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infor MES Circular Interna do Movimento Esquerda Socialista Restrito aos militantes do MES Especial Acampamento Internacional de Juventude Antiimperialista e Anticapitalista O ano de 2013 inicia com uma série de desafios para a juventude do MES e do Juntos!. Em 10 dias estaremos no I Acampamento Internacional da Juventude Anticapitalista e Antiimperialista que ocorrerá em Buenos Aires. Será um importante espaço de trocas de experiências, formação política e construção de lutas conjuntas. Essa excelente iniciativa está mobilizando jovens do mundo inteiro. E nós, do Brasil, estamos fazendo um grande esforço para estar à altura da tarefa que está colocada. Para isso estamos lançando a primeira circular formativa de preparação para o Acampamento. Nosso intuito é preparar os militantes para esse encontro. Portanto, este será um instrumento de reflexão e formação sobre temas atuais que estarão presentes nos debates em Buenos Aires. Este será o primeiro número de três que sairão até nossa viagem. Aqui você encontrará textos mais densos sobre a nossa história, sobre os desafios que estão postos para nossa corrente e para o Juntos e textos com atualizações sobre as diferentes conjunturas e lutas dos países. Breve informe do Comitê Executivo da IV Internacional (SU) A IV Internacional fundada em 1938 por Leon Trotsky e um punhado de seus camaradas cumpriu, ao longo das últimas décadas, o papel essencial de manter, pelo menos no interior de uma vanguarda militante organizada que aderiu ou se relaciona com suas fileiras, o fio de continuidade com a obra de Marx e de Lênin, em suma, com o marxismo revolucionário e suas conquistas programáticas expressas em inúmeros documentos, em particular no manifesto comunista e nos quatro primeiros congressos da III Internacional. No mundo todo, militantes que reivindicam a obra de Trotsky, cuja IV Internacional foi, segundo ele mesmo, a mais importante, estão nas primeiras filas das lutas e das organizações da classe trabalhadora e da juventude em sua luta contra o capitalismo e suas injustiças. Entre as características deste fio de continuidade encontrasse a defesa do internacionalismo e de sua expressão mais avançada que é a construção do partido mundial da revolução socialista. Este internacionalismo sem dúvida tem sido o maior mérito do movimento trotskista, malgrado suas divisões e equívocos inevitáveis diante do prolongado isolamento e da perseguição que sofreu ao longo da história, perseguição levada a cabo de modo mais pesado pelo nazismo e pelo stalinismo, mas não apenas, já que também os regimes contrarevolucionários de modo geral têm entre seus alvos o movimento trotskista e as democracias burguesas sempre que podem restringem seus espaços. Esta é a base objetiva para que algumas organizações que se reivindicam trotskistas tenham se mantido marginais na luta de classes e na prática se convertido em seitas de propaganda. Algumas delas são casos perdidos para a construção de uma verdadeira organização mundial. No processo de construção de uma organização revolucionária temos total claridade que faz-se necessário unir os militantes ao redor de um programa de ação anticapitalista e antiburocrático e de transição ao socialismo, não exigindo a unidade ao redor da reivindicação do trotskismo como movimento. Assim, uma organização revolucionária pode reunir não apenas trotskistas, mas também os militantes vindos dos PCs, das distintas organizações da classe trabalhadora, ou apenas da obra de Gramsci, de Rosa Luxemburgo e até mesmo os que se reivindicam maoísta, entre outros. Com esta idéia surgiu o MÊS, em 1999. Mesmo tendo orgulho de ser parte da tradição do trotskismo, ainda que não tenha esta reivindicação como critério de adesão, nosso objetivo é contribuir no processo de

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Circular do Movimento Esquerda Socialista (MES)

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inforMESCircular Interna do Movimento Esquerda SocialistaRestrito aos militantes do MES

Especial Acampamento Internacional de Juventude Antiimperialista e Anticapitalista

O ano de 2013 inicia com uma série de desafios para a juventude do MES e do Juntos!. Em 10 dias estaremos no I Acampamento Internacional da Juventude Anticapitalista e Antiimperialista que ocorrerá em Buenos Aires. Será um importante espaço de trocas de experiências, formação política e construção de lutas conjuntas. Essa excelente iniciativa está mobilizando jovens do mundo inteiro. E nós, do Brasil, estamos fazendo um grande esforço para estar à altura da tarefa que está colocada.

Para isso estamos lançando a primeira circular formativa de preparação para o Acampamento. Nosso intuito é preparar os militantes para esse encontro. Portanto, este será um instrumento de reflexão e formação sobre temas atuais que estarão presentes nos debates em Buenos Aires. Este será o primeiro número de três que sairão até nossa viagem. Aqui você encontrará textos mais densos sobre a nossa história, sobre os desafios que estão postos para nossa corrente e para o Juntos e textos com atualizações sobre as diferentes conjunturas e lutas dos países.

Breve informe do Comitê Executivo da IV Internacional (SU)

A IV Internacional fundada em 1938 por Leon Trotsky e um punhado de seus camaradas cumpriu, ao longo das últimas décadas, o papel essencial de manter, pelo menos no interior de uma vanguarda militante organizada que aderiu ou se relaciona com suas fileiras, o fio de continuidade com a obra de Marx e de Lênin, em suma, com o marxismo revolucionário e suas conquistas programáticas expressas em inúmeros documentos, em particular no manifesto comunista e nos quatro primeiros congressos da III Internacional. No mundo todo, militantes que reivindicam a obra de Trotsky, cuja IV Internacional foi, segundo ele mesmo, a mais importante, estão nas primeiras filas das lutas e das organizações da classe trabalhadora e da juventude em sua luta contra o capitalismo e suas injustiças.

Entre as características deste fio de continuidade encontrasse a defesa do internacionalismo e de sua expressão mais avançada que é a construção do partido mundial da revolução socialista. Este internacionalismo sem dúvida tem sido o maior mérito do movimento trotskista, malgrado suas divisões e equívocos inevitáveis diante do prolongado isolamento e da perseguição que sofreu ao longo da história, perseguição levada a cabo de modo mais pesado pelo nazismo e pelo stalinismo, mas

n ã o a p e n a s , j á q u e t a m b é m o s r e g i m e s contrarevolucionários de modo geral têm entre seus alvos o movimento trotskista e as democracias burguesas sempre que podem restringem seus espaços. Esta é a base objetiva para que algumas organizações que se reivindicam trotskistas tenham se mantido marginais na luta de classes e na prática se convertido em seitas de propaganda. Algumas delas são casos perdidos para a construção de uma verdadeira organização mundial.

No processo de construção de uma organização revolucionária temos total claridade que faz-se necessário unir os militantes ao redor de um programa de ação anticapitalista e antiburocrático e de transição ao socialismo, não exigindo a unidade ao redor da reivindicação do trotskismo como movimento. Assim, uma organização revolucionária pode reunir não apenas trotskistas, mas também os militantes vindos dos PCs, das distintas organizações da classe trabalhadora, ou apenas da obra de Gramsci, de Rosa Luxemburgo e até mesmo os que se reivindicam maoísta, entre outros. Com esta idéia surgiu o MÊS, em 1999. Mesmo tendo orgulho de ser parte da tradição do trotskismo, ainda que não tenha esta reivindicação como critério de adesão, nosso objet ivo é contr ibuir no processo de

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reagrupamento das forças revolucionárias dispersas. A explosão do stalinismo como aparato ao redor de Moscou e a crise das distintas variantes da socialdemocracia – e sua defesa do capita l - colocaram esta tarefa de reagrupamento na ordem do dia já há alguns anos.

Alguns movimentos internacionais contribuíram nesta perspectiva internacionalista, mas não a levaram adiante. Assim tivemos a realização de Fóruns Sociais Mundiais e a proposta de Hugo Chavez de construção de uma V Internacional, infelizmente logo abandonada. Quanto aos Fóruns, o peso do reformismo em seu interior foi lhes esvaziando de conteúdo e força. Depois de alguns anos buscando avançar em nossas relações com inúmeras articulações, tanto no âmbito dos fóruns sociais mundiais quanto no âmbito do bolivarianismo, e ainda, é claro, com outras forças trotskistas, percebemos que um reagrupamento internacional realmente amplo como necessitamos não é ainda possível. È preciso que mais forças revolucionárias se desenvolvam (entre as quais o PSOL) – e o novo período ou etapa histórica aberta a partir de 2007 empurram nesta direção – para um avanço mais substancial desta tarefa. Enquanto isso é necessário ir acumulando forças. Neste sentido nos aproximamos da corrente com a qual temos a maior coincidência e que se coloca de modo mais claro igualmente o desafio do reagrupamento internacional. Por isso buscamos a corrente que chamamos sempre de Secretariado Unificado – uma das frações que se constituiu na primeira grande divisão da IV, em 1953, e que até hoje se mantém ativa e reúne a maior parte das forças do trotskismo europeu, além de sessões em várias partes do mundo. É a reunião da direção desta organização, realizada no início de março, em Amsterdã, que passamos a relatar.

O Comitê Executivo do Secretariado Unificado da IV Internacional (agora aqui chamado simplesmente de IV) reúne-se uma vez por ano. Pela segunda vez nossa corrente participou da reunião. O MÊS e o MST também representaram nossos trabalhos na Venezuela e no Peru, que não puderam comparecer. A reunião contou com a participação de inúmeras organizações nacionais, partidos e grupos. Algumas, muito pequenas, praticamente grupos de propaganda, com dez ou quinze militantes, como é o caso da Noruega e da Holanda; outras, embora também pequenas, têm maior inserção, como a organização da Suécia, com cerca de 250 militantes. Mas a representação existente nos países do norte da Europa mostra que a IV tem extensão incomparavelmente superior às organizações que tiveram sempre seu eixo na América Latina, seja a LIT, seja nossa própria corrente. Os países presentes, além dos já citados, eram: Dinamarca, Bélgica, França, Itália, Espanha, País Basco, Portugal, Suíça, Inglaterra, México, Marrocos, Argélia, Croácia, a Tunísia com a Liga Operária, a Alemanha (esta dividida em dois grupos, ambos pequenos), Japão (um pequeno grupo que senti que nem eles atribuem importância), Kokkino, grupo grego que é

observador permanente da IV e o Partido dos Trabalhadores do Paquistão (organização com a qual nos relacionamos desde 2003, com a ida de Luciana Genro e Pedro Fuentes no Congresso deles em Lahore). É notório igualmente que nossa corrente é muito superior às organizações da IV na América Latina.

O debate começou com um informe sobre a situação da revolução árabe. Como sabem nossos quadros, este acordo de valorização sobre as revoluções iniciadas em 2011 foi nosso ponto de confluência mais importante com a IV e razão a partir da qual avançamos na discussão com esta organização mundial e no pedimos para integrar-nos nela. O informe ficou por conta de Gilbert Achar e mais uma vez manifestou uma posição correta, que compartimos em nossas análises e políticas. Expressou o apoio à revolução popular na Síria, criticando os campistas de todos os tipos que seguem vacilando no apoio à revolução ou se colocando diretamente ao lado da ditadura assassina. No caso da Síria apontou as dificuldades e o caráter trágico do processo já que os massacres promovidos pelo Exercito Sírio continuam, com mais de 500 mil refugiados nos países vizinhos. Mas em linhas gerais apontou que o processo revolucionário árabe não foi detido, particularmente no Egito e na Tunísia. Dois anos depois, segue a revolução.

No ponto seguinte, de debate sobre a situação mundial de conjunto, ficou pouco refletido a discussão sobre a revolução no norte da África. Chechi, representante do MST, apresentou o texto que teve seu rascunho elaborado por Pedro Fuentes e que discutimos e enriquecemos muito numa reunião em Buenos Aires, em setembro último. Aqui vale duas observações: a primeira, a debilidade revelada pelo fato de que numa reunião de tanta representatividade, a direção da IV não tenha apresentado um texto, mesmo que curto, balizando o debate. Limitaram-se a um informe oral. A segunda observação é a boa atitude de ter chamado para usar a palavra a companheiros – no caso nós – que apresentaram um texto global.

Neste ponto, embora tenhamos um importante acordo de que a crise econômica não tem perspectiva de solução a curto nem a médio prazos, tendendo a acompanhar a situação mundial pelos próximos anos, de que tal fato seguirá provocando cada vez mais graves contradições e lutas sociais, as intervenções de muitos dirigentes da IV apontavam mais as dificuldades da situação objetiva, sobretudo assinalando as dificuldades da situação francesa, onde, segundo os companheiros, há seis anos que o movimento de massas não consegue obter sequer conquistas parciais em suas lutas, o que tem provocado um atraso na consciência. Ao mesmo tempo, corretamente, e o que é o mais importante, afirmavam a necessidade das seções se prepararem, em particular na Europa, para maiores confrontos de classes. Dizemos que foram intervenções dos principais dirigentes da IV porque de fato, de modo visível, os franceses são de longe os que têm mais peso na direção, são os que tem mais autoridade

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na condução e na elaboração, embora tenham também quadros históricos em vários países, de tradição militante, como o representante do País Basco, que vez parte do ETA- VI Assembléia, agrupamento que se incorporou na IV depois do ascenso dos anos de 68, além dos portugueses, como Francisco Louça, que hoje é a principal expressão política e intelectual do Bloco de Esquerda em Portugal e dos dirigentes britânicos, velha guarda com formação trotskista clássica ao estilo de Bill Hunter que conhecemos na velha LIT com Moreno.

Sobre a situação francesa é preciso tecer algumas considerações que nos remetem ao que tem ocorrido com o principal trabalho nacional da IV, a seção que sempre foi seu carro chefe e exemplo. Os dirigentes franceses afirmaram que há na França um reconhecimento social da ação dos revolucionários por parte do movimento de massas mas não um reconhecimento político. Estas intervenções, sobretudo vindas de François Sábado e de Alain Krivine, buscavam, segundo nossa compreensão, consciente ou inconscientemente, justificar as dificuldades e a crise do NPA. E a situação do NPA, como não podia deixar de ser, na verdade perpassou todo o Comitê Executivo e se mostrou o mais importante fator de limitação e de dificuldades da IV.

O NPA sofreu recentemente uma divisão. Tendo sido fundado em 2009, com a participação de 9000 militantes, seu congresso seguinte, em 2011, reuniu 6000 mil membros e o ultimo, agora, em 2013, por volta de 2000 mil militantes. Uma redução brutal em cada dois anos. Os dirigentes franceses apontaram, como assinalamos acima, as dificuldades objetivas da situação francesa, embora tenham reconhecido também erros de direção política. Além dos dirigentes da maioria do NPA, estavam na reunião representantes que recentemente romperam com o partido. Um pouco antes do Congresso de 2013 ocorreu uma cisão importante, com a ruptura de cerca de 400 militantes que se organizavam internamente na tendência chamada Gauche Anticapitalista (antes, em 2009, uma tendência já havia rompido e aderido à Frente de Esquerda, coalizão formada naquele mesmo ano comandada pelo Partido Comunista e pelo Partido de Esquerda de Mélenchon, uma ruptura do PS). A nova tendência seguiu o mesmo caminho agora. Entre os seus aderentes há muitos – não sabemos se a maioria – que seguem se reivindicando da IV e entre eles há os que, como Catherine Samary e Michael Lowy ( este um intelectual brasileiro-francês muito conhecido entre nós e a primeira, presente na reunião, uma antiga militante, fundadora da Liga e especialista na ex-Iugoslávia). Os dois estão na condição de militantes tanto da tendência que rompeu quanto do NPA, uma dupla militância. São dados globalmente, sem dúvida, de muito impacto. Para se compreender um pouco a dimensão da crise, e suas razões, pelo menos segundo nossa reflexão, é necessário dizer que nas últimas eleições presidências, a de 2012, Melenchon, candidato presidencial da Frente

Esquerda, foi a expressão real do voto da população francesa que queria uma alternativa de esquerda, conquistando quase 4 milhões de votos, um pouco mais de 11%, enquanto o NPA lançou seu candidato, um dirigente operário chamado Philippe Poutou, que obteve um pouco mais de 1%., cerca de 400 mil votos. Em si mesmo, este fato nos diz pouco. Ocorre que as forças que constituíram o NPA nas duas eleições presidências anteriores tiveram um candidato anti-capitalista. Na verdade a força, já que basicamente foi a LCR, a Liga, que deu a base orgânica do NPA.

Em 2002, na primeira campanha presidencial de Olivier Besancenot, um quadro político da base sindical da Liga, conquistou 4,25%, mais de 1.200.000 votos. Na campanha seguinte, em 2007, novamente Besancenot foi candidato e conquistou 4,08%, quase um milhão e quinhentos mil votos. A partir deste resultado a Liga chamou a constituição de um novo partido anticapitalista, tratando de capitalizar e incorporar na militância política permanente os milhares de ativistas que se incorporaram na campanha. Daí surgiu o NPA. Foi uma linha correta, mas com algumas decisões no mínimo controversas – como a própria dissolução da Liga como estrutura militante autônoma para formar os organismo do próprio NPA – e outros medidas certamente incorretas, como aceitar no interior do novo partido pequenos grupos de orientação sectária e claramente entristas ( como o PTS, grupo de origem argentina, que não sei o nome na França e que no Brasil não milita no PSOL).

O grave problema é que Olivier Besancenot, no Congresso de 2011, o Congresso posterior à fundação do NPA decidiu que não se apresentaria mais, não colocaria seu nome a disposição como candidato presidencial para as eleições seguintes, justamente as de 2012. De 2009 em diante, com tal decisão, evidentemente o espaço para o crescimento da Frente de Esquerda e de Melenchon ficou aberto. Logo se confirmaria. Assim, as tendências que já existiam na fundação do novo partido, de defesa de alianças com a Frente de Esquerda, inevitavelmente se fortaleceriam. E o NPA deixou um vazio político. O surgimento da Gauche de Esquerda no interior do NPA se explica neste contexto. Sua ruptura igualmente, já que, apesar da recusa de Besancenot de sair candidato, o NPA manteve sua posição de lançar candidato próprio e não apoiar a Frente de Esquerda, que apareceu como a oposição de esquerda aos planos da direita e da socialdemocracia.

Sabemos que a Frente de Esquerda não é uma coalizão anticapitalista nem muito menos revolucionária. Sua direção é reformista e tem até algumas posições políticas reacionários, como a que defende a vitória dos soldados franceses no Mali, mas sua ligação com as lutas da classe trabalhadora existe com maior ou menor intensidade e seus líderes aparecem como referência da esquerda. Aparecem de modo suficientemente claro para atrair centenas de militantes do próprio NPA, da velha Liga e milhões de eleitores que até ontem votavam em Besancenot. Assim, é muito provável que diante do

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abstencionismo de Besancenot a melhor tática eleitoral fosse mesmo a participação eleitoral e o apoio ao candidato da Frente de Esquerda. Foi isso que levou até mesmo um forte setor do NPA – que depois rompeu formalmente – a defender o candidato da Frente de Esquerda. Sua ruptura teve, então, um forte e razoável conteúdo político, mas sem dúvida sua decisão mostrou uma falta de compromisso com o NPA, em termos partidários, por ora, a única possibilidade de se construir um partido revolucionário com influencia de massas na França.

Infelizmente, nos informes da maioria da direção atual do NPA estes problemas não foram postos desta forma. Cuidadosamente tratamos de intervir dizendo que a decisão deste companheiro ( Besancenot) de não se apresentar impedia de se fazer um balanço real sobre o espaço da esquerda anticapitalista na França. Sua apresentação como candidato certamente provocaria uma situação objetiva diferente. Em seguida François Sábado usou a palavra para mostrar esta realidade, o que permitiu também um debate mais realista sobre a situação. Não se debateu, porém, que a própria decisão de Besancenot de não se apresentar como candidato presidencial reflete no interior do NPA as pressões por uma concepção horizontalista da política revolucionária. Soma-se a isso o fato de que no interior do NPA há ainda cerca de 40% que fazem oposição à linha da atual maioria, dirigida por Sábado e seus partidários. O positivo é que há pelo menos uma maioria que tem uma direção experiente e capaz a sua frente, expressa pelo próprio companheiro Sábado e Alain Krivine.

O ponto seguinte discutiu a orientação de construção acerca dos partidos amplos, da relação que deve ter as seções da IV com estes processos, etc. Não vou relatar o debate ( todos poderão ter acesso aos textos que prepararam a discussão, me poupando de expor as idéias dos mesmos neste informe). Apenas quero chamar a atenção para duas questões: primeiro o caráter excessivamente abstrato do debate, sem uma maior descrição das experiências concretas que estão sendo feitas. Segundo, a ausência de um balanço realmente bem feito sobre o Brasil, sobre a experiência do PT, o que dificulta o debate sobre esta orientação tendo em vista o total fracasso da DS, no início dos anos 2000, uma das maiores organizações filiadas à IV. Soube que no Comitê Executivo anterior foi apresentado um texto escrito por João Machado que é útil para que a IV avance neste debate e neste balanço, mas que não toca numa questão essencial, na chave do fracasso da DS, a saber: a ausência de uma definição correta do lulismo como corrente burocrática cristalizada, expressão da social democracia e incompatível com a revolução. Esta ausência de caracterização, ou até mesmo as caracterizações que apontavam as possibilidades do avanço do lulismo, levaram a DS, desde 1980, a formular a estratégia de lutar no interior do PT para transformar este partido em um partido revolucionário. Sabemos hoje que quem se

adaptou e se converteu numa corrente reformista foi a própria DS.

Nossa corrente, como todos sabem, teve outra armação, cujo alicerce foi dado por Nahuel Moreno, e por esta razão esteve na linha de frente da ruptura com o PT e da construção do PSOL. Esse processo ainda está pouco socializado no interior da IV, apesar de já estarmos há mais de dez anos das elaborações de nossa corrente que armou esta ruptura logo no início do governo Lula. Um dos nossos desafios será, portanto, socializar nossa experiência.

A ausência de um balanço mais rico sobre o Brasil, somado ao fracasso do PRC, da experiência da Refundação Comunista na Itália, creio que trouxeram dificuldades para o debate. Todos conhecerão logo (assim que enviarmos) o texto do velho dirigente Jeff Mackler, do Socialist Action dos EUA, onde ele é extremamente crítico as estas experiências e quase coloca um sinal de igual entre as tentativas de se construir projetos amplos com as experiências fracassadas. Ao não se discutir bem estas diferenças é lógico que é mais difícil mostrar que a necessidade de se construir partidos anticapitalista deve ser respondida e que não necessariamente o destino das mesmas será o da Refundação e do PT. Ou seja, a combinação entre partidos amplos e manutenção de núcleo leninista não tem sido bem resolvida na IV e a dissolução da LCR parece fortalecer esta idéia. Em nosso caso, acreditamos que as lições do Brasil, por exemplo, ajudam a que não se cometa os mesmos erros. Desde que, é claro, se discuta que erros foram estes. Assim, embora seja compreensível a existência de posições sectárias ou propagandistas (as vezes as duas) como a expressa por Jeff (que apesar destas posições tem também cultura clássica do marxismo e particularmente do trotkismo) e pelos dirigentes do grupo Alemão, que defenderam algo parecido, o fato é que ficou visível que há no interior da IV um setor bem sectário, que não tende a superar sua situação de grupos de propaganda.

Neste ponto sobre os partidos amplos foi muito rico o aporte dos dirigentes ingleses, que, aliás, encabeçaram, junto com a maioria da direção, uma importante batalha em defesa de uma orientação de apoio ao Syriza, contra o grupo grego, observador permanente da IV e que tem as posições mais sectárias e incorretas da Internacional, que lhe colocou até então na desastrosa localização de oposição ao Syriza no processo revolucionário grego.

Sobre as características dos grupos da IV vale comentar dois deles. O grupo italiano, chamada esquerda crítica, acaba de se dividir. Ele é produto de um trabalho forte que a IV teve na Itália, mas cujo balanço é de derrota. Não conhecemos tanto como a experiência brasileira, mas a aposta na transformação da Refundação Comunista em um processo organizacional revolucionário foi um fracasso. Chama a atenção que Ernest Mandel, o principal teórico e dirigente da IV na Europa tenha escrito de modo preciso contra o eurocomunismo, verdadeira raiz da

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Refundação, e que apesar disso os italianos tenham se equivocado em suas expectativas. Agora, divididos em dois grupos – que de modo meritório seguem se relacionando bem e compartilhando da mesma sede – há um novo risco. A juventude da IV na Itália esta polarizada por posições anarquizantes e horizontalistas. Por isso romperam. Defendem a idéia de que não se deve “dar linha” para os movimentos sociais porque somos parte dos movimentos sociais nem disputar a estruturas de sindicatos nem partidos. É claro que tal processo reflete as pressões existentes no próprio movimento de massas europeu, mas ta pressão não impediu que 25% votasse num partido recentemente constituído, o M 5 estrelas. O mais grave neste grupo é sua posição teórica. Chegam a escrever que o movimento operário terminou tal como existiu no século XX e XIX. Tal definição carece de valor científico e inicia um curso de ruptura com o marxismo. É claro que o movimento operário nunca é igual a si mesmo ao longo da história. Mas o movimento operário dos anos 60 e 70 na Europa tem mais semelhanças com o movimento operário atual do que quando ocorreu a Comuna de Paris ou as jornadas de 1848. E nem por isso Mandel, por exemplo, definia que o movimento operário havia terminado! Com tal posição o que se está mesmo é se afastando do marxismo. Desta forma, embora na IV todos reivindiquem a experiência e a firmeza dos dirigentes deste grupo, não vejo porque ser otimista com sua evolução. Creio que pelo menos se deve dar um combate teórico contra esta sua perspectiva. Alguns setores do Enlace no Brasil parecem refletir estas pressões (sobretudo o horizontalismo), embora sem a combatividade e o ativismo dos italianos e com a heterogeneidade desta corrente no Brasil que já conhecemos, que faz com que alberguem ao mesmo tempo dirigentes como João Machado – com sua formação mandelista clássica e hoje posições esquerdistas e vereadores como Cinco, que não tem nada a ver com o mandelismo nem com o trotsquismo.

O grupo espanhol, a Esquerda Anticapitalista parece buscar outra forma de se relacionar com os processos de ascenso que marca o sul da Europa. Embora pequenos e sofrendo as lógicas pressões de uma juventude de massas que se mobiliza e rejeita as atuais estruturas partidárias – com uma consciência negativa forte contra o sistema mas sem vínculos com as ideologias cuja referencia é o marxismo – a organização da IV na Espanha mantém uma posição ancorada no trotsquismo clássico, responde mais às elaborações de Mandel e seus seguidores e pode crescer e se enraizar mais. A contradição maior que vi é sua rejeição de um trabalho de aproximação com o POR, o que revelou um certo sectarismo e autoproclamação. Em todo o caso parece um agrupamento dinâmico e nosso esforço de apóia-los deve ser evidentemente sincero e decidido.

Na conclusão da reunião a orientação internacional reafirmou a necessidade de se participar e impulsionar partidos anticapitalistas e se decidiu prestar um apoio claro ao Syriza, sustentando a linha de defesa dos governos de esquerda contra a austeridade. Sobre nossa relação com a

IV, o Comitê deu um passo organizativo que havia sido previsto na última reunião e que nesta se confirmou. Da primeira vez que nossa corrente participou, no ano passado, acertamos um protocolo de relações que previa a definição de que neste ano, quando realizasse o Comitê Executivo, tal organismo discutiria nossa integração como organização observadora permanente. Esta discussão foi feita e foi aprovada, com o apoio de todos.

Outras questões foram discutidas e outros pontos de pautas tiveram lugar, como uma sessão separada sobre a questão das mulheres, reuniões específicas de cada região e um informe com uma breve discussão sobre o Fórum Social Mundial da Tunísia, fórum este, segundo o próprio informe, que até o momento não tem nenhuma divulgação no próprio país no qual começou a revolução e a primavera árabe, sinal de que estes eventos realmente não correspondem mais ao que significam no final dos anos 90, o que confirma mais uma vez o trotkismo como o movimento mais conseqüente na defesa do internacionalismo e exige nossos esforços redobrados nesta direção.

Por fim, reafirmo neste informe a importância de que todos os nossos militantes comecem a acompanhar mais a situação da IV, a buscar o avanço de nossa integração neste caminho, bem como a nossa articulação com os companheiros latino americanos com os quais faremos o encontro juvenil em Buenos Aires no final de março, onde estará também uma representação da IV, os companheiros da Espanha. E todas as nossas articulações p o d e m e d e v e m a v a n ç a r c o m c a m p a n h a s internacionalistas, tal como devemos continuar e aprofundar no caso do nosso apoio ao Syriza e na defesa da liberdade para Julius Asseange, que nossa organização juvenil, o Juntos, está buscando se localizar na primeira fileira.

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Informe sobre EspanhaBernardo Corrêa e Fernanda Melchionna

1. A crise capitalista, que é mundial e se abateu sobre alguns dos países mais importantes da economia mundial, pegou em cheio a Espanha. Uma acumulação de contradições, provinda de uma combinação entre a criação de uma bolha imobiliária, com créditos fáceis que geraram um endividamento das famílias e uma insolvência dos principais bancos, fruto da contaminação da crise iniciada nos EUA. O governo priorizou o resgate dos bancos, através de uma mudança constitucional - acertada em 24 horas entre PP e PSOE - ainda no governo do PSOE. Esta medida gerou um grande endividamento externo e para cumprir os compromissos da dívida, corta os investimentos públicos e diminui forçosamente o valor da força-de-trabalho através de dois mecanismos perversos: o desemprego e a flexibilização de direitos sociais.

2. Os resultados são nefastos para os direitos sociais gerando um desemprego estrutural que levou mais da metade (54%) da juventude à situação de “paro”. O comprometimento de mais de 80% do PIB em 2013 com o pagamento da Dívida está previsto pelo próprio ministro da fazenda Cristóbal Montoro. Há um crescimento da luta contra os chamados “desahucios”, ou seja, pessoas afetadas pelas hipotecas que perdem dia a dia suas casas e mesmo após perdê-las seguem devendo ao banco. Isto tem levado a índices exorbitantes de sucídios (mais de 5 por dia). O movimento STOP Desahucios impulsionado pela Plataforma de Atingidos pelas Hipotecas (PAH) protocolou com Congresso Nacional uma Iniciativa Legislativa Popular com mais de 1,5 milhão de assinaturas de apoio e segue na luta por sua aprovação, além disso a solidariedade entre os vizinhos que impedem os desalojamentos, os bombeiros, juízes e inclusive alguns policiais que se negam a desalojar. Inclusive a União Europeia considerou ilegal a Lei de desahucios espanhola. Houve uma perda significativa do poder aquisitivo dos salários (o salário mínimo hoje é em torno de 650 Euros, menos que o preço dos aluguéis), demissões de funcionários públicos, privatização de serviços públicos... entre outras medidas que compõem o pacote de austeridade para tentar salvar os capitalistas e suas taxas de lucros.

3. Combinam-se quatro crises (pelo menos) na situação da Espanha atual. A primeira delas, que é geradora da segunda, é a própria crise econômica que se converte em uma crise social. A explicação da situação de mobilização ascendente da população muito tem a ver com esta deterioração das condições de vida, associada a uma política escancarada, recheada de corrupção, de priorizar o setor financeiro, o que é a essência da indignação. No entanto, como combustível deste processo, associa-se uma grave crise política, de representatividade. Quer dizer, o desgaste terminal do regime construído a partir da transição pós-

franquista (Constituição de 1978) – extremamente corrupto e pró-capitalista – que manteve sua estabilidade ancorada em um crescimento econômico de quase 20 anos e em um Estado Social, na manutenção da monarquia e em uma espécie de “reformismo estrutural” por parte do sindicalismo. Pela sua força social e tradição arrancou concessões. Por outro lado, a saída negocial para os conflitos também propiciou uma integração ao regime por parte da esquerda. Esta integração aparece como farsa, capitaneada pelo PSOE e seu governo, à medida que a crise econômica se abate sobre o país, quando este responde com ataques aos direitos, austeridade, etc.; e como tragédia, envolvendo setores burocratizados da Izquierda Unida (particularmente o PC), com uma certa pressão do sindicalismo de resultados, mas que é a terceira força do país que unifica importantes setores. Esta ausência de representatividade também é greadora de um formato bastante horizontalizado e fragmentado destes movimentos que se organizam em torno de plataformas que, em suas confluências, encontraram a forma de “mareas”, ou seja, frentes que unificam diversos movimentos em torno de reivindicações. Para se ter uma ideia, nas manifestações de rua, via de regra, não há discursos, pois dificilmente se chega a um acordo em torno dos oradores. Isso sem falar na famosa palavra de ordem: “Que no! Que no nos representa!”. Esta dinâmica está mudando pouco a pouco, começando a ser discutido nas assembleias de bairro propostas de plataformas políticas e inclusive na palavra de ordem agora mais frequente das passeatas: “Sí, se puede!”. O movimento de massas está ganhando autoestima, apesar de ainda não se colocar o problema do poder, ou colocá-lo de maneira muito abstrata.

4. A quarta crise que se agudiza é relativa às nacional idades, problema histórico da Espanha. Especialmente na Catalunya e Euskadi (Bascos), as três crises que nos referimos anteriormente se potencializam a partir da luta por independência, extremamente republicana e obviamente incrementada pela vontade de distanciamento do Estado Espanhol identificado (corretamente) como o

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principal culpado da situação catastrófica pela qual passa o povo. A crise de representatividade nestas regiões, ganha outros contornos, pois tem mais porosidade à construção de novas alternativas políticas independentistas com inclinações à esquerda das quais o Sortu (“Criar” em basco), partido impulsionado pelo ETA, figura com 26% das intenções de votos em Euskadi. Na Catalunya, a CUP (Candidatura d'Unitat Popular) tem 3 deputados, e cresce a cada pesquisa depois de se apresentar pela primeira vez às eleições catalãs. Outro importante referente é o deputado David Companyon do nosso irmão Partido Obrero y Revolucionário (POR), (que atua na Esquerda Unida e Alternativa) que está muito bem localizado politicamente, dialogando à esquerda com a puta da independência e participando ativamente das mobilizações. Na Galícia, outra região que acumula esta contradição com o Estado Espanhol, é onde a esquerda e os nacionalistas conseguiram uma unidade eleitoral inédita na atualidade (ANOVA) entre os distintos partidos e frações à esquerda do PSOE e os independentistas. E este processo de deslocamentos e desprendimentos segue vivo na busca por uma estratégia política que esteja à altura do processo social em curso. Mesmo com as contradições supracitadas a IU tem em torno de 15% das intenções de voto em toda a Espanha, sendo boa parte deles votos deslocados da base eleitoral do PSOE.

5. Para tentar pensar em uma dinâmica política, pelo pouco que vimos, é preciso levar em conta determinados riscos e oportunidades e, como sempre é mais fácil identificar os riscos, começaremos por eles. O primeiro grande risco relaciona-se à quebra de fios de continuidade. Por um lado, um balanço equivocado acerca do papel que cumpriu historicamente a esquerda na história da Espanha, uma esquerda com uma tradição de combatividade na qual sempre teve peso as ideias operárias, sejam anarquistas, socialistas ou comunistas. É uma espécie de amnésia por parte dos Indignados, que possibilita que as mobilizações sejam muito inclusivas, ainda que careçam de um programa sistemático de tarefas de poder e mesmo de um projeto de sociedade. Por outro lado, certo preconceito por parte da “velha” esquerda com os “desvios pequeno-burgueses, etc.” do 15M, talvez até uma falta de paciência com novos/velhos dilemas que surgem.

6. Existe ainda o risco da consolidação de uma posição defensiva frente às instituições do regime, a partir de uma fragmentação das demandas e sem um critério de totalidade. Tentando encontrar atalhos por fora do capitalismo (cooperativas, economia solidária, moeda alternativa, consumo crítico) uma parte da vanguarda se confunde. Evidentemente que isto tem uma explicação objetiva. O país teve um período de crescimento de quase 20 anos no qual as gerações dos pais destes jovens que saíram primeiro às ruas usufruíram de certo pacto social sustentado no regime da transição, afastando-se das tradições mais combativas e/ou aproximando de saídas reformistas. Quando isto entra em crise(s) filhos e pais reagem às expressões políticas deste processo (ou seja, a traição do PSOE e o governo de direita do PP), sem muita clareza do caminho, com a certeza de que é preciso caminhar. Esta é uma discussão em aberto entre os ativistas.

7. O risco da fragmentação pode ser ilustrado com uma analogia à situação argentina pós-2002. Ou seja, se o movimento não for capaz de produzir uma plataforma eminentemente política, se pode retroceder às velhas direções políticas, ainda que renovadas. Esquematicamente, o movimento do 15M por eternizar-se preso à parte, pode significar apenas uma renovação das superestruturas políticas de dominação, sem com isso, atacar as estruturas capitalistas, ou seja, a totalidade de seu sistema de dominação. Claro que a burguesia também joga suas cartas. Um partido encabeçado por uma parlamentar que rompeu com o PSOE, mas que em sua composição social está ligado a setores extremamente conservadores, o UpyD (Union Progreso y Democracia) tenta se aproveitar da crítica à corrupção e do discurso da Democracia 2.0, vazio de conteúdo e extremamente “antipolítico” para tentar surfar na indignação geral. Ou seja, como não há vazio em política, teríamos um risco de saídas demagógicas... Hoje tem 10% das intenções de voto e alguma propensão a crescer. Por outro lado, como estamos falando de Europa, há que se ter muito cuidado para não isolar os processos nacionais. Das muitas conversas e entrevistas que fizemos, apesar de alguma desconfiança por parte de alguns, tod@s @s ativistas veem com simpatia a SIRYZA grega. Isto é muito

David Companyon contra as demissões na Telefonica

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importante, pois somado ao método das ações diretas nas ruas, configura-se uma propensão à esquerda, mesmo que não se autodefina assim em alguns casos. Pela própria experiência do franquismo, assim como em Portugal pelo salazarismo, não têm força política as saídas fascistas, ainda que a Igreja Católica cumpra um papel reacionário, com força relativa, principalmente econômica (Opus Dei, Santander etc.).

8. À primeira vista, não parece que o processo vá desembocar em saídas à direita. Tampouco se pode ter certeza de vá para uma revolução, mas há muitas questões que conspiram a favor de uma saída revolucionária. Passemos então às oportunidades:

a) a burguesia do sul da Europa para adequar-se às exigências cambiais e manter suas taxas de lucro na Zona do Euro deve apertar ainda mais o garrote, retirar mais e mais direitos. Sobre a Espanha, segundo o economista burguês pop-star da Alemanha e presidente do IFO (Instituto econômico alemão) Hans-Werner Sinn: “No momento, não tenho dúvidas de que lhes espera uma década, inclusive mais, de austeridade até chegar a essa desvalorização interna de 30%”. E dá como conselho ao governo na mesma entrevista: “Rajoy deve aprovar outra reforma trabalhista que flexibilize os salários para baixo” (El País, 03/03/2013). Ou seja, para sair do atoleiro terão de atacar mais os direitos trabalhistas. Jogarão, portanto, mais gasolina no incêndio.

b) o movimento de massas ganha cada vez mais autoestima e avança em sua consciência e organização. Apesar de algumas confusões ideológicas, amnésias históricas e da própria crise de representatividade, este processo já é objetivo de busca por uma alternativa. Atualmente ainda conjura-se em uma consigna de governo, mas já com traços anticapitalistas e com um descrédito quase que irreversível em relação ao regime. Na convocatória das “Mareas Unidas” se apresenta um esboço programático: “Não ao golpe de Estado financeiro. Não devemos, não pagamos. Há alternativas. Há soluções. Pela justiça social e ambiental; Por transparência e democracia participativa; Em defesa dos serviços públicos e universais; Por uma auditoria cidadã da dívida. Contra a dívida ilegítima.” (Jornal madrid 15M, fevereiro de 2013). Tal programa toca em medidas que se implementadas seriam também motivo de reação por parte

dos bancos alemães e franceses, e levariam o conflito a um patamar cada vez mais estratégico de controle social da política e da economia, que eles preferem chamar de Democracia Real.

c) a podridão do regime político ilustra as capas dos jornais e dão horas de pautas aos telejornais diariamente. Os casos de corrupção envolvendo Bárcenas (ex-tesoureiro do PP), silenciadas por Rajoy no debate sobre o estado da Nação se somam à corrupção nos ministérios e envolvem inclusive a monarquia. Ou seja, o descrédito dia após dia aumenta e o PSOE, como parte do regime, não tem a mínima chance de postular-se como diferente, mesmo do ponto de vista da corrupção. Atualmente PSOE e PP somados não atingem nem 50% das intenções de voto. A IU pode ser uma alternativa e crescer muito, dependerá de sua política, de ser mais expressão das lutas de rua e menos parlamentar.

d) A situação de polarização da Grécia, a luta contra os fascistas, pode fazer com que os lutadores de outros países da Europa passem a considerar SIRYZA certo “modelo”, assim como abrem a cabeça para experiências como Chávez, Evo, etc.

9. Por fim, é preciso seguir acompanhando. A queda do governo na Bulgária, a situação de Portugal, o que se passa na Itália e principalmente a situação da Grécia que, cada vez mais se radicaliza à esquerda e à direita, com as pessoas em situação de desespero e os fascistas colocando a cabeça para fora. SIRYZA segue em primeiro nas pesquisas e a esquerda europeia (Die Linke, Bloco de Esquerda, IU...) olha muito para o exemplo deles.

10. Sem dúvida, o que há de mais positivo é o aprendizado da mobilização como terreno das decisões históricas, que pode ser ilustrado por uma anedota muito singela: ao final da grande mobilização contra os “desahucios” no 16F, milhares de pessoas concentravam-se na Puerta del Sol, tocava a orquestra “Solfônica”, Grândola Vila Morena, música que anunciou a liberdade em 25 de abril do país ao lado, Portugal. Milhares de pessoas carregavam seus cartazes, com os dizeres mais diversos. Sentada nos ombros de seu pai, uma menininha exausta da longa caminhada para pernas tão pequenas, gritava com punho cerrado Á-GUA, Á-GUA... ela também tinha sua reivindicação e já aprendera como conquistar.

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O legado de Chávez e o futuro da América LatinaIb Sales TapajósIb Sales Tapajós

Na última sexta-feira, dia 15, mais de 100 jovens santarenos reuniram-se na UFOPA para refletir coletivamente sobre os rumos da Venezuela e da América Latina após a morte do presidente Hugo Chávez. O evento, realizado pelo JUNTOS!, começou com a exibição do documentário “A sul da fronteira”, do cineasta americano Oliver Stone, que aborda os avanços sociais e políticos conquistados em vários países da América Latina após 1998, ano em que Chávez foi eleito para governar a Venezuela, iniciando um importante giro à esquerda na conjuntura da região.

O cine-debate do JUNTOS! contou com a presença de estudantes universitários, da UFOPA, UEPA, ULBRA, mas também de muitos estudantes secundaristas e pré-vestibulandos. Uma juventude ávida por debater e compreender a conjuntura latino-americana a partir de uma ótica diferente das manipulações grosseiras da grande mídia (Rede Globo e companhia). Nesse sentido, as discussões travadas foram muito construtivas. Além dos facilitadores do debate, Maike Vieira (professor de História) e Florêncio Vaz (doutor em antropologia da Ufopa), tiveram destaque dois militantes latino-americanos históricos: a venezuelana Anne Cauwell e o ex-guerrilheiro cubano Luís Lavandeyra.

A riqueza dos debates travados no evento do JUNTOS! e a importância do tema me levaram a escrever este artigo, que busca compreender o significado da revolução bolivariana para a Venezuela e o conjunto da América Latina.

O Governo Chávez: 14 anos de luta nacionalista e anticapitalista.

Chávez venceu as eleições presidenciais venezuelanas em um contexto histórico marcado pela hegemonia do pensamento neoliberal no mundo inteiro. Com a queda do Muro de Berlim em 1989 e o fim do chamado

“socialismo real”, ganhou força a ideologia reacionária do “fim da história”, defendida por Francis Fukuyama, que dizia não haver alternativa possível ao sistema capitalista. A ofensiva neoliberal impôs à América Latina uma política de progressivo desmonte do Estado, associada à privatização dos serviços públicos e à abertura das economias nacionais ao capital internacional.

A intensa propagação do “fim da história” gerou impactos até mesmo em organizações políticas de esquerda que passaram a enxergar a reforma do capitalismo como única estratégia viável. Exemplo disso entre nós foi a adaptação ideológica do Partido dos Trabalhadores, cuja direção passou a ter como eixo a construção de um “capitalismo humanizado”, em cooperação com setores da burguesia brasileira (daí a aliança de Lula com o empresário José de Alencar, do Partido Liberal, em 2002).

A vitória de Hugo Chávez em 1998 significou um contraponto histórico a essa suposta vitória final do capitalismo. Ainda que ele, inicialmente, não colocasse na ordem do dia a necessidade de superação do sistema do capital, os rumos do processo bolivariano acabaram levando Chávez a defender o socialismo do século XXI – uma formulação política ainda embrionária, mas que recolou o tema do socialismo na pauta de debates da Humanidade.

Eleito com um programa nacionalista radical, já no início de seu governo, Chávez convoca um processo constituinte, o qual contou com ampla participação popular, gerando a Constituição da República Bolivariana da Venezuela de 1999, que foi aprovada em referendo e promoveu mudanças significativas no regime político venezuelano, dando passos importantes em direção a uma democracia semidireta, com instrumentos de participação popular nos principais assuntos do país. Além das eleições diretas e periódicas para os cargos do Legislativo e Executivo, a Constituição de 1999 previu

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mecanismos como consultas e referendos, revogação de mandatos e iniciativas legislativas populares. Assim, percebemos que as afirmações da grande mídia brasileira de que Chávez é um “ditador” não passam de má-fé.

Após a aprovação da nova Constituição, foi aprovado um conjunto de leis limitadoras da propriedade privada, com destaque para a Leis de Terras, que proibiu a existência de latifúndios superiores a 5 mil hectares, e a Lei dos Hidrocarbonetos, que instaurou medidas de maior controle estatal sobre a renda petroleira.

É claro que tais medidas foram consideradas uma heresia diante da lógica neoliberal. As elites venezuelanas não tardaram a agir. Em abril de 2002, uma conspiração das oligarquias nacionais, juntamente com um setor das Forças Armadas e com apoio explícito dos meios de comunicação privados do país, chegou a depor Chávez do poder por dois dias. O golpe contra o presidente foi aplaudido pelo governo dos EUA, cuja participação nesse episódio restou evidente. Porém, uma grande insurreição popular, um levante espontâneo das massas, reconduziu Chávez ao poder. A partir daí, a revolução bolivariana se radicaliza. O enfrentamento com a burguesia nacional e internacional toma maiores proporções.

Mesmo com a derrota do golpe de 2002, a oposição continua executando planos de desestabilização, com apoio da mídia privada. Em 2003, a burguesia organiza um locaute na PDVA (empresa petroleira) e deixa o país sem abastecimento de combustível, gerando um grande caos. Mais uma vez, a resposta veio do povo pobre, dos movimentos sociais e operários, que ocuparam a PDVSA e garantiram o seu funcionamento. Como resultado desse processo de enfrentamento, Chávez nacionaliza a PDVSA, medida que promove um salto qualitativo no processo bolivariano.

Com a apropriação pública dos recursos provenientes do petróleo, importantes mudanças econômicas e sociais se operam no plano nacional. Assim, em 2005, a Venezuela se transforma no segundo país latino-americano a erradicar o analfabetismo (Cuba foi o primeiro). Em parceria com o governo cubano, Chávez promove também importantes avanços na saúde pública.

Podemos dizer que o motivo central das mudanças sociais ocorridas na Venezuela na última década foi uma reorientação na destinação da renda petroleira. Antes de Chávez, a principal riqueza do país era apropriada pela elite econômica nacional associada ao capital financeiro internacional. Com a revolução bolivariana, o dinheiro do petróleo passa a se dirigir essencialmente para a satisfação das necessidades essenciais da população. Isso gera um aumento significativo na capacidade aquisitiva dos trabalhadores - o salário mínimo na Venezuela corresponde atualmente a cerca de R$ 1.400,00.

Isso explica a imensa legitimidade do projeto chavista perante o povo venezuelano, que pode ser mensurada nas eleições presidenciais de 2012. Mesmo após 14 anos no poder, com todas as crises, problemas, contradições e ataques sofridos, Chávez foi reeleito com 55% dos votos – praticamente o mesmo percentual de 1998. O Partido Socialista Unificado da Venezuela (PSUV), fundado em

2007, conta hoje com cerca de 5 milhões de filiados, num país de 30 milhões de habitantes. Não há dúvidas de que a revolução bolivariana está profundamente enraizada na consciência das pessoas, de modo que derrotar o chavismo, mesmo após a morte de Chávez, não será uma tarefa fácil para a oposição.

O signicado da revolução bolivariana para o conjunto da América Latina.

As mudanças operadas pelo Governo Chávez não se esgotam no âmbito nacional. A revolução bolivariana inaugurou uma nova fase na América Latina, com a ascensão ao poder de inúmeros líderes populares, que mudaram a orientação de seus países perante o imperialismo norte-americano. Países como Equador, Bolívia, Paraguai, Honduras, Uruguai e, em certa medida, Argentina e Brasil, fizeram parte de um mesmo processo que alterou a geopolítica da região. Embora haja uma grande diferença entre os governos destes países (entre Lula/Dilma e Chávez, a diferença é enorme!), o novo bloco formado deixou de aceitar passivamente a ideia da América Latina como quintal dos EUA.

Além da Venezuela, essa nova postura se reflete com maior profundidade no Equador e na Bolívia, cujos governos têm um perfil claramente anti-imperialista. O Equador de Rafael Correa realizou há poucos anos uma auditoria da sua dívida pública, que reduziu em mais de 60% o montante a ser pago aos credores nacionais e internacionais. Uma medida essencial de combate à usura do capital financeiro. Foi também o Governo Correa que decidiu conceder asilo político a Julian Assange, líder do Wikileaks, que desnudou a política externa criminosa dos EUA, sofrendo por isso uma severa perseguição internacional. Na Bolívia, o presidente indígena Evo Morales tomou medidas importantes, no sentido de nacionalizar os recursos naturais do país, a exemplo de Chávez.

O avanços alcançados nesses 3 países (Venezuela, Bolívia e Equador), que são o polo mais avançado da América Latina, têm uma origem parecida: a combinação das lutas sociais com a vitória eleitoral de líderes políticos de esquerda. Não dá para explicar a ascensão de Chávez ao poder sem a rebelião popular conhecida como Caracazo (1989), nem a vitória de Evo sem a Guerra da Água em 2000. Essa articulação entre a mobilização das massas e a disputa institucional se mostrou uma estratégia apta a produzir grandes mudanças sociais, políticas e econômicas.

No entanto, a morte de Chávez joga um ponto de interrogação sobre o continente: e agora, para onde vai a América Latina? Assim como o início da revolução bolivariana inspirou vitórias populares em vários outros países vizinhos, a contrario sensu, uma derrota das forças chavistas nas eleições presidenciais marcadas para abril de 2013 pode gerar também um grave retrocesso não apenas na Venezuela, mas em toda a região. Muita coisa está em jogo na disputa entre Nicolas Maduro, herdeiro político de Chávez, e Capriles, principal expressão

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eleitoral da oposição venezuelana.De todo modo, a continuidade da revolução

bolivariana depende fundamentalmente da organização e mobilização popular. Depende do povo pobre que se rebelou em 1989 no Caracazo, o povo que desceu dos morros para derrotar o golpe de 2002, o povo que ocupou a PDVSA e conquistou a nacionalização do petróleo, o povo que foi o principal beneficiado com os 14 anos de Governo Chávez. É esse mesmo povo que tem de continuar protagonizando sua própria História, não apenas para dar continuidade ao processo bolivariano, como também para aprofundá-lo, na direção de uma sociedade pós-capitalista.

O papel da juventude na luta anticapitalista e anti-imperialista.

A morte de Chávez e as eleições venezuelanas são eventos que se situam em uma conjuntura internacional crítica, instável, mas na qual se abrem importantes caminhos. Se por um lado a crise econômica ataca os direitos da classe trabalhadora e da juventude em vários cantos do mundo, por outro ela propicia o surgimento de novos movimentos de luta e contestação aos regimes políticos controlados pelo capital financeiro e pelas grandes corporações. As revoluções árabes no norte da África e no Oriente Médio, o fortalecimento da luta do povo palestino, o movimento dos indignados na Europa, o Occupy Wall Street, as greves recentes na Argentina e as mobilizações estudantis no Chile são um conjunto diversificado de respostas dos povos contra as mazelas do sistema capitalista, que abrem espaço para a construção de alternativas políticas.

É com esse intuito, de pensar e construir alternativas, que jovens de mais de 10 países vão se reunir no final de março em Buenos Aires, no I Acampamento Internacional da Juventude Anticapitalista e Anti-imperialista. Será um espaço de interação e articulação entre ativistas que lutam em seus respectivos países por

um futuro diferente para a Humanidade. Estarão presentes em Buenos Aires representantes de organizações de juventude de países da América do Sul, América Central e Europa. Merecem destaque, pela conjuntura atual, a juventude socialista do MST argent ino, integrantes do Syr iza , coa l ização anticapitalista grega que chegou perto de ganhar as últimas eleições do país, e a juventude do Marea Socialista, corrente interna do PSUV, jovens lideranças que ajudam no dia-a-dia a construir a revolução bolivariana.

Do Brasil, o JUNTOS! é a organização de juventude que estará presente no Acampamento, para somar esforços com os lutadores anticapitalistas de diversas partes do mundo. Em razão da diversidade de sujeitos políticos que irão se encontrar na Argentina, não resta dúvida de que o Acampamento é uma iniciativa internacionalista de grande relevância. Ele é prova de que um expressivo setor da juventude mundial está ciente do grande desafio civilizatório que temos pela frente: construir uma sociedade justa, sustentável e livre da exploração e da opressão. Em outras palavras, perseguir o sonho de Chávez e de diversos outros lutadores e lutadoras: a construção do socialismo no século XXI.