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Instituições de Processo Civil - Vol 1 · 9/12/2005  · A origem desta obra foram os meus longos anos de magistério na Faculdade Nacional de Direito e o esforço desinteressado

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  • ■AEDITORAFORENSEse responsabilizapelosvíciosdoprodutonoqueconcerneàsuaedição(impressão e apresentação a fim de possibilitar ao consumidor bem manuseá-lo e lê-lo). Nem aeditoranemoautorassumemqualquerresponsabilidadeporeventuaisdanosouperdasapessoaoubens,decorrentesdousodapresenteobra.

    Todos os direitos reservados.Nos termos da Lei que resguarda os direitos autorais, é proibida areprodução total ou parcial de qualquer forma ou por qualquer meio, eletrônico ou mecânico,inclusive através de processos xerográficos, fotocópia e gravação, sem permissão por escrito doautoredoeditor.

    ImpressonoBrasil–PrintedinBrazil

    ■DireitosexclusivosparaoBrasilnalínguaportuguesa

    Copyright©2015by

    ■EDITORAFORENSELTDA.

    UmaeditoraintegrantedoGEN|GrupoEditorialNacional

    TravessadoOuvidor,11–Térreoe6ºandar–20040-040–RiodeJaneiro–RJ

    Tel.:(0XX21)3543-0770–Fax:(0XX21)3543-0896

    [email protected]|www.grupogen.com.br

    ■O titular cujaobra seja fraudulentamente reproduzida,divulgadaoudequalquer formautilizadapoderá requerer a apreensão dos exemplares reproduzidos ou a suspensão da divulgação, semprejuízodaindenizaçãocabível(art.102daLein.9.610,de19.02.1998).

    Quem vender, expuser à venda, ocultar, adquirir, distribuir, tiver em depósito ou utilizar obra oufonogramareproduzidoscomfraude,comafinalidadedevender,obterganho,vantagem,proveito,lucrodiretoouindireto,parasiouparaoutrem,serásolidariamenteresponsávelcomocontrafator,nostermosdosartigosprecedentes,respondendocomocontrafatoresoimportadoreodistribuidoremcasodereproduçãonoexterior(art.104daLein.9.610/98).

    ■1ªedição–2009/5ªedição2015Produçãodigital:Geethik

    ■CIP–Brasil.Catalogaçãonafonte.SindicatoNacionaldosEditoresdeLivros,RJ.

    Greco,Leonardo

    Instituiçõesdeprocessocivil,volumeI/LeonardoGreco.5ªed.–RiodeJaneiro:Forense,2015.

    IncluiBibliografia

    mailto:[email protected]://www.grupogen.com.brhttp://www.geethik.com

  • ISBN978-85-309-6416-0

    1.Processocivil-Brasil.2.Direitoprocessual-Brasil.I.Título.

    09-0911. CDU:347.91/.95(81)

  • Esgotadasasquatroprimeirasedições,aemergênciadeumnovoCódigodeProcessoCivil impôsumaatualizaçãocuidadosadoconteúdo.

    O principal objetivo desta obra é possibilitar o aprendizado do Direito Processual Civil aosestudantes e àqueles que terão os primeiros contatos com a disciplina. Alguns capítulos foramincluídosoucomplementados,nãosóparaatenderàsdiretrizesqueinspiraramaelaboraçãodonovoCódigo,mastambémparasuprirlacunasverificadasnasediçõesanteriores.

    Aproveitoparaagradecerareceptividadequetiveramasquatroprimeirasedições,naesperançadequetambémestavenhaamereceramesmaacolhida.

    RiodeJaneiro,marçode2015.

    LEONARDOGRECO

  • AorigemdestaobraforamosmeuslongosanosdemagistérionaFaculdadeNacionaldeDireitoeoesforçodesinteressadodeumgrupodealunosquesegraduouemagostode2008,aoqualministrei,em cinco períodos letivos sucessivos, todo o curso de Direito Processual Civil. As gravações esubsequentestranscriçõesdessasaulasconstituíramopontodepartidaquemeanimoualevaradianteestaempreitada.

    MeuprimeirointuitoéodeofereceraosqueseintroduzemnoestudodoProcessoCivilumveículoredigidoemlinguagemsimpleseacessível,comocostumaseraadotadaemaula,mantidasasênfasesnasideiasmaisimportantes,paraajudaroleitornacompreensãoeassimilaçãodostemastratados.

    Apesardisso,nãofoiminhaintençãoesgotartodososassuntosouexaminartodasasquestiúnculascasuísticasqueadoutrinaeajurisprudênciatêmversadosobrecadaumdeles;daíaparcimôniadecitaçõesdeautoreseobras,salvoosconsideradosindispensáveis,earararemissãoaacórdãosdostribunais.Animou-meodesejodesemearnamentedoleitorosprincípiosefundamentosteóricosdoProcessoCivildonosso tempo,habilitando-oà reflexãocríticasobreaevoluçãodanossaáreadeconhecimento,desdeoseunascimentoemmeadosdoséculoXIX,esobreasestratégiasdereformaquevêmsendoouqueaindapoderãoviraseradotadasentrenósparadebelaraterrívelcriseemqueseencontramergulhadaaadministraçãodajustiçacivil.DaíonomeInstituições.

    Se,deumlado,tenteitransmitiraoleitoroestágiodosaberprocessualgeralmenteaceitoentrenós,deoutro,foimeudesejocomelecompartilharoquepensoeoquemeaflige,asminhasconvicções,preocupações e dúvidas, na luta por um Processo Civil que, acima de qualquer outro resultado,satisfaçaàsnecessidadesdosjurisdicionados.

    Este primeiro volume é dedicado ao que prefiro denominar de Introdução ao Direito ProcessualCivil. Embora reconheça que existe um núcleo de fundamentos comuns aos diversos ramos doDireitoProcessual –Civil,Penal eEspecial –, euos compararia a círculos secantes, quepossueminstitutosecaracterísticascomuns,masquenãoformamumúnicosistemanormativo,masdois,trêsoumaissistemasautônomos,cadaumcomasuaracionalidade,quesecompletacomoutrosinstitutosecaracterísticasprópriasdecadaum.

    Osvolumesque se seguirão serãodedicados, respectivamente, aoProcessodeConhecimento (2º),aos Recursos e aos Processos da Competência Originária dos Tribunais (3º), à Execução (4º), àTuteladeUrgênciaeaosProcedimentosEspeciais(5º).

    Este trabalho não seria possível sem a colaboração abnegada e incansável de três jovens juristas,integrantes daquela turma de agosto de 2008 da Faculdade Nacional de Direito, Diego MartinezFervenzaCantoario,FelipeRollembergLopesLemosdaSilvaeVitorMaurícioBrazDiMasi,aosquais incorporo como coautores desta obra, uma vez que montaram os primeiros esboços doscapítulos, a partir das gravações dasminhas aulas, e comigo os revisaram e discutiram linha porlinha,formataramasreferênciasefizeramosúltimosajustesparaasuapublicação.

    A eles agradeço e presto homenagem, na esperança de que, junto a outros jovens idealistas e

  • valorososda suageração, possamconstruir umpaísmelhor, uma justiçamelhor euma sociedademaisjusta.

    RiodeJaneiro,2dedezembrode2008

    LEONARDOGRECO

  • Índice

    CapítuloI–ParadigmasdaJustiçaContemporâneaeAcessoàJustiça11.1.DISTINÇÃOENTREOSSISTEMASDACIVILLAWEDACOMMONLAW1.2.OUTRASCARACTERÍSTICASDOSDOISMODELOS1.3.ACESSOAODIREITOEÀJUSTIÇA

    CapítuloII–ODireitoProcessualeassuasFontes12.1.CONCEITOEESPÉCIES2.2.FONTESDODIREITOPROCESSUAL2.3.LEIPROCESSUALNOESPAÇO2.4.LEIPROCESSUALNOTEMPO

    CapítuloIII–Jurisdição13.1.CONCEITO3.2.ATOJURISDICIONALXATOLEGISLATIVO3.3.ATOJURISDICIONALXATOADMINISTRATIVO3.4.CLASSIFICAÇÃO3.5.JURISDIÇÃOCONTENCIOSAEVOLUNTÁRIA:DISTINÇÕES3.6.CLASSIFICAÇÃODAJURISDIÇÃOQUANTOÀNATUREZADOINTERESSE

    CapítuloIV–PoderesInerentesàJurisdição14.1.PODERDEDECISÃO4.2.PODERDECOERÇÃO4.3.PODERDEDOCUMENTAÇÃO4.4.PODERDECONCILIAÇÃO4.5.PODERDEIMPULSO4.6.CONSIDERAÇÕESFINAIS

    CapítuloV–PrincípiosInformativosdaJurisdição5.1.PRINCÍPIODAINVESTIDURA5.2.PRINCÍPIODAINDELEGABILIDADE5.3.PRINCÍPIODAADERÊNCIADAJURISDIÇÃOAOTERRITÓRIO5.4.PRINCÍPIODAINÉRCIADAJURISDIÇÃO5.5.PRINCÍPIODAINDECLINABILIDADEDAJURISDIÇÃO5.6.PRINCÍPIODAUNIDADEDAJURISDIÇÃO

    CapítuloVI–Competência6.1.CONCEITO6.2.FINALIDADES6.3.COMPETÊNCIAINTERNACIONALECOMPETÊNCIAINTERNA6.4.COMPETÊNCIAABSOLUTAEAREASSUNÇÃODOPROCESSO6.5.REGRASRELATIVASÀCOMPETÊNCIATERRITORIAL6.6.MEIOSDEARGUIÇÃODAINCOMPETÊNCIA6.7.CONFLITODECOMPETÊNCIA

    CapítuloVII–InstitutosCorrelacionadosàCompetência17.1.PERPETUAÇÃODACOMPETÊNCIA7.2.PREVENÇÃO7.3.CONEXÃO

  • 7.4.CONTINÊNCIA7.5.PRORROGAÇÃODACOMPETÊNCIA

    CapítuloVIII–Ação18.1.CONSIDERAÇÕESINICIAIS8.2.AÇÃOCOMODIREITOCÍVICO8.3.AÇÃODEDIREITOMATERIAL8.4.AÇÃOCOMODIREITOAOPROCESSOJUSTO8.5.AÇÃOCOMODEMANDA8.6.AÇÃOCOMODIREITOÀJURISDIÇÃO8.7.CUMULAÇÃODEAÇÕES8.8.CLASSIFICAÇÃODASAÇÕES

    CapítuloIX–TeoriasdaAçãoeCondiçõesdaAção19.1.ASTEORIASSOBREANATUREZADAAÇÃO9.2.OTRINÔMIODASQUESTÕESDOPROCESSO9.3.CONDIÇÕESDAAÇÃO9.4.ATEORIADAASSERÇÃO

    CapítuloX–Processo110.1.CONCEITO10.2.NATUREZAJURÍDICA10.3.RELAÇÃOJURÍDICAPROCESSUAL:DIREITOS,DEVERES,ÔNUSEPODERES10.4.PROCESSOEPROCEDIMENTO

    CapítuloXI–SujeitosdoProcesso111.1.OJUIZ11.2.SUJEITOSPARCIAIS11.3.SUJEITOSAUXILIARES11.4.SUJEITOSPROBATÓRIOS11.5.OUTROSSUJEITOSPOSTULANTES

    CapítuloXII–AtosProcessuais112.1.ATEORIADOSATOSPROCESSUAISEATEORIAGERALDOSATOSJURÍDICOS12.2.CLASSIFICAÇÃODOSATOSPROCESSUAIS

    CapítuloXIII–AtosdeComunicaçãoProcessual113.1.CITAÇÃO13.2.ANULIDADEDACITAÇÃOEOCOMPARECIMENTOESPONTÂNEODORÉU13.3.EFEITOSDACITAÇÃO13.4.INTIMAÇÃO13.5.SUBSIDIARIEDADERECÍPROCAENTREASNORMASQUEDISCIPLINAMOSATOSDECOMUNICAÇÃOPROCESSUAL

    CapítuloXIV–PressupostosProcessuais114.1.PRESSUPOSTOSPROCESSUAISSUBJETIVOSRELATIVOSAOJUIZ14.2.PRESSUPOSTOSSUBJETIVOSRELATIVOSÀSPARTES14.3.PRESSUPOSTOSPROCESSUAISOBJETIVOS

    CapítuloXV–LugareTempodosAtosProcessuais115.1.LUGARDOSATOSPROCESSUAIS15.2.TEMPODOSATOSPROCESSUAIS

  • 15.3.PRAZOSPROCESSUAISCapítuloXVI–DefeitosdosAtosProcessuais1

    16.1.ATEORIADOSDEFEITOSDOSATOSPROCESSUAISESUASDIFICULDADES16.2.ESPÉCIESDEDEFEITOSDOSATOSPROCESSUAIS16.3.PRINCÍPIOSINFORMATIVOSDATEORIADOSDEFEITOSDOSATOSPROCESSUAIS

    CapítuloXVII–ProcessoeProcedimento117.1.DISTINÇÕES17.2.ADISCIPLINADOSPROCEDIMENTOSNOCÓDIGODEPROCESSOCIVILESUASESPÉCIES

    CapítuloXVIII–DespesasProcessuais118.1.SISTEMASDECUSTEIO18.2.ESPÉCIESDEDESPESASPROCESSUAIS

    CapítuloXIX–AssistênciaJudiciária19.1.SISTEMASDEASSISTÊNCIAJUDICIÁRIA19.2.ASSISTÊNCIAJUDICIÁRIAEASSISTÊNCIAJURÍDICA19.3.CONTEÚDODAASSISTÊNCIAJURÍDICA19.4.OBENEFICIÁRIO19.5.REQUISITOPARAACONCESSÃODAGRATUIDADE19.6.AESCOLHADOADVOGADO19.7.OUTROSASPECTOSLEGAISDAASSISTÊNCIAJUDICIÁRIA19.8.QUESTÕESEMABERTO

    CapítuloXX–ProcessoCumulativo120.1.CLASSIFICAÇÃODOPROCESSOCUMULATIVO20.2.CARACTERÍSTICASDACUMULAÇÃODEAÇÕES20.3.ESPÉCIESDECUMULAÇÃOOBJETIVA20.4.CUMULAÇÃOSUBJETIVA:OLITISCONSÓRCIO

    CapítuloXXI–IntervençãodeTerceiros121.1.ASSISTÊNCIA21.2.OPOSIÇÃO21.3.NOMEAÇÃOÀAUTORIA21.4.DENUNCIAÇÃODALIDE21.5.CHAMAMENTOAOPROCESSO21.6.RECURSODETERCEIROPREJUDICADO21.7.EMBARGOSDETERCEIRO21.8.EXECUÇÃOCOLETIVA21.9.INTERVENÇÃOLITISCONSORCIAL21.10.OUTROSTIPOSDEINTERVENÇÃODETERCEIROS

    CapítuloXXII–PrincípiosGeraisdoProcessoCivil122.1.PRINCÍPIODAINICIATIVADASPARTES22.2.PRINCÍPIODOCONTRADITÓRIO22.3.PRINCÍPIODISPOSITIVO22.4.PRINCÍPIODALIVRECONVICÇÃO22.5.PRINCÍPIODAPUBLICIDADE22.6.PRINCÍPIODOIMPULSOPROCESSUALOFICIAL22.7.PRINCÍPIODALEALDADEPROCESSUAL

  • 22.8.PRINCÍPIODAORALIDADEBibliografia1

  • OestudodoDireitoProcessualCivildeveseriniciadopelaanálisedanecessáriacorrelaçãoexistenteentre as características fundamentais das instituições públicas que administram a justiça e do seumododefuncionamentoeopapelqueopróprioEstadodesempenhanasociedadecontemporânea.Aobra mais importante para a compreensão dessa correlação e para possibilitar a necessáriacontextualizaçãopolíticaesocialdosaberjurídico,cujoestudovamoscomeçar,éolivrodeMirjanDamaska,ThefacesofJusticeandStateAuthority1.DamaskaéumpesquisadordaUniversidadedeYale,nosEstadosUnidos,masdeorigemcroata,que,tendoconvividocomossistemasjurídicosdaEuropa continental e americano, fez penetrantes observações comparativas entre as duas grandesespéciesdeordenamentosjurídicos,adotadosemgeralnosdiversospaísesdoOcidente,asaber,osordenamentosdosistemadacivillaweosdosistemadacommonlaw.

    O sistemadacivil law éo sistemada tradição romano-germânica, oqual é adotadonospaísesdocontinente europeu, especialmente na Itália, na França, na Alemanha, na Espanha e em Portugal,assimcomoemtodaaAméricaLatinacolonizadaporportugueseseespanhóis.Osistemadacommonlaw é o sistema do direito inglês, norte-americano, canadense, australiano etc., implantadoprincipalmenteempaísesoriundosdasantigascolôniasbritânicas.

    1.1.DISTINÇÃOENTREOSSISTEMASDACIVILLAWEDACOMMONLAW

    Aprincipal distinção entre os dois sistemas é a de que o sistemadacivil law é de direito escrito,enquantoodacommonlawédedireitocostumeiro,aplicadopela jurisprudência.Éválido lembrarque, no Canadá, que teve tanto colonização francesa quanto inglesa, em algumas regiões, comoQuébec,éadotadoosistemadacivillaw,oquetambémacontecenosEstadosUnidoscomoEstadodaLouisiana.

    AobradeMirjanDamaskaexpõeasprincipaisdiferençasqueessesdoisparadigmasapresentamnaorganização da justiça civil e no processo das respectivas causas. Na verdade, assentam eles emconcepções diferentes da própria justiça. No sistema continental europeu (civil law), a função dojudiciário,opapeldajustiça,temsidoodeatuaçãododireitoobjetivo,istoé,aaplicaçãodavontadeconcretada leiaoscasosque lhesãosubmetidos.A jurisdição,quepororacaracterizamosapenascomoafunçãodosjuízes,évistaprincipalmentecomoinstrumentodalei,aindaquemuitosautoresprocuremdarênfaseaosreflexosqueessaatividadeproduznaesferasubjetivadoscidadãosedosparticularesqueaelarecorrem.

    Nacivillaw,queéonossosistemajurídico,a jurisdiçãocomofunçãoestatal, temsidoestruturadapreponderantementecomafinalidadedeatuaçãododireitoobjetivo,epor issoaadministraçãodajustiça adota o que Damaska denominou de modelo hierárquico, centralizador. Nesse sistema, osjuízessãoconsideradosabocadalei,expressãousadaporMontesquieuparajustificaraideiadequeospoderesdosjuízesdecorremdaleieàleidevemestarsempresubordinados.Éimperiosoqueosjuízesinferioresestejamrigidamentecontroladospelostribunaissuperioresparaquesemantenhamfiéisaessamissãodeseremoinstrumentodecumprimentodalei.Jánomodelodeadministraçãodajustiça dos países da common law, a função da justiça é, primordialmente, a de pacificação doslitigantes.Apazsocialnacivillawéumobjetivoremoto.Jánacommonlaw,apazentreoslitigantes,

  • arearmonizaçãoeareconciliaçãosãoosseusobjetivosdiretos,imediatos.Nacommonlaw,poucoimportaseapacificaçãodoslitigantesvaidar-seàluzdaleioudeoutrocritérioqualquerquesejamaisadequadoaocasoconcreto.O importanteéharmonizaros litigantes. Issoporquea justiçadacommonlaw tem um profundo enraizamento na vida da comunidade e tem por função primordialpreservaracoesãoeasolidariedadeentreosseusmembros,interdependentesentresi.

    Enquantoajustiçadacivillawtemsidoajustiçadorei,dosoberano,doEstado,ajustiçadacommonlawéajustiçaparitária,dacomunidade.Daíresultamalgumascaracterísticastípicasdacivillawqueinfluenciam, como veremos, toda a nossa Teoria Geral do Processo, na medida em que a suaedificaçãosedeuquaseinteiramentepeladoutrinadospaísesqueadotamosistemadodireitoescrito.

    Cabeobservardesdelogoqueacrisedecorrentedacrescenteperdadecredibilidadeoudeconfiançada sociedade na sua justiça e nos seus juízes, o que poderíamos também chamar de crise delegitimidadedopoder jurisdicional,decorrentedaelevaçãodaconsciência jurídicadapopulaçãoedoseugraudeexigênciaemrelaçãoaodesempenhodojudiciário,estálevandoaqueadoutrinaeosordenamentosjurídicosdospaísesdacivillawvoltemosolhosparaosdacommonlaw,procurandolá encontrar soluções para problemas comuns pormeio de institutos que não existem ou que sãopoucodesenvolvidosnacivillaw.Omesmoacontece,porsuavez,nospaísesdacommonlaw,que,para solucionarproblemasnão resolvidosatravésdas suas técnicas,vêm tambémemalgunscasosbuscarsoluçõesnonossosistema.

    QuandosefaladaTeoriaGeraldoProcessocomoumateoriaqueassentaeestruturaosprincípiosbásicosdeumaciênciaoudeumramodeumaciência,temosdeterconsciênciadequeessateoria,entrenósdifundida,éadosistemajurídicoromano-germânico,queestácrescentementeembuscadaefetividadedoprocessoe,portanto,desoluçõesparaospontosdeestrangulamentodamáquinadajustiça eparaodéficit garantísticodoprocesso,no sentidode insuficiênciadas suas técnicasparaassegurarorespeitoàdignidadehumanadetodososseusatoreseaqualidadeeconfiabilidadedassuas decisões. Na busca dessas soluções, muitas vezes teremos de recorrer a institutos de outromodelodejustiça,deoutroparadigma.

    Assim,porexemplo,noBrasil,acriaçãodosjuizadosdepequenascausas–hojecomoinfeliznomede juizados especiais, porque especial é o que não é comum, geral, e, portanto,melhor seria quetivessem continuado a chamar-se juizados de pequenas causas – foi influenciada pelas chamadassmallclaimscourtsdodireitonorte-americano,embuscadeuma justiçamaispacificadoradoquesentenciadora,oqueevidenciaesseintercâmbiodeparadigmas.

    Deficiênciasdosistemadacivillawvãosendoresolvidaspelaimportaçãodemecanismosdacommonlaw.Assim, também,nospaísesdacivil law, a defesado interessepúblico, em juízoou foradele,incumbe ao próprio Estado e aos seus agentes, as autoridades, funcionários e procuradores daspessoasjurídicasdedireitopúblico,ouporparticularesnoexercíciodefunçõesdelegadasdoPoderPúblico. No entanto, no Brasil, como consequência da crise do Estado, que por múltiplas razõesevidenciouasuaabsolutaimpotência,especialmenteapartirdadécadade70doséculopassado,paraprover à tutela do interesse público, foram criadas as ações coletivas, as ações civis públicas,originárias das class actions do direito norte-americano, nas quais uma associação ou um órgãopúblico,nointeressegeraldacoletividadeoudepartedela,provocaojudiciárioparaqueesteadoteasmedidas que forem necessárias. A justiça civil passa a desempenhar, assim, pela via das ações

  • coletivas, funções que tradicionalmente cabiam à Administração Pública e ao próprio PoderLegislativo,formulandojuízosdeconveniênciaeoportunidadedestasoudaquelasprovidências,nãomais sob a ótica do estrito cumprimento da vontade da lei,mas como porta-voz de uma vontadepolítica, função para cujo exercício os juízes não tiveram qualquer espécie de formação, nemreceberamqualquermandatopolítico.

    Inversamente,paísesdosistemadacommonlaw,comoaInglaterra,tambémtêmidobuscarsoluçõespara suas deficiências em técnicas adotadas em países da civil law. A reforma inglesa de 1998abandonouascaracterísticasdojuizinerte,daescolhadeperitospelaspartesedadesvalorizaçãodasprovasescritas,recorrendoaomodelodacivillaw2.

    OmodernoDireitoProcessualnãoestáfechadoparaessediálogoentresistemas.Aocontrário,eletem de estar aberto a essa troca. De qualquer modo, toda nossa doutrina foi concebida à luz dosistema continental europeu, do sistema hierárquico, do processo como instrumento do direitoobjetivo.Asimportaçõesquesefazemdeinstitutosdacommonlawsempreentramnonossosistemadeumaformaumpoucoextravagante,anômala,eosistematemdificuldadedeassimilaressesnovosinstitutosouatémesmoacabapordesvirtuarassuasfinalidadesoucaracterísticas.

    Concordando com Damaska, ao enumerar os traços mais marcantes do paradigma de justiça domodelo hierárquico (civil law), é importante ter em mente que esse modelo, embora não sejaabsoluto, é ligado à nossa civilização, à nossa cultura.Todavia, a globalizada sociedade donossotempo vai impondo a sua superação em muitos pontos em benefício do respeito aos valoreshumanitáriosconstitucionaleinternacionalmentereconhecidos.

    Essa abordagem da ciência jurídica e da Teoria Geral do Processo, em função desses diferentesparadigmas,émuitoimportanteparalivrar-nosdafalsaideiadequeonossomodelodejustiçasejauniversaledequeassuascaracterísticastradicionaisdevamseraceitascomoabsolutaseimutáveis.Aprópria ideia de direitos humanos é tipicamente ocidental. Embora os países doExtremoOriente,comooJapão,porexemplo,tenhamratificadotodosostratadosinternacionaisdedireitoshumanos,têm eles dificuldade em assimilá-los e respeitá-los como nós os concebemos. A ideologia dosdireitos humanos foi imposta aos vencidos na Segunda Guerra, mas esses culturalmente têmdificuldadeemincorporá-laaoseumododeseredeviver.

    1.2.OUTRASCARACTERÍSTICASDOSDOISMODELOS

    Examinemosascaracterísticasdomodelode justiçadosistemadacivil law –modelohierárquico,origináriodatradiçãoromano-germânica,quetemsidoadotadopelospaísesdocontinenteeuropeueibero-americanos–emcomparaçãocomosdosistemadacommonlaw, semperderdevistaqueaevolução recente verificada de parte a parte vai tornandomenos rígidas as suas diferenças e quecaracterísticas de um modelo são hoje também encontradas nos países do outro, com maior oumenorintensidadeemumououtropaís.

    Nospaísesdacivillawajurisdiçãonormalmenteéexercidaporjuízesprofissionais,escolhidosporcritériostécnicosequesetornamvitalíciosparaexercerajudicaturacomoatividaderemuneradadecaráterpermanente.Diferentementedacivillaw,nacommonlawpredominamjuízesleigosoujuízesprofissionaisdeinvestidurapolítica.

  • No sistema da civil law, há uma tendência de especialização dos juízes, que julgam apenasdeterminadasmatérias.Já,nacommonlaw,nãohátantasespecializações.

    Na civil law, o critério de decisão das causas tem sido rigorosamente um critério de legalidade.Juízosdiscricionáriosdojuizsão,àprimeiravista,repudiados.Asdecisõesjudiciaissão,emgeral,consideradasatosvinculados,ouseja,atoscujosrequisitosestãoestabelecidospelalei.Numespaçomuitolimitadoerigidamenteprevisto,acivillawadmiteatosdiscricionáriosoujuízosdeequidade,achamadajustiçadocasoconcreto,comosevênosartigos126e127doCódigodeProcessoCivilde1973enoartigo140doCódigode2015.

    Embora a lei faculte ao juiz ponderar os interesses em jogo, quando houver conflito de direitosfundamentais,eapesardeahermenêuticaimporaojuizatenderaosfinssociaisdanormajurídicaedasexigênciasdobemcomum(Códigode2015,art.8º),ojuizsomentedecidiráporequidadenoscasosprevistosemlei,porqueasubordinaçãodojuizàleiéumpostuladofundamentaldoEstadodeDireitonospaísesdedireitoescrito,doqualseextraialegitimidadepolíticadopoderjurisdicional.Aleiprocuralimitarjuízosdiscricionárioseequitativos.Então,quandoaleidosjuizadosespeciaisestabelecequeojuizpodedecidirforadocritériodeestritalegalidade(art.6ºdaLein.9.099/95),oquetambémsedánachamadajurisdiçãovoluntária(art.1.109doCPCde1973;art.724,parágrafoúnico, doCPCde 2015), a doutrina tende a considerar que tais regras não possam ser levadas aoextremodepermitir queo juiz possa decidir fora ou contra a lei,mas que a lei lhe confere certamargem de escolha, que deve ser fundamentada, objetiva, a partir de certos critérios. Há umaresistência da civil law a juízos discricionários, ou seja, juízos fundados na conveniência eoportunidadeenaequidade.Estessãosempreexcepcionaisemuitocontrolados.

    Aadministraçãodajustiçaporequidadeoudiscricionariamenteéexcepcional.Umdoscasostípicosde julgamento por equidade é o arbitramento de alimentos. A lei diz que o juiz decidirá sobre oprovimentodealimentosdeacordocomanecessidadedoalimentandoeacapacidadedoalimentante(art. 1.694, § 1º, do Código Civil), ou seja, por equidade, de acordo com as exigências do casoconcreto.

    Quandoseimportauminstitutodeoutroparadigma,deoutromodelo,essaimportaçãopodedar-sede dois modos: ou se importam todas as características daquele paradigma ou se adapta aqueleinstitutoaoseupróprioparadigma.

    Nocasodos juizadosespeciais,emqueaConstituição(art.98)prevêasuacomposiçãopor juízestogados ou togados e leigos, se o julgador é popular, ou seja, um juiz leigo escolhido pelacomunidade, é natural que ele se preocupe mais em seguir os ditames da sua consciência e ossentimentosdessacomunidadedoqueematuarcomoumcegoinstrumentodalei.Mas,sesetratadeumjuizprofissional,comonacivillaw,autorizá-loadecidirforadaleiseriapermitirjulgamentosarbitrários.NoBrasil,essafaculdadedejulgamentoporequidadesofregranderesistênciaemrazãodonossoparadigmadejustiçaprofissional,instrumentoderevelaçãododireitoobjetivo.AprópriaConstituiçãoFederalpermitiu,entretanto,arupturadesseparadigma,atravésdainclusãonosjuizadosespeciaisdejuízesleigos,masocorporativismojudiciárioarejeitou,impedindo,deummodogeral,aadoçãodeumsistemacompostoporverdadeirosjuízesleigos,eemalgunsEstados,comooRiodeJaneiro,criandofalsosjuízesleigos,quedestessomenteconservamonome,porquenaverdadesãoaprendizesdejuízesprofissionais,oriundosdaescoladamagistratura.

  • Na civil law há repetição de decisões. Casos idênticos acabam sendo decididos damesma forma.Cria-sejurisprudênciae,todavezemquehádivergênciaentreaopiniãodosjuízes,elaéresolvidahierarquicamente,nostribunaissuperiores,eassimoassuntoéuniformizado.

    Damaskadizqueajurisprudênciatemmaisforçanacivillawdoquenacommonlaw.Éfácilverificaresseentendimentopelaimportânciaqueapresentamosrecursosnacivillaw,tantocomrelaçãoàsuaamplitudequantoàsuaquantidade.

    Asdecisõesjudiciaisnomodelodacivillawtêmumafortetendênciaàmanutençãodaordemjurídicae à uniformização das decisões através de um sistema de recursos bastante amplo. O principalrecursoéaapelação,quepermitequeotribunaldesegundograu,tribunaloujuízoadquem, julguenovamenteacausacomosefosseumjuizdeprimeirograu,aquo, justamenteparaqueesteestejasemprecontroladoporaquele.Porisso,Damaskaochamademodelohierárquico,jáquepoucaéaliberdadedojuizdeprimeirograu,porqueaquiloqueeledecidepodesertotalmenterevisto.

    Ainda sobre os recursos, na civil law, há o repúdio a recursos para o próprio juiz, enquanto nacommonlawécomumopedidoderevisãoparaoprópriojuizouparaopróprioórgãoqueproferiua decisão. Na common law, o juiz de primeiro grau tem muito mais poder do que os tribunaissuperiores, porque esses exercem uma supervisão muito distante e excepcional sobre a justiçaministradapelosjuízesdoprimeirograu.Ajustiçadeprimeirograuéconsideradamaispróximadoscidadãos,comojustiçadacomunidade.

    UmadasconsequênciasdessadiferençadeparadigmaséadequeostribunaissuperioresnoBrasiljulgamumnúmeroinfinitamentemaiorderecursosdoquenosEstadosUnidose,deummodogeral,em países da common law. A Corte Suprema americana seleciona para decidir apenas algumasquestões jurídicas (emtornodecemporano)queentendemais relevantesequeestãoaexigirumpronunciamentomarcantecomodiretrizquedeveráinfluirnaevoluçãodaordemjurídicanacional.Não sepreocupaem rever se asdecisõesdos juízes inferiores são justasounão,porque, se essesórgãos são representativos da comunidade, as suas decisões, de um modo geral, devem serconsideradas justas. O fundamental não é saber se a lei foi aplicada ou não, mas se o litígio foiresolvidocomequidade,seaspartesserearmonizaram.Esseéoespíritopredominantenajustiçadacommonlaw.

    Aoimportarmosoarbítrio,opoderdiscricionárioquetemaCorteSupremadosEstadosUnidosnaescolha dos casos que vai julgar, o que fizemos recentemente com a criação, pela EmendaConstitucionaln.45/2004epelaLein.11.418/2006,queveioaserincorporadaaoCódigode2015(art.1.035),dorequisitoderepercussãogeralparaaadmissibilidadedorecursoextraordinárioparao Supremo Tribunal Federal, talvez estejamos esquecendo de que essa é uma característicaparadigmáticadosistemanorte-americano,e,assim,estamos importandoa soluçãodeummodelosemimportarmosoprópriomodelo.

    Adecisãodeprimeirograunacivillawésempreprovisóriae,por isso,háaproximadamentedoismil anos a apelação tem efeito suspensivo. A execução provisória da decisão de primeiro grau,quandoautorizada(CPCde1973,art.520;CPCde2015,art.1.012,§1°),sedáporcontaeriscodoexequente (CPCde1973, art.475-O, inc. I),ou, comoprefereoCódigode2015, “por iniciativaeresponsabilidadedoexequente”(art.520,inc.I),porqueparecequeovencedorestáseantecipando,

  • atropelando a justiça, quando ele quer executar uma decisão que ainda pode ser reformada pelostribunaissuperiores,aocontráriodoqueacontecenacommonlaw,emqueasdecisõesdeprimeirograunormalmentesãodefinitivas.

    Hoje,entrenós,jáverificamosumafortepressãoàrupturadessemodelo,porquejásepercebeuquea fragilização da decisão de primeiro grau favorece a procrastinação e a utilização dos recursoscomoinstrumentoprotelatório.

    Verifica-se, também, a tendência de ampliar os recursos sem efeito suspensivo, fortalecendo aexecução imediata de decisões recorríveis. Paralelamente, são criados outros mecanismos deaceleraçãodaprestaçãojurisdicional,comoatutelaantecipada,previstanoartigo273doCódigode1973enos artigos300e seguintesdoCódigode2015.Esses sãoalguns exemplosde rupturasdoparadigma tradicional, ditadas pela necessidade de ir em busca da melhoria da efetividade doprocesso,emboraasobrevivênciadonossoparadigmahierárquicooponhasempreresistênciaataistiposdesolução.

    No modelo hierárquico da civil law, há uma prevalência das provas escritas, da documentaçãoescrita, enquantonacommonlaw prevalecem as provas orais, não documentadas ou documentadassingelamente.

    Na common law, muitas vezes os próprios documentos devem ser ratificados pelos depoentes naaudiência final, de nada valendo as declarações prestadas em fases anteriores do processo.É umajustiçaemque todaacognição fática sedáoralmentena frentedo julgadoreali seconclui.Atéaprovapericialnormalmenteéprestadaatravésdedepoimentosorais.

    Nacivillaw,tudoédocumentado,paraqueotribunaldesegundograupossateramesmaamplitudedecogniçãoquetinhaojuizdeprimeirograu,ojuízoaquo.Issoéumailusão,porqueevidentementeopapelnão registra tudo,maséuma reproduçãopálidadoqueocorreunosatosorais,eéesseomotivopeloqualacommonlawnãoconfianacapacidadedosistemadacivillawdeapuraraverdadedosfatoseconsideraosistemaprobatóriodacivillawformalistaedistantedarealidadedavida.Ouso de sistemas eletrônicos de gravação de som e imagem nos atos orais, já adotado emmuitosjuízos no Brasil, de algum modo contribuirá para diminuir a distância entre os dois modelosprobatórios.

    Claro que há rupturas em ambos os paradigmas. Por exemplo: recentemente, a legislação norte-americanaveioapermitirperíciasatravésdelaudosescritos,masasnotíciasquetemosdecomoessaeoutrasinovaçõesestãosendoaplicadassãonosentidodequesofremgranderesistência,porqueatradiçãoémaisfortedoquealei.

    Nóstambémcriamosaperíciaoralapartirde1992,importandoregradeoutroparadigma(CPCde1973, art. 421, § 2º; Lei n. 9.099/95, art. 35), uma vez que o laudo escrito retarda e encarece oprocesso.Entretanto, onossomodeloparadigmático resiste eos juízes raramente fazemusodestafaculdadequealeiveioaconferir-lhes.

    Daíresultaqueoprocessonacivillawéfragmentado,compostodeatossucessivosquepassampelasmãos do juiz inúmeras vezes, desde o despacho da petição inicial até a sentença. Entre nós, os

  • processos passam pelas mãos dos juízes quantas vezes quiserem as partes. Na Alemanha, porexemplo,ondeosistemaéodacivillaw,diz-sequeoprocessonormalmentepassapelasmãosdojuizcercadetrêsvezes,porqueessepaísfoifortementeinfluenciadopelosistemadacommonlaw.Jána Suécia e naNoruega, que têm um sistemamisto, o processo é, em geral, decidido em poucassemanas.

    Nacivillaw,osadvogadossãoimpedidosdecolaborarintensamenteematosdemovimentaçãoeematos probatórios. Na common law, prevalece a iniciativa do advogado e o juiz, normalmente,permanecequieto,inativo,enquantoaspartesdiscutemasquestõesdacausa.Oadvogadoéograndeatordoprocesso,produzindoprovasemseuescritório,intimandoapartecontráriaparacomparecer,fornecendodocumentosaoadversário,colhendodepoimentos,emboradepoistodasasprovasdevamserrepetidasnapresençado juizoudo júri.Nospaísesdacivil law,acolaboraçãodosadvogadosnemsempreévistacombonsolhos,ocorrendomuitasvezesparasupriraincapacidadedamáquinajudiciáriadedarvazãoatantosprocessos.

    Na civil law, os peritos são considerados auxiliares da justiça, enquanto na common law eramoriginariamentetestemunhasdaspartes.Nesseaspecto,nenhumdosdoissistemaséideal,porque,noprimeiro,operitocorreo riscode transformar-senoverdadeiro juiz, jáqueesteoescolheeneleconfia cegamente. Dificilmente o juiz se posiciona contra o laudo do perito que escolheu. Nosegundo,emcontrapartida,apartesomenteapresentaoperitoquesabequevaideporaseufavor.

    Na civil law, a defesa do interesse público resulta quase exclusivamente da iniciativa de órgãospúblicos,comoseoEstadofosseotutorexclusivodointeressepúblico,razãopelaqualsomenteelepode promovê-lo, mediante os seus diversos agentes, como os seus procuradores, o MinistérioPúblicoouopróprio juiz.Nacommonlaw, o sistemaémais abertoporque aprópria comunidadepodetomara iniciativada tuteladointeressepúblico.Por isso, láexistemasaçõesdeclasse,classactions, movidas pelos particulares, assim como os amici curiae, pessoas desinteressadas queintervêm no processo somente para auxiliar, para que se obtenha uma boa decisão, transmitindoconhecimentos ou informações que podem ser úteis mesmo em processos privados. O Brasilimportouemgrandeparteessesinstitutos,sejapelasaçõespopulares(Constituição,art.5°,LXXIII,eLei n. 4.717/65) e pela legitimação das associações privadas para as ações civis públicas, seja aofacultar a intervenção de terceiros desinteressados em certos procedimentos por meio da Lei n.9.868/99, que regulamentou a ação declaratória de constitucionalidade e a ação direta deinconstitucionalidade, e mais recentemente as Leis ns. 11.417, 11.418/2006 e 11.672/2008,respectivamente,sobreasúmulavinculante,a repercussãogeralcomorequisitodeadmissibilidadedorecursoextraordinárioparaoSupremoTribunalFederaleo julgamentodosrecursosespeciaisrepetitivos para o Superior Tribunal de Justiça. O Código de 2015 incorporou vários dessesinstitutos,comooamicuscuriaenoartigo138,a repercussãogeralnorecursoextraordinário (art.1.035), o julgamento dos recursos extraordinário e especial repetitivos (arts. 1.036 a 1.041), tendoaindacriadoaudiênciaspúblicasnaalteraçãodesúmulaseno julgamentodecasosrepetitivos(art.927,§2º)eonovoincidentederesoluçãodedemandasrepetitivas(arts.948a950).

    Na civil law, há pouca possibilidade de atos de disposição das partes em relação ao processo. Asuspensãodoprocessoporconvençãodaspartesésomentepossívelporseismeses(Códigode1973,art.265,§2º;Códigode2015,art.313,§4º);oautornãopodemudaropedidodepoisdacitação,anãosercomaconcordânciadoréu(Códigode1973,art.264;Códigode2015,art.329,inc.I).Na

  • common law, a disponibilidade é bemmais ampla. Nesse aspecto, o Código de 2015, seguindo oexemplo recente do direito francês, dá um grande avanço, ao facultar que as partes celebremconvençõessobreoprocedimentoparaajustá-loàsespecificidadesdacausa(arts.190e191).

    Nacivil law, há interesse público na validade do processo. Sendo a função jurisdicional típica deatuaçãodavontadeda lei,davontadedoEstado,o juiznacivil lawdevevelar rigorosamentepelavalidade do processo, e, portanto, tem o poder de decretar de ofício todas as chamadas nulidadesabsolutas (que são muitas). Na common law, isso não ocorre; o processo é encarado como umarelaçãopreponderantementede interesseprivadodos litigantes.Entrenós,oprincípioda liberdadedasformas(Códigode1973,art.154;Códigode2015,art.188)vaiprogressivamentemitigandoasnulidadesabsolutas,cadavezmaisintensamentevinculando-asàprovaefetivadeprejuízo.

    Na civil law, o juiz é ativo, não é inerte, na busca da verdade, no suprimento das deficiênciasdefensivaseprobatóriasdaspartes,noexercíciodeumaautênticafunçãoassistencial.Étambémativonaprovocaçãodequestões, especialmentequandose tratadequestõesdeordempública.Busca-se,assim, sem comprometer a necessária imparcialidade do julgador, assegurar a paridade de armas,superandoosobstáculoseconômicos,probatóriosepostulatórios,comointuitodedarefetividadeàigualdadedaspartesemjuízo.

    Nacommonlaw, o juiz é predominantemente inerte, e, por isso, dizemeles queonosso sistemaéinquisitório, autoritário, e que o deles é mais democrático. Por outro lado, a inércia do juiz nacommon law permitemuitasmanobras por parte dos advogados, especialmente emmatéria penal,sofrendoacríticadeque,comfrequência,a justiçaédesvirtuada, transformando-seemumgrandejogo.

    Vê-se, pois, que os dois paradigmas têmqualidades e defeitos e que o processo ideal seria o queconseguisse conciliar as virtudes dos dois sistemas, minimizando os defeitos, o que as reformasprocessuais,nasúltimasdécadas,têmtentadorealizar.

    Entretanto, não é possível ignorar que o processo judicial é uma atividade prática, exercidarepetitivamentetodososdiasporpessoas,comojuízes,advogados,promotores,serventuários,que,apesar da sua formação acadêmica, fazem parte de povos com costumes, tradições e experiênciaspolíticasesociaismuitodiferentes.Oprocessoéumfenômenocultural, típicodecadapovoe,atémesmo,decadacomunidade.

    Asreformaslegaisnãoconseguemtransformá-lodanoiteparaodia.

    ComolecionaOscarChase,professordaUniversidadedeNovaIorque,háumainteraçãocontínuanoprocessoentrea leiea realidade.Uma influenciaaoutrae,por isso,a justiça idealnãoseráobraapenas dos legisladores,mas também e principalmente dos educadores e de todos os que possamcontribuirparaimpregnarnaconsciênciacoletivaosvaloreshumanitáriossobosquaisasociedadedeveviver3.

    1.3.ACESSOAODIREITOEÀJUSTIÇA

    Oacessoàjustiçaéapontadohodiernamentecomoumadasgarantiasfundamentaisdoscidadãosno

  • EstadoDemocrático deDireito.Na sua análise, é necessário ter consciência daquilo que o direitopode ou não fazer para assegurar a concretização dos valores e dos direitos fundamentaisconsagradosconstitucionalmente.

    OsmanuaisdeDireitoProcessualgeralmentemostramumaperspectivatécnicadoprocesso,valendolembrarqueeste,comoinstrumentodoacessoàjustiça,émeioenãofim.Paratirardoprocessoomaior proveito possível nessa função, impõe-se a observação da realidade social e econômica domundoatual,oquecertamentepermitirá ir embuscademecanismosprocessuaismaiseficazesdoqueaquelesquenormalmentesãoapresentadospeladoutrinatradicional.Ajustiçaatodoomomentosedeparacomessarealidadeeasrespostasqueelaécapazdedargeralmenteficammuitoaquémdasexpectativasdosjurisdicionados,patenteadasnonoticiáriocotidianodosórgãosdeimprensa.

    Mesmoadotandoumaperspectivaexclusivamenteprocessual,dequalquermodo transparececomoindispensávelanecessáriaassociaçãoda ideiadeacessoà justiçaà ideiadeacessoaodireito.EssaassociaçãosurgiunaConstituiçãoportuguesade1976,que,noseuartigo20,estabeleceuque“atodoséasseguradoodireitodeacessoaoDireito e à Justiça”,oque significaque, antesdeasseguraroacesso à proteção judiciária dos direitos fundamentais, o Estado deve dedicar-se diretamente àconcretizaçãodaexpectativadegozodosdireitosdoscidadãos.

    Assim,todaproteçãojudiciáriaatravésdostribunaisseequiparaauminstrumentosancionatório,desegundoplano,acionávelapenasquandoocorreralgumalesãoouameaçaaumdessesdireitos.

    1.3.1.Pressupostosdoacessoaodireito

    Oacessoaodireito,nassociedadescontemporâneas,dependedeinúmerospressupostos,váriosdelesextrajurídicos.Assim,oidealderealizaçãododireito,comoinstrumentodeconvivênciapacíficaeharmoniosadetodososcidadãos,dependedeváriospressupostosaqueoEstadoprecisaprover.Daía importância das eleições dos mandatários políticos, sem os quais de nada adianta ter uma boaConstituiçãoFederaleatémesmomuitoboasleis.

    Cumpreenumerar,nestepasso,osprincipaispressupostosdoacessoaodireito.

    1)Oprimeirodessespressupostoséaeducaçãobásica,queformaoscidadãos,neles infundindoaconsciência de seus direitos e também de seus deveres sociais, bem como os valores humanosfundamentais,osquaisdevemserportodosrespeitadosnavidaemsociedade.Aquelequenãotemtalconsciêncianãopode ter acesso aodireito.A educaçãobásica corresponde ao ensino fundamentalministrado em boas escolas por bons professores. Em um país onde milhões estão excluídos doacessoàeducação,ouestãoenvolvidosemprocessoseducativosdeturpados,quemaisestimulamarevoltadoqueasolidariedadesocial,nãocabefalaremcidadania,porqueaignorânciaosalijadoconhecimentoda suaprópriadignidadehumanaedoacessoaos seusdireitos.Não sãocapazesdeexercê-los porque os desconhecem ou inconscientemente os repudiam. A consciência de direitosexigetambémadedeveres,pois,setodosdesrespeitamdireitosalheios,ninguémtemdireitos4.

    Éuma ilusãopensarqueo judiciáriogarantea todosaeficáciade seusdireitos, atravésdoamploacesso à justiça.NoBrasil, oEstado investemuitopouco emeducação e naqualificaçãodos seusindispensáveismobilizadores,quesãoosprofessores.Oprópriomodeloconstitucionaladotadopara

  • o nosso sistema educacional é intrinsecamente equivocado, porque atribui a responsabilidade doensino fundamental aos Estados e aos Municípios, quando essa responsabilidade deveria caber àUnião, que apenas faz as leis sobre esse nível de ensino e adota políticas de apoio às estruturaseducacionais dos outros níveis de poder, sem ter o seu próprio sistema de ensino fundamental.AUniãoFederalcuidadiretamenteapenasdasuniversidadeseparcialmentedoensinotécnico,quesãoimportantes,masnãosãoparatodosenãoformamcidadãos.

    2)Osegundopressupostoextrajurídicodoacessoaodireitoéooferecimentoatodososcidadãosdecondições mínimas de sobrevivência e de existência condignas, através do acesso ao trabalhoprodutivo,livrementeescolhido,edapercepçãodacorrespondenteremuneraçãocapazdeproveraosustentodotrabalhadoredesuafamília.

    O incapacitado para o trabalho, a criança, o idoso, o trabalhador eventualmente desempregado eaquele cuja remuneração não ofereça o mínimo para uma sobrevivência digna devem receber aproteçãosocialdoEstadoedaprópriacoletividade.Numpaíscomumnúmeroelevadodepessoasemsituaçãodedesproteção,deveriamexistirprogramasinstitucionaisdeauxíliosfinanceiros,comotambémamplosserviçosdeassistênciasocialepolíticasdemobilizaçãodasociedadeparaaçõesdesolidariedade.

    Assim,nãotêmeficáciaouutilidadeinúmerosdireitosconstitucionalmenteasseguradosparamilhõesdecidadãosquevivemnaignorânciaenamiséria.Daíaimportânciasocialdotrabalho.Ocidadãodesprovidodosmeiosde sobrevivênciavive emcondições selvagens, inúteis lhe sãoosdireitos enãosesentevinculadoadeveres,poisestásujeitoàleidomaisforte.

    Apobrezaengendrainúmerasrelaçõesdedominaçãoentrepessoasegrupossociais:omaispobreéforçadoasesubmeteràquelequepodelhedaralgumacoisa.Ashabitaçõessubumanasdasperiferiasdas grandes cidades são verdadeiros quistos sociais, “terras sem lei”, no todo ou em partecontroladas por xerifes ou quadrilhas de bandidos. Se o Estado não for capaz de dotar essascomunidadesdoacessoefetivoàeducação,àsaúde,àsegurança,àpazpúblicaeaotrabalholícito,elenãolhesestaráassegurandooacessoaodireito.

    Apopulação,abrutalhadapelamisériaecoagidapelomedo,nãodesfrutadaeficáciaconcretadeseusdireitos fundamentais.Uma política de urbanização das favelas, frequentemente adotada, não deveapenasembelezarolugar,masservircomooportunidadeparaaimplantaçãodosserviçospúblicosessenciaisdosquaisascomunidadesnecessitam.

    3) Outro pressuposto do acesso ao direito é o fortalecimento dos grupos intermediários e doassociativismo.Cappelletti,aoenumerarosdesafiosaqueestãosujeitasasreformasprocessuaisnasociedade contemporânea, dava grande relevo às novas exigências da “sociedade de massa”5. Ocidadão não tem mais condições de defender-se individualmente das ameaças e lesões aos seusdireitos,perpetradasporpessoasougruposqueseencontramemposiçãodevantagemnasrelaçõeseconômicasesociais.

    O indivíduo isolado é frágil.O sindicato tem de exercer esse papel de suporte aomais fraco nasrelaçõesentretrabalhadoreseempregadores,mas,hoje,asrelaçõesdedominaçãonãosãosomenteasdomundodo trabalho,pois seestendema todasas áreasdaatividadehumana: relaçõesentreo

  • Estadoeoscidadãos,relaçõesdeconsumo,devizinhança,internacionaisetc.

    Dificilmente o Estado tem condições de prover, pela legislação ou pela administração, à efetivamanutençãodo equilíbrio nas relações jurídicas privadas.Esse equilíbrio necessário só se alcançapela articulação dos sujeitos que se encontram em posição de desvantagem em organizações eassociaçõesque,pelauniãodeesforços,consigamcompensarodesequilíbrioexistentenasociedadeedaraos indivíduos integrantesdegruposmais frágeisa forçanecessáriaparaseombrearemaosseusadversários,elutaremporseusdireitoseinteressesemigualdadedecondições.

    OBrasilpossuiumbaixoíndicedeassociativismo.Achamosqueosoberano,quehojeéoEstado,vairesolvertodososnossosproblemas,masonossosoberanoéfrágil,e,muitasvezes,corrompido.Daíaimportânciadaassociação.Quemtemexercidoessepapeldeintervençãoemrelaçõesjurídicasprivadasenaquelas emqueháumnúmeroelevadodepessoasque seencontramemcondiçõesdedesvantagem é o Ministério Público, cuja atuação nesse campo tem caráter assistencial, que sejustificaporquegrandepartedosquenecessitamdeproteçãonãoestãoemcondiçõessequerdeseorganizarememassociações,oqueexigeconsciênciadecidadaniaeeducação6.

    Mas essa intervenção do Ministério Público, que é importante para suprir a falta de espíritoassociativo, é um resquício do paternalismo estatal e com frequência se exerce para a defesa deinteresses políticos e polêmicos, sem respeito ao princípio da subsidiariedade, que deve ditar aintervenção do Estado nas relações jurídicas privadas. Tão antidemocrático quanto privar o maisfracodoacessoaodireitoétransformaroMinistérioPúblicoemjuizdobemedomal.

    ÉprecisoterconsciênciadequeessaatuaçãodoMinistérioPúblicoénecessárianasociedadecarenteemquevivemos,masqueelapodesevoltaratécontranós,poistransfereparaoórgãodoMinistérioPúblico a responsabilidade de formular juízos políticos, de conveniência e oportunidade sobrequestõesqueafetamdiretamenteobem-estareaqualidadedevidadaspessoas.OMinistérioPúblicotem de ser atuante, mas, ao mesmo tempo, tem de ter consciência dos valores e interesses dacomunidadeedocarátersubsidiárioeassistencialdesuaatuação.

    4)TambémsãopressupostosdoacessoaodireitoaresponsabilidadedoEstado,nocumprimentodosseus deveres para com os cidadãos, e a transparência do Estado no trato de questões que possamafetar a esfera de interesses dos cidadãos. A esses tem de ser assegurado o direito de influir nasdecisõesdoPoderPúblico,atravésdosinstrumentosdeparticipaçãodemocrática.

    Os constitucionalistas dizemque estamos numa democracia participativa, emque aAdministraçãoPública tem de ser transparente, em que os interessados devem ter a capacidade de influir nasdecisõesestatais,oqueocorremuitopouco.OEstadocontinuafechado,sigiloso.

    Mais importante ainda, no campo das relações Estado-cidadão, é o espontâneo e diretoreconhecimento pelo Estado dos direitos dos cidadãos, a cujo respeito correspondam deveres,obrigações,serviçosouatividadesdoEstadoedeseusagentes.OnossoEstadoseacostumouadizer“não”aocidadão.Perdeuporcompletoanoçãodequeeleéoprestadordeserviçosàcoletividade.Continua mantendo a relação autoritária de soberano a súdito, característica do absolutismosepultadopelaRevoluçãoFrancesa.

  • Hoje,arelaçãodoEstadocomosmembrosdasociedadeéarelaçãoEstado-cidadão,emqueestetemdireito de exigir daquele pleno respeito ao seupatrimônio jurídico.Se o próprioEstadoperdeu anoçãodequeasuafunçãoéadeproveraobemcomumdasociedade,doqualéeleservidor,enãocumpreosseusdeverescomosmembrosdessasociedade,desrespeitandoatodoomomentoosseusdireitos, todo o tecido social se contamina, e a ética do respeito aos direitos alheios em troca dorecíprocorespeitopelosoutrosaosseusésubstituídapelaprevalênciadadeslealdadeedaesperteza,tantoemrelaçãoaosdireitosdosconcidadãoscomotambémemrelaçãoaosdopróprioEstado.

    5)AvisãodeturpadadoEstadoedasuaresponsabilidadedistorceutambémopapelda justiça,quedeveriaseraguardiãdasliberdadesindividuaisedosdireitosdoscidadãos,efoitransformadaemadministradoradamoratóriadoEstadoeeficienteproteladoradopagamentodasdívidaspúblicasedo cumprimento de suas obrigações para com os cidadãos. Esse ritual kafkiano de inadimplênciaoficial é amplamente favorecido por inúmeros privilégios processuais que a lei e a ConstituiçãoFederalestabelecememfavordaFazendaPública.

    Quandoessesprivilégiosprocessuaisnãobastamparaeternizarosprocessos,novasleisprocessuaissão editadas no interesse do governo. Até 2001 o governo legislava, fazia leis processuais pormedida provisória, e, com isso, mudava as regras do jogo processual de acordo com as suasconveniências.Hoje,aogoverno,porforçadaEmendaConstitucionaln.32,quealterouadisciplinaconstitucionaldasmedidasprovisórias,nãoémaispermitidaaediçãodemedidasprovisóriassobrematéria processual,mas, ainda assim, ele consegue aprovar no Congresso leis processuais que obeneficiamnajustiça,ouevitarquesejamaprovadasleisquereduzamasinúmerasvantagensdequedesfruta no processo judicial para dificultar o sucesso das demandas contra ele propostas pelosparticulares.OrecenteCódigode2015nãoescapouaessa regra,mantendooanacrônicoreexamenecessárioobrigatóriodesentençasdesfavoráveisàFazendaPública(art.496)easinconstitucionaisproibições de liminares contra o Estado no mandado de segurança, em medidas cautelares eantecipaçõesdetutela(art.1.059).

    Ainadimplênciaestatalviciouaprópriajustiçaeégrandementefavorecidapelaimpossibilidadedeexecução específica das condenações judiciárias pecuniárias contra oEstado, em razão do regimedosprecatórios,estabelecidonoartigo100daConstituiçãoFederal,geralmentedescumpridopelaspessoas jurídicas de direito público, que não incluem anualmente, comomanda aConstituição, asverbas no orçamento para o pagamento desses precatórios. Isso se agravou com a EmendaConstitucionaln.30/2000,quepermitiuoparcelamentodessespagamentosemdezanosecomamaisrecente Emenda Constitucional n. 62/2009, que instituiu um regime especial que pode eternizar oinadimplemento dessas condenações. Embora declaradas inconstitucionais pelo Supremo TribunalFederal,nobojodaAçãoDiretadeInconstitucionalidade4.425/DF,tudoindicaqueessasdisposiçõesaindavigorarãopormuitotempo,oqueprenunciamosvotosatéagoraproferidosnoincidentedemodulação temporal dos efeitos da decisão do STF, cujo julgamento ainda não foi concluído nomomentodeencerramentodaredaçãodapresenteedição.

    Essasregrasconsagram,porviaindireta,umainaceitávelimunidadedoEstadoaocumprimentodascondenações judiciais, porque verbas não são incluídas no orçamento, por ação ou omissão doExecutivooudoLegislativo.SercredordoEstadonãovalenada,poiselenãopaga,anãoserforadajustiça, emuitasvezescomoempregodeexpedientesescusos.Nodiaemque seacabarcomessaimoralimunidadeestatal,acorrupçãocairábrutalmente.

  • 6)Oacessoaodireito tambémdependedooferecimento,peloEstado,deaconselhamento jurídicoaos pobres a respeito de seus direitos. A Constituição, em seu artigo 5º, LXXIV, refere-se àassistênciajurídica–enãoapenasjudiciária–,queéimportanteparatodasaspessoas,porquehojeem dia até as pessoas menos favorecidas mantêm complexas relações jurídicas com instituiçõesfinanceiras,fornecedorasdebenseserviçosetc.Oaconselhamentojurídicoserveparaajudaressaspessoas a tomarem decisões. Assim sendo, o Estado deve assegurar esse direito ao pobre. AinstituiçãodaDefensoriaPública,exigidaemtodooPaíspelaConstituiçãode1988(art.134),aindaestá muito longe de ser estruturada para atender satisfatoriamente os objetivos pretendidos peloartigo5ºdaCartaMagna.

    7)Oúltimopressupostodoacessoaodireitoéoacessoàjustiça,nosentidodeacessoaumtribunalimparcial, previamente instituído pela lei como competente para a solução de qualquer litígio arespeitodeinteressesqueseafirmejuridicamenteprotegidosouparaapráticadequalqueratoquepossa estar subordinado à aprovação, autorização ou homologação judicial. Se o cidadão temconsciência de seus direitos de cidadania, educação, trabalho, se o Estado lhe fornece todas ascondições para livremente exercê-los,mas outro cidadão ou órgão doEstado impede ou dificultaesseexercício,cabeaoPoderPúblicopôràdisposiçãodocidadãolesadoouameaçadoajurisdiçãonecessária para assegurar o pleno acesso ao direito. A mesma faculdade deve ser conferida aocidadãoqueseapresentecomotitulardeumdireitocujoexercíciooucujatutelaestejasubmetidoaumprovimentojudicial.

    1.3.2.Oacessoàjustiça

    OsprofessoresMauroCappelletti,daUniversidadedeFlorença,eBryantGarth,daUniversidadedeStanford, coordenarampara asNaçõesUnidas, nadécadade70do séculopassado, umprojetodepesquisaparalevantarascondiçõesdeacessoàjustiçanomundotodo,oqueresultounapublicaçãode vários relatórios nacionais e estudos. O principal deles tem justamente o título de “Acesso àjustiça”7.Pequenapartedessaobraestátraduzidaparaoportuguês8.

    Cappellettidizqueéprecisoreconhecerqueoacessoàjustiçasofrehoje,parasuaefetividade,trêstiposdeobstáculos:oeconômico,ogeográficoeoburocrático.

    O econômico resulta do custo da justiça.As custas, os honorários advocatícios, além do risco deperderacausaeterdepagarascustasantecipadaspelapartecontrária,muitasvezesfazemcomqueobenefícioeconômicoalmejadoatravésdoprocessosejainferioràsdespesascomeste.Geralmente,oshonoráriosdasucumbência,queojuizfixanacondenaçãoparapagaroadvogadodovencedor,não cobremos honorários contratuais.Os honorários periciaismuitas vezes desestimulama partequeteriaqueanteciparseudepósito,poisnãosabesevaiganharacausaereembolsá-lo.

    Paracobriressesgastos,ospobresdispõemdaassistênciagratuita,asseguradanaConstituição(art.5º, inc. LXXIV) e nas leis, que lhes conferem isenção de custas e o patrocínio gratuito por umadvogado, que normalmente integra o serviço estatal da Defensoria Pública, também prevista naConstituição(art.134).

    ADefensoriaPúblicaaindanãoestábem-estruturadaemtodoopaís.Masmesmoondeelaexisteeé

  • consideradaeficiente,comonaJustiçadoEstadodoRiodeJaneiro,aclassemédiaficaexcluídadosseus benefícios, tendo de arcar com despesas que pesam no seu orçamento, sem falar nascontribuições, que acrescem às custas e que sustentam e beneficiam grupos, como a caixa dosadvogados, o instituto dos advogados, a associação dosmagistrados etc., ameu ver, de flagranteinconstitucionalidade.

    Asbarreirasgeográficassãodecorrentesdaimensidãodoterritórionacionaledaimpossibilidadedecolocarpelomenosumjuizaoalcancedequalquercidadão.HámuitosEstadosemqueaspartestêmde percorrer centenas de quilômetros para comparecerem à sede do juízo territorialmentecompetente,pormeiosdetransporteprecáriosedemorados.NaprópriaJustiçaFederaléfatorecenteacriaçãodevarasemmunicípiosdointerior.Justiçadistantesignifica,emmuitoscasos,ausênciadalei, porque violações de direitos são cometidas e émuito custoso e demorado acionar o aparelhojudiciário.

    Ademais,ojuizdificilmentetemcondiçõesdeiraolocaldosfatos,quemuitasvezeséumlocalporele totalmente desconhecido, e de colher provas mais diretas em razão da distância. Somente apresençadojudiciárioemtodasasáreashabitadasnoterritórionacionalpoderáasseguraroefetivoacessoàjustiçaatodososcidadãos.

    Têmsidofeitasexperiênciasdejustiçaitinerante,especialmentenoâmbitodosJuizadosEspeciais.NaAmazônia,atédebarcosedeslocamessesórgãosjulgadores.Sãoiniciativaspositivasqueobrigamojuizareagiràinérciaeaoespíritoburocrático,indoaoencontrodosjurisdicionadosevivendodeperto a sua realidade e os seus problemas.Recentemente aEmendaConstitucional n. 45/2004 (art.125,§7º)recomendouaampliaçãodessajustiçaitinerante.

    Nasáreasemquenãohápopulaçãosuficienteparaquese justifiqueapresençapermanentede juiztogado,deveriaexistirumjuizdepazououtrotipodeórgão,compoderdejulgarcausasdemenorcomplexidadeedeconcedermedidasprovisóriasurgentes.Entretanto,aConstituição(art.98,inc.II)proíbe a outorga ao juiz de paz de qualquer poder decisório. Cappelletti mostra que foram osregimes autoritários que acabaram com essa justiça de leigos, dos juízes de paz, dos juízes dacomunidade. Para as ditaduras, é mais fácil controlar os juízes togados, porque são juízesprofissionais,doqueosjuízesleigos,quenormalmenteexercemafunçãoemcaráteraltruístico.Noentanto,asmelhoresjustiçasdomundosãoaquelasqueutilizamaomesmotempojuízestogadosouprofissionais e juízes leigos. É o caso da justiça inglesa, que possui mais juízes leigos do quetogados.

    Essa presença permanente do juiz em todas as localidades também deveria ser assegurada pelaresidênciaobrigatóriado juiznacomarca,determinadanaConstituição (art.93, inc.VII),masnãocumpridasatisfatoriamente.Osmagistradosresistemamorarnascomarcaspequenassemcondiçõessatisfatóriasdehabitaçãoeeducaçãoparaosfilhos,e,muitasvezes,nelaspermanecemapenasalgunsdias da semana e, nos restantes, a população fica abandonada. O juiz deve estar ao alcance dapopulaçãoaqualquerhora,regraimposta,inclusive,pelaLeiOrgânicadaMagistratura(art.35,inc.IV,daLeiComplementarn.35/79).

    Quanto aos obstáculos burocráticos, ninguém ignora o desaparelhamento da máquina judiciária,decorrentedamáremuneraçãoedafaltadeformaçãotécnico-profissionaldosserventuários,além

  • da inadequação da estrutura judiciária para enfrentar a massa de demandas que lhe é submetida.Despachosdeexpediente,quedeveriamserproferidosemdoisdias,levamseismeses;adistribuiçãoderecursosnasecretariadealgunstribunaischegavaademorarcincoanosantesdaEmenda45/2004,queproibiuaretençãonadistribuição;oMinistérioPúblicomuitasvezesretémautosparaparecerdurantemeses;omesmoocorrecomjuízesparaaprolaçãodesentenças;eempetiçõesprotocoladas,quedemoramtrêsmesesparaseremjuntadasaosautosdoprocessoeassimpordiante.OpróprioSupremoTribunalFederalviveessa triste realidade,comprocessosaguardandoporalgunsanosaoportunidadedejulgamento.

    Assim,seocidadãotemumproblemaeajustiçanãooresolveatravésdodireito,elepodesentir-seimpelidoouforçadoairembuscadasuaprópriajustiça,quesemanifestarápormeiodaprevalênciadavontadedomaisforte.Ajustiçapelasprópriasmãoséanegaçãodoverdadeiroacessoàjustiça.Masoexcessodeprocessosatualmenteéapontadopormuitoscomoomaisgraveobstáculoaumaprestaçãojurisdicionalrápidaeeficiente.

    Essas barreiras burocráticas tornaram vantajosa a posição de devedor, a litigância de má-fé, ainadimplência, a prática de atos procrastinatórios, especialmente pelas pessoas jurídicas de direitopúblico,aproduçãodeprovasinúteiseacontestaçãodedireitos incontestáveis,sobrecarregandoajustiçaedificultandoeretardandooacessodocidadãoaoplenogozoindividualdeseusdireitos.

    Tambémécomponentedoacessoàjustiçaodireitodocidadão,emqualquerprocesso,senecessário,de entrevistar-se pessoalmente com o juiz, não apenas para ser ouvido sobre o que lhe forperguntado,masparatravarcomomagistradoumdiálogohumano.Oprocessoescritoeoexcessode trabalho conduziram a um progressivo distanciamento entre o juiz e as partes, à criação deresistênciasededificuldadesaocontatodaspartescomo julgadorededesvalorizaçãodapalavraoral,queéomeiodecomunicaçãomaiscompleto.

    Por outro lado, não seria solução a simples multiplicação do número de juízes, pois a baixaqualidade do ensino fundamental e do ensino jurídico, assim como o alto custo decorrente dopagamentodesalárioselevados,criamumaimpossibilidadematerialàsuaimplementaçãoetornamimprovávelporessaviaamelhoriadaqualidadedajustiça.

    1.3.3.Conteúdodoacessoàjustiça

    Oacessoàjustiça,comodireitoàtutelajurisdicionalefetivadetodososinteressesdosparticularesagasalhadospeloordenamento jurídico, possui tambémalguns requisitos essenciais.Umdeles é opatrocínioporumadvogado,comocondiçãonecessáriaparaoexercíciodachamadadefesatécnica,componentedodireitoàmaisampladefesa,constitucionalmenteassegurada(art.5°,inc.LV).

    Merece reflexãoo papel do advogadonomodernoprocesso judicial.Exercendo a referida defesatécnica,apresençadoadvogadotornou-seindispensávelàadministraçãodajustiça,comoreconheceoartigo133daConstituição.

    Todavia, a sua contratação impõe ao cidadão um custo, nem sempre necessário e nem semprerecuperado.Namedidaemqueoprocessosedesformalizaequeseelevaaconsciênciajurídicadocidadão, certamente decairá a necessidade imperiosa da presença do advogado. Nos Juizados

  • Especiais,nascausasaté20saláriosmínimos,asuapresença,emprimeirainstância,jáéfacultativa(Lein.9.099/95,arts.9ºe41,§2º).Emoutrassituações,devetambémseravaliadaapresençaforçadadoadvogado.Eletemdeserumcustonecessário,ouentãoumcustodispensável.Mas,semdúvida,nascausasemqueaparteconstituiumadvogado,essedevegozardeabsolutaqualificaçãotécnicaedetotalliberdadeprofissional,semasquaisaplenitudededefesanãoserámaisdoqueumagarantiadefachada.

    Oexercícioprofissionalporpessoas incapacitadas é apontado,muitasvezes, como justificativadaconcessãodepoderesinquisitóriosaojuiz,confrontadaatristerealidadebrasileira,emquemuitosdireitoslegítimossãopostosaperderpelaincapacidadedoadvogado,oqual,pelasimplesinscriçãona Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), está apto a atuar em qualquer causa, em qualquertribunal.

    Na defesa do pobre em juízo, fica clara a desvantagem do beneficiário de assistência judiciáriagratuita,pelafaltadovínculodeconfiançaentreeleeoseuadvogado.Opobredeveriateramesmaliberdadedeescolhadoseuadvogado,comoaquelequepaga.Aconfiançanoadvogadopermiteaeste um conhecimentomais perfeito das circunstâncias da causa, o que lhe possibilita articular demodomaiseficazosinstrumentosdedefesa.

    Opobre,defendidoporumadvogadodativo,estásempreemposiçãodeinferioridadeemrelaçãoaoadversário, no acesso à justiça. Portanto, o juiz deve exercer uma vigilância especial sobre osprocessosemqueumadaspartesédefendidaporadvogadodativo,paraassegurarigualdadeefetivaàspartes,achamadaparidadedearmas.Outradesvantagemqueatingeopobreéadequeosagentesqueparticipamdoprocesso–advogadosprivados, serventuários,peritos– sãoobrigadosa servirsemqualquer remuneração.A leibrasileiradeveriaassegurar,dealgummodo,a remuneraçãodosagentesdativos,ouosbeneficiáriosdajustiçagratuitaestarãosempreemsituaçãodeinferioridadeemrelaçãoaosseusadversários.

    Outrorequisitopositivodoacessoàjustiçaéocontraditórioparticipativo,comoodireitodeinfluireficazmentenadecisãopormeiodeumdiálogojurídico,comamplaoportunidadedeoferecimentodealegaçõesedeproduçãodeprovas,quesejamefetivamenteconsideradaspelojulgador.

    Por outro lado, a justiça, comoum instrumento de garantia da eficácia dos direitos dos cidadãos,somente cumprirá seu papel com decisões rápidas em prazo razoável, exigência reforçada pelaEmendaConstitucionaln.45/2004,queintroduziuoincisoLXXVIIInoartigo5ºdaConstituição.

    Eoacessoàjustiçapressupõejuízesindependenteseresponsáveis,oqueconstituiumdosgrandesdesafiosdonossotempo.SomenteelespodemexigirdosdemaispoderesdoEstadoorespeitoaosdireitos subjetivos dos cidadãos, assegurando a convivência de todos num verdadeiro EstadoDemocrático de Direito. Eles não podem ser arbitrários ou corruptos, muito menos imunes aqualquersanção,masobedientesàleieresponsáveiscivil,penaledisciplinarmentepelosabusosquecometerem.

    Sãojuízescomresponsabilidadesocial,quenãodevemperderoentusiasmoemrazãodarotina,queleva ao conformismo e à indiferença burocrática; que precisam avaliar permanentemente odesempenho do judiciário e de si próprios, através de mecanismos apropriados; que precisam

  • dedicar-sefirmementeàrevelaçãodosvalorespreponderantesnasociedadeeatenderprontamenteoscidadãos, apesar dos obstáculos mencionados, por meio de tutelas diferenciadas e outros meioseficazesdecomposiçãodeconflitos.

    Nãoétambémpossívelfalaremacessoàjustiçanavidademocráticacontemporâneasemmencionaro acesso à jurisdição constitucional, para que todos os direitos constitucionalmente asseguradosencontrememumtribunalconstitucionalarevelaçãodoseuautênticoconteúdoeagarantiadasuaplenaeficácia.

    Infelizmente, no Brasil, esse acesso, em caráter individual, somente é facultado pela via recursal,tendoointeressadodepercorrertodasasinstânciasatéchegaraoSupremoTribunalFederal,e,maisrecentemente,pormeiodaEmendaConstitucionaln.45/2004edaLein.11.418/2006,incorporadaaoCódigode2015(art.1.035),mesmoporessavia,apenasseaquestãoapresentarrepercussãogeral,reconhecidaporessemesmoTribunal.

    O acesso à justiça vai ser objeto de nosso estudo durante toda esta obra, na qual teremosoportunidadedeaprofundaraanálisedosseusdiversosrequisitos.

    Por ora, cumpre referir que o seu conteúdo atual é implementado através das chamadasgarantiasfundamentaisdoprocessooudoquevemsendodenominadoprocessojusto,que,conformeexpusemoutrotrabalho9,compreendetodooconjuntodeprincípiosedireitosbásicosdequedevedesfrutaraquelequesedirigeaoPoderJudiciárioembuscadatuteladosseusdireitos.

    DeacordocomaclassificaçãopropostaporComoglioemobracoletiva recente10, essas garantiasfundamentais podem ser individuais e estruturais, conforme se refiram à proteção dos direitos einteressessubjetivosdecadaumadaspartesnoscasosconcretosouàscondiçõespréviasdequedeverevestir-seaorganizaçãojudiciária.Todavia,é impossíveldizerqueaobservânciadasúltimasnãoseja também pressuposto da tutela jurisdicional efetiva dos direitos e interesses de cada uma daspartesnoscasosconcretos,emboranumprimeiromomentoelassedestinemadefinirométododeexercíciodafunçãojurisdicionalnoEstadoDemocráticodeDireito.

    Assim,asgarantias individuaiscompreendemoacessoà justiçaemsentidoestrito, queconstituiodireitode todasaspessoasnaturaise jurídicasdesedirigiremaoPoderJudiciárioedessereceberrespostasobrequalquerpretensão;aimparcialidadedojuiz,comoaequidistânciadesseemrelaçãoàsparteseaosinteressesaelesubmetidos,examinandoapostulaçãoquelhefoidirigidanointuitoexclusivodeprotegerointeressedequemtiverrazão,deacordocomaleieasdemaisnormasquedisciplinem essa relação jurídica; a ampla defesa, como direito de apresentar todas as alegações,proporeproduzirtodasasprovasquepossammilitarafavordoacolhimentodapretensãooudonãoacolhimentodapostulaçãodoadversário;aassistênciajurídicaaospobres,assegurandoosdireitosde agir e de defender-se perante qualquer jurisdição em igualdade de condições com quaisqueroutroscidadãos;ojuiznatural,entendidocomoodireitodaspartesaojulgamentodesuacausaporumjuizabstratamenteinstituídocomocompetentepelaleiantesdaocorrênciadosfatosoriginadoresda demanda; a inércia, que proíbe a interferência da jurisdição na vida privada e nas relaçõesjurídicas das pessoas, exceto quando provocada por algum interessado; o contraditório, como aampla possibilidade de influir eficazmente na formação das decisões que atingirão a esfera deinteressesdaspartes;aoralidade,comodireitoaodiálogohumanoepúblicocomojuizdacausa;e,

  • finalmente,acoisajulgada,comogarantiadasegurançajurídicaedatutelajurisdicionalefetiva.

    Por outro lado, têm-se compreendido como garantias estruturais a impessoalidade da jurisdição,impondoqueestasejaexercidaporjuízessubordinadosexclusivamenteaosprincípiosevaloresdoEstado Democrático de Direito; a permanência da jurisdição, como o seu exercício por órgãosinstituídosemcaráterpermanenteecompostospormagistradosvitalíciosoutemporáriosinvestidosna formada lei; a independênciados juízes, comoa absoluta isenção em relação aqualqueroutraautoridadepública,inclusivejudiciária,eaqualquertipodepressãoindividualoucoletivaquepossacomprometerasuaimpessoalidade;amotivaçãodasdecisões,comoajustificaçãosuficientedoseuconteúdo,evidenciandoorespeitoaocontraditórioparticipativomedianteoexameeaconsideraçãode todas as alegações e provas pertinentes apresentadas pelas partes; a inexistência de obstáculosilegítimos, impostos por interesses acessórios ou alheios ao exercício da jurisdição; a efetividadequalitativa,dandoaquem temdireito tudoaquiloaqueele faz jusdeacordocomoordenamentojurídico;oprocedimentolegal,quedeveserflexíveleprevisível,objetivandoasseguraranecessáriaparidade de tratamento de todos perante todos os órgãos jurisdicionais e regular de modoequilibradooencadeamentológicodosdiversosatos,afimdegarantirorespeitoàsregrasmínimasde um processo justo; apublicidade, como o único instrumento eficaz de controle da exação dosjuízesnocumprimentodosseusdeveresenorespeitoàdignidadehumanaeaosdireitosdaspartes;oprazorazoável, impedindoqueademorano julgamentocrieuma instabilidadenasituação jurídicadaspartes,incompatívelcomanoçãodesegurançajurídica;oduplograudejurisdição,comodireitoaumsegundojulgamentoporórgãocolegiado,compostopormagistradosmaisexperientes;e,porfim,orespeitoàdignidadehumana,comoodireitodeexigirdoEstadoorespeitoaosseusdireitosfundamentais.

    1.3.4.Meiosalternativosdesoluçãodeconflitos

    O acesso à justiça, tal como o preconizamos, com frequência se depara com os mais variadosobstáculos,sejapelocusto,pelademora,pelotemordoescândaloqueapublicidadedajustiçaestatalvenhaadaraolitígio,sejapeloreceiodequeostribunaisestataisnãodisponhamdeconhecimentosespecializadosparasolucionarcontrovérsiasdegrandecomplexidadetécnica,seja,ainda,porqueasoluçãodaleipodenãoseramelhorparaospróprioslitigantes.

    Nesses e em outros casos, é comumos litigantes procurarem outras vias para equacionar as suasdivergências, eodireitoprocessualdeveestimularessaspráticas,desdequeelas sejam livrementeescolhidaspelos interessados comoasquemais lhes convêmequenão sejam impostaspelomaisforte sobre omais fraco como instrumento de abuso de direito ou de abuso de eventual posiçãodominantequeumapartetenhaemrelaçãoàoutra.

    Emmuitospovos,comoosorientaiseasociedadenorte-americananoséculoXX,aexpansãodessesmeios deu-se de modo espontâneo, como reflexo do multiculturalismo e da coesão da vidacomunitária.Aprópriasociedadefoiestruturandoessesmecanismos,chamadosnosEstadosUnidosdeADRs(AlternativeDisputeResolution),queforamprogressivamenterecebendooreconhecimentodalei,comoamediação,aarbitragemeumsem-númerodeoutrosinstitutos,comoorentajudgenaCalifórnia, o facfinding, o summary jury trial, a arbitragem anexa à corte, os ombudsmen eminúmerasinstituições,comobancosehospitais,eaearlyneutralevaluation.11

  • Nospaísesdacivil law,nãoocorreuomesmofenômeno,mas,noúltimoquarteldoséculoXX,oaumento incontrolável do demandismo, a congestionar as pautas dos tribunais, determinou osurgimentodepolíticaspúblicasdeestímuloàadoçãodamediação,daarbitrageme,atémesmo,emcertoscasos,impôsporleiasuautilizaçãoantesounolugardoingressoemjuízo,apardajustiçainterna das associações, dos comitês de empresa e da subordinação à prévia postulaçãoadministrativaparaaproposituradeaçõesemfacedoEstado.Nãoépossívelavaliarosucessodessaspolíticascomoumtodoenemsempreoquedácertoemumpaísdarácertoemoutro;assim,emborao discurso em favor dessa expansão perdure, esses meios continuam a ter uma importânciasecundária como instrumentos de acesso à justiça, mas não podemos deixar de considerá-los eexaminá-los,porser imperiosoreconhecerque,emmuitassituações,elespodemconstituirviasdeacessoàjustiçamaisadequadasedequalidademelhordoqueaprópriajustiçaestatal.

    OBrasil enveredou timidamente por esse caminho, adotando iniciativas esporádicas.A Justiça doTrabalho, desde a sua criação na Constituição de 1946, teve uma atuação preponderantementeconciliatória.Nãoporoutrarazão,osseusórgãosdeprimeirograu,originariamentecompostosdeum juiz togado, um representante sindical dos trabalhadores e um representante sindical dosempregadores,eramdenominadosJuntasdeConciliaçãoeJulgamento.

    OCódigodeProcessoCivilde1973,nasuaredaçãooriginal,introduziuafasedeconciliação(arts.447a449)na audiênciadoprocedimentoordinário,nos litígiospatrimoniaisde caráterprivadoenosdefamília,noscasosemquealeiconsenteatransação.Em1994,aLein.8.952deunovaredaçãoao artigo 331 doCódigo, criando a audiência preliminar de conciliação nas causas sobre direitosdisponíveis, que, com a Lei 10.444/2002, passaram a ser as causas sobre direitos que admitem atransação.

    Em1984,haviamsidocriadospelaLein.7.244,depoissubstituídapelaLein.9.099/95,osjuizadosdepequenascausas,quederammuitaênfaseàconciliação.

    AConstituição de 1988, no § 1º do artigo 217, estabeleceu que a justiça estatal somente admitiráações relativas à disciplina e às competições esportivas depois do esgotamento das instâncias dajustiçadesportiva.

    Em1993,aLein.8.630/93criouasComissõesParitáriasdeConciliaçãoPrévia,postergandopordezdiasoingressoemjuízodascausastrabalhistas.OSupremoTribunalFederaleoTribunalSuperiordoTrabalhoesvaziaramessemecanismo,nãopermitindoqueasuautilizaçãofuncionassecomoumpressupostodoingressoemjuízo,emfacedodispostonoincisoXXXVdoartigo5ºdaCartaMagna.

    Em1996,oBrasiladotouumanovaLeideArbitragem(Lein.9.307/96),querepresentouumgrandeavanço no fortalecimento desse instituto, cujas decisões passaram a ter a mesma eficácia dassentençasjudiciais.

    AEmendaConstitucionaln.45/2004criou,noâmbitodoPoderJudiciário,oConselhoNacionaldeJustiça,quepassouadesenvolverumaestratégiadeestímuloàmediaçãoeàconciliação,sobaégidedaResoluçãon.125/2010.TambémoGovernoFederal,pormeiodoMinistérioda Justiça, temsededicado ao assunto, tendo incluído no chamado II Pacto Republicano de 2009 o objetivo defortalecimento da mediação e da conciliação, com estímulo à solução de conflitos por meios

  • autocompositivos,commelhoresresultadosnapacificaçãosocialemenorjudicialização.Nofinalde2012,esseMinistériocriouaEscolaNacionaldeMediaçãoeConciliação.

    NaesferadaAdministraçãoFederal,em2007,foicriadaaCâmaradeConciliaçãoeArbitragemdaAdministração Federal, órgão da Consultoria-Geral da União, com a finalidade de evitar litígiosentreórgãoseentidadesvinculadosaoPoderExecutivo,oquevemaoencontrodoquerecomendaoartigo175doCódigodeProcessoCivilde2015.

    EsseCódigodáumnovoincentivoàmediaçãoeàconciliação,antecipandonoprocedimentocomumaaudiênciadeconciliaçãooudemediação,queserealizarálogoapósacitaçãodoréu,antesmesmoda apresentação da sua defesa (art. 334), e disciplinando nos artigos 165 a 175 a atuação dosconciliadoresemediadoresjudiciais.

    Seguindodiretrizes já adotadasnaResoluçãodoCNJ,o artigo165prevêqueos tribunais criarãocentros judiciários de solução consensual de conflitos, para realização de sessões e audiências deconciliaçãoemediaçãoedesenvolvimentodeoutrosprogramasporconciliadoresemediadorescomformaçãoadequada.

    A conciliação e a mediação adotarão os princípios da independência, da imparcialidade, daautonomiadavontade,daconfidencialidadeedadecisãoinformada,definidosnaResoluçãodoCNJ,aosquaisoartigo166doCódigode2015acrescentaosprincípiosdaoralidadeedainformalidade.Oprocedimentoserálivrementeestabelecidopelaspartes,admitindoousodetécnicasnegociais(art.166,§§3ºe4º).Osconciliadores,mediadoresecâmarasprivadasdeconciliaçãoemediaçãoserãoinscritos em cadastro nacional e em cadastros dos próprios tribunais e poderão ser livrementeescolhidos pelas partes (art. 168).Ao assunto voltaremosno item11.3.1 e quando tratarmos no 2ºvolumedaaudiênciadeconciliaçãooudemediação.

    Por ora, cumpre observar que oCódigo de 2015 não traça uma distinção clara entremediação econciliação, usando como possível critério distintivo (§§ 3º e 4º do art. 165) ter ou não havidovínculo anterior entre as partes, o que me parece absolutamente impreciso. Para efeito decompreensãodasuainserçãonoprocessojudicial,essacircunstância,assimcomoadistinçãoentreasduasfiguras,parece-meabsolutamenteirrelevante.

    Namediação,aatuaçãodointerlocutoréadeumsimplesestimuladordacomposiçãodaspartesque,elaspróprias,irãoequacionarassuasdivergências,independentementedacelebraçãodeumacordofinalqueamaterialize.Essamediaçãotemmaissentidoantesdeterseconfiguradoplenamenteumlitígiosobreumdeterminadofatoouarespeitodeumdireito;normalmenteelaéeficazantesouforadeumprocesso judicial emque já sedefiniuumadisputa concreta em tornodeumapretensãodedireitomaterial.

    Noprocessojudicial,emgeral,omecanismomaisapropriadoéaconciliação,emqueointerlocutornãoselimitaaestimularaautocomposiçãodosinteressesdaspartes,masdirecionaasuaintervençãonaproposiçãodesoluçãoconcretaparaapretensãoformuladaemjuízo,asermaterializadaemumacordo que necessariamente terá de produzir efeitos em relação ao andamento ou ao desfecho doprocessoemcursoe,porisso,terádesersubmetidoàhomologaçãodojuiz,aquemcabeadireçãodoprocesso.Porexceção,hálitígios,comoosfamiliares,emqueapostulaçãojudicialmascaraum

  • litígiorealsubjacente,cujasoluçãoémais importantedoqueadoprópriopedido.Nessescasos,amediaçãoémaisadequada.

    Porora, tendoemvistaa incipiênciadasestratégiasatéaquiadotadasnodesenvolvimentodeumapolíticanacionaldesoluçãodeconflitos,pareceimportantefirmaralgumaspremissasqueconsideroindispensáveisàformulaçãoeàimplementaçãodessapolítica,bemcomoàavaliaçãoqueodireitoprocessualdevafazerdaconveniênciadearticulaçãodosmeiosalternativosdesoluçãode litígios,comoprocessojudicial.

    Primeiramente, apesar da orientação adotada desde a instauração da conciliação no processotrabalhista,ojuiznãoénormalmenteointerlocutoradequadoparaconduzirabuscadeumasoluçãoconsensual do litígio.Não basta ter autoridade ou conhecimentos jurídicos, é preciso desfrutar daconfiançadaspartes,dispordetempoepaciência,alémdesaberusardetécnicasdenegociaçãoqueestimulemaparticipaçãodoslitigantes.

    A mediação e a conciliação voluntárias, com a escolha dos interlocutores pelos própriosinteressados,sãomaisproveitosasdoqueasobrigatórias,quenemsempreencontramaspartescomdisposição de negociar, especialmente se não tiveram possibilidade de escolher o tipo deintermediaçãoeossujeitosquevãodesempenhá-la.

    O ambiente propício para a negociação ou o acordo não se forma necessariamente nomomentoprocessualagendadoparaaaudiênciapreliminarouparaaaudiênciadeconciliaçãooudemediação,parecendo-me que, enquanto as partes não colocam as cartas na mesa, expondo todos os seusargumentos e apresentando o conteúdo de todas as provas, não são capazes de avaliar asprobabilidades de vencer oude perder, indispensáveis para estimulá-las ounão à negociação.Soumais favorável a uma conciliação conduzida paralelamente ao andamento do processo judicial doqueàrealizaçãodessatentativaemummomentodeterminadodoprocesso.

    A tentativa de conciliação no curso do processo não pode transformar-se em um pretexto pararetardaroandamentoouasoluçãodoprocessojudicial.Quemachaquetemrazão,deveterodireitodealcançarcomceleridadeoprovimentofinaldetuteladoseudireitomaterial.

    Éprecisopreservaraindependênciadomediadoredoconciliador,poupando-ododepoimentoemjuízoeassegurando-lheosigilodasnegociações.

    É necessário, também, estimular a mediação extrajudicial e pré-processual, especialmente nasrelaçõesdosparticularescomoPoderPúblico,nasrelaçõesfamiliareseemoutrasrelaçõesjurídicasduráveis, induzindo a sua utilização com a economia de custos, a instituição de interlocutoresconfiáveis, a solução rápida das divergências e o eficiente controle jurisdicional do seufuncionamentoedosseusresultados.

    Alémdisso,deve-seestimularaarbitragementreosdesiguais,comonasrelaçõestrabalhistasenasrelaçõescomoPoderPúblico,desdequeaoJudiciáriosejareservadoocontrolerigorososobrealivre adesão dos interessados e sobre a consciência das suas consequências, inclusive sobre aimpossibilidadedoreexamejudicialdassuasdecisões.

  • Oestímuloàbuscadeuma justiçanãoestatalnãodeveserperseguidocomoummeiode fugirdeuma justiça estatal cara, demorada, ineficiente e pouco confiável, ou, ainda, visando reduzir otrabalhodosjuízes,masembuscadeumajustiçamelhor.OEstadonãosedesoneradoseudeverdeoferecer aos cidadãos uma boa justiça estatal,mas os força a buscar justiça fora dos tribunais.Adeficiênciadajustiçaestatalforçaoscidadãosaaceitaremsoluçõesextrajudiciaisouaparentementeconsensuaisiníquas,pelaimpossibilidadedeobteremdoEstadoatutelaadequada,plenaeoportunadosseusdireitos.

    O uso dos meios alternativos é desejável, mas deve ter como pano de fundo uma justiça estataleficienteeconfiável,paraqueaescolhadoscidadãosentreumaououtraviasedêembuscadomeioquemaisbemtuteleosinteressesemjogoeparaqueaquelesqueoptarempelosprimeirossesintamseguros de que a justiça estatal estará sempre de portas abertas para coibir os abusos ou errosmanifestosqueocorreremnasuaatuação.

    Ficam assim delineadas as premissas teóricas do Direito Processual, em geral, e do DireitoProcessualCivil,emespecial,queconstituirãoosfundamentosdoestudoqueestamosainiciar.

    ________

    1DAMASKA,MirjanR.ThefacesofjusticeandStateauthority.Yale:YaleUniversityPress,1986.

    2ANDREWS,Neil.Themoderncivilprocess–JudicialandAlternativeFormsofDisputeResolutioninEngland.Tübingen:MohrSiebeck,2008.p.95-146.

    3CHASE,Oscar.Law,CultureandRitual–disputingsystemsincross-culturalcontext.NewYork:NewYorkUniversityPress,2005.

    4CARNEIRO,PauloCezarPinheiro.Acessoàjustiça.2.ed.RiodeJaneiro:Forense,2007.p.66.

    5CAPPELLETTI,Mauro.ProblemasdeReformadoProcessoCivilnasSociedadesContemporâneas.In:RevistadeProcesso,SãoPaulo,ano17,n.65,jan.-mar.1992.p.127-143.

    6CARNEIRO,PauloCezarPinheiro.Acessoàjustiça.2.ed.RiodeJaneiro:Forense,2007.p.68.

    7CAPPELLETTI,Mauro.Accesstojustice(6v.).Milano/SijthoffandNoordhoff:Alphenaandenrijn:Giuffrè,1978.

    8 CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre:SérgioAntônioFabrisEditor,1988.

    9GRECO,Leonardo.Garantiasfundamentaisdoprocesso:oprocessojusto.In:PEIXINHO,ManoelMesias; GUERRA, Isabella Franco; NASCIMENTO FILHO, Firly (Org.). Os Princípios daConstituiçãode1988.2.ed.RiodeJaneiro:LumenJuris,2006.p.369-406.

    10COMOGLIO,LuigiPaolo;FERRI,Corrado;TARUFFO,Michele.LezionisulProcessoCivile.5.ed.Bologna:IlMulino,2011.1ºv.

  • 11 RISKIN, Leonard L.;WESTBROOK, James E.Dispute resolution and lawyers. 3. ed. St. Paul:ThomsonWest,2005.

  • 2.1.CONCEITOEESPÉCIES

    ODireitoProcessualécomumentedefinidocomooramododireitopúblicointernoquedisciplinaos princípios e as regras relativos ao exercício da função jurisdicional doEstado.É um ramododireitopúblicoporquedispõesobreoexercíciodeumafunçãopredominantementepública,afunçãojurisdicional,porórgãosdopróprioEstado,os juízese tribunais,eporquenoseuexercícioessesórgãosbuscamrealizarfinseminentementepúblicosdeatuaravontadeconcretadaleiedeassegurara paz social. É um ramo do direito público interno porque a função jurisdicional é uma das trêsfunçõesessenciaisdoEstadoDemocráticodeDireito,queemanadaprópriasoberaniaestatal.Cadanaçãosoberanainstituiosseuspróprios juízeseestabeleceasregrasquedevemserobservadasnasuaatuação.

    Noexercíciodafunçãojurisdicional,oEstadotravarelaçõesjurídicascomoutrossujeitosdedireito,públicosouprivados, interessadosounãono seu resultado, e todosessesmúltiplosvínculosentretodos esses sujeitos, direcionados para o objetivo comum de propiciar o adequado exercício dafunçãojurisdicional,formamoprocesso,queemprestaoseunomeaesseramodoDireito.

    Embora essas noções, originárias da doutrina processual da primeira metade do século XX,continuemaprevalecer,elasnãoseapresentammaiscomoabsolutas.Afunção jurisdicionalseguesendo predominantemente exercida por juízes e tribunais estatais, mas atualmente também sereconhece que a pacificação dos litígios e a atuação da vontade da lei podem ser tambémdesempenhadas por órgãos e sujeitos não estatais, através dos meios alternativos de solução deconflitos,entreosquaisaarbitragemeajustiçainternadasassociações.Paramuitos,essesinstitutos,que têm sido bastante estimulados pelo próprio Estado, são apenas equivalentes jurisdicionais denatureza contratual.Entretanto em certos países, como aAlemanha, os poderes conferidos a essesmecanismos,comoaarbitragem,chegamemcertoscasosaequiparar-seaosquea leiconfereaospróprios magistrados: não apenas poderes de decisão, mas também de coerção. Por isso, fortecorrente considera que esses institutos são verdadeiramente jurisdicionais, integrando a suadisciplinatambémoDireitoProcessual.

    Por outro lado, a ideia de que o Direito Processual é um ramo do direito público interno serelativiza, porque cresce o anseio por maior autonomia dos particulares na formação e nodesenvolvimento da relação processual. Os próprios Estados soberanos, após os horrores daSegundaGuerraMundial,aceitaramsubmeterassuasrelaçõescomosparticulares,emmatériasemque estão em jogo direitos e valores universais, ao controle de tribunais supranacionais, como aCorteEuropeiaeaCorteInteramericanadeDireitosHumanos.

    Assim, o Direito Processual se classifica em interno e internacional: o primeiro disciplinando oexercício da jurisdição pelos órgãos próprios de cada Estado soberano; e o segundo regendo ajurisdiçãodostribunaissupranacionais,acooperaçãojurisdicionalinternacionaleocumprimentodedecisõesdajustiçadeumpaíspelajustiçadeoutro.

    Quanto ao Direito Processual interno, a ordem jurídica nacional, em diversos países, vem

  • expandindoosespaçosdeatuaçãodaautonomiaprivadanadefiniçãodosrumosdoprocesso,comopretende fazer o Código brasileiro de 2015, que faculta às partes delimitar consensualmente asquestões de fato e de direito a serem instruídas e decididas no processo (art. 357, § 2°) econvencionarmudançasnoprocedimento,bemcomosobreosônus,poderes, faculdadesedeveresprocessuais,antesoudepoisdoprocesso(art.190).

    Por outro lado, os ordenamentos jurídicos nacionais habitualmente criam um ou mais sistemasnormativosemrelaçãoadeterminadostiposdecausas.NoBrasil,oDireitoProcessualsesubdivideem Direito Processual Civil e Direito Processual Penal: o segundo disciplina o exercício dajurisdiçãopenalnaapuraçãodaresponsabilidadedeautoresdeatos ilícitosdefinidoscomocrimesoucontravençõesenaimposiçãodaspenascorrespondentes;enquantooprimeirotratadoexercíciodajurisdiçãointernaemrelaçãoatodososdemaistiposdecausasnãopenais.

    Emnossopaís, oDireitoProcessualPenal, por suavez, se classifica emDireitoProcessualPenalcomum e Direito Processual Penal especial: este último, subdividido por sua vez em DireitoProcessualPenalMilitar,sobreoexercíciodajurisdiçãopenalrelativaacrimesmilitares,eDireitoProcessual Penal Eleitoral, relativo a crimes eleitorais. O Direito Processual Penal comum ousimplesmenteDireitoProcessualPenaldisciplinaajurisdiçãopenalrelativaatodososdemaiscrimesnãomilitaresenãoeleitorais.

    TambémoDireitoProcessualCivil, entrenós, se subdivideemDireitoProcessualCivil comumeespecial: o segundo dividido em Direito Processual Civil Trabalhista ou simplesmente DireitoProcessual Trabalhista ou do Trabalho, relativo a causas trabalhistas, e Direito Processual CivilEleitoral, relativo à matéria eleitoral não penal (registro de eleitores, inscrição de candidatos acargoseletivos,fiscalizaçãodapropagandaedascampanhaseleitorais,coletaeapuraçãodosvotosediplomação dos eleitos). O Direito Processual Civil Comum ou apenas Direito Processual Civildisciplinaoprocessodascausasnãopenais,nãotrabalhistasenãoeleitorais.

    PaísescomooBrasil, emqueascausasentreparticulareseascausasentreesseseoEstadoestãosubmetidasaosmesmosórgãosjurisdicionais,sendoregidaspelasmesmasnormasprocessuais,sãochamadosdepaísesdejurisdiçãouna.EpaísesemqueascausasdoEstadonãoestãosubmetidasaosórgãos do Poder Judiciário, mas a órgãos de julgamento estruturados dentro da própriaAdministraçãoPública,comoaFrançaeaItália,numaconcepçãodistintadaseparaçãodepoderes,sãochamadosdepaísesdedualidadedejurisdição.Atualmenteessasdiferençassereduzem,porqueem certos países do primeiro grupo existem ramos do Poder Judiciário autônomos para ojulgamento de causas do Estado, embora a sua atuação continue regulada pelas mesmas leisprocessuais,comooBrasil,comaimplantaçãodaJustiçaFederalem1967.Emoutros,ajustiçadascausasdoEstado, alémde serum ramoautônomodo judiciário, é regidapornormasprocessuaisespecíficas, como ocorre com a Alemanha em relação às jurisdições administrativa, financeira eprevidenciária.Poroutro lado,empaísesdedualidadede jurisdição,ocontenciosoadministrativo,aindaqueformalmentevinculadodealgummodoàAdministraçãoPública,temevoluídonosentidodeadquiririndependênciaemrelaçãoaelaedeofereceraosadversáriosumprocessorevestidodasgarantiasfundamentaisuniversalmentereconhecidas,comovemocorrendonaItáliaenaFrança.

    Mencionam-se na atualidade outras espécies de processos, juridicamente regulados, que não sãoobjetodoDireitoProcessual,masdeleassimilammuitosprincípios,regraseformas,equenãoserão

  • examinados na presente obra, como o processo legislativo, relativo à elaboração das diversasmodalidades de atos legislativos: as emendas constitucionais, as leis complementares, ordinárias