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No centro das atenções Campo Grande recebe a quinta edição do FESTCAMP, que traz para as ruas e palcos da capital espetáculos de teatro de diversas partes do país, e inclui pela primeira vez uma atração internacional. Confira nesta edição críticas dos primeiros espetáculos realizados, e um panorama do evento. Espetáculo ‘Conversa pra mais de metro’ Foto de Amanda Amaral Espetáculo ‘A saga do sertão da farinha podre’ Foto de Lucas Pellicioni Espetáculo ‘In conserto’ Foto de Daniel Lacraia

Informativo FESTCAMP 2011 - 1

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Primeiro informativo da 5º edição do Festival Nacional de Teatro de Campo Grande. Produzido por alunos do curso de Jornalismo da UFMS em outubro de 2011

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No centro das atenções

Campo Grande recebe a quinta edição do FESTCAMP, que traz para as ruas e palcos da capital espetáculos de teatro de diversas partes do país, e inclui pela primeira vez uma atração internacional.

Confira nesta edição críticas dos primeiros espetáculos realizados, e um panorama do evento.

Espetáculo ‘Conversa pra mais de metro’Foto de Amanda Amaral

Espetáculo ‘A saga do sertão da farinha podre’Foto de Lucas Pellicioni

Espetáculo ‘In conserto’Foto de Daniel Lacraia

Alunos do Curso de Jornalismo da UFMS estão realiando a cobertura jornalística do V FESTCAMP (Festival Nacional de Teatro de Campo Grande). Coordenados pelo professor Silvio Costa Pereira e pela jornalista Ana Carla Pimenta, os acadêmicos - distribuídos em grupos - acompanham todas as atividades do Festival, produzindo textos, fotos e vídeos. Todo material está sendo publicado no blog do Festival (www.festcamp.blogspot.com) e também nas duas edições deste Informativo do Festival.

Estas atividades proporcio-nam aos alunos o aprendizado e ex-periência na cobertura de eventos,

COBERTURA FEITA POR ALUNOS DA UFMS

o que inclui técnicas de entrevistas, redação e fotografia de espetáculos. Durante o Festival, eles estarão em contato com críticos de teatro, pro-dutores culturais, atores e público, vivenciando a prática do jornalismo cultural.

Autoridades prestigiam aberturaA quinta edição do Festival

Nacional de Teatro de Campo Gran-de – FESTCAMP – teve início no último sábado (15) e segue até o próximo domingo, 23 de outubro. A abertura oficial do Festival ocorreu às 20 horas no Teatro Glauce Ro-cha.

Estiveram presentes na soleni-

dade de abertura autoridades ligadas ao setor de cultura, como Américo Calheiros, presidente da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul e Ricardo Maia, representante da Fundação Municipal de Cultura.

Um representante da Caixa Econô-mica Federal, patrocinador do FES-TCAMP, além do público, também prestigiaram o evento.

Após a cerimônia de abertura houve apresentação do espetáculo Esparrela, monólogo do Grupo Tea-tral Bigorna, de João Pessoa/PB.

No período da tarde, antes

mesmo da abertura oficial, houve apresentação de A Saga do Sertão da Farinha Podre, espetáculo en-cenado na Praça do Rádio Clube pelo coletivo Teatro de Margem, de Uberlândia/MG.

Essa edição do FESTCAMP conta com a participação de compa-nhias de teatro de Campo Grande, Dourados, São Paulo, Rio de Janei-ro, Brasília, Minas Gerais, Goiânia. E pela primeira vez recebe uma companhia internacional, de Lima, no Peru.

O Festival que tradicional-

Informativo do FESTCAMP é uma publicação do Festival de Teatro de Campo Grande, com textos críticos elaborados por Narciso Laranjeira Telles da Silva e Walter Lima Torres, e com conteúdo jornalístico feito por alunos do Curso de Jornalismo da UFMS, sob coordenação do professor Silvio da Costa Pereira (MTb/SC-00881-JP)Editoração Eletrônica: Ronaldo Braga Magalhães.Comissão organizadora do FESTCAMP: Anderson Lima, Espedito Di Montebranco e Marineide Cervigne.Impressão: Lazuli Gráfica e EditoraCampo Grande - outubro/2011

mente ocorria no mês de agosto foi adiado para o mês de outubro. De acordo com Anderson Lima, da comissão organizadora do even-to, a data foi alterada para que não coincidisse com as festividades do aniversário de Campo Grande e também para que estivesse perto da semana da criança.

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Revolvendo a memória e ascendendo às consciênciasPor Walter Lima Torres

O Coletivo da Margem (CTM) de Uberlândia, liderado e dirigido por Narciso Telles, trouxe ao FES-TCAP a sua primeira incursão pelo universo do teatro de rua. Trata-se de um espetáculo arrojado que na sua forma faz apelo a matrizes po-pulares da nossa cultura onde se mesclam a assimilação do importa-do e a cultura religiosa. As alusões ao popular estão desde os figurinos com suas cabeças-caveiras-de-boi até a malhação do Judas; o compor-tamento do bloco do sujo; o Trenzi-nho do Caipira de Villa Lobos; etc.

Quanto à narrativa propria-mente, o coletivo se atém ao frag-mento, onde cada momento da ação cênica transcorre de maneira autô-noma, entre as partes, num espaço específico dentro da Praça do Ra-dio, no coração da cidade.

O ponto de partida do es-petáculo é a apresentação de uma versão para peça de Sófocles, An-tígona, anunciada pelo “bloco de sujo” com suas faces cobertas por máscaras de carnaval. O verdadei-ro rosto do ator é revelado quando os mesmos retiram a mascara e se apresentam, informando seu nome e o personagem que irá representar ao tomar parte na adaptação da peça grega. E nesse exercício de revela-ção da própria identidade de cada integrante, e por que não dizer da revelação da precariedade desses improvisadores-fazedores de teatro, eles informam ainda os seus núme-ros de CPF. Essa atitude revela uma espécie de reivindicação ao fato de que o ato teatral também é um ato de cidadania, que combate a tirania e revela as desigualdades. E neste caso, brevemente, a tirania é repre-

sentada por Creonte, o “ditador” que se opõem aos rituais de sepulta-mento para o corpo de Polinices realizados por Antígona.

Logo depois será substituído por um outro tirano. A “Tia” traveca, imperialista e ariana, calçando coturnos e de chicote na mão, com visual Dzi-Croquete, que se põem a sufocar o arcaico, dando inicio ao seu circo pós-brega com direito a desfile de moças selecio-nadas onde o outro, o diferente, não tem lugar e é excluído.

Esta ação cênica inicial, re-alizada pelo Coletivo da Margem (CTM), a qual não deixa de tradu-zir um conflito, é só uma espécie de apresentação dos conflitos que se desdobrarão, sempre de forma alegórica incitando o transeunte de-savisado a refletir sobre sua própria condição de oprimido pelas mais diversas manifestações de controle exercidas, sobretudo pelas “figuras utópicas que representam a cidade ideal”, como não deixa de afirmar a sinopse do espetáculo.

O Coletivo da Margem (CTM) parece ter elaborado sua prévia pes-quisa de campo, para realização do espetáculo, entorno dos problemas existenciais e dos conflitos sociais atinentes à própria cidade de Uber-lândia, entretanto percebe-se que o “sertão da farinha podre”, e, sobretu-do “a farinha podre”, pode estar por toda parte espraiada, por diversas cidades. E o pior é que nem sempre conseguimos enxergar essas violên-cias perpetradas pela manifestação do poder e da ordem, e sem querer

somos até coniventes na nossa alie-nação involuntária. Essas violências ganham formatos edulcorados, pe-rucas louras, modos subliminares, para manifestarem ainda hoje com indelével desfaçatez a violência da exclusão. Sobretudo se pensarmos as relações sedimentadas pelo prin-cípio do “homem cordial” enraiza-da nas nossas relações sociais. E nesse sentido, de forma alegórica o Coletivo da Margem (CTM) abor-da o preconceito racial; a violência contra as mulheres; a tirania dos de-tentores do poder; a necessidade de criarmos santos e mitos, et.

Grande parte do teatro rea-lizado nos anos 1960 e 1970, no Brasil, esteve dedicada a manifes-tar o seu protesto contra um regi-me ditatorial, totalitário que havia suprimido as instancias de debate público e a liberdade de expressão do cidadão. Hoje as regras do jogo parecem ter mudado e respiramos ares democráticos, e o cidadão nun-ca teve tantos meios de expressão à sua mão. Porém em nossas cidades, em nosso país e pelo mundo afora persiste o conflito entre valores ar-caicos e valores contemporâneos. Há um choque cultural permanente. Esse choque pode ser percebido ao dobrarmos a esquina de qualquer ci-dade brasileira, aonde vamos trope-çando nessas realidades, que apesar

de suas mazelas estão repletas de memórias e poesia.

Essa memória e essa poesia é que nos foi sugerida pelo trabalho do Coletivo da Margem (CTM) que alude sem afirmar, que indica sem determinar, pois ao optar por ima-gens metafóricas convida o tran-seunte espectador a meditar sobre seu próprio comportamento e as re-lações numa sociedade contempo-rânea que se teatraliza, ela própria, mascarando as relações de poder e afetividade, para não citarmos ou-tras esferas relacionais.

É emblemática a ação cênica numa das cenas finais, a da cantiga popular infantil sobre Terezinha de Jesus e seus três Cavalheiros. Res-significando o sentido da canção, o Coletivo da Margem (CTM) chama atenção para violência silenciada pela moral e pelo peso do ambiente social. E ainda operando com o prin-cipio alegórico, os “Judas” de um “Sábado de Aleluia” que estão pen-durados pelas árvores da Praça do Rádio, personificam, neste momen-to a “perdida” Terezinha. Trata-se da personificação de um princípio, o do feminino; a personificação de uma idéia, a idéia do Outro: que três vezes é violentado e ultrajado indo ao chão; a mulher que três vezes é castigada por Pai, Irmão e Marido; a voz que três vezes é silenciada, pela família e por aquele terceiro, a quem a Terezinha da cantiga não teve outra escolha senão também lhe dar mão.

Foto: Carolina Fasolo - JOR/UFMS

A palhaçaria com seus (tre)jeitos e espaçosPor Narciso Telles

Na segunda-feira (17) o dia no FESTCAMP foi dedicado à arte do Palhaço. Dois dos mais importantes grupos cariocas apresentaram seus espetáculos trazendo a relação en-tre a tradição e contemporaneidade desta arte para a Praça do Rádio e o palco do Teatro Glauce Rocha.

A palhaçaria, antes restrita ao universo do picadeiro circense, há muito tem ocupado outros espaços e adentrado nas diferentes linguagens artísticas, indo do cinema mudo ao teatro contemporâneo. A peque-na máscara vermelha tem ganhado configurações diversas pela prática dos coletivos cincenses-teatrais que localizam suas pesquisas no resgate das tradições circenses ou as redi-mensionam para um diálogo com a cena contemporânea. Seja qual for a escolha, o importante é a presença do riso, da gargalhada, da poesia e humor que aqui se faz presente.

Na Praça do Rádio Clube:

Café Pequeno e Psiu, do Grupo Off-Sina instaurou a tradi-ção da dramaturgia de picadeiro, dos char-latões ou vendedores mambembes que per-corriram o Brasil ofe-recendo a preços po-pulares medicamentos e ervas milagrosas. Abriam sua mala e começam seu traba-lho. Assim é a presen-ça de Café Pequeno e Psiu: um banco, uma mala [ohh!!!], aberta sempre com a partici-pação da platéia, e o espetáculo acontece.

O jogo cômico

no espaço aberto, precisa “sentir a cidade”, pois se apresenta ao tran-seunte sob a tensão entre uma co-erência interna do espaço urbano e a possibilidade de emersão de ten-dências espontâneas nestes modos de apreensão. O palhaço [de rua] não está ‘protegido’ pela estrutura e práticas sociais que o teatro [es-paço arquitetônico] nos oferece. No espaço aberto as interferências são múltiplas e em certos momentos aterradoras, tanto pela inércia do público em relação ao jogo, quanto a força de presença da população de rua que cria suas próprias regras de participação. A cidade contemporâ-nea se constitui como o local desti-nado às mazelas do sistema, ou seja, àquela parcela da população excluí-da do avanço do capital global e da lógica de consumo capitalista.

Neste sentido, o artista que toma a cidade como objeto/espaço de trabalho/criação tem por objeti-

vo, uma dupla relação com a cidade: de um lado expor as formas de vida da cidade em seu aspecto imaginá-rio, e de outro reconquistar a coesão social por sua intervenção artística. Reinstaura-se a reaproximação en-tre arte e vida.

E é na tradição do picadeiro que esta aproximação se estabelece. Café Pequeno inicia seu trabalho criando entre ele e os espectadores uma relação mais horizontal, mais próxima e fundamental para a se-qüência de situações ou gags apre-sentadas no decorrer do espetáculo. Um entra e sai de espectadores nos variados números colocam o pa-lhaço sempre em uma situação de risco, pois como a comicidade está centrada nesta relação é o próprio espectador, sem saber, é que re-cria o espetáculo a cada momento. O fi-gura palhaço ai fica entre um mestre de cerimônia que amplia o ridículo presente na natureza humana [pú-

blico] e o próprio palhaço que se expõe, que se revela tanto em seu aspecto grosseiro como lírico.

Café Pequeno e Psiu tem per-corrido diversas cidades brasileiras, e aporta em Campo Grande com a firmeza de quem já possui, não so-mente o domínio, mas o entendi-mento da arte de rua, dos artistas mambembes e populares que ven-dem ‘seu peixe’ atrás do seu ‘ganha pão’, e isto Café Pequeno, como tão Grande Otelo, sabe fazer muito bem.

No palco do Teatro Glauce Rocha:

O Teatro de Anônimo, um dos mais conhecidos grupos cariocas de palhaços e palhaças, trouxe ao palco do Teatro Glauce Rocha seu espetáculo In Conserto. Trata-se de um encontro [ou desencontro] de três Palhaços – Seu Flor, Buscapé e Prego – para realizar um Grande

Fotos: Daniel Lacraia - JOR/UFMS

A palhaçaria com seus (tre)jeitos e espaçosConserto para o público presente. Daí tudo pode acontecer: da dificul-dade de subir na cadeira até a morte dos apitos até finalmente assistir-mos o grande conserto de acordeon e trompetes.

O In Conserto promovido pelo Anômino, na verdade foi de gargalhadas. Com a matu-ridade artística conqu i s t ada por muito tra-balho sobre a arte do riso, e digo isto por-que os conhe-ço deste Cura-Tul, o trio nos apresenta também uma sequência de gags da tradi-ção clownesca, com uma pita-da bem carioca de humor, vis-to a bandeira do Flamengo, para delírio de uns e indigna-ção de outros.

Este espetáculo criado a partir do Encontro do Anônimo com o pa-lhaço Nani Colombaioni, um mes-tre desta arte, já tem uma trajetória de seucesso nacional e internacio-nal que podemos verificar pelo jogo estabelecido entre os palhaços e o público e no domínio técnico dos números.

Algumas gags poderiam ter seu tempo um pouco mais disten-dido, por exemplo, o momento que a palhaça Buscapé passa diante dos outros dois palhaços agonizando pela perfuração do guarda-chuva,

Palhaços alegram a terceira noite

A terceira noite do 5º FES-TCAMP foi marcada pelo riso, provocado pelo grupo Teatro de Anônimo, do Rio de Janeiro, com o espetáculo “In Conserto”. A companhia tem mais de 20 anos e

foca na comicidade dos palhaços como forma de atingir e entreter o público. Com música e muita in-teração com a platéia, a apresen-tação terminou aplaudida de pé pelo público presente ao Teatro.

A bióloga Stéfany, 22, enal-teceu a iniciativa do espetáculo. “Quase nunca tem nada e quando tem, é sempre bom”. Ela também comentou sobre o preço das en-tradas serem bem acessíveis. “A população tem que aproveitar mais”, diz Stéfany.

Geraldo Saldanha, 19, ator do Grupo de Teatro Independen-te Desnudos Del Nombre e estu-dante de Artes Cênicas da UEMS (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul), disse ter “cur-

tido” a peça principalmen-te por ser composta de palhaços, área do teatro que ele se identifi-ca e pratica.

Já o pe-queno Pedro M o n t e b r a n -co, 10, afirma que mesmo com a pouca idade costuma acompanhar as peças de teatro e classificou o espetáculo como sendo “legal”.

D e p o i s da apresenta-ção, em papo descontraído no camarim, os atores do

Teatro de Anônimo Shirley Brit-to, Fábio Freitas e João Carlos Artigos falaram de suas impres-sões a respeito do FESTCAMP e da receptividade do público. Se-gundo Artigos, esse tipo de Festi-val deveria ser política de Estado tamanha sua importância na for-mação cultural do indivíduo. “O contato com a arte é fundamental na formação e na percepção de mundo das pessoas, sejam elas garis ou economistas”, destaca o ator.

poderia retornar mais uma vez an-tes de revelar o jogo. Produzindo um momento de estranhamento e depois o efeito cômico da revelação do truque. Como também o clímax da Grande Ópera, numero de ini-cio do espetáculo. O trio cômico ao

longo do espetáculo alterna entre os tipos clássicos da clownaria: branco e augusto proporcionando uma va-riação interessante para o especta-dor na criação do efeito cômico, ou mesmo acontece nas intervenções com o público, realizadas sempre em momentos precisos e no tempo certo.

Nada tira o mérito e o brilho do Teatro de Anônimo [gritos histé-ricos] e seu In Conserto, e graças a eles, a arte do Palhaço no Brasil tem ganhado terreno e respeito nacional e internacional.

O urubu...a corda... e o atorPor Narciso Telles

No momento em que a cena contemporânea apresenta uma mul-tiplicidades de relações entre o tea-tro e as demais manifestações artís-ticas e coloca a noção de presença cênica, como a relação mediada pelo corpo do ator diante do espectador, em questão. O espetáculo Esparrela encenado pelo Grupo Bigorna, re-coloca para mim a pergunta: o que é necessário para se fazer teatro? Ou melhor: o que se apresenta como uma possível característica primeira do fenômeno teatral?

Um ator, um tambor, uma bela narrativa e um tapete (?). Dian-te destes elementos, propostos pelo espetáculo, podemos acionar con-ceitos como: o teatro essencial de Denise Stocklos, o teatro vivo de Peter Brook, o teatro pobre de Gro-tovski, ou simplesmente o TEATRO no que há de mais comunicativo.

Ao acompanhar a história de Arquimedes, uns destes inúmeros urubus que povoam os céus dos ser-tões brasileiros, e de seu adestrador Manoel, sou conduzido a lugares, povoados e ações de demarcam o espaço ficcional da narrativa e des-

velam a condição animal de Arqui-medes. Aqui como, na metáfora de Leonardo Boff, sobre a condição da águia e da galinha, a corda aparece com símbolo da condição humana, a prisão, o elo que uni o urubu e seu adestrador.

Desvelando o mundo dos ho-mens e toda a sua crueza, a morte também é condição de vida na narra-tiva apresentada. Nos familiares de Manoel, assassinados em incêndio criminoso e no próprio adestrador que, picado por uma cobra, espera em agonia a morte chegar. Como diz Manoel de Barros ‘no alto da árvore mais próxima, antes mesmo do bicho [o adestradorManoel] en-comendar, urubu já discuti, em as-sembléia com os primos, quem que vai no olho, quem que vai no ânus.’ Arquimedes vai no olho, devora-o, depois a perna, no ritual antropofá-gico, corta a corda. Em última aná-lise, é a morte que possibilita que Arquimedes alcance sua liberdade.

A liberdade, em Esparrela, se materializa na condição de voar, de ver o mundo de outra forma, de uma nova condição.

Do ponto de vista da encena-

ção, o trabalho está centrado na instauração da presença do a t o r - p e r s o n a -gens-nar rador em sua condição primeira, física, corpórea-vocal, sem artíficios ou elementos de es-petacularidade que possam ne-voar nosso olhar-ouvido, diante de jogo e da narra-tiva. A opção de colocar o públi-co no palco bem próximo ao ator cria um grau de intimidade com a cena, proporcionando momentos de uma ‘quase’ entrada dos membros da audiência no espaço ficcional, ou seja, não espectadores, mas cúmpli-ces das confissões de Arquimedes, ou mesmo, urubus que se preparam para também saborear a carniça. Além do ator, o único elemento pre-sente em cena, já que o tapete ocu-par um lugar de marcação espacial é o tambor. Sua função é modular a narrativa, modificar ritmos e an-damentos do texto. Fora o tambor Esparrela também utiliza músicas gravadas, o que durante a encena-ção funciona em alguns momentos e em outros são desnecessárias, pois a própria palavra já conduz os es-pectadores para os momentos de at-mosferas ‘dramáticas’. A luz é um elemento da encenação que produz espetacularidade, especialmente nos momentos em que o foco está fechado no ator, intensificando a narrativa e a jogo interpretação.

O grande mérito do espetácu-lo Esparrela está na força do traba-lho atoral e na qualidade com que é apresentado. Numa narrativa densa, volumosa como a história que as-sistimos, é a presença do ator, com toda a sua maturidade artística e de vida que dinamiza a força motriz do teatro. Acompanhamos atentos a instauração do fenômeno, cremos no jogo e juntos o teatro assumi seu lugar e seus riscos.

Riscos como a rapidez e a pro-jeção da voz na entrada do persona-gem e da narrativa, que dificulta a percepção do espectador no inicio do da função. Como utilização do tambor, que poderia ser mais impre-visível para o público, quase algo inesperado, e como momentos de pausa, breves, onde possamos criar nossos adestradores para depois de-vorarmos e voarmos...Voar, ação finalizadora da função. E novamente me lembro de Manoel [o poeta]: ‘como eles [os urubus], sobre as pedras, eu cato restumes de estrelas. É muito casto o res-tume’.

Foto: Daniel Lacraia - JOR/UFMS

Um pouco de históriaO FESTCAMP foi criado e é

organizado por Espedito Di Mon-tebranco e Anderson Lima, com apoio de Marineide Cervigne.

Ao longo dos primeiros quatro anos contou com mais de 56 mil espectadores prestigiando os 80 espetáculos exibidos.

O 1º FESTCAMP, realiza-do em 2007, teve 14.300 espec-tadores, 17 grupos teatrais e 17 espetáculos. Em 2008, o 2º FEST-

CAMP teve 15.769 espectadores, 17 grupos de teatro e 19 espetá-culos, além de oito workshops. O 3º FESTCAMP, aconteceu em 2009 e contou com 11.230 es-pectadores, 16 grupos de teatro, 16 espetáculos, uma conferência e duas oficinas. Em 2010, o 4º FESTCAMP contou com a pre-sença de 14.710 espectadores, 20 grupos de teatro, 28 espetáculos e três oficinas.

Dentinho e a mágica do lúdicoPor Walter Lima Torres

Desde o titulo de sua apre-sentação, Raba da Cabra, Dentinho propõem uma inversão. Não se tra-ta propriamente de um palíndromo. Um palíndromo seria a propriedade atribuída a leitura tanto da direita para a esquerda, quanto da esquerda para a direita de uma palavra ou de um grupo de palavras, ou até mes-mo de uma frase completa.

As letras estão penduradas na tampa da mala que Dentinho encontra. As letras descolaram da mala que, possivelmente, pertencia a um mágico que, distraidamente, a esqueceu em algum lugar da coxia, e da qual Dentinho se apropriou. E para passar o tempo, Dentinho pro-cura realizar os números de mágica que acabam sendo improvisados à leitura do “manual do mágico” e à medida que Dentinho encontra os objetos dos números de magia.

Para realizar seus números, todo mágico precisa de um assisten-te, e não será diferente com o apren-

diz de feiticeiro, o “Mágico-Denti-nho”. E é aí que entra em campo a artimanha do Palhaço que, metido a mágico, realiza melhor em dupla ou em conjunto, aquilo que não conse-gue fazer sozinho, isto é, lembrar às crianças que elas são crianças, lem-brar aos adultos que ainda é possí-vel brincar.

E é aí, nesta inversão de re-lação com a platéia, que Dentinho

propõem uma outra lógica para este espetáculo. Pois, via de regra, todo espetáculo de palhaço se organiza dentro de uma sucessão de núme-ros, desempenhados com maior ou menor destreza, com maior ou me-nor eficiência, com a finalidade de promover o riso. Nestes casos o es-pectador se defronta com a vonta-de do palhaço em tentar alcançar o

inalcançável ou se vê confrontado, por meio de uma triangularização, às situações absurdas vividas entre dois palhaços.

Dentinho promove o lúdico em lugar do cômico. A ilustração, da situação absurda que faz o especta-dor normalmente rir, dá lugar a uma experiência orientada e dirigida por Dentinho que seleciona e convida os espectadores mirins e adultos para jogar e atuarem sob a sua batuta. O restante dos espectadores participa incentivando com seus aplausos a coragem daqueles, que mais ou me-nos inibidos e envergonhados, se arriscam, se expõem, ao atenderem o apelo do “Mágico Dentinho”. E a brincadeira dá tão certo, que tudo é feito sem nenhuma palavra. Ou melhor, talvez uma... Abracadabra! Que quando é descoberta, e escri-ta corretamente sobre a tampa da mala, como num passe de mágica, a apresentação se termina tão leve e rápido como começara.

Foto: Carolina Fasolo - JOR/UFMS

Campo Grande sedia o 5º FESTCAMPEm 2011, o FESTCAMP (Fes-

tival Nacional de Teatro de Campo Grande) apresenta sua 5ª edição. O evento vem se tornando referência em Mato Grosso do Sul, no Brasil e em outros países. Com a proposta de se tornar um festival internacio-nal, já agrega espetáculos e oficinas internacionais.

O FESTCAMP busca oportu-nizar apresentações teatrais de todos os cantos do Brasil, favorecendo a amostragem e a discussão teatral, abrangendo todas as linguagens das artes cênicas com foco no teatro, dança teatro, teatro de animação, bonecos e formas animadas, rua, cir-

co, palhaços, comédia de picadeiro e formas alternativas, palco italia-no e congêneres, a fim de ampliar o acesso ao público fortalecendo a democratização à arte teatral, bem como incentivo à produção teatral regional.

Este ano a coordenação inova seu formato substituindo os tradi-cionais debates, por uma atividade teórica desenvolvida pelos críticos teatrais Walter Torres e Narciso Tel-les. Além disso, lança pela primeira durante o Festival um jornal com informações e críticas dos espetá-culos.

Na programação de 2011 tem espetáculos de dança, palhaçaria, drama e mágica, concebidos para formatos tradicional, alternativo e rua. O 5º FESTCAMP é constituído por 20 companhias vindas de cinco estados brasileiros, além de Mato Grosso do Sul e da cidade de Lima (Peru), totalizando 26 apresenta-ções que tomarão os palcos, praça e escola, além da lona do Festival, na Praça do Rádio Clube, com apre-sentações a preços populares e ses-sões gratuitas.

O 5º FESTCAMP oferece também discussões e oficinas de capacitação gratuitas, contribuindo

assim, na formação artística sulma-togrossense.

O evento tem patrocínio da Fundação de Cultura e Governo do Estado de MS, do FIC-MS (Fundo de Investimentos Culturais de MS), do Governo Federal/Funarte (Prê-mio de Apoio a Festivais de Teatro-2010) e da Caixa Econômica Fede-ral (Caixa Cultural)

O que é um teatro de tese?O Grupo Identidade Teatral

apresenta no FESTCAMP uma peça cujo tema e os personagens são mui-to oportunos para se problematizar e se refletir sobre nossa realidade social e política. Entretanto, dado ao grau de maturidade artística e de intimidade com a formulação de um texto teatral, o Grupo Identidade e o autor do texto ficam muito preso, primeiro a um modelo dramatúrgico que é a peça de tese, e, em segun-do lugar, prisioneiros de uma certa concepção realista da cena que só contribui para exacerbar as carac-terísticas menos satisfatórias e inte-ressantes desta escola dramatúrgica. Isso não quer dizer que o texto e o trabalho dos atores não sejam efi-cientes e não cumpram, satisfatoria-mente, em termos comunicacionais o que se quer dizer. Porém, o traba-lho pode ser aperfeiçoado, ganhar densidade e o jogo dos atores vir a ser mais nuançado.

O olhar do grupo para nossa realidade é justo e correto. Aliais, muito bem vindo. As intenções do autor do texto, que são as melhores, também são pertinentes. Esse olhar e essa intenção refletem a percepção dos abusos perpetrados por políti-cos e dos desajustes sociais existen-tes na sociedade brasileira. Porém, para se escrever uma ficção, e mais precisamente uma dramaturgia, seja no formato que for, é necessário um pouco mais do que uma boa idéia na cabeça e de atores talentosos e dis-poníveis sobre palco.

No caso de “Conversa prá mais de metro” o título da peça já sinaliza a “tagarelice” tão pertinente ao dito teatro de tese, matriz drama-túrgica à qual a peça do Grupo Iden-tidade se filia, talvez sem sabê-lo. De toda forma, o autor de “Conver-sa prá mais de metro” está na com-panhia de um grupo de dramaturgos

seletos que também tiveram suas incursões pelo teatro de tese, porém essa produção, infelizmente, não foi o seu melhor legado.

O dito teatro de tese teria por finalidade sistematizar e injetar no formato teatral convencional uma mensagem didática. Por mensagem didática compreende-se um conte-údo imaginado, aprioristicamente, anterior a formulação da dramatur-gia e da encenação. Um teatro que tem por objetivo instruir o público, um teatro que convida o espectador a uma reflexão sobre um problema, examinando-se esse problema, mais profundamente, por meio de uma si-tuação que é apresentada dramatica-mente. Entretanto, nos dias de hoje apesar desse formato ser pouco, ou quase nada, explorado pela drama-turgia produzida na atualidade, ele é sempre um modelo interessante para o aprendizado da própria dra-maturgia, da sua carpintaria teatral, dos seus códigos e das suas conven-ções.

Em geral, o teatro de tese de-monstra, exatamente, como diz seu nome, uma tese, seja ela filosófica, política, moral; e por meio desta dra-matização procura conquistar a ade-são do espectador, isto é, convencer o público de que sua tese está cor-reta, e assim sendo, os espectado-res podem formar um juízo objetivo sobre determinada questão. Filiam-se em algu-ma medida, graças ao seu desejo de discussão de pro-blemas sociais atinentes às suas épocas algumas obras de autores, desde Alexan-dre Dumas Filho com sua “A Dama das Camélias” até Henrik Ibsen com sua “Casa de Bonecas”, passando por nomes como Bernard Shaw e Máximo Gorki, entre ou-

tros.Uma das qualidades ao mes-

mo tempo positiva e negativa desse teatro de tese é exatamente o fluxo de um diálogo muitas vezes tagarela demais, como é o caso de “Conver-sa prá mais de metro”.

O drama rigoroso como foi se definindo ao longo da tradição oci-dental, resumidamente, poderia ser reduzido ao conflito inter-subjetivo entre identidades ficcionais. Isso é exatamente o que ocorre em “Con-versa pra mais de metro” porém de forma muito ilustrativa, ou muito explícita, sem contornos psicológi-cos que possam dar maiores densi-dades ao embate ideológico entre o político corrupto e o preso comum. A situação dramática de partida é excelente, porém o desenvolvimen-to desse conflito ideológico é frágil, se não for ingênuo, marcado por um excesso de didatismo que procura mostrar, por si, cada um dos perso-nagens, ao invés de nos apresenta-los segundo um jogo dialético en-tre proposições distintas acerca de determinados assuntos e as contra-dições passíveis de serem geradas desde esse próprio fluxo. Cada per-sonagem é uma visão de mundo. E cada personagem quer alguma coi-sa e é movido por algo que lhe faz agir.

Um bom texto brasileiro para se estudar o fluxo dialético da ação, do ponto de vista do diálogo se-ria, por exemplo, o texto de Plínio Marcos, “Dois perdidos numa noi-te suja” ou até mesmo “Barrela”, neste caso pela própria situação de semelhança na questão da reclusão dos personagens. Ou ainda qualquer texto de Anton Tchékov, dado ao seu aspecto existencial que caracterizam seus personagens. E ainda um texto como “Os fuzis da Senhora Carrar” de Bertold Brecht para que se obser-ve a tomada de posição, a mudança de atitude de um personagem diante das circunstancias que lhe cercam.

Porque é ao fluxo do diálogo que deve estar ajustada uma ação dramática consistente que se reali-zará, completamente, ao término da representação. Momento inexistente em “Conversa prá mais de metro”, visto que na despedida, depois dos oito anos passados juntos atrás das grades, os personagens resolvem manter a mesma conversa que já se prolongara pelo tempo da detenção. Ora, a necessidade compulsiva de falar é do personagem do político ou é do autor propriamente dito, na tentativa de passar a sua mensa-gem? Ao longo desses anos de re-clusão, que transformações podem ser percebidas no caráter dessas

personagens? O que mudou em suas intimidades? Apesar de sa-bermos que o personagem não é uma pessoa, é um ser ficcional.

“Conversa prá mais de metro” apresenta uma exce-lente situação de partida, um ajustado projeto de critica so-cial, que deve ser aprofundado e aperfeiçoado pelo estudo da dramaturgia. Certamente esse estudo reverberá em ajustes que só aperfeiçoarão a excelência da iniciativa do Grupo Identidade.

Por Walter Lima Torres Foto: Amanda Amaral - JOR/UFMS