas ambigüidades, pois suaanálise não há separação clara entre economia“informal” e trabalho “informal”. A origem do tra-balho “informal” e as razões que explicam sua dis-seminação em cada país diferem daquelas relacio-nadas à economia “informal”. Desde o trabalhodo Polanyi (1994) sabe-se que o contrato de tra-balho se distingue de outros contratos do merca-do. Além disso, definições específicas da área dotrabalho, como “assalariado”, “autônomo”, “empre-gador”, são em si por demais complexas para se-rem descritas sob o quadro conceitual genéricode economia formal e “informal”.9

Se aceitamos a idéia disseminada entre so-cioeconomistas de que o mercado é sempre insti-tucionalizado seja pela lei, pelos acordos coleti-vos, seja por práticas sociais (as quais estãotambém repletas de normas implícitas), por quedeveríamos nos referir a “informalidade” dos mer-cados? A menos que entendamos “informal” como“sem normas escritas”, o mercado será sempreformalizado. Por que precisamos de uma contra-posição (formal versus “informal”), se esta pode-ria ser mais bem expressa por “legal”/”ilegal” ou,ainda, “contrato escrito” versus “verbal”? Acredita-mos que, em primeiro lugar, deve-se separar as“informalidades” do trabalho das “informalidades”de outros contratos da economia e, em seguida,atentar para os instrumentos necessários para dis-tinguirmos os status jurídico e contratual das nor-mas do trabalho, bem como sua legitimidade.

Mudanças nas estatísticas de emprego incen-tivam as pesquisas acadêmicas sobre o tema, masos dados são coletados de maneira ainda menosprecisa que as teorias de “informalidade”, nas quaisas metodologias são baseadas (Portes, 1994). As-sim, a partir de variações nos dados estatísticosnunca sabemos exatamente que tipo de fenômenoestamos captando, salvo, é claro, se reduzirmos aidéia de formal à carteira assinada, o que explicapouco e só pode ser aplicado no Brasil.10

Se estamos interessados no aumento ou nodecréscimo da “informalidade”, ou melhor, decontratos atípicos, no decorrer do tempo e do es-paço, o que procuramos entender? Seriam os con-tratos verbais derivados da economia de subsis-

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tência de países ou regiões subdesenvolvidos? Ouas inevitáveis, e mais que isso, desejáveis, práticas“informais” como, por exemplo, cultivar uma hor-ta apenas por prazer, vender cerâmicas produzi-das em casa como hobby, alugar a vaga na gara-gem de seu prédio residencial? Estamos falandode engraxates e meninos que vendem produtosfeitos em casa nos semáforos, ou de seus “cole-gas”, na mesma esquina, que vendem produtosde uma multinacional? Ou, ainda, de empregadosdomésticos? E, nesse caso, podemos agrupá-loscom os empregados domésticos que possuemcarteira assinada? São eles diferentes dos faxinei-ros das empresas formais? Em que aspectos? Esta-ríamos nos referindo a trabalhadores altamenteespecializados que decidem abandonar a condi-ção salarial e estabelecer uma atividade voltadapara apenas uma companhia? Ou a médicos quecobram menos para as pessoas que não precisamde recibo? Ou, ainda, ao comércio de drogas? Ou,por fim, a relações de escambo em empresas que,por suas outras características, poderíamos classi-ficá-las como modernas?11

Essa lista de situações não pretende serexaustiva, busca apenas mostrar a variedade derealidades descritas sob o mesmo conceito. Essesexemplos incluem atividades não propriamenteeconômicas, trabalhos autônomos, contratos deprestação de serviços para o público e para em-presas e diversas formas de contratos de trabalhonão previstos na legislação.

Não pretendemos definir conceitos que se-jam capazes de abarcar todas as situações men-cionadas, mas trataremos do mercado de trabalhourbano. Tal restrição visa a evitar a complexida-de das relações de trabalho rurais tradicionais, aomenos num primeiro momento da pesquisa. Limi-ta-mo-nos, pois, à “sociedade salarial” e pós-sala-rial, deixando de lado outras formas tradicionaisde dependência em relação ao contratante.

Deixamos também de lado alguns tipos detrabalho “informais” por não serem propriamenteatividades econômicas, podendo ser mais bemdescritos como atividades semi-econômicas. Porexemplo, as atividades que se situam entre o hobbye o artesanato (tricotar, pintar, colecionar moedasraras etc.) ou que estão ligadas a padrões familia-res tradicionais (alugar um quarto sobressalente

para amigos) ou, ainda, atividades transitórias eoportunistas em termos renda (um estudante, porexemplo, que ajuda um colega em determinadadisciplina e, por sua vez, é ajudado por este emoutra, ou em troca de dinheiro) e muitas outras ati-vidades semi-econômicas nas quais o ganho mo-netário representa uma proporção bastante resi-dual no orçamento individual ou em termos damotivação de sua ação. Os limites entre essas ati-vidades semi-econômicas e as atividades econômi-cas não são facilmente observáveis empiricamente,mas podem ser definidas em teoria como aquelas(a) irrelevantes do ponto de vista do orçamento fis-cal público e (b) assim percebidas socialmente –por exemplo, ninguém acha injusto que tais ativi-dades não paguem impostos. Trata-se de ativida-des que não são questionadas nem pelo economis-ta, nem pelo jurista, nem pelo cidadão comum. Sãoencontradas em sociedade tanto tradicionais comopós-modernas. Na verdade, constituem um tipo defenômeno que prova a impossibilidade da moneta-rização completa das relações sociais.

A especificidade do trabalho “informal”na economia “informal”

Ao considerarmos apenas a “informalidade”do trabalho evitamos a complexidade da econo-mia “informal” em geral. As interdependências en-tre economia e trabalho “informal” não justificamtratá-las como um mesmo fenômeno. A economia“informal” (não legal, isto é, não registrada comoatividade econômica) só pode criar empregos “in-formais”, mas a economia formal freqüentementeabre postos de trabalho “informais” – empresasformais (registradas e pagadoras de impostos) fre-qüentemente contratam todos ou parcela de seustrabalhadores sem registrá-los em carteira.12

A tradicional distinção entre empregado eautônomo, bem como entre autônomo e empre-gador, baseia-se no grau de subordinação ou de-pendência. O primeiro normalmente trabalha deacordo com regras definidas pelo empregador, épago por hora de trabalho (e não por tarefa ou re-sultado), tem horário de trabalho relativamentedefinido e deve estar disponível e subordinar-se a

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apenas um empregador nas horas contratadas. Es-sas características variam de acordo com as ativi-dades. O “tipo ideal” de assalariado, o qual agru-pa todas elas, encontra-se aparentemente emdeclínio por diversas razões. Primeiro, por causade mudanças econômicas e administrativas domundo empresarial. Mas, ao mesmo tempo que ocontrato de trabalho típico declina, juristas vemtentando atualizar a noção de contrato de “empre-go” por meio da definição de um conjunto de tra-ços que distinguiriam os contratos de trabalho doscontratos de serviço.13 Isso ocorre em países tan-to de tradição legislada (ou corporativista) comode tradição contratual (ou pluralista). Discutindoa legislação e a tradição jurídica britânica, Pitt(1995) opõe os contract of service (empregados)aos contract for service (autônomos).

Raramente poderíamos confundir o status deempregador com o de empregado, mas “autôno-mos” podem ser confundidos com ambos. Se al-guém trabalha apenas para uma empresa ou pes-soa, a justiça do trabalho tende a interpretar issocomo um contrato de trabalho. De maneira aná-loga, se um autônomo passa a contratar ajudantescom certa freqüência e continuidade, a interpreta-ção judicial tende a ir na direção oposta.14

De todo modo, os princípios de dependên-cia e subordinação,15 como guias das definiçõesjurídicas e sociológicas dessas três categorias,também indicam claramente a distinção entre ocontrato de emprego e os contratos entre empre-sas, nos quais a subordinação não está suposta.

O compromisso moral observado por Portes(1994) entre empresários dominicanos, imigrantesilegais atuantes nos Estados Unidos, não ocorreriaentre cidadãos norte-americanos em relações desubordinação (e não contratantes de mesmo sta-tus) num mercado de trabalho urbano. Não fossea condição de migrante ilegal, o compromissocom a “informalidade” (ou ilegalidade) comparti-lhada duraria apenas enquanto houvesse relaçãode trabalho. No Brasil, a prática de ex-emprega-dos “informais” processarem seus empregadoresquando demitidos exemplifica os limites do acor-do “informal” prévio entre contratantes desiguais.

A permanência e “reprodução de acordos“informais” parece depender de duas variáveis: a

convivência prévia de um grupo de pessoas emposição socialmente inferior ou estigmatizada e apercepção de uma certa igualdade “contratual”,de forma a prevenir que um processe o outro emvirtude da relação que mantiveram. Nos contratosde trabalho “informais” nas grandes cidades, oscontratantes compartilham uma condição ilegal,mas dentro de um contrato de subordinação. Por-tanto, as relações de dependência e subordinaçãosão variáveis-chave para distinguir os tipos de tra-balhos “informais”.

Explicações para o fenômeno do trabalho “informal”

Ao reduzir nosso objeto ao “trabalho infor-mal” alguns problemas conceituais puderam serevitados. Porém, muitas das questões expostaspermanecem. Nesse momento de análise, procu-ramos identificar três abordagens principais parao fenômeno, juntamente com outras três parale-las”, cada qual apropriada para explicar um deter-minado tipo de contrato atípico.

A primeira – denominada velha informalida-de – afirma que a “informalidade” deriva da condi-ção de um país em desenvolvimento, em que mui-tas atividades não são suficientemente atrativaspara o investimento capitalista. Essa era uma abor-dagem típica no Brasil dos anos de 1960 e 1970, aqual freqüentemente classificava o trabalho “infor-mal” como subemprego.16 Trata-se de um pontode vista exclusivamente econômico, na medidaem que o investimento é a variável-chave. A se-gunda, considera o trabalho “informal” o resultadonatural da busca por maximização de lucros porempresas em países com extensivo código de tra-balho e elevado custo indireto da folha salarial, so-bretudo em momentos de aumento da competiçãointernacional por mercados – aqui designada in-formalidade neoclássica.17 Por fim, outros argu-mentam que a “informalidade” resulta de mudan-ças nos processos de trabalho, novas concepçõesgerenciais e organizacionais e novos tipos de tra-balho, os quais não exigem tempo nem locais fi-xos – podemos nos referir a esse tipo como novainformalidade ou informalidade pós-fordista.18

“INFORMAL”, ILEGAL, INJUSTO 119

Abordagens Econômicas

VELHA INFORMALIDADE (SUBEMPREGO)

• Trata-se de uma abordagem tipicamente econô-mica, pois toma o investimento como a variávelprincipal. Visa a explicar a “informalidade” deuma economia em transição, que gera desem-pregados, subempregados ou empregados “in-formais” nos centos urbanos industrializados,muitos deles recém migrados de áreas rurais.

• Abordagem desenvolvimentista do mercado detrabalho.

• A “informalidade” é entendida como negativaou neutra por ser um fenômeno típico de so-ciedades em transição, o qual será soluciona-do com o próprio desenvolvimento.

INFORMALIDADE NEOCLÁSSICA

• Afirma que a “informalidade é o resultado na-tural da ação de empresas em busca da maxi-mização de suas rendas em países com custosindiretos elevados da força de trabalho, im-postos por lei, ou rígidos acordos coletivos.

• Mainstream econômico internacional.• A “informalidade” é vista como positiva por

ser o meio pelo qual o mercado corrige osefeitos negativos de normas rígidas do merca-do de trabalho.

NOVA INFORMALIDADE

• A “informalidade é o resultado natural de mu-danças no processo de trabalho, de novas con-cepções organizacionais e novos tipos de tra-balho, sem tempo ou espaço fixos, geradospela sociedade pós-fordista ou pós industrial.

• Escola regulacionista, analistas das socieda-des pós-industriais ou da pós-modernidade.

• Vê a “informalidade como relativamente neu-tra, pois embora cause problemas sociais nocurto prazo (negativo), representa uma mu-dança estrutural nos padrões de trabalho.

Abordagens Sociológicas e/ou Normativas

INFORMALIDADE POBRE

• Inclui diversos tipos de trabalhos “pobres”sob o mesmo conceito, sendo, portanto, maisempírica que a “velha informalidade”.

• A abordagem deriva (1) das antigas tentativasda OIT de criar conceitos capazes de incluir as“informalidades” dos vários países e (2) dastentativas de se adaptar a tese da “velha infor-malidade” aos novos trabalhos precários.

• Julgam a “informalidade” negativa.

INFORMALIDADE JURÍDICA

• Assemelha-se à variante neoclássica pelo fo-co na regulação do trabalho, mas pode serconsiderada seu espelho negativo por enten-der o excesso de liberdade do mercado na re-gulação das relações de trabalho como des-truidor das intervenções legais necessárias àgarantia de condições mínimas para a sedi-mentação de contratos do trabalho (entendi-do como um contrato entre desiguais) social-mente justos.

• Abordagem típica de profissionais da área ju-rídica e cientistas políticos, especialmente empaíses com relações de trabalho de tradiçãocorporativista, neocorporativista ou legislada.

• Vê a “informalidade” de maneira negativa.

INFORMALIDADE DA GLOBALIZAÇÃO

• Afirma que a realidade não mudou, isto é,que a natureza e as características do trabalhopermanecem essencialmente as mesmas; eque as mudanças ocorreram devido ao au-mento da competição internacional, estimula-da pelo credo neoliberal, que levou ao cres-cimento do desemprego e de trabalhosprecários e instáveis.

• Sociólogos críticos da globalização e marxis-tas.

• Vê a “informalidade” de forma negativa.

Quadro 1

120 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 18 Nº. 53

A “velha informalidade” buscava explicar omercado de uma economia em transição, que co-meçava a gerar uma massa de desempregados esubempregados, os quais rapidamente se aglome-ravam nas cidades industrializadas, recém chega-dos do campo. Essa era a agenda dos anos de1960 e 1970. No Brasil, a abordagem “neoclássi-ca” disseminou-se num momento diferente, e re-tardatário em relação a outros países, a saber, nofinal da década de 1980, quando os direitos dotrabalho foram reforçados pela nova Constituiçãoe, simultaneamente, intensificou-se o comércio in-ternacional. A análise “pós-fordista” apareceu noBrasil no início dos anos de 1990, mas, diferente-mente das outras, é mais apropriada para explicara “informalidade” da classe média (e até operária)do que a “informalidade” dos menos abastados –ambulantes e similares.

Para cada uma dessas abordagens encontra-mos perspectivas similares quanto ao diagnóstico,porém, bastante diferentes em seus pressupostose implicações, até porque contêm intenções nor-mativas mais explícitas.

A abordagem da “velha informalidade”, em-bora clara e consistente, pode facilmente gerarinterpretações mais frágeis, como, por exemplo,aquelas que identificam “informalidade” com tra-balho precário.19 Em países com grandes diferen-ças regionais e que enfrentam rápidas mudançassociais, incluindo fluxos migratórios, é bastantedifícil distinguir o trabalho “informal”, derivadoda economia tradicional da “informalidade” dasgrandes cidades, de trabalhos ao mesmo tempomodernos e pobres, típicos de relações capitalis-tas recém-deterioradas. Isso talvez explique aadoção desta versão do conceito por vários cien-tistas sociais brasileiros.

A perspectiva “neoclássica” tem como con-traposição uma abordagem que pode muito bemser denominada jurídica, e que nos leva a conclu-sões opostas às da primeira. A semelhança é ofoco na regulação do trabalho, e a principal dife-rença é a maneira pela qual, de um lado, a versãoneoclássica vincula o excesso de regulação à ex-pansão da “informalidade” e, de outro, a versão ju-rídica culpa a falência do setor público em garan-tir o cumprimento da lei20 diante das forças do

mercado. A primeira quer evitar a falência do mer-cado devido à força da lei; a segunda quer evitara falência da lei devido à força do mercado.

Finalmente, a “nova informalidade” tambémapresenta uma vertente positiva e outra negativa.A primeira acredita que o contrato de trabalho tra-dicional não se ajusta às novas tecnologias e àspráticas gerenciais. A crítica dessa posição afirmaque a realidade não mudou, isto é, as caracterís-ticas da relação de emprego são as mesmas, e queas mudanças ocorreram devido ao aumento daconcorrência internacional e da preponderânciade princípios neoliberais no cenário mundial, oque causou muitos problemas sociais como o de-semprego ou os empregos “precários”. Tal críticacircunstancia, pois, a vertente negativa e pode serdenominada a abordagem da globalização.21

No Brasil, todas essas abordagens encon-tram respaldo: a “velha informalidade” ainda estáem vigência em diversas regiões ou atividades; oargumento da “informalidade” neoclássica tam-bém tem solo fértil no país, dado o modelo legis-lado de relações de trabalho; por outro lado, ocontra-argumento “jurídico” é forte, na medidaem que o direito do trabalho é a fonte do direitosocial no país, e não o oposto – isto significa queuma eventual desregulamentação teria expressi-vos impactos sociais. Além disso, o debate sobre“o fim do trabalho” (ou variações mais brandascomo o “trabalho pós-industrial”) tem considerá-vel efeito simbólico sobre a classe média, ávidapor uma visão que explique seu próprio desem-prego ou subemprego, a despeito da discutíveldisseminação real de relações de trabalho subs-tantivamente novas e diferentes.

Essa é a complexidade do trabalho “infor-mal” no Brasil: todas as abordagens possuem aomenos um bom argumento no debate. Talvez amenos consistente (embora muito adotada) seja avertente da “informalidade “pobre”, dada sua fra-gilidade teórica. Todavia, acreditamos que no Bra-sil o principal debate gira em torno do eixo “neo-clássicos” versus “jurídicos”, visto que o conceitode contrato de trabalho no Brasil é bastante enrai-zado. De qualquer forma, se essa classificação dostipos de abordagem se mostrar apropriada, cremosque a tarefa das pesquisas empíricas hoje é a iden-

“INFORMAL”, ILEGAL, INJUSTO 121

tificação setorial e regional dos diversos tipos de“informalidade” e a avaliação de seu peso relativo.

O contrato de trabalho “justo”, segundo o senso comum

O quadro sobre o trabalho “informal” não secompleta sem o entendimento do senso comum22 arespeito dos contratos de trabalho. Por sua próprianatureza, a percepção popular não é planejada,coesa e nem tem um propósito delineado. Assim,não se pode imputar a ela a pretensão de criar umconjunto lógico de conceitos para classificar os ti-pos de contrato de trabalho. Seus conceitos sãodialógica e difusamente construídos, mas forte-mente influenciados por noções especializadas, di-vulgadas pela mídia, de juristas e economistas.

Em sociedades democráticas a lei é, por de-finição, justa. Caso não seja, deve ser mudada,mas nunca desprezada. Contudo, muitos contra-tos considerados justos por determinados gruposnão são previstos em lei ou são francamente ile-gais. Além disso, no Brasil, popularmente, o tra-balho “informal” típico pode ser entendido, senão como “justo”, ao menos como “aceitável”, ecertamente não é considerado “ilegal” a menosque se trate de crime (em geral comércio de pro-dutos ilegais) e não apenas um contrato ilícito. As-sim, na visão popular, os contratos legais (com re-gistro em carteira) opõem-se aos “informais” (semregistro) e não aos ilegais23 (entendidos como cri-minosos), o que denota as influências dos doissistemas classificatórios concorrentes da econo-mia e do direito.

Ambos os contratos, “legais” ou “informais”(ou melhor, como ou sem registro) podem ser en-tendidos como legítimos. A escolha ou a aceita-ção de um ou outro demanda uma complexa ava-liação que inclui noções de direito, justiça, éticabem como conveniências pessoais. Dessa manei-ra, quando da escolha ou da aceitação de um tra-balho, há um conjunto de considerações a respei-to da legalidade do contrato (daí o par conceituallegal/ilegal), mas, com mais freqüência, de suajusteza (justo/injusto) e de sua adequação e con-veniência pessoal (contratos aceitáveis ou inacei-

táveis independentemente ou a despeito de suajusteza e legalidade). Ademais, os indivíduos fa-zem considerações a respeito de contratos ideaisou completamente intoleráveis, tanto do ponto devista pessoal como social.

As linhas divisórias entre contratos de traba-lho “ideal”, “justo”, “aceitável” “pessoalmente ina-ceitável”, “injusto” ou “socialmente intolerável” sãotênues e misturam noções de necessidade pes-soal, de eficiência, de éticas pessoais e familiares,de justiça e de valores, normas e hábitos social-mente definidos (muitos deles de natureza tradi-cional, não problematizados).

Um trabalho pode ser aceitável porém injus-to, ou, ao contrário, inaceitável para um indiví-duo, mas socialmente “justo”. O par “justo” e “in-justo” diz respeito à esfera pública, enquanto asnoções de “ideal”, “aceitável” e “inaceitável” se re-ferem às preferências individuais. As noções dejustiça pública afetam as preferências individuais,mas não as definem de forma linear ou mecânica.

Um contrato “informal”, verbal, pode ser en-tendido como “justo” se o empregado percebeque o empregador tem boas razões para não re-gularizar a situação (por exemplo, uma micro em-presa em dificuldades financeiras).24 Ao contrário,quanto mais o trabalhador percebe que a “infor-malidade” é um meio de gerar um retorno extrapara a empresa, mais “injusto” será o contrato.Embora as percepções do justo e do injusto, doaceitável e do inaceitável sejam modeladas porum amplo conjunto de valores morais e de éticas,dois princípios gerais compõem a linha divisóriabásica entre o justo e o injusto. Primeiro, não terdireitos iguais a outros empregados da mesmaempresa em posto similares;25 segundo, perceberque ganhos extras dos empregadores são alcança-dos por meio da restrição de seus direitos.

Uma situação bastante diferente ocorre noscontratos “informais” de prestação de serviços, osquais não implicam nem a perda de direitos tra-balhistas, nem vantagens obtidas pelo contratanteàs expensas do contratado. Por meio da “informa-lidade”, ambos se beneficiam às custas do setorpúblico ao se auto-isentarem das taxas. Porémesse raciocínio simplista não se sustenta quandoo prestador de serviços se identifica pelo ofício,

122 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 18 Nº. 53

condição de trabalho ou condição social com tra-balhadores registrados e, portanto, membros dossistemas solidários de compensação de riscos.Neste caso, as vantagens e a segurança do regis-tro tornam-se mais atraente do que a liberdade doprestador de serviços. Portanto, os limites entre ocontrato “informal” “justo” e “injusto” dependemtanto da percepção de quem será lesado com onão cumprimento da lei, como de uma noção depiso de direitos e da atratividade que o sistemasolidário implícito no contrato representa.

Há alguns indícios que nos permitem supor(algo a ser confirmado em pesquisas futuras) que asnoções populares de contrato de trabalho “ideal”são bastante influenciadas pela legislação do traba-lho. Os cidadãos dos centros urbanos têm comoparâmetro do ideal o contrato em carteira; alterna-tivamente, e com mais intensidade sonha-se comum trabalho autônomo, mas quase nunca com umcontrato de trabalho “informal”. O “ideal” varia en-tre a segurança do contrato de trabalho (cujos in-convenientes são os deveres a ele associados) e aliberdade do autônomo – atividade arriscada espe-cialmente para não-profissionais.26 Entre esses dois“ideais”, muitos contratos atípicos são percebidoscomo “aceitáveis”, isto é, nem “ideal” nem “inacei-tável”. Entretanto, para ser “aceitável” é necessáriopossuir o mínimo de direitos, os quais são freqüen-temente inspirados na legislação do trabalho, taiscomo 13o salário, vale-transporte e férias anuais.

Há forte correlação entre o respeito a umdispositivo legal e sua legitimidade social, cuja ex-pressão é seu respeito também no mercado “in-formal”. Muitos contratos “informais” contemplamdispositivos da CLT.27 A idéia do “inaceitável” estáligada a esse piso de direitos (incluindo nível sa-larial) que compõem a expectativa mínima dostrabalhadores de uma região. Os trabalhadoresnão agem como maximizadores de preferências.Como disse Kerr,

[...] a idéia de satisfação [explica] algumasdecisões individuais melhor que a idéia demaximização, por exemplo quando trabalha-dores aceitam o primeiro trabalho disponívelque corresponda às suas expectativas míni-mas [...] (Kerr e Staudohar, 1994, p. 77).28

Um contrato legal (com registro) tende a servisto como justo, mas em apenas alguns casos oscontratos ilegais (sem registro) são percebidoscomo injustos. Trata-se de uma curiosa dissociaçãoque demonstra o papel da CLT no Brasil, isto é, umcódigo do trabalho legítimo a ponto de influenciaras práticas do contrato “informal” e ao mesmo tem-po incapaz de instituir parâmetros mínimos queorientem a legitimidade dos contratos de trabalho.A CLT definiu parâmetros do bom contrato de tra-balho, mas foi incapaz de definir o inaceitável.

Além disso, aquilo que o empregado enten-de como aceitável não se distingue tanto da per-cepção do empregador como poderíamos ser le-vados a crer pelas abordagens que sobrevalorizamo conflito capital-trabalho ou aquelas que vêemos atores como maximizadores racionais de suaspreferências. Empregados e empregadores assu-mem, conscientemente ou não, um conjunto mí-nimo de direitos e benefícios em segmentos espe-cíficos dos mercados de trabalho de cada região.As diferenças dessas percepções são provavel-mente maiores na comparação entre regiões queentre empregados e empregadores de um mesmomunicípio e categoria.

Embora a idéia do “socialmente aceitável”não seja correlata de “justo”, dada a resignaçãopragmática dos indivíduos à realidade do mercadode trabalho (expressa na frase: um emprego nun-ca é justo, mas assim é a vida), a idéia do social-mente inaceitável tende a ser próxima de “injusto”.Assim, para o entendimento da forma como o “ho-mem comum” enfrenta o conflito entre a aborda-gem jurídica (ilegal versus legal) e a econômica(“informal” versus formal) é mais apropriado in-vestigarmos a noção do “socialmente inaceitável”do que qualquer outro termo acima mencionado.

Um trabalho pode ser inaceitável para umapessoa devido a muitos fatores, tais como as tare-fas requeridas (por exemplo, atividades inferioresàs qualificações não são bem vistas pelos empre-gados, especialmente as “degradantes”), as condi-ções do ambiente de trabalho (por exemplo, am-bientes sujos e insalubres), ou relações pessoais(chefes autoritários), entre outros.

Ademais, a percepção da ilegalidade ou dainjustiça de um tipo de contrato varia conforme as

“INFORMAL”, ILEGAL, INJUSTO 123

práticas populares locais. O trabalho infantil, porexemplo, pode ser popularmente visto no Brasilcomo ilegal, apenas “informal” ou pode nem mes-mo ser reconhecido como trabalho (e portantocomo problema), dependendo de variáveis cultu-rais e econômicas das regiões do país.

O piso de direitos e benefícios para um con-trato “justo” ou “aceitável” varia de acordo com olocal, com o padrão contratual aí prevalecente,com as experiências prévias de trabalho do indi-víduo e de sua família, bem como em função dasexpectativas profissionais, o que por sua vez é de-finido por muitos outros elementos das históriasindividuais, incluindo variáveis como grau de es-colarização, sexo e idade.

Uma rápida transição da “velha” para a “informalidade da globalização”

Propomos a seguir a análise, embora nãoaprofundada e resumida, de como se deu o pro-cesso recente de transição de um mercado de tra-balho em um estado “pobre” do Brasil. Compara-tivamente, o Ceará é um Estado pequeno, pobre,onde uma considerável parcela da população ain-da vive de uma economia de subsistência e, mui-tas vezes, trocam mercadorias sem a referênciamonetária, embora Fortaleza (e muitos outros mu-nicípios) seja uma cidade turística, moderna, ecom amplo mercado formal de trabalho.

No final dos anos de 1980, o governo esta-dual iniciou um programa para atrair indústrias edesenvolver a economia local. Para isso, dois in-centivos principais foram criados: primeiro, incen-tivos fiscais para a instalação de indústrias demão-de-obra intensiva, os quais seriam mais ge-nerosos quanto mais distante de Fortaleza fossemas propostas de instalação das indústrias. Os in-centivos fiscais visavam à instalação de indústriasnas áreas secas do Estado. O segundo atrativo eraa permissão de criação de “cooperativas”, nasquais os trabalhadores poderiam vender o produ-to de seus trabalhos para indústrias de exportação(principalmente de calçados). O governo estadualincentivou a formação de tais “cooperativas” so-mente para as indústrias exportadoras com o ar-

gumento de que a redução do custo da força detrabalho era a forma mais eficiente de enfrentar acompetição internacional em produtos de mão-de-obra intensiva. Tão logo a proposta foi imple-mentada, os sindicatos estaduais começaram a de-nunciar as “novas cooperativas” como “falsascooperativas” e, apesar da discussão criada emtorno do tema,29 com o passar dos anos tornou-seclaro que os trabalhadores “cooperados” na gran-de maioria dos casos eram, rigorosamente, em-pregados das empresas exportadoras. Inspetoresdo trabalho,30 procuradores públicos do trabalho31

e juízes32 recolheram evidências e argumentaramnesse sentido. Atualmente há processos jurídicos(já executados ou em andamento) que visam àtransformação dos trabalhadores “cooperados”em empregados subordinados à CLT.

No debate público, o governo estadual e osempresários exportadores uniram-se na defesa das“cooperativas”, baseados em argumentos econô-micos, mas admitiram indiretamente a inconsistên-cia legal de seus argumentos e, portanto, passarama propor uma mudança da legislação nacional.Sustentavam que parte da população favorecidapelo programa nunca havia recebido qualquer sa-lário, que o padrão de consumo e de vida das po-pulações locais havia melhorado consideravel-mente, que a instalação de indústrias nessasregiões jamais teria ocorrido sem tais incentivos;em suma, superar a condição de pobreza seriamais relevante que observar a lei.

Nos primeiros anos do programa, os inspe-tores do trabalho da DRT local não atuaram sobreas “novas cooperativas” – para os propósitos ini-ciais dessa discussão, não importa se isso ocorreupor desatenção, tolerância, conivência ou sim-plesmente porque não foram chamados a agir.33

Mais tarde, as denúncias de sindicatos e procura-dores (muitas vezes aplaudidos discretamente porempresários não favorecidos pelas “cooperati-vas”) levaram os inspetores locais a notificarem asempresas e informarem o Ministério do Trabalho.

Os trabalhadores das cooperativas rapida-mente entenderam que aquele arranjo não respei-tava a lei. O sentimento de ter sido “abençoado”por indústrias de exportação no meio do maisseco sertão e de ter tido seu poder de compra ele-

124 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 18 Nº. 53

vado foi, no período de dez anos, substituído pelosentimento de estar excluído de direitos disponí-veis para a maioria dos trabalhadores brasileiros.

Pessoas que estavam habituadas à “velha in-formalidade” do trabalho até o final dos anos de1980 experimentaram, na década seguinte, a “in-formalidade da globalização” (e muitos se disse-ram satisfeitos e agradecidos por isso34) e agora sesentem prejudicados por estarem em situação ile-gal – a “informalidade jurídica” –, enfrentandoempresários e governantes preocupados com a“informalidade neoclássica”.

Considerações finais

Dada a complexidade da matéria propostaneste trabalho, não cabe propriamente uma con-clusão, mas apenas sugerir alguns pontos paratornar o debate sobre contratos informais ou atí-picos mais frutífero. Num país com regiões queainda enfrentam a transição de uma economia desubsistência para uma economia moderna e urba-na, qualquer noção de contrato de trabalho legí-timo está em permanente e rápida mutação, o quepotencializa o caráter provisório de qualquer pes-quisa empírica sobre o tema.

Não só no Brasil, as noções do lícito, do jus-to, do aceitável estão em constante mudança, emais ainda em períodos como o atual, no qual aeconomia e o cenário ideológico internacionaltrazem para a pauta novas noções de contratos detrabalho. Nesses momentos, a discussão sobre alegitimidade dos contratos (legitimidade essaoriunda das noções populares de contratos “jus-tos” ou “aceitáveis”) não pode ser obscurecida pe-los debates tradicionais no âmbito do direito e daeconomia sobre a legalidade e a eficiência econô-mica dos contratos. Ao contrário, para compreen-der o fenômeno da “informalidade”, ou melhor,dos contratos atípicos, é essencial a compreensãodaquilo que escapa à razão do economista e dojurista, isto é, o balanço efetivamente elaboradopelas partes dos contratos entre as noções de efi-ciência e justiça.

Procuramos mostrar neste texto que a maté-ria vem sendo tratada de forma por demais gené-

rica. Subemprego, trabalho informal, trabalho pre-cário ou precarização são termos possivelmenteúteis para descrever situações ou processos geraisque marcam determinadas épocas ou regiões,mas são insuficientes para entender a gama decontratos atípicos. Ou seja, aqueles contratos dosetor privado que fogem do padrão legal – CLTis-ta, no caso brasileiro. A diversidade de razõespara a CLT ser desrespeitada não pode ser restri-ta a nenhum fator em específico. A explicaçãoneoclássica, aparentemente tão robusta, não con-segue resolver o problema da legitimidade da lei,sobretudo daquelas cujas práticas reiteradas re-produzem a todo momento padrões contratuaisdo passado. E não poderia ser diferente. Novospadrões contratuais nascem inspirados nos velhose, nesse sentido, são um excelente laboratório decriação normativa.

Por sua dimensão, o trabalho “informal”(sem registro) é um problema econômico e socialno Brasil, mas, em contrapartida, o trabalho formaltambém está fortemente enraizado no país. Aqui,o contrato de trabalho é matéria de lei, mais quede contrato coletivo. Juízes dessa área criticamcom freqüência a detalhada legislação nacional,mas a maioria deles não pretende que se abando-ne os princípios subjacentes à noção de “empre-gado”, particularmente a noção de subordinação.Os economistas (refiro-me ao mainstream neo-clássico) tentam abstrair a legislação trabalhista epropor um amplo programa de “desregulamenta-ção”, mas suas propostas enfrentam o “fardo” deum modelo de relações de trabalho não contra-tual, no qual a condição de “assalariado” é a baseda cidadania. Com isso, retiram a cidadania socialda esfera do contrato, sem transferi-la para outrasesferas. De forma reativa, os sindicalistas tentammanter o conjunto de direitos constitucionais e daCLT. Contudo, para fazer valer seus argumentoseles precisam de propostas que solucionem a “in-formalidade” endêmica e que considerem aspec-tos de eficiência. Os políticos locais podem pac-tuar com empresários que desrespeitem a lei, sejapor interesses eleitorais (Tendler, 2002), seja paraincentivar a criação de novos padrões contratuais,mas eles vivem num Estado federado onde a leitrabalhista sempre foi nacional. Esbarram, portan-

“INFORMAL”, ILEGAL, INJUSTO 125

to, em um tema fora da pauta, a saber, a estadua-lização das leis trabalhistas.

A legislação do trabalho é uma referêncianacional. Assim, a despeito das práticas, das tra-dições e das realidades regionais, a noção popu-lar de “contrato justo” tem sido influenciada pelosprincípios legais nacionais, rapidamente assimila-dos pelas populações e, por outro lado, pela no-ção de eficiência que o mercado impõe com o au-mento da competição nacional e internacional.

Do ponto de vista teórico, o desafio enfren-tado é o entendimento da forma pela qual as no-ções conflitivas de eficiência e justiça são resolvi-das em contratos entre desiguais35 em mercadosdominados pela irregularidade, nos quais os ato-res já supõem que a lei não precisa ser cumprida,dada as práticas reiteradas de empreendimentossimilares que operam com algum grau de sucessoe com baixo risco de punição.36 Contudo, apesarda “informalidade”, a lei continua sendo uma re-ferência na formação das preferências das partescontratantes. As análises institucionais históricas ea sociologia econômica têm reforçado essas idéiasde path dependency seja por sua construção teó-rica, seja pelas evidências empíricas.37

Do ponto de vista empírico, o desafio é aconstrução de uma tipologia contratual capaz deretratar e explicar as diferentes razões que levamà não observância da lei. É nesse sentido que asabordagens predominantes sobre informalidadefalham. Interpretações radicalmente concorrentescomo as que apresentamos são menos incompa-tíveis do que parecem, pois cada uma delas retra-ta as razões e as origens de determinados tipos decontratos atípicos.

Se as hipóteses defendidas neste texto esti-verem corretas, as políticas públicas destinadas àredução da “informalidade” (contratos ilegais ounão previstos em lei) terão de atuar de forma se-letiva de acordo com os tipos de trabalho “infor-mal” encontrados, e, para isso, a tarefa empíricade definir e dimensionar os diversos tipos de con-tratos atípicos terá de ser feita.

NOTAS

1 Trata-se da pesquisa “A ‘Informalidade’ e os Contra-

tos de Trabalho Legítimos segundo a Economia, o

Direito e o Senso Comum”, financiada pela Fapesp

desde maio de 2002. Essa pesquisa envolve cinco

subprojetos e tem apoio de estudantes de gradua-

ção e pesquisadores de pós-graduação. Agradeço,

particularmente, a Antonia Celene Miguel e Karen

Artur pelos subsídios à pesquisa, bem como aos

alunos de graduação envolvidos no trabalho.

2 Ferrara (1993, cap. 3) distingue dois sistemas de Es-

tado de Bem-Estar: ocupacional e universal. A Fran-

ça e a Suécia são, respectivamente, os mais repre-

sentativos de cada um desses modelos. A

Alemanha, a Áustria e a Bélgica também são classi-

ficados como “ocupacionais”. Outros países como

Suíça, Itália, Holanda e Irlanda são considerados

modelos mistos.

3 Até o início dos anos de 1980 o fenômeno hoje

identificado como trabalho “informal” era classifica-

do principalmente como subemprego. Para um ba-

lanço extensivo que retrata o debate econômico da

época, ver Hoffmann (1980) e Jatobá (1990). Cada

um dos conceitos é mais adequados a um tipo de

relação de trabalho, mas têm sido usados de forma

relativamente indiscriminada e com limites pouco

definidos. De todo modo, a utilização do termo “in-

formalidade” vem, desde meados da década de

1980, se sobrepondo ao termo subemprego, já que

este último seria uma das formas da “informalida-

de”. Voltaremos a essa questão na segunda seção

deste estudo.

4 Média de seis áreas metropolitanas (IBGE-PNAD).

5 Esses dados contestam a idéia prevalecente de que

a “informalidade” era (ou é) predominante no Bra-

sil. Embora esse não seja o foco deste artigo, vale a

pena destacar essa distorção promovida na mídia

do significado dos dados.

6 Para uma revisão da literatura, ver Jatobá (1990), Tok-

man (1990), Mesa-Lago (1990) e Cacciamalli (1983).

7 Mario Theodoro lembra-nos a história peculiar do

termo, criado pela OIT e disseminado na comuni-

dade acadêmica e entre os institutos de pesquisa.

8 No original: “[…] the extent to which such opportu-

nities (to profit with ‘informal’ activities) are trans-

formed into ‘informal’ enterprise depends on the

126 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 18 Nº. 53

capacity of communities to mobilize the social re-

sources necessary to confront state enforcement

and ensure smooth market transactions”.

9 Harding e Jenkins (1989) criticam não apenas o uso

de conceitos correlatos a “informal”, como econo-

mia subterrânea ou escondida, mas também a for-

ma dual e estanque de definição desses mercados.

10 Segundo a OIT, muitos países (21 em 54) definem a

“economia informal” a partir do não registro da em-

presa, sendo o “emprego informal” aquele ofertado

por essas empresas (International Labour Office,

2002).

11 Os exemplos são inspirados nas diversas situações

“informais” que detectamos na pesquisa referida na

nota 1.

12 Baseado em dados da dissertação de mestrado de

Celine Claro, em fase final de redação.

13 Essa é uma das preocupações que moveram o deba-

te de Alan Supiot com diversos pesquisadores, o qual

resultou em uma obra de referência (Supiot, 2001).

14 Na verdade, a pesquisa ainda não levantou evidên-

cias empíricas sobre isso. A afirmação baseia-se so-

bretudo na doutrina jurídica e não em decisões do

judiciário brasileiro.

15 Uriarte e Alvarez (2001) discutem o quanto o con-

ceito de subordinação como fundamento do direito

do trabalho estaria sendo superado por novas prá-

ticas organizacionais, novas tecnologias e novas

concepções de trabalho. Suas análises e conclusões,

entretanto, não apontam para nenhum princípio

que o substitua. Ao contrário, os autores apontam

para a possibilidade da extensão do âmbito de atua-

ção do direito do trabalho (e, portanto, dos concei-

tos de tutela e subordinação) para toda a forma de

trabalho humano.

16 O melhor exemplo dessa abordagem encontra-se

em Hoffmann (1980). Mas praticamente todos os

sociólogos e economistas que trabalharam com o

tema tomaram o subemprego como um importante

componente da “informalidade”.

17 Não se pode dizer que os economistas brasileiros te-

nham uma interpretação particular da abordagem

neoclássica. Contudo, Pastore (1994) é o mais cita-

do autor entre os economistas críticos da legislação

do trabalho. Outros autores, porém, como Amadeo

e Camargo (1996), adotam esse argumento de for-

ma secundária e complementar.

18 Talvez nenhum autor brasileiro possa ser claramen-

te identificado como representante dessas teses,

mas ela aparece com um componente relevante da

explicação do crescimento da “informalidade” re-

cente em várias obras.

19 Barbier (2002) faz um balanço crítico do uso, para

fins científicos, do termo “precariedade” na França.

O autor aponta a existência de diversos significados

do termo ao longo dos últimos trinta anos. Além

disso, seu texto nos permite perceber a especifici-

dade dos conceitos e da terminologia acadêmica so-

bre contratos atípicos em cada país, uma vez que o

autor foi justamente motivado pela sua percepção

da especificidade do conceito em torno do termo

precarité na França.

20 Dois bons exemplos de interpretações que mostram

as “anomias estruturais” dos Estados Latino-ameri-

canos para fazerem as instituições governamentais

(incluindo a lei) operarem propriamente são os tra-

balhos de Malloy (1993) e Santos (1992). Porém,

suas análises não tratam dos mercados de trabalho,

mas dos Estados. Alguns analistas do tema, como

Camargo e Amadeo (1993) e Noronha (2000), ten-

tam evitar explicações unilaterais, pró ou anti-regu-

lação, mas, no Brasil, o debate acadêmico ainda

está muito restrito.

21 A vertente positiva tem como o expoente mais po-

pular Rifkin (1996). Além dele, a escola da regula-

ção ao enfatizar as rupturas com o pós-fordismo

tende também a destacar os novos padrões de em-

prego. O mesmo vale para autores que tratam das

rupturas da modernidade, como Giddens (1990).

No Brasil, não acreditamos que haja um represen-

tante típico dessas correntes. Contudo, a partir de

pressupostos e preocupações diversas, os pesquisa-

dores do GT “Trabalho e Sociedade” da Anpocs

produziram, ao longo dos últimos anos, diversos

trabalhos sobre as mudanças tecnológicas e admi-

nistrativas. Recentemente Nadia Guimarães e Scott

Martin reuniram em um livro estudos sobre compe-

titividade internacional, direitos sociais e desenvol-

vimento (2001). Com outros pressupostos e preocu-

pações (valorização do empreendedorismo versus

estabilidade do velho gerente) Roberto Grün (2000)

discute as rupturas na forma pela qual a classe mé-

dia percebe as relações de trabalho. Outro tema

que tem interessado cada vez os pesquisadores da

“INFORMAL”, ILEGAL, INJUSTO 127

área são os sistemas cooperativos propostos pela

economia solidária (ver Singer, 2002). Nenhum dos

autores, contudo, considera as diversas mudanças

por eles assinaladas exclusivamente positivas ou

negativas. A vertente negativa está mais bem repre-

sentada por alguns autores de inspiração marxista,

que tendem a enfatizar os fatores desestabilizadores

da globalização sobre as práticas contratuais do

mercado de trabalho. Entre os economistas do tra-

balho, Dedecca é um dos mais críticos dos efeitos

do capitalismo moderno sobre os mercados de tra-

balho (1996).

22 Com as expressões “senso comum” ou “visão popu-

lar” referimo-nos às interpretações não especializa-

das da formalidade ou “informalidade”, isto é, ex-

cluímos fundamentalmente as interpretações dos

juristas e dos economistas, mas inserimos no senso

comum as interpretações dos empregados e dos

empregadores em geral.

23 Não é nossa intenção mensurar a quantidade de tra-

balho ilegal no Brasil no sentido de “criminoso”, até

porque não há dados disponíveis. Mas, é certo que

as atividades criminosas representam a menor par-

te da “informalidade” no Brasil.

24 Todos os exemplos apresentados nesta parte são ba-

seados em entrevistas realizadas pela pesquisa já re-

ferida (nota 1).

25 Elster já havia identificado esse princípio de justiça

em The cement of society, 1989.

26 Dados do Sebrae, analisados por Elson Pires, mos-

tram a grande proporção de colapso de pequenas

empresas com menos de um ano de existência (Ce-

brap e Desep-Cut, 1994).

27 Baseado em dados da dissertação de mestrado de

Celine Claro, em fase final de redação.

28 No original: “the idea of satisfaction [explains] some

individual decisions better than maximizing, such as

when workers take the first available job that meets

their minimum expectations [...]”.

29 A Lei 5.764 de 1997 institui o regime das cooperati-

vas, sendo alterada pela Lei 8.949 de 1994. Tal alte-

ração visava à criação de empregos e era apoiada

por boa parte dos sindicalistas. Contudo, a prolife-

ração de denúncias sobre falsas cooperativas levou

muitos a denunciá-las como inconstitucional. Atual-

mente, no Congresso Nacional, há projetos de alte-

ração e de revogação da lei.

30 Veja entrevistas realizadas pela pesquisa “Desenvol-

vimento e upgrading de cadeias produtivas e rela-

ções de trabalho: a cadeia de calçados” (Ipea), de-

senvolvida por Eduardo G. Noronha e Lenita

Turchi. O relato sobre o caso do Ceará baseia-se es-

sencialmente nessa pesquisa.

31 Ver artigo de José Antonio Parente da Silvano no

Diário do Nordeste, 20/10/1997.

32 Ver artigo de Almir Pazzianotto Pinto no Correio

Brasiliense, 4/6/1997.

33 Os inspetores das DRTs podem agir após (1) denún-

cia normalmente feita por trabalhadores ou sindica-

tos e (2) programa de ação definido pelo Ministério

do Trabalho e do Emprego (Mannrich, 1991).

34 Ver entrevistas da pesquisa “Desenvolvimento e up-

grading de cadeias produtivas e relações de traba-

lho: a cadeia de calçados” (Ipea).

35 Temos como pressuposto, evidentemente, que a no-

ção de “subordinação” continua sendo o eixo prin-

cipal na distinção entre prestação de serviço e con-

trato de trabalho a despeito de muitos contratos de

trabalho estarem sendo transformados em contratos

de prestação de serviços por meio das terceiriza-

ções e não obstante os discursos administrativos

que reforçam as noções de parcerias entre empre-

gados e empresas. Isto é, apesar das mudanças

reais e discursivas sobre a condição de subordina-

ção dos empregados, supomos que a grande maio-

ria dos contratos de trabalho continuam tendo di-

versas das características que definem

subordinação.

36 Na verdade o MTE tem alterado sua prática de fisca-

lização, buscando torná-las mais eficientes e menos

punitivas. De todo modo, tal afirmação ainda está

para ser provada e será matéria de outro artigo des-

ta pesquisa.

37 No campo da ciência política ou da sociologia eco-

nômica vários balanços de literatura reforçam essa

idéia, aliás presente tanto no “velho” como no

“novo” institucionalismo. Ver a esse respeito, por

exemplo, Dimmaggio e Powell (1991), Thelen e

Steinmo (1992) e Scott (1995); particularmente so-

bre a relação entre leis, normas e mercados, ver

Suntein (1997).

128 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 18 Nº. 53

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RESUMOS / ABSTRACTS / RÉSUMÉS 179

“INFORMAL”, ILEGAL, INJUS-TO: PERCEPÇÕES DO MERCA-DO DE TRABALHO NOBRASIL.

Eduardo G. Noronha

Palavras-chaveInformalidade; Mercado deTrabalho; Sociologia Econômica.

Neste artigo discutimos os diferentessignificados de formalidade e “infor-malidade”, bem como as noções decontratos de trabalho legítimos.Busca-se redefinir o conceito de“informalidade” com base nos difer-entes princípios que guiam as inter-pretações de economistas, juristas eda opinião pública. Primeiramente,faz-se um breve resumo do surgi-mento da “informalidade” comoproblema social, e, em seguida, crit-ica-se o uso desse conceito, dada adiversidade de situações contratuaisabarcada por ele. Argumenta-se,ainda, sobre a necessidade de seanalisar as noções populares decontrato de trabalho “justo” porserem acepções que se relacionamcom noções econômicas e jurídicasde contratos legítimos. Examinamos,por fim, as dificuldades analíticas dotema devido à diversidade deprocessos que geram as relações de“informalidade” no Brasil. Aponta-se, pois, para a necessidade de seintensificar o diálogo acadêmicoentre economistas, juristas e cientis-tas sociais para uma melhor com-preensão dos contratos atípicos.

“INFORMAL,” ILLEGAL,UNFAIR: WORK MARKETPERCEPTIONS IN BRAZIL

Eduardo G. Noronha

Key wordsInformality; Work market; conomi-cal-Sociology.

This paper discusses the differentmeanings of formality and “infor-mality,” as well as the notions oflegitimate work contracts. It aims atredefining the concept of “informal-ity” based on the different principlesthat conduct the interpretations ofeconomists, jurists, and the publicopinion. Firstly, it presents a briefsummary on the appearance of the“informality” as social problem;then, it criticizes the use of suchconcept, given the diversity of con-tractual situations included in it. Italso points out the necessity of ana-lyzing the popular notions of a “fair”work contract because the interpre-tations are related to economicaland juridical notions of legitimatecontracts. It finally examines theanalytical difficulties on the themedue to the diversity of processes thatgenerates relationships of “informal-ity” in Brazil. It points out, then, thenecessity of intensifying the aca-demic dialog among economists,jurists, and social scientists, in orderto better understand those atypicalcontracts.

“INFORMEL”, ILLEGAL,INJUSTE : PERCEPTIONS DUMARCHÉ DU TRAVAIL AUBRÉSIL.

Eduardo G. Noronha

Mots-Clés Informalité; marché de travail; So-ciologie économique.

Dans cet article, nous abordons lesdifférents sens de la formalité et del’“informalité”, ainsi que les notionsde contrats de travail légitimes.Nous cherchons à définir le conceptd’“informalité” suivant les différentsprincipes qui guident les interpréta-tions des économistes, des juristes etde l’opinion publique. Nous pro-posons, tout d’abord, un brefrésumé de l’apparition de l’“infor-malité” en tant que problème socialpour, ensuite, critiquer l’emploi dece concept, étant donné la diversitédes situations contractuelles qu’ilenglobe. Nous rappelons, égale-ment, le besoin d’une analyse desnotions populaires de contrat de tra-vail “juste” car il s’agit d’acceptionsqui ont un rapport avec les notionséconomiques et juridiques de con-trats légitimes. Finalement, nousexaminons les difficultés analytiquesdu thème dues à la diversité desprocessus à la source des rapportsd’“informalité” au Brésil. Nousindiquons, donc, le besoin d’intensi-fier le dialogue académique entreles économistes, les juristes et lesscientistes sociaux pour unemeilleure compréhension des con-trats atypiques.