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Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação XXIII Encontro Anual da Compós, Universidade Federal do Pará, 27 a 30 de maio de 2014 A MODERNIZAÇÃO REFLEXIVA DAS RELAÇÕES PÚBLICAS NA COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL 1 THE REFLECTIVE MODERNIZATION OF PUBLIC RELATIONS IN ORGANIZATIONAL COMMUNICATION Yuji Gushiken 2 Resumo: Este artigo debate o campo das relações públicas como mediação da crítica social nos ambientes organizacionais em duas instâncias: 1) como mediação da crítica social originária dos fenômenos da opinião pública e da opinião dos públicos e 2) como dispositivo que busca instituir a autocrítica interna nas organizações. Entre a crítica social e a autocrítica interna, as relações públicas tornam-se contemporâneas dos parâmetros teóricos que Antony Giddens, Ulrich Beck e Scott Lash designam de “modernização reflexiva”. O artigo defende a inovação do pensamento comunicacional em relações públicas no desenvolvimento da comunicação organizacional e no pensamento comunicacional do século XX, na medida em que, na constituição teórica de uma disciplina, busca dotar as organizações de autorreflexividade como condição de modernização. Palavras-chave: Relações públicas. Comunicação organizacional. Modernização reflexiva. Abstract: This article discusses the field of public relations as a mediation of social criticism in organizational environments in two instances: 1) as a mediator of social criticism originating from public opinion phenomena and the opinion of different publics and 2) as a device that seeks to install internal self-criticism within organizations. In social criticism and internal self-criticism, public relations have become a contemporary of the theoretical parameters that Anthony Giddens, Ulrich Beck and Scott Lash called “reflexive modernization”. This article defends the innovation of communicational thinking in public relations for the development of organizational communication and in the communicational thinking in the 1 Artigo apresentado no Grupo de Trabalho (GT) de Comunicação em Contextos Organizacionais do XXIII Encontro Anual da Associação Nacional de Programas de Pós-Graduação em Comunicação (Compós), realizado de 27 a 30 de maio de 2014 na Universidade Federal do Pará (UFPA), em Belém, Pará, Brasil. 2 Doutor em Comunicação e Cultura pela UFRJ e professor da Linha de Pesquisa em Comunicação e Mediações Culturais do Programa de Pós-Graduação (Mestrado/Doutorado) em Estudos de Cultura Contemporânea da Universidade Federal de Mato Grosso (ECCO-UFMT), em Cuiabá, Mato Grosso, Brasil. Líder do Núcleo de Estudos do Contemporâneo (NEC-UFMT/CNPq). E-mail: [email protected]. www.compos.org.br 1

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XXIII Encontro Anual da Compós, Universidade Federal do Pará, 27 a 30 de maio de 2014

A MODERNIZAÇÃO REFLEXIVA DAS RELAÇÕESPÚBLICAS NA COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL1

THE REFLECTIVE MODERNIZATION OF PUBLICRELATIONS IN ORGANIZATIONAL COMMUNICATION

Yuji Gushiken2

Resumo: Este artigo debate o campo das relações públicas como mediação da crítica social nos ambientes organizacionais em duas instâncias: 1) como mediação da crítica social originária dos fenômenos da opinião pública e da opinião dos públicos e 2) como dispositivo que busca instituir a autocrítica interna nas organizações. Entre a crítica social e a autocrítica interna, as relações públicas tornam-se contemporâneas dos parâmetros teóricos que Antony Giddens, Ulrich Beck e Scott Lash designam de “modernização reflexiva”. O artigo defende a inovação do pensamento comunicacional em relações públicas no desenvolvimento da comunicação organizacional e no pensamento comunicacional do século XX, na medida em que, na constituição teórica de uma disciplina, busca dotar as organizações de autorreflexividade como condição de modernização.

Palavras-chave: Relações públicas. Comunicação organizacional. Modernização reflexiva.

Abstract: This article discusses the field of public relations as a mediation of social criticism in organizational environments in two instances: 1) as a mediator of social criticism originating from public opinion phenomena and the opinion of different publics and 2) as a device that seeks to install internal self-criticism within organizations. In social criticism and internal self-criticism, public relations have become a contemporary of the theoretical parameters that Anthony Giddens, Ulrich Beck and Scott Lash called “reflexive modernization”. This article defends the innovation of communicational thinking in public relations for the development of organizational communication and in the communicational thinking in the 20th century, such that, in the theoretical constitution of a discipline, it seeks to provide organizations with self-reflectivity as a condition for modernization.

Key words: Public relations. Organizational communication. Reflexive modernization.

1 Artigo apresentado no Grupo de Trabalho (GT) de Comunicação em Contextos Organizacionais do XXIII Encontro Anual da Associação Nacional de Programas de Pós-Graduação em Comunicação (Compós), realizado de 27 a 30 de maio de 2014 na Universidade Federal do Pará (UFPA), em Belém, Pará, Brasil.2 Doutor em Comunicação e Cultura pela UFRJ e professor da Linha de Pesquisa em Comunicação e Mediações Culturais do Programa de Pós-Graduação (Mestrado/Doutorado) em Estudos de Cultura Contemporânea da Universidade Federal de Mato Grosso (ECCO-UFMT), em Cuiabá, Mato Grosso, Brasil. Líder do Núcleo de Estudos do Contemporâneo (NEC-UFMT/CNPq). E-mail: [email protected].

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1. Introdução

As relações públicas emergiram historicamente como prática profissional buscando

produzir formas de mediação da crítica social, com o objetivo de fazer instalar, no campo dos

debates midiáticos e da opinião pública, um imaginário de equilíbrio social, quando, na

verdade, o que a realidade social insiste em evidenciar, no mundo moderno e ocidental, é

exatamente o conflito, principalmente já começo do século XX, por melhores condições de

vida da população, de modo geral, e da categoria dos trabalhadores, em particular.

(GURGEL, 1985; WEY, 1986)

Cicília Krohling Peruzzo já apontava a necessidade de se conceber as relações

públicas de forma não-ingênua quando se trata de enquadrá-las no modo de produção

capitalista, hoje hegemônico em sua amplitude global (PERUZZO, 1986). Depois dessas

observações, certamente que nunca mais foi possível lidar com as concepções e abordagens

das relações públicas como se elas fornecessem ferramentas técnicas e teóricas neutras na

produção de discursos organizacionais e, menos ainda, como se as organizações, quaisquer

que sejam, também tenham discursos desprovidos de uma dinâmica ideológica.

As mediações socioeconômicas e políticas têm sido historicamente evidenciadas em

estudos interdisciplinares entre comunicação e ideologia. Nessa interface teórica deve-se

considerar que as relações públicas já se dotaram de um repertório conceitual que lhes

permitem constituir-se não apenas como campo profissional fornecedor de técnicas de

comunicação. Em outras palavras, as relações públicas tornaram-se uma perspectiva de

análise das relações sociais, que, independente do tempo histórico, são invariavelmente

tensas, pelo conflito, e mesmo confronto, entre grupos e classes sociais na medida em que

envolvem distintas relações entre organizações e seus públicos.

Buscamos sustentar esta hipótese de trabalho considerando dois aspectos: 1) a

dimensão crítica historicamente presente nos estudos em relações públicas, mas não o

suficientemente explícita por conta de um imaginário funcional e enfaticamente pragmático

(técnico) construído sobre a profissão; 2) a perspectiva crítica constitui propriamente uma

perspectiva teórica, que sugere a instituição de uma disciplina, através da qual podem-se

formular análises e diagnósticos sobre as relações entre organizações e sociedade no mundo

contemporâneo.

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No campo maior das ciências da comunicação, as relações públicas apresentam um

ganho em nível epistemológico: ao desenvolver academicamente distintos modelos ou

enfoques teóricos (KUNSCH, 1986; SIMÕES, 1987; MOURA, 2008), elas tendem a tornar-

se, na ampla constituição da comunicação organizacional (KUNSH, 2009), um paradigma

teórico para interpretação de questões sociais contemporâneas, invariavelmente marcadas

pelas tensões socioeconômicas, políticas e culturais, que marcaram o século XX e vêm

configurando o cenário mundial nas primeiras décadas do século XXI.

Além de ferramenta teórica aplicada a distintas políticas organizacionais, as relações

públicas têm se configurado historicamente como uma disciplina, condição pela qual produz

uma autocrítica sobre si mesma, na medida de seu processo de organização e legitimação

acadêmica que passa não apenas pelas demandas e configurações do mercado, mas também

pela institucionalização da disciplina num campo científico, no caso as ciências da

comunicação.

Em outras palavras, as relações públicas, em sua contribuição para a emergência e

consolidação do que hoje se designa de comunicação integrada (KUNSH, 1986), constituem

uma disciplina que propõe fazer a crítica não apenas das questões relacionadas às políticas

organizacionais e, por consequência, às questões relacionadas à realidade social de forma

mais ampla. Em perspectiva crítica, as relações públicas têm buscado se constituir como

ferramenta teórica e conceitual na determinação dos padrões de responsabilidade

organizacional quanto às consequências das atividades econômicas no modelo de

desenvolvimento da sociedade industrial moderna.

Ao propor fazer a crítica interna das organizações, as relações públicas alinham-se

contemporaneamente a uma concepção de modernidade num sentido reflexivo, ou seja, uma

modernidade que se reconstitui a si própria através da autoconfrontação com seus próprios

valores criados no bojo da própria experiência ocidental de modernização. De modo

interdisciplinar, as referências teóricas são os trabalhos sociológicos desenvolvidos por

Anthony Giddens, Ulrich Beck e Scott Lash (GIDDENS; BECK; LASH, 1997).

2. Autocrítica como princípio moderno

Ulrich Beck (GIDDENS; BECK; LASH, 1997) designa por “modernização reflexiva”

a autoconfrontação com os efeitos da sociedade de risco, uma vez que os efeitos e as ameaças

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da sociedade industrial não são tratados nem assimilados por ela mesma. Ou seja, a

modernidade passa a assumir a si própria, num movimento epistemológico, como objeto de

reflexão. Trata-se da passagem da “primeira modernidade”, caracterizada pela emergência da

sociedade industrial no bojo do desenvolvimento capitalista, à “segunda modernidade” ou

“modernidade reflexiva”, caracterizada não pela negação da modernidade, mas exatamente

pela sua propriedade de refletir e fazer a autocrítica de si mesma, tendo como base os

excessos políticoeconômicos e as conseqüências sociais e ambientais produzidas a partir das

bases industriais do processo de modernização.

Nas atuais condições históricas, modernização reflexiva implica não na negação da

modernidade, mas em sua radicalização, abrindo caminho para se produzir conceitualmente

uma outra modernidade. Trata-se da “modernização da modernização”, na medida em que a

modernização toma como tema e questão a si própria, revendo seus próprios valores

construídos historicamente. Beck defende que a modernização reflexiva deve ser

analiticamente distinta das categorias convencionais de mudança social, na medida em que,

aplicada a si mesma, a modernidade se pergunta se detém ferramentas para o seu próprio

autocontrole e autolimitação (BECK in BECK, GIDDENS, LASH, 1997, p. 14-15).

As ameaças produzidas pela sociedade industrial, resultado da modernização simples,

demandam questionar a necessidade de autolimitação à idéia de desenvolvimento promovida

na primeira modernidade. O que entra em pauta, na medida em que a modernidade começa a

criticar a si própria, é a tarefa, propriamente moderna, de se determinar novamente os padrões

de responsabilidade, segurança, controle, limitação de danos e distribuição das consequências

dos danos que a primeira modernidade, traduzida principalmente pelo avanço do capitalismo

industrial, havia imposto como experiência principalmente ao longo do século XX.

Na sociedade industrial, a noção de risco, trazida pelos avanços e pelas promessas do

desenvolvimento técnico-científico e da racionalidade instrumental, refere-se a uma

experiência de modernização que tende a ignorar ou minimizar seus próprios efeitos e

ameaças. A crise permanente que se anunciava sobre a então nascente sociedade industrial

traduz-se no questionamento que as instâncias sociais produzem sobre as consequências

econômicas, políticas, sociais e culturais decorrentes da primeira modernização. Se os

conflitos sobre distribuição de bens (renda, empregos, seguro social) constituíram os

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principais conflitos da sociedade industrial, na autocrítica da sociedade de risco os conflitos

se atualizam no que se refere à distribuição dos malefícios.

Scott Lash, no diálogo que constrói com Ulrich Beck e Anthony Giddens, sugere a

modernização reflexiva como “teoria dos poderes sempre crescentes dos atores sociais – ou

atividade social – em relação à estrutura (LASH in BECK, GIDDENS, LASH 1997, p. 136).

Se a modernidade simples substituiu a tradição, a modernização reflexiva substitui, de forma

autocrítica, os princípios da modernidade simples. Em outras palavras, como sugere Scott

Lash, sem a reflexividade da autocrítica de seus próprios projetos, as sociedades modernas

nunca foram plenamente modernas.

Os poderes sempre crescentes dos atores sociais, na reflexividade autocrítica que

passa a redefinir os contornos da própria experiência de modernidade, implica na crítica que

amplos setores sociais produzem com relação às instituições até então guardiãs dos saberes

que legitimam os avanços e os malefícios advindos do desenvolvimento industrial. Entre uma

condição cognitiva e uma experiência estética, a noção de reflexividade passa não apenas

pelos sistemas especialistas que ditam regras e apontam modelos próprios de apreensão e

interpretação do mundo.

A reflexividade, como possibilidade de construção de uma autocrítica na sociedade

moderna, passa também pelas mediações das artes e da comunicação que favorecem novos

modos de conhecer e sentir, e que em alguma medida contribuem para que os fluxos de

informação subjetivem novas formas de pertencimento social e, como consequência, novas

formas de estar no mundo, de resistir às estruturas vigentes e de promover críticas aos

poderes instituídos.

Num balanço a respeito da construção teórica da modernização reflexiva, Ulrich Beck

define esta segunda modernidade como “uma autocrítica radical da teoria e sociologia da

modernização ocidental. Com a autocrítica radical das experiências de modernização

hegemonicamente ocidental abre-se um novo espaço para um debate cosmopolita acerca dos

objetivos, valores, pressupostos, contextos e possíveis veredas de modernidades alternativas”

(BECK, 2002, p. 22). A partir das anotações dos teóricos da modernização reflexiva, convém

apontar que este foi também o momento em que a disciplina de relações públicas sugeriu, a

partir de uma crítica interna às organizações, um princípio similar de autoconfrontação com

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os valores das próprias organizações, num convite à reavaliação de sua racionalidade

politicoeconômica.

Nessa perspectiva sociológica, o importante a considerar na atualidade é que as

relações públicas, numa temporalidade simultânea, produziram referências conceituais muito

próximas da modernização reflexiva. As relações públicas desenvolveram um projeto teórico

calcado na produção de um dispositivo discursivo com a finalidade de promover a autocrítica

no interior das organizações, tendo como foco as conseqüências sociais, políticas e também

ambientais das relações de produção econômica.

3. Crítica externa e autocrítica interna nas organizações

Há uma correlação de forças sociais com os seguintes elementos que aproximam o

conceito de modernização reflexiva dos estudos em relações públicas na comunicação

organizacional: 1) o fenômeno da opinião pública pode ser compreendido como crítica social

às atividades e políticas socioeconômicas das organizações (a crítica externa); 2) as relações

públicas também podem ser compreendidas como crítica acadêmica e simultaneamente como

mediadora de outras críticas sociais dirigidas às organizações (a crítica interna como

proposição teórica). De modo mais preciso, é a instituição de uma crítica interna nas

organizações que aproxima as relações públicas da autocrítica da modernidade que

caracteriza a “modernização reflexiva” na abordagem teórica de Anthony Giddens, Ulrich

Beck e Scott Lash.

O capitalismo, em sua caracterização automodulante, demanda um processo

autocrítico que, no interior das organizações, permanece constantemente na potência do

virtual. A esta capacidade de se constituir como instância formuladora de uma discursividade

autocrítica é que as relações públicas buscam, num posicionamento propriamente moderno,

dotar as organizações de autorreflexividade.

No entanto, a proposta das relações públicas em produzir uma autocrítica

organizacional tem, historicamente, resultado em situações tensas no pensamento e nas

práticas comunicacionais no interior das organizações. Esta tensão se produz na medida em

que, as relações públicas, enquanto disciplina acadêmica na constituição da comunicação

organizacional, discutem enfaticamente o hiato entre o que é uma profissão e os modos como

ela funciona. Estes modos de funcionamento devem considerar as pressões dos distintos

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campos que constituem as relações públicas e a comunicação organizacional a partir de

diferentes demandas – o que inclui o mercado, o campo político e o próprio ambiente

acadêmico.

O pensamento comunicacional em relações públicas e comunicação organizacional

tem sido uma sugestão no campo maior da comunicação como ferramenta de políticas

organizacionais que, em meio às pressões de ordem econômica e política, produz uma tensão

social que pode ser visualizada da seguinte maneira: 1) a opinião pública e a opinião dos

públicos tornaram-se objetos tradicionais de estudos originalmente das relações públicas

porque são considerados dois fenômenos tradutores e indicadores de uma crítica social que se

anuncia sobre as políticas organizacionais; 2) diante da pressão da opinião pública/dos

públicos sobre as organizações, as relações públicas, no bojo da comunicação organizacional,

evidenciam-se como crítica acadêmica e profissional sobre as políticas organizacionais,

propondo historicamente constituir-se como instância observadora, interpretativa e gestora

dessas políticas no interior das organizações.

Em resumo, no desenvolvimento do processo social a que se propõe realizar, as

relações públicas e a comunicação organizacional historicamente vêm constituindo-se não

apenas como campos de pesquisa e trabalho com interesses voltados para o gerenciamento de

tensões sociais, mas como instâncias que fazem emergir e explicitar politicamente as crises

organizacionais a partir das virtuais e atuais tensões sociais. Embora as organizações tenham

se institucionalizado na modernidade como estruturas que hipoteticamente devem manter-se

em razoável estabilidade e funcionando com base em uma ordem imaginada, o que a própria

modernidade insiste em tornar histórico é sua condição, que lhe é própria, de autodestruição e

reconstrução contínua.

As relações públicas são uma instância que observa, interpreta e busca mediar a

opinião pública e a opinião dos públicos como crítica social dirigida às organizações.

Simultaneamente, as próprias relações públicas constituem-se como crítica academicamente

concebida em meio às políticas organizacionais. Assim, as relações públicas tendem a ficar

sugeridas, em sua abordagem modernamente crítica, como uma espécie de ego observador,

gestor, moderador e transformador das outras políticas que norteiam as ações

organizacionais.

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No campo maior das práticas e dos estudos comunicacionais, a perspectiva crítica das

relações públicas aparece como aquela proposta conceitual que sugere desempenhar o papel

de controlador do trem desenfreado que corre nos trilhos da moderna concepção de mundo e,

de forma específica, nos velozes trilhos do modo de produção capitalista. Do ponto de vista

da modernidade organizacional, cuja racionalidade aponta para metas a serem alcançadas e

avaliadas em perspectiva econômica, a tendência é esta instância controladora, atualizada

pela emergência conceitual das relações públicas ao longo do século XX, ser concebida como

um dispositivo arcaico e anti-modernizante, recalcador da produção de valor econômico, na

medida em que se coloca como desacelerador da economia de mercado norteada e avaliada

por resultados enfaticamente, quando não apenas, financeiros.

Não foi por acaso que os debates atuais sobre a inserção das relações públicas e da

comunicação organizacional em meio ao pensamento administrativo contemporâneo tenham

enfatizado a necessidade de se conceberem mecanismos de avaliação das potenciais funções

da comunicação integrada em meios aos mais diversos dispositivos conceituais e ferramentas

teóricas usados no desenvolvimento das organizações.3 Trata-se, a nosso ver, de uma atitude

de readequação das relações públicas e da comunicação organizacional no lastro deixado

pelas outras disciplinas e campos profissionais – ciências contábeis, administração, marketing

– que explicitamente funcionalizaram-se como ferramentas técnicas da ordem organizacional

e, portanto, embora não apenas, da ordem política e econômica.

Portanto, as relações públicas evidenciam-se como um pensamento comunicacional

que sofre resistências para se impor diante dos modelos comunicacionais e administrativos

ainda hegemônicos na configuração do mercado de trabalho, como a propaganda e o

marketing. A situação em que emergem as relações públicas e o seu desdobramento que é a

comunicação organizacional já se tornou conhecida: o capitalismo, enfaticamente desde o

século XIX, sempre utilizou recursos teóricos advindos da produção científica que, de modo

funcional, acelerassem seu desenvolvimento, e não necessariamente de ferramentas que se

constituíssem como instância crítica para desacelerar e inibir seus projetos modernamente

orientados pelo estabelecimento e alcance de metas financeiras. No desenvolvimento do

capitalismo histórico (WALLERSTEIN, 2001), tais finalidades invariavelmente se

confundem com resultados financeiros favoráveis às organizações privadas.3 Ver “Dossiê Avaliação e mensuração em comunicação organizacional” na Organicom Revista Brasileira de Comunicação Organizacional e Relações Públicas, ano 2, nº. 2, 1º. semestre 2005.

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Num desvio de rota teórico, as relações públicas renovam não apenas as práticas

midiáticas, mas, de forma mais ampla, inovam o próprio pensamento comunicacional do

século XX. A inovação, que também é algo próprio dos processos reflexivos, se dá mais

precisamente pelo fato de as relações públicas se constituírem numa perspectiva

simultaneamente funcional e instrumental, enquanto ferramenta da ordem ou da construção

do discurso organizacional, mas paradoxalmente crítica, porque percebe e concebe a opinião

pública e a opinião dos públicos como categorias até então ignoradas ou de relevância

minimizada em disciplinas de interesses administrativos e organizacionais.

A posição teórica crítica na qual historicamente se fundamentaram as relações

públicas tem sido considerada, principalmente no ambiente da prática profissional, como

“utópica” por seus preceitos conceituais. No entanto, o que no próprio campo das relações

públicas pode ser considerado como suposto “arcaísmo” das teorias críticas, hoje deve ser

visto como o que havia – e atualmente há – de inovador e propriamente moderno no

pensamento comunicacional contemporâneo.

4. A singularidade crítica das relações públicas

A nosso ver, a modernização que produz um autoconfronto das organizações com elas

mesmas é o que singulariza o campo das relações públicas na comunicação organizacional,

no campo maior da comunicação e na área das ciências sociais aplicadas, como sugere a

localização da comunicação na árvore do conhecimento. As relações públicas, ao

promoverem a idéia de autoconfrontação das organizações com suas próprias políticas,

estavam na vanguarda do pensamento comunicacional do século XX. O problema é que

provavelmente os campos acadêmico e profissional não percebiam, com nitidez, esta

condição histórica das relações públicas como instância mediadora da crítica social e

produtora da crítica interna nas organizações, e o avanço político proposto nessa perspectiva

teórica.

A crítica organizacional oriunda das relações públicas no bojo do capitalismo

histórico é hoje referendada pela própria abordagem da crítica social feita pelo jornalismo e

pelo audiovisual político. Documentários de teor crítico como “The Corporation”, “Super

Size Me” e “Enron” são três produções audiovisuais que têm como tema a dimensão ética do

discurso e das práticas organizacionais em corporações de atuação transnacional. A partir

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destes documentários, trata-se de conceber o jornalismo e o audiovisual como práticas

gêneros midiáticos que respondem por subáreas de um campo do saber que fornece, ele

próprio como instância discursiva, uma perspectiva de crítica social.

Assim como a função crítica tem sido historicamente atribuída ao jornalismo e ao

audiovisual, através do jornalismo de denúncia e de documentários investigativos, as relações

públicas produzem simultaneamente uma mudança no moderno pensamento comunicacional

na medida em que se desviam dos padrões discursivos principalmente da propaganda. As

relações públicas, ao instituírem-se como dispositivo conceitual crítico, contribuem para que

o campo comunicacional se candidate a ser um paradigma teórico através do qual torna-se

possível pensar as organizações na constituição de um discurso moderno que produz uma

autoconfrontação consigo mesmo, caracterizando o pensamento que se desenvolve na

comunicação organizacional muito próximo do que Anthony Giddens, Ulrich Beck e Scott

Lash buscaram conceituar, em trabalho conjunto, de “modernização reflexiva”. (GIDDENS,

BECK, LASH, 1997)

O que se sugere é que distintos regimes políticos e sistemas econômicos modernos,

pelo menos tal como concebidos ao longo do século XX, têm recusado qualquer instância

egóica e controladora para suas propostas políticas e econômicas em tempos de globalização

e enfaticamente a partir do advento do neoliberalismo como pensamento hegemônico no

desenvolvimento do modo de produção capitalista. É este papel crítico que as relações

públicas se propuseram a fazer, primeiramente nas empresas privadas e depois no campo

organizacional de modo mais amplo, desde que emergiram no início do século XX e, de

forma resistente, insistem em avançar como campo profissional e teórico no século XXI. Em

síntese, o modelo teórico autocrítico das relações públicas emergiu num período histórico que

lhe era fortemente desfavorável ao longo século XX, embora os transtornos em nível

epistemológico fossem, necessariamente, uma condição de sua emergência.

Não por acaso, as relações públicas, principalmente em meio à emergência e

consolidação do projeto neoliberal a partir da década de 1980, têm sido historicamente uma

ferramenta de menor visibilidade na construção dos discursos organizacionais. A propaganda

e as assessorias de imprensa, de modo muito mais afirmativo, sugeriram uma adesão

explicitamente funcional, quando não meramente instrumental, aos objetivos das

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organizações, em especial das organizações privadas, na primeira modernidade marcada pelo

industrialismo.

Nesse aspecto, é fácil notar como os estudos funcionalistas (de abordagem

psicossocial, da comunicação como ciência do comportamento), que, apesar de terem

historicamente resultado na invenção de boa parte das técnicas de comunicação

(comunicação dirigida, comunicação segmentada etc.), tornaram-se uma abordagem teórica

vista com desconfiança, em momentos históricos nos quais questões nacionais (caso do Brasil

nos tempos da ditadura militar) e estudos críticos (a perspectiva marxista da chamada Escola

de Frankfurt) se juntavam no combate a todo estudo comunicacional que visava formar

opiniões em benefício das organizações, fossem elas ligadas à sociedade civil, a governos ou

a estados nações.

Exceção feita ao jornalismo, em seu propósito de conquistar “corações e mentes”,

portanto de formar opinião, qualquer tentativa neste sentido, atribuída à propaganda ou às

relações públicas, tinha tendencialmente uma conotação negativa. A consequente percepção

das relações públicas era socialmente negativa, uma vez que no imaginário social coube

historicamente ao jornalismo exercer uma função crítica, e às demais profissões da

comunicação social uma posição meramente funcional – politicamente conservadora,

portanto – ao instrumentalizarem-se como ferramenta de apoio ao sistema socioeconômico e

político e suas respectivas condições de status.

A perspectiva sociológica funcionalista, que historicamente fundamentou os primeiros

estudos em relações públicas, tornou-se uma abordagem teórica duramente combatida por

acadêmicos adeptos da teoria crítica de abordagem materialista, mas, paradoxalmente,

também por aquele outro segmento, provavelmente mais ingênuo, que nunca concebeu as

relações públicas e a própria área de comunicação em geral como ciências sociais aplicadas e,

portanto, como área do conhecimento que, no diálogo com outras áreas do saber, sempre

demandou uma abordagem necessariamente autorreflexiva não apenas para o

desenvolvimento das práticas profissionais, mas também de seu desenvolvimento como

campo do conhecimento.

Convém reconhecer, portanto, que as relações públicas tiveram uma trajetória

historicamente ambivalente: funcionalizarem-se como ferramenta administrativa das

organizações e simultaneamente dotarem-se de uma dimensão crítica na medida em que se

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constituíam como disciplina acadêmica. De um lado, as relações públicas situam-se na

experiência moderna do modo de produção capitalista, que historicamente tem sido

impositivo, afirmativo e difusor de si mesmo. De outro, uma profissão que conceitualmente

desenvolve uma relação paradoxalmente de convergência e de crítica a esse modo de

produção econômico.

O resultado, como já se tem discutido nas últimas décadas, é o mal-estar profissional e

disciplinar resultante desta dimensão crítica que as relações públicas propõem constituir

como singularidade de um pensamento comunicacional nos ambientes organizacionais. Em

outras palavras, as relações públicas tornam-se instrumento da própria autorreflexividade

organizacional, forçando as organizações a produzirem a autocrítica de seus projetos,

devendo considerar ainda as demais críticas oriundas do ambiente externo.

5. A autoconfrontação como demanda organizacional

Se as categorias “opinião pública” e “opinião dos públicos” já se constituíam como

crítica externa, as relações públicas propõem-se instituir profissional e academicamente

através de uma virtual crítica interna, o que certamente produz uma alteração radical nos

modos de se conceber a administração organizacional, com a consequente instalação de um

mal-estar na gestão das políticas organizacionais. As transformações administrativas

decorrentes da pressão das distintas correntes de opinião apontam para os modos como

emerge a prática da autorreflexividade nas organizações contemporâneas.

Com a propaganda, o que não é novidade, a comunicação ganha a força de um

discurso afirmativo, racionalmente concebido e planejado, para possivelmente esgarçar

consciências e ser uma ferramenta da produção de valor econômico e simbólico nas

organizações através da sensibilização de virtuais e atuais públicos para as práticas de

consumo de seus produtos e serviços. Com o audiovisual, a comunicação ganha um discurso

ora crítico dos documentários, ora lúdico dos programas de entretenimento da TV aberta.

Com o jornalismo e o audiovisual político, o campo da comunicação ganha poder crítico e

reflexivo de um discurso para hipoteticamente esclarecer consciências. Com as mídias

digitais e a crítica nas redes sociais constitui-se a cibercultura como empoderamento das

multidões e suas demandas políticas. Com as relações públicas, a comunicação perde a

ingenuidade, e passa a dotar-se de uma atitude não apenas reflexiva, mas também e

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singularmente autorreflexiva, no sentido de que só se institucionaliza formulando e propondo

uma abordagem crítica na modernização reflexiva das organizações.

Se o jornalismo e o audiovisual político, como têm sido histórica e romanticamente

idealizados, fazem a crítica do lado de fora das organizações, as relações públicas o fazem, de

modo igualmente idealizado, a partir do lado de dentro. Esta incorporação da crítica social,

que passa a ser elaborada internamente, equivale a um salto no modo de se conceber as

relações, já reconhecidamente tensas, entre organizações e sociedade ou, para usar uma

terminologia da área de relações públicas, relações entre organizações e seus diversos

públicos.

Independente do mal-estar nas questões profissionais e de mercado, as relações

públicas hoje já se dotaram de um repertório conceitual em processo de amadurecimento o

suficiente para constituírem-se como ferramenta de interpretação das relações e das tensões

sociais, não apenas pelos profissionais de relações públicas, mas também por profissionais de

áreas afins. As relações públicas, no caso, dotam-se de uma potencialidade para fornecer ao

pesquisador e ao profissional da comunicação uma perspectiva teórica pela qual analisar as

relações sociais, invariavelmente pelas demandas de luta de classes e também pelos conflitos

e confrontos emergentes no campo social de modo geral.

O preço deste desenvolvimento conceitual, porém, não parece ser muito claro, nem

suas consequências parecem definidas no atual processo de institucionalização das relações

públicas, em especial na instância especificamente relacionada às atividades profissionais. O

mal-estar das relações públicas, como as evidências históricas apontam, resulta

paradoxalmente do desenvolvimento assimétrico entre uma disciplina (que academicamente

busca crescer com vigor científico por sua dimensão autocrítica) e os usos sociais dos textos

teóricos no mercado de trabalho da comunicação social.

O paradoxo é o fato de que, nas práticas de comunicação integrada, profissionais de

outras áreas, em especial do jornalismo e da publicidade & propaganda, aplicarem em suas

atividades conceitos e parâmetros teóricos oriundos de pesquisas de e sobre relações

públicas, no desenvolvimento do que hoje se designa, ainda de modo difuso, como

comunicação organizacional. Esta captura teórica, na forma de usos acadêmicos para fins

profissionais, serve para apontar duas situações: 1) o já conhecido trânsito de profissionais de

outras áreas num território construído conceitualmente pelas relações públicas como

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disciplina acadêmica e, 2) neste modo de funcionamento do mundo do trabalho, perceber que

o modelo teórico das relações públicas torna-se, ainda que de forma difusa, um modelo que

apresenta vigor na concepção contemporânea que propõe uma assinatura como comunicação

organizacional.

No primeiro semestre de 2008, o Conferp (Conselho Federal de Relações Públicas)

promoveu, via endereço eletrônico, uma pesquisa junto a profissionais da área sobre questões

que versavam sobre a virtualidade da profissão. Entre as perguntas formuladas aos relações-

públicas estava a possibilidade de se abrir ou não, formal e legalmente, o campo profissional

sob outras formas de inserção, o que inclui, além da graduação na habilitação em RP, via

cursos de comunicação social, a possibilidade da concessão de registro profissional a

detentores de diplomas de pós-graduação resultantes de trabalhos sobre relações públicas.

A partir destes dados, convém enfatizar que os conceitos desenvolvidos na área de

relações públicas têm servido não apenas como fornecedores de técnicas aplicáveis ao

marketing e ao jornalismo empresarial, para ficar apenas em duas áreas mais próximas, mas a

própria área de relações públicas tem sido uma instância construtora de conceitos

operacionais que passam a dialogar de forma mais madura com outras áreas do conhecimento

e campos profissionais. Assim, as relações públicas buscam se consolidar como disciplina

desenvolvendo ferramentas teóricas que, a nosso ver, lhes permitem ser uma instância de

análise e crítica social na medida de seu árduo processo de institucionalização.

O interesse do campo das relações públicas, portanto, tende a continuar voltado para

as tensões sociais e como elas se relacionam com os interesses, nem sempre explícitos, das

organizações no mundo de hoje. De modo específico, deve-se buscar saber, num olhar mais

amplo, como o chamado interesse público, algo igualmente difuso, hoje se traduz num

imaginário cada vez mais marcado por relações de conflito na sociedade contemporânea.

Portanto, nos dias de hoje, a noção de modernização reflexiva torna-se relevante para

o campo das relações públicas na medida em que esta é uma disciplina que historicamente

vem se instituindo como instância mediadora para que as organizações contemporâneas

concebam e incorporem a necessidade de autoconfrontação de seus valores socioeconômicos,

políticos e culturais, tendo como foco as mais diversas reivindicações que têm origem

também nas mais variadas instâncias da sociedade civil.

6. Considerações finais

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Neste início de século XXI, distintas correntes de pensamento vêm se confrontando

com os processos hegemônicos constituídos historicamente por idéias de modernização e de

ocidentalização, que em certa medida convergem sob o paradigma de um pensamento liberal

em meio ao desenvolvimento do capitalismo como modo de produção econômica. As

relações públicas, embora tenham se enquadrado no bojo das disciplinas funcionais ao

desenvolvimento de um mundo que se institui como moderno, ocidental, liberal e capitalista,

propôs uma revisão desta funcionalidade na medida em que considera a opinião pública e a

opinião dos públicos como crítica social dirigida às políticas organizacionais e também na

medida em que sugere a institucionalização de uma crítica a ser formulada a partir do lado de

dentro das próprias organizações.

Já faz quase um século que os primórdios do discurso de relações públicas busca se

instituir como ambiência da crítica organizacional. O século XX, marcado pela ascensão e

consolidação da primeira modernidade, assistiu o mundo ocidental e moderno se desenvolver

com base nos processos de industrialização, com todas as consequências que se traduziram

em luta de classes e conflitos dos mais variados tipos. As nações que tiveram a

industrialização como experiência de modernização testemunharam mais de perto as reações

da sociedade civil aos efeitos negativos que se traduziam por baixas condições de vida dos

trabalhadores, poluição e degradação do meio ambiente e toda sorte de desigualdades sociais

e conflitos culturais que caracterizam o capitalismo em sua dimensão moderna e ocidental.

Convém considerar que a proposta de um discurso autocrítico no interior das

organizações, tal qual anunciado no desenvolvimento das relações públicas, teve como seu

contemporâneo a formulação da modernidade reflexiva não como negação da modernidade,

mas como condição de reavaliação e desenvolvimento da própria concepção de modernidade.

Isto significa considerar que as organizações, se não derem conta de se confrontar com seus

próprios valores (econômicos, políticos e culturais), nunca darão conta de serem

propriamente modernas, na medida em que não processam uma autoavaliação de suas

políticas. As relações públicas, ao considerarem a crítica externa (a opinião pública e a

opinião dos públicos) já adiantaram uma possibilidade se instalar a crítica social no interior

das organizações. Mas, ao sugerirem a instalação da crítica interna, ou a ser formulada

internamente, estava sugerindo uma condição modernamente autorreflexiva.

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Neste sentido é que as relações públicas, no bojo da comunicação organizacional,

protagonizaram um processo inovador no pensamento comunicacional do século XX, embora

este pensamento tenha chegado ao século XXI ainda bastante incompreendido no campo

maior da comunicação. A autorreflexividade, ao considerar as críticas externa e interna,

constitui a condição de circulação de informações e produção de sentido na qual tornam-se

possíveis os processos de inovação no ambiente organizacional.

Os conflitos de classe social e as novas reivindicações dos diversos setores da

sociedade civil têm sugerido às organizações que, embora sistemicamente considerem apenas

os setores sociais que elegem como públicos de interesse, elas tornam-se cada vez mais

subjetivadas pelos muitos enunciados discursivos processados nas instâncias do que hoje

torna-se uma categoria das mais instáveis nas Ciências Sociais e Humanas: a sociedade civil,

com suas demandas multifacetadas e colocadas em pauta junto às organizações,

questionando-as e julgando-as em processos sociais que, pela própria característica dos

tempos modernos, jamais deixarão de ser tensos e tendem a ser cada vez mais complexos

exatamente pela pluralidade de reivindicações que remodelam o mundo contemporâneo.

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