2
Nº 3 - 6 de Julho de 2012 folha informativa Fotos © Alfredo Rocha Peter Stein Pequeno tratado para incendiários P hilippe Durand, o actor que hoje às 21h00 sobe ao palco do auditório do Institut Français de Portugal, em Lisboa, para ser a voz do texto Para Louis de Funès (numa encenação de Philip Boulay), contou-me que em França a peça foi representada em hospitais psiquiátricos, e que guarda dessas experiências a impressão indelével de ter tocado esses públicos no âmago da sua humanidade. Num desses momentos, um dos pacientes terá tomado a palavra para dizer que um actor é afinal como um fósforo: uma extremidade vermelha que se incendeia, transformando-se numa pequena chama que rapidamente se consome. A imagem parece tola e pueril mas Philippe Durand encontra nela a beleza das coisas simples e verdadeiras – como aquilo de que fala a peça de Valère Novarina, um texto sobre o vazio (que é o que é à partida a Vida, tal como um palco) e sobre como enchê-lo de significado. Os loucos e os artistas serão, de entre todos, aqueles que melhor pensam o Ser – ou talvez mesmo os únicos a verdadeiramente fazê-lo, a cada dia erguendo-se contra a vacuidade, a que as sociedades do Ter têm sido exímias em acrescentar de absurdo existêncial. E é por isso que esse actor que Novarina descreve, o que sobe para a cena como única forma de se cumprir na sua condição humana, é muito mais do que um herói teatral. Esse actor é qualquer um de nós que na vida não aceite menos do que existir na justa dimensão do que o torna humano: a poesia. Sarah Adamopoulos ENCONTROS DA CERCA – AmAnhã 10h30 Sector discute a crise no teatro C om uma crise transver- sal que abrange todos os sectores, também o teatro se vê afectado pela con- turbada época económica em que vivemos. Por essa razão, o 29º Festival de Almada reu- niu um painel diversificado para debater o tema e, se possível, apresentar soluções para os tempos difíceis que também o teatro vive. O colóquio, intitu- lado “A crise no teatro” decor - re amanhã, sábado, a partir das 10h30, na Casa da Cerca – Centro de Arte Contempo- rânea, em Almada Velha. André Albuquerque, actor e membro do sindicato CENA, António Pinto Ribeiro, Progra- mador de Teatro da Fundação Gulbenkian, Carlos Vargas, Pre- sidente do Conselho de Admi- nistração do TNDMII, Daniel Oli- veira, jornalista, Fernando Mora Ramos, encenador e director do Teatro da Rainha, Joaquim Benite, encenador e director do Festival de Almada, Jorge Silva Melo, encenador e director dos Artistas Unidos, José Luís Fer- reira, director do São Luiz Te- atro Municipal, Mark Deputter, director do Maria Matos Teatro Municipal, e Tónan Quito, actor, encenador e membro do grupo Truta constituem o painel de oradores do evento. E são várias as críticas apre- sentadas pelos vários partici- pantes do colóquio: segundo Joaquim Benite, cabe hoje ao Teatro de Arte “a responsabili- dade de defesa da cidadania, da democracia e dos seus valores, numa luta que terá certamente sucessivos desfechos, derrotas e vitórias, e que se inscreve na História da Cultura”. “A acção da SEC [Secretaria de Estado da Cultura] tem-se limitado, apenas, à actividade de um funcionário que gere os poucos recursos financeiros que o Governo lhe concedeu na base de restrições, fusões sem sentido e sem justificação racional, e atitudes arrogantes na forma como gere as expec- tativas do sector cultural”, acu- sa António Pinto Ribeiro. Já Daniel Oliveira defende que “todos os países desenvolvidos do mundo têm financiamento público à criação artística”. “E se isto é verdade em países com mercados de alguma di- mensão, em países do tamanho de Portugal deveria ser indiscu- tível. Os subsídios à cultura não são uma esmola. São um in- vestimento. Um pequeníssimo investimento, para dizer a ver- dade. Talvez dos investimentos públicos onde a relação entre o que é gasto e o retorno final é mais favorável”, conclui o jor - nalista. “O teatro europeu teve muito mais sucesso no mundo do que o imperialismo: em todas as par- tes do planeta se faz teatro ‘à europeia’. E a tradição do teatro europeu, isto é, ocidental, é a do teatro de texto: é nisso que assenta a sua universalidade. Qualquer texto pode ser traduzi- do e representado noutra língua. Se nos afastarmos dos textos, da nossa tradição ocidental, o teatro morre”. Perante o Jardim de Inverno do Teatro São Luiz repleto de jorna- listas, críticos, estudantes e pro- fissionais do teatro, Peter Stein fez juz à sua fama de não ser um homem de rodeios. Numa con- versa moderada pela professo- ra Vera San Payo Lemos, falou de si, do recital Fantasia Fausto - “esta coisinha que vou apre- sentar não é teatro, mas eu gos- to tanto de fazê-la…” – e da sua Peter Stein, o ProvocAdor tímido Mestre alemão deu aula de teatro no São Luiz relação com Goethe: “quando tinha 13 anos Goethe era como uma cruz que tínhamos de car- regar nas aulas – o problema é que às gerações actuais já nem se lhes propõem que carreguem qualquer cruz!”. Durante uma conversa de quase duas horas, Stein ironi- zou, provocou e dialogou com o público. Lamentou a falta de formação da maioria dos acto- res de hoje em áreas tão funda- mentais como a dicção (“esta Fantasia Fausto é também uma demonstração magistral que Goethe nos legou das possibi- lidades fonéticas da língua ale- mã: já o apresentei legendado em russo, esloveno, farsi…”). No início do colóquio, Stein tinha advertido: “Fico envergo- nhado quando vejo tanta gente a querer falar comigo. Sempre tentei não abusar das palavras. Prefiro usar as palavras [dos textos] dos outros”. Um provocador tímido, portanto. Mais de cem espectadores assistiram ao encontro

informativa folha · veira, jornalista, Fernando Mora Ramos, encenador e director do Teatro da Rainha, Joaquim Benite, encenador e director do Festival de Almada, Jorge Silva

  • Upload
    lynhan

  • View
    215

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Nº 3 - 6 de Julho de 2012 folhainformativa

Foto

s ©

Alfr

edo

Roch

a

Peter Stein

Pequeno tratado para incendiários

P hilippe Durand, o actor que hoje às 21h00 sobe ao palco

do auditório do Institut Français de Portugal, em Lisboa, para ser a voz do texto Para Louis de Funès (numa encenação de Philip Boulay), contou-me que em França a peça foi representada em hospitais psiquiátricos, e que guarda dessas experiências a impressão indelével de ter tocado esses públicos no âmago da sua humanidade.

Num desses momentos, um dos pacientes terá tomado a palavra para dizer que um actor é afinal como um fósforo: uma extremidade vermelha que se incendeia, transformando-se numa pequena chama que rapidamente se consome. A imagem parece tola e pueril mas Philippe Durand encontra nela a beleza das coisas simples e verdadeiras – como aquilo de que fala a peça de Valère Novarina, um texto sobre o vazio (que é o que é à partida a Vida, tal como um palco) e sobre como enchê-lo de significado.

Os loucos e os artistas serão, de entre todos, aqueles que melhor pensam o Ser – ou talvez mesmo os únicos a verdadeiramente fazê-lo, a cada dia erguendo-se contra a vacuidade, a que as sociedades do Ter têm sido exímias em acrescentar de absurdo existêncial. E é por isso que esse actor que Novarina descreve, o que sobe para a cena como única forma de se cumprir na sua condição humana, é muito mais do que um herói teatral. Esse actor é qualquer um de nós que na vida não aceite menos do que existir na justa dimensão do que o torna humano: a poesia.

Sarah Adamopoulos

ENCONTROS DA CERCA – AmAnhã 10h30

Sector discute a crise no teatro

Com uma crise transver-sal que abrange todos os sectores, também o

teatro se vê afectado pela con-turbada época económica em que vivemos. Por essa razão, o 29º Festival de Almada reu-niu um painel diversificado para debater o tema e, se possível, apresentar soluções para os tempos difíceis que também o teatro vive. O colóquio, intitu-lado “A crise no teatro” decor-re amanhã, sábado, a partir das 10h30, na Casa da Cerca – Centro de Arte Contempo-rânea, em Almada Velha.

André Albuquerque, actor e membro do sindicato CENA, António Pinto Ribeiro, Progra-mador de Teatro da Fundação Gulbenkian, Carlos Vargas, Pre-sidente do Conselho de Admi-nistração do TNDMII, Daniel Oli-veira, jornalista, Fernando Mora Ramos, encenador e director

do Teatro da Rainha, Joaquim Benite, encenador e director do Festival de Almada, Jorge Silva Melo, encenador e director dos Artistas Unidos, José Luís Fer-reira, director do São Luiz Te-atro Municipal, Mark Deputter, director do Maria Matos Teatro Municipal, e Tónan Quito, actor, encenador e membro do grupo Truta constituem o painel de oradores do evento.

E são várias as críticas apre-sentadas pelos vários partici-pantes do colóquio: segundo Joaquim Benite, cabe hoje ao Teatro de Arte “a responsabili-dade de defesa da cidadania, da democracia e dos seus valores, numa luta que terá certamente sucessivos desfechos, derrotas e vitórias, e que se inscreve na História da Cultura”.

“A acção da SEC [Secretaria de Estado da Cultura] tem-se limitado, apenas, à actividade

de um funcionário que gere os poucos recursos financeiros que o Governo lhe concedeu na base de restrições, fusões sem sentido e sem justificação racional, e atitudes arrogantes na forma como gere as expec-tativas do sector cultural”, acu-sa António Pinto Ribeiro.

Já Daniel Oliveira defende que “todos os países desenvolvidos do mundo têm financiamento público à criação artística”. “E se isto é verdade em países com mercados de alguma di-mensão, em países do tamanho de Portugal deveria ser indiscu-tível. Os subsídios à cultura não são uma esmola. São um in-vestimento. Um pequeníssimo investimento, para dizer a ver-dade. Talvez dos investimentos públicos onde a relação entre o que é gasto e o retorno final é mais favorável”, conclui o jor-nalista.

“O teatro europeu teve muito mais sucesso no mundo do que o

imperialismo: em todas as par-tes do planeta se faz teatro ‘à europeia’. E a tradição do teatro europeu, isto é, ocidental, é a do teatro de texto: é nisso que assenta a sua universalidade. Qualquer texto pode ser traduzi-do e representado noutra língua. Se nos afastarmos dos textos, da nossa tradição ocidental, o teatro morre”.

Perante o Jardim de Inverno do Teatro São Luiz repleto de jorna-listas, críticos, estudantes e pro-fissionais do teatro, Peter Stein fez juz à sua fama de não ser um homem de rodeios. Numa con-versa moderada pela professo-ra Vera San Payo Lemos, falou de si, do recital Fantasia Fausto - “esta coisinha que vou apre-sentar não é teatro, mas eu gos-to tanto de fazê-la…” – e da sua

Peter Stein, o ProvocAdor tímido

Mestre alemão deu aula de teatro no São Luiz

relação com Goethe: “quando tinha 13 anos Goethe era como uma cruz que tínhamos de car-regar nas aulas – o problema é que às gerações actuais já nem se lhes propõem que carreguem qualquer cruz!”.

Durante uma conversa de quase duas horas, Stein ironi-zou, provocou e dialogou com o público. Lamentou a falta de formação da maioria dos acto-res de hoje em áreas tão funda-mentais como a dicção (“esta

Fantasia Fausto é também uma demonstração magistral que Goethe nos legou das possibi-lidades fonéticas da língua ale-mã: já o apresentei legendado em russo, esloveno, farsi…”).

No início do colóquio, Stein tinha advertido: “Fico envergo-nhado quando vejo tanta gente a querer falar comigo. Sempre tentei não abusar das palavras. Prefiro usar as palavras [dos textos] dos outros”.

Um provocador tímido, portanto.

Mais de cem espectadores assistiram ao encontro

AGENDA DE AMANhã

10h30 - A crise no TeatroCasa da Cerca

Os irmãos Marx: Um dia no circoEsplanada da Esc. D. António da Costa

19h00 - herodíadesTeatro da Politécnica

19h00 - Para Louis de FunèsInstitut Français de Portugal

21h00 - O sonho da razãoTeatro da Cornucópia

21h30 - Enquanto vivermosCulturgest

21h30 - Noramaria matos teatro municipal

22h00 - hábito Esc. D. António da Costa - Palco Grande

RESTAURANTE DA ESPLANADA

Pratos

- Dourada no Forno- Carne à Portuguesa- Arroz e várias saladas

sobremesa

- Fruta da época- Mousse de pêssego

Pratos

- Salmão- Osso Buco- Arroz e várias saladas

sobremesa

- Fruta da época- Mousse de pêssego

hoje

Estreia da recriação de O Mercador de Veneza encheu lotação do TMA

Foto

s ©

Rui

Car

los

Mat

eus

Ontem, a partir das 21h00, o foyer do TMA encheu-se de gente

– entre público, gente do tea-tro e amigos que não quiseram perder a estreia de o mercador de Veneza, a peça de Shakes-peare que Ricardo Pais recriou, agora numa parceria com a Companhia de Teatro de Al-mada. Fazendo jus não só à popularidade de Shakespea-re (por tempos em que o seu teatro parece mais pertinaz do que nunca) mas também ao reconhecido talento de Ricar-do Pais para abraçar projectos de grande qualidade artística e apuro técnico, muitos foram os que ontem não quiseram per-der a estreia desta recriação, entre os quais vários notáveis.

Assim, minutos antes do co-meço da primeira récita de o mercador de Veneza, o foyer do TMA juntou pessoas tão diferentes como o mestre do teatro alemão Peter Stein (con-vidado de proa desta edição do Festival de Almada), Sér-gio Godinho, Catarina Furtado (mulher do actor João Reis, que interpreta o judeu Shylock) e o seu pai, Joaquim Furtado; a presidente da CMA Maria Emília Neto de Sousa e o ve-reador da Cultura António Ma-tos; o secretário de Estado da Cultura, Francisco José Viegas e Samuel Rego, Director-Geral das Artes; a jornalista Cristina Peres e os escritores Vasco Graça-Moura, Diogo Pires Au-rélio e Luísa Costa Gomes; o encenador Rogério de Carva-

lho; os actores Miguel Borges, Elmano Sancho, Custódia Ga-lego, Pedro Lima; a coreógrafa Olga Roriz, entre muitos outros homens e mulheres das letras e das artes portuguesas.

Depois do espectáculo, Ri-cardo Pais e os actores con-fraternizaram com amigos e público em torno de um bebe-rete que foi servido no restau-rante do TMA.

Roberto Bacci e Anna Stigsgaard, encenadores da Fondazione Pontede-

ra Teatro, embarcaram numa cruzada cujo resultado pode ser visto amanhã à noite no Palco Grande da Escola D. António da Costa, em Almada: encenar o livro do desassossego de Ber-nardo Soares, heterónimo de Fernando Pessoa.

Segundo Roberto Bacci, a obra “é com certeza um livro que não é possível levar à cena. É um livro sem início e sem fim, que traduz um ‘estado’, um es-tar parado dentro de si mesmo, colocando a eterna pergunta: quem sou eu em relação ao sen-tido da minha existência?”, jus-tifica o encenador. Deste modo, foi o “fascínio desta pergunta e “deste aparente ‘estar parado’, tal como é dito nas próprias pa-lavras de Pessoa”, “a calamida-de” que atraiu os encenadores para a armadilha da qual tiveram de sair “utilizando o teatro”.

Hábito é, assim, “uma peça baseada na aposta de tornar visível os heterónimos latentes”

em cada pessoa. “Este é o ‘dra-ma’ que queríamos apresentar. Um corpo-orquestra de onze jo-vens actores em bicicleta fazem o coro de uma história vivida por um indivíduo, capturado num dia normal, pela intermitente e brilhante tendência dos heteró-nimos. Abalado pelo minúsculo abismo que o engoliu por um momento, [esse homem] vai em busca do autor de vida ‘inapro-priada’: um náufrago atraído, consolado, seduzido por pro-messas”, define Stefano Geraci, dramaturgo da peça.

PeÇA itALiAnA É BASeAdA no “Livro do deSASSoSSeGo”

Hábito traz a Almada texto impossível de encenar

Joaquim Benite e Francisco José Viegas

Vasco Graça-Moura e Catarina Furtado

Francisco José Viegas, Rodrigo Francisco, Peter Stein e Samuel Rego

© R

ober

to P

aler

mo

CECÍLIA GUIMARÃES HOMENAGEADA AMANHÃ

Com apenas cinco anos Cecília Guimarães começou a fre-quentar as salas de teatro, onde viu trabalhar actrizes como Adelina Abranches, ou Maria Lalande, com quem veio a con-tracenar mais tarde, no decurso de uma longa carreira que desde cedo a confirmou como uma das mais interessantes e talentosas actrizes da sua geração. Uma grande exposição, que percorre seis décadas de actividade, serve de pano de fundo à homenagem que amanhã lhe será feita no átrio da Es-cola D. António da Costa pelas 21h30.

Amanhã