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INGRID NAYARA NOGUEIRA BASTOS DOS SANTOS O TRÁFICO DE DROGAS COMO MEIO DE INCLUSÃO PARA JOVENS EXCLUÍDOS E SUBINTEGRADOS EM UMA SEMÂNTICA SOCIAL DE CONSUMO Fortaleza 2016

INGRID NAYARA NOGUEIRA BASTOS DOS SANTOS · inclusion and exclusion, along with the interpretations of Marcelo Neves on the theory luhmanian and about the concepts of social underintegration

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INGRID NAYARA NOGUEIRA BASTOS DOS SANTOS

O TRÁFICO DE DROGAS COMO MEIO DE INCLUSÃO PARA JOVENS

EXCLUÍDOS E SUBINTEGRADOS EM UMA SEMÂNTICA SOCIAL DE

CONSUMO

Fortaleza

2016

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INGRID NAYARA NOGUEIRA BASTOS DOS SANTOS

O TRÁFICO DE DROGAS COMO MEIO DE INCLUSÃO PARA JOVENS

EXCLUÍDOS E SUBINTEGRADOS EM UMA SEMÂNTICA SOCIAL DE

CONSUMO

Monografia apresentada ao curso de Direito da Faculdade 7 de Setembro, como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito.

Professor orientador: Me. Fernando Antônio Negreiros Lima

Fortaleza

2016

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INGRID NAYARA NOGUEIRA BASTOS DOS SANTOS

O TRÁFICO DE DROGAS COMO MEIO DE INCLUSÃO PARA JOVENS

EXCLUÍDOS E SUBINTEGRADOS EM UMA SEMÂNTICA SOCIAL DE

CONSUMO

Monografia apresentada ao curso de Direito da Faculdade 7 de Setembro, como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito.

Data de aprovação: Fortaleza, 23 de maio de 2016.

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________

Prof. Me. Fernando Antônio Negreiros Lima FA7 - Orientador

_______________________________________

Profa. Ma. Elisabete Maria Cruz Romão FA7 - Membro

_______________________________________

Prof. Me. Nelson Luís Bezerra Campos FA7 - Membro

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A Deus, por tudo e além, aos meus pais, Lucineide e Aldemir, por tanto amor, ao meu irmão, Geraldo, pelo apoio e pela infinita fonte de forças, ao meu companheiro, Lincoln, por ser meu amigo de todas as horas, e aos jovens marginalizados, vítimas das crueldades oriundas das imperfeições humanas, a quem também peço sinceras desculpas por terem que passar pelas situações que acabaram por ser objeto de estudo no presente trabalho.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por iluminar o meu caminho e segurar na minha mão para que eu

conseguisse seguir em frente nos momentos mais difíceis.

Aos meus pais, minha querida Pipi, Maria Lucineide, meu Nego, José

Aldemir e ao meu irmão, Gê, por serem minha vida, por me ofertarem o que há de

mais puro no amor. Obrigada por fazerem da minha existência ao lado de vocês o que

pode ser de mais doce e bonito, por todas as noites em claro em solidariedade a mim,

por todas as lágrimas que derramaram junto comigo, por todas as longas conversas

de motivação e pela persistência de acreditarem em mim mais do que eu mesma. Em

todas as minhas realizações vocês serão presentes. Minha mãe, obrigada por todos

os carinhos e pela sua paciência infinita com meus desesperos, obrigada por me

acalentar e por ser o anjo que acalma as dores mais indizíveis do meu coração. Meu

pai, muito obrigada por ser verdadeiramente meu herói de todos os dias, com seus

esforços silenciosos e imensos, para fazer com que tudo e todos fiquem bem, por me

fazer rir e por ser meu grande amigo, sendo a pessoa mais leal, simples e bondosa

que eu conheço. O senhor enche meus dias de alegria e leveza. Meu irmão, obrigada

por tolerar com carinho as minhas prosas sobre a subjetividade e a existência, as

minhas indecisões e inseguranças. Você me transmite uma força que nem imagina, e

é um exemplo de integridade e serenidade para mim. À minha cunhada, Têtê, por

quem sempre nutrirei um afeto imenso, e a quem sempre serei grata pelo grande

exemplo de luta e superação.Aos meus queridos Pantcho, Asa, Inha e Snnuppie, por

serem fontes inesgotáveis de acalanto, fidelidade, e por fazerem brotarem sorrisos

involuntariamente quando eu mais precisava.

Ao meu companheiro, meu Rururu, querido Lincoln, por deixar a caminhada

da minha vida mais florida, cheia de cor e perfume. Agradeço por ensinar-me sobre a

disciplina, a perseverança e a tenacidade nos estudos. Muito obrigada por, ao mesmo

tempo, demonstrar-me o amor como uma construção muito bela, pelos risos mais

bobos e pelos carinhos que são como suaves brisas orvalhadas no calor da dura

realidade. À minha Marga, por estar sempre disposta a afagar meu coração e rodear-

me de uma sincera ternura.

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À minha prima Layla, irmã de coração, por ser uma amiga para toda a vida,

com a qual sei que posso contar, pela sua maneira irreverente de lidar com as

situações severas da vida. À tia Fátima, por ser encantadoramente peculiar, e por ter

o crédito de muitas das mais memoráveis risadas de minha história. À minha tia Lidu,

minha mãe de coração, que embelezou a minha infância e a quem muito amo e admiro

por sua força e fé. Aos meus amigos de infância, que são meus verdadeiros irmãos,

Flávio, Larissa, Laís e Lara, por estarem ao meu lado nessa caminhada desde quando

sou capaz de me lembrar, por sempre me apoiarem e mostrarem que a vida pode ser

muito divertida. Com vocês o tempo não corrói, apenas constrói e solidifica. Sou grata

por todo amor que me deram e dão, por saber que estaremos sempre ali um pelo

outro. Flávio, que nós possamos cantar sempre as mais belas canções dessa vida,

Larissa, que a sua determinação e integridade nos sirvam de exemplo, Lais, que sua

criatividade e seu talento continuem a nos inspirar, e Lara, que o som das suas risadas

ruivas embale nosso caminhar.

Aos amigos que tive o privilégio de conhecer na faculdade, que

compartilharam das ansiedades e das dificuldades dessa jornada e que também me

prestaram auxílios sem os quais eu não conseguiria chegar até aqui. Dentre eles, às

minhas flores preciosas, que se mostraram como alegrias matinais e apoio em todos

os momentos, ensinando-se que o carinho está nos pequenos detalhes. Vocês são

muito importantes para mim, e as guardarei para sempre em meu coração, Ana

Carolina Motta, pelos intervalos temporais sequer mitigarem nosso vínculo e carinho

mútuo, Aline Chaves, por me inspirar tanta confiança e exemplo de caráter,

determinação, integridade e amabilidade, Mônica Morgana, por me inspirar

determinação, força de vontade e alegria de viver, Natália Macêdo, pela atenção e

pelas preocupações tão sinceras, mescladas por momentos tão divertidos quanto

inesquecíveis, Jéssica Mendes, por demonstrar que a responsabilidade é harmônica

com a ternura e com a alegria, e por estar presente em todos os momentos, Sara

Carolina, por fazer verdadeiro o ditado sobre pequenos frascos e melhores essências,

você é uma das luzes que pisam sobre o planeta e Valéria Sales, pelo cuidado e

carinho maternais com os quais me acompanhou; você me fez crescer muito como

pessoa e me tornou alguém tão melhor. Aos meus companheiros de sala, que sempre

foram tão amáveis e solícitos, conquistando-me diariamente com suas companhias,

Flávia Fonteles, pelos risos mais contagiantes e a energia mais fashion, Israel

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Nascimento, por me ensinar a autenticidade e a coragem, inspirando-me o esforço

para vencer na vida como um todo, Mayara Magda, por ter sido a primeira amiga da

FA7 que tive o prazer de conhecer, Letícia Batista, por sempre me tratar com tanta

delicadeza e alegria. Muito obrigada pelo ombro amigo que vocês colocaram à minha

disposição por todos esses anos. Aos meus colegas de curso, Ainne Barboza, pelos

discursos de motivação e pelos momentos de apoio, Amanda Campos, por ser tão

prestativa, atenciosa e especial, Beatriz Caldas, por todas as gentilezas, João Paulo,

por ser uma criatura mágica e sinônimo de cortesia, presenteando quem o rodeia com

as conversas mais agradáveis e incansáveis, Luís Paulo, por ter aquele abraço

regenerador e aquela leveza de espírito que alivia fardos, e Millene Haeer, por ser um

dos mais belos exemplares de alma humana. Aos amigos que já são profissionais

formados, Marcela Macêdo, por toda a doçura que transborda de sua pessoa, Nayara

Carneiro, pelos sorrisos mais iluminados que dissipavam quaisquer tristezas, Roberta

Riotinto, pelos conselhos e pelas preocupações que me faziam sentir tão cuidada,

Sales Martins, por ser aquele amigo irmão que é uma inspiração de vida e Thais

Furtado, por sua amizade e pelos ensinamentos de como ser forte.

Aos mestres, Me. Edvaldo Moita, pelas primeiras orientações salutares e

apoio acadêmico, Me. Felipe Barroso, por formar alunos tenazes e perspicazes, Me.

Fernando Negreiros, meu querido orientador, pelos sábios conselhos e por ensinar,

acima de tudo, a humildade e a gentileza, Dr. Marcelo Siqueira, por instruir-me em

minha primeira monitoria em Direito das Obrigações, Me. Paulo Carvalho, por ter a

sensibilidade de perspectivas humanas mais apurada que já conheci, inspirando-me

a cultivar esse tipo de visão e a transformá-la em algo proveitoso para a sociedade,

Me. Rafael Mota, professor e amigo, por orientar-me na academia, no estágio

profissional e na vida, oferecendo-me apoio e palavras de conforto em momentos de

difíceis sem nunca perder a boa vontade, Me. Ramon Negócio, por, pioneiramente,

inspirar-me ao viés acadêmico, desconstruir zonas de conforto e ser um grande

amigo, sem o qual eu não teria crescido em curiosidade e autenticidade no curso de

Direito. Às queridas secretárias do curso de Direito Paula Marques e Liliane Oliveira,

que sempre estiveram à disposição para ajudar e guiar os passos dos alunos. À minha

amiga Marlene Santos, que entrou para sempre em meu coração. À Faculdade 7 de

Setembro, por ter possibilitado a minha vivência de ensino superior de maneira ampla

e rica, com a certeza de que levarei no coração as lembranças mais lindas.

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“Vês?! Ninguém assistiu ao formidável

Enterro de tua última quimera.

Somente a Ingratidão – essa pantera –

Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!

O Homem, que, nesta terra miserável,

Mora, entre feras, sente inevitável

Necessidade de também ser fera. ”

(Augusto dos Anjos)

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RESUMO

A pesquisa que se apresenta aborda a indagação de se o tráfico de drogas poderia ser considerado um meio de inclusão social às avessas para jovens marginalizados, ou, se não for essa inclusão, o que poderia ser então. Inicialmente, é feita uma breve explanação das premissas teóricas essenciais, quais sejam, as noções de formação social para Niklas Luhmann, e, nesse contexto, considerações sobre em que consistiria inclusão e exclusão social, juntamente com as interpretações de Marcelo Neves sobre a teoria luhmaniana e sobre os conceitos de subintegração e sobreintegração social para o autor brasileiro. Utilizando tais pontos de partida, é feita uma análise histórico-normativa do tratamento jurídico dispensado ao tráfico de drogas no Brasil, apontando-se também sua atual estrutura em redes e territórios. Empós, começam a ser articulados os primeiros argumentos sobre o envolvimento de jovens marginalizados no tráfico de drogas, mormente no que concerne às suas motivações. No decorrer da análise, expõe-se a semântica social do consumo como sendo um dos fatores que, senão predominantemente, mais influencia o ingresso desses jovens no tráfico de drogas, que, para aqueles excluídos, subintegrados e marginalizados, mostra-se como o meio mais rápido e eficaz de obtenção de poder aquisitivo, e, junto com ele, de autodeterminação através do consumo. Nesse cenário, desenvolvido o raciocínio de que, apesar de o tráfico de drogas realmente oferecer a inclusão no subsistema econômico, não oferece uma inclusão social como um todo, sequer às avessas, porquanto os jovens, com poder de compra e utilizando marcas consolidadas no mercado, continuam marginalizados, de modo que esse ilícito proporciona apenas uma ilusão hipnotizante, como no espelho de Ojesed da história de Harry Potter, que reflete o indivíduo que o encara no contexto de realização de seus anseios mais urgentes, o que a torna, no mínimo, perversa, porquanto, na maioria das vezes, o preço da persecução da inclusão na sociedade impregnada por uma semântica de consumo por essa juventude em formação, é, quando não a privação de liberdade, a violência e mesmo a morte, invisível e banal aos olhos dos sobreintegrados sociais.

Palavras-chave: Exclusão. Subintegração. Tráfico de drogas. Juventude. Consumo.

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ABSTRACT

The research presented at this time approaches the question about if drug trafficking could be considered a means of a skew social inclusion to marginalized youth, or, if doesn’t happen such inclusion, what could it be then. Initially, a brief explanation of the essential theoretical premises is made, specifically, the concepts of social formation to Niklas Luhmann, and in this context, considerations regarding what would be social inclusion and exclusion, along with the interpretations of Marcelo Neves on the theory luhmanian and about the concepts of social underintegration and overintegration for the Brazilian author. Using these starting points, it is performed an analisys concerning the historical-normative juridical treatment of drug trafficking subject in Brazil, also pointing up its current structure in networks and territories. Subsequently, arguments are articulated about the involvement of marginalized youth in drug trafficking, especially in relation to their motivations. During the study, it is set up the social consumption semantics as being one of the factors, if not predominantly, that most influences the entry of these young people in drug trafficking, which, for those excluded, underintegrated and marginalized, it is shown as the faster and more efficient means to obtain purchasing power, and, along with it, of self-determination through consumption. In this scenario, it is developed the argument that, although the drug trade actually offer inclusion in the economic subsystem, does not offer a social inclusion as a whole, not even in a skew way, for young people with purchasing power and using established brands market, they’re still marginalized, in a way that this illicit only provides an hypnotic illusion, as in the Erised mirror from Harry Potter story, that reflects the person who stares it in the context of realization of their most urgent longings, which makes it at least perverse since, in most cases, the price of chasing an inclusion in a society filled by a consumer semantics for this youth training, is, if not the deprivation of liberty, violence and even death, invisible and trivial in the eyes of social overintegrated.

Keywords: Exclusion. Underintegration. Drug trafficking. Youth. Consumption.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 13

1 FENÔMENO DA EXCLUSÃO EM UMA SOCIEDADE NÃO TÃO

FUNCIONALMENTE DIFERENCIADA .................................................................... 15

1.1 Noções luhmannianas sobre sociedade ............................................................. 15

1.2 Inclusão e exclusão social e os conceitos de subintegração e sobreintegração de

Marcelo Neves .......................................................................................................... 25

2 O TRÁFICO DE DROGAS COMO OPÇÃO TORTUOSA NA ALVORADA DO

DESENVOLVIMENTO JUVENIL .............................................................................. 31

2.1 O tráfico de drogas, em redes e territórios, no Brasil: histórico e conjunturas de

produção normativa................................................................................................... 31

2.2 A exclusão socioeconômica como fator de instigação da juventude ao

envolvimento no tráfico de drogas ............................................................................ 38

3 ILUSÃO PERVERSA OU MELHOR APOSTA? O TRÁFICO DE DROGAS COMO

MEIO DE INCLUSÃO PARA JOVENS EXCLUÍDOS E SUBINTEGRADOS EM UMA

SEMÂNTICA SOCIAL DE CONSUMO ..................................................................... 49

3.1 O tráfico de drogas para jovens marginalizados no contexto de uma semântica

social de consumo .................................................................................................... 49

3.2 Quantos vinténs por uma inclusão? O tráfico de drogas como espelho de Ojesed

e a máscara da sobreintegração econômica no âmbito de exclusão ...................... 55

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 73

REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 77

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INTRODUÇÃO

O tráfico de drogas é um crime cujo cometimento cresce assustadoramente

a cada dia. Não bastasse isso, também aumenta desmedidamente o envolvimento de

crianças e adolescentes nessa seara da ilicitude, não havendo qualquer pretensão de

saneamento dessa situação. Diante de um cenário tão grave quanto pessimista,

indaga-se acerca das principais razões de ingresso desses jovens nesse mundo

obscuro.

Seria o tráfico de drogas a melhor aposta que teriam visando a alcançar

uma inclusão social a partir da inclusão econômica? Ou isso não passaria de uma

ilusão perversa, tal qual um espelho de Ojesed, que acaba por cooptar inúmeros

indivíduos em pleno desenvolvimento biopsicológico? Responder a essas

indagações, ou pelo menos perscrutá-las, é o objetivo geral desse trabalho. Para

tanto, serão percorridos os objetivos específicos, a partir da metodologia de

investigação de consulta bibliográfica de obras literárias, doutrinas, publicações

acadêmicas, análise de documentários em formato de texto e audiovisuais,

averiguação da legislação brasileira sobre o tráfico de drogas, e exploração de

discursos de jovens e adultos sobre a temática abordada.

Os objetivos específicos podem ser lidos como entender o que seria

sociedade para o sociólogo Niklas Luhmann, e, nesse cenário, delimitar as

conceituações de inclusão e exclusão social, bem como as noções de subintegração

e sobreintegração social de Marcelo Neves; apurar o tratamento normativo acerca do

tráfico de drogas no Brasil e sua estrutura em redes e territórios; analisar a exclusão

econômica desses jovens como ensejo ao ingresso no tráfico de drogas; examinar a

semântica social do consumo como pano de fundo incitador do envolvimento dos

jovens excluídos socioeconomicamente na traficância; e, finalmente, compreender se

o tráfico de drogas seria uma ilusão perversa, tal qual um espelho de Ojesed, ou a

melhor aposta para esses jovens marginalizados em busca de inclusão social.

Dessa maneira, no primeiro capítulo são analisados os conceitos

luhmanianos sobre sociedade como comunicação, formada, na estrutura moderna,

por subsistemas sociais funcionalmente diferenciados a partir de uma comunicação

especializada, e as noções de inclusão social e exclusão social, a partir do sistema

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binário de cada sistema parcial, encadeando-se tais ideias com os conceitos de

sobreintegrados e subintegrados desenvolvidos por Marcelo Neves.

No segundo capítulo, é estudada a conjuntura de produção normativa

histórica acerca do tráfico de drogas, para que se tenha uma visão mais

contextualizada do tratamento jurídico da matéria no Brasil, analisando-se, na

atualidade, a estrutura do tráfico em redes e territórios. Nesse quadro, examina-se a

exclusão socioeconômica dos jovens marginalizados como ensejo ao ingresso nesses

caminhos da ilicitude.

No derradeiro capítulo, investiga-se o que se poderia entender por

semântica social do consumo e como ela permeia a sociedade em si, ao mesmo

tempo em que acentua as desigualdades econômico sociais. Em tal conjuntura,

perscruta-se acerca do tráfico de drogas como sendo a maneira mais eficiente e

rápida, ainda que enviesada, de inclusão social dos jovens marginalizados ou se isso

não passaria de uma ilusão perversa, tal qual um espelho de Ojesed, que, sendo um

espelho mágico, tratado na história de Harry Potter e a pedra filosofal, não reflete com

os limites físicos o que se põe em sua frente, mas mostra além, aquele que o encara

enxerga a si mesmo na situação de realização de seus anseios e desejos mais

expressivos e urgentes.

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1 FENÔMENO DA EXCLUSÃO EM UMA SOCIEDADE NÃO TÃO

FUNCIONALMENTE DIFERENCIADA

No capítulo que se inicia, será analisado se a exclusão em cadeia exige um

pedágio maior do que o simples poder aquisitivo para que dela seja possível sair. Com

uma pretensão diagnóstica, e não solucionadora, a pesquisa como um todo será

desenvolvida tendo como ponto de partida noções das teorias sociológicas de Niklas

Luhmann e Marcelo Neves.

Ressalte-se que as doutrinas nesta ocasião utilizadas como embasamento

são de significativa complexidade, havendo espaço para discussão em cada aspecto

que trazem, de modo que, ainda hodiernamente, existem contestações acerca de

suas pretensões e suas limitações em relação à realidade fática, tendo os próprios

autores modificado e aprimorado algumas de suas interpretações no decorrer de suas

produções, justamente pelos debates que suas ideias trouxeram à baila. No entanto,

para evitar digressões que poderiam escapar ao foco que se busca nessa pesquisa,

cingir-se-á à apresentação das noções mais básicas e acessíveis de aludidas

interpretações sociais.

1.1 NOÇÕES LUHMANNIANAS SOBRE SOCIEDADE

Geralmente, reflete-se sobre a sociedade como se suas unidades

constitutivas equivalessem aos indivíduos que a integram, de tal forma que “para a

antiga tradição europeia da filosofia social e da filosofia do direito [...] a sociedade era

vista como associação de homens concretos, muitas vezes chamada [...] de corpo

social” (LUHMANN, 1983, p. 169). No entanto, de uma maneira singular, um sociólogo

alemão chamado Niklas Luhmann pensou o corpo social diferentemente, propondo

que a sociedade seria formada, em sua base, por comunicação, entendida como

“unidade sintética de informação (referência externa), elocução (referência interna)

e entendimento” (MOITA, 2014, p. 49), de modo que o que estivesse fora da

possibilidade de comunicação seria externo à própria sociedade, a qual seria o

sistema social, que abrangeria todas essas comunicações.

Dessa maneira, o que pudesse ser objeto de comunicação, de transmissão

de informações, seria social. O que, por outro lado, fosse intangível ao intercâmbio

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comunicativo, estaria fora da sociedade. Esta subdividir-se-ia em subsistemas sociais,

que seriam âmbitos de comunicação especializada. Cada sistema social parcial

funcionalmente especializado e diferenciado cuidaria, portanto, de,

predominantemente, um tipo de linha informacional: por exemplo, o subsistema do

direito lidaria com a comunicação jurídica específica, o subsistema da política trataria

das informações relacionadas ao poder, e o sistema parcial da economia englobaria

aqueles dados sobre o que fosse economicamente aferível.1

Em outras palavras, a sociedade seria o âmbito complexo e contingente de

produção e organização de uma seletividade de informações. Sua principal função

seria captar a complexidade da realidade e reduzi-la a bases de ação, compreensíveis

pelos subsistemas que a integram, sendo que a complexidade do sistema seria

proporcional ao que lhe impele o ambiente, sendo regulada pela estrutura do sistema,

que consiste na “seleção prévia dos possíveis estados que o sistema pode assumir

em relação ao seu ambiente” (LUHMANN, 1983, p. 168).2

Tais complexidade e contingência do ambiente apenas poderiam ser

suportados pelos sistemas a partir de um mecanismo de seletividade por parte destes.

Referida operação de seletividade seria realizada exatamente pela noção de “sentido”,

porquanto, na teoria luhmanniana, sentido seria justamente uma operação seletiva

característica dos sistemas sociais e psíquicos, a qual visa reduzir a complexidade do

ambiente, ao mesmo tempo em que o preserva sempre mais complexo do que o

sistema.

1 A formação de subsistemas funcionais nessa teoria ocorreria a partir, inicialmente, de três mecanismos: superprodução de variedades/possibilidades, posterior seleção das possibilidades aproveitáveis, manutenção e estabilização das possibilidades escolhidas, embora o universo de escolha permaneça complexo e contingente, e, assim, o improvável vai se tornando provável e a complexidade da realidade mundial vai gradativamente crescendo. Portanto, “o sistema social, na medida em que aumenta sua complexidade, é reestruturado no sentido da formação de sistemas parciais funcionalmente específicos” (LUHMANN, 1983, p. 175). 2Luhmann entende que a complexidade seria no sentido de que o número de possibilidades das experiências que podem acontecer é sempre significativamente superior às que efetivamente se concretizam. Por sua vez, a contingência refletiria o fato de que no momento em que acontece aquela versão da possibilidade, todas as inúmeras variantes acabaram por ser descartadas, mas poderiam ter acontecido ao invés daquela que chegou a se consolidar, de modo que o que ocorreu poderia sempre ter se dado de maneira diferente, sendo que as possibilidades que não se realizaram são denominadas “potencialidades” (2005, p. 30).

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No que concerne aos sujeitos, de acordo com Luhmann, a humanidade em

si seria concebida como uma unidade sintética dos sistemas psíquicos e orgânico, e

haveria uma relação recíproca de ambiente entre os subsistemas sociais e os

indivíduos, de modo que um seria considerado entorno no que diz respeito ao outro.

Nesse contexto, ambiente seria tudo aquilo que circundasse o sistema, sendo sempre

mais complexo do que este e também contingente (LUHMANN, 2005, p. 30). Por

conseguinte, na medida em que os sistemas parciais possam suportar um ambiente

mais complexo, a sociedade em si pode se tornar mais complexa e permitir mais

possibilidades para seus subsistemas (1983, p. 168).3

Dessa maneira, o indivíduo não seria o elemento basilar da sociedade, mas

sim a comunicação, sendo apenas a partir dela que seria possível ao sistema realizar

seu fechamento operacional, sua autorreferência, sua autopoiese. Anote-se que o ser

humano e a sociedade são reciprocamente ambientes, sendo também altamente

complexos e contingentes entre si:

O sistema social [...] exclui o homem concreto. O homem vive como um organismo comandado por um sistema psíquico (personalidade). As possibilidades estruturalmente permitidas para esse sistema psíquico-orgânico não são idênticos às da sociedade enquanto sistema social. Formulando de outra maneira: a relação de sentido que que une as ações no sistema da sociedade é diferente da relação também de sentido, mas organicamente fundamentada, das ações reais e possíveis de um homem.

[...]

A estrutura e os limites da sociedade reduzem a complexidade e absorvem a contingência das possibilidades orgânicas e psíquicas. Eles representam principalmente limites com respeito ao próprio homem. Asseguram assim que as possibilidades dos homens sejam reciprocamente expectáveis . [...] (LUHMANN, 1893, p. 169)

Leciona o sociólogo alemão, na conjuntura apresentada, a importância do

direito como estrutura, porquanto é este subsistema o responsável pela

3 Luhmann expõe que, em contrapartida à sociedade humanista, que seria limitada

territorialmente e pelos vínculos de descendência, porquanto seus limites estariam nos seres humanos, “agrupados nas categorias de pertencentes ou não pertencentes” (1983, p.169), a sociedade como comunicação seria validada por ser um sistema social cuja estrutura regula as reduções mais básicas às quais os subsistemas sociais podem se referir, em uma “função de desafogo” da informação, transformando o indeterminado em uma complexidade determinável para os subsistemas e garantindo para estes um entorno de menor complexidade, no qual já estaria afastada a aleatoriedade das possibilidades.

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“generalização congruente de expectativas comportamentais normativas”, sem a qual

os sujeitos não seriam capazes de se orientarem entre si, no sentido de que não teriam

como gerenciar suas expectativas em relação uns aos outros (1983, p. 170), o que

seria um óbice à harmonia e ordem nos agrupamentos de sujeitos. O subsistema

jurídico, portanto, contribuiria para tornar as possibilidades dos homens

reciprocamente expectáveis.

No quadro exposto, a mudança ou evolução social poderia ser entendida

como resultado das modificações estruturais do sistema, tendo como mola propulsora

o hiato, o intervalo, a fenda, do problema de estabilização entre o sistema e o

ambiente, posto que, enquanto o entorno pressiona os subsistemas a mudarem,

oferecendo mais elementos que podem se transformar em comunicação, o sistema

busca encontrar cada vez mais maneiras de se adaptar à complexidade

superabundante do ambiente (LUHMANN, 1983, p. 171).

Quer dizer, os subsistemas sociais estão imersos no ambiente (tudo aquilo

que não for o próprio subsistema está também). À medida que o entorno se torna mais

complexo, o sistema parcial tenta adaptar-se, e, conseguindo isso, o próprio

subsistema aprimora sua estrutura e seus mecanismos operais, suportando assim

uma maior complexidade do entorno. Quando isso acontece, o ambiente (própria

sociedade) percebe que pode “liberar” mais possibilidades e mais complexidade

porque aquele subsistema consegue ter cognição sobre aquelas informações. Como

em um jogo de pressões desniveladas que se impelem mutuamente, o ambiente

novamente se torna mais complexo do que o subsistema, e o fenômeno aludido

recomeça, o que alimentaria a evolução social, que enseja o inclusive o aumento da

complexidade e da contingência nas relações entre os indivíduos.

Destaque-se que esses subsistemas são formados a partir da diferenciação

funcional da sociedade, que ocorreria, de modo mais preponderante, nas sociedades

mais modernas. Luhmann explica que, enquanto na diferenciação segmentária4,

4 Destarte, elucida referido estudioso, a sociedade segmentária seria própria das sociedades arcaicas, tendo como principal traço a igualdade de todos os subsistemas, os quais observariam o ambiente da mesma maneira, por conta de seu limitado mecanismo de seletividade da informação que se lhe apresenta, de modo que a realidade observada seria assinalada pela diferença entre aquilo que seja familiar ou não. Ademais, haveria escassas possibilidades, e a estabilização das expectativas dar-se-ia, primordialmente, pelo uso da força (VILLAS BÔAS FILHO, p. 100-102).

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própria das sociedades arcaicas e menos desenvolvidas, são formados diversos

sistemas iguais ou semelhantes, como famílias e tribos, na diferenciação funcional

aconteceria o desenvolvimento de sistemas parciais com o escopo de exercerem

funções especializadas e diferenciadas umas das outras: política, administração,

economia, religião, saúde, familiar e etc.

Reporta-se o autor ao fato de as duas formas de diferenciação coexistirem

na realidade, desde as sociedades mais primitivas até as mais modernas, embora

haja o predomínio de um respectivo tipo de diferenciação em uma e em outra,

adequando-se às necessidades de cada qual. Sobre a gradual evolução social, indica

que “uma paulatina transformação da diferenciação segmentária para a diferenciação

funcional nas mais importantes áreas funcionais da sociedade constitui,

genericamente, um traço básico do desenvolvimento social.” (LUHMANN, 1983, p.

176). Arremata o raciocínio expondo que “a diferenciação funcional aumenta a

superprodução de possibilidades e com isso as chances e a pressão no sentido da

seleção. Ela é a forma na qual a alta complexidade social torna-se organizável. ”

(LUHMANN, 1983, p. 177)

Sobre os modos de diferenciação social para a teoria luhmanniana, explica,

mais detalhadamente, Villas Bôas Filho que haveria a segmentária, a centro/periférica,

a estratificada/hierárquica5 e a funcional (2009, p. 100). Nesse contexto, a sociedade

moderna seria aquela teria como caracteres a acentricidade e a fragmentação em

vários subsistemas autopoiéticos funcionais, “nos quais não haveria espaço para a

primazia de um subsistema sobre os demais” (2009, p. 101).

5 Com a gradativa evolução social nos termos já mencionados supra, a sociedade passaria a ser diferenciada com base nas noções de centro/periferia ou estratificação hierárquica. Em tal conjuntura, o centro representaria a cidade, a partir de onde a formação social seria organizada e onde haveria maior difusão da informação. Não obstante, começaria a ser formada uma hierarquização nesse próprio centro, baseado na desigualdade por classe ou estrato, e os integrantes dos subsistemas tidos como dominantes passam a considerar como ambiente todos os subsistemas periféricos, os quais, basicamente, continuam diferenciados no formato segmentário. Tudo isso acaba sendo refletido em uma desigualdade nas possibilidades de comunicação, visto que os subsistemas que se encontrassem no centro possuiriam maior capacidade seletiva, permitindo a imposição de suas autodescrições com pretensões globais, subjugando, de certa forma, as classes hierarquicamente inferiores dentro do centro e na periferia (VILLAS BÔAS FILHO, p. 102-103).

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20

Assim, pela própria necessidade e oportunidade no contexto social, diante

de um cenário de complexidade insustentável6, surge a diferenciação funcional,

segundo a qual a sociedade é dividida em subsistemas funcionais, autopoiéticos e

autorreferenciais, de acordo com a função desempenhada por cada qual no âmbito

social. Cada subsistema funcional, portanto, realiza uma função específica, a partir de

uma estrutura fundada em um código binário próprio e exclusivo de cada qual. Cada

sistema parcial observa, através das lentes de sua função e especialidade

comunicacional, a sociedade, e como não haveria subsistema com a mesma função

de outro, não existiria privilégio de um sobre os demais, pois todos possuem

codificações diversas, com validades simultâneas, formando, de tal modo, a

sociedade moderna, caracterizada por sua fragmentação funcional, por sua ausência

de centro e, conforme menciona Luhmann, por sua “policontexturalidade” (VILLAS

BÔAS FILHO, p. 104-105). Nesse diapasão, diante de uma alta complexidade e da

ausência de unidade de sentido da comunicação, os subsistemas tornam-se cada vez

mais específicos, altamente diferenciados (LIMA, 2009, p. 249).

A diferenciação subsistêmica, seria, desta feita, uma “diferenciação que a

sociedade faz [...] dentro de si mesma. Como a sociedade nada mais é do que

comunicação, a diferenciação nada mais pode ser do que comunicação

[especializada]” (MOITA, p.53-54). Inexistiria, pois, a possibilidade de uma observação

plena da sociedade por um só subsistema, de modo que o exame desta por cada qual

é única e especificada, podendo complementarem-se por meio do acoplamento

estrutural, mas não se sobreporem.

A presença dos códigos binários, ou códigos de duplo valor, de cada

subsistema caracteriza essa especialidade funcional de cada um, na sociedade

moderna. Eles traduzem o esquema identidade/diferença do sistema parcial,

detectando o que faz parte dele ou do ambiente, também excluindo uma terceira

6 Os modelos de diferenciação não funcionais, todavia, não seriam capazes de lidarem com

um grau mais altivo de complexidade, justamente porque, segundo Luhmann, interpretado por VILLAS BÔAS FILHO, “[...] a autodescrição global da sociedade, a partir de um subsistema (seja o centro ou os líderes hierárquicos), [...] os torna naturalmente mais limitados para reduzir a complexidade acarretada pelo excesso de possibilidades geradas pelos mecanismos de variação. Isso causa problemas concretos na inter-relação dos diversos subsistemas, especialmente se se leva em conta que o subsistema que ocupa a posição privilegiada, considerando-se o representante do todo, uma vez que é dele que provêm as autodescrições da sociedade, passa a impor suas autodescrições aos demais subsistemas.” (2009, p. 104).

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perspectiva, tendo essas operações uma pretensão universal de validade. No caso do

direito, este seria codificado pelo lícito/ilícito, no sentido de o que está abrangido pelo

ordenamento jurídico como um todo e o que não é alcançado por este, sendo o próprio

direito que estabeleceria seus limites (MOITA, 2014, p.56-57).

O sistema apenas pode se comunicar através da utilização de seu código

binário, o qual torna cognoscível a realidade para aquele. A binariedade trataria de

modo simétrico valores contrapostos, o positivo e o negativo para cada subsistema.

Ressalte-se que qualquer informação apenas será conhecida pelo sistema a partir de

seu código de duplo valor (LIMA, 2007, p. 83-84). Assim, se, por exemplo, o código

dos subsistemas da ciência seja o de verdade/não verdade, o do direito seja

lícito/ilícito, o da política, poder/não poder, o da economia, ter/não ter, cada um apenas

interagiria com o outro após passar pelos respectivos filtros da binariedade, de modo

que, digamos, para o direito, a comunicação da economia traduzir-se-ia não em um

simples ter/não ter, mas em um ter/não ter jurídico, ou seja, propriedade, domínio ou

posse.

Importante lembrar que os significantes adotados nesses códigos binários

foram concebidos inicialmente em alemão, língua pátria de Niklas Luhmann, de modo

que, ao serem traduzidos em diversos idiomas, podem ter sofrido algumas variações,

como por exemplo a possibilidade de interpretar o lícito/ilícito como direito/não direito

ou mesmo como jurídico/não jurídico, residindo a importância justamente no

significado atribuído, dentro do contexto, a esses vocábulos. Mathis fala, exempli

gratia, na economia como tendo o código de pagar/não pagar, propriedade/não

propriedade, na política como governar/não governar (p.15), o que demonstra como

variam as traduções, devendo-se, portanto, ter bastante cuidado quando das

interpretações sobre esses termos.

Os referidos códigos são preenchidos pelos programas, de modo que a

programação complementaria a codificação, no sentido de fornecer-lhes conteúdo.

Luhmann explica que a diferença entre a codificação e a programação permitiria tratar

o código como relação de troca de valores, e incumbi-lo de abastecer o sistema com

a capacidade de tomar decisões internas. Combina a invariabilidade com a

possibilidade de transformação, ou seja, a invariabilidade com a possibilidade de

crescimento. Uma vez estabelecido o código como tal, esclarece o teórico alemão,

inicia-se também um processo de constituição de regras que, tomando uma forma

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autopoiética, nutre-se de si mesmo (2005, p.263). Assim, os subsistemas seriam

autopoiéticos (fechamento operacional) em razão de seu código, e abertos às

comunicações do ambiente (abertura cognitiva) por conta do programa.

Nesse contexto, caberia mencionar que a autorreferência e a distinção

apenas podem ocorrer diante de uma presença mútua. Luhmann leciona que apenas

os sistemas autorreferenciais podem observar o que os cerca e dentro deles mesmos,

tendo, para isso, que distinguirem-se de si mesmos, e, em sentido oposto, a

autorreferência pressupõe a distinção entre autorreferência e heteroreferência (2005,

p. 234).

Os sistemas referir-se-iam a si mesmos a partir de suas operações, que

diria o que pertenceria ou não ao sistema, indicando, pois, aquilo ao qual ela própria,

operação, pertence o que se traduziria na autorreferencialidade sistêmica, havendo,

assim, dois níveis de operação/observação: no primeiro, o observador observa as

operações, e, no segundo, o próprio observador é uma operação do subsistema

(LIMA, 2007, p.82). No entanto, existiria um ponto cego do sistema que permitiria a

operação de observação (LUHMANN, 2005, p. 234), o qual, constituindo um ponto de

indivisibilidade, asseguraria a unidade da diferença entre essas observações (LIMA,

2007, p.83) de primeiro e de segundo nível.

Haveria, portanto, três possibilidades de observação7 para cada

subsistema funcional: a do sistema social global ao qual pertence, realizada quando

o subsistema já tiver se especializado; a dos outros sistemas funcionais no ambiente

interno da sociedade, que consiste nas prestações recíprocas com as quais os

sistemas parciais se relacionam entre si; e a auto-observação, sendo a observação

que o subsistema faz de si mesmo, sua própria reflexão (LUHMANN, 2005, p.48-49).

7 Luhmann refere-se, ainda, a uma “biestabilidade”, aduzindo à ideia de que os

códigos seriam estruturas cheias de condições que, em alta simplificação, poderiam ser reduzidas através da biestabilidade, a qual faria com que o subsistema pudesse reagir com operações próprias a um ambiente altamente complexo, sem necessidade de ajustar-se ponto a ponto com ele, o que se manteria ao longo de todas as evoluções subsequentes sem se alterar, destacando-se que a biestabilidade pressuporia a exclusão de valores de terceiras possibilidades (que confrontassem o código binário do subsistema), aos quais não se pudesse atribuir nem o valor positivo nem o negativo do código do subsistema (LUHMANN, 2005, p.234-236).

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Dessa forma, acerca dos três níveis de análise que Luhmann se utiliza para

distinguir os tipos de sistemas autorreferenciais, explica Orlando Villas Bôas Filho:

No primeiro nível, a análise dos sistemas sociais implica que se assuma a conceituação fundamental, deduzida da teoria geral dos sistemas, consistente basicamente na diferenciação sistema/ambiente. Em seguida, os sistemas sociais são distinguidos de outros tipos de sistemas, [...] cada qual caracterizado como um tipo específico de sistema auto-referencial e autopoiético. Dessa distinção decorre a mútua exclusão de indivíduo e sociedade, pois, sendo cada um deles um tipo específico de sistema auto-referencial (sistema psíquico no primeiro caso e sistema social, no segundo), suas respectivas redes de operações recursivas, por serem fechadas, seriam mutuamente inacessíveis. É certo que sistemas psíquicos e sistemas sociais são ambos sistemas constitutivos de sentido. Contudo, diferenciam-se pelo fato de os sistemas sociais terem a comunicação como forma de operação e elemento último, e os sistemas psíquicos estarem baseados na consciência, tomada como elemento último da autopoiese de tais sistemas. Desse modo, uma vez que ambos são sistemas auto-referenciais, [...] eles serão ambiente um para o outro, ou seja, nem a comunicação é capaz de determinar o fluxo dos pensamentos de uma consciência, nem esta é capaz de estabelecer a comunicação que circula na sociedade, a não ser por meio de irritações/perturbações. Por fim, no terceiro nível analítico, [...] possível apontar três diversos tipos de sistemas sociais, todos baseados na comunicação, quais sejam: a)interações; b)organizações; c) sociedades. (2009, p. 5)

Villas Bôas Filho leciona ainda que, para Luhmann, os sistemas sociais

surgiriam a partir dos ruídos produzidos pelos sistemas psíquicos em sua tentativa de

se comunicar. Dessa maneira, ao contrário do que se poderia cogitar, tal entendimento

não diminui a relevância que o ser humano tem no meio social: sendo ele ambiente

para o sistema da sociedade, permite a diferenciação sistema/ambiente que é

imprescindível para a teoria dos sistemas, sendo um de seus níveis de análise. Frise-

se que o sistema auto referencial dos indivíduos é de caráter psíquico, fundamentado

na consciência, e o da sociedade é de aspecto social, utilizando-se a comunicação

como base (2009, p. 5).

Sobre a relação entre linguagem e comunicação:

[...] a linguagem em Luhmann aparece como ferramenta ao acoplamento estrutural entre sistema psíquico e sistema social e nesse sentido está num segundo plano em relação ao conceito de sentido (Sinn/meaning), que se apresenta como um conceito central na teoria sistêmica, na medida em que possibilita a criação seletiva de

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todas as formas sociais e psíquicas. (VILLAS BÔAS FILHO, 2009, p. 95)

A “autopoiese”, conceito emprestado da Biologia, utilizado originalmente

por Humberto Maturana (LUHMANN, 2007, p. 44), significaria autonomia,

independência com a qual cada sistema complexo reproduziria seus elementos e

estruturas dentro de um processo operacionalmente fechado, a partir de seus próprios

elementos. No caso dos sistemas sociais, a comunicação seria gerada a partir da

própria comunicação, e, no âmbito dos sistemas psíquicos, o pensamento seria

engendrado a partir do próprio pensamento, de modo que tais reproduções não

interfeririam uma na outra, e nem poderiam fazê-lo, pois de searas distintas, sendo tal

fechamento a base da autonomia do sistema (MATHIS, p. 3-4).

Novamente, destaque-se a importância do meio, principalmente quando da

ocorrência do acoplamento estrutural, que seria a relação funcional entre dois

subsistemas, de modo que um auxilia no funcionamento das operações do outro, sem,

no entanto, comprometer seu fechamento operacional, porquanto seus respectivos

processos de cognição do ambiente e de si mesmos permanecem intactos. Seria o

exemplo de que a comunicação não é possível sem os sistemas psíquicos.

Sobre o acoplamento estrutural, esclarece Figueira Neves:

Pelo acoplamento estrutural um sistema “empresta” de um outro sistema, que é visto como parte do ambiente daquele primeiro, as estruturas necessárias para realizar as próprias operações.

As estruturas externas ao sistema são utilizadas como condutores dos processos comunicativos, e, para isso, o sistema que toma emprestado estruturas não precisa conhecer a forma de organização interna do sistema que lhe empresta a estrutura. A relação é meramente funcional: os processos de dotação de sentido, de formação de repertório de processos comunicativos e operações internas são isolados e inacessíveis de um ao outro.

Isso ocorre porque o código utilizado por um sistema é totalmente diverso e ininteligível para os outros sistemas. (2005, p. 54)

Sobre a sociedade como sistema de comunicação, tem-se que ela apenas

pode se comunicar dentro de si mesma, embora não possa se comunicar consigo

mesma nem com seu ambiente. A sua unidade é produzida ao realizar operativamente

comunicações para reiterar e antecipar recursivamente outras comunicações.

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Baseando-se no esquema de observação sistema/ambiente, a sociedade pode

comunicar-se em si mesma acerca de si mesma e sobre seu ambiente, mas nunca

poderá comunicar-se consigo mesma nem com seu ambiente.

No entanto, esclarece Luhmann que tal clausura se refere apenas ao modo

operacional específico da reprodução do sistema, diz respeito à comunicação e não à

causalidade como tal, de forma que o ambiente sempre atua em conjunto, e que sem

ele nada pode acontecer (2007, p. 69). A autopoiese é sempre mantida, a partir da

auto-observação do sistema, visto que a reprodução dos elementos é embasada na

diferença do que pertence ou não ao sistema e ao ambiente, estabelecendo-se, na

operação de observação, a diferença entre autoreferência, o que o observador atribui

a si mesmo, e heteroreferência, o que ele atribui ao sistema observado (2005, p.38).

1.2 INCLUSÃO E EXCLUSÃO SOCIAL E OS CONCEITOS DE SUBINTEGRAÇÃO E

SOBREINTEGRAÇÃO DE MARCELO NEVES

Nesse contexto, as noções de inclusão e exclusão examinadas a partir da

teoria dos sistemas se referem à inserção ou não nos subsistemas sociais, que

utilizam a comunicação como elemento basilar, tais quais: economia, política e direito.

Quando aplicada no contexto brasileiro, a teoria dos sistemas teve que passar por

certas reflexões e adaptações, principalmente no que diz respeito a observar as

peculiaridades de uma modernidade periférica, eivada de desigualdades sociais.

RIBEIRO faz referência ao texto em que Luhmann cogitou as

particularidades da situação brasileira:

Isso significaria que a sociedade no Brasil é integrada de maneira dupla, a saber, positivamente através da rede de favores, de gratidões, de relações patrão/cliente, da corrupção, e negativamente mediante a exclusão prática de muitos da participação em todos os sistemas funcionais, situação em que uma exclusão (falta de documento, de trabalho, de alimentação regular, de educação, de seguro de saúde, da segurança do corpo e da vida) que forçosamente traz consigo, cada vez mais, outras exclusões. (2013, p. 4)

A sociedade moderna é inacessível em sua totalidade, porquanto não há

um órgão central que promova a integração automática em todos os setores sociais,

de tal modo que a integração nesse tipo de sociedade apenas pode ser realizada,

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paulatinamente, por meio da inclusão em seus sistemas sociais parciais, reflexo da

diferenciação funcional da sociedade, que caracteriza a modernidade, posto que as

formações sociais antecedentes, pré-modernas ou tradicionais diferenciavam as

esferas sociais não a partir de suas funções comunicacionais especializadas, mas a

partir de outros elementos, como segmentos e estratos sociais (RIBEIRO, 2013, p. 4).

Tendo em vista que, para a teoria dos sistemas, a sociedade moderna é

diferenciada funcionalmente em sistemas parciais autônomos e relativamente

independentes entre si, o acesso às suas comunicações deveria ter seus critérios

estabelecidos pelo respectivo subsistema, sem ingerências, nesse tocante, por parte

de algo externo a ele, como outro subsistema ou o próprio ambiente. Ademais, a

transformação da sociedade em moderna demandaria que esses sistemas sociais

fossem orientadores à inclusão, e não à exclusão, justamente porque já “superados”

os modelos remotos de segmentação e estratificação sociais, de modo que a

desigualdade social, no que diz respeito às oportunidades de ingresso nos

subsistemas, não poderia ser um princípio estruturante do funcionamento desse tipo

de sociedade (BACHUR, 2012, p. 55). Destaque-se que, posteriormente, o próprio

Luhmann, reconhecendo as limitações desse seu posicionamento para compreender

a realidade fática das atuais conjunturas sociais, modificou seu entendimento para

enfrentar a questão da inclusão e exclusão na sociedade moderna (NEVES. 2011, p.

76).

Bachur aponta que uma das questões cruciais é a de que, teoricamente,

com a diferenciação funcional da sociedade em subsistemas autopoiéticos cuja

comunicação é especializada, e, portanto, autônoma em relação aos demais sistemas

parciais, a hipótese de a inclusão ou exclusão de um deles ensejasse, em uma reação

em cadeia, o acesso ou não nos demais subsistemas deveria ser uma possibilidade

afastada (2012, p. 56).

No entanto, essa reação entrelaçada, de maneira negativa, mostra-se

muito presente nas estruturas sociais, comprometendo o primado da diferenciação

funcional, porquanto os efeitos da inclusão ou da exclusão em um subsistema social

deveriam restringir-se apenas a esse sistema parcial, além de deverem ser

contingentes, no sentido de reversíveis e temporários (BACHUR, 2012, p. 56), o que,

de fato, não condiz com a realidade, principalmente a brasileira, na qual o não acesso,

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mormente ao subsistema econômico, gera uma exclusão, geralmente permanente ou

de difícil reversão, em série da integração dos demais sistemas parciais.

Singular, ainda, o fato de que, nessa situação, a diferenciação funcional

acaba tendo tratamentos diversos para a inclusão e a exclusão: enquanto que a

primeira é contingente, pois não necessariamente gera o acesso em outro subsistema,

a segunda é estruturada, integrada, de modo que o não acesso a determinado(s)

subsistema(s) pode necessariamente acarretar a exclusão de outro(s). Bachur

exemplifica com o fato de que o acesso à educação não garante um emprego bem

remunerado, que não garante acesso à saúde ou participação adequada nos sistemas

da política, do direito, da arte etc. (2012, p.56).

Nesse contexto, o sistema social parcial do direito estaria, precipuamente

nas modernidades periféricas, comprometido em seu fechamento operacional e em

sua autonomia, pelos subsistemas da economia e da política, o que caracterizaria uma

corrupção sistêmica, haja vista que, ao invés de as comunicações jurídicas operarem

por seu próprio código, levando em consideração apenas o “lícito/ilícito”, elas são

atravessadas, no sentido de sofrerem fortemente a interferência, por códigos como

“ter/não ter”, típico do subsistema econômico, e “poder/não poder”, característico do

subsistema político, ou até mesmo por seleções de redes pessoais e privadas, como

“amigo/não amigo”, relações de patronagem, patrocínio e redes de trocas de favores

(RIBEIRO, 2013, p. 6).

No quadro apresentado, cabível falar em subintegração e sobreintegração

dos indivíduos no que tange ao acesso aos subsistemas sociais. De acordo com

Luhmann, em leitura feita por Marcelo Neves, o conceito de inclusão diria respeito ao

acesso de todos os indivíduos às prestações dos subsistemas funcionais da

sociedade, de maneira que, na proporção em que tal inserção é operada, extinguem-

se gradualmente os grupos que antes eram excluídos ou participavam apenas

marginalmente da vida social (NEVES, 2011, p. 76).

Por outro lado, continua Marcelo Neves, a exclusão consistiria justamente

na conservação, em algum nível, dessa marginalidade. Seria nesse contexto que

encontrar-se-iam, portanto, os subintegrados, que serial aqueles sujeitos que,

representando parcela significativa da população, dependem, necessitam realmente,

das prestações dos subsistemas funcionais, mas que, todavia, não encontram acesso

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a elas, enquanto que os indivíduos sobreintegrados seriam, em contrapartida, aqueles

que não necessariamente careceriam ou teriam que respeitar as regras dos

subsistemas, mas teriam acesso às suas prestações (2011, p. 76-77).

Assim sendo, Neves explica que, segundo Luhmann, quando incluídos, os

seres humanos seriam considerados como tal, em toda sua complexidade, ao passo

que, quando excluídos, não mais seriam percebidos como indivíduos, pessoas, mas

como meros corpos (2011, p. 197). Dessa maneira, a integração seria a diminuição

dos níveis de liberdade dos subsistemas, limitando, assim, seu alvedrio, seus critérios,

para seleções.

Se tal integração incidir no acesso, pode ser considerada positiva, posto

que promoveria uma maior inclusão dos sujeitos nos subsistemas, contudo, se

utilizada para a exclusão, promovendo o não acesso em cadeia, é compreendida

negativamente (NEVES, 2011, p. 77). Pelo exposto, uma inclusão ideal combinaria a

dependência da prestação com o acesso ao respectivo subsistema social.

Necessário atentar ao fato de que a inserção de todos os indivíduos nos

subsistemas e a diferenciação funcional da sociedade são dois elementos que se

pressupõem mutuamente, enquanto que a exclusão de significativa parcela da

população é incompatível com a autopoiese e com a autoreferência operacional dos

subsistemas, e vice-versa (NEVES, 2011, p. 78).

Neves explica, sobre a questão da sociedade periférica, que:

A bifurcação no desenvolvimento da sociedade moderna (mundial) resultou para os países periféricos em uma crescente e veloz complexificação social, sem que daí surgissem sistemas sociais capazes de estruturar ou determinar adequadamente a emergente complexidade.

[....]

Quanto à modernidade periférica, o problema estrutural desde o seu surgimento vincula-se à falta de suficiente autonomia operacional dos sistemas jurídico e político, bloqueados externamente por injunções diretas (isto é, não mediatizadas por suas próprias operações) de critérios dos demais sistemas sociais, principalmente do econômico. (2011, p. 172-173)

Destarte, depreende RIBEIRO que a generalização de relações de

subintegração e sobreintegração peculiar de cenários periféricos, permeados

intensamente pelo princípio da exclusão, seria um forte obstáculo à realização da

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cidadania no sentido de inclusão dos indivíduos na comunicação dos subsistemas

sociais, e que, a partir do entendimento de Marcelo Neves, a cidadania na sociedade

moderna teria como pressuposto um contexto positivo de direito, no sentido de os

indivíduos também perceberem suas prestações positivas, e a autonomia desse

subsistema, sem que seu acesso fosse transpassado pela economia e pela política

(2013, p. 6).

Dessa maneira, os indivíduos marginalizados, subintegrados nos sistemas

econômico, político e jurídico, não veriam a efetividade de seus direitos fundamentais,

e, muito menos, sua concretização, de modo que, para eles, o subsistema jurídico,

praticamente, apenas teria expressão quando se tratasse de restringir sua liberdade,

posto que o lado cobrador e repressor do Estado seria o que mais se mostraria, senão

a única face que se revela, a esses subcidadãos, dentre os quais estão os jovens

marginalizados.

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2 O TRÁFICO DE DROGAS COMO OPÇÃO TORTUOSA NA ALVORADA DO

DESENVOLVIMENTO JUVENIL

No capítulo que se apresenta, será feita uma análise legal e sociológica

sobre o tráfico de drogas, atividade considerada ilícita pelo ordenamento pátrio,

visando detectar como a vultosa mobilização espúria de recursos financeiros gerada

pela traficância, juntamente com a exclusão socioeconômica, funcionaria como

instigação ao envolvimento de jovens na traficância.

2.1 O TRÁFICO DE DROGAS, EM REDES E TERRITÓRIOS, NO BRASIL:

HISTÓRICO E CONJUNTURAS DE PRODUÇÃO NORMATIVA

A preocupação com a questão das drogas teve seu primeiro tratamento

normativo no Brasil ainda na época colonial, sendo previsto nas Ordenações Filipinas

de 1603, Livro V, punições de confisco de bens e degredo para a África para os

praticantes das condutas de portar, usar ou vender substâncias tóxicas. Adveio, então,

o Código Penal Republicano de 1890, que explicitamente proibiu, no seu art. 159,

algumas substâncias venenosas, as quais careciam de lei complementar para sua

determinação (PEDRINHA, 2008, p. 5489).

Em 1912, o Brasil aderiu à Convenção Internacional do Ópio, resultando no

Decreto nº 4.294 de 1921, cuja ementa previa a cominação de penalidades em caso

de venda de cocaína, ópio, morfina e seus derivados, a criação de estabelecimento

especial para internação daqueles intoxicados pelo álcool ou substâncias venenosas

e o estabelecimento das formas de processo e julgamento, além da especificação do

termo “entorpecente” como relativo às substâncias consideradas venenosas. Referido

Decreto revogou o art. 159 do Diploma Incriminador de 1890, supramencionado. A

criação dos sanatórios para toxicônomos - enquanto não implantados tais

nosocômios, caberia a interdição na Colônia dos Alienados - foi determinada pelo

Decreto 14.969/21, que regulamentava o Decreto 4.294/21 (PEDRINHA, 2008, p.

5490).

As Convenções Internacionais de Haia (1912) e de Genebra (1925, 1931 e

1936) exerciam forte influência sobre o tema das drogas no Brasil, ensejando o

surgimento do Decreto 20.930/32, modificado pelo Decreto 24.505/34, restando este

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revogado pelo Decreto-Lei 891/39, o qual direcionou a redação do art. 281 do Código

Penal de 1940.

Essas interferências internacionais e as consequentes modificações

sucessivas no cenário normativo brasileiro demostravam a internacionalização, pelo

país, do controle da questão das drogas, aspecto essencial do modelo sanitarista, no

qual as reformas ocorrem de fora para dentro, de modo que a legislação interna

funciona como ressonância decorada com as volutas do bacharelismo tropical

(PEDRINHA, 2008, p. 5490).

O modelo sanitarista do controle das drogas consistia na utilização métodos

de combate como barreiras alfandegárias, não criminalização dos usuários e

dependentes, tratamento ou, caso necessário, internação compulsória destes, sob

fiscalização estatal, técnicas de desintoxicação a partir da ministração de doses

homeopáticas ou privação progressiva da substância, alta do paciente relacionada a

uma decisão judicial. O próprio Código Penal de 1940 adotava o posicionamento de

não criminalizar o consumo de drogas. O cenário modificou-se abruptamente quando

do contexto da intervenção militar no Brasil ao ano de 1964, que exerceu significativas

ingerências na condução da política criminal do país. Outrossim, nesse período,

ocorria a Guerra Fria e o capitalismo industrial de guerra, sendo as relações

internacionais militarizadas no campo da geopolítica (PEDRINHA, 2008, p. 5491).

Principalmente a partir da década de 60, as drogas tomaram uma

simbologia de manifestação em favor da insurgência, da liberdade e da contracultura,

passando a serem vistas como elemento de subversão, de modo que seu combate

começou a ocorrer de maneira mais austera, sendo esse o panorama no qual o

tratamento da questão passou do modelo sanitarista para o modelo de política criminal

bélico no Brasil, que seguia a tendência internacional, principalmente a

norteamericana, expandindo-se a repressão e acrescentando-se mais verbos

criminalizadores ao art. 281 do Código Penal com o Decreto 385, após o Ato

Institucional nº. 5 no Brasil (PEDRINHA, 2008, p. 5491-5492).

Posteriormente, a Lei 5.726/71 equiparou usuário e traficante,

estabelecendo em seu primeiro artigo ser dever de toda pessoa física ou jurídica

colaborar no combate ao tráfico e uso de substâncias entorpecentes ou que

determinem dependência física ou psíquica. Por sua vez, a Lei 6.378/76, apesar de

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33

aumentar o rol de condutas que poderiam subsumir-se ao tipo do tráfico de drogas,

substituiu o termo “combate” do primeiro dispositivo legal pelos vocábulos de

“prevenção e repressão”, além de diferenciar as figuras de usuário e traficante,

refletindo-se tal procedência nas penas estabelecidas e possibilidade de benesses

processuais e de execução penal concedidos a cada qual (PEDRINHA, 2008, p.5493).

Com o advento da Constituição Federal de 1988, o tráfico de entorpecentes

e drogas afins passou a ser crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia,

previsão do art. 5º, inciso XLIII da Carta Magna, sendo equiparado a delito hediondo,

havendo previsão dessa conduta no art. 2º, caput, da Lei 8.072/90, que trata dos

crimes hediondos. Posteriormente, com o escopo de substituir a Lei 6.368/76, surgiu

a Lei 10.409/2002. Todavia, esta trazia muitas inconstitucionalidades e vícios técnicos,

razão pela qual teve seu aspecto penal vetado, aprovando-se apenas suas

disposições relacionadas a normas processuais. Dessa maneira, vigoravam,

concomitantemente, duas leis: a Lei 6.368/76 quanto à matéria penal e a Lei 10.409/02

em relação ao âmbito processual penal. Pondo termo a essa situação híbrida, foi

publicada a Lei 11.343/2006, que trouxe disposição expressa, em seu artigo 75,

revogando totalmente as mencionadas duas leis que a antecederam, iniciando-se sua

vigência aos 8 de outubro de 2006 (CAPEZ, 2013, p. 682).

A nova Lei de Drogas (11.343/06), de incidência nacional, abrangendo

União, Estados, Distrito Federal e Municípios, institui o Sistema Nacional de Políticas

Públicas sobre Drogas (SISNAD), prescreve medidas de prevenção ao uso indevido,

e de reinserção social dos usuários e dependentes, prevê os novos crimes

relacionados às drogas e estabelece o novo procedimento criminal para condutas

ligadas à traficância, de acordo com seu artigo 1º:

Art. 1º. Esta Lei institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas e define crimes.

Parágrafo único: Para fins desta Lei, consideram-se como drogas as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União.

O art. 5º da lei sob exame, em seu inciso I, estabelece como um dos

objetivos do Sisnad a contribuição para a inclusão social do cidadão, constando no

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texto legal a graduada incompatibilidade entre a inclusão social e o uso indevido de

drogas, o tráfico de drogas e outros comportamentos correlacionados, segundo

redação in verbis:

Art. 5o O Sisnad tem os seguintes objetivos:

I - contribuir para a inclusão social do cidadão, visando a torná-lo menos vulnerável a assumir comportamentos de risco para o uso indevido de drogas, seu tráfico ilícito e outros comportamentos correlacionados;

O tráfico de drogas, como conduta delituosa, é inserido no Título IV,

Capítulo II da Lei 11.343/2006, mais especificamente no art. 33 do texto legal,

diferenciando-se tal comportamento da infração de uso pessoal de drogas ilícitas,

prevista no art. 28, integrante do Capítulo III, Título III, da mesma Lei. As condutas

previstas como de traficância, bem como de uso pessoal, são exaustivamente

previstas nos artigos aludidos, sem prejuízo dos demais comportamentos criminosos

previstos no título quatro, em seu segundo capítulo, já mencionado.

Pedrinha explica que o SISNAD aderiu a modelos dicotômicos, porquanto,

ao mesmo tempo em que busca a prevenção do uso de drogas e a reinserção social

dos dependentes e usuários, reprime vigorosamente várias condutas ligadas à

matéria, como, por exemplo, a produção, comercialização, fornecimento, ainda que

gratuito, ter guardado em depósito (art. 33, Lei 11.343/2006), apontando ainda para a

utilização de norma penal em branco para complementar a lista de substâncias que

detenham o potencial de causar dependência (2008, p. 5496).

Bitencourt, em relação ao tema, elucida que normas penais em branco são

aquelas “incompletas, com preceitos genéricos ou indeterminados, que precisam de

complementação de outras normas. ” Nesse contexto, haveria ainda a subdivisão em

normas penais em branco em sentido lato ou homólogas, cuja complementação teria

origem na mesma fonte formal da norma incriminadora; e em sentido estrito, quando

haveria a heterogeneidade de fontes normativas, de modo que a norma penal em

branco seria complementada por norma jurídica de procedência formal diversa (2014,

p. 201-202).

No caso da Lei 11.343/06, constata-se que se trata de norma penal em

branco heterogênea, haja vista que prevê condutas relacionadas drogas sem, no

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entanto, especificar quais seriam as substâncias ligadas à ilicitude, de maneira que,

para tanto, segundo o artigo 66 da mesma Lei, recorre a ato administrativo da Agência

Nacional de Vigilância Sanitária, Portaria SVS/MS n. 344, de 12 de maio de 1998

(CAPEZ, 2013, p. 685). Válido ressaltar que o termo “entorpecente” já não foi utilizado

na Lei 11.343/2006, esclarecendo a autora que referida lei compatibilizou-se com a

Convenção de Viena de 1971, no tocante ao uso ritualístico-religioso da droga,

segundo o preceituado no artigo 2º, caput, da Lei de Drogas (PEDRINHA, 2008, p.

5497).

Pedrinha (2008, p. 597) critica a situação de que, apesar do avanço de a

Lei 11. 343/2006 ter adotado como alguns de seus princípios o da autonomia da

vontade e o da liberdade, direitos fundamentais da pessoa humana, tais princípios

seriam considerados apenas em relação aos usuários, ao passo que, para o traficante

e praticante de condutas correlatas, preponderaria o modelo repressivo, a partir de

uma política criminal de embate, que se utiliza de um discurso alegando a busca pelo

bem estar e pela estabilidade social. Todavia, a autora salienta que os índices de óbito

por overdose seriam insignificantes em relação àqueles referentes às mortes em

decorrência da política criminal adotada em combate à traficância, geralmente

indivíduos da periferia, tidos como traficantes, quando, na maioria das vezes, são

apenas vítimas do próprio sistema, não sendo punidos, ou mesmo encontrados, os

verdadeiros chefes do crime organizado.

Em severa análise, afirma que é larga a fenda para arbitrariedades no

momento de classificar se a conduta subsume-se em uso ou em dolo de traficar,

porquanto existiria a propensão da construção de um estereótipo criminal, de modo

que certos indivíduos, inseridos em camadas mais vulneráveis economicamente da

população, estariam mais sujeitos a serem incursos na conduta de traficância

(PEDRINHA, 2008, p. 5498).

Ao concluir seu parecer, a autora elucida que o cumprimento da própria Lei

11.343/2006 requer uma pesquisa aprofundada e crítica acerca da socialização da

matéria, haja vista que referida lei torna mais abrangente o aparelho punitivo de um

sistema penitenciário para o qual o adjetivo de superlotado já seria um eufemismo,

havendo um déficit aproximado de 200.000 (duzentas mil) vagas, à época da

pesquisa, em 2008 (PEDRINHA, 2008, p. 5499). O que propõe é a adoção de um

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modelo preventivo, interdisciplinar, porquanto o problema iria além da “simplicidade

maniqueísta do traficante como maior inimigo do Estado” (PEDRINHA, 2008, p. 5500).

Seria necessária alguma base científica nas ações empreendidas, dialogando-se com

questões de saúde públicas e políticas públicas em geral. “Pois do contrário, teremos

o que Vera Malguti chamou de política criminal de drogas do tigre de papel, cuja

fraqueza provém de sua força. Ou seja, nada tem sido feito contra o demônio que

finge combater: a dependência química.” (PEDRINHA, 2008, p. 5500).

No que tange à estrutura do tráfico de drogas, segundo Colares, seria a de

um sistema aberto e interligado por territórios e redes, as quais consistiriam em

instrumentos estratégicos para burlar as limitações espaciais, em um agregado de

poder, controle e manipulação social (2010, p. 40). Refere-se, ainda, às redes como

relações sociais organizando espaços, no sentido de priorizar a mobilidade e a fluidez,

através de nós, que seriam conexões a permitir a dinâmica dos fluxos que motivam a

existência desses pontos de convergência (HAESBAERT apud COLARES, 2010, p.

42). Aludidas redes relacionar-se-iam com as noções de articulação, conexão,

vínculos, relações horizontais, interdependência de serviços, em uma construção

coletiva (DUARTE apud COLARES, p. 2010, p. 107).

Essa disposição em redes seria formada pela comunicação interpessoal,

constituída, no âmbito privado, por atores de interação, e pela comunicação mediática,

relacionamentos entre instituições e organizações da sociedade e as pessoas que os

formam, considerados não como indivíduos, mas como receptores coletivos de

informação, sendo por essa razão que a comunicação seria essencial na formação de

consciência da coletividade e, consequentemente, na tomada das decisões políticas

e jurídicas. Tal difusão de dados interligados, portanto, ensejaria a formação de

inúmeras redes horizontais de comunicação, as quais, independentes da mídia e dos

governos, configurariam a denominada massa autocomandada (CASTELLS, 2005, p.

23-24).

Ademais, de acordo com Sposito (apud COLARES, 2004, p. 42), um

aspecto essencial da estrutura em redes é a generalização, permitindo a circulação

célere de informações, coordenação de atividades, instruções e dos resultados das

operações. Esse tipo de composição mostra-se, assim, de suma importância para

consolidação e êxito do tráfico de drogas, posto que as interconexões espaciais e

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comunicacionais através de pontos estratégicos de convergência, “nós”, possibilitam

a existência de uma atuação ilícita em vários níveis de complexidade.

As redes ilegais, por seu turno, teriam o condão de tornarem-se territórios

nos aglomerados de exclusão, imbuídos de deficiências estruturais e de serviços, de

segregação socioespacial e fragmentação territorial em razão das discrepantes

desigualdades socioeconômicas. Esse tipo de terreno seria, portanto, fértil para que

os agentes hegemônicos do crime, e, especificamente, do tráfico de entorpecentes,

exercessem seu controle e suas ingerências com amparo nas redes formadas dessa

maneira, cujas localizações geralmente são habitadas por indivíduos mais

vulneráveis, mormente por estarem, via de regra, excluídos ou subintegrados

socioeconomicamente, no que se poderia denominar “territorialização perversa”

(HAESBAERT, 2004 apud COLARES, 2010, p. 56).

Explicando o fenômeno de “territorialização perversa”, aduz Couto (2010,

p. 59):

[...] A “territorialização perversa” é assim chamada pelo fato de submeter a população à lógica da violência urbana por meio de forte controle e repressão dos agentes ligados ao crime organizado, que passam a estabelecer regras que garantem o domínio sobre o território e formam uma espécie de poder paralelo que tenta fazer frente (ou fazem) ao modelo de organização política e econômica do Estado. [...]

No mesmo contexto, Castells (apud GUARESCHI, 2001, p. 149) expõe que,

examinando-se a dinâmica do capitalismo informacional, detecta-se incutida a

polarização entre abastança e miséria nas relações de distribuição e consumo e na

apropriação diferenciada de riquezas. Outrossim, apresenta que, nas relações de

produção, está presente a exclusão social e uma integração perversa, a qual consiste

no trabalho desenvolvido no âmbito da economia criminosa, gerando-se renda a partir

da realização de atividades consideradas delituosas pela legislação nacional, tal como

o tráfico de drogas. Mais enfático e severo, Guareschi (2001, p. 149), afirma que o

resultado dessa conjuntura seria uma multidão de seres humanos empobrecidos e

descartáveis.

O tráfico de drogas é, inegavelmente, parte integrante do sistema

econômico vigente, e, a partir da lavagem de dinheiro, seus montantes incontáveis

circulam mundo afora, sustentando todo esse sistema que envolve interligações

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multinacionais. Em uma estrutura de grande porte que abrange um complexo de

atividades constitui uma economia ilegal sem qualquer mecanismo de regulação,

sendo, também por essa razão, a elevada lucratividade que promove, figurando como

o mercado ilícito mais importante dos dias atuais (FEFFERMANN, 2006, p. 211).

Acerca de mercados informais e criminalizados, é possível distingui-los considerando

o grau de participação no conjunto das regulamentações estatais. Assim, o mercado

ilegal do tráfico de drogas seria duplamente informal, porquanto “a mão-de-obra

utilizada não pode ser formalmente regulamentada, tendo em vista o caráter ilegal das

mercadorias comercializadas ou produzidas, e também por fazerem parte de um

mercado em si criminalizado.” (MISSE apud FEFFERMANN, 2006, p. 211).

2.2 A EXCLUSÃO SOCIOECONÔMICA COMO FATOR DE INSTIGAÇÃO DA

JUVENTUDE AO ENVOLVIMENTO NO TRÁFICO DE DROGAS

De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei. 8.069/90),

artigo 2ª, caput, e parágrafo único, considera-se criança, para efeitos legais, o

indivíduo que conte com até 12 (doze) anos de idade incompletos. Por sua vez, o

adolescente seria aquele cuja idade fosse compreendida entre 12 (doze) e 18

(dezoito) anos, sendo o Estatuto aplicado excepcionalmente, nos casos expressos na

lei, para aqueles de idade entre 18 (dezoito) e 21 (vinte e um) anos.

O envolvimento de crianças e adolescentes no tráfico de drogas não é um

acontecimento recente. Há registros de que, desde a década de 60, os pequenos já

integravam a venda de entorpecentes ilícitos, dependendo sua participação da opção

pessoal, em relação a esse tipo de trabalho infantil, daquele que liderava as

negociações. Eram colocados em postos, geralmente, de “olheiros”, mensageiros e

“aviõeszinhos” (transportadores de drogas). Até meados dos anos 70, as crianças e

os jovens não eram armados e, como remuneração, recebiam “presentes” ou um valor

fixo em dinheiro (DOWDNEY, 2004, p. 122).

O advento da cocaína no mercado de varejo ocasionou uma significativa

mudança no comércio de drogas na década de 80, o que acabou sendo igualmente

fator responsável pela intensificação no emprego de crianças dentro da sistemática

do tráfico. Aumentada a rentabilidade do negócio, as relações de trabalho foram

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reestruturadas, mormente no que diz respeito aos jovens, que passaram a ocupar

também outras funções e a serem pagas em dinheiro (DOWDNEY, 2004, p 123).

Os sujeitos, em especial os jovens excluídos ou subintegrados

economicamente, segundo o recorte fático analisado no presente trabalho, atuam na

ilicitude sob o manto da invisibilidade que os cobre: se já não são vistos e

reconhecidos pelo meio social como sujeitos de direitos, efetivamente, então não

veriam motivo para conservarem-se na seara da licitude que os ignora, se os

caminhos delituosos poderiam oferecer-lhes, no mínimo, vantagens econômicas

imediatas, apesar dos riscos inerentes às veredas do crime.

Acerca da invisibilidade social e das realidades díspares dos indivíduos que

habitam as cidades como pano de fundo para a prática criminosa, discorre Mello

(p.132-134, 2001):

A multidão é a imagem palpável da massa. Ao permitir que os indivíduos desapareçam em seu interior, ela oferece esconderijo às atividades criminosas. O anonimato, identificado por muitos como uma forma de liberdade individual, tanto o é para o bem como para o mal. Nas formas cambiantes da multidão, os contatos são breves e superficiais, cada pessoa é sua máscara momentânea.

[...]

A especialização dos espaços na cidade impõe uma ordenação à vida social que atinge, também, os habitantes, formando uma população humana altamente diferenciada. A fragmentação geográfica, e também a das ocupações e das funções, acaba por corresponder a uma fragmentação das experiências e à formação de identidades psicossociais complexas. No caso das classes subalternas, a aquisição da identidade é problematizada pelo forte sentido de discriminação, vivido diariamente sob a forma da humilhação que situa seus integrantes, em relação ao poder, como cidadãos de segunda categoria.

No sentido de instigar os indivíduos tidos como “cidadãos de segunda

categoria” a buscarem vias espúrias e imediatas de obter recursos financeiros, através

do crime, haveria principalmente estímulos de natureza consumerista, posto que a

publicidade e a exposição de objetos mais variados, em sua maioria artigos de

ostentação material, atingiria igualmente os incluídos no subsistema econômico e os

excluídos ou subintegrados, tendo em vista a rápida e, praticamente, universal difusão

de informações, em contrapartida ao restrito alcance à aquisição de tais produtos ou

serviços (MELLO, 2001, p. 134).

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Nesse contexto, os jovens seriam mais vulneráveis à essa “integração

perversa” por estarem em um estágio de desenvolvimento biopsicológico de maior

inquietação e em busca de experiências diversas. Diante da ausência de um

acompanhamento adequado em espaços familiares e educacionais, vão à procura de

vivências nas ruas, “espaço desestruturado e aventuroso, com possibilidade de ganho

ou diversão, porém cheio de perigos” (MELLO, 2001, p. 135-136).

A autora refere-se, ainda, à exclusão desses jovens não apenas em vida,

mas até mesmo quando ceifada essa, posto que as investigações, que contam com a

precariedade de instrumentos para realização dos inquéritos policiais e com a

morosidade do Judiciário, das mortes de crianças e adolescentes das camadas mais

pauperizadas da população, que acontecem, em sua maioria, nas áreas periféricas

das cidades, noticiadas paulatinamente pelos meios de comunicação de massa no

cotidiano, já não causariam tanto clamor na opinião pública, tornando-se uma

usualidade nefasta e resultando, geralmente, na impunidade dos envolvidos nesse

extermínio juvenil. Estariam, mais uma vez, excluídos, ao ser-lhes negado o direito de

óbito devidamente apurado (MELLO, 2001, p.136-137).

Presente, pois, uma espécie de duplo registro da violência. Frisa que,

quando as vítimas de abuso são jovens oriundos de camadas mais abastadas da

população, esta bradaria por punição dos responsáveis; em contrapartida, quando o

extermínio, em doses “homeopáticas” diárias, ocorre na periferia, caso noticiado, não

há a mesma mobilização, silenciando-se tacitamente esse mesmo grupo que antes

clamava pela persecução da justiça, como se houvesse violências que não contam,

posto que atuariam como fator necessário uma espécie de “depuração” da sociedade

(MELLO, 2001, p. 139). A violência nas periferias urbanas tornou-se corriqueira, de

maneira que acaba sendo naturalizada como um “dado estatístico” característico

dessas regiões, o que, muitas vezes, funciona à título de justificativa para o Estado e

os grupos sociais como um todo eximirem-se de qualquer responsabilidade em

relação a esse fato (FEFFERMANN, 2006, p. 203).

A autora aponta ainda que, se a violência se desenvolve com aspectos

diferentes na realidade hodierna, e a articulação cada vez mais intensa do crime

organizado faz com que os indivíduos percebam a intensificação de sua ocorrência,

do mesmo modo que o consumo de drogas expandiu-se, também tornaram-se cada

vez mais discrepantes os desníveis de consecução de renda e de qualidade de vida,

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sendo claramente perceptível a exclusão de grandes massas de jovens, cujos direitos

à infância, à escola, ao emprego e à dignidade lhes são negados ou oferecidos

ineficientemente (MELLO, 2001, p.138). Outrossim, inegável que o tráfico e o

consumo de drogas, aliados à facilidade de obtenção ilícita de armas de fogo, atuam

como elementos combustíveis para o aumento da criminalidade e violência nas

cidades (MELLO, 2001, p. 140).

Referindo-se ao papel da mídia nesse cenário, Mello tece duras

considerações. Aduz ao aspecto da parcialidade predominante nesse meio de

transmissão de dados, que, longe de limitarem-se a informar, transmitiriam, na maioria

dos casos, mensagens e códigos profundamente estereotipados, incentivando

preconceitos. Exemplifica, reportando-se à situação de que, usualmente, apenas são

divulgadas pesquisas acadêmicas nesses meios quando estas reforçam os estigmas

cuja difusão já era pretendida. Resultado disso, aponta, seria, a partir do uso da

palavra escrita e de programas televisivos, a caracterização de toda uma população

como perigosa, como bandida e violenta (2001, p. 137-138).

Cria-se, com a massificação desse tipo de informação transmitida, um

empreendimento de divulgação da culpa dos pobres pela violência. Os sujeitos

objetos desses holofotes são rotulados, não sendo mais vistos como pessoas, mas

como “carentes, favelados, ladrões, menores infratores, delinquentes, criminosos,

bandidos, viciados” (MELLO, 2001, p. 139). Continuando com sua crítica, Mello

ressalta que, notadamente, o foco não está na divulgação acerca das motivações do

ato violento, mas, em geral, na incitação ao julgamento e à vingança. De modo mais

enérgico, afirma não ser “necessário um cientista, como Pasteur, para provar que a

violência não tem geração espontânea. Seria papel da mídia esclarecer as raízes

sociais, culturais, políticas e econômicas que permeiam a violência nas relações

sociais” (2001, p 139).

As drogas, no contexto atual, são consumidas prioritariamente como meio

de fuga da realidade por parte do indivíduo, buscando-se deleite máximo na curta e

intensa sensação, como em um curto-circuito para aliviar o sofrimento psíquico

(GRANER-ARAÚJO, 2009, p. 24). No que concerne à elevadíssima lucratividade

desse ramo, sua ocorrência se deve à própria ilegalidade do ramo e da corrupção

necessária para sua desenvoltura, tendo em vista que “com tanto lucro, [...] e, como

não há lei para proteger os negócios desse setor da economia, quaisquer conflitos e

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disputas são resolvidos pela violência” (ZALUAR apud GRANER-ARAÚJO, 2009, p.

26), estando essa atividade intimamente relacionada com a indústria bélica, haja vista

que as armas de fogo são amplamente empregadas para a manutenção da “ordem”

na dinâmica violenta da traficância (GRANER-ARAÚJO, 2009, p. 27).

Dayrell destacou a importância das relações em rede construídas por esses

jovens em situação de vulnerabilidade econômica e social, como um todo. Afirma que

eles buscam grupos de pares, com quem possam obter uma identidade, não

encontrada no seio familiar, muitas vezes já desestruturado. Em busca de uma

autoafirmação e de uma imagem de virilidade perante aqueles que lhes rodeiam,

acabam encontrando o caminho das drogas (2001, p. 313).

Diante da conjuntura de ausência de segurança afetiva no lar, do exemplo

frustrado dos familiares que possuem trabalho lícito cujos proventos não são

proporcionais aos esforços e do conjunto de fragilidades presentes na realidade

periférica, surge uma verdadeira sedução ao mundo do crime, tendo como aspecto

primordial atividades ligadas direta ou indiretamente ao tráfico de drogas, ou, como

também é designado, “movimento”, reconhecidamente arriscadas, mas que não

deixam de ser oportunidades - resguardando-se acerca da propriedade do termo - de

ocupação altamente rentável para essa juventude, sendo os riscos inclusive, em geral,

um incentivo para o ingresso nessas veredas, pelo próprio clima da aventura e

disponibilidade da vida, própria desse estágio etário (DAYRELL, 2001, p. 314).

Relacionando desemprego, necessidade de consumo, busca imediata por

recursos financeiros e por autoafirmação como fatores que ensejam o ingresso no

tráfico, pontua DAYRELL (2001, p.315):

Desemprego significa ociosidade nas ruas. A rua aqui aparece mais uma vez na sua ambiguidade, tanto como espaço de trabalho como também lugar da ociosidade, que traz consigo o risco do envolvimento com as drogas. A ilusão do dinheiro fácil é acompanhada pelo desejo de conquistar um certo patamar de consumo, que, por sua vez, passaria a significar uma posição de mais respeito no meio social mais próximo, de ser alguém, de ser admirado pelas meninas. Ao mesmo tempo responde a um certo imaginário de masculinidade, no enfrentamento dos perigos, na agressividade e no poder que uma arma representa.

O tráfico arregimenta os jovens do próprio pedaço, sendo os amigos e os conhecidos, com os quais se encontravam pelos becos, que agiam como aviões, os mesmos que seduzem para o mundo do crime,

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acenando com a possibilidade de ser alguém, o que não conseguiriam por meio da inserção social pelo trabalho.

Interessante observar que, para esses jovens, não há uma divisão

dicotômica, como geralmente ocorre para os adultos, entre as fronteiras morais de ser

criminoso ou trabalhador, mau ou bom. Essa oposição é diluída em uma fluidez de

demarcações, sendo possível transitar entre um mundo e outro sem uma delimitação

rígida (DAYRELL, 2001, p. 315). Isso é passível de compreensão, tendo em vista que

o jovem que se desenvolve tendo como exemplo, e, muitas vezes, como ídolo, aquele

indivíduo que, a partir do tráfico, ofereceu-lhe oportunidades e dinheiro rápido, além

de reconhecimento e prestígio perante os sujeitos que os cercam, dependendo da

posição alcançada pelo infante, dificilmente taxaria seu “patrono” de criminoso, ou

alguma denotação pejorativa relacionada.

Para o jovem, aquele que o insere no tráfico pode representar a única

pessoa que alguma vez já lhe tenha proporcionado tanto em tão pouco tempo,

requerendo, em contrapartida, o risco de perder sua liberdade ou sua própria vida,

fator que, muitas vezes, não é possível de ser devidamente sopesado por esses

indivíduos em plena fase de crescimento, pelas próprias condições de vulnerabilidade

biopsicológica da idade. Nesse sentido, o artigo 3º, bem como o artigo 6º do Estatuto

da Criança e do Adolescente atesta sobre o desenvolvimento incompleto de crianças

e adolescentes:

Art. 3º. A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se lhes, por lei ou por outros, meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

[...]

Art. 6º. Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais e a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.

Outrossim, sobre o processo de desenvolvimento característico da faixa

etária dos jovens:

A descontinuidade de valores e padrões de comportamento é interpretada como um dos fatores responsáveis pela crise de identidade durante a juventude. [...] a juventude é um período de

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“moratória”, “um compasso de espera” dos compromissos adultos e, no entanto, não se trata apenas disso. É um período caracterizado por uma tolerância seletiva da sociedade e uma atividade lúdica do jovem. Contudo, também, conduz a um empenho profundo, ainda que muitas vezes transitório por parte do jovem, e acaba em uma confirmação mais ou menos cerimonial desse compromisso pela sociedade. (ERIKSON apud FEFFERMANN, 2006, p. 180)

Natural, portanto, que esses fragilizados sujeitos em desenvolvimento

sigam as influências que aparentem ser, a curto prazo, as mais atraentes, ainda mais

quando inseridos em um contexto de hostilidade e de desvalorização do esforço lícito,

do estudo e do trabalho árduo, cujos frutos apenas em um futuro relativamente

distante poderiam ser colhidos, enquanto o tráfico de drogas poderia realizar, com

maior imediatismo, seus anseios mais prementes, pelo menos sob uma ótica imatura

e pululada de carências.

Destarte, se, metaforicamente, o êxito social a partir da inclusão no

subsistema econômico e, a partir uma reação em cadeia, nos demais subsistemas,

seria o topo de uma escada, inatingível, a princípio, para essa significativa porção

subintegrada da juventude, o tráfico de drogas daria ares de degraus enviesados, os

quais, supostamente, levariam ao mesmo topo imaginado, todavia, através de um

caminho cheio de riscos expressivos e sem qualquer garantia. Nesse diapasão, esses

jovens aceitam modificar, na medida do possível, sua realidade, ressignificando-se

como sujeitos, criando possibilidades, principalmente de consumo, que antes sequer

poderiam ser cogitadas para eles, a partir da ascensão econômico por vias espúrias.

Sobre essa perspectiva, discorre Dayrell (2001, p. 265) que, para esse

universo da juventude marginalizada, o trabalho lícito pode ser considerado uma

provação necessária, uma imposição externa, tendo em vista que não restam a esses

jovens muitas opções para sustentarem a si mesmos e às suas casas. Podem ser

observados como uma massa de população com ínfimas chances de reinclusão nos

padrões atuais do mercado de desenvolvimento econômico, de modo que “o período

da passagem do momento da exclusão para o momento da inclusão está se

transformando num modo de vida, está se tornando mais do que um momento

transitório” (MARTINS apud DAYRELL, 2001, p. 266).

Assim sendo, esse espaço do trabalho lícito, nesse contexto, além de não

contribuir efetivamente para o processo de humanização desses jovens, não lhes

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proporciona perspectivas de desenvolvimentos de suas potencialidades e nem de

construção de uma autoimagem positiva, estando, por conseguinte, aquém das

necessidades de tal juventude em relação à sua construção como sujeitos (DAYRELL,

2001, p. 265).

Todavia, cumpre ressaltar que, a despeito da considerável influência das

condições socioestruturais nas quais os jovens subintegrados estão inseridos, estas

não podem ser encaradas como determinantes ou razão única para o ingresso na

delinquência, porquanto o livre-arbítrio sempre seria presente, ainda que sufocado e

corrompido pelas necessidades:

É preciso compreender a escolha e, depois, saber que nenhuma escolha humana pode ser explicada apenas por determinismos sociais, embora todas sejam realizadas frente a condições dadas. (...) Todas as condições dadas são necessariamente reinterpretadas e reconstruídas pelo sujeito dentro de seu espaço de liberdade e capacidade de projetar, atributos de todos os seres humanos. (MINAYIO apud CRUZ NETO, 2001, p. 177-178)

Nesse quadro, a reflexão sobre as decisões e seleções também não podem

excluir a influência da estrutura social na qual estão inseridas, de maneira que, ao

justificarem suas escolhas pelo tráfico de drogas e não por outros modos de auferir

renda, os jovens usualmente apontam em seus discursos raciocínios em relação à

forma de organização que os cerca, pautada em uma dinâmica econômica fundada

na competição entre indivíduos e segmentos sociais (CRUZ NETO, 2001, p. 179).

Nessa conjuntura, exibem-se, básica e grosseiramente, duas veredas, a de um

trabalho pouco qualificado e precariamente remunerado, e a da vida no tráfico, a qual,

a despeito de perigosa, traz possibilidades de ganhos incomparavelmente superiores

e céleres, suprindo-se um número de necessidades, mormente as que dizem respeito

à obtenção de bens de consumo.

Destarte, o tráfico de entorpecentes entra como verdadeira opção

enviesada para muitos indivíduos desses setores marginalizados da população, sendo

uma modalidade de delito que acaba sendo cometido em busca da inserção, ainda

que escusa, no subsistema econômico, principalmente na busca pelo poder de

consumo, destacando-se também que referido crime comportaria várias modalidades

de “integrantes”, desde os sujeitos ocupantes de posição de chefia até aqueles que

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realizam atividades subordinadas ao líder, como por exemplo, negociar ou fazer a

entrega do tóxico nas ruas ou realizar a vigília do local.

Sobre o assunto, expõe Couto (2013, p. 5):

A organização local do tráfico ocorre por meio de funções específicas, atribuídas aos atores sociais envolvidos na trama das redes ilegais. Tem-se, assim, uma forma de coibir a ação de outros grupos, ou até mesmo das próprias práticas sociais que possam vir a enfraquecer o comércio do tráfico de drogas. [...]

O autor explica a existência das diversas funções dentro da dinâmica do

tráfico de entorpecentes, apontando as figuras do “soldado”, que é responsável por

manter a segurança da “boca de fumo”, local onde se vende a droga, pela cobrança

de dívidas para com a organização criminosa, e mesmo na repressão de outras

atividades criminosas no local, para evitar a presença policial na área. Haveria ainda

o “olheiro”, que seria o indivíduo responsável por alertar o grupo da aproximação de

autoridades policiais, para que se tenha tempo hábil de ocultar e resguardar quaisquer

elementos potencialmente comprometedores criminalmente; e o “avião”, encarregado

de uma tarefa essencial para o funcionamento do esquema: buscar a mercadoria na

fonte, que é mantida em localização não divulgada, e repassá-la para os compradores,

nas ruas, conservando, assim, o distanciamento dos mentores do crime com a

exposição (COUTO, 2013, p. 7).

Esclarecem OLIVEIRA e ZAVERUSHA sobre a conexão do tráfico de

entorpecentes com a lavagem de dinheiro, utilizada para legalizar os recursos

financeiros obtidos a partir das atividades criminosas. Dessa maneira, tais montantes

de dinheiro amalgamam-se com as finanças provenientes de fontes lícitas que

circulam no país, passando a inserir os agentes integrantes da traficância no sistema

parcial econômico (2006, p. 6).

Outrossim, destaca Pereira (2011, p. 4-5) que a elevada lucratividade do

tráfico de drogas é o principal atrativo para ingresso nessa atividade, principalmente

em razão da insuficiência e ineficácia da repressão realizada pela polícia, que,

geralmente, atingindo apenas os “aviões”, não é suficiente para a erradicação ou

sequer intimidação dos líderes criminosos. Nesse sentido, novamente, os jovens mais

vulneráveis conhecem predominantemente o lado repressor do Estado, porquanto

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abordados pelas autoridades policiais, na maioria das vezes, apenas as

“formiguinhas”, que seriam, de acordo com Soares (2000, p. 269), os menores de

idade utilizados pelos traficantes como verdadeiros instrumentos de transporte dos

entorpecentes a serem negociados e, inclusive, de armas.

Assim sendo, o “tráfico formiguinha”, como denomina referido autor,

consistiria justamente nessas operações realizadas pelas crianças e pelos

adolescentes - protegidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, e cujos atos

infracionais receberiam sanções menos gravosas - que carregariam pequenas

quantidades de drogas, para manter a discrição em face das autoridades policiais, a

serem comercializadas nas ruas, nos diversos pontos estratégicos dominados pelos

traficantes (SOARES, 2000, p.269).

Acerca da relação entre pobreza, marginalidade, criminalidade e fraqueza

institucional, elucida Zaluar (1994, p. 03):

A ocupação das principais ruas da cidade pela “camelotagem” informal e ilegal misturou uma saída para o desemprego com o crime organizado, este ainda mais patente nos ferros-velhos e ourivesarias, que viraram centros de receptação e de organização do crime. Mas foi principalmente o tráfico de drogas e de armas que penetrou com incrível facilidade no segundo principal centro urbano do país, o maior responsável pelo sofrimento de todos os seus moradores — ricos, remediados e pobres. Um erro de diagnóstico que apenas repetiu os dogmas de teorias sociológicas vulgares da pobreza e da urbanização acelerada, aliado à incompreensão dos mecanismos institucionais e societários do crime organizado que atravessa classes e não sobrevive sem apoio institucional das agências estatais incumbidas de combatê-lo, iniciou a catástrofe sanitária na mais internacional metrópole brasileira.

Por fim, a partir da análise das entrevistas documentadas na obra de CRUZ

NETO (2001, p. 128-129), possível averiguar que o envolvimento em tais atividades,

no, caso, por crianças e adolescentes, seria motivado, portanto, principalmente, por

fatores econômicos, no sentido de obtenção de recursos financeiros a curto prazo, os

quais também seriam celeremente despendidos, seja na compra das próprias

mercadorias que vendem, como drogas, seja em bens de consumo que lhes

proporcione a sensação de estarem inseridos em um patamar social, um status, ao

menos dentro do próprio contexto em que estão inseridos, mais alto do que o que

estavam, por mais efêmera que seja essa situação, porquanto podem vir a ter suas

vidas ceifadas dentro da dinâmica do crime ou podem perder tudo o que angariaram

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com a dissipação desenfreada desses recursos, em um imediatismo que parece estar

presente em todos esses aspectos.

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3 ILUSÃO PERVERSA OU MELHOR APOSTA? O TRÁFICO DE DROGAS COMO

MEIO DE INCLUSÃO PARA JOVENS EXCLUÍDOS E SUBINTEGRADOS EM UMA

SEMÂNTICA SOCIAL DE CONSUMO

Na derradeira fase do estudo desenvolvido, será feita uma análise de como

os valores norteadores das ações dos jovens podem ser deturpados por uma

conjuntura que estimula desenfreadamente o consumo, a descartabilidade de objetos

e mesmo de pessoas, além da própria efemeridade desses elementos, servido tal

situação como uma lente de aumento dotada de poder destrutivo se focalizada sob o

sol da criminalidade e das desigualdades socioeconômicas. Em aludido cenário,

sonda-se acerca do tráfico de drogas como sendo a maneira mais eficiente e rápida,

ainda que enviesada, de inclusão social dos jovens marginalizados ou se isso não

passaria de uma ilusão perversa, assim como um espelho de Ojesed.

3.1 O TRÁFICO DE DROGAS PARA JOVENS MARGINALIZADOS NO CONTEXTO

DE UMA SEMÂNTICA SOCIAL DE CONSUMO

Com arma AR15 ou metralhadora UZI na mão, as quais considera como símbolos de sua virilidade e fonte de

grande poder local, com um boné inspirado no movimento negro da América do Norte, ouvindo música

funk e cheirando cocaína produzida na Colômbia, ansiando por um tênis Nike do último tipo e um carro do

ano (ZALUAR apud FEFFERMAN, 2006, p. 175).

A sociedade de consumo pode ser identificada, primordialmente, pela

difusão do desejo social de adquirir o supérfluo, permeados tais anseios de uma

insaciabilidade, insatisfação constante, na qual “uma necessidade preliminarmente

satisfeita gera quase automaticamente outra necessidade, num ciclo que não se

esgota, num continuum onde o final do ato consumista é o próprio desejo de

consumo.” (RETONDAR, 2007, p. 138).

Em tal leitura, uma das características do consumismo moderno é o desejo,

a vontade, havendo a emoção ocupado um lugar central. Não que o quesito

necessidade esteja ausente, mas o “dínamo central”, o gerador das sociedades

modernas no que diz respeito ao consumo é a ânsia por algo, a excitação contínua do

desejo por bens e serviços, aliada a um individualismo no qual o sujeito adquire bens

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para uso próprio, em direção oposta à realidade das comunidades mais tradicionais e

remotas, nas quais havia geralmente um traço coletivo quando produtos eram obtidos

em nome ou por, principalmente, familiares, vilas ou instituições públicas. Assim, no

consumismo hodierno, estima-se mais sentimentos e emoções manifestados em

desejos do que razão e calculismo que vise à satisfação de necessidades reais

(CAMPBELL, 2006, p. 48-49).

No tocante à busca de significado através da construção de uma identidade

definida por desejos e consumo, Campbell (2006, p. 49-50) elucida que o assunto

deveria ser objeto de investigações mais aprofundadas, mas que, a falta de noções

mais densas não pode servir como pretexto para ignorar a ocorrência desse

fenômeno, o qual teve seu reconhecimento relutado pelo próprio autor, ainda mais

pelo fato de o assunto tocar em algumas nuances mais metafísicas. O estudioso traz

ainda uma crítica sobre o livro “ Compro, logo existo”, cuja autora, April Benson,

propõe que a atividade de comprar não apenas possibilitaria às pessoas descobrirem

quem são, mas também forneceria a elas a constatação básica de sua existência.

Apesar das imprescindíveis ressalvas, mencionada teoria não pode ser, de todo,

deixada ao léu, havendo de ser oportuna e devidamente analisada (CAMBPELL,

2006, p. 53-54).

Nesse sentido, o consumo poderia ser encarado como um processo por

meio do qual os indivíduos descobrem e constroem a própria identidade, porquanto

permitir-lhes-ia que se recriassem a todo instante, explorassem o self e respondessem

a inseguranças ontológicas e angústias existenciais, ao oferecer o conforto da

sensação de saberem-se, conceberem-se, serem seres humanos autênticos, que

realmente existem, a partir do que se consome. Desta feita, no âmbito da ontologia

emocional, haveria uma relação de proporcionalidade entre a consideração de um

objeto ou evento como “real” e a força da reação experimentada, ao mesmo tempo

em que, quanto mais intensa a sensação experimentada, mais “real”, autêntico ou

verdadeiro o indivíduo iria se sentir (CAMPBELL, 2006, p. 56-57).

O consumo como semântica social predominante também pode ser

considerado como um pano de fundo fosco, que esconde, ou pelo menos ameniza, os

reais traços dos padecimentos sociais:

Para tudo há um remédio. É assim que a sociedade de consumo supre os padecimentos da realidade social da qual todos querem se evadir:

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o tédio, a inveja e a competição, o desemprego, as decepções românticas, a obsessão pela magreza, a luta contra a obesidade, as pancadarias adolescentes, a depressão, a insônia, a solidão, o medo de adoecer, o terrorismo, etc. A sociedade contemporânea padece de tantos interesses e de tantas preocupações que fica impossível lista-los. O “remédio” do século XXI tem sido o consumo, com o propósito de satisfazer desejos, suprir carências ou de criar coragem para projetar ambições. [...] através de objetos, os homens vêm procurando atingir a estabilidade emocional e a auto-afirmação. Consequentemente, possuir ou acumular configuram-se como verdadeiros signos [...] (SANTOS e GROSSI, 2007, p. 443-444).

O consumo como sedução e manipulação, cujos objetos são vistos como

signos, independentes de seus significados, consolida-se cada vez mais na realidade

social, a qual é confundida “a fim de suprir a fantasia da acumulação” (BAUDRILLARD

apud SANTOS e GROSSI, 2007, p. 445), formando o típico quadro das sociedades

ocidentais contemporâneas. Rendendo-se à noção de valor do domínio do simbólico,

a ideia de mercadoria lançou-se do material às esferas culturais. “A partir de então, já

não é mais possível separar o econômico, do cultural e do ideológico, visto que as

imagens, as representações, a cultura e até os sentimentos e estruturas psíquicas

tornaram-se parte do econômico” (BAUDRILLARD apud SANTOS e GROSSI, 2007,

p. 445).

No cenário da pós-modernidade, os signos não necessariamente teriam

que ser verificáveis em relação ao mundo que representam - o que Baudrillard

denomina “domínio do simulacro” - sendo possível que o real seja substituído por uma

versão com o condão de gerar apenas um efeito eficaz de realidade. Para ilustrar sua

teoria, o estudioso francês referenciado desenvolveu uma ideia de quatro estágios

através dos quais teriam flutuado os signos (BAUDRILLARD apud SANTOS e

GROSSI, 2007, p. 446):

[...] inicialmente, o signo é reflexo de uma realidade básica; no segundo estágio, o signo “mascara e perverte uma realidade básica” (ideologia como falsa consciência); no terceiro estágio, o signo “mascara a ausência de uma realidade básica”; no estágio terminal, o quarto, ele é seu próprio simulacro. A simulação toma, na pós-modernidade, a forma de objetos e experiências que se pretendem mais reais do que a própria realidade, o que caracteriza, para o autor, o fenômeno da produção da hiper-realidade.

Para que se tenha uma melhor compreensão acerca de uma “semântica

social de consumo”, proveitosa uma visita às lições de Warat (1984, p. 38-39), que faz

referência à teoria de Rudolf Carnap, acerca da semiótica sob a leitura do positivismo

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lógico. A semiótica seria o estudo da linguagem como um sistema de comunicação

entre os indivíduos, objetivando exercer influência sobre seus atos, decisões e

pensamentos, tendo como unidade de análise o signo, o qual, na qualidade de

unidade bifásica, seria composto por dois elementos: o indicador, a expressão

material em si da comunicação; e o indicado, justamente a situação significativa

passível de comunicação a partir do indicador. Dessa maneira, os signos são

formados por um indício material, que consiste em seu significante, que é o modo pela

qual o signo é expressado, e pelo conteúdo conceitual, que é o significado transmitido.

O signo surge apenas quando relacionados esses dois aspectos (SAUSSURE apud

WARAT, 1984, p. 25).

No cenário apresentado, a semiótica é constituída por três níveis de

análise, alusivos aos tipos de vinculação dos signos com, respectivamente: outros

signos – sintaxe; objetos que designa – semântica, sua utilização pelos sujeitos –

pragmática (WARAT, 1984, p.39). No que diz respeito à semântica, esta trata da

questão do verdadeiro ou não, no sentido do que seja objetivamente verificável, de tal

forma que, para que os enunciados possam ter sentido, devem ser empiricamente

observáveis, efetivamente constatáveis, ou seja, conferíveis no plano dos fatos, com

uma existência, ao menos, cabível. Então, a partir da análise semântica do que se

entenda por verdade objetiva, torna-se possível afastar as significações ideológicas à

medida que considerados sem sentido aqueles enunciados que não possuem

referenciais empíricos (WARAT, 1984, p. 40-42).

Cumpre destacar, ainda, a diferença entre a Linguística, ciência da

linguagem verbal, e a Semiótica, ciência de toda e qualquer linguagem. A língua é

aquela que usamos para falar e escrever, mas esses são apenas exemplos, espécies,

de linguagem. “Somos uma espécie animal tão complexa quanto são complexas e

plurais as linguagens que nos constituem como seres simbólicos, isto é, seres de

linguagem.” (SANTAELLA, 2012, p. 13-14).

No século XXI, no sistema social em que vivemos, encontramo-nos

excessivamente expostos a receber majoritariamente, senão predominantemente,

linguagens de cujas produções não participamos, de maneira que “somos

bombardeados por mensagens que servem à inculcação de valores que se prestam

ao jogo de interesses dos proprietários dos meios de produção de linguagem e não

aos usuários” (SANTAELLA, 2012, p. 17).

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Considerando que todo fenômeno de cultura só funciona culturalmente porque é também um fenômeno de comunicação, e considerando que estes só se comunicam porque se estruturam como linguagem, pode-se concluir que todo e qualquer fato cultural, toda e qualquer atividade ou prática social constituem-se como práticas significantes, isto é, práticas de produção de linguagem e de sentido. (SANTAELLA, 2012, p. 18)

Em uma tentativa de contextualizar faticamente os argumentos

apresentados na presente pesquisa, serão apresentados depoimentos extraídos de

documentários – Notícias de uma Guerra Particular e Toda Criança Merece Ser

Criança - e de obras acadêmicas utilizadas na pesquisa. Em relação à segunda obra

audiovisual, consta como descrição do documentário no site da TV Câmara que a

creche comunitária fundada por Maria de Jesus Sousa, ex-catadora de lixo, localizada

na periferia de Brasília, especificamente na Cidade Estrutural, é mantida sem suporte

estatal, apenas por doações de voluntários. Já em Jaboatão dos Guararapes, o Centro

de Atendimento Socioeducativo (CASE) Jaboatão, ganhou em 2014 o Prêmio

Innovare na categoria “Sistema Penitenciário Justo e Eficaz”, em razão de prezar pela

educação e qualificação profissional dos jovens infratores que lá estão internados,

além de ter o menor índice de reincidência de crianças e adolescentes egressos, de

acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça.

De acordo com o depoimento de Maria de Jesus Sousa, fundadora e

voluntária da Creche Alecrim, na Cidade Estrutural em Brasília, a falta de

oportunidades de educação, qualificação e emprego são fatores que influenciam

intensamente o envolvimento dos jovens em atividades criminosas:

Hoje a gente tem esse grande problema na nossa comunidade de que os adolescentes estão todos recrutados para o crime. E se você for fazer uma análise, são pessoas que não tiveram acesso. Acesso à escola, à educação, e de uma forma geral, eles foram vetados de serem cidadãos. Porque as famílias de Santa Luzia, as famílias que moram nesse local não têm nem endereço. São pessoas que perante o governo nem existem, porque não tem como nem fazer a contagem delas. Aí é onde eu acho que a sociedade foi falha, onde o governo foi falho na nossa cidade. Porque se hoje temos, como eles falam, bandidos na Estrutural, a culpa foi do governo que não soube aplicar uma política pública aqui dentro, de incentivo; foi da comunidade que foi começando a melhorar a sua estrutura familiar e foi colocando grades nas suas portas ao invés de oferecer um emprego ao adolescente. (TODA, 2015. 45min40seg, Maria de Jesus Sousa – Fundadora e Voluntária da Creche Alecrim)

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Por sua vez, as palavras de Viviane Sybalde, Coordenadora Geral do

CASE Jaboatão, que alertam para o fato de que as informações que chegam até os

cidadãos consumidores em massa, alcançam também esses jovens marginalizados,

que passam a desejar elementos de posse material tão difundidos na publicidade, e

que não podem ser culpados por também ambicionarem o que lhes é a todo momento

exposto:

O pano de fundo desses meninos é essa sociedade capitalista que a gente vive, que o consumismo também chega para eles. Eles também querem a roupa de marca, o relógio de marca, e isso, quer queira, quer não, tem uma relação direta com o envolvimento deles no tráfico. Porque como a família não pode dispor disso, não pode supri-lo dessa necessidade, ou desse desejo, eu não colocaria nem necessidade, acho que está mais para o desejo, ele vai se associar ao tráfico. Entendeu? Então é uma relação muito direta. É tanto que aqui na unidade a gente não permite a roupa de marca. Por que? Porque a gente sabe que na leitura disso aí, quando a gente vai fazer a leitura social, tem muito isso, tem muito aquela coisa do “eu tenho que consumir, porque o adolescente da minha idade de classe média e média-alta tem, e eu sou adolescente, com os mesmos desejos, com os mesmos anseios”. Porque a gente tem que mostrar para a sociedade que quando o menino sair daqui, quando o menino cumprir sua medida, ele não vai conviver em outro planeta não, ele vai conviver conosco. Ele vai usar os ônibus que a gente usa, ele vai andar nas ruas que nós andamos. (TODA, 2015, 47min15seg, Viviane Sybalde – Coordenadora Geral do CASE Jaboatão)

Nessa linha de interpretação, presente o alerta quanto aos efeitos da difusão generalizada de ensejo ao consumo em contraste aos abismos entre a inclusão e a exclusão econômica dos destinatários de tais apelos:

Muitas vezes, as ofertas são incompatíveis com o poder de compra das famílias. No Brasil, cerca de 27,4 milhões de crianças vivem em famílias com renda menor ou igual a meio salário mínimo [...]. Este universo de crianças fica alijado deste mercado interno, perpetuando um ciclo de pobreza e exclusão social. Entretanto, os apelos ao consumo não são indiferentes a esta massa de jovens excluídos, que, muitas vezes, buscam reconhecimento, senso de pertencimento e inclusão social através da aquisição de produtos de marca (SOARES apud SANTOS; GROSSI, 2007, p. 452).

Especialistas mobilizam seus talentos no sentido de fazer com que o

marketing enseje a fusão entre necessidades e desejos os quais, se não satisfeitos,

gerem o sentimento de frustração a seus objetivados consumidores, seduzidos por

necessidades que sequer haviam percebido a existência, e, “uma vez que elas sejam

identificadas, não agir parecerá errado. [...] Esses objetos transformam-se em

indicativos do que somos e mostram parte daquilo em que podemos nos transformar.

” (BAUMAN;MAY, 2010, p. 242)

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Os jovens, assim, sujeitos a esse tipo de apelo consumerista, passam a

relativizar o valor de suas liberdades e de suas vidas porque veem no tráfico uma

maneira, senão a única, de auferir renda para adquirir determinado item que antes lhe

era inacessível, mas não menos cobiçado. Nesse sentido: “[...] o desejo por um

produto deve ser criado de maneira que todo sacrifício voltado para sua compra seja

secundário em comparação a sua posse.” (BAUMANN; MAY, 2010, p. 243).

Ilustrando referido entendimento:

A exigência das crianças de participar da crescente cultura do consumo aumentou com o surgimento de comerciais mais sofisticados na televisão com campanhas de marketing dirigidas a uma população sempre mais jovem. O número de televisões nas favelas aumentou desde os anos 70, ajudando a facilitar uma aspiração crescente por bens materiais entre os pobres. Crianças e adolescentes das favelas têm muita consciência das metas de consumo da sociedade mas, tendo pais pobres e poucas possibilidades de emprego, têm poucos meios de concretizar essas metas. O tráfico propicia um meio acessível de chegar a esse fim. A importância crescente que as crianças e adolescentes das favelas dão à compra de bens de consumo é suficiente para que muitos achem que vale a pena arriscar sua vida ou matar para satisfazer seus desejos. (DOWDNEY, 2004, p. 125)

Destarte, a partir de uma análise holística dos conceitos e das teorias até

então apresentadas, é possível entender a semântica social do consumo como a

comunicação promovida pelos subsistemas sociais no sentido de ensejar a difusão de

valores simbólicos em relação a produtos e serviços consumíveis, atribuindo-se a tais

elementos conotações que vão além de sua real utilidade, préstimo ou serventia.

Atribui-se a mercadorias de consumo uma força que beira a metafísica, no que diz

respeito à autoafirmação, construção de identidades, ressignificação enquanto sujeito,

status e prestígio social, fenômeno que, uma vez objetivamente constatável na

realidade social, semanticamente dotado de sentido e objetivamente verdadeiro.

3.2 QUANTOS VINTÉNS POR UMA INCLUSÃO? O TRÁFICO DE DROGAS COMO

ESPELHO DE OJESED E A MÁSCARA DA SOBREINTEGRAÇÃO ECONÔMICA

NO ÂMBITO DE EXCLUSÃO

A partir da análise dos depoimentos de um detento, de um traficante em

liberdade, de dois menores de idade integrantes do “movimento” (tráfico) em

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liberdade, de um jovem interno (em cumprimento de medida socioeducativa), de um

chefe de polícia civil, de um líder comunitário, de uma moradora de comunidade e de

um agente do Batalhão de Operações Policiais Especiais, colhidos no documentário

Notícias de uma Guerra Particular, produzido entre os anos de 1998 e 1999, nas

imediações e dentro do Morro Santa Maria, na cidade do Rio de Janeiro, é possível

ter uma visão panorâmica, a partir de tão diferenciadas perspectivas, acerca do

“movimento” e do ingresso de indivíduos cada vez mais jovens nele.

Acerca dos cursos de ação dos indivíduos, Bordieu (apud BAUMAN; MAY,

2010, p. 101) propõe que empregam em suas atitudes três tipos de capital: o

simbólico, a partir do qual classificam objetos e atributos como valiosos ou não; o

cultural, que é o acervo de capacidades intelectuais e aptidões em geral dos quais

são dotados, e o econômico, relacionado aos recursos materiais com os quais os

sujeitos podem contar.

Dessa maneira, suscetível cogitar que os jovens em situação de exclusão

ou subintegração do subsistema econômico poderiam classificar como valiosos a

posse de uma arma de fogo, a ousadia com a qual os traficantes enfrentam as forças

estatais, além de também se acharem capazes de tornarem-se um dia como os líderes

criminosos que admiram, tendo em vista que a grande maioria nasceu e foi criada no

mesmo âmbito marginalizado, dentro do mesmo contexto de pobreza.

Para contextualizar mencionadas ideias, os depoimentos infra:

A população vibra, não vibra? Alguém deles que deu certo. “Enfim, alguém nosso que pode ser gente. Alguém nosso que pode comprar um carrão. Alguém nosso que pode ter 5 mulheres. Um dos nossos que conseguiu chegar e se dar bem na vida.” (NOTÍCIAS, 1998-99, 20min00seg, Hélio Luiz, Chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro)

“O que leva um jovem a se se envolver com o tráfico? Eu acho que essa juventude que já está na favela, que é a terceira geração, ela busca uma afirmação muito forte nessa cidade. Então eu acho que o tráfico oferece também isso, oferece um respeito que ele não tem quando ele opta por ser um entregador de farmácia. Quando ele abre o jornal que lê “na favela tal, o jovem enfrentou a polícia, armado, e botou o capuz, isso alimenta nele esse orgulho, esse poder que ele acha que tem sobre uma sociedade que não reconhece o seu real valor. (NOTÍCIAS, 1998-99, 19min21seg, Itamar Silva, Líder comunitário)

“Se você tivesse nascido no morro, você seria o que? Qual a opção que eu tenho? Se conseguir um emprego, vou ter que trabalhar de 8 a 12 horas por dia para ganhar R$ 112,00 reais por mês. De repente,

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né, se eu me encaixo no tráfico, eu ganho R$ 300,00 reais por semana. É negócio. Não é negócio? É negócio para qualquer um. Só não é negócio para quem nunca ficou desempregado, para quem nunca passou fome. Para o miserável é negócio. E aí o pessoal vai fazer fila para querer trabalhar. [...] Não é uma opção, é um emprego. Ganha mais que o pai.” (NOTÍCIAS, 1998-99, 21min55seg, Hélio Luiz, Chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro)

“Crime eu sou mesmo (sic). Porque? Porque eu sempre gostei das coisas boas, e nunca gostei de ser massacrado pela sociedade. Entendeu? Porque a sociedade nos massacra mesmo. Muitas coisas que eu tenho aí hoje em dia não foi a sociedade que me deu não, foi a minha luta. O que eu consegui? Com três assaltos à bancos eu consegui ter minha casinha, graças a Deus, e outras coisinhas mais. [...] a nossa não é tirar a vida de ninguém não, a nossa é arrumar o nosso dinheirinho, porque eu não vou trabalhar para ganhar R$ 100,00 reais por mês. Entendeu? Porque minha avó está até hoje com setenta e pouco anos de idade, trabalhou para *** (sic), e o que é que ela ganhou? O que é que ela ganha hoje em dia? Não ganha nada. Que sociedade é essa? Quero comprar um tênis Mizuno e o tênis está mais de R$ 200,00 reais. Se eu for trabalhar não vou conseguir comprar um tênis Mizuno, então tem que assaltar mesmo, [...] e não desfazendo dos demais, certo? Mas vou assaltar quem tem onde tem dinheiro.” (NOTÍCIAS, 1998-99, 41min16seg, Detento Kleber)

“O que você faz quando está trabalhando? Fico vendo se a polícia vai subir. Você já andou armado? Já. Como foi sua primeira missão? Ah, minha primeira missão foi legal. O que você fez? Ah, fiquei vendendo. Você tem medo de morrer cedo? Ah, mas se um dia todos nós vamos morrer né.” [...] “Que tipo de tênis que você escolhe? Ah, escolho Nike, Rebook.” NOTÍCIAS, 1998-99, 18min33seg e 21min43seg, adolescente L., 13 anos de idade.

“Não passo fome. Minha família também não passa fome. Ando arrumado, porque quem vive nessa vida tem que andar assim mesmo.” (NOTÍCIAS, 1998-99, 21min18seg, Adriano, Gerente do Tráfico de Drogas do Morro Santa Marta)

“Qual o jeans que você usa? Toulon, Company. Camiseta? TCK, Cyclone, senão Toulon ou Company”. NOTÍCIAS, 1998-99, 21min26seg, outro adolescente, L, 14 anos de idade.

Ainda, possível que se argumente acerca da liberdade desses jovens, que

poderiam simplesmente escolher seguir pelo viés da licitude. Todavia, a despeito de

termos a capacidade de avaliar e controlar nossas ações, a graduação de liberdades

é distribuída de modo diferenciado para cada pessoa, o que está diretamente

relacionado à exclusão e desigualdade social, de maneira que “algumas pessoas

desfrutam de gama mais larga de escolhas devido ao acesso a mais recursos, e

podemos nos referir a isso em termos de poder. ” (BAUMAN; MAY, 2010, p. 102).

Bauman e May (2010, p. 102), nesse contexto, definem poder como “a

capacidade de ter possibilidades”. Argumentam que há uma relação de proporção

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entre o poder que uma pessoa tem, a variedade de possibilidades de escolhas e

resultados realisticamente almejados. Nessa medida, quanto mais poder, mais

liberdade de opções viáveis. Por outro lado, alguém impotente ou menos poderoso

acaba tendo sua liberdade de escolha limitada por decisões de outrem.

Ademais, não bastasse a complexidade do fenômeno de escolha em si, a

situação é ainda mais intrincada quando os sujeitos autores das decisões são seres

com desenvolvimento biológico e psicológico em plena formação, leia-se, crianças e

adolescentes. Eles não podem ser completamente responsabilizados pelo mal que

causam a si mesmos através do envolvimento no crime, principalmente quando não o

encaram dessa forma, mas como um bem, o melhor que poderia lhes acontecer,

porque de outra forma continuariam na mesmice de miserabilidade e ausência de

perspectivas:

Vimos que a força realmente operante no desenvolvimento do self é a imagem infantil das intenções e expectativas de outros significativos. De fato, a liberdade de uma criança para fazer seleções em meio a essas expectativas não é completa, visto que algumas pessoas podem forçar suas opiniões sobre a percepção que é da criança mais efetivamente que outros em seus mundos. Apesar disso, a criança não pode evitar escolher, ainda que as demandas alheias sejam contraditórias e não possam ser alcançadas simultaneamente. Afinal, algumas delas exigem mais atenção que outras, e, assim, adquirem maior importância em sua vida. (BAUMAN; MAY, 2010, p. 45)

Não obstante, essa relação de proporcionalidade entre poder e liberdade

pode ser burlada através de dois métodos, oriundos da depreciação da liberdade do

outro como meio de expansão da própria liberdade, de maneira que a autonomia de

um enseje a heteronomia de outro. A primeira tática seria a coerção, que faz com que

as liberdades que uma pessoa teria em uma situação de normalidade tornem-se

inadequadas ou ineficazes na situação coercitiva, ocorrendo uma verdadeira

manipulação de ações (BAUMAN; MAY, 2010, p. 102).

A segunda maneira seria a cooptação, pela qual há um ou alguns

detentor(es) de poder, que estabelecem determinações a serem seguidas pelos

cooptados se estes quiserem obter o que desejam, de tal forma que os manipulados

não são considerados como fins em si mesmos, mas como “meios a mobilizar a

serviço dos objetivos dos detentores de poder” (BAUMAN; MAY, 2010, p. 103).

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Possível interpretar que a sistemática do tráfico de drogas também se

utiliza desses modos de mitigação da já pouca liberdade que os jovens em situação

de marginalidade têm, sendo a violência um contexto de normalidade assustador:

“ Com quantos anos você entrou nessa vida? Com onze anos de idade. Qual foi sua primeira missão? Matar um “X9”. E o que que ele fez e o que você fez? Ele dedurou que a gente embalava cocaína, maconha... contou para os “verme”, os polícia (sic). Aí eu taquei fogo nele. Peguei [...] sete rodas de caminhão, comprei cinco litros de gasolina, acendi o fósforo e taquei fogo nele. E quem pediu para você fazer isso? [...] Meu patrão. E como é que você se sentiu quando fez isso? Eu me senti normal, quem nem tou aqui agora. Se tiver que matar de novo eu mato.” (NOTÍCIAS, 1998-99, 47min16seg, Menor de idade interno)

“ o pessoal fala: pô, cara, vambora pro tráfico. O cara vai dar dinheiro, tu vai arrumar muita mulher... é essas conversinhas que eles manda, essas lorotinha. Aí o bobinho cai, entra e vai indo, caindo ali. Depois que vê, já tá todo afundado”; [...] (CRUZ NETO, 2001, p. 129)

Todavia, nem a cooptação nem a coerção parecem ser realizadas

diretamente pelos chefes do tráfico. É como se resultassem das próprias

circunstâncias sociais. Acerca desse tocante:

[...] Os pesquisadores não encontraram nenhum caso de criança ou adolescente que entrou para o tráfico [...] explicitamente solicitados, coagidos ou forçados a juntar-se a uma facção. Todos os entrevistados declararam que precisaram pedir emprego, depois de “andar” com traficantes de “baixo escalão” durante um tempo suficiente. Dependendo da dimensão da comunidade e do número de bocas de fumo em operação, as crianças e os adolescentes pedem emprego ao gerente de boca ou ao gerente geral. (DOWDNEY, 2004, p. 129)

Sobre o crime organizado como inegável “opção” enviesada e improvisada

aos menos favorecidos, seu aspecto de aventura e heroicidade para uma juventude

maculada de carências, já ponderava o antropólogo Darcy Ribeiro:

Outra expressão da criatividade dos favelados é aproveitar a crise das drogas como fontes locais de emprego. Essa “solução”, ainda que tão extravagante e ilegal, reflete a crise da sociedade norte-americana que com seus milhões de drogados produz milhões de dólares de drogas, cujo excesso derrama aqui. É nessa base que se estrutura o crime organizado, oferecendo uma massa de empregos na própria favela, bem como uma escala de heroicidade dos que o capitaneiam e um padrão de carreira altamente desejável para a criançada. Antigamente, tratava-se apenas do jogo do bicho, que empregava ex-presidiários e marginais, lhes dando condições de existência legal.

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Hoje em dia é o crime organizado como grande negócio que cumpre o encargo de viciar e satisfazer o vício de 1 milhão de drogados (RIBEIRO, 1995, p. 204-205).

Ressalte-se ser possível depreender que, ainda quando a criança ou o

jovem pensar que está agindo de modo independente, subversivo, seguindo na

direção contrária à pobreza e à exclusão social, provavelmente ainda estará se

comportando de forma dependente, direta ou indiretamente, do direcionamento que é

transmitido pelos líderes do grupo que integra. Liberdade de escolha realmente torna-

se um conceito relativo e gasoso.

Assim, imaginando que ao adentrar à estrutura do tráfico romperia com a

realidade de subintegração perversa que o esperava, depara-se com a realidade de

que o envolvimento com o crime apenas o tornará mais uma marionete dos chefões,

através da própria coerção e da cooptação. Esse jovem marginalizado não terá um

fim em si mesmo; será usado, escancaradamente, para que sejam atingidos objetivos

maiores do tráfico de drogas, de modo que, se ele morre, outro virá, presumivelmente

com aspirações semelhantes, substituí-lo para o que trabalho pernicioso possa

continuar, o que demonstra, pois, não atos de liberdade, mas de dependência. Nessa

linha:

Quando se dão essas disjunções entre nossas expectativas e nossa experiência, podemos refletir sobre a possibilidade de os grupos a que pertencemos não serem aqueles pelos quais optamos por livre escolha. Talvez integremos este ou aquele pura e simplesmente por ali ter nascido. O grupo que nos define, nos ajuda a orientar nosso comportamento e se considera provedor de nossa liberdade pode não ser aquele que escolhemos conscientemente [...]. Quando nele ingressamos, não praticamos um ato de liberdade, mas uma manifestação de dependência.

Transformar-nos, entretanto, exigirá grande esforço contra as expectativas consideradas indiscutíveis por aqueles que nos cercam, autossacrifício, determinação e persistência tomarão o lugar do conformismo a normas e valores do grupo. É assim que, apesar de nem sempre estarmos conscientes disso, nos tornamos dependentes dos outros: muito embora possamos nadar contra a corrente, fazemos isso numa direção orientada ou conformada pelas expectativas e ações de quem está fora do grupo com o qual estamos familiarizados. (BAUMAN; MAY, 2010, p. 38)

Outrossim, nesse sentido, os depoimentos do Capitão Rodrigo Pimentel,

do B.O.P.E., e da moradora da comunidade de Santa Luzia, Sra. Janete:

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“ [...] É uma guerra sem fim. Por mais que toda noite você vá lá, durante uma semana, duas semanas, o BOPE vai lá e matava um traficante ali, apreendia uma pistola, matava um traficante, apreendia um fuzil e matava um traficante. Resolvia alguma coisa? Não resolvia nada. [...] Para ele jovem lá, tem dezenas de jovens que não estão no movimento porque estão esperando a vez de entrar no movimento. E talvez esse outro que assuma, [...] por ser mais novo, nós vimos agora o surgimento da facção comando vermelho jovem CVERJ, por ser mais novo pode até ter um ímpeto mais violento [...]” (NOTÍCIAS, 1998-99, 46min15seg, Capitão Pimentel do B.O.P.E.)

“Eles são suicidas. É a realidade. [...] Estão vendo o irmão morrer, estão vendo o primo morrer porque estão envolvidos, mas eles estão querendo se envolver. Sabe por que? Porque ninguém está querendo mais esse salário de miséria.” (NOTÍCIAS, 1998-99, 22min37seg, Janete, moradora da comunidade)

Acerca dos variados motivos de entrada de jovens no tráfico de drogas, a

seguir, alguns depoimentos compilados e colhidos da obra de Cruz Neto:

“Alguns é falta de trabalho. Outros já é porque quer comprar roupa de marca. Tem uns que fala que se envolve que é para ajudar a família, mas na verdade nem ajuda a família. O cara às vezes fica com medo de falar e gasta dinheiro na pouca vergonha. Às vezes os que é viciado gasta em pó ou na maconha. Outros ganha, gasta em mulher, hotel. O tráfico... vamos supor: desde pequeno nós só anda junto. Aí você se envolve. Aí eu ando contigo e tu tá passando. Aí tu: ‘pô, me dá uma ajuda aí. Só de passagem.’ Aí tu vai e ajuda, começa a se envolver. Vai passando, passando. Depois outro que também anda contigo acaba se envolvendo, aí vai assim. [...]”

“Tem muitas pessoas que entram por pobreza. Quer comer do bom e do melhor, quer fazer do bom e do melhor. Tem umas coisas também da sociedade que fica maltratando também. Aí nisso vai criando revolta. Esses dias mesmo eu tava dentro do ônibus. Eu vi um menor pedindo dinheiro pra comer, pedindo, chorando pra dentro do ônibus pedindo um dinheiro pra comer. Ninguém queria dar um dinheiro pro menor comer a comida. Aí por isso que às vezes a pessoa se revolta né? Aí rouba, trafica. Tá muito difícil pra trabalhar. Ainda mais os jovens que moram em comunidade. Anda, anda, anda, para procurar um serviço e nunca tem. Aí chega numa boca de fumo, toda semana é cem reais. Ganha cinquenta reais em cada carga. Num dia, se a boca de fumo vender dez cargas é quinhentos reais que o vapor tira. Quem vai querer outra vida? Porque aonde é que um trabalho vai poder lhe dar dinheiro? Ganha cento e trinta por mês, para poder comprar uma roupa? Pô, um trabalho não dá nem para comprar uma roupa, ir no baile funk, ir pra um hotel. Cê vai fazer isso vai morrer de fome.” (CRUZ NETO, 2001, p. 128)

É visível a influência da indústria cultural na construção da narrativa

supramencionada. Esses jovens “respondem à lógica vigente, discriminam qualquer

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diferença, classificam, rotulam, estereotipam, funcionam como um perfeito espelho

dessa sociedade que os rejeita, que os exclui” (FEFFERMANN, 2006, p. 175):

A relação de dominação perpassa o cotidiano desses jovens. Buscam no grupo, e muitas vezes no tráfico de drogas, um lugar de destaque. Reproduzem a relação de dominação a que são submetidos na sociedade em geral, na cultura do tráfico de drogas. [...]

Os jovens, assim, agrupam-se na busca de uma identidade. Mas se, num primeiro momento, essa é a finalidade, percebe-se que muitos desses grupos transformam-se e passam a ter como propósito, implícito ou explícito, a manutenção das condições sociais.

Esta é uma das ambiguidades que o jovem vive no cotidiano, a procura de relações sociais que admitam o encontro de modelos identificatórios, que lhe permitam se constituir como indivíduo capaz de refletir sobre a realidade existente e procurar uma identidade individual [...]. (FEFFERMANN, 2006, p. 177)

Os motivos de ingresso no tráfico de drogas por parte dos jovens

marginalizados são os mais variados, conforme já reiteradamente mencionado,

dependendo de suas histórias individuais; no entanto, uma narrativa recorrente é a do

ingresso por causa do dinheiro. Não obstante, é cediço que o tráfico é a proposta

diária oferecida a estes jovens, a escolha sempre disponível, a despeito da opressão

que a permeia. Outrossim, a falta de oportunidades de trabalho lícito, que,

frequentemente, exigem o ensino médio completo e algum grau de experiência, é fator

que fecha as portas de esperanças em relação a uma vida mais afortunada seguindo-

se o viés daquilo que é permitido pelo direito (FEFFERMANN, 2006, p. 237-238). “[...]

A motivação destes jovens, entre outras, é a de revolta diante da realidade que vivem,

em relação à diferença social existente e o desejo de poder e de possuir objetos de

consumo, difundidos de forma intensa pela indústria cultural.” (ZALUAR apud

FEFFERMANN, 2006, p. 237).

A seguir, o trecho de uma composição de rap, registrada no livro de

Feffermann, de um jovem integrante do grupo musical Facção Central, que retrata

desilusão, os heróis “tortos” e a infância e juventude roubada para os impúberes que

ficam à margem da prosperidade social:

Cadê o meu presente, o meu abraço, a bicicleta que eu sonhei não vem, com laço não tem dono, nem alegria, é dia das crianças, mas não para a periferia. Queria fugir daqui, é impossível, não queria ver lágrimas, é difícil, meu exemplos de vitória estão todos na esquina de Tempra, de Golf vendendo cocaína, bem melhor, bem melhor do que a minha mãe no pé da cruz. (FEFFERMANN, 2006, p. 327).

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Ressalte-se que não está presente uma dicotomia clara, conforme já

aludido, do bom e do mau. Os traficantes são temidos, mas também são esses

“exemplos de vitória” mencionados no rap acima. Eles ajudam a comunidade e os

fazem sentir proteção, como se eles mesmos fossem os únicos legitimados a

utilizarem-se de força para “colocarem as coisas em ordem” na comunidade:

“Eu sou cria do morro. Se eu falar que às vezes um morador não me ajuda eu vou estar mentindo. Se eu falar que eu não ajudo ele eu vou estar mentindo, porque a gente ajuda também. Porque realmente isso aí é uma obrigação que a gente tem.” (NOTÍCIAS, 1998-99, 12min15seg, Adriano. Gerente do Tráfico de Drogas do Morro Santa Marta)

“A gente supre as necessidades que às vezes elas precisam né. Às vezes elas têm necessidade de comprar um gás, de comprar um remédio, de pedir uma ajuda a nós, né. O barraco dela às vezes tá caindo, aí ela pede às vezes um dinheiro né, a gente cede um dinheiro para comprar material, um biscoito, às vezes até um cigarro mesmo, um papel higiênico, um sabonete. (NOTÍCIAS, 1998-99, 13min00seg, Adriano. Gerente do Tráfico de Drogas do Morro Santa Marta)

“O tráfico, de um lado melhorou, de outro lado não. Porque antes do tráfico, quando a polícia entrava na favela, ela já entrava derrubando a porta da sua casa e já vinha quebrando tudo. Então essas armas, quando entraram na comunidade através do tóxico, fez com que eles entrassem com mais cautela, entendeu? E eles andam com medo, porque estão sabendo que essa nova geração, essa juventude, eles têm um espírito suicida, eles não querem saber se eles vão morrer ou se vão matar, eles querem defender a comunidade dessa entrada violenta da polícia. É o lado bom das armas. Agora, o lado negativo, o lado cruel das armas, é que quando eles têm que cobrar, seja de pessoas lá de baixo seja de pessoas da nossa comunidade, eles não vão medir, eles não querem saber se é menor, se não é, entendeu? Se eles puderem matar e esquartejar e colocar lá para todo mundo ver como exemplo, para ninguém vacilar senão vai para a vala, eles são capazes disso.” (NOTÍCIAS, 06min39seg, Janete, Moradora da favela)

Abordando a questão de ídolos “tortos”, Dowdney (2004, p. 226-227)

elucida que um dos maiores incentivos negativos do tráfico de drogas é que, ao

integrá-lo, a criança sente-se parte de algo, passando a atribuir a si mesma um sentido

de identidade e de valor, considerando-se, de fato, “alguém”, porquanto as facções e

os traficantes têm sido vistos, geralmente, como ídolos, como visão de sucesso

pessoal a ser almejada, e o ingresso no tráfico seria o passo pioneiro para tornar-se

um “ícone” também.

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Não ocorreria, portanto, uma inclusão social considerada como a inserção,

aceitação e integração desses jovens na sociedade como um todo, mas, no máximo,

uma inclusão, ou melhor dizendo, uma sobreintegração, ainda dentro de um âmbito

de exclusão. Isso porque, apesar de adquirirem poder aquisitivo, tais sujeitos ainda

serão vistos como marginalizados por aqueles já incluídos não apenas no subsistema

econômico, mas também nos demais subsistemas sociais, de maneira que, ao

angariarem dinheiro a partir do tráfico de drogas, os jovens continuarão excluídos,

com a diferença de que se tornaram consumidores em potencial, apenas sendo

reconhecidos e valorizados por aqueles que compartilham a situação de

esquecimento social, dentro do contexto de exclusão no qual já se encontravam.

Ora algozes, ora vítimas, os jovens marcados pelo tráfico de drogas têm

como alguns dos elementos construtores de suas subjetividades a violência entre si e

também aquela oriunda das forças policiais, a tentativa estéril de terem voz, o

consumismo por indução da indústria cultural, a aspiração pelos ícones impostos pela

primazia do capital, a astúcia como caractere necessário à própria sobrevivência, além

da frieza cultivada em uma realidade na qual o reconhecimento entre as pessoas é

um troféu de um jogo, para eles, quase impossível de se ganhar (FEFFERMANN,

2006, p. 329).

Segundo a autora, eles deixam à mostra, sem artifícios ou ornamentos, a

face mais obscura de um capitalismo global pautado pelo consumo empurrado

garganta abaixo, por trás do “glamour do Shopping Center” e da indústria cultural: a

violência, no contexto de um Estado que entre discursos de direitos sociais e

protecionistas deixa à míngua aqueles que seriam o futuro da nação; sendo, talvez,

por esse motivo que esses jovens sejam considerados tão perigosos (FEFFERMANN,

2006, p. 329). Não poderia ser diferente. Eles são crias e protagonistas da violência

que reproduzem, aquela gerada, absurdamente, em um cenário de dialética do

esclarecimento, entendida como “a contradição existente na razão, pois tanto há na

técnica e na ciência uma possibilidade de libertação quanto há na realidade histórica

de que esses instrumentos servem para a dominação do homem” (ADORNO;

HORKHEIMER, apud FEFFERMANN, 2006, p. 329).

Com uma postura mais incisiva, Biottencurt (apud SOCAL; CARDOSO,

2015, p. 04) compara o shopping center ao útero materno, no sentido de oferecer

receptividade e acolhimento. Todavia, afirma, tal guarida não seria para todos os

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cidadãos, senão para aqueles com poder aquisitivo suficiente e já incluídos

socialmente. Os autores explicam que referido estabelecimento comercial seria a

própria representação da cidade ideal, composta apenas por cidadãos consumidores,

sem rastros de pobreza e deterioração, sendo o consumo concomitantemente de

mercadorias e de imagens, havendo um verdadeiro filtro através da “égide de

consumo”, mantendo afastados aqueles que não se encaixam nesse perfil de

consumidores habituais, como, dentro outros, trombadinhas e mendigos (VIEIRA apud

SOCAL; CARDOSO, 2015, p. 04).

Assim, é como se os shoppings fossem um ambiente depurado em

comparação com as ruas mescladas de traços negativos sociais:

Sem o importuno de flanelinhas, pedintes, sujeiras e mal cheiro,

aglomerações de pessoas indo e vindo, ruelas mal iluminadas,

poluição sonora, arquiteturas rabiscadas e desformes, a sociedade

moderna encontra no shopping center a realização de seu sonho

capitalista, deixando ao lado de fora de sua muralha tudo aquilo que

perturba o sossego e a liberdade de poder realizar suas compras e

lazer [...] (SOCAL; CARDOSO, 2015, p. 04).

Referindo-se aos “rolerzinhos”, os autores descrevem-nos como

compostos por “emigrados internos” ou “imigrantes ilegais, “estranhos de dentro”, que

geram verdadeiro “câncer social”, porquanto “destituídos dos direitos de que gozam

os membros reconhecidos e aprovados da sociedade; em suma, um corpo estranho

que não se encontra entre as partes ‘naturais’ e indispensáveis do organismo social.”

(BAUMAN, apud SOCAL; CARDOSO, 2015, p. 07). Ora, esses rolerzinhos são

constituídos exatamente, em sua grande maioria, por jovens moradores de favelas e

periferias, marginalizados e excluídos socialmente, os quais, no entanto, conseguiram

de alguma maneira poder aquisitivo suficiente para frequentar shoppings, antes

ambientes tão restritos às classes mais abastadas – ou pelo menos não tão

miseráveis. Possível depreender que o poder de compra e a inclusão estritamente no

subsistema econômico não foi capaz de incluí-los socialmente, mormente quando há

tão grande comoção, em sua maioria de teor negativo, ao vê-los em recintos que “não

foram feitos para eles”.

Diante dessas considerações, é possível interpretar que, apesar de o tráfico

de drogas proporcionar poder aquisitivo real para os jovens marginalizados que dele

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participam, não consegue promover sua inclusão social efetiva. Oportuno mencionar

a questão apontada no início do trabalho, acerca da exclusão do subsistema

econômico, que, nas sociedades não tão funcionalmente diferenciadas, acaba por

gerar uma exclusão em cadeia dos demais subsistemas sociais; todavia, a inclusão

no subsistema econômico não enseja a inclusão em série nos demais subsistemas.

Isso é visível ao ver a discriminação que os integrantes do “rolerzinho” sofrem ao

adentrar em shoppings. Se, mesmo com poder aquisitivo na mão, esses jovens

marginalizados continuam a carregar tal adjetivo, quantos vinténs são necessários por

uma inclusão?

Sobre, mesmo com a inclusão na economia, persistir a marginalização dos

moradores de comunidades, alimentando-se um verdadeiro “mito da marginalidade”,

de interesse dos sobreintegrados na sociedade como um todo, expõe Perlman:

[...] os favelados não são economicamente marginais, que como um dreno na economia, quer como grupos econômicos isolados que não dêem valor ao trabalho ou não aspirem ao próprio aperfeiçoamento material. Apesar de suas altas motivações e disposição para o trabalho, porém, reiteradamente são excluídos dos frutos econômicos que o sistema tem para oferecer, e manipulados antes para o benefício do sistema do que para o próprio. Muitos que desejam empregos não os conseguem. Os que o fazem, ficam com os empregos menos desejáveis, mais inseguros, com menos compensações trabalhistas e menores salários. (1977, p. 195)

No sentido de que tem pouca instrução, um trabalho insatisfatório e uma baixa renda, o favelado é um marginal econômico. Mas esta é uma marginalidade por exclusão e exploração, e não motivada por baixa motivação e paroquialismo8. O favelado está intimamente integrado no sistema econômico, não apenas em ação e atitudes como no sentido ainda mais fundamental de que sua sorte depende de fatores macroeconômicos como políticas de protecionismo industrial, subsídios à agricultura e frentes de trabalho abertas pelo governo. [...]

Os favelados, portanto, não são marginais à economia nacional; estão integrados [...] de uma maneira que lhes é prejudicial. Os trabalhadores favelados parecem condenados ao fracasso no mercado de trabalho – atormentados por um ciclo contínuo de trocas

8 Termo adotado pela autora para se referir ao pensamento de que os migrantes e favelados – pelo menos em parte – seriam os responsáveis pela própria pobreza, por, dentre outros fatores, não valorizarem o trabalho, não disporem da educação e do treinamento necessários à incorporação de normas institucionais de precisão, pontualidade e persistência, além de não contarem com o perfil do empresariado econômico, dotado de aspectos como a valorização da tecnologia científica e o respeito pelas relações burocráticas impessoais. PERLMAN, 1977, p. 193-194. Ressalte-se que a autora desconstrói, no respectivo capítulo de sua obra, tal entendimento.

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de empregos que representam retrocesso, rebaixamento e frequentes intervalos de desemprego. [...] (1977, p. 200).

Os favelados, portanto, desempenharam e desempenham papéis essenciais na manutenção do sistema econômico-sóciocultural e político do Brasil. Ao mesmo tempo, o que lhes acontece depende quase inteiramente das tendências nacionais econômicas e políticas. [...]

A teoria da marginalidade, portanto, pode ser criticada não apenas por constituir uma afirmação falsa sobre a natureza de um grupo social, mas também um mito, no pleno sentido da palavra – uma maneira de contar a história da humanidade de maneira a servir aos interesses de uma classe particular.

A força material dos mitos da marginalidade é permitir, social, econômica e politicamente, a perpetuação do papel dos favelados e dos moradores de cortiços em geral [...] (1977, p. 306-307).

Feffermann afirma que esses jovens evidenciam e apontam,

inconscientemente, o paradoxo de um progresso no qual aumenta o desemprego, a

falta de perspectivas do mercado de trabalho; a impotência, fracasso e, muitas vezes,

indiferenças do Estado em relação às camadas subintegradas e excluídas da

população, especialmente no tocante à educação, que, caso oferecida em algum

nível, geralmente não corresponde às necessidades desses infantes e adolescentes.

Assim, eles buscam uma maneira de isso contornar, através de um caminho ainda

mais sinuoso e indigesto, o tráfico de drogas, no qual negociam ilusões, temperadas

pelo condão da dependência, à procura, aflita e afoitamente, da luz no fim do túnel.

São engrenagens fungíveis, descartáveis dessa indústria, “que precisa se reproduzir,

escoar e comercializar seu produto e que por isso mesmo necessita deles, até o

momento em que serão substituídos” (2006, p. 330).

Toda generalização é cega e falha, e as críticas feitas nesse trabalho

acadêmico devem passar por esse filtro. São argumentos duros e ácidos, tristes e

reais. Todavia, não devem ser encarados como julgamentos, como se vitimizassem

absolutamente todos os jovens integrantes do tráfico de drogas e transformasse em

verdugos todos aqueles que são de camadas mais abastadas da população e que

também sustentam a economia de mercado. Não obstante, essas críticas devem

prestar-se mais a despertar consciências do que dicotomizar o certo e o errado,

vítimas e vilões.

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Nesse contexto de cautela, devem ser lidas também as palavras da autora

PERLMAN, que, validamente, censura como a maior parte do que se possa chamar

“elite” econômica e social como um todo não se mobiliza para modificar o cenário

daqueles que parecem ter sido esquecidos, como se culpados pela própria pobreza,

e cujos destinos, senão merecidos, seriam pelo menos esperáveis:

Como a madrasta da Branca de Neve, as camadas superiores da sociedade brasileira comtemplam-se no espelho da teoria social, que lhes confirma a perfeição e beleza, e assegura que a população marginal é culpada porque nada faz para superar sua marginalidade. De fato, o espelho da teoria social é capaz até de insinuar que os marginais vivem na imundície e na miséria porque o preferem, tendo em vista que isto corresponde à imagem que a sociedade faz de si mesma, a teoria é testada e legitimizada como uma teoria excelente [...], atribuindo-se aos estereótipos do bom senso um crédito de natureza intelectual. [...] (PERLMAN, 1977, p. 291).

Antes de mais nada, os favelados são os bodes expiatórios para uma vasta gama de problemas sociais, emprestando legitimidade para as normas dominantes. Podem ser considerados a fonte de todas as formas de aberração, perversidade e criminalidade, e, como eles não possuem os meios de defender as próprias ações ou imagem, o resto da sociedade pode constantemente repurificar a auto-imagem. (PERLMAN, 1977, p. 304)

LOPES (2009, p. 11-13) argumenta que em uma sociedade que incita e

estima o consumo descomedido e onde meios de difusão de informação tornam-se

instrumentos para a criação de anseios e necessidade, geralmente artificiais, por

produtos e marcas que estão definitivamente fora da capacidade financeira para

aqueles mais humildes que não quiserem comprometer sua subsistência, o crime,

mais especificamente o tráfico de drogas, entra como o mercado ilegal no qual se

consegue dinheiro rápido, em razão dos altos riscos da atividade.

Seguindo essa linha, já alertava Darcy Ribeiro:

Ultimamente, a coisa se tornou mais complexa porque as instituições tradicionais estão perdendo todo o seu poder de controle e de doutrinação. A escola não ensina, a igreja não catequiza, os partidos não politizam. O que opera é um monstruoso sistema de comunicação de massa fazendo a cabeça das pessoas. Impondo-lhes padrões de consumo inatingíveis, desejabilidades inalcançáveis, aprofundando mais a marginalidade dessas populações e seu pendor à violência. Algo tem que ver a violência desencadeada nas ruas com o abandono dessa população entregue ao bombardeio de um rádio e de uma televisão social e moralmente irresponsáveis, para as quais é bom o que mais vende, refrigerantes ou sabonetes, sem se preocupar com o desarranjo mental e moral que provocam. RIBEIRO, 1995, p. 207.

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Destarte, o tráfico de drogas mostra-se para os jovens excluídos ou

subintegrados como uma promessa de tão o alto êxito quanto elevado o risco. Os

pequenos enxergam nesse viés da ilicitude o “tudo ou nada” de suas vidas. Podem

morrer, podem ser privados de sua liberdade, mas também podem projetar-se vivendo

uma realidade de posses materiais inimagináveis sem a traficância. Essa projeção

talvez seja uma de suas únicas esperanças de sentirem na pele uma inclusão,

mormente econômica, tão crucial no contexto de uma sociedade cujas comunicações

são pautadas em uma semântica de consumo. É uma ilusão paradoxalmente real,

porque, no momento em que adentram o “movimento”, já podem sentir o baque do

poder aquisitivo rápido.

É possível relacionar essa situação com o espelho de Ojesed, narrado no

livro Harry Potter e a Pedra Filosofal, autoria de J. K. Rowling. Talvez por ser uma

obra notadamente de cunho infanto-juvenil, apesar de entrelinhas que contêm

mensagens melhor entendidas com um pouco mais de maturidade, sua narrativa trata

de elementos próprios dos anseios e das inseguranças de crianças e adolescentes

em seu processo de crescimento em um universo no qual existe magia.

Nesse contexto, é apresentado ao leitor o espelho de Ojesed, originalmente

concebido como “Mirror of Erised” na língua inglesa, idioma no qual a obra foi escrita.

Não ocasionalmente, as palavras “ojesed” e “erised”, quando soletradas de trás para

frente, transformam-se em, respectivamente, desejo e “desire” – que pode ser

entendido, em tradução livre, como algo alusivo a desejo também ou anseio.

Esse artefato é descrito como um espelho mágico que reflete não apenas

a forma física daquele que se põe a sua frente, mas aquele que o observa em um

contexto de realização dos seus anseios e desejos mais urgentes, nas palavras da

autora, traduzidas por Lia Wyler:

Era um magnífico espelho, da altura do teto, com uma moldura de talha dourada, aprumado sobre dois pés em garra. Havia uma inscrição entalhada no alto: Oãça rocu esme ojesed osamotso rueso ortso moãn9. (ROWLING, 2000, p. 176)

-Deixe-me explicar. O homem mais feliz do mundo poderia usar o Espelho de Osejed como um espelho normal, ou seja, ele se olharia e se veria exatamente como é. Isso o ajuda a pensar?

9 Lido de trás para frente: “Não mostro o seu rosto mas o desejo em seu coração.”

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Harry pensou. Então respondeu lentamente:

- Ele nos mostra o que desejamos... seja o que for que desejamos...

- Sim e não – disse Dumbleodore. – Mostra-nos nada mais nem menos do que o desejo mais íntimo, mais desesperado de nossos corações. Você, que nunca conheceu sua família, a vê de pé à sua volta. Ronald Weasley, que sempre teve os irmãos a lhe fazerem sombra, vê-se sozinho, melhor que todos os irmãos. Porém, o espelho não nos dá nem o conhecimento nem a verdade. Já houve homens que definharam diante dele, fascinados pelo que viram, ou enlouqueceram sem saber se o que o espelho mostrava era real ou sequer possível. (ROWLING, 2000, p. 184)

Vivendo rapidamente aquela imagem projetada no espelho de Ojesed,

ainda que de uma maneira um tanto distorcida, os pequenos podem sentir a faísca da

ostentação material e viril, possível apenas pelo ingresso no tráfico de drogas:

O dinheiro ganho com o tráfico e crime em geral costuma ser rapidamente gasto, num modelo de consumo que se identifica ao das classes altas e diferencia-se do de sua própria classe: os gastos são desenfreados, e esta sensação de abundância modifica o status desses jovens. Consumindo artigos de luxo e gastando com mulheres que os rodeiam conseguem visibilidade e prestígio. (LOPES, 2009, p. 14)

“Por causa da aventura. Você tem tudo o que quer. Porque conquista tudo o que você quer. Porque acha que o colega é fortão, é durão, e também quer ser. A gente vê os filmes quer fazer também. Por causa da fama e do sucesso. Talvez até por aventura. Ficar trocando tiro, mexer com arma. Empolgação na hora, essa coisa aí. Pô! É dinheiro mole. É fama que você tem, entendeu? É mulher também. Porque, pô, tem o cara que tem um problema de pegar mulher. O cara anda mal arrumado, não tem condição de arrumar mulher. A mulher nem dá bola. Aí o cara vai, começa a melhorar de vida. Começa a andar arrumado de uma hora para outra. Começa a ter dinheiro fácil. Aí as mulher começa a dar mole. [...] Depois que entra para o tráfico o cara é bem mais respeitado na comunidade. Temido também. As mulher perde a linha na gente, que a gente tem muito dinheiro, né? Elas perde a linha mesmo. Que elas sabe que um trabalhador não vai dar a ela o que a gente vai dar. Então hoje em dia a maioria dessas meninas de quinze anos tudo quer namorar bandido. Elas são iludida por bandido. Elas acha que bandido tem dinheiro, banca elas. E elas também gosta de falar no colégio para as outras amigas que namora fulano que é bandido, sicrano que é bandido. Pensa que é onda: Ah! Eu vou entrar pro tráfico que aí vou ganhar muito dinheiro e mulher. Aí entra pensando que é mil maravilhas. Quando chega lá é atirado como bucha. Fica de bucha para os outros. Quando vê já tá devendo para a boca.” (CRUZ NETO, 2001, p. 128-129)

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Dessa maneira, de acordo com o desenvolvimento da pesquisa que ora é

apresentada, é possível afirmar que, pelo menos em termos de subsistema econômico

cujo código binário seria ter/ não ter, dentro de uma semântica social de consumo, as

perspectivas e as aspirações de crianças e adolescentes à margem da prosperidade

seriam a de justamente adquirirem poder aquisitivo e autoafirmação. Nesse sentido

aparece o tráfico de drogas como um “espelho de Ojesed”, permitindo que esses

jovens mirem nele todas essas ambições sendo realizadas, ainda que tenham que

pagar um preço alto por isso, como possivelmente abrir mão de sua incolumidade.

Todavia, conforme descrito no livro, não há verdade e nem conhecimento

nessa projeção. Apenas uma ilusão, talvez muito real e verossímil, mas, ainda, uma

fantasia. Nesse caso, uma quimera perversa. Isso porque esses jovens são seduzidos

pelo tráfico de drogas como se este fosse a melhor aposta, aquela que, fornecendo-

lhes armas, dinheiro e autoafirmação, vai de encontro às opressões estatais que os

mantêm excluídos e marginalizados.

Muito pertinentes as palavras de FEFFERMANN (2006, p. 328) interligando

ilusão, dinheiro e exclusão social na perspectiva da juventude integrante do tráfico:

Esse sonho é representante de um desejo construído pela indústria cultura, distante de uma realidade que obriga um jovem no tráfico a viver pesadelos de olhos abertos. O sujeito vive uma situação real, em um mundo ao qual ele não pertence e no qual ingressa pelo passaporte do dinheiro. A necessidade de ser diferente, se houve, submerge aos cantos das sereias. Nesse lugar, ele, ainda que por curto espaço de tempo, usufrui benefícios da transgressão e confirma que, nesse lugar, a palavra de ordem é dada pelo dinheiro. Nesse espaço, a sua identidade e sua posição de poder – traficante – são desconhecidas. Nesta experiência tripudia a sociedade que o “exclui”. O fato de estar no meio permite que se evidencie cada vez mais as diferenças. Neste momento, enfrenta a “exclusão” pelo jogo da dissimulação, porque conhece as diferenças e se submete ainda mais na ilusão de apagá-las.

No entanto, essa ilusão sinistra leva a grande maioria dos jovens

envolvidos no tráfico a sucumbirem aos mais tortuosos desvarios, destruindo suas

vidas. Questionável se essa juventude, com seu desenvolvimento biopsicológico

incompleto, pode ser condenada, ou mesmo julgada a qualquer nível, por preferir

seguir um caminho que, de fato, os retira da miserabilidade econômica, apesar de não

os afastar realmente da exclusão social; que os oferece flashes de excitação, aventura

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e ostentação, mas que na mesma rapidez e intensidade pode exterminá-los. Nesse

sentido:

[...] o jovem marginalizado pode apresentar-se mais impulsivo, pois carrega um fardo maior: à imaturidade que caracteriza a juventude somam-se os prejuízos no desenvolvimento psicológico desses jovens submetidos a condições subjetivamente aviltantes de sobrevivência. (VIOLANTE apud FEFFERMANN, 2006, p. 184)

Se a realidade que os aguarda na seara da licitude é a de estudo,

preparação técnica e profissionalizante muitas vezes precários, quando existentes,

oferecidos pelo Estado, sendo a precariedade um eufemismo para essa conjuntura,

de um trabalho mal remunerado, do desrespeito aos seus direitos fundamentais

constitucionalmente estabelecidos, das cobranças de toda natureza feitas pelo Poder

Público em lato sensu, realmente, manter-se na ilusão do ingresso no tráfico de drogas

como um “espelho de Ojesed” potencialmente realizador de ambições e anseios

parece tentador até mesmo para um adulto, apesar do risco corrido, indagando-se até

que ponto essa perspectiva é ilusória ou real para esses pequenos indivíduos tão

fragilizados, cercados por portas fechadas em todos os lados.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, depreende-se que a teoria dos sistemas de Luhmann

interpreta a sociedade como sendo formada por comunicação, de maneira que aquilo

que não possa ser objeto de informação intercambiada não poderia ser considerado

como social em si. Ao atingir a estrutura moderna, em razão da complexidade

suportada pela sociedade, a formação social seria pautada pela diferenciação

funcional, ou seja, por subsistemas ou sistemas parciais, caracterizados pela

especialidade da informação que processam a partir de um código binário que lhe diga

respeito. Nesse sentido, o subsistema da economia seria pautado por um código

binário relacionado com as noções de ter e não ter, ou seja, trabalharia com a questão

patrimonial dos organismos sociais. Assim, os sujeitos, organismos vivos e pensantes,

serem sociais, enquanto potencialmente e efetivamente comunicantes, seriam

ambientes para a sociedade como um todo e esta, também, entorno para os

indivíduos.

Nesse diapasão, considerando que referidos subsistemas seriam dotados

de autopoiese, no sentido de alimentarem informações a si mesmos e reproduzirem

dados comunicativos a partir disso, e de autonomia, lendo o ambiente que os cercam

a partir de lentes próprias, seus critérios em relação à inclusão e exclusão deveriam

ser independentes de outros sistemas parciais, não considerando estes últimos como

pressupostos determinantes para qualquer operação intrassistêmica que seja.

Todavia, mormente nas realidades periféricas, essa independência funcional não é

verificada da maneira como teorizada por Luhmann. Apontado que, quando ocorre a

exclusão no subsistema econômico, desencadeia-se uma propensão a exclusão em

série dos demais subsistemas sociais, de maneira que fica mais obstaculizado para o

indivíduo conseguir ser incluído profissionalmente, educacionalmente, politicamente e

até juridicamente, tornando-se um verdadeiro invisível social ambulante.

O tráfico de drogas, considerado crime hediondo pela legislação brasileira,

alimentando vícios cada vez mais deteriorantes, é um delito que apenas cresceu em

termos de ocorrência e aprimoramento de estrutura organizacional. Suas redes e

territórios interligam agentes e espaços geográficos, não havendo mais regiões

nacionais que estejam imunes a seus efeitos. Crescendo em dimensão e em poder

de influência, esse crime coopta crianças e adolescentes com uma intensidade jamais

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detectada anteriormente, havendo até mesmo “filas” de espera desses jovens

marginalizados para esperarem a “oportunidade” de ingressarem no movimento.

Frisando-se a cautela necessária à utilização de generalizações,

depreendeu-se que esses jovens são predominantemente excluídos do subsistema

econômico, ou seja, miseráveis patrimonialmente ou subintegrados sociais,

entendendo-se por isso que necessitam das prestações sociais do Estado mas delas

não são beneficiados, conhecendo apenas o lado cobrador e repressor das forças

estatais, sendo o poder público sinônimo de descaso e indiferença quando se trata de

suprir as necessidades desses vulneráveis, mas de presença e eficiência, por vezes

arbitrária e desnecessariamente violenta, quando falamos em combate ao crime no

contexto de pobreza, como se já não fossem punidos o suficiente por suas próprias

privações.

Assim, os jovens marginalizados são, em grande parte, impelidos por

motivos de ordem econômica a ingressarem no tráfico de drogas, onde conhecem a

aventura fatal, a autoafirmação, o dinheiro rápido e a sensação de independência e

liberdade proporcionada pela obtenção de poder aquisitivo. Todavia, se buscassem

apenas o imprescindível às necessidades básicas vitais mais urgentes - quedando-se

aberta a definição de quais seriam elas - uma ocupação lícita talvez poderia lhes ser

suficiente. Então, por qual motivo insistem na ilicitude? Porque eles veem no trabalho

legal um verdadeiro insulto no que diz respeito à proporção entre esforço e

remuneração. Muitos desses menores de idade acompanham a árdua labuta dos pais,

avós e conhecidos, que se desdobram em verdadeiros heróis de resistência física e

mental para receberem ínfimas quantias ao final do mês, se forem afortunados o

suficiente para sequer conseguirem um emprego; afinal, a maioria dessas pessoas

não tiveram a oportunidade de qualificarem-se técnica e intelectualmente, de maneira

que esse ciclo vicioso tenderia a permanecer: família – se existente – pobre, criança

e adolescente sem meios de obter uma formação para o mercado de trabalho

adequada, será um adulto pobre também, assim como sua linha sucessória.

Enquanto isso, o dinheiro corre solto no tráfico. É quase como se

aparecesse através de uma geração espontânea biológica. A criança e o adolescente

enxergam nesse mundo criminoso a chance que seus pais nunca poderiam ter:

ganhar em um ou em alguns dias o correspondente à remuneração lícita de um mês,

ou mais, muito mais, dependendo de cada situação. Se isso é atraente até para um

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adulto desesperado por recursos financeiros, que dirá para um pequeno em

desenvolvimento, cheio de instabilidades emocionais, psicológicas e biológicas e

necessidades de todas as naturezas.

Junte-se a tudo isso a forte semântica social de consumo. Na atualidade

da comunicação, ou seja, na sociedade hodierna brasileira, consumir é praticamente

pressuposto para viver. Mais uma vez, ressaltando-se que toda generalização é cega

e que as afirmações apresentadas nesse trabalho se prestam mais a despertarem

consciências do que julgar ou pretenderem-se verdades irredutíveis. No entanto, é

inegável que os indivíduos estão construindo-se como tais a partir daquilo que

consomem. Praticamente tudo está disponível nas vitrines: beleza, confiança,

felicidade, prazer, realização, desenvolvimento, auto aprimoramento etc. Vende-se

adjetivos, sentimentos, emoções, caráter e personalidade transformando-se esses

elementos em objetos ou serviços, adquiríveis, geralmente descartáveis, para que

novos sejam comprados posteriormente. Se você era confiante com a camisa tal, você

pode se tornar ainda mais confiante com a grife da nova coleção, em um jogo infinito

de sedução mercantil, de criação de necessidades artificiais e de valores simbólicos.

É possível que alguém monte a si mesmo como se fosse um conjunto de peças do

jogo infantil Lego. É-se aquilo que se consome, sendo possível ser sempre mais e

melhor, basta pagar por isso.

Esse bombardeio de informações, obviamente, chega até os jovens

marginalizados. Eles se sentem, assim, a escória da humanidade. Eles não têm nada.

Então, adotando-se a semântica de consumo que predomina no meio social,

provavelmente sentem-se nada também. Desagradável e humilhante sensação.

Como poderiam modificar essa realidade? O tráfico de drogas está bem ali, na

esquina, com todo o seu capital circulando aos montes, seria uma boa opção? De

repente, o preço do risco da perda da liberdade, da violação à integridade física, da

própria morte, não parece tão alto assim. Afinal, se viverem pouco, terão ao menos

vivido, com a mais forte carga significativa da palavra. Terão experimentado sentirem-

se gente. Terão comprado sua existência, e, assim, existido, para esse mundo que

sempre teimou em lhes ignorar. E esse dinheiro quem lhes proporcionou foi o crime,

especialmente o tráfico de drogas.

Entretanto, a inclusão intersistêmica não se mostra tão integrada quanto a

exclusão. Enquanto a exclusão no subsistema econômico, que é o caso, enseja uma

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exclusão em efeito dominó nos demais subsistemas, a inclusão no sistema parcial da

economia não proporciona a inclusão social como um todo, nos demais subsistemas.

Dessa maneira, essa juventude criminalizada continua discriminada, excluída,

subintegrada socialmente. A única diferença agora é que são consumidores de peso

e têm a possibilidade de ostentação material, de modo que podem até ser

sobreintegrados econômicos, mas ainda dentro de um âmbito de exclusão social.

Essa mancha excludente não lhes deixa facilmente. Assim, quantos vinténs se deve

pagar por uma inclusão? Essa pergunta fica em aberto, porquanto, se eram excluídos

pela pobreza, mas agora têm dinheiro e podem comprar, por que ainda são tidos como

cidadãos de segunda categoria? Por que os “rolerzinhos” são vistos com tanta

estranhamento e insegurança por consumidores incluídos e sobreintegrados

socialmente? O dinheiro muda dependendo da mão que o oferece?

Dessa maneira, no decorrer da pesquisa, constatou-se que o tráfico não se

presta como meio de inclusão social, sequer às avessas. Ele não inclui; apenas

oferece poder aquisitivo, que é muito valorizado no contexto de uma semântica social

de consumo. Assim, ainda seria a traficância a melhor aposta ou uma ilusão perversa?

Os jovens que se envolvem com essas atividades delituosas veem o mercado de

drogas como um espelho de Ojesed, ou seja, uma projeção da realização de seus

anseios mais prementes. Mas, como não poderia ser diferente, isso não passa de uma

miragem. Eles pensaram que estavam agindo com liberdade, ou melhor, comprando

sua liberdade, atuando subversivamente contra um ciclo vicioso de pobreza. Cruel

engano, perversa ilusão. Nunca estiveram tão presos. Esses jovens estão comprando

bens materiais e serviços, mas também uma passagem, geralmente só de ida, para a

prisão da dependência química, para as casas de internação ou para o fim de suas

vidas, compondo uma triste realidade na qual são engrenagens fungíveis de um

sistema muito maior do que eles, sendo substituídos imediatamente quando “surge

vaga”, ou seja, quando ocorre a morte ou outro fim nefasto de algum outro jovem que

lá estava; e assim seguirá a máquina, com engrenagens cada vez mais prematuras,

sem pretensão de parar.

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