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Informativo 681-STJ (06/11/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Informativo comentado: Informativo 681-STJ Márcio André Lopes Cavalcante ÍNDICE DIREITO CIVIL BEM DE FAMÍLIA Para a incidência da exceção à impenhorabilidade do bem de família, prevista no art. 3º, VI, da Lei nº 8.009/90, é imprescindível a sentença penal condenatória transitada em julgado. DIREITOS AUTORAIS A utilização do trecho de maior sucesso de uma música como título de programa televisivo, em conjunto com o fonograma, sem autorização do titular do direito, viola os direitos do autor. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BENS IMÓVEIS Nos contratos de mútuo imobiliário com pacto adjeto de alienação fiduciária, é possível que o devedor fiduciante faça a purgação da mora após a consolidação da propriedade em nome do fiduciário? PRISÃO CIVIL É ilegal/teratológica a prisão civil do devedor de alimentos, sob o regime fechado, no período de pandemia, anterior ou posterior à Lei nº 14.010/2020. Não pode ser decretada a prisão civil do devedor de alimentos devidos em razão da prática de ato ilícito. USUFRUTO VIDUAL A viúva meeira não faz jus ao usufruto vidual previsto no art. 1.611, § 1º, do Código Civil de 1916. DIREITO DO CONSUMIDOR RESPONSABILIDADE PELO VÍCIO DO PRODUTO Consumidor que, em ação redibitória, recebeu a restituição do valor pago, deve devolver o veículo com defeito ao vendedor mesmo que na sentença essa obrigação não tenha ficado expressamente prevista. PLANO DE SAÚDE A operadora de plano de saúde não é obrigada a custear o procedimento de fertilização in vitro associado ao tratamento de endometriose profunda. DIREITO EMPRESARIAL TÍTULOS DE CRÉDITO (DUPLICATA) A assinatura do sacador/emitente da duplicata é requisito que pode ser suprido por outro meio. RECUPERAÇÃO JUDICIAL Juiz deferiu a recuperação judicial; TJ reformou a decisão; STJ restaurou o entendimento de 1ª instância deferindo a recuperação; entre a decisão do TJ e do STJ os atos executivos praticados em execuções individuais são nulos. O cômputo do período de dois anos de exercício da atividade econômica, para fins de recuperação judicial, nos termos do art. 48 da Lei 11.101/2005, aplicável ao produtor rural, inclui aquele anterior ao registro do empreendedor.

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Informativo 681-STJ (06/11/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1

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Márcio André Lopes Cavalcante

ÍNDICE DIREITO CIVIL

BEM DE FAMÍLIA ▪ Para a incidência da exceção à impenhorabilidade do bem de família, prevista no art. 3º, VI, da Lei nº 8.009/90, é

imprescindível a sentença penal condenatória transitada em julgado. DIREITOS AUTORAIS ▪ A utilização do trecho de maior sucesso de uma música como título de programa televisivo, em conjunto com o

fonograma, sem autorização do titular do direito, viola os direitos do autor. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BENS IMÓVEIS ▪ Nos contratos de mútuo imobiliário com pacto adjeto de alienação fiduciária, é possível que o devedor fiduciante

faça a purgação da mora após a consolidação da propriedade em nome do fiduciário? PRISÃO CIVIL ▪ É ilegal/teratológica a prisão civil do devedor de alimentos, sob o regime fechado, no período de pandemia, anterior

ou posterior à Lei nº 14.010/2020. ▪ Não pode ser decretada a prisão civil do devedor de alimentos devidos em razão da prática de ato ilícito. USUFRUTO VIDUAL ▪ A viúva meeira não faz jus ao usufruto vidual previsto no art. 1.611, § 1º, do Código Civil de 1916.

DIREITO DO CONSUMIDOR

RESPONSABILIDADE PELO VÍCIO DO PRODUTO ▪ Consumidor que, em ação redibitória, recebeu a restituição do valor pago, deve devolver o veículo com defeito ao

vendedor mesmo que na sentença essa obrigação não tenha ficado expressamente prevista. PLANO DE SAÚDE ▪ A operadora de plano de saúde não é obrigada a custear o procedimento de fertilização in vitro associado ao

tratamento de endometriose profunda.

DIREITO EMPRESARIAL

TÍTULOS DE CRÉDITO (DUPLICATA) ▪ A assinatura do sacador/emitente da duplicata é requisito que pode ser suprido por outro meio. RECUPERAÇÃO JUDICIAL ▪ Juiz deferiu a recuperação judicial; TJ reformou a decisão; STJ restaurou o entendimento de 1ª instância deferindo

a recuperação; entre a decisão do TJ e do STJ os atos executivos praticados em execuções individuais são nulos. ▪ O cômputo do período de dois anos de exercício da atividade econômica, para fins de recuperação judicial, nos

termos do art. 48 da Lei 11.101/2005, aplicável ao produtor rural, inclui aquele anterior ao registro do empreendedor.

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS ▪ São devidos os honorários de sucumbência ao procurador que não participou de acordo firmado entre as partes,

realizado e homologado antes do trânsito em julgado da sentença que fixou tal verba. ▪ O fato de estar caracterizada a sucumbência recíproca não afasta a condenação das partes litigantes ao pagamento

de honorários de sucumbência. ▪ O art. 85, § 11 do CPC trata sobre a possibilidade, na fase de recurso, haver a majoração dos honorários advocatícios.

É cabível a majoração dos honorários advocatícios com base no § 11 do art. 85 do CPC mesmo que na sentença tenha sido reconhecida a sucumbência recíproca?

PRECATÓRIO ▪ É imprescritível a pretensão de expedição de novo precatório ou nova RPV, após o cancelamento de que trata o art.

2º da Lei nº 13.463/2017? EMBARGOS À EXECUÇÃO ▪ A caução prestada em ação conexa pode ser aceita como garantia do juízo para a concessão de efeito suspensivo a

embargos à execução.

DIREITO PENAL

TEMAS DA PARTE GERAL / CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA ▪ A teoria do domínio do fato não permite, isoladamente, que se faça uma acusação pela prática de qualquer crime,

eis que a imputação deve ser acompanhada da devida descrição, no plano fático, do nexo de causalidade entre a conduta e o resultado delituoso.

ESTUPRO DE VULNERÁVEL ▪ A irmã de vítima do crime de estupro de vulnerável responde por conduta omissiva imprópria se assume o papel de

garantidora.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

COMPETÊNCIA ▪ A Justiça do Distrito Federal é a competente para julgar o crime de falso testemunho praticado em processos sob

sua jurisdição. PRISÃO E LIBERDADE ▪ Em razão da Covid-19, o STJ determinou a soltura de todos os presos que tiveram a liberdade provisória

condicionada ao pagamento de fiança. EXECUÇÃO PENAL (PROGRESSÃO DE REGIME) ▪ A progressão de regime do reincidente não específico em crime hediondo ou equiparado com resultado morte deve

observar o que previsto no inciso VI, “a”, do art. 112 da LEP.

DIREITO TRIBUTÁRIO

CONTRIBUIÇÕES ▪ As receitas decorrentes das operações de vendas de mercadorias destinadas à Zona Franca de Manaus devem ser

excluídas da base de cálculo da contribuição previdenciária sobre a receita bruta (CPRB).

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DIREITO CIVIL

BEM DE FAMÍLIA Para a incidência da exceção à impenhorabilidade do bem de família, prevista no art. 3º, VI, da

Lei nº 8.009/90, é imprescindível a sentença penal condenatória transitada em julgado

Importante!!!

O inciso VI do art. 3º da Lei nº 8.009/90 afirma que é possível a penhora do bem de família caso ele tenha “sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens”.

Para a incidência da exceção prevista no art. 3º, VI, da Lei nº 8.009/90, é indispensável que a sentença penal condenatória já tenha transitada em julgado, por não ser possível a interpretação extensiva.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.823.159-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 13/10/2020 (Info 681).

STJ. 4ª Turma. REsp 1.021.440/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 02/05/2013.

Bem de família legal A Lei nº 8.009/90 prevê a impenhorabilidade do bem de família. Trata-se daquilo que a doutrina chama de “bem de família legal”. • Regra: o bem de família legal é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam (art. 1º). • Exceções: o art. 3º da Lei nº 8.009/90 prevê situações nas quais o bem de família poderá ser penhorado. Confira a redação do texto legal:

Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: II - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato; III - pelo credor da pensão alimentícia, resguardados os direitos, sobre o bem, do seu coproprietário que, com o devedor, integre união estável ou conjugal, observadas as hipóteses em que ambos responderão pela dívida; IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar; V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar; VI - por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens. VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.

Inciso VI O inciso VI prevê que o bem de família pode ser penhorado se:

• o bem em questão tiver sido adquirido como produto de crime; ou

• em caso de execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens. É necessário o trânsito em julgado da sentença penal condenatória? SIM.

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Para a incidência da exceção prevista no art. 3º, VI, da Lei nº 8.009/90, é indispensável que a sentença penal condenatória já tenha transitada em julgado. STJ. 3ª Turma. REsp 1.823.159-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 13/10/2020 (Info 681). STJ. 4ª Turma. REsp 1.021.440/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 02/05/2013.

Por se tratar de regra que excepciona a impenhorabilidade do bem de família e decorre automaticamente de sentença penal condenatória, o STJ afirma que não é possível se fazer uma interpretação extensiva do dispositivo.

DIREITOS AUTORAIS A utilização do trecho de maior sucesso de uma música como título de programa televisivo, em

conjunto com o fonograma, sem autorização do titular do direito, viola os direitos do autor

Caso concreto: a música de maior sucesso do cantor de funk MC Leozinho é intitulada “Ela só pensa em beijar”. No refrão da música existe a seguinte frase: “Se ela dança, eu danço”.

Alguns anos depois da música ser lançada, a produtora do cantor recebeu um e-mail no qual o SBT pediu para usar a obra na abertura de um programa, mas, em virtude do baixo valor oferecido e dos interesses comerciais que mantinha com outra emissora, o cantor não concedeu a autorização. A despeito disso, alguns meses depois, o programa estreou, tendo se apropriado do refrão, como nome, e do fonograma, como fundo musical.

Em sua defesa, o SBT sustentou que o envio do e-mail para a produtora do cantor, no qual solicitou autorização para utilizar a música, foi feito nos termos previstos em ajuste existente entre as partes, e que a falta de resposta significaria autorização tácita.

O STJ não concordou com o argumento porque considera que o uso de obra literária, artística ou científica depende de autorização expressa e prévia do autor, nos termos do art. 29 da Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.618/98).

A escolha do trecho de maior sucesso da obra musical como título de programa televisivo e seu uso em conjunto com o fonograma, gerou uma associação inadequada do autor da obra musical com a emissora, que utilizou o sucesso da música como título em sua programação semanal também como forma de atrair audiência.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.704.189-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 13/10/2020 (Info 681).

A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte: A música de maior sucesso do cantor de funk MC Leozinho é intitulada “Ela só pensa em beijar”. No refrão da música existe a seguinte frase: “Se ela dança, eu danço”. Alguns anos depois da música ser lançada, a produtora do cantor recebeu um e-mail no qual o SBT pediu para usar a obra na abertura de um novo programa de TV que seria lançado. Em virtude do baixo valor oferecido e dos interesses comerciais que mantinha com outra emissora, o cantor não concedeu a autorização. A despeito disso, alguns meses depois, o programa estreou, tendo se apropriado do refrão, como nome, e do fonograma, como fundo musical. Diante disso, o cantor ajuizou ação de indenização por danos morais e materiais contra a emissora. Em sua defesa, o SBT sustentou que o envio do e-mail para a produtora do cantor, no qual solicitou autorização para utilizar a música, foi feito nos termos previstos em ajuste existente entre as partes, e que a falta de resposta significaria autorização tácita. A questão chegou até o STJ por meio de recurso especial. O STJ acolheu a alegação da emissora?

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NÃO. O STJ não concordou com o argumento porque considera que o uso de obra literária, artística ou científica depende de autorização expressa do autor, nos termos do art. 29 da Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.618/98), não podendo ser presumida:

Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como: (...)

Desse modo, não há falar em autorização tácita por ausência de resposta ao e-mail enviado pela ré. Os direitos de conteúdo patrimonial do autor estão relacionados ao aproveito econômico que poderá ser obtido com a exploração comercial da obra. Há configuração de ato ilícito quando sua utilização não observa o disposto no art. 29 da LDA. Art. 46, III, da LDA Outro argumento da emissora foi o de que foi utilizado um pequeno trecho da obra, de sorte que não configurou ofensa a direitos autorais. O STJ também não concordou com a alegação. A citação de pequenos trechos de obras preexistentes não constituirá ofensa aos direitos autorais desde que não tenha caráter de completude nem prejudique a sua exploração, pelo titular do direito, da obra reproduzida, na forma do art. 46, VIII, da LDA:

Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais: (...) VIII - a reprodução, em quaisquer obras, de pequenos trechos de obras preexistentes, de qualquer natureza, ou de obra integral, quando de artes plásticas, sempre que a reprodução em si não seja o objetivo principal da obra nova e que não prejudique a exploração normal da obra reproduzida nem cause um prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores.

No caso, a escolha do trecho de maior sucesso da obra musical como título de programa televisivo e seu uso em conjunto com o fonograma, gerou uma associação inadequada do autor da obra musical com a emissora, que utilizou o sucesso da música como título em sua programação semanal também como forma de atrair audiência. A utilização da expressão “Se ela dança, eu danço”, no caso concreto, configurou ofensa ao direito do autor e não um mero uso acessório de trecho de obra musical, não estando acobertada pelo art. 46, VIII, da LDA. Em suma:

A escolha do trecho de maior sucesso da obra musical como título de programa televisivo e seu uso em conjunto com o fonograma, gerou uma associação inadequada do autor da obra musical com a emissora, que utilizou o sucesso da música como título em sua programação semanal também como forma de atrair audiência. STJ. 3ª Turma. REsp 1.704.189-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 13/10/2020 (Info 681).

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ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BENS IMÓVEIS Nos contratos de mútuo imobiliário com pacto adjeto de alienação fiduciária, é possível que o devedor

fiduciante faça a purgação da mora após a consolidação da propriedade em nome do fiduciário?

Exemplo: João celebrou com a CEF contrato de alienação fiduciária para a compra de seu imóvel residencial. João comprometeu-se a pagar a dívida em 180 prestações. Ocorre que, por dificuldades financeiras, o mutuário/fiduciante tornou-se inadimplente. Havendo mora por parte do mutuário, o credor deverá fazer a notificação extrajudicial (“intimação”) do devedor de que este se encontra em débito, comprovando, assim, a mora. Se, passados 15 dias da intimação, o fiduciante não pagar a dívida (purgar a mora), o art. 26 da Lei nº 9.514/97 afirma que ocorre a consolidação da propriedade em nome do fiduciário.

Após a consolidação da propriedade, a Lei impõe ao fiduciário a obrigação de tentar alienar o imóvel por meio de leilão público (art. 27).

É possível que o devedor fiduciante faça a purgação da mora após a consolidação da propriedade em nome do fiduciário?

a) antes da entrada em vigor da Lei nº 13.465/2017: SIM. Mesmo que já consolidada a propriedade do imóvel dado em garantia em nome do credor fiduciário, era possível a purgação da mora. A purgação era admitida até a assinatura do auto de arrematação.

b) a partir da entrada em vigor da Lei nº 13.465/2017: NÃO.

Nos contratos de mútuo imobiliário com pacto adjeto de alienação fiduciária, com a entrada em vigor da Lei nº 13.465/2017, não se admite a purgação da mora após a consolidação da propriedade em favor do credor fiduciário, sendo assegurado ao devedor fiduciante tão somente o exercício do direito de preferência.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.649.595-RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 13/10/2020 (Info 681).

Imagine a seguinte situação hipotética: João quer comprar uma casa, mas não possui o dinheiro suficiente. Diante disso, ele procurou a Caixa Econômica Federal (CEF), que celebrou com ele contrato de financiamento com garantia de alienação fiduciária. Assim, a CEF emprestou a João o dinheiro suficiente para comprar o imóvel. Como garantia do pagamento do empréstimo, a propriedade resolúvel da casa ficará com o banco e João terá a posse, podendo usar livremente o bem. Diz-se que o banco tem a propriedade resolúvel porque, uma vez pago o empréstimo, a propriedade do imóvel pelo banco “resolve-se” (acaba) e ela passa a pertencer a João. Inadimplemento João comprometeu-se a pagar a dívida em 180 prestações. Ocorre que, por dificuldades financeiras, o mutuário/fiduciante tornou-se inadimplente. Havendo mora por parte do mutuário, o credor deverá fazer a notificação extrajudicial (“intimação”) do devedor de que este se encontra em débito, comprovando, assim, a mora. Se, passados 15 dias da intimação, o fiduciante não pagar a dívida (purgar a mora), o art. 26 da Lei nº 9.514/97 afirma que ocorre a consolidação da propriedade em nome do fiduciário:

Art. 26. Vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida e constituído em mora o fiduciante, consolidar-se-á, nos termos deste artigo, a propriedade do imóvel em nome do fiduciário. (...)

Para que serve essa intimação?

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O devedor é notificado para ter a possibilidade de purgar a mora, no prazo de 15 dias, mediante o pagamento das prestações vencidas e não pagas. Veja o que diz o § 1º do art. 26:

Art. 26 (...) § 1º Para os fins do disposto neste artigo, o fiduciante, ou seu representante legal ou procurador regularmente constituído, será intimado, a requerimento do fiduciário, pelo oficial do competente Registro de Imóveis, a satisfazer, no prazo de quinze dias, a prestação vencida e as que se vencerem até a data do pagamento, os juros convencionais, as penalidades e os demais encargos contratuais, os encargos legais, inclusive tributos, as contribuições condominiais imputáveis ao imóvel, além das despesas de cobrança e de intimação.

Se o devedor purgar a mora Se o devedor purgar a mora, o contrato de alienação fiduciária se convalescerá (§ 5º do art. 26). O oficial do Registro de Imóveis, nos três dias seguintes à purgação da mora, entregará ao fiduciário (banco) as importâncias recebidas, deduzidas as despesas de cobrança e de intimação. Se o devedor não purgar a mora Se passarem os 15 dias sem que o devedor purgue a mora, o oficial do Registro de Imóveis irá certificar esse fato e promoverá a averbação, na matrícula do imóvel, da consolidação da propriedade em nome do fiduciário (§ 7º do art. 26). Em outras palavras, o fiduciário (credor) torna-se o proprietário pleno. Vale ressaltar que, antes de fazer a consolidação da propriedade, o registrador deverá exigir do fiduciário o pagamento do imposto de transmissão inter vivos (ITBI) e, se for o caso, do laudêmio. Após a consolidação da propriedade, a Lei impõe ao fiduciário a obrigação de tentar alienar o imóvel por meio de leilão público:

Art. 27. Uma vez consolidada a propriedade em seu nome, o fiduciário, no prazo de trinta dias, contados da data do registro de que trata o § 7º do artigo anterior, promoverá público leilão para a alienação do imóvel. (...)

Vimos acima que o devedor possui o prazo de 15 dias após a intimação para purgar a mora. Indaga-se: é possível que o devedor fiduciante faça a purgação da mora após a consolidação da propriedade em nome do fiduciário?

ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL É possível que o devedor fiduciante faça a purgação da mora mesmo após

já ter ocorrido a consolidação da propriedade em nome do fiduciário?

Antes da entrada em vigor da Lei nº 13.465/2017: SIM (era possível)

A partir da entrada em vigor da Lei 13.465/2017: NÃO (não é mais possível)

Mesmo que já consolidada a propriedade do imóvel dado em garantia em nome do credor fiduciário, era possível a purgação da mora. A purgação era admitida até a assinatura do auto de arrematação.

Nos contratos de mútuo imobiliário com pacto adjeto de alienação fiduciária, com a entrada em vigor da Lei nº 13.465/2017, não se admite a purgação da mora após a consolidação da propriedade em favor do credor fiduciário, sendo assegurado ao devedor fiduciante tão somente o exercício do direito de preferência.

A purgação da mora era permitida até a assinatura do auto de arrematação, com base no art. 34 do DL 70/1966, aplicado subsidiariamente às

A Lei nº 13.465/2017 introduziu o § 2º-B ao art. 27 à Lei nº 9.514/97 prevendo que, após a consolidação da propriedade fiduciária, o devedor

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Informativo 681-STJ (06/11/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 8

operações de financiamento imobiliário relativas à Lei nº 9.514/97.

fiduciante só terá o direito de preferência para adquirir o imóvel. A doutrina e a jurisprudência interpretaram que, ao afirmar isso, o dispositivo proibiu a purgação da mora após a consolidação da propriedade.

Confira a redação do § 2º-B do art. 27:

Art. 27 (...) § 2º-B. Após a averbação da consolidação da propriedade fiduciária no patrimônio do credor fiduciário e até a data da realização do segundo leilão, é assegurado ao devedor fiduciante o direito de preferência para adquirir o imóvel por preço correspondente ao valor da dívida, somado aos encargos e despesas de que trata o § 2º deste artigo, aos valores correspondentes ao imposto sobre transmissão inter vivos e ao laudêmio, se for o caso, pagos para efeito de consolidação da propriedade fiduciária no patrimônio do credor fiduciário, e às despesas inerentes ao procedimento de cobrança e leilão, incumbindo, também, ao devedor fiduciante o pagamento dos encargos tributários e despesas exigíveis para a nova aquisição do imóvel, de que trata este parágrafo, inclusive custas e emolumentos. (Incluído pela Lei nº 13.465/2017)

Sobrevindo a Lei nº 13.465, de 11/07/2017, que introduziu no art. 27 da Lei nº 9.514/97 o § 2º-B, não se cogita mais da aplicação subsidiária do Decreto-Lei nº 70/1966, uma vez que, consolidada a propriedade fiduciária em nome do credor fiduciário, descabe ao devedor fiduciante a purgação da mora, sendo-lhe garantido apenas o exercício do direito de preferência na aquisição do bem imóvel objeto de propriedade fiduciária. Em suma:

Antes da entrada em vigor da Lei nº 13.465/2017: mesmo que já consolidada a propriedade do imóvel dado em garantia em nome do credor fiduciário, era possível a purgação da mora. A purgação era admitida até a assinatura do auto de arrematação. A partir da entrada em vigor da Lei nº 13.465/2017: não se admite a purgação da mora após a consolidação da propriedade em favor do credor fiduciário, sendo assegurado ao devedor fiduciante tão somente o exercício do direito de preferência. STJ. 3ª Turma. REsp 1.649.595-RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 13/10/2020 (Info 681).

PRISÃO CIVIL É ilegal/teratológica a prisão civil do devedor de alimentos, sob o regime fechado,

no período de pandemia, anterior ou posterior à Lei nº 14.010/2020

Como ficou a prisão civil do devedor de alimentos durante a pandemia da Covid-19?

Antes da Lei nº 14.010/2020:

• 4ª Turma do STJ e CNJ: entendiam que a prisão civil por dívida alimentar deveria ser cumprida em prisão domiciliar.

• 3ª Turma do STJ: afirmava que, durante a pandemia de Covid-19, deveria ser suspensa a prisão civil dos devedores (e não assegurar a prisão domiciliar).

Depois da Lei nº 14.010/2020:

A Lei nº 14.010/2020 adotou a mesma solução jurídica da 4ª Turma do STJ e do CNJ e previu o seguinte:

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Informativo 681-STJ (06/11/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 9

Art. 15. Até 30 de outubro de 2020, a prisão civil por dívida alimentícia, prevista no art. 528, § 3º e seguintes da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), deverá ser cumprida exclusivamente sob a modalidade domiciliar, sem prejuízo da exigibilidade das respectivas obrigações.

Desse modo, o certo é que, seja antes ou depois da Lei nº 14.010/2020, o devedor de alimentos não poderia permanecer preso no regime fechado durante a pandemia da Covid-19.

STJ. 3ª Turma. HC 569.014-RN, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 06/10/2020 (Info 681).

Pandemia decorrente da Covid-19 A pandemia decorrente da Covid-19 levou os governos a adotarem uma série de medidas de isolamento social para tentar conter a transmissão da doença. Uma das preocupações era com a transmissão da doença entre as pessoas presas. Como as unidades prisionais são superlotadas, o receio era o de que, estando um dos presos infectado, ele transmitisse a doença para todos os demais de sua cela ou ala. O CNJ editou a Recomendação nº 62/2020 recomendando aos Tribunais e magistrados a adoção de medidas preventivas à propagação da infecção pelo novo coronavírus – Covid-19 no âmbito dos sistemas de justiça penal e socioeducativo. Prisão civil decorrente de alimentos Em razão do cenário acima exposto, iniciou-se uma discussão para saber se as prisões civis decorrentes de atraso no pagamento da pensão alimentícia poderiam continuar sendo decretadas ou se, diante do risco à saúde pública, seria mais adequado suspendê-las enquanto perdurassem os efeitos da pandemia.

O que o STJ decidiu sobre o tema?

O QUE O STJ ENTENDIA SOBRE A PRISÃO CIVIL DO DEVEDOR DE ALIMENTOS NA PANDEMIA DA COVID-19 (ANTES DA LEI 14.010/2020)?

4ª Turma do STJ e CNJ: prisão domiciliar Durante a pandemia de Covid-19, deve-se assegurar prisão domiciliar aos presos em decorrência de dívidas alimentícias.

3ª Turma do STJ: suspensa Durante a pandemia de Covid-19, deve-se suspender a prisão civil dos devedores (e não assegurar a prisão domiciliar).

O contexto atual de gravíssima pandemia devido ao chamado coronavírus desaconselha a manutenção do devedor em ambiente fechado, insalubre e potencialmente perigoso. Assim, diante do iminente risco de contágio pelo Covid-19, bem como em razão dos esforços expendidos pelas autoridades públicas em reduzir o avanço da pandemia, é recomendável o cumprimento da prisão civil por dívida alimentar em prisão domiciliar. STJ. 4ª Turma. HC 561.257-SP, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 05/05/2020 (Info 671). Recomendação nº 62/2020-CNJ: Art. 6º Recomendar aos magistrados com competência cível que considerem a colocação em prisão domiciliar das pessoas presas por dívida alimentícia, com vistas à redução dos riscos

Em virtude da pandemia causada pelo coronavírus (covid-19), admite-se, excepcionalmente, a suspensão da prisão dos devedores por dívida alimentícia em regime fechado. Assegurar aos presos por dívidas alimentares o direito à prisão domiciliar é medida que não cumpre o mandamento legal e que fere, por vias transversas, a própria dignidade do alimentando. Por esse motivo, não é plausível substituir o encarceramento pelo confinamento social, o que, aliás, já é a realidade da maioria da população, isolada em prol do bem-estar de toda a coletividade. A excepcionalidade da situação emergencial de saúde pública permite o diferimento (adiamento) provisório da execução da obrigação cível enquanto durar a pandemia. A prisão civil suspensa terá seu cumprimento no momento processual oportuno, já que a dívida

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epidemiológicos e em observância ao contexto local de disseminação do vírus.

alimentar remanesce íntegra. Essa medida resguarda a dignidade do alimentando que, em regra, é vulnerável. STJ. 3ª Turma. HC 574.495-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 26/05/2020 (Info 673).

Lei nº 14.010/2020 Depois das decisões acima expostas, foi sancionada a Lei nº 14.010/2020, que adotou a mesma solução jurídica da 4ª Turma do STJ e do CNJ e previu a seguinte regra:

Art. 15. Até 30 de outubro de 2020, a prisão civil por dívida alimentícia, prevista no art. 528, § 3º e seguintes da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), deverá ser cumprida exclusivamente sob a modalidade domiciliar, sem prejuízo da exigibilidade das respectivas obrigações.

Diante disso, a 3ª Turma do STJ também teve que se curvar ao entendimento:

A Lei 14.010/2020, ao estatuir acerca do Regime Jurídico Emergencial Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do coronavírus (Covid-19), dispôs expressamente, em seu art. 15, acerca do cumprimento da prisão civil por dívida alimentar, determinando que seja feito exclusivamente sob a modalidade domiciliar, sem prejuízo da exigibilidade das respectivas obrigações. STJ. 3ª Turma. HC 578.282/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 25/08/2020.

Regime fechado, não Repare que, independentemente de qual das duas correntes acima fosse adotada, o certo é que, durante a pandemia da Covid-19, o devedor de alimentos não poderia permanecer preso em unidade prisional utilizada para presos do regime fechado. Foi isso que decidiu o STJ:

É ilegal/teratológica a prisão civil do devedor de alimentos, sob o regime fechado, no período de pandemia, anterior ou posterior à Lei nº 14.010/2020. Desse modo, seja antes ou depois da Lei nº 14.010/2020, o devedor de alimentos não poderia permanecer preso no regime fechado durante a pandemia da Covid-19. STJ. 3ª Turma. HC 569.014-RN, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 06/10/2020 (Info 681).

PRISÃO CIVIL Não pode ser decretada a prisão civil do devedor de alimentos

devidos em razão da prática de ato ilícito

Importante!!!

Os alimentos devidos em razão da prática de ato ilícito possuem natureza indenizatória (arts. 948, 950 e 951 do Código Civil) e, portanto, não se aplica o rito excepcional da prisão civil como meio coercitivo para o adimplemento.

Exemplo: João cometeu homicídio contra Pedro e foi condenado a pagar pensão mensal de 3 salários mínimos aos filhos da vítima. Caso ele se torne inadimplente, o juiz não poderá decretar prisão civil como meio coercitivo para o pagamento.

STJ. 4ª Turma. HC 523.357-MG, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 01/09/2020 (Info 681).

Imagine a seguinte situação hipotética: João cometeu homicídio culposo contra Pedro e foi condenado a penas restritivas de direito.

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No juízo cível, João foi condenado a pagar pensão mensal de 3 salários mínimos aos filhos da vítima. Depois de algum tempo pagando regularmente as prestações, João tornou-se inadimplente. Diante disso, os filhos de Pedro ingressaram com pedido de execução de alimentos sob o rito do art. 528 do CPC/2015 pedindo a prisão civil do devedor:

Art. 528. No cumprimento de sentença que condene ao pagamento de prestação alimentícia ou de decisão interlocutória que fixe alimentos, o juiz, a requerimento do exequente, mandará intimar o executado pessoalmente para, em 3 (três) dias, pagar o débito, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo.

Será possível a decretação da prisão civil do devedor, neste caso? NÃO.

Não pode ser decretada a prisão civil do devedor de alimentos devidos em razão da prática de ato ilícito. STJ. 4ª Turma. HC 523.357-MG, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 01/09/2020 (Info 681).

Classificação dos alimentos quanto à origem Os alimentos, de acordo com a causa de sua origem, podem ser classificados em três espécies: a) legítimos (devidos por força de vínculo familiar estabelecido em lei); b) voluntários/negociais (derivados de negócio jurídico); ou c) indenizatórios (em razão de ato ilícito). Obrigação alimentar decorrente de ato ilícito é diferente da obrigação alimentar decorrente de vínculo familiar A obrigação de prover a subsistência dos dependentes da vítima de ato ilícito possui natureza diversa da obrigação alimentar de direito de família. Os alimentos decorrentes de ato ilícito (letra “c”) são considerados como indenização, conforme se verifica da leitura dos seguintes artigos do Código Civil:

Art. 948. No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações: I - no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família; II - na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima.

Art. 950. Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu. Parágrafo único. O prejudicado, se preferir, poderá exigir que a indenização seja arbitrada e paga de uma só vez.

Art. 951. O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho.

Na obrigação alimentar decorrente de ato ilícito fala-se em “alimentos” apenas como uma referência, no entanto, consiste realmente em uma indenização. Ao comentar o art. 948, II, do Código Civil, acima transcrito, Sérgio Cavalieri Filho explica:

“A alusão a alimentos contida no inciso II do dispositivo em comento é simples ponto de referência para o cálculo da indenização e para a determinação dos beneficiários. Tem por finalidade orientar o julgador para o quantum da indenização. Não se trata de prestação de alimentos, que fixa em

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proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada, e sim de indenização, que visa reparar, pecuniariamente, o mal originado do ato ilícito.” (Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Atlas, 11ª ed., p. 160-161)

OBRIGAÇÃO ALIMENTAR

Decorrente de vínculo familiar Decorrente da prática de ato ilícito

Os alimentos civis/naturais devem necessariamente levar em consideração o binômio necessidade-possibilidade para a sua fixação, estando sujeitos à reavaliação para mais ou para menos, a depender das circunstâncias fáticas ocorridas na vida dos sujeitos da relação jurídica.

Os “alimentos” indenizatórios são arbitrados em quantia fixa, pois são medidos pela extensão do dano, de forma a ensejar, na medida do possível, o retorno ao status quo ante.

Não possuem natureza indenizatória. Possuem natureza indenizatória.

Com base nessa premissa, ou seja, na distinção entre obrigação alimentar propriamente dita e obrigação de ressarcimento de prejuízo decorrente de ato ilícito, o STJ afirma que somente no primeiro caso (obrigação alimentar decorrente de direito de família) é cabível a prisão civil do devedor de obrigação de prestar alimentos. Prisão civil é medida excepcional e taxativa A prisão civil do devedor de alimentos é prevista no texto constitucional, sendo considerada, no entanto, hipótese excepcional e taxativa:

Art. 5º (...) LXVII - não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia (...);

Qualquer outra previsão de prisão civil ou mesmo uma interpretação ampliativa serão consideradas inconstitucionais. Assim, o alargamento das hipóteses de prisão civil, para alcançar também prestação de alimentos de caráter indenizatório acaba por enfraquecer a regra do art. 5º, LXVII, da CF/88, sendo, por isso mesmo, inconstitucional. Em suma:

Não pode ser decretada a prisão civil do devedor de alimentos devidos em razão da prática de ato ilícito. Os alimentos devidos em razão da prática de ato ilícito possuem natureza indenizatória (arts. 948, 950 e 951 do Código Civil) e, portanto, não se aplica o rito excepcional da prisão civil como meio coercitivo para o adimplemento. Exemplo: João cometeu homicídio contra Pedro e foi condenado a pagar pensão mensal de 3 salários mínimos aos filhos da vítima. Caso ele se torne inadimplente, o juiz não poderá decretar prisão civil como meio coercitivo para o pagamento. STJ. 4ª Turma. HC 523.357-MG, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 01/09/2020 (Info 681).

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USUFRUTO VIDUAL A viúva meeira não faz jus ao usufruto vidual previsto no art. 1.611, § 1º, do Código Civil de 1916

O usufruto vidual era um instituto previsto no art. 1.611, § 1º do Código Civil de 1916, nos seguintes termos:

Art. 1.611 (...) § 1º O cônjuge viúvo, se o regime de bens do casamento não era o da comunhão universal, terá direito, enquanto durar a viuvez, ao usufruto da quarta parte dos bens do cônjuge falecido, se houver filhos, deste ou do casal, e à metade, se não houver filhos embora sobrevivam ascendentes do de cujus.

O objetivo era garantir um mínimo necessário ao cônjuge que não tinha direito à herança do falecido.

Na interpretação teleológica do instituto, não faz jus ao usufruto legal a que alude o art. 1.611, § 1º, do Código Civil revogado, a viúva meeira. Isso porque ela já foi contemplada com parcela significativa do patrimônio, afastando a necessidade econômica autorizativa da benesse.

No caso concreto, o STJ negou a uma viúva o reconhecimento do usufruto vidual porque a mulher já havia sido contemplada com a meação de bens. Além disso, já tinha havido a separação de corpos, ocorrida dois anos antes do falecimento.

Obs: o Código Civil de 2002 não previu o usufruto vidual, porém, em compensação, estendeu o direito real de habitação a todos os regimes de bens (art. 1.831), sem as restrições então previstas. Além disso, o cônjuge passou a ser herdeiro necessário.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.280.102-SP, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 13/10/2020 (Info 681).

Usufruto vidual O usufruto vidual era um instituto previsto no art. 1.611, § 1º do Código Civil de 1916, nos seguintes termos:

Art. 1.611 (...) § 1º O cônjuge viúvo, se o regime de bens do casamento não era o da comunhão universal, terá direito, enquanto durar a viuvez, ao usufruto da quarta parte dos bens do cônjuge falecido, se houver filhos, deste ou do casal, e à metade, se não houver filhos embora sobrevivam ascendentes do de cujus.

O objetivo era garantir um mínimo necessário ao cônjuge que não tinha direito à herança do falecido.

Imagine agora a seguinte situação hipotética: Em 30/10/1982, João e Regina casaram-se, optando pelo regime da comunhão parcial de bens. Em 04/09/1998, por decisão judicial, houve a separação de corpos do casal e eles passaram a morar em locais diferentes, deixando de ter uma vida em comum. Em 10/11/2000, João faleceu. Embora houvesse ação de separação litigiosa em trâmite, a separação judicial não chegou a ser decretada, em razão do falecimento do varão. Na partilha de bens decorrente da morte de João, Regina recebeu metade dos bens deixados pelo de cujus, ou seja, foi meeira.

Regina terá direito ao usufruto vidual? NÃO.

Na interpretação teleológica do instituto, não faz jus ao usufruto legal a que alude o art. 1.611, § 1º, do Código Civil revogado, a viúva meeira. Isso porque ela já foi contemplada com parcela significativa do patrimônio, afastando a necessidade econômica autorizativa da benesse. Neste caso a viúva meeira já teve o mínimo existencial para a sua manutenção. STJ. 4ª Turma. REsp 1.280.102-SP, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 13/10/2020 (Info 681).

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Código Civil de 2002 OCódigo Civil de 2002 não previu o usufruto vidual, porém, em compensação, estendeu o direito real de habitação a todos os regimes de bens (art. 1.831), sem as restrições então previstas. Além disso, o cônjuge passou a ser herdeiro necessário.

DIREITO DO CONSUMIDOR

RESPONSABILIDADE PELO VÍCIO DO PRODUTO Consumidor que, em ação redibitória, recebeu a restituição do valor pago, deve devolver o veículo com defeito ao vendedor mesmo que na sentença essa obrigação não tenha ficado

expressamente prevista

Caso concreto: consumidor adquiriu veículo, que apresentou diversos problemas após a compra, tornando-se inadequado ao uso. Consumidor propôs ação redibitória contra a concessionária, pedindo a devolução do preço pago. A sentença foi procedente tendo o juiz determinado a restituição da quantia gasta com a aquisição do carro. Não falou nada, contudo, sobre a devolução do carro à concessionária. Com o trânsito em jugado, o consumidor deu início do cumprimento de sentença. A concessionária restituiu o valor pago e pediu a devolução do veículo usado. O juiz negou o pleito afirmando que no título executivo não constou nenhum comando para que o consumidor devolvesse o automóvel.

Não agiu corretamente o magistrado.

É obrigatória a devolução de veículo considerado inadequado ao uso após a restituição do preço pelo fornecedor no cumprimento de sentença prolatada em ação redibitória.

Acolhida a pretensão redibitória do consumidor, rescinde-se o contrato de compra e venda, retornando as partes à situação anterior à sua celebração (status quo ante), sendo uma das consequências automáticas da sentença a sua eficácia restitutória, com a restituição atualizada do preço pelo vendedor e devolução da coisa adquirida pelo comprador.

Constitui obrigação do consumidor devolver o veículo viciado à fornecedora, sob pena de afronta ao princípio que veda o enriquecimento sem causa e à proibição do venire contra factum proprium.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.823.284-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 13/10/2020 (Info 681).

O caso concreto, com adaptações, foi o seguinte: O consumidor adquiriu veículo, que apresentou diversos problemas após a compra, tornando-se inadequado ao uso. O consumidor propôs, então, ação redibitória contra a concessionária, pedindo a devolução do preço pago. A sentença julgou o pedido procedente tendo o juiz determinado a restituição da quantia gasta com a aquisição do carro, nos termos do art. 18, § 1º, II, do CDC:

Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.

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§ 1º Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha: (...) II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;

O magistrado não falou nada, contudo, sobre a devolução do carro à concessionária. Com o trânsito em jugado, o consumidor deu início do cumprimento de sentença. A concessionária restituiu o valor pago e, logo em seguida, pediu a devolução do veículo usado. O juiz negou o pleito afirmando que, na sentença da fase de conhecimento (título executivo), não constou nenhum comando para que o consumidor devolvesse o automóvel. Agiu corretamente o magistrado? NÃO.

É obrigatória a devolução de veículo considerado inadequado ao uso após a restituição do preço pelo fornecedor no cumprimento de sentença prolatada em ação redibitória. STJ. 3ª Turma. REsp 1.823.284-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 13/10/2020 (Info 681).

Acolhida a pretensão redibitória do consumidor, rescinde-se o contrato de compra e venda, retornando as partes à situação anterior à sua celebração (status quo ante), sendo uma das consequências automáticas da sentença a sua eficácia restitutória, com a restituição atualizada do preço pelo vendedor e devolução da coisa adquirida pelo comprador. Constitui obrigação do consumidor devolver o veículo viciado à fornecedora, sob pena de afronta ao princípio que veda o enriquecimento sem causa e à proibição do venire contra factum proprium.

PLANO DE SAÚDE A operadora de plano de saúde não é obrigada a custear o procedimento de

fertilização in vitro associado ao tratamento de endometriose profunda

O STJ possui entendimento consolidado no sentido de que, se não houver previsão contratual expressa, o plano de saúde não é obrigado a custear o tratamento de fertilização in vitro.

Existe julgado no qual o STJ afirmou que é devida a cobertura, pelo plano de saúde, do procedimento de criopreservação de óvulos de paciente fértil, até a alta do tratamento quimioterápico, como medida preventiva à infertilidade (STJ REsp 1.815.796/RJ). No entanto, nesse acórdão, foi feita a seguinte distinção aplicável aqui:

• tratamento da infertilidade: não é de cobertura obrigatória pelo plano de saúde;

• prevenção da infertilidade, enquanto efeito adverso do tratamento prescrito ao paciente: é coberto pelo plano de saúde.

No caso concreto, o procedimento de fertilização in vitro não foi prescrito à mulher para prevenir a infertilidade decorrente do tratamento para a endometriose. O procedimento foi prescrito como tratamento da infertilidade coexistente à endometriose. Logo, não há cobertura do plano.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.859.606-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Turma, julgado em 06/10/2020 (Info 681).

Imagine a seguinte situação hipotética: Regina sofre de uma doença chamada endometriose, o que faz com que ela tenha dificuldades para engravidar.

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O seu médico prescreveu um tratamento para a endometriose e também a realização de fertilização in vitro, que é uma técnica na qual a fecundação do óvulo com o espermatozoide ocorre em um laboratório de embriologia, sendo posteriormente transferido ao útero materno. O plano de saúde de Regina aceitou custear o tratamento para endometriose, mas recusou-se a custear a fertilização in vitro. Inconformada, Regina ingressou com ação de obrigação de fazer contra o plano afirmando que a negativa foi abusiva e que este tratamento deveria ser obrigatoriamente prestado. Vale ressaltar que no contrato assinado entre a consumidora e o plano não existe previsão expressa de cobertura deste tipo de tratamento. O STJ concordou com os argumentos da autora? O plano de saúde é obrigado a custear o tratamento? NÃO. O STJ possui entendimento consolidado no sentido de que, se não houver previsão contratual expressa, o plano de saúde não é obrigado a custear o tratamento de fertilização in vitro. Nesse sentido:

Não é abusiva a negativa de custeio, pela operadora do plano de saúde, do tratamento de fertilização in vitro, quando não houver previsão contratual expressa. O art. 10, III, da Lei nº 9.656/98 estabelece que a “inseminação artificial” não é um procedimento de cobertura obrigatória pelos planos de saúde. Em outras palavras, o contrato pode ou não prever a cobertura desse tratamento. Se o contrato não cobrir expressamente e o plano de saúde, em virtude disso, se recusar a custear, essa negativa não será abusiva. Vale ressaltar que a fertilização in vitro não é mesmo que inseminação artificial. Mesmo assim, a partir de uma interpretação sistemática e teleológica, que garanta o equilíbrio atuarial do sistema, deve-se entender que o mesmo raciocínio se aplica para a fertilização in vitro e que este tratamento também não é de cobertura obrigatória. Nesse sentido, a Resolução Normativa nº 428/2017, da ANS permite que o plano de saúde não ofereça inseminação artificial e outras técnicas de reprodução humana assistida. Assim, ao falar em outras técnicas, pode-se incluir aí a fertilização in vitro. STJ. 3ª Turma. REsp 1794629/SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, Rel. p/ Acórdão Min. Nancy Andrighi, julgado em 18/02/2020. STJ. 4ª Turma. REsp 1823077-SP, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 20/02/2020 (Info 666).

Imagine agora uma situação diferente: Vitória estava fazendo quimioterapia para combater um câncer. Ocorre que esse tratamento pode ocasionar, como reação adversa, a falência ovariana, gerando infertilidade. A forma de preservar a capacidade reprodutiva, nestes casos, é o congelamento dos óvulos, um procedimento denominado de “criopreservação”. Diante disso, ela pleiteou junto ao plano de saúde que custeasse esse procedimento. A operadora recusou o custeio sob a justificativa de que o procedimento não seria de cobertura obrigatória. Para o plano de saúde, assim como ele não é obrigado a custear inseminação artificial, ele também não poderia ser compelido a pagar o procedimento de criopreservação. Seria o mesmo raciocínio. O STJ concordou com o argumento do plano de saúde? NÃO. Como vimos, em regra, o plano de saúde pode se recusar a custear o procedimento de criopreservação. O caso concreto, porém, é diferente. O que a usuária do plano busca é a atenuação (diminuição) dos efeitos colaterais, previsíveis e evitáveis, da quimioterapia, dentre os quais a falência ovariana. O objetivo de todo tratamento médico, além de curar a doença, é não causar mal. Esse é um dos princípios milenares da medicina conhecido pela locução “primum, non nocere” (primeiro, não prejudicar). Esse

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princípio está consagrado no art. 35-F da Lei nº 9.656/98, segundo o qual a cobertura dos planos de saúde abrange também a prevenção de doenças, no caso, a infertilidade:

Art. 35-F. A assistência a que alude o art. 1º desta Lei compreende todas as ações necessárias à prevenção da doença e à recuperação, manutenção e reabilitação da saúde, observados os termos desta Lei e do contrato firmado entre as partes.

Desse modo, o plano de saúde pode ser obrigado a custear o procedimento pleiteado que funciona como medida de prevenção para a possível infertilidade da paciente. Vale ressaltar que, depois de obter alta do tratamento quimioterápico, caberá à mulher custear o tratamento de reprodução assistida, considerando que isso se encontra fora da cobertura do plano. Em suma:

É devida a cobertura, pela operadora de plano de saúde, do procedimento de criopreservação de óvulos de paciente fértil, até a alta do tratamento quimioterápico, como medida preventiva à infertilidade. STJ. 3ª Turma. REsp 1.815.796-RJ, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 26/05/2020 (Info 673).

Mais uma vez, peço novamente para não confundirem: • usuária é infértil e busca tratamento para a infertilidade (ex: inseminação artificial): plano de saúde NÃO é obrigado a custear. • usuária é fértil e busca a criopreservação como forma de prevenir a infertilidade: plano de saúde É obrigado a custear. Resumindo:

A operadora de plano de saúde não é obrigada a custear o procedimento de fertilização in vitro associado ao tratamento de endometriose profunda. O STJ possui entendimento consolidado no sentido de que, se não houver previsão contratual expressa, o plano de saúde não é obrigado a custear o tratamento de fertilização in vitro. Existe julgado no qual o STJ afirmou que é devida a cobertura, pelo plano de saúde, do procedimento de criopreservação de óvulos de paciente fértil, até a alta do tratamento quimioterápico, como medida preventiva à infertilidade (STJ REsp 1.815.796/RJ). No entanto, nesse acórdão, foi feita a seguinte distinção aplicável aqui: • tratamento da infertilidade: não é de cobertura obrigatória pelo plano de saúde; • prevenção da infertilidade, enquanto efeito adverso do tratamento prescrito ao paciente: é coberto pelo plano de saúde. No caso concreto, o procedimento de fertilização in vitro não foi prescrito à mulher para prevenir a infertilidade decorrente do tratamento para a endometriose. O procedimento foi prescrito como tratamento da infertilidade coexistente à endometriose. Logo, não há cobertura do plano. STJ. 3ª Turma. REsp 1.859.606-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Turma, julgado em 06/10/2020 (Info 681).

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DIREITO EMPRESARIAL

TÍTULOS DE CRÉDITO (DUPLICATA) A assinatura do sacador/emitente da duplicata é requisito que pode ser suprido por outro meio

Segundo o art. 2º, § 1º da Lei nº 5.474/68 um dos requisitos da duplicata é a assinatura do sacador.

O requisito da assinatura do emitente deve ser considerado suprível nessa específica modalidade de título de crédito, sobretudo quando não ocorre sua circulação.

Existem dois principais argumentos que permitem chegar a essa conclusão:

a) com fundamento no art. 13, § 1º da Lei nº 5.474/68, é dispensável a apresentação física da duplicata, bastando para a constituição do título executivo extrajudicial: os boletos de cobrança bancária, os protestos por indicação e os comprovantes de entrega de mercadoria ou de prestação de serviços.

b) a duplicata, por ser um título causal, permite a incidência da literalidade indireta, que autoriza a identificação de seus elementos no documento da compra e venda mercantil ou da prestação de serviços que lhe serve de ensejo, pois o devedor tem a ciência de que aquela obrigação também tem seus limites definidos em outro documento.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.790.004-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 13/10/2020 (Info 681).

Conceito de duplicata Duplicata é... - um título de crédito - que consiste em uma ordem de pagamento emitida pelo próprio credor - por conta de mercadorias que ele vendeu ou de serviços que prestou - e que estão representados em uma fatura - devendo ser paga pelo comprador das mercadorias ou pelo tomador dos serviços. Título de crédito genuinamente brasileiro A duplicata foi criada pelo direito brasileiro, sendo considerada um título genuinamente brasileiro. Regulamentação A duplicata é regida pela Lei nº 5.474/68 e pela Lei nº 13.775/2018. Requisitos O § 1º do art. 2º da Lei nº 5.474/68 prevê os requisitos da duplicata. Confira:

Art. 2º (...) § 1º A duplicata conterá: I - a denominação “duplicata”, a data de sua emissão e o número de ordem; II - o número da fatura; III - a data certa do vencimento ou a declaração de ser a duplicata à vista; IV - o nome e domicílio do vendedor e do comprador; V - a importância a pagar, em algarismos e por extenso; VI - a praça de pagamento; VII - a cláusula à ordem; VIII - a declaração do reconhecimento de sua exatidão e da obrigação de pagá-la, a ser assinada pelo comprador, como aceite, cambial; IX - a assinatura do emitente.

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Assinatura do emitente Conforme vimos acima, um dos requisitos da duplicata é a assinatura do emitente. O STJ, contudo, entendeu que esse requisito não é essencial, ou seja, mesmo sem a assinatura é possível considerar o título como válido. Trata-se de “defeito suprível”. O requisito da assinatura do emitente deve ser considerado suprível nessa específica modalidade de título de crédito, sobretudo quando não ocorre sua circulação. Existem dois principais argumentos que permitem chegar a essa conclusão:

1º) A apresentação física da duplicada pode ser dispensada com fundamento no protesto por indicação previsto no art. 13, § 1º da Lei nº 5.474/68, entende-se que é dispensável a apresentação física da duplicata, bastando, para a constituição do título executivo extrajudicial:

• os boletos de cobrança bancária;

• os protestos por indicação; e

• os comprovantes de entrega de mercadoria ou de prestação de serviços. Com base nisso, se permitiu a execução da denominada duplicata virtual.

Veja como o § 1º do art. 13 autoriza o protesto sem a apresentação física da duplicata:

Art. 13 (...) § 1º Por falta de aceite, de devolução ou de pagamento, o protesto será tirado, conforme o caso, mediante apresentação da duplicata, da triplicata, ou, ainda, por simples indicações do portador, na falta de devolução do título.

Conforme explica a Min. Nancy Andrighi:

“(...) se o boleto que subsidia o protesto por indicação é suficiente para o protesto, o qual, somado ao comprovante da entrega de mercadorias, justifica o ajuizamento de ação executiva, deve-se entender que alguns dos elementos mencionados no art. 2º, § 1º, da Lei 5.474/68 admitem suprimento, podendo ser corrigidos por formas que não prejudiquem a segurança na tramitação da duplicata.”

2º) A duplicata, por ser um título causal, admite a incidência da literalidade indireta A ideia de que a assinatura do sacador seria essencial decorre do princípio da literalidade, segundo o qual os títulos de crédito devem possuir todas as informações necessárias ao exercício do direito nela mencionado. Ocorre que a duplicata, por ser um título causal, permite a incidência da literalidade indireta, que autoriza a identificação de seus elementos no documento da compra e venda mercantil ou da prestação de serviços que lhe serve de ensejo. Conforme ensina a doutrina, a duplicata, por ser causal, está “ligada a um contrato de compra e venda ou de prestação de serviços, deve[ndo] a duplicata mencionar ainda os nomes das partes do referido contrato, dada a sua função de documentar o crédito nascido desse contrato” (TOMAZETE, Marlon. A duplicata virtual. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 92, n. 807, p. 725-740, jan. 2003). Assim, é possível a aplicação da literalidade indireta, na possibilidade de a cártula fazer expressa remissão a um elemento constante em documento referente ao negócio jurídico que lhe serve de causa. Mesmo sem a assinatura do sacador, fica evidente que o devedor tem a ciência de que aquela obrigação também tem seus limites definidos em outro documento.

Em suma:

A assinatura do sacador/emitente da duplicata é requisito que pode ser suprido por outro meio. STJ. 3ª Turma. REsp 1.790.004-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 13/10/2020 (Info 681).

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RECUPERAÇÃO JUDICIAL Juiz deferiu a recuperação judicial; TJ reformou a decisão; STJ restaurou o entendimento de 1ª instância deferindo a recuperação; entre a decisão do TJ e do STJ os atos executivos praticados

em execuções individuais são nulos

Exemplo: João, empresário rural, pediu recuperação judicial, cujo processamento foi deferido pelo juiz. Um dos credores recorreu alegando que não ficou comprovado o exercício da atividade agrícola pelo período de 2 anos (art. 48 da Lei nº 11.101/2005). O TJ deu provimento ao recurso negando direito à recuperação judicial. João recorreu ao STJ e o Ministro Relator concedeu tutela provisória para restabelecer a decisão do juiz assegurando ao empresário o direito à recuperação judicial.

Ocorre que, no período entre o acórdão do TJ e a decisão do Ministro do STJ, as execuções individuais contra o empresário que estavam suspensas voltaram a tramitar e foram praticados diversos atos executivos. Esses atos executivos são válidos?

A validade dos atos executivos realizados no bojo das execuções individuais, no interregno em que a decisão de deferimento do processamento da recuperação judicial encontra-se sobrestada ou mesmo reformada (porém, sujeita a revisão por instância judicial superior), fica condicionada à confirmação, por provimento judicial final, de que o empresário, de fato, não fazia jus ao deferimento do processamento de sua recuperação judicial.

Assim, no exemplo dado, se a decisão concedendo a recuperação judicial for confirmada por provimento judicial final, os atos executivos que foram praticados serão considerados inválidos.

O credor assume os riscos de prosseguir com a sua execução individual. Ele deve saber, contudo, que, se for confirmado o acerto da decisão que deferiu o processamento da recuperação judicial, com o restabelecimento de todos os seus efeitos desde a sua prolação, os atos executivos realizados no âmbito das execuções individuais tornam-se absolutamente nulos.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.867.694-MT, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 06/10/2020 (Info 681).

Imagine a seguinte situação hipotética: João, produtor rural, pediu recuperação judicial, cujo processamento foi deferido pelo juiz. Um dos credores recorreu alegando que não ficou comprovado o exercício da atividade agrícola pelo período de 2 anos, um dos requisitos do art. 48 da Lei nº 11.101/2005):

Art. 48. Poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos e que atenda aos seguintes requisitos, cumulativamente: (...)

O Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso negando direito à recuperação judicial. Aí foi a vez de João recorrer. Ele interpôs recurso especial ao STJ e o Ministro Relator concedeu tutela provisória para restabelecer a decisão do juiz de 1ª instância, assegurando ao empresário o direito à recuperação judicial. Ocorre que, no período entre o acórdão do TJ e a decisão do Ministro do STJ, as execuções individuais contra o empresário que estavam suspensas voltaram a tramitar e foram praticados diversos atos executivos. Esses atos executivos são válidos?

A validade dos atos executivos realizados no bojo das execuções individuais, no interregno em que a decisão de deferimento do processamento da recuperação judicial encontra-se sobrestada ou mesmo reformada (porém, sujeita a revisão por instância judicial superior), fica condicionada à confirmação,

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por provimento judicial final, de que o empresário, de fato, não fazia jus ao deferimento do processamento de sua recuperação judicial. STJ. 3ª Turma. REsp 1.867.694-MT, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 06/10/2020 (Info 681).

Assim, no exemplo dado, se a decisão concedendo a recuperação judicial for confirmada por provimento judicial final, os atos executivos que foram praticados serão considerados inválidos. O credor assume os riscos de prosseguir com a sua execução individual. Ele deve saber, contudo, que, se for confirmado o acerto da decisão que deferiu o processamento da recuperação judicial, com o restabelecimento de todos os seus efeitos desde a sua prolação, os atos executivos realizados no âmbito das execuções individuais tornam-se absolutamente nulos.

RECUPERAÇÃO JUDICIAL O cômputo do período de dois anos de exercício da atividade econômica, para fins de

recuperação judicial, nos termos do art. 48 da Lei 11.101/2005, aplicável ao produtor rural, inclui aquele anterior ao registro do empreendedor

O empresário rural que objetiva se valer dos benefícios do processo recuperacional, instituto próprio do regime jurídico empresarial, há de proceder à inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis, não porque o registro o transforma em empresário, mas sim porque, ao assim proceder, passou a voluntariamente se submeter ao aludido regime jurídico.

Assim, a inscrição, sob esta perspectiva, assume a condição de procedibilidade ao pedido de recuperação judicial.

Ainda que relevante para viabilizar o pedido de recuperação judicial, como instituto próprio do regime empresarial, o registro é absolutamente desnecessário para que o empresário rural demonstre a regularidade (em conformidade com a lei) do exercício profissional de sua atividade agropecuária pelo biênio mínimo, podendo ser comprovado por outras formas admitidas em direito e, principalmente, levando-se em conta período anterior à inscrição.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.811.953-MT, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 06/10/2020 (Info 681).

STJ. 4ª Turma. REsp 1.800.032-MT, Rel. Min. Marco Buzzi, Rel. Acd. Min. Raul Araújo, julgado em 05/11/2019 (Info 664).

Recuperação judicial A recuperação judicial surgiu para substituir a antiga “concordata” e tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise do devedor, a fim de permitir que a atividade empresária se mantenha e, com isso, sejam preservados os empregos dos trabalhadores e os interesses dos credores. A recuperação judicial consiste, portanto, em um processo judicial, no qual será construído e executado um plano com o objetivo de recuperar a empresa que está em vias de efetivamente ir à falência. Fases da recuperação De forma resumida, a recuperação judicial possui três fases: a) postulação: inicia-se com o pedido de recuperação e vai até o despacho de processamento; b) processamento: vai do despacho de processamento até a decisão concessiva; c) execução: da decisão concessiva até o encerramento da recuperação judicial. Requisitos para a recuperação judicial A recuperação judicial é um processo judicial, ou seja, é um pedido que será formulado ao juiz. Para isso, no entanto, é necessário que a devedora cumpra alguns requisitos previstos no art. 48 da Lei nº 11.101/2005:

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Art. 48. Poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos e que atenda aos seguintes requisitos, cumulativamente: I – não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes; II – não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial; III - não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial de que trata a Seção V deste Capítulo; IV – não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos nesta Lei

Requisito temporal de 2 anos O primeiro requisito para que a empresa possa requerer a recuperação judicial é que ela esteja exercendo regulamente suas atividades há, no mínimo, 2 anos (caput do art. 48) no momento do pedido. O prazo de 2 anos tem como objetivo principal conceder a recuperação judicial apenas a empresários ou a sociedades empresárias que se acham, de certo modo, consolidados no mercado e que apresentem certo grau de viabilidade econômico-financeira capazes de justificar o sacrifício dos credores. Segundo Marlon Tomazzete, apenas em relação a empresas sérias, relevantes e viáveis “é que se justifica o sacrifício dos credores em uma recuperação judicial. Uma empresa exercida há menos de dois anos ainda não possui relevância para a economia que justifique a recuperação.” (Curso de direito empresarial: falência e recuperação de empresas. São Paulo: Atlas, 2011, p. 60). (Delegado PC/BA 2018 VUNESP) Poderá requerer a recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades empresariais pelo período mínimo de seis meses. (errado) A partir de quando se começa a contar esse prazo de 2 anos? Em regra, da data de inscrição na junta comercial competente. Logo, no pedido de recuperação judicial, deverá ser juntada uma certidão emitida pela respectiva junta comercial na qual conste a inscrição do empresário individual ou o registro do contrato social ou do estatuto da sociedade. Desse modo, estão proibidos de requerer recuperação judicial, os empresários “de fato” ou “irregulares”, isto é, aqueles que exercem a atividade empresarial de modo informal, sem registro na junta comercial. Por que se falou “em regra”? Existe alguma exceção? SIM. O caso do empresário rural. Todo empresário, antes de iniciar suas atividades, deverá se inscrever no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, isto é, na Junta Comercial. É o que prevê o art. 967 do Código Civil:

Art. 967. É obrigatória a inscrição do empresário no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, antes do início de sua atividade.

Para o empresário rural, todavia, o Código Civil concedeu a faculdade de se registrar ou não perante a Junta da sua unidade federativa. Por isso, o dispositivo utiliza o verbo “pode”:

Art. 971. O empresário, cuja atividade rural constitua sua principal profissão, pode, observadas as formalidades de que tratam o art. 968 e seus parágrafos, requerer inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, caso em que, depois de inscrito, ficará equiparado, para todos os efeitos, ao empresário sujeito a registro.

Ora, se pode ele requerer inscrição, significa que o empreendedor rural, diferentemente do empreendedor econômico comum, não está obrigado a requerer inscrição antes de empreender.

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Desse modo, o empreendedor rural, inscrito ou não, está sempre em situação regular; não existe situação irregular para este, mesmo ao exercer atividade econômica agrícola antes de sua inscrição, por ser esta facultativa. Por isso, se exerce atividade de produção de bens agrícolas, esteja inscrito ou não, estará em situação regular, justamente porque poderia se inscrever ou não. Assim, os efeitos decorrentes da inscrição são distintos para as duas espécies de empresário: • Para o empreendedor rural, o registro, por ser facultativo, tem o efeito constitutivo de equipará-lo, para todos os efeitos, ao empresário sujeito a registro, sendo tal efeito apto a retroagir (ex tunc), pois a condição regular de empresário já existia antes mesmo do registro. • Já para o empresário comum, o registro, por ser obrigatório, somente pode operar efeitos prospectivos (ex nunc), pois apenas com o registro é que ingressa na regularidade e se constitui efetivamente e validamente, empresário. O registro do produtor rural, portanto, apenas o transfere do regime do Código Civil para o regime empresarial, com efeito ex tunc, pois não o transforma em empresário regular, condição que já antes ostentava apenas em decorrência do anterior exercício da atividade econômica rural. Assim, a qualidade de empresário rural regular já se fazia presente desde o início do exercício profissional de sua atividade, sendo irrelevante, para fins de regularização, a efetivação da inscrição na Junta Comercial, pois não estava sujeito a registro. Então, o produtor rural é regido pelo Código Civil, enquanto não registrado e, querendo, passa ao regime jurídico empresarial, após a inscrição é facultativa. No caso de empresário rural, para fins de cômputo desses 2 anos, é possível aproveitar o tempo em que ele não estava registrado O empresário rural, para fazer o pedido de recuperação judicial, deve estar registrado. Assim, o registro empresarial deve ser anterior ao pedido de recuperação judicial. No entanto, pelas razões acima explicadas, esses 2 anos, exigidos pelo caput do art. 48, não precisam ser exercidos após o registro. No caso de empresário rural, o exercício da atividade econômica rural pelo prazo de 2 anos pode ser computado somando-se ao período anterior e posterior ao registro. Em suma:

O cômputo do período de dois anos de exercício da atividade econômica, para fins de recuperação judicial, nos termos do art. 48 da Lei nº 11.101/2005, aplicável ao produtor rural, inclui aquele anterior ao registro do empreendedor. STJ. 3ª Turma. REsp 1.811.953-MT, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 06/10/2020 (Info 681). STJ. 4ª Turma. REsp 1.800.032-MT, Rel. Min. Marco Buzzi, Rel. Acd. Min. Raul Araújo, julgado em 05/11/2019 (Info 664).

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS São devidos os honorários de sucumbência ao procurador que não participou de acordo firmado entre

as partes, realizado e homologado antes do trânsito em julgado da sentença que fixou tal verba

Caso concreto: condomínio ajuizou ação de indenização contra empresa de engenharia em razão de serviços que não foram bem realizados. O juiz julgou parcialmente procedente, condenando a empresa a pagar R$ 200 mil. Ambas as partes apelaram. O TJ manteve a sentença, mas antes que houvesse trânsito em jugado, as partes ingressaram com petição afirmando que haviam feito um acordo de R$ 150 mil. O ponto controverso é que o condomínio foi representado por Juliana, nova advogada que participou apenas do acordo e cuja procuração revogou o mandato que havia sido outorgada ao advogado anterior (Pedro), que ajuizou e acompanhou a ação.

Pedro peticionou nos autos requerendo que fosse preservado o valor que ele teria direito de receber a título de honorários advocatícios sucumbenciais definidos na sentença condenatória (10% de 200 mil). A sentença homologou o acordo firmado entre as partes, e indeferiu o pedido de Pedro, deixando expressamente consignado que, como o acordo foi apresentado antes do trânsito em julgado da sentença, não haveria que se falar em honorários sucumbenciais. Pedro tem direito aos honorários?

Sim. O acordo firmado entre as partes, sem a concordância do advogado, não pode atingir o direito desse profissional de receber os honorários advocatícios fixados na sentença judicial, desde que esta já tenha transitada em julgado.

No caso, a despeito de não ter havido trânsito em julgado da sentença que fixou os honorários, existem peculiaridades que permitem concluir ser possível a manutenção dos honorários.

Em 1º grau, a sentença condenou a empresa ao pagamento de 10% de honorários advocatícios sucumbenciais, condenação esta que foi mantida pelo TJ e que estava prestes a transitar em julgado, não fosse pelo fato de as partes terem, neste meio tempo, atravessado pedido de homologação de acordo extrajudicial - que sequer fez menção ao pagamento de qualquer verba honorária -, com a participação de nova advogada constituída nos autos, o que revogou automaticamente anterior procuração outorgada pelo Condomínio.

Dada as particularidades da situação, convém reconhecer o direito autônomo do advogado ao recebimento da verba honorária estabelecida na sentença condenatória.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.851.329-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 22/09/2020 (Info 681).

O caso concreto, com adaptações, foi o seguinte: Determinado condomínio, assistido juridicamente pelo advogado Pedro, ajuizou ação de indenização contra empresa de engenharia em razão de serviços que não foram executados corretamente. O juiz julgou parcialmente procedente o pedido, condenando a empresa a pagar R$ 200 mil ao condomínio. Ambas as partes apelaram. O TJ manteve a sentença, mas antes que houvesse trânsito em jugado, as partes ingressaram com petição afirmando que haviam feito um acordo de R$ 150 mil. Até aí, tudo bem. O ponto controverso é que o condomínio, nas negociações e assinatura do ajuste, foi representado por Juliana, nova advogada que participou apenas do acordo. Para que Juliana participasse do acordo, o condomínio outorgou procuração a advogada e, nesse instrumento, revogou expressamente o mandato que havia sido outorgado ao advogado anterior (Pedro), que ajuizou e acompanhou a ação. Pedro peticionou nos autos requerendo que fosse preservado o valor que ele teria direito de receber a título de honorários advocatícios sucumbenciais definidos na sentença condenatória (10% de 200 mil).

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A sentença homologou o acordo firmado entre as partes, e indeferiu o pedido de Pedro. Segundo afirmou o juiz, o acordo foi apresentado antes do trânsito em julgado da sentença. Logo, Pedro (o antigo advogado), não teria direito aos honorários sucumbenciais.

A questão chegou até o STJ. Pedro tem direito aos honorários? SIM. O acordo firmado entre as partes, sem a concordância do advogado, não pode atingir o direito desse profissional de receber os honorários advocatícios fixados na sentença judicial, desde que esta já tenha transitada em julgado. Assim, se o acordo feito pelo condomínio e a empresa tivesse sido feito após o trânsito em julgado, não haveria qualquer polêmica ou dúvida: os honorários de Pedro estariam preservados pela coisa julgada. Existem julgados do STJ nesse sentido:

O acordo firmado entre as partes, sem a concordância do advogado, não atinge o direito ao recebimento dos honorários advocatícios fixados em sentença judicial transitada em julgado, nos termos dos arts. 23 e 24, § 4º, da Lei 8.906/94. STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 558.741/MG, Rel. Min. Lázaro Guimarães (Desembargador Convocado do TRF 5ª Região), julgado em 20/02/2018.

Assim, como ainda não tinha havido o trânsito em julgado, em tese, o advogado Pedro não teria direito à manutenção integral dos honorários:

Embora seja direito autônomo do advogado a execução da verba honorária de sucumbência, inclusive nos próprios autos, não há como atribuir força executiva à sentença que não transitou em julgado se as partes chegaram a consenso acerca do direito controvertido e celebraram acordo que foi devidamente homologado por sentença. STJ. 3ª Turma. REsp 1524636/RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 17/05/2016.

Se não houve trânsito em julgado, o advogado que estava trabalhando – e que foi destituído – só teria, em princípio, direito aos honorários contratuais (e não aos sucumbenciais):

Efetuada transação pelas partes sem anuência do advogado e antes de pronunciamento judicial fixando os honorários, tem o patrono direito à verba contratual, mas não a sucumbencial, pois essa ainda encontrava-se na esfera da expectativa de direito. STJ. 4ª Turma. AgInt nos EDcl no REsp 1750858/PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 24/09/2019.

Ocorre que o STJ entendeu que o caso concreto era excepcional e, portanto, deveria ser flexibilizada a regra geral acima exposta. Assim, a despeito de não ter havido trânsito em julgado da sentença que fixou os honorários, o STJ afirmou que existem peculiaridades que permitem concluir ser possível manter os honorários advocatícios em favor do primeiro advogado. Em 1º grau, a sentença condenou a empresa ao pagamento de 10% de honorários advocatícios sucumbenciais. Essa condenação foi mantida pelo TJ e estava prestes a transitar em julgado, não fosse pelo fato de as partes terem, neste meio tempo, atravessado pedido de homologação de acordo extrajudicial - que sequer fez menção ao pagamento de qualquer verba honorária -, com a participação de nova advogada constituída nos autos, o que revogou automaticamente anterior procuração outorgada pelo Condomínio. Dada as particularidades da situação, convém reconhecer o direito autônomo do advogado ao recebimento da verba honorária estabelecida na sentença condenatória.

Em suma:

São devidos os honorários de sucumbência ao procurador que não participou de acordo firmado entre as partes, realizado e homologado antes do trânsito em julgado da sentença que fixou tal verba. STJ. 3ª Turma. REsp 1.851.329-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 22/09/2020 (Info 681).

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HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS O fato de estar caracterizada a sucumbência recíproca não afasta a condenação das partes

litigantes ao pagamento de honorários de sucumbência

O caput do art. 85 do CPC afirma que “a sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor”.

Nos honorários advocatícios contratuais, existe uma relação jurídica da parte com seu advogado.

Nos honorários advocatícios sucumbenciais, a relação jurídica se estabelece entre a parte litigante e o advogado da parte contrária.

Não se pode adotar o entendimento de que, havendo sucumbência recíproca, cada parte se responsabiliza pelos honorários advocatícios sucumbenciais do seu respectivo advogado. Isso porque, no caso de deferimento de gratuidade de justiça, por exemplo, esse entendimento faria com que houvesse um conflito de interesses entre o advogado e a parte beneficiária por ele representada, criando situação paradoxal de um causídico defender um benefício ao seu cliente que, de forma reflexa, o prejudicaria.

Além disso, nas hipóteses em que a sucumbência recíproca não é igualitária (ex: 80% a 20%), a prevalência do entendimento de que cada uma das partes arcará com os honorários sucumbenciais do próprio causídico que constituiu poderia dar ensejo à situação de o advogado da parte que sucumbiu mais no processo receber uma parcela maior dos honorários de sucumbência, ou de a parte litigante que menos sucumbiu na demanda pagar uma parcela maior dos honorários de sucumbência.

Desse modo, uma vez estabelecido o grau de sucumbência recíproca entre os litigantes, a parte autora fica responsável pelo pagamento dos honorários advocatícios de sucumbência do advogado do réu, e o réu, responsável pelo pagamento dos honorários advocatícios de sucumbência do advogado do autor.

STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 1.495.369-MS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 01/09/2020 (Info 681).

Imagine a seguinte situação hipotética: João ajuizou ação contra Pedro. O juiz julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados. Isso significa que João “ganhou” uma parte e Pedro outra. Houve, portanto, a chamada “sucumbência recíproca”. Sucumbência e honorários advocatícios Se todos os pedidos de João tivessem sido julgados procedentes, não haveria dúvidas de que o juiz, na sentença, condenaria Pedro (o réu) a pagar os honorários advocatícios sucumbenciais. No entanto, houve sucumbência recíproca. Havendo sucumbência recíproca, é possível que o juiz deixe de condenar a parte em honorários advocatícios? Havendo sucumbência recíproca, o magistrado pode dizer que as partes estão dispensadas de pagar os honorários advocatícios sucumbenciais? NÃO.

O fato de estar caracterizada a sucumbência recíproca não afasta a condenação das partes litigantes ao pagamento de honorários de sucumbência. STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 1.495.369-MS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 01/09/2020 (Info 681).

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Informativo 681-STJ (06/11/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 27

O caput do art. 85 do CPC afirma que:

Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.

Nos honorários advocatícios contratuais, existe uma relação jurídica da parte com seu advogado. Nos honorários advocatícios sucumbenciais, a relação jurídica se estabelece entre a parte litigante e o advogado da parte contrária. Não se pode adotar o entendimento de que, havendo sucumbência recíproca, cada parte se responsabiliza pelos honorários advocatícios sucumbenciais do seu respectivo advogado. Isso porque, no caso de deferimento de gratuidade de justiça, por exemplo, esse entendimento faria com que houvesse um conflito de interesses entre o advogado e a parte beneficiária por ele representada, criando situação paradoxal de um causídico defender um benefício ao seu cliente que, de forma reflexa, o prejudicaria. Além disso, nas hipóteses em que a sucumbência recíproca não é igualitária (ex: 80% a 20%), a prevalência do entendimento de que cada uma das partes arcará com os honorários sucumbenciais do próprio causídico que constituiu poderia dar ensejo à situação de o advogado da parte que sucumbiu mais no processo receber uma parcela maior dos honorários de sucumbência, ou de a parte litigante que menos sucumbiu na demanda pagar uma parcela maior dos honorários de sucumbência. Desse modo, uma vez estabelecido o grau de sucumbência recíproca entre os litigantes, a parte autora fica responsável pelo pagamento dos honorários advocatícios de sucumbência do advogado do réu, e o réu, responsável pelo pagamento dos honorários advocatícios de sucumbência do advogado do autor. Sobre a questão, a doutrina de José Miguel Garcia Medina também aponta para essa solução, de que, havendo sucumbência recíproca, cada uma das partes é responsável pelo pagamento dos honorários de sucumbência do patrono da parte contrária. Confira-se:

“I. Honorários advocatícios e sucumbência recíproca. Os honorários advocatícios ‘pertencem ao advogado" (art. 23 da Lei 8.906/1994). Os honorários são remuneração pelo trabalho do advogado, tendo caráter alimentar. Assim, se ambas as partes forem sucumbentes, deverão ser condenadas a pagar ao advogado da outra o valor dos honorários respectivos. Como credor dos honorários é o advogado (e não a parte por ele representada), os honorários devidos aos advogados de partes adversárias não podem ser compensados. Nesse sentido, o CPC/2015 dispõe que é vedada a compensação em caso de sucumbência parcial (art. 85, § 14, do CPC/2015). O art. 86 do CPC/2015, assim, deve ser compreendido a partir da leitura do § 14 do art. 85 do CPC/2015 (cf. também comentário ao art. 85 do CPC/2015).” (Novo Código de Processo Civil comentado: com remissões e notas comparativas ao CPC/1973. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 192).

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS O art. 85, § 11 do CPC trata sobre a possibilidade, na fase de recurso, haver a majoração dos

honorários advocatícios. É cabível a majoração dos honorários advocatícios com base no § 11 do art. 85 do CPC mesmo que na sentença tenha sido reconhecida a sucumbência recíproca?

• NÃO. Há julgados da 2ª e da 3ª Turmas do STJ nesse sentido:

Não cabem honorários recursais na hipótese de inexistência de condenação prévia em honorários sucumbenciais principais, quando, por exemplo, houver a estipulação de sucumbência recíproca. Inteligência do art. 85, § 11, do CPC/2015 (STJ. 2ª Turma. REsp 1.697.387/RO, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 12/12/2017).

Havendo sucumbência recíproca, em que cada parte se responsabiliza pela remuneração do seu respectivo patrono, sem a fixação expressa de valores, é incabível a majoração dos honorários advocatícios com base no art. 85, § 11, do CPC/2015 (STJ. 3ª Turma. AgInt no AREsp 1340890/PE, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 13/05/2019).

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• SIM. A 4ª Turma do STJ decidiu dessa forma:

A sucumbência recíproca, por si só, não é óbice à majoração dos honorários advocatícios em sede recursal, com base no § 11 do art. 85 do CPC.

STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 1.495.369-MS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 01/09/2020 (Info 681).

O art. 85, § 11 do CPC trata sobre a possibilidade, na fase de recurso, haver a majoração dos honorários advocatícios:

Art. 85 (...) § 11. O tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º, sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação de honorários devidos ao advogado do vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º para a fase de conhecimento.

É cabível a majoração dos honorários advocatícios com base no § 11 do art. 85 do CPC mesmo que na sentença tenha sido reconhecida a sucumbência recíproca? • NÃO. Há julgados da 2ª e da 3ª Turmas do STJ nesse sentido:

Não cabem honorários recursais na hipótese de inexistência de condenação prévia em honorários sucumbenciais principais, quando, por exemplo, houver a estipulação de sucumbência recíproca. Inteligência do art. 85, § 11, do CPC/2015 (STJ. 2ª Turma. REsp 1.697.387/RO, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 12/12/2017). Havendo sucumbência recíproca, em que cada parte se responsabiliza pela remuneração do seu respectivo patrono, sem a fixação expressa de valores, é incabível a majoração dos honorários advocatícios com base no art. 85, § 11, do CPC/2015. STJ. 3ª Turma. AgInt no AREsp 1340890/PE, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 13/05/2019.

• SIM. A 4ª Turma do STJ decidiu dessa forma:

A sucumbência recíproca, por si só, não é óbice à majoração dos honorários advocatícios em sede recursal, com base no § 11 do art. 85 do CPC. STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 1.495.369-MS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 01/09/2020 (Info 681).

EMBARGOS À EXECUÇÃO A caução prestada em ação conexa pode ser aceita como garantia do juízo

para a concessão de efeito suspensivo a embargos à execução

Como regra, os embargos à execução não possuem efeito suspensivo.

Excepcionalmente, o art. 919, § 1º, do CPC/2015 prevê que o magistrado poderá atribuir efeito suspensivo aos embargos à execução quando presentes, cumulativamente, os seguintes requisitos:

a) requerimento do embargante;

b) relevância da argumentação;

c) risco de dano grave de difícil ou incerta reparação; e

d) garantia do juízo.

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Caso concreto: empresa ajuizou ação de execução contra João alegando ser credora de R$ 300 mil, decorrente do inadimplemento de contrato de locação de equipamentos firmado entre as partes. João, antes do ajuizamento da ação de execução, já havia ajuizado ação de rescisão contratual cumulada com declaração de inexigibilidade de débito, questionando a higidez do contrato, bem como ação cautelar de sustação de protesto onde foi oferecido um bem móvel em garantia em valor superior ao da execução.

Como houve caução na ação cautelar e tendo em vista que o débito ali discutido é o mesmo que se cobra na ação de execução, não há por que se determinar que o devedor ofereça nova caução, podendo ser aproveitada a garantia do juízo que já foi prestada na ação conexa (cautelar) para que seja concedido o efeito suspensivo aos embargos à execução.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.743.951-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 06/10/2020 (Info 681).

A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte: Determinada empresa ajuizou ação de execução contra João alegando ser credora de R$ 300 mil, decorrente do inadimplemento de contrato de locação de equipamentos firmado entre as partes. João, antes da propositura da ação de execução, já havia ajuizado:

• ação de rescisão contratual cumulada com declaração de inexigibilidade de débito, questionando a higidez do contrato; e

• ação cautelar de sustação de protesto. Na ação cautelar, João ofereceu um bem móvel (uma máquina industrial) como garantia da execução. Voltando à execução: A empresa ingressou com a execução. João apresentou, em sua defesa, embargos à execução (embargos do devedor). Indaga-se: os embargos à execução possuem efeito suspensivo? A propositura dos embargos impede que sejam praticados atos executivos (ex: penhora)?

• Regra: NÃO. Como regra, os embargos à execução não possuem efeito suspensivo.

• Exceção: Excepcionalmente, o art. 919, § 1º, do CPC/2015 prevê que o magistrado poderá atribuir efeito suspensivo aos embargos à execução quando presentes, cumulativamente, os seguintes requisitos: a) requerimento do embargante; b) relevância da argumentação; c) risco de dano grave de difícil ou incerta reparação; e d) garantia do juízo. Confira a redação do dispositivo legal:

Art. 919. Os embargos à execução não terão efeito suspensivo. § 1º O juiz poderá, a requerimento do embargante, atribuir efeito suspensivo aos embargos quando verificados os requisitos para a concessão da tutela provisória e desde que a execução já esteja garantida por penhora, depósito ou caução suficientes. (...)

João pediu que os embargos à execução fossem recebidos com efeito suspensivo. Ele demonstrou a relevância dos seus fundamentos e o risco de dano grave de difícil reparação.

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Além disso, João afirmou que o juízo estava garantido. Isso porque ele apresentou, na ação cautelar, um bem como garantia. A controvérsia ficou por conta da garantia. Pode-se considerar, neste caso concreto, que a execução está garantida? O STJ acolheu essa tese invocada por João? SIM.

A caução prestada em ação conexa pode ser aceita como garantia do juízo para a concessão de efeito suspensivo a embargos à execução. STJ. 3ª Turma. REsp 1.743.951-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 06/10/2020 (Info 681).

Como houve caução na ação cautelar e tendo em vista que o débito ali discutido é o mesmo que se cobra na ação de execução, não há por que se determinar que o devedor ofereça nova caução, podendo ser aproveitada a garantia do juízo que já foi prestada na ação conexa (cautelar) para que seja concedido o efeito suspensivo aos embargos à execução.

PRECATÓRIO É imprescritível a pretensão de expedição de novo precatório ou nova RPV, após o

cancelamento de que trata o art. 2º da Lei nº 13.463/2017?

O art. 2º da Lei nº 13.463/2017 previu que “ficam cancelados os precatórios e as RPV federais expedidos e cujos valores não tenham sido levantados pelo credor e estejam depositados há mais de dois anos em instituição financeira oficial.”

O credor poderá requerer a expedição de novo precatório ou nova RPV, na forma do art. 3º da Lei: “cancelado o precatório ou a RPV, poderá ser expedido novo ofício requisitório, a requerimento do credor.”

A Lei nº 13.463/2017 não prevê um prazo para que o interessado formule esse pedido. Isso significa que essa pretensão é imprescritível?

• 1ª corrente: SIM.

É imprescritível a pretensão de expedição de novo precatório ou nova Requisição de Pequeno Valor - RPV, após o cancelamento de que trata o art. 2º da Lei n. 13.463/2017.

A Lei nº 13.463/2017 não previu um prazo prescricional. De acordo com o sistema jurídico brasileiro, nenhum direito perece sem que haja previsão expressa do fenômeno apto a produzir esse resultado. Portanto, não é lícito estabelecer-se, sem lei escrita, ou seja, arbitrariamente, uma causa inopinada de prescrição.

STJ. 1ª Turma. REsp 1.856.498-PE, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 06/10/2020.

• 2ª corrente: NÃO.

A pretensão de expedição de novo precatório ou nova RPV, após o cancelamento de que trata o art. 2º da Lei nº 13.463/2017 prescreve em 5 anos, nos termos do art. 1º do Decreto 20.910/32.

STJ. 2ª Turma. REsp 1.859.409-RN, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 16/06/2020 (Info 675).

Lei nº 13.463/2017 A Lei nº 13.463/2017 tratou sobre os recursos destinados aos pagamentos decorrentes de precatórios e de Requisições de Pequeno Valor (RPV) federais. Veja o que disse o art. 2º:

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Art. 2º Ficam cancelados os precatórios e as RPV federais expedidos e cujos valores não tenham sido levantados pelo credor e estejam depositados há mais de dois anos em instituição financeira oficial. (...) § 3º Será dada ciência do cancelamento de que trata o caput deste artigo ao Presidente do Tribunal respectivo. § 4º O Presidente do Tribunal, após a ciência de que trata o § 3º deste artigo, comunicará o fato ao juízo da execução, que notificará o credor.

A ideia da Lei foi a de que, se o titular não pediu o pagamento do precatório ou da RPV em um prazo de 2 anos, não faz sentido esse recurso ficar contingenciado (“preso”), devendo ele ser utilizado para outras finalidades. Com o cancelamento, isso significa que o titular do precatório ou RPV “perdeu” o crédito ou ele ainda poderá cobrar a quantia? O credor poderá requerer a expedição de novo precatório ou nova RPV, na forma do art. 3º da Lei:

Art. 3º Cancelado o precatório ou a RPV, poderá ser expedido novo ofício requisitório, a requerimento do credor. Parágrafo único. O novo precatório ou a nova RPV conservará a ordem cronológica do requisitório anterior e a remuneração correspondente a todo o período.

A Lei nº 13.463/2017 não prevê um prazo para que o interessado formule esse pedido. Isso significa que essa pretensão é imprescritível? 1ª corrente: SIM

É imprescritível a pretensão de expedição de novo precatório ou nova Requisição de Pequeno Valor - RPV, após o cancelamento de que trata o art. 2º da Lei n. 13.463/2017. STJ. 1ª Turma. REsp 1.856.498-PE, Rel. Min Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 06/10/2020.

2ª corrente: NÃO

O art. 2º da Lei nº 13.463/2017 previu que “ficam cancelados os precatórios e as RPV federais expedidos e cujos valores não tenham sido levantados pelo credor e estejam depositados há mais de dois anos em instituição financeira oficial.” O credor poderá requerer a expedição de novo precatório ou nova RPV, na forma do art. 3º da Lei: “cancelado o precatório ou a RPV, poderá ser expedido novo ofício requisitório, a requerimento do credor.” A Lei nº 13.463/2017 não prevê um prazo para que o interessado formule esse pedido. Isso significa que essa pretensão é imprescritível? Não. A pretensão de expedição de novo precatório ou nova RPV, após o cancelamento de que trata o art. 2º da Lei nº 13.463/2017 prescreve em 5 anos, nos termos do art. 1º do Decreto 20.910/32. STJ. 2ª Turma. REsp 1859409-RN, Rel. Min Mauro Campbell Marques, julgado em 16/06/2020 (Info 675).

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DIREITO PENAL

TEMAS DA PARTE GERAL / CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA A teoria do domínio do fato não permite, isoladamente, que se faça uma acusação pela prática de qualquer crime, eis que a imputação deve ser acompanhada da devida descrição, no plano

fático, do nexo de causalidade entre a conduta e o resultado delituoso

Importante!!!

Caso concreto: a ré, sócia-proprietária da empresa, foi acusada de suprimir, dolosamente, ICMS, no montante de R$ 600 mil, fraudando a fiscalização tributária por meio de inserção de elementos inexatos e omissão de operação em documentos exigidos pela lei fiscal. A imputação foi baseada unicamente na teoria do domínio do fato. Afirmou-se que é autor do delito aquele que detém o domínio da conduta, ou seja, o domínio final da ação. Logo, é autor aquele que decide se o fato delituoso vai acontecer ou não, independentemente dessa pessoa ter ou não realizado a conduta material de inserir elemento inexato em documento exigido pela lei fiscal, por exemplo.

O STJ não concordou com a imputação.

A teoria do domínio do fato funciona como uma ratio, a qual é insuficiente, por si só, para aferir a existência do nexo de causalidade entre o crime e o agente. É equivocado afirmar que um indivíduo é autor porque detém o domínio do fato se, no plano intermediário ligado à realidade, não há nenhuma circunstância que estabeleça o nexo entre sua conduta e o resultado lesivo.

Não há como considerar, com base na teoria do domínio do fato, que a posição de gestor, diretor ou sócio administrador de uma empresa implica a presunção de que houve a participação no delito, se não houver, no plano fático-probatório, alguma circunstância que o vincule à prática delitiva.

Em decorrência disso, também não é correto, no âmbito da imputação da responsabilidade penal, partir da premissa ligada à forma societária, ao número de sócios ou ao porte apresentado pela empresa para se presumir a autoria, sobretudo porque nem sempre as decisões tomadas por gestor de uma sociedade empresária ou pelo empresário individual, - seja ela qual for e de que forma esteja constituída - implicam o absoluto conhecimento e aquiescência com os trâmites burocráticos subjacentes, os quais, não raro, são delegados a terceiros.

STJ. 6ª Turma. REsp 1.854.893-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 08/09/2020 (Info 681).

A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte: Elisa, sócia-proprietária de uma empresa, foi acusada de suprimir, dolosamente, ICMS, no montante de R$ 600 mil, fraudando a fiscalização tributária por meio de inserção de elementos inexatos e omissão de operação em documentos exigidos pela lei fiscal. Logo, foi denunciada pela suposta prática do crime previsto no art. 1º, II, da Lei nº 8.137/90. A imputação foi baseada unicamente na teoria do domínio do fato. O Ministério Público afirmou que é autor do delito aquele que detém o domínio da conduta, ou seja, o domínio final da ação. Logo, é autor do crime aquele que decide se o fato delituoso vai acontecer ou não. Assim, Elisa seria autora do crime porque mesmo não tendo realizado a conduta material de inserir elemento inexato em documento exigido pela lei fiscal, ela tinha domínio sobre a situação e tirou proveito econômico das infrações que beneficiaram a empresa. O STJ concordou com a imputação? NÃO. Vamos entender com calma.

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Autoria O Código Penal prevê que todo aquele que concorre para o crime é considerado autor (art. 29, caput), ainda que a sua participação seja de menor importância (art. 29, § 1º). No entanto, há situações nas quais o intérprete lança mão da teoria do domínio do fato com a finalidade de presumir autoria. Não basta ser administrador para ser punido com base na teoria do domínio do fato O conceito de “domínio do fato” ou “domínio final do fato” não se satisfaz com a simples referência à posição do indivíduo como administrador ou gestor (de fato ou previsto no contrato social da empresa). Em outras palavras, o fato de a pessoa ser administradora da empresa não é motivo, por si só, para que se possa atribuir a responsabilidade penal pela prática de crime tributário. Considerações sobre a teoria do domínio do fato Foi com Hans Welzel, em 1939, que surgiu uma teoria do domínio do fato como critério de delimitação de autoria e que dependeria de dois pressupostos: a) os pessoais, decorrentes da estrutura do tipo, e o b) fático, ligado ao domínio final do fato (o autor seria o senhor da decisão e da execução de sua vontade final). O domínio do fato, em sua concepção, portanto, compunha as espécies de autoria ou coautoria (direta ou mediata). Todavia, é com Claus Roxin que a teoria do domínio do fato ganhou sua expressão mais acabada. Mais do que um aperfeiçoamento, Roxin construiu uma nova teoria do domínio do fato. Enquanto para Welzel a teoria do domínio do fato seria um pressuposto (requisito) material para determinação da autoria, para Roxin essa teoria consistiria em um critério para delimitação do papel do agente na prática delitiva (como autor ou partícipe). Assim, para Roxin, a teoria representou uma forma de distinguir autor de partícipe. Roxin não utilizou a teoria para encontrar responsabilidade penal onde ela não existe. Usou apenas para diferenciar o papel desempenhado por cada agente no delito. Para Roxin, a teoria do domínio do fato se manifestava de três maneiras: a) domínio da ação: nas hipóteses em que o agente realiza, por sua própria pessoa, todos os elementos estruturais do crime (autoria imediata); b) domínio da vontade: na qual um terceiro funciona como instrumento do crime (autoria mediata); e c) domínio funcional do fato: que trata da ação coordenada, com divisão de tarefas, por pelo menos mais uma pessoa. Assim, cada pessoa tem uma “função” no plano criminoso. Essa teoria é insuficiente para se aferir a existência de nexo de causalidade entre o crime o agente Observa-se, portanto, que a teoria do domínio do fato funciona como uma ratio, a qual é insuficiente, por si só, para aferir a existência do nexo de causalidade entre o crime e o agente. É equivocado afirmar que um indivíduo é autor porque detém o domínio do fato se, na prática, não há nenhuma circunstância que estabeleça o nexo entre sua conduta e o resultado lesivo. É necessária a comprovação da existência de um plano delituoso comum ou de alguma contribuição que essa pessoa tenha dado para a ocorrência do fato criminoso. Não há como considerar, com base na teoria do domínio do fato, que a posição de gestor, diretor ou sócio administrador de uma empresa implica a presunção de que houve a participação no delito, se não houver, no plano fático-probatório, alguma circunstância que o vincule à prática delitiva. A teoria do domínio do fato, seja sob a concepção de Welzel, seja sob a de Roxin, não permite, isoladamente, que se faça uma acusação pela prática de crime tributário – aliás, de qualquer crime –, eis que a imputação deve ser acompanhada da devida descrição, no plano fático, do nexo de causalidade entre a conduta e o resultado delituoso. “A teoria do domínio do fato não tem lugar para colmatar a falta de substrato probatório da autoria delitiva” (STF. AP n. 987/MG, Rel. Min. Edson Fachin, DJe 8/3/2019).

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Em decorrência disso, também não é correto, no âmbito da imputação da responsabilidade penal, partir da premissa ligada à forma societária, ao número de sócios ou ao porte apresentado pela empresa para se presumir a autoria, sobretudo porque nem sempre as decisões tomadas por gestor de uma sociedade empresária ou pelo empresário individual, - seja ela qual for e de que forma esteja constituída - implicam o absoluto conhecimento e aquiescência com os trâmites burocráticos subjacentes, os quais, não raro, são delegados a terceiros. Caso concreto O fato de a ré ocupar a posição de administradora da empresa não significa, por si só, que haja concorrido para a prática do delito. A teoria do domínio do fato não serve de fundamento para imputar a autoria se não houver, no plano fático-probatório, alguma circunstância que a vincule à prática delitiva. Segundo os autos, a ré assumiu a propriedade da empresa em virtude do súbito falecimento de seu cônjuge. Norteada pela pouca experiência para a condução dos negócios, delegou as questões tributárias aos gerentes com conhecimento técnico especializado, bem como a empresas de consultoria. Em suma:

A teoria do domínio do fato não permite, isoladamente, que se faça uma acusação pela prática de qualquer crime, eis que a imputação deve ser acompanhada da devida descrição, no plano fático, do nexo de causalidade entre a conduta e o resultado delituoso. STJ. 6ª Turma. REsp 1.854.893-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 08/09/2020 (Info 681).

ESTUPRO DE VULNERÁVEL A irmã de vítima do crime de estupro de vulnerável responde por

conduta omissiva imprópria se assume o papel de garantidora

Importante!!!

Caso concreto: “J” (30 anos) era casado com “M” (20 anos). “J” praticou, durante anos, estupro de vulnerável contra a sua cunhada “L” (criança de 6 anos de idade). “L” era irmã de “M”. Os abusos ocorriam nas vezes em que “L” ia visitar sua irmã. Certo dia, “M” descobriu que os estupros estavam ocorrendo, mas, apesar disso, não tomou qualquer atitude para impedir que as condutas criminosas continuassem. Ao contrário, continuou permitindo que a irmã fosse até a sua casa e que ficasse sozinha na residência com o marido.

“M”, a irmã da vítima, deve responder pelo delito de estupro de vulnerável por omissão imprópria.

Para que uma pessoa responda por um crime omissivo impróprio é preciso que, na situação concreta, ela tivesse o dever legal de agir e, mesmo assim, deixou de atuar, o que acabou auxiliando na produção do resultado delituoso. Existem três hipóteses legais nas quais há esse dever de agir. Essas situações estão previstas nas alíneas do § 2º do art. 13 do CP:

Art. 13 (...) § 2º A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:

a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;

b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;

c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.

Muito embora uma irmã mais velha não possa ser enquadrada na alínea “a” do art. 13, §2º, do CP, pois o mero parentesco não torna penalmente responsável um irmão para com o outro, ela pode, de acordo com o caso concreto, se amoldar à figura do “garantidor”, nos termos previstos nas duas alíneas seguintes “b” e “c”.

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No caso concreto, a acusada omitiu-se, durante anos, quanto aos abusos sexuais praticados pelo seu marido, na residência do casal, contra sua irmã menor. Vale ressaltar que ela assumiu a responsabilidade ao levar a criança para a sua casa sem a companhia da genitora e criou risco da ocorrência do resultado ao não denunciar o agressor, mesmo ciente de suas condutas, bem como ao continuar deixando a menina sozinha em casa.

STJ. 5ª Turma. HC 603.195-PR, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 06/10/2020 (Info 681).

A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte: “J”, homem de 30 anos, era casado com “M”, mulher de 20 anos. “J” praticou, durante anos, estupro de vulnerável contra a sua cunhada “L” (criança de 6 anos de idade). “L” era irmã de “M”. Os abusos ocorriam nas vezes em que “L” ia visitar sua irmã com quem passava alguns fins de semana. Certo dia, “M” descobriu que os estupros estavam ocorrendo. Apesar disso, não tomou qualquer atitude para que as condutas criminosas parassem. Ao contrário, continuou permitindo que a irmã fosse até a sua casa e que ficasse sozinha na residência com o marido. Em tese, “M” cometeu algum crime? SIM. “M”, a irmã da vítima, deve responder pelo delito de estupro de vulnerável por omissão imprópria. Para que uma pessoa responda por um crime omissivo impróprio é preciso que, na situação concreta, ela tivesse o dever legal de agir e, mesmo assim, deixou de atuar, o que acabou auxiliando na produção do resultado delituoso. Existem três hipóteses legais nas quais há esse dever de agir. Essas situações estão previstas nas alíneas do § 2º do art. 13 do CP:

Art. 13 (...) § 2º A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem: a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.

Muito embora uma irmã mais velha não possa ser enquadrada na alínea “a” do art. 13, §2º, do CP, pois o mero parentesco não torna penalmente responsável um irmão para com o outro, ela pode, de acordo com o caso concreto, se amoldar à figura do “garantidor”, nos termos previstos nas duas alíneas seguintes “b” e “c”. No caso concreto, a acusada omitiu-se, durante anos, quanto aos abusos sexuais praticados pelo seu marido, na residência do casal, contra sua irmã menor. Vale ressaltar que ela assumiu a responsabilidade (alínea “b”) ao levar a criança para a sua casa sem a companhia da genitora e criou risco da ocorrência do resultado (alínea “c”) ao não denunciar o agressor, mesmo ciente de suas condutas, bem como ao continuar deixando a menina sozinha em casa. Em suma:

A irmã de vítima do crime de estupro de vulnerável responde por conduta omissiva imprópria se assume o papel de garantidora. STJ. 5ª Turma. HC 603.195-PR, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 06/10/2020 (Info 681).

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LEI DE DROGAS Diante do reiterado descumprimento da jurisprudência das cortes superiores pelo TJSP, o STJ concedeu habeas corpus para fixar o regime aberto a todas as pessoas condenadas no estado

por tráfico privilegiado, com pena de um ano e oito meses.

Caso concreto: DPE/SP impetrou habeas corpus pedindo para que seja determinada a fixação do regime inicial aberto em todos os casos em que houve condenação por tráfico privilegiado (art. 33, §4º da Lei de Drogas) e que a pena tenha sido fixada no mínimo legal na 1ª fase da dosimetria e a pena final não tenha superado 4 anos de reclusão.

A impetrante argumentou existem mais de mil presos que, a despeito da reconhecida prática de crime de tráfico privilegiado, cumprem pena de 1 ano e 8 meses, em regime fechado, com respaldo exclusivo no ultrapassado entendimento de que a conduta caracteriza crime assemelhado a hediondo.

Segundo entendimento consolidado do STF e do STJ, não é considerado hediondo o delito de tráfico de drogas, na modalidade prevista no art. 33, § 4º da Lei nº 11.343/2006. Em 2019, foi editada a Lei nº 13.964/2019, que acrescentou o § 5º ao art. 112 da LEP positivando esse entendimento: Art. 112 (...) § 5º Não se considera hediondo ou equiparado, para os fins deste artigo, o crime de tráfico de drogas previsto no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006.

Quanto ao regime inicial para o cumprimento da pena, é também pacífico o entendimento do STF e do STJ no sentido de que não é possível a fixação de regime de cumprimento de pena fechado ou semiaberto para crime de tráfico privilegiado de drogas sem a devida justificação.

A opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para a imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada (Súmula 718 do STF).

Esses julgados, por força do art. 927, III e V, do CPP, aplicável ao processo penal em razão do art. 3º do CPP, devem ser observados por juízes e tribunais do país, em nome da segurança jurídica, da estabilidade das decisões do Poder Judiciário, da coerência sistêmica e da igualdade de tratamento dos jurisdicionados, que não podem ficar à mercê de interpretações divergentes, sobre questões de cunho eminentemente jurídico.

As diretrizes para individualização da pena e segregação cautelar dos autores de crime de tráfico privilegiado, por decorrerem de precedentes qualificados das Cortes Superiores, devem ser observadas, sempre ressalvada, naturalmente, a eventual indicação de peculiaridades do caso examinado, a permitir distinguir a hipótese em julgamento da que fora decidida nos referidos precedentes.

Diante disso, o STJ concedeu a ordem para que os juízes das varas de execução penal:

• concedam o regime aberto para os presos condenados a 1 ano e 8 meses por tráfico privilegiado (pena mínima) e que estejam em regime fechado.

• reavaliem a situação dos presos condenados por tráfico privilegiado a penas maiores que 1 ano e 8 meses, no entanto, menores do que 4 anos de reclusão.

STJ. 6ª Turma. HC 596.603-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 08/09/2020 (Info 681).

Imagine a seguinte situação: João foi condenado a 1 ano e 8 meses de reclusão por tráfico de drogas privilegiado (art. 33, § 4º da Lei nº 11.343/2006):

Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a

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consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. (...) § 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.

O condenado era primário e as circunstâncias judiciais favoráveis a ele. A despeito disso, o juiz fixou o regime inicial fechado. Como argumento para fixar o regime fechado, o juiz alegou que o crime de tráfico de drogas é muito grave, sendo extremamente nocivo para a sociedade. Além disso, afirmou que, mesmo no caso do § 4º do art. 33, da Lei de Drogas, o crime continua sendo equiparado a hediondo. Logo, sendo hediondo o regime inicial é o fechado. Agiu corretamente o magistrado? NÃO. Existem inúmeras decisões do STF e do STJ em sentido contrário às conclusões expostas pelo juiz nesse caso concreto:

Não é possível a fixação de regime de cumprimento de pena fechado ou semiaberto para crime de tráfico privilegiado de drogas sem a devida justificação. Não se admite a fixação automática do regime fechado ou semiaberto pelo simples fato de ser tráfico de drogas. Não se admite, portanto, que o regime semiaberto tenha sido fixado utilizando-se como único fundamento o fato de ser crime de tráfico, não obstante se tratar de tráfico privilegiado e ser o réu primário, com bons antecedentes. A gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para justificar a fixação do regime mais gravoso. STF. 1ª Turma. HC 163231/SP, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 25/6/2019 (Info 945).

Se o réu, não reincidente, for condenado, por tráfico de drogas, a pena de até 4 anos, e se as circunstâncias judiciais do art. 59 do CP forem positivas (favoráveis), o juiz deverá fixar o regime aberto e deverá conceder a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, preenchidos os requisitos do art. 44 do CP. A gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para justificar a fixação do regime mais gravoso. STF. 1ª Turma. HC 129714/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 11/10/2016 (Info 843). STF. 2ª Turma. HC 133028/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 12/4/2016 (Info 821).

Qual é o regime inicial de cumprimento de pena do réu que for condenado por tráfico de drogas? O art. 2º, § 1º da Lei nº 8.072/90 prevê que o regime inicial deve ser, obrigatoriamente, o fechado. O STF decidiu que esse dispositivo é inconstitucional. O regime inicial nas condenações por crimes hediondos ou equiparados (como é o caso do tráfico de drogas) não tem que ser obrigatoriamente o fechado, podendo ser também o regime semiaberto ou aberto, desde que presentes os requisitos do art. 33, § 2º, alíneas “b” e “c”, do Código Penal. O STJ também adota o entendimento do STF. Assim, é possível a fixação de regime prisional diferente do fechado para o início do cumprimento de pena imposta ao condenado por tráfico de drogas.

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STF. Plenário. ARE 1052700 RG, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 02/11/2017 (repercussão geral). STJ. 3ª Seção. EREsp 1285631-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Junior, julgado em 24/10/2012 (Info 507).

Súmula 718-STF: A opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para a imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada.

Súmula 719-STF: A imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea.

Além disso, há muitos anos, o STF e o STJ já decidiram que:

O chamado “tráfico privilegiado”, previsto no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006 (Lei de Drogas), NÃO deve ser considerado crime equiparado a hediondo. STF. Plenário. HC 118533/MS, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 23/6/2016 (Info 831). STJ. 3ª Seção. Pet 11796-DF, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 23/11/2016 (recurso repetitivo) (Info 595).

Vale ressaltar, inclusive, que, em 2019, foi editada a Lei nº 13.964/2019, que acrescentou o § 5º ao art. 112 da LEP positivando o entendimento acima exposto:

Art. 112 (...) § 5º Não se considera hediondo ou equiparado, para os fins deste artigo, o crime de tráfico de drogas previsto no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006.

Habeas corpus coletivo A despeito do entendimento exposto estar pacificado no STF e no STJ, o Tribunal de Justiça de São Paulo continuava decidindo em sentido contrário, negando o regime aberto para os condenados na situação acima e afirmando que o § 4º do art. 33 da LD seria equiparado a hediondo. Diante disso, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo impetrou habeas corpus coletivo pedindo para que seja determinada a fixação do regime inicial aberto em todos os casos em que houve condenação por tráfico privilegiado (art. 33, §4º da Lei de Drogas) e que a pena tenha sido fixada no mínimo legal na 1ª fase da dosimetria e a pena final não tenha superado 4 anos de reclusão. A impetrante argumentou existem mais de mil presos que, a despeito da reconhecida prática de crime de tráfico privilegiado, cumprem pena de 1 ano e 8 meses, em regime fechado, com respaldo exclusivo no ultrapassado entendimento de que a conduta caracteriza crime assemelhado a hediondo. O STJ concedeu a ordem no habeas corpus? SIM. Os inúmeros julgados acima mencionados, vários deles proferidos pelo Plenário do STF ou pela 3ª Seção do STJ, por força do art. 927, III e V, do CPP, aplicável ao processo penal em razão do art. 3º do CPP, devem ser observados por juízes e tribunais do país, em nome da segurança jurídica, da estabilidade das decisões do Poder Judiciário, da coerência sistêmica e da igualdade de tratamento dos jurisdicionados, que não podem ficar à mercê de interpretações divergentes, sobre questões de cunho eminentemente jurídico:

Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: (...) III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; (...) V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

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As diretrizes para individualização da pena e segregação cautelar dos autores de crime de tráfico privilegiado, por decorrerem de precedentes qualificados das Cortes Superiores, devem ser observadas, sempre ressalvada, naturalmente, a eventual indicação de peculiaridades do caso examinado, a permitir distinguir a hipótese em julgamento da que fora decidida nos referidos precedentes. STJ. 6ª Turma. HC 596.603-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 08/09/2020 (Info 681).

Diante disso, o STJ concedeu a ordem para que os juízes das varas de execução penal: • concedam o regime aberto para os presos condenados a 1 ano e 8 meses por tráfico privilegiado (pena mínima) e que estejam em regime fechado. • reavaliem a situação dos presos condenados por tráfico privilegiado a penas maiores que 1 ano e 8 meses, no entanto, menores do que 4 anos de reclusão.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

COMPETÊNCIA A Justiça do Distrito Federal é a competente para julgar o crime de

falso testemunho praticado em processos sob sua jurisdição

O TJDFT faz parte do Poder Judiciário da União. Mesmo assim, se for praticado falso testemunho em processo que ali tramita, a competência será da Justiça do Distrito Federal (e não da Justiça Federal comum). Isso porque a Justiça do Distrito Federal possui competência para julgar crimes, não havendo interesse direto e específico da União a atrair o art. 109, IV, da CF/88.

STJ. 3ª Seção. CC 166.732-DF, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 14/10/2020 (Info 681).

Imagine a seguinte situação hipotética: João foi convocado para ser testemunha em um processo que tramitava na 1ª Vara de Taguatinga (DF). Ele mentiu durante o depoimento. Isso significa que João praticou o delito de falso testemunho, tipificado no art. 342 do Código Penal:

Art. 342. Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Dúvida sobre a competência Surgiu uma dúvida sobre quem deveria processar e julgar esse crime. Explico o motivo.

• Se João tivesse mentido como testemunha em um processo da Justiça Estadual do Amazonas, ele seria julgado por um Juiz de Direito da Justiça Estadual do Amazonas.

• Se João tivesse faltado com a verdade como testemunha em um processo da Justiça Federal do Amazonas, ele seria julgado por um Juiz Federal da Seção Judiciária do Amazonas.

• Da mesma forma, se João tivesse cometido falso testemunho em processo da Justiça Militar federal, a competência para julgar o crime do art. 346 do CPM seria da Justiça Militar federal.

• Por outro lado, se João tivesse negado a verdade como testemunha em um processo da Justiça do Trabalho, a competência para julgar o crime seria da Justiça Federal comum porque a Justiça do Trabalho é um órgão da União e esse delito teria atentado contra serviço público federal – art. 109, IV, da CF/88 (Súmula 165 do STJ).

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Ocorre que a Justiça do Distrito Federal possui competências de “Justiça Estadual”, mas é organizada e mantida pela União, nos termos do art. 21, XIII, da CF/88:

Art. 21. Compete à União: (...) XIII - organizar e manter o Poder Judiciário, o Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios e a Defensoria Pública dos Territórios;

Em razão dessa natureza híbrida surgiu a dúvida: quem deverá julgar o falso testemunho praticado em processo que tramita na Justiça do Distrito Federal? Será competência da própria Justiça do DF ou da Justiça Federal comum? Justiça do Distrito Federal.

A Justiça do Distrito Federal é a competente para julgar o crime de falso testemunho praticado em processos sob sua jurisdição STJ. 3ª Seção. CC 166.732-DF, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 14/10/2020 (Info 681).

O Poder Judiciário da União é dividido em cinco ramos: 1) Justiça Federal comum; 2) Justiça Eleitoral; 3) Justiça do Trabalho; 4) Justiça Militar; 5) Justiça do Distrito Federal e Territórios.

Assim, não há dúvidas de que o TJDFT faz parte do Poder Judiciário da União. Mesmo assim, se for praticado falso testemunho em processo que ali tramita, a competência será da Justiça do Distrito Federal (e não da Justiça Federal comum). Por que não aplicar para o caso a mesma solução adotada no caso de falso testemunho perante processo trabalhista (Súmula 165 do STJ)? A hipótese do crime de falso testemunho cometido no processo trabalhista diferencia-se nos demais braços do Poder Judiciário da União, pois à Justiça do Trabalho não há outra opção que não seja a de declinar de sua competência, por faltar-lhe jurisdição penal. No caso de falso testemunha perante a Justiça do Distrito Eleitoral não há necessidade declinação porque a Justiça do Distrito Federal possui competência para julgar crimes, não havendo interesse direto e específico da União a atrair o art. 109, IV, da CF/88.

PRISÃO E LIBERDADE Em razão da Covid-19, o STJ determinou a soltura de todos os presos

que tiveram a liberdade provisória condicionada ao pagamento de fiança

Em razão da pandemia de covid-19, concede-se a ordem para a soltura de todos os presos a quem foi deferida liberdade provisória condicionada ao pagamento de fiança e que ainda se encontram submetidos à privação cautelar em razão do não pagamento do valor.

Não se mostra proporcional, neste período de pandemia, a manutenção dos réus na prisão, tão somente em razão do não pagamento da fiança, visto que os casos - notoriamente de menor gravidade – não revelam a excepcionalidade imprescindível para o decreto preventivo.

STJ. 3ª Seção. HC 568.693-ES, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 14/10/2020 (Info 681).

O caso concreto, com adaptações, foi o seguinte: João estava preso preventivamente. O juiz concedeu liberdade provisória a João, mas condicionada ao pagamento de fiança.

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Ocorre que João não possui dinheiro para pagar a fiança e, por isso, continua preso. Assim como ele, existem inúmeros outros presos na mesma situação. A Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo impetrou habeas corpus coletivo argumentando que: - estamos vivendo em um período de pandemia decorrente da covid-19; - existe uma superlotação nos presídios, sendo as unidades prisionais campo fértil para a propagação do novo coronavírus; - logo, não se mostra razoável manter as pessoas presas unicamente porque elas não têm condições financeiras para arcar com o pagamento da fiança. Diante disso, a DPE/ES pediu a soltura de João e de todos os demais presos do Estado que estejam na mesma situação. A DPU interveio nos autos e pediu a extensão do benefício a todos os presos do país cuja liberdade provisória tenha sido condicionada ao pagamento de fiança e que ainda se encontrem custodiados nas penitenciárias. Primeira pergunta: cabe habeas corpus coletivo? SIM. A despeito de não haver previsão legal expressa, tanto o STF como o STJ têm admitido a impetração de habeas corpus coletivo. O primeiro fundamento para isso é encontrado no âmbito supranacional. O art. 25, 1, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San Jose da Costa Rica), garante o emprego de um instrumento processual simples, rápido e efetivo para tutelar a violação de direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição, pela Lei ou pela citada Convenção. Diante dos novos conflitos interpessoais resultantes da sociedade contemporânea (“sociedade de massa”), mostra-se imprescindível um novo arcabouço jurídico processual que abarque a tutela de direitos coletivos, também no âmbito penal. A reunião, em um único processo, de questões que poderiam estar diluídas em centenas de habeas corpus implica economia de tempo, de esforço e de recursos, atendendo, assim, ao crescente desafio de tornar a prestação jurisdicional mais célere e mais eficiente. O habeas corpus consolidou-se como um instrumento para defesa de direito fundamental e, como tal, merece ser explorado em sua total potencialidade. No direito comparado, a Suprema Corte argentina, a despeito de inexistir, naquele país, norma expressa regulando o habeas corpus coletivo, no famoso “Caso Verbitsky”, admitiu o cabimento da ação coletiva contra toda e qualquer situação de agravamento da detenção que importe um trato cruel, desumano ou degradante a um grupo de pessoas afetadas pela atuação arbitrária do Estado. O STJ concordou com o pedido da Defensoria Pública? SIM.

Em razão da Covid-19, o STJ determinou a soltura de todos os presos que tiveram a liberdade provisória condicionada ao pagamento de fiança e que ainda se encontravam submetidos à privação cautelar em razão do não pagamento do valor. Não se mostra proporcional, neste período de pandemia, a manutenção dos réus na prisão, tão somente em razão do não pagamento da fiança, visto que os casos - notoriamente de menor gravidade – não revelam a excepcionalidade imprescindível para o decreto preventivo. STJ. 3ª Seção. HC 568.693-ES, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 14/10/2020 (Info 681).

O Conselho Nacional de Justiça editou a Recomendação nº 62/2020, em que recomenda aos tribunais e magistrados a adoção de medidas preventivas à propagação da infecção pelo novo coronavírus - Covid-19 no âmbito dos sistemas de justiça penal e socioeducativo. A Coordenação do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais no Distrito Federal - IBCCrim/DF emitiu nota técnica na qual se demonstra que, sendo o distanciamento social tomado enquanto a medida mais efetiva

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de prevenção à infecção pela Covid-19, as populações vivendo em aglomerações, como favelas e presídios, mostram-se significativamente mais sujeitas a contrair a doença mesmo se proporcionados equipamentos e insumos de proteção a estes indivíduos. A Organização das Nações Unidas (ONU), por sua vez, admitindo o contexto de maior vulnerabilidade social e individual das pessoas privadas de liberdade em estabelecimentos penais, divulgou, em 31/3/2020, a Nota de Posicionamento - Preparação e respostas à Covid-19 nas prisões. Dentre as análises realizadas, a ONU afirma a possível insuficiência de medidas preventivas à proliferação da Covid-19 nos presídios em que sejam verificadas condições estruturais de alocação de presos e de fornecimento de insumos de higiene pessoal precárias, a exemplo da superlotação prisional. Assim, a ONU recomenda a adoção de medidas alternativas ao cárcere para o enfrentamento dos desafios impostos pela pandemia aos já fragilizados sistemas penitenciários nacionais e à situação de inquestionável vulnerabilidade das populações neles inseridas. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) igualmente afirmou, por meio de sua Resolução n. 1/2020, a necessidade de adoção de medidas alternativas ao cárcere para mitigar os riscos elevados de propagação da Covid-19 no ambiente carcerário, considerando as pessoas privadas de liberdade como mais vulneráveis à infecção pelo novo coronavírus se comparadas àquelas usufruindo de plena liberdade ou sujeitas a medidas restritivas de liberdade alternativas à prisão. Por essas razões, somadas ao reconhecimento, pelo STF, na ADPF 347 MC/DF, de que nosso sistema prisional se encontra em um estado de coisas inconstitucional, é que se faz necessário dar imediato cumprimento às recomendações apresentadas no âmbito nacional e internacional, que preconizam a máxima excepcionalidade das novas ordens de prisão preventiva, inclusive com a fixação de medidas alternativas à prisão, como medida de contenção da pandemia mundialmente causada pelo coronavírus (Covid-19). Nos casos apresentados pela Defensoria Pública, a necessidade da prisão preventiva já foi afastada pelo Juiz singular, haja vista não estarem presentes os requisitos imprescindíveis para sua decretação. Diante de tais casos, o Juiz deliberou pela substituição da prisão preventiva pelo pagamento de fiança. As pessoas, contudo, não foram soltas por não terem condições de pagar. Não se mostra proporcional a manutenção dos investigados na prisão, tão somente em razão do não pagamento da fiança, visto que os casos - notoriamente de menor gravidade - não revelam a excepcionalidade imprescindível para o decreto preventivo. Ademais, o Judiciário não pode se portar como um Poder alheio aos anseios da sociedade, sabe-se do grande impacto financeiro que a pandemia já tem gerado no cenário econômico brasileiro, aumentando a taxa de desemprego e diminuindo ou, até mesmo, extirpando a renda do cidadão brasileiro, o que torna a decisão de condicionar a liberdade provisória ao pagamento de fiança ainda mais irrazoável. Dispositivo do acórdão Ante o exposto, o STJ concedeu a ordem para determinar a soltura, independentemente do pagamento da fiança, em favor de todos aqueles a quem foi concedida liberdade provisória condicionada ao pagamento de fiança e que ainda se encontram submetidos à privação cautelar de liberdade em razão do não pagamento do valor, em todo o território nacional. Nos casos em que impostas outras medidas cautelares diversas e a fiança, fica afastada apenas a fiança, mantendo as demais medidas.

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EXECUÇÃO PENAL (PROGRESSÃO DE REGIME) A progressão de regime do reincidente não específico em crime hediondo ou equiparado com

resultado morte deve observar o que previsto no inciso VI, “a”, do art. 112 da LEP

Importante!!!

Caso concreto: João está cumprindo pena por homicídio qualificado (crime hediondo), cometido em 2019. Vale ressaltar que João é reincidente genérico (não é reincidente específico; ele havia sido condenado anteriormente por receptação, que não é crime hediondo).

Diante disso, a previsão era a de que João tivesse direito à progressão de regime com 3/5 da pena (art. 2º, § 2º, da Lei nº 8.072/90). Ocorre que entrou em vigor a Lei nº 13.964/2019, que revogou o referido art. 2º, § 2º e instituiu novas regras de progressão no art. 112 da LEP.

Em qual inciso do art. 112 se enquadra o réu condenado por crime hediondo, com resultado morte, reincidente não específico (reincidente genérico)?

Essa situação não foi contemplada na lei. Os incisos VII e VIII do art. 112 exigem a reincidência específica.

Diante da ausência de previsão legal, deve-se fazer analogia in bonam partem e a ele deverá ser aplicada a mesma fração do condenado primário, ou seja, a regra do inciso VI, “a”, do art. 112 (50%):

Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos:

VI - 50% (cinquenta por cento) da pena, se o apenado for:

a) condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, com resultado morte, se for primário, vedado o livramento condicional;

Resumindo:

• art. 2º, § 2º, da Lei nº 8.072/90: a fração mais grave deveria ser aplicada tanto ao reincidente específico como genérico. A Lei de Crimes Hediondos não fazia distinção entre a reincidência genérica e a específica para estabelecer o cumprimento de 3/5 da pena para fins de progressão de regime

• incisos VII e VIII do art. 112 da LEP: a fração mais grave só se aplica para o reincidente específico. O condenado pela prática de crime hediondo, com resultado morte, mas reincidente em crime comum irá progredir como se fosse primário.

No exemplo dado, a Lei nº 13.964/2019 foi mais favorável porque o réu progredia com 3/5 (= 60%) e agora a fração é de 50% (art. 112, VI, “a”, da LEP). Logo, ela se aplica, neste ponto, aos fatos ocorridos antes da sua vigência.

STJ. 6ª Turma. HC 581.315-PR, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 06/10/2020 (Info 681).

A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte: João está cumprindo pena por homicídio qualificado (crime hediondo), cometido em 2019. Vale ressaltar que João é reincidente genérico (não é reincidente específico; ele havia sido condenado anteriormente por receptação, que não é crime hediondo). Diante disso, a previsão era a de que João tivesse direito à progressão de regime com 3/5 da pena (art. 2º, § 2º, da Lei nº 8.072/90):

Art. 2º (...) § 2º A progressão de regime, no caso dos condenados pelos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três

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quintos), se reincidente, observado o disposto nos §§ 3º e 4º do art. 112 da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal). Obs: esse dispositivo estava em vigor na época em que João praticou o crime e iniciou o cumprimento da pena, no entanto, ele foi REVOGADO pela Lei nº 13.964, que entrou em vigor no dia 23/01/2020.

Como dito, em 23/01/2020, entrou em vigor a Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime), que revogou o referido art. 2º, § 2º e instituiu novas regras de progressão no art. 112 da LEP. Confira a atual redação do art. 112 da LEP, dada pela Lei nº 13.964/2019:

Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos: I - 16% (dezesseis por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça; II - 20% (vinte por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça; III - 25% (vinte e cinco por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido cometido com violência à pessoa ou grave ameaça; IV - 30% (trinta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido com violência à pessoa ou grave ameaça; V - 40% (quarenta por cento) da pena, se o apenado for condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, se for primário; VI - 50% (cinquenta por cento) da pena, se o apenado for: a) condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, com resultado morte, se for primário, vedado o livramento condicional; b) condenado por exercer o comando, individual ou coletivo, de organização criminosa estruturada para a prática de crime hediondo ou equiparado; ou c) condenado pela prática do crime de constituição de milícia privada; VII - 60% (sessenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado; VIII - 70% (setenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime hediondo ou equiparado com resultado morte, vedado o livramento condicional.

Leia novamente o dispositivo acima e responda: em qual inciso do art. 112 se enquadra o réu condenado por crime hediondo, com resultado morte, reincidente não específico (reincidente genérico)? Essa situação não foi contemplada na lei. E os incisos VII e VIII? Os incisos VII e VIII do art. 112 exigem a reincidência específica (crime hediondo + novo crime hediondo). O que fazer, então? Diante da ausência de previsão legal, deve-se fazer analogia in bonam partem e ao reeducando será aplicada a mesma fração do condenado primário, ou seja, a regra do inciso VI, “a”, do art. 112 (50%):

Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos: VI - 50% (cinquenta por cento) da pena, se o apenado for: a) condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, com resultado morte, se for primário, vedado o livramento condicional; (...)

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Resumindo: • art. 2º, § 2º, da Lei nº 8.072/90: a fração mais grave deveria ser aplicada tanto ao reincidente específico como genérico. A Lei de Crimes Hediondos não fazia distinção entre a reincidência genérica e a específica para estabelecer o cumprimento de 3/5 da pena para fins de progressão de regime • incisos VII e VIII do art. 112 da LEP: a fração mais grave só se aplica para o reincidente específico. O condenado pela prática de crime hediondo, com resultado morte, mas reincidente em crime comum irá progredir como se fosse primário. No exemplo dado, a Lei nº 13.964/2019 foi mais favorável porque o réu progredia com 3/5 (= 60%) e agora a fração é de 50% (art. 112, VI, “a”, da LEP). Logo, ela se aplica, neste ponto, aos fatos ocorridos antes da sua vigência.

A progressão de regime do reincidente não específico em crime hediondo ou equiparado com resultado morte deve observar o que previsto no inciso VI, “a”, do art. 112 da LEP. STJ. 6ª Turma. HC 581.315-PR, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 06/10/2020 (Info 681).

DIREITO TRIBUTÁRIO

CONTRIBUIÇÕES As receitas decorrentes das operações de vendas de mercadorias destinadas à

Zona Franca de Manaus devem ser excluídas da base de cálculo da contribuição previdenciária sobre a receita bruta (CPRB)

A Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta (CPRB) é uma contribuição social, de competência da União, destinada a custear a Previdência Social. Foi instituída pela MP 540/2011, convertida na Lei nº 12.546/2011. Inicialmente, esta Contribuição foi prevista para perdurar até 31/12/2014, mas acabou sendo prorrogada até que, a partir do advento da MP 651/2014, ela se tornou definitiva.

O art. 9º, II, “a”, da Lei nº 12.546/2011 afirma que a receita bruta decorrente de exportações está excluída da base de cálculo da CPRB.

O art. 4º do Decreto-Lei nº 288/1967 diz que, se uma mercadoria é vendida para a Zona Franca de Manaus, isso é como se fosse uma exportação, ou seja, uma venda para o exterior.

Em razão disso, entende-se que as vendas de mercadorias para a Zona Franca de Manaus são alcançadas pela regra do art. 9º, II, da Lei nº 12.546/2011.

Logo, as receitas decorrentes das operações de vendas de mercadorias destinadas à Zona Franca de Manaus devem ser excluídas da base de cálculo da contribuição previdenciária sobre a receita bruta (CPRB).

STJ. 1ª Turma. REsp 1.579.967-RS, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 08/09/2020 (Info 681).

CPRB A Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta (CPRB) é uma contribuição social, de competência da União, destinada a custear a Previdência Social. Foi instituída pela MP 540/2011, convertida na Lei nº 12.546/2011. Inicialmente, esta Contribuição foi prevista para perdurar até 31/12/2014, mas acabou sendo prorrogada até que, a partir do advento da MP 651/2014, ela se tornou definitiva.

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Receita bruta decorrente de exportações é excluída da CPRB O art. 9º, II, “a”, da Lei nº 12.546/2011 afirma que a receita bruta decorrente de exportações está excluída da base de cálculo da CPRB:

Art. 9º Para fins do disposto nos arts. 7º e 8º desta Lei: (...) II - exclui-se da base de cálculo das contribuições a receita bruta: a) de exportações; e (...)

Zona Franca de Manaus (ZFM) A Amazônia é uma região de enorme relevância para o Brasil e o mundo em razão de sua biodiversidade. Em razão disso, existe uma grande pressão interna e até estrangeira para que essa área seja preservada. O Governo Federal chegou à conclusão de que precisava tomar medidas para evitar que a Floresta Amazônica fosse devastada. No entanto, ao mesmo tempo, seria necessário garantir que a população que vive na região tivesse uma alternativa econômica, ou seja, pudesse trabalhar e ter renda sem precisar desmatar. Diante desse cenário, decidiu-se que seria interessante criar um polo industrial em Manaus, capital do Amazonas, a fim de permitir que as pessoas tivessem emprego e não precisassem explorar, de forma desordenada, os recursos naturais existentes principalmente no interior no Estado. Ocorre que Manaus é distante dos grandes centros consumidores do Brasil (exs: SP, RJ, MG), de sorte que não havia motivos econômicos que justificassem uma indústria decidir se instalar no Amazonas. Para o setor industrial, seria muito mais vantajoso se manter nos Estados do centro-sul do país. Nesse contexto, o Governo Federal percebeu que seria indispensável fomentar a instalação das indústrias no Amazonas. Para fazer isso, mostrou-se imprescindível conceder incentivos fiscais, ou seja, a isenção ou redução drástica de impostos. Assim, quando uma indústria estivesse decidindo onde ficaria a sua unidade produtiva, poderia escolher se instalar em Manaus, já que, estando lá, pagaria menos impostos. Desse modo, em 1957, foi editada a Lei nº 3.273/57 criando uma zona franca na cidade de Manaus. Os incentivos, contudo, ainda eram muito restritos e não surtiram tanto efeito prático. Dez anos mais tarde, o Governo Federal publicou o Decreto-Lei nº 288/1967 ampliando bastante o modelo e estabelecendo que a Zona Franca de Manaus seria uma área de livre comércio. Veja o art. 1º:

Art. 1º A Zona Franca de Manaus é uma área de livre comércio de importação e exportação e de incentivos fiscais especiais, estabelecida com a finalidade de criar no interior da Amazônia um centro industrial, comercial e agropecuário dotado de condições econômicas que permitam seu desenvolvimento, em face dos fatores locais e da grande distância, a que se encontram, os centros consumidores de seus produtos.

As indústrias que se instalam na Zona Franca de Manaus gozam de incentivos fiscais, como a isenção total ou parcial de alguns impostos e contribuições federais, como é o caso do IPI, do imposto de importação, do imposto de renda e do PIS/PASEP. Conforme já expliquei, essa Zona Franca foi criada com o objetivo de levar o desenvolvimento para a Amazônia, fomentando a formação de um centro industrial e comercial na região. Com isso, os habitantes da localidade possuem alternativas econômicas para não precisarem utilizar, de forma devastadora, os recursos ambientais. Mercadoria vendida para a Zona Franca é considerado exportação O art. 4º do Decreto-Lei nº 288/1967, recepcionado expressamente pelo art. 40 do ADCT, e o art. 506 do Decreto nº 6.759/2009 dizem que se uma mercadoria é vendida para a Zona Franca de Manaus isso é como se fosse uma exportação, ou seja, uma venda para o exterior. Confira:

DL 288/1967 (regula a ZFM)

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Art. 4º A exportação de mercadorias de origem nacional para consumo ou industrialização na Zona Franca de Manaus, ou reexportação para o estrangeiro, será para todos os efeitos fiscais, constantes da legislação em vigor, equivalente a uma exportação brasileira para o estrangeiro.

Decreto nº 6.759/2009 (regulamenta a administração das atividades aduaneiras) Art. 506. A remessa de mercadorias de origem nacional para consumo ou industrialização na Zona Franca de Manaus, ou posterior exportação, será, para efeitos fiscais, equivalente a uma exportação brasileira para o exterior (Decreto-Lei nº 288, de 1967, art. 4º).

Assim, a venda de mercadorias para empresas situadas na Zona Franca de Manaus equivale, para efeitos fiscais, à exportação de produto brasileiro para o exterior. Em razão disso, entende-se que as vendas de mercadorias para a Zona Franca de Manaus são alcançadas pela regra do art. 9º, II, da Lei nº 12.546/2011. Ante o exposto:

As receitas decorrentes das operações de vendas de mercadorias destinadas à Zona Franca de Manaus devem ser excluídas da base de cálculo da contribuição previdenciária sobre a receita bruta (CPRB). STJ. 1ª Turma. REsp 1.579.967-RS, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 08/09/2020 (Info 681).

EXERCÍCIOS Julgue os itens a seguir: 1) Para a incidência da exceção à impenhorabilidade do bem de família, prevista no art. 3º, VI, da Lei n.

8.009/1990, não é necessário que a sentença penal condenatória tenha transitado em julgado. ( ) 2) Nos contratos de mútuo imobiliário com pacto adjeto de alienação fiduciária, com a entrada em vigor da

Lei nº 13.465/2017, não se admite a purgação da mora após a consolidação da propriedade em favor do credor fiduciário, sendo assegurado ao devedor fiduciante tão somente o exercício do direito de preferência. ( )

3) É ilegal/teratológica a prisão civil do devedor de alimentos, sob o regime fechado, no período de pandemia, anterior ou posterior à Lei nº 14.010/2020. ( )

4) É possível a decretação de prisão civil do devedor de alimentos devidos em razão da prática de ato ilícito. ( ) 5) É obrigatória a devolução de veículo considerado inadequado ao uso após a restituição do preço pelo

fornecedor no cumprimento de sentença prolatada em ação redibitória. ( ) 6) A operadora de plano de saúde não é obrigada a custear o procedimento de fertilização in vitro associado

ao tratamento de endometriose profunda. ( ) 7) A assinatura do sacador/emitente da duplicata é requisito que pode ser suprido por outro meio. ( ) 8) A validade dos atos executivos realizados no bojo das execuções individuais, no interregno em que a

decisão de deferimento do processamento da recuperação judicial encontra-se sobrestada ou mesmo reformada (porém, sujeita a revisão por instância judicial superior), fica condicionada à confirmação, por provimento judicial final, de que o empresário, de fato, não fazia jus ao deferimento do processamento de sua recuperação judicial. ( )

9) O cômputo do período de dois anos de exercício da atividade econômica, para fins de recuperação judicial, nos termos do art. 48 da Lei 11.101/2005, aplicável ao produtor rural, inclui aquele anterior ao registro do empreendedor. ( )

10) (Delegado PC/BA 2018 VUNESP) Poderá requerer a recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades empresariais pelo período mínimo de seis meses. ( )

11) São devidos os honorários de sucumbência ao procurador que não participou de acordo firmado entre as partes, realizado e homologado antes do trânsito em julgado da sentença que fixou tal verba. ( )

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12) O fato de estar caracterizada a sucumbência recíproca não afasta a condenação das partes litigantes ao pagamento de honorários de sucumbência. ( )

13) A caução prestada em ação conexa pode ser aceita como garantia do juízo para a concessão de efeito suspensivo a embargos à execução. ( )

14) A teoria do domínio do fato não permite, isoladamente, que se faça uma acusação pela prática de qualquer crime, eis que a imputação deve ser acompanhada da devida descrição, no plano fático, do nexo de causalidade entre a conduta e o resultado delituoso. ( )

15) A irmã de vítima do crime de estupro de vulnerável responde por conduta omissiva imprópria se assume o papel de garantidora. ( )

16) As diretrizes para individualização da pena e segregação cautelar dos autores de crime de tráfico privilegiado, por decorrerem de precedentes qualificados das Cortes Superiores, devem ser observadas, sempre ressalvada, naturalmente, a eventual indicação de peculiaridades do caso examinado, a permitir distinguir a hipótese em julgamento da que fora decidida nos referidos precedentes. ( )

17) A Justiça Federal comum é a competente para julgar o crime de falso testemunho praticado em processos sob sua jurisdição. ( )

18) Em razão da Covid-19, o STJ determinou a soltura de todos os presos que tiveram a liberdade provisória condicionada ao pagamento de fiança e que ainda se encontravam submetidos à privação cautelar em razão do não pagamento do valor. ( )

19) A progressão de regime do reincidente não específico em crime hediondo ou equiparado com resultado morte deve observar o que previsto no inciso VI, “a”, do art. 112 da LEP. ( )

20) As receitas decorrentes das operações de vendas de mercadorias destinadas à Zona Franca de Manaus devem ser excluídas da base de cálculo da contribuição previdenciária sobre a receita bruta (CPRB). ( )

Gabarito

1. E 2. C 3. C 4. E 5. C 6. C 7. C 8. C 9. C 10. E

11. C 12. C 13. C 14. C 15. C 16. C 17. E 18. C 19. C 20. C