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GEOMETRIAS & GRAPHICA 2015 PROCEEDINGS
Viana, V. (Ed.). (2015). Geometrias & Graphica 2015 Proceedings, Lisboa, October, 2015. Porto: Aproged. ISBN 978-989-98926-3-7
CONTORNOS LUSO-BRASILEIROS: TEORIA E PRÁTICA NOS DESENHOS DO
ARQUITETO EDUARDO SOUTO DE MOURA
Gabriel Braulio Botasso, Universidade de São Paulo, Brasil,
Simone Helena Tanoue Vizioli, Universidade de São Paulo, Brasil, [email protected]
ABSTRACT
Currently, the technological breakthrough brought new computational tools and,
consequently, changes in respect of design methods. The role of free hand
drawing is contested and its importance is discussed, however, the drawing
shows symbiotic characteristics with the human thought, cognition and
development of perception, which can not be detached from architectural
projectual thinking. In order to contribute to this debate, this paper aims to raise
subsidies to urge this discussion, using a form of analysis that encompasses
the understanding of the architect Eduardo Souto de Moura’s sketches.
Iconographic sheets of his sketches were made as a way of cataloging and,
after, graphical comments on the conceiving drawings of some selected works,
which showed that the first ideas of the finished structure were already present
in sketches.
KEYWORDS: drawing, Eduardo Souto de Moura, project process
RESUMO
Atualmente, o grande avanço tecnológico trouxe consigo novas ferramentas
computacionais e, consequentemente, modificações no que concerne aos
métodos de projeto. O papel do desenho a mão livre é sabatinado e sua
importância é discutida, entretanto o desenho apresenta características
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simbióticas ao pensamento humano, à cognição e ao desenvolvimento da
percepção, o que não pode ser desvinculado do pensar projetual arquitetônico.
Com vistas a contribuir com tal debate, este artigo pretende levantar insumos
para exortar essa discussão, utilizando uma forma de análise que abarque o
entendimento dos croquis de obras selecionadas do arquiteto português
Eduardo Souto de Moura. Foram feitas fichas para catalogação de seus
desenhos conceptivos e, posteriormente, comentários gráficos sobre os
desenhos de algumas obras selecionadas, sendo que estes comentários
permitiram verificar que as primeiras ideias da obra construída já estavam
presentes nos croquis.
PALAVRAS-CHAVE: desenho, Eduardo Souto de Moura, processo de projeto
INTRODUÇÃO
Atualmente, o grande avanço tecnológico trouxe consigo novas ferramentas
computacionais e, consequentemente, modificações no que concerne aos métodos de
projeto. A representação gráfica arquitetônica se modificou, sobretudo no que diz respeito
aos desenhos técnicos. Réguas e demais instrumentos foram substituídos sob a égide do
tempo e da precisão; a produção de desenhos técnicos foi agilizada e os recursos
gráficos tornaram-se preponderantes, em substituição ao momento de concepção
projetual, das primeiras linhas, em busca de materialidades satisfatórias – o processo
criativo do arquiteto, expresso no papel, tem sido obliterado. Neste contexto, o papel do
desenho a mão livre é sabatinado e sua importância é discutida, entretanto o desenho
apresenta características simbióticas ao pensamento humano, à cognição e ao
desenvolvimento da percepção, o que não pode ser desvinculado do pensar projetual
arquitetônico.
É comum na seara arquitetônica que os desenhos de processo não sejam divulgados; de
acordo com Dourado [1] e Katinsky [2], as pessoas não têm por hábito armazenar seus
processos de desenho, os esboços iniciais não vêm a público, o que poderia ser diferente.
Essa máscara de valorização apenas dos croquis conceptivos transmite a ideia de que
somente aqueles desenhos teriam abarcado todo o projeto, quando, na verdade, eles
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simbolizam uma síntese do projeto e do traço do arquiteto, quase como um ornamento, o
que impede a leitura e a decomposição do processo conceptivo [3].
Sendo assim, tem-se como objetivo central deste trabalho fomentar a discussão acerca
do pensar projetual contemporâneo a partir da construção de um repertório de croquis,
desenhos técnicos e projetos do arquiteto Eduardo Souto de Moura, pertencente à
chamada Escola do Porto. Para a compreensão deste acervo, a metodologia pauta-se no
estudo de caso de alguns projetos do arquiteto a partir do levantamento de desenhos
(entre croquis e desenhos técnicos), os quais foram organizados em fichas iconográficas.
Assim, foi possível construir análises que resultaram em agrupamentos de projetos que
possuem características semelhantes, de acordo com a leitura feita por este trabalho
sobre as obras de Souto de Moura. O procedimento técnico utilizado para evidenciar as
características das obras já presentes no momento da concepção baseou-se em
anotações gráficas sobre os desenhos originais feitos com a utilização de suportes digitais
(tablets), sem que houvesse a perda das informações do autor e, ao mesmo tempo, sem
interferir na autoria do desenho.
O OLHAR POR MEIO DO DESENHO
Muitos foram os estudiosos que se debruçaram a investigar o que é o desenho e quais
suas relações com o pensamento humano, sua capacidade cognitiva e, principalmente, o
auxílio em aprimorar as capacidades perceptivas (entre eles Merleau-Ponty, Rozestraten,
Herbert e Gouveia). O desenho é considerado uma linguagem que concede à
representação gráfica o valor de um mediador e de um veículo que materializa e faz
possível o conhecimento projetual, da mesma forma que a linguagem verbal [4]. Segundo
Kavakli [5], esboçar permanecerá como um comportamento chave na geração de ideias
iniciais projetuais. Inúmeros são os pesquisadores que investigam o tema, entre eles,
tem-se Gouveia [6] e Tversky [7], para quem os esboços têm na ambiguidade um de seus
fatores-chaves, isto porque estas representações permitem novas possibilidades e
também novas reinterpretações do projeto.
A despeito das novas tecnologias incorporadas aos processos de projeto, o desenho
apresenta características exclusivas de quem o fez, pressupondo investigação, percepção
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e tradução dos pensamentos de cada indivíduo – a partir da prática, cria-se um repertório,
algo como a construção de um olhar. Para que o desenho ocorra, é necessário aprender
a ver, tendo em vista a correlação entre o pensamento humano, o olhar e a mão,
mediados pela percepção [3]. Rozestraten [8] contribui ressaltando que
“o ato de percorrer com o olhar o que se desenha, enquanto a mão constrói a
imagem, modifica profundamente a compreensão da existência material das coisas,
pois essa concentração necessária ao desenhar constitui uma situação reflexiva que
reinaugura a forma das coisas”.
O reinaugurar das formas ocorre pelo fato de o desenho não representar a realidade, mas
sim uma percepção desta. O olhar, o pensamento e a mão articulam-se de modo peculiar
em cada pessoa, exprimindo, consequentemente, uma consideração fundamental: não
existem desenhos iguais, assim como não existem percepções, sensações e
investigações iguais. Diferentes pessoas desenham de diferentes maneiras, não por
questões técnicas advindas de seus traços, materiais ou habilidade, mas sim por
possuírem diferentes leituras em relação ao espaço que os cerca. Para Gouveia [6],
quanto maior essa capacidade de leitura e compreensão, maior a liberdade em escolher
entre as alternativas; sendo o desenho uma forma de pensamento e cognição, atua como
dispositivo de aprimoramento dessa capacidade perceptiva.
Eduardo Souto de Moura, um dos expoentes da arquitetura portuguesa, mantém o hábito
de conservar seus croquis “por uma questão afetiva, porque gosto de folhear e relembrar
o que sofri para chegar às situações”. [9]. Por se tratarem de materializações de diálogos
dos autores consigo mesmos, os croquis podem ou não ser guardados ou expostos, já
que tocam questões íntimas. Entretanto, Ortega [10] contribui para essa discussão
lembrando que esses desenhos permitem o entendimento do raciocínio do arquiteto,
fornecem uma leitura sobre suas tomadas de decisões frente aos problemas que a
arquitetura implica. Nesse sentido, sua conservação e, possivelmente, divulgação seria
interessante, na medida em que forneceria subsídios para essa discussão acerca da
concepção projetual e dos processos de projeto mediados pelo desenho.
O desenho a mão livre é um espaço de reflexão e investigação, momento de interação
entre o arquiteto e sua obra, extensão do pensamento. Como dito por Eduardo Souto de
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Moura [9], “desenhamos para ver se sabemos o que fazer, desenhamos para representar
o que queremos fazer, desenhamos para construir”, seja por meio de um croqui de
reflexão (consigo mesmo), de comunicação (com pessoas da área) ou de prescrição
(envolvendo pessoas externas ao projeto). Em qualquer aspecto, ele é caracterizado
como uma forma de cognição e, posteriormente, pode ser passível de análise, como
forma de conhecimento, consideração sobre a qual este trabalho se debruça.
O DESENHO E O PROCESSO DE PROJETO
Desenha-se desde o surgimento da humanidade, ainda nas cavernas; desde a infância,
como forma de conhecer o mundo à volta; como forma de comunicar intenções. Para o
arquiteto, essas relações não se modificam, o desenho também se qualifica como
dispositivo de conhecimento e investigação do mundo (e dos espaços) que o cerca, suas
proporções, relações e como meio de comunição, indicando intenções projetuais,
pensamentos, ideias sobre determinado projeto – “a tentativa de representação, antes da
consciência da interpretação ou invenção faz parte da vontade humana”. [11].
Embora exista o entusiasmo pelas novas possibilidades que as ferramentas digitais
oferecem, é preciso ser cauteloso em relação a essa estratégia. O desenho possui
características próprias e ao excluí-las do processo projetual podem ocorrer supressões
de etapas importantes, alertam estudos recentes, como apontado por Seguí [12].
Segundo o autor, perde-se a relação do homem com o papel, a relação do homem
consigo mesmo, o ato cognitivo de aprender com suas próprias decisões e por meio do
espaço, por meio da percepção. Em algumas escolas de arquitetura, o desenho a mão
livre vem sendo menos aplicado, em substituição aos programas computacionais
diversos. Porém, é importante destacar que o uso desses meios digitais pode resultar em
uma abordagem que deprecie aspectos indispensáveis ao entendimento da natureza da
arquitetura. Em consonância a essa ideia, Eduardo Souto de Moura, em entrevista à
Revista EGA [13], afirma:
“O computador é como um lápis. Por si só não desenha. O desenho é uma
expressão de uma atividade mental, o que pode ter diferentes meios físicos. (...) Eu
não tenho nada contra os computadores, mas eles sozinhos não desenham”.
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São vários os caráteres que o desenho pode assumir: Herbert [14] afirma que os
desenhos de estudo são sempre incompletos e encontram-se em um estado intermediário
entre um passado não resolvido e um futuro incerto. Para Schenk [3] os croquis de
concepção são mais do que uma representação das ideias iniciais, eles representam uma
trajetória daquele que o concebeu, trajetória esta que é permeada por reflexões, idas e
vindas, em meio a tomadas de decisões. Justamente por essa trajetória, são desenhos
rápidos que testemunham um percurso – mais do que representando algo, estão em
busca de algo.
“Sua permanência no papel é uma contingência, pois as mensagens que transmitem
chegam a saltar da suas próprias imagens, pedindo por novas reflexões e novos
croquis. A imprecisão do traço reflete o trânsito da ideia procurando se firmar neste
terreno movediço da criação. A clareza da solução arquitetônica não é dada de
imediato. A visualização do projeto é conquistada em ambiente nebuloso e
conflituoso”.
EDUARDO SOUTO DE MOURA: VIDA E OBRA
Eduardo Souto de Moura nasceu na cidade do Porto (Portugal) em 25 de julho de 1952.
Aos vinte e dois anos de idade, antes mesmo de se formar, já trabalhava como
colaborador do arquiteto Álvaro Siza, um de seus principais mestres, influência e,
sobretudo, amigo. Souto de Moura insere-se na história da arquitetura portuguesa na
década de 1950, mais precisamente em 1952, ano de seu nascimento.
Esta é uma década chave para o país: o final da Segunda Guerra Mundial renovou as
esperanças democráticas e condicionantes econômicas conduziram a um acentuado
desenvolvimento urbano – estava aberto o caminho para a retomada das discussões
acerca do Movimento Moderno português: a partir da publicação do Inquérito à
Arquitectura Portuguesa (1961), reconhece-se a vontade de autoconhecimento e de
valorização da cultura local; assim, criam-se laços entre modernidade e tradição,
assentados na interpretação do sítio português, da exploração de suas principais
características, enaltecendo suas contribuições e potencializando a experiência do
usuário naquele espaço.
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Souto de Moura se forma na Escola Superior de Belas Artes do Porto em 1980, portanto o
início de sua carreira remonta às décadas de 1970 e 1980, quando o país passava pelo
fim do período ditatorial e o início da abertura política que alçaria a arquitetura portuguesa
em patamares internacionais, divulgando-a por boa parte do mundo, inclusive no Brasil. A
partir de experiências individuais bem sucedidas, há um reconhecimento internacional da
arquitetura portuguesa, condição para a qual Souto de Moura contribui de maneira
significativa.
Desde o final dos anos 60 e até ao 25 de Abril de 1974, estudantes e professores do
curso de Arquitetura, ministrado na Escola Superior de Belas Artes do Porto,
manifestaram uma prática de envolvimento político e social marcante na luta por valores
democráticos contra o estado totalitário salazarista.
A Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto foi criada em 1979 e, através de um
processo que despertou debate na comunidade acadêmica, alterações de plano de
estudos, ocorreram importantes modificações no entendimento da relação do Desenho
com o ensino de Arquitetura e do exercício do Projeto. Por questões como essas e
também por uma prática de valorização do desenho enquanto método investigativo à
concepção projetual, enquanto elemento que aprimora a capacidade perceptiva e educa o
olhar, ainda hoje a Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto mantém sua
tradição quanto ao ensino do desenho.
“Existe a Escola enquanto construção, um grupo coeso de professores e
profissionais ali formados, trabalhando e discutindo arquitetura de maneira constante
e sempre muito próxima. O fator definitivo, no entanto, é o compartilhamento de uma
linha metodológica, de cuja criação participou didaticamente Fernando Távora. A
referência maior, no entanto, foi guardada a Álvaro Siza (...) é dele a
responsabilidade maior da coesão do grupo dos arquitetos portuenses, é dele que
se esperam os caminhos e as respostas e é a ele que seguem”. [15]
O desenho é abundantemente utilizado como meio para se chegar ao objeto construído, o
papel é intensamente marcado, a linha é constantemente traçada. Objeto de estudo deste
trabalho, Souto de Moura reconhece no desenho um instrumento fundamental que
suporta a arquitetura, o que se traduz em seus traços expressivos, suas linhas carregadas
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e marcantes, traços repetidos e incessantes em busca da solução investigada, a clareza e
domínio em relação ao que se desenha, sobretudo com relação às proporções, a
espontaneidade do desenho que é solicitado a qualquer momento, o uso da cor, da
textura, da escala humana, o saber técnico, as perspectivas corretamente posicionadas –
Souto domina o desenho e o utilize abundantemente, aliado aos laços entre modernidade
e tradição.
ANÁLISE DOS CROQUIS DE EDUARDO SOUTO DE MOURA
A partir do levantamento de croquis e desenhos técnicos, foram confeccionadas 62 fichas
iconográficas (Figura 1) que continham 168 desenhos organizados em 38 obras, também
como forma de documentação do rol de arquivos encontrados.
Figura 01 – Exemplo de ficha confeccionada a partir do levantamento das obras do arquiteto Eduardo Souto
de Moura.
Olhares e gestos foram desenvolvidos com vistas a tecer interpretações a respeito da
documentação criada, permitindo análises que resultaram em agrupamentos de projetos
que possuem características semelhantes, de acordo com a leitura feita sobre as obras de
Souto de Moura. As obras foram classificadas em três categorias e suas intersecções,
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apresentadas no diagrama abaixo (Figura 2): pátio, estrutura notável e operação
topográfica, grandes características dos projetos de Souto de Moura.
Foram escolhidas as seguintes obras para os estudos de caso: casa em Cascais (1994-
2000), duas casas no Douro (2004), pavilhão em Viana do Castelo (2000-2004), casas
pátio em Matosinhos (1993-1999), duas casas em Ponte de Lima (2001-2002), casa em
Bom Jesus 2 (1996-2007) e Estádio Municipal de Braga (2000-2003).
Figura 02 – Diagrama com os desenhos de Souto de Moura separados em categorias.
Características importantes de cada projeto foram ressaltadas por meio de comentários
gráficos sobre os desenhos originais – há conexões entre citações que ressaltam
determinadas características de cada obra e os desenhos sobre os quais essas
características são evidenciadas, permitindo, assim, uma leitura mais direta. O
procedimento técnico utilizado para evidenciar as características das obras já presentes
no momento da concepção baseou-se em anotações gráficas sobre os desenhos originais
(croquis), cotejados com fotos da obra construída, com desenhos técnicos ou textos,
elementos que oferecessem bases de comparação entre a obra construída e o momento
de sua concepção. Tais anotações gráficas foram feitas com a utilização das tablets, em
layers distintos, sem interferir na autoria do desenho original, portanto.
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Todo o conjunto de análises sobre os desenhos do arquiteto Eduardo Souto de Moura foi
reunido em um caderno, o qual está disponível online1. Abaixo, três estudos de caso:
Estádio Municipal de Braga (2000-2003)
O Estádio Municipal de Braga (Figura 3) se localiza na encosta norte de Monte Castro e
marca aquele lugar como um grande anfiteatro romano, o que explica a existência das
duas arquibancadas opostas, somente – não há quatro laterais com assentos, como no
geral é visto nos demais estádios. Desta forma, reforça-se o grande espaço de integração
com esse pátio central, onde acontecem os eventos e para onde os olhares se
direcionam. Outro gesto marcante diz respeito às grandes lâminas de concreto, paralelas
entre si, criando um ritmo estrutural. Esse mesmo ritmo é verificado nos tirantes de aço
que ligam um lado ao outro do estádio, as duas arquibancadas. Todas essas abordagens
marcam fortemente a colina rochosa, escavada para abrigar o estádio. Ato este que
incorpora o entorno ao ambiente “interno” do estádio, o paredão rochoso também é
convidado a participar do que acontece no pátio central.
Figura 03 – Desenhos do Estádio Municipal de Braga (2000-2003) com os comentários gráficos
sobrepostos.
1 Para consultar o caderno, o link é http://issuu.com/gabrielbotasso/docs/0._caderno2_final.
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Casa em Cascais (1994-2000)
Situada na Quinta da Marinha, na vila de Cascais, em Lisboa, a Casa em Cascais (Figura
04) se constitui de um único volume retangular sob o qual todos os ambientes se
organizam, em dois pavimentos, sendo que o inferior está semienterrado, aproveitando-se
do desnível do terreno (com os ambientes de serviços gerais e apoio). A projeção do
andar principal cria, no pavimento desnivelado, uma grande laje que enquadra a área de
lazer, marcada por uma piscina em fita, que dialoga com o volume construído da casa. É
interessante notar como o desenho inicial já continha a precisa proporção que a casa
teria, com as vedações já moduladas, inclusive.
Figura 04 – Desenhos da Casa em Cascais (1994-2000) com os comentários gráficos sobrepostos.
Duas Casas em Ponte de Lima
Ponte de Lima é uma vila portuguesa localizada no distrito de Viana do Castelo e neste
local foram construídas essas duas casas, vizinhas, chamativas por suas estruturas que
cortam o terreno em que se assentam de modo marcante (Figura 05), bastante
desnivelado. Ambas possuem o mesmo programa, mas desafios diferentes para vencer o
terreno inclinado. A primeira se sustenta por meio da combinação de uma fundação em
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“Z” que se liga às lajes da casa, criando equilíbrio estrutural por meio do contrapeso entre
balanços. A segunda residência possui uma grande fundação que ancora uma cinta de
concreto (inclinada 45º) que envolve toda a casa, ligadas por meio de dois braços
estruturais, um na vertical e outro na horizontal. Novamente, Souto de Moura demonstra
precisão quanto às proporções de suas intenções projetuais. Os croquis trazem essas
questões com relação às duas residências em Ponte de Lima, o que foi traduzido por
meio de comentários gráficos nessa prancha. A localização dos elementos estruturais e o
corte em relação ao terreno também se mostram fiéis ao projeto final.
Figura 05 – Desenhos da Casa em Cascais (1994-2000) com os comentários gráficos sobrepostos.
CONCLUSÕES
Essa coletânea demonstra não apenas quantitativamente, mas, sobretudo,
qualitativamente a presença dos desenhos a mão livre nos processos projetivos do
arquiteto Eduardo Souto de Moura. Os croquis de Eduardo Souto de Moura já
apresentavam as primeiras reflexões que se verificaram no projeto final. A entrevista
pessoal com o arquiteto, em setembro de 2013, também permitiu desvelar a visão pessoal
de um arquiteto premiado que, ainda hoje, mantém os desenhos como parte fundamental
de seus primeiros pensamentos projetuais. Todo o levantamento quantitativo e analítico
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traz aos dias atuais que o croqui ainda contribui fortemente no processo projetivo
arquitetônico.
Mesmo diante das transformações tecnológicas do século XX, seria ingênuo acreditar que
o desenho à mão-livre não tenha mais espaço no processo projetivo. Trata-se de um
momento de complementaridade entre as diversas técnicas, os desenhos a mão livre
ainda são imperativos, mas não se pode ignorar os avanços computacionais.
Na relação entre obra e desenho, ou entre cidade e desenho é necessário partir da
compreensão de que a obra é por tendência hermética, um mundo que se apresenta
cifrado e com poucas condições de falar. Este se propõe tão carregado de consistência e
de experiências e tempos acumulados que se torna mudo. Os desenhos, ao contrário, se
apresentam e é proposto como sombras que abrem possibilidades e permitem a leitura da
obra de pontos de vistas múltiplos; decompõe a sua compactação. Oferecendo não uma
só evidência, mas tantas. O desenho passa a ser uma espécie de terreno de conflito. E
nisso está a sua grandeza e sua dignidade.
Por isso, esse desenho impulsivo deve ser reintroduzido e se tornar parte de uma didática
da arquitetura. O croqui alimenta o debate entre o “pensar o espaço” e a “espacialização
das idéias”, principalmente por meio de suas características de abstração, imprecisão e
ambiguidade. Configura-se, assim, um caráter aberto a diversas possibilidades de
investigação e experimentação, ocupando papel importante no processo de resolução de
problemas.
AGRADECIMENTOS
a Eduardo Souto de Moura, pelas palavras concedidas ao Grupo de Pesquisa N.ELAC;
ao Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, pela infraestrutura;
ao N.ELAC, pelo apoio;
à Pró-Reitoria de Pesquisa da Universidade de São Paulo, pela concessão da bolsa de
iniciação científica.
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http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/07.078/299.
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Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. São Paulo.