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Dezembro de 2009 Especial Embrapa 27 INTEGRAÇÃO LAVOURA, PECUÁRIA E FLORESTA Até 2050 a produção mundial de alimentos precisa ser dupli- cada para atender à demanda de uma população estimada em mais de 9 bilhões de pessoas. Os dados são da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), cujas estatísticas apontam, ainda, para um contingente atual de 53 milhões de famintos só na América Latina e o Caribe. O clima do planeta está em transformação e as mudanças po- derão reduzir a produtividade de culturas de grãos como feijão, milho, soja e café em até 60%, segundo estudos realizados pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Uni- versidade Federal de Viçosa (UFV) e Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Os números mostram que o futuro de- pende da adoção imediata de sistemas agropecuários que conci- liem conservação e produção de alimentos. Uma dessas opções são os sistemas de integração entre la- voura-pecuária-floresta (iLPF) como uma saída para reduzir a emissão de gases de efeito estufa sem desacelerar a produção no campo. A iLPF é um agroecossistema que maximiza a produção e ao mesmo tempo conserva os recursos naturais porque inte- gra atividades agrícolas, pecuárias e florestais, fazendo com que convivam numa mesma área a partir da sincronização de suas etapas produtivas, que se retroalimentam. O sistema otimiza o uso do solo, que permanece ocupado a maior parte do tempo, especialmente nos períodos em que ficaria ocioso. Viável em propriedades rurais de pequeno a grande por- tes – inclusive com plantio manual – a iLPF também se presta à recuperação de áreas em degradação, uma vez que o cultivo con- sorciado, em sucessão ou rotacionado, promove efeitos sinérgicos entre os componentes do agroecossistema. Isso melhora a quali- dade do solo, e, além disso a iLPF contempla ainda a adequação ambiental, a valorização do homem e a viabilidade econômica Ao longo de décadas, tecnologias geradas pela Embrapa em parceria com organizações do Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária (SNPA), universidades e outras instituições de pesquisa vêm sendo associadas e acabaram por resultar no Sis- tema de Integração Lavoura-Pecuária. Dinâmico, o sistema exi- ge constante aprimoramento. Com isso, mais recentemente foi incorporado o componente florestal, importante para a susten- tabilidade dos ecossistemas. A Embrapa, então, passou a adotar o conceito de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta. A iLPF é uma estratégia de produção sustentável, que integra atividades agrícolas, pecuárias e florestais, realizadas na mes- ma área, em cultivo consorciado, em sucessão ou rotacionado, buscando efeitos sinérgicos entre os componentes do agroe- cossistema, contemplando a adequação ambiental, a valoriza- ção do homem e a viabilidade econômica. A estratégia de iLPF contempla quatro tipos de sistemas de produção, cujos componentes podem ou não estar presentes ao mesmo tempo: integração Lavoura-Pecuária, integração Lavou- ra-Pecuária-Floresta, integração Pecuária-Floresta e integração Lavoura-Floresta. Os quatro sistemas de integração são defini- dos em função dos aspectos socioeconômicos e ambientais dos diferentes agroecossistemas. Modalidades de Sistemas de Integração INTEGRAÇÃO LAVOURA-PECUÁRIA – Agropastoril Sistema que integra os componentes lavoura e pecuária, em rotação, consórcio ou sucessão, na mesma área, em um mesmo ano agrícola ou por múltiplos anos. INTEGRAÇÃO LAVOURA-PECUÁRIA-FLORESTA – Agrossilvipas- toril Sistema que integra os componentes lavoura, pecuária e flo- resta, em rotação, consórcio ou sucessão, na mesma área. O componente lavoura restringe-se (ou não) à fase inicial de im- plantação do componente florestal. INTEGRAÇÃO PECUÁRIA-FLORESTA – Silvipastoril Sistema que integra os componentes pecuária e floresta em consórcio. INTEGRAÇÃO LAVOURA-FLORESTA – Silviagrícola Sistema que integra os componentes floresta e lavoura, pela consorciação de espécies arbóreas com cultivos agrícolas (anu- ais ou perenes). Os sistemas apresentados se assemelham com a classificação de sistemas agroflorestais: silviagrícola, silvipastoril e agros- silvipastoril (NAIR, 1991; MONTAGNINI et al., 1992; BANDY, 1994; DUBOIS, 2004). Contudo, a iLPF é uma estratégia que apresenta classificação mais abrangente, incluindo a integra- ção lavoura-pecuária. Fonte: Marco Referencial – Embrapa 2009 Principais resultados Balanço energético Em 2007, a Embrapa Agrobiologia (Seropédica – RJ) realizou a avaliação de um sistema de integração lavoura-pecuária sob o ponto de vista dos fluxos globais de energia. O balanço energéti- co de um sistema de produção, quando contabiliza em detalhes todos os componentes desse sistema sob a ótica de entradas e saídas energéticas, é um dos indicativos mais precisos da susten- tabilidade da atividade agropecuária. Para elaborar a análise energética levou-se em conta uma safra de milho, uma safra de soja, uma etapa de recria e um ciclo de terminação dos animais. Todos os resultados foram padronizados para o período de um ano e para uma área re- ferente a 1 hectare. Ambas as culturas exportam, por hectare, aproximadamente 165,06 GJ de energia renovável em seus grãos, sem considerar a especial embrapa.indd 27 23/12/2009 16:41:27

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Dezembro de 2009 Especial Embrapa 27

INTEGRAÇÃO LAVOURA, PECUÁRIA E FLORESTA

Até 2050 a produção mundial de alimentos precisa ser dupli-cada para atender à demanda de uma população estimada em mais de 9 bilhões de pessoas. Os dados são da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), cujas estatísticas apontam, ainda, para um contingente atual de 53 milhões de famintos só na América Latina e o Caribe.

O clima do planeta está em transformação e as mudanças po-derão reduzir a produtividade de culturas de grãos como feijão, milho, soja e café em até 60%, segundo estudos realizados pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Uni-versidade Federal de Viçosa (UFV) e Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Os números mostram que o futuro de-pende da adoção imediata de sistemas agropecuários que conci-liem conservação e produção de alimentos.

Uma dessas opções são os sistemas de integração entre la-voura-pecuária-floresta (iLPF) como uma saída para reduzir a emissão de gases de efeito estufa sem desacelerar a produção no campo. A iLPF é um agroecossistema que maximiza a produção e ao mesmo tempo conserva os recursos naturais porque inte-gra atividades agrícolas, pecuárias e florestais, fazendo com que convivam numa mesma área a partir da sincronização de suas etapas produtivas, que se retroalimentam.

O sistema otimiza o uso do solo, que permanece ocupado a maior parte do tempo, especialmente nos períodos em que ficaria ocioso. Viável em propriedades rurais de pequeno a grande por-tes – inclusive com plantio manual – a iLPF também se presta à recuperação de áreas em degradação, uma vez que o cultivo con-sorciado, em sucessão ou rotacionado, promove efeitos sinérgicos entre os componentes do agroecossistema. Isso melhora a quali-dade do solo, e, além disso a iLPF contempla ainda a adequação ambiental, a valorização do homem e a viabilidade econômica

Ao longo de décadas, tecnologias geradas pela Embrapa em parceria com organizações do Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária (SNPA), universidades e outras instituições de pesquisa vêm sendo associadas e acabaram por resultar no Sis-tema de Integração Lavoura-Pecuária. Dinâmico, o sistema exi-ge constante aprimoramento. Com isso, mais recentemente foi incorporado o componente florestal, importante para a susten-tabilidade dos ecossistemas. A Embrapa, então, passou a adotar o conceito de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta.

A iLPF é uma estratégia de produção sustentável, que integra

atividades agrícolas, pecuárias e florestais, realizadas na mes-

ma área, em cultivo consorciado, em sucessão ou rotacionado,

buscando efeitos sinérgicos entre os componentes do agroe-

cossistema, contemplando a adequação ambiental, a valoriza-

ção do homem e a viabilidade econômica.

A estratégia de iLPF contempla quatro tipos de sistemas de produção, cujos componentes podem ou não estar presentes ao mesmo tempo: integração Lavoura-Pecuária, integração Lavou-ra-Pecuária-Floresta, integração Pecuária-Floresta e integração Lavoura-Floresta. Os quatro sistemas de integração são defini-dos em função dos aspectos socioeconômicos e ambientais dos diferentes agroecossistemas.

Modalidades de Sistemas de IntegraçãoINTEGRAÇÃO LAVOURA-PECUÁRIA – Agropastoril

Sistema que integra os componentes lavoura e pecuária, em

rotação, consórcio ou sucessão, na mesma área, em um mesmo

ano agrícola ou por múltiplos anos.

INTEGRAÇÃO LAVOURA-PECUÁRIA-FLORESTA – Agrossilvipas-

toril

Sistema que integra os componentes lavoura, pecuária e flo-

resta, em rotação, consórcio ou sucessão, na mesma área. O

componente lavoura restringe-se (ou não) à fase inicial de im-

plantação do componente florestal.

INTEGRAÇÃO PECUÁRIA-FLORESTA – Silvipastoril

Sistema que integra os componentes pecuária e floresta em

consórcio.

INTEGRAÇÃO LAVOURA-FLORESTA – Silviagrícola

Sistema que integra os componentes floresta e lavoura, pela

consorciação de espécies arbóreas com cultivos agrícolas (anu-

ais ou perenes).

Os sistemas apresentados se assemelham com a classificação

de sistemas agroflorestais: silviagrícola, silvipastoril e agros-

silvipastoril (NAIR, 1991; MONTAGNINI et al., 1992; BANDY,

1994; DUBOIS, 2004). Contudo, a iLPF é uma estratégia que

apresenta classificação mais abrangente, incluindo a integra-

ção lavoura-pecuária.

Fonte: Marco Referencial – Embrapa 2009

Principais resultadosBalanço energéticoEm 2007, a Embrapa Agrobiologia (Seropédica – RJ) realizou a avaliação de um sistema de integração lavoura-pecuária sob o ponto de vista dos fluxos globais de energia. O balanço energéti-co de um sistema de produção, quando contabiliza em detalhes todos os componentes desse sistema sob a ótica de entradas e saídas energéticas, é um dos indicativos mais precisos da susten-tabilidade da atividade agropecuária.

Para elaborar a análise energética levou-se em conta uma safra de milho, uma safra de soja, uma etapa de recria e um ciclo de terminação dos animais. Todos os resultados foram padronizados para o período de um ano e para uma área re-ferente a 1 hectare.

Ambas as culturas exportam, por hectare, aproximadamente 165,06 GJ de energia renovável em seus grãos, sem considerar a

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palha residual. Em um ciclo de produção do sistema foram pro-duzidos em torno de 771 kg de peso vivo. Com isso, obtém-se um saldo energético em cada ciclo completo de integração lavoura-pecuária de 130,48 GJ, e uma eficiência energética, ou balanço energético global, calculada em 4,77:1. Ao considerar o produ-to animal oriundo da atividade integrada temos um acréscimo energético de mais 3,9 GJ total por hectare.

Destaca-se positivamente que o sistema avaliado é sustentável do ponto de vista essencialmente energético. Isso demonstra, em primeiro lugar, a eficiência do componente vegetal na captação de energia solar e na utilização dos recursos naturais disponíveis. Também se pode considerar que a tecnologia associada ao sis-tema integração lavoura-pecuária, para esse caso, foi otimizada para máxima produção eficiente.

Assim, sem muito dispêndio de recursos e energia na criação animal, é possível aproveitar o poder residual dos insumos e, se o sistema é bem compreendido e manejado, promover melhorias gerais na qualidade do solo garantindo a sustentabilidade e man-tendo as produtividades.

A análise dos balanços energéticos é uma ferramenta impor-tante na definição da sustentabilidade de sistemas agrícolas, mesmo sistemas dinâmicos e complexos como a integração la-voura-pecuária. Esse trabalho avaliou um caso real de integração lavoura-pecuária e constatou que existe sustentabilidade do pon-to de vista energético, ou seja, o fluxo de energia para a produção de grãos e carne é favorável, havendo grande eficiência na capta-ção da energia solar neste complexo sistema biológico e corres-pondente acumulação desta energia em produtos agropecuários, como mostra o gráfico:

Desempenho animal X Emissão de metano

Ganho de peso vivo

@/cab/ano kg/cab/ano kg/cab/dia

kg CH4/

cab/ano

kg CH4/

GPV

0,61 18,25 0,05 53,50 2,93

1,22 36,50 0,10 55,72 1,53

2,43 73,00 0,20 60,48 0,83

3,65 109,50 0,30 65,49 0,60

4,26 127,75 0,35 68,06 0,53

4,87 146,00 0,40 70,66 0,48

5,48 164,25 0,45 73,30 0,45

6,08 182,50 0,50 75,97 0,42

7,30 219,00 0,60 81,38 0,37

8,52 255,50 0,70 86,87 0,34

9,73 292,00 0,80 92,45 0,32

10,95 328,50 0,90 98,09 0,30

12,17 365,00 1,00 103,79 0,28

13,38 401,50 1,10 109,55 0,27

14,60 438,00 1,20 115,36 0,26

15,82 474,50 1,30 121,21 0,26

Produção de carne (mil t eq carcaça) e emissão de metano (mil t)

11.079

8.831

9.8379.563

8.000

8.500

9.000

9.500

10.000

10.500

11.000

11.500

2005 2010 2015 2020 2025 2030

Produção

Emissão de Metano

CULTIVO CONSORCIADO

Em geral, no cultivo consorciado de milho ou sorgo com bra-quiária, a competição dessas culturas com a forrageira não reduz significativamente as suas produtividades. Como a bra-quiária diminui a infestação de plantas daninhas, há, inclusive, tendência de aumento da produtividade dessas culturas, prova-velmente devido à não aplicação de herbicida na pós-emergên-cia, reduzindo possíveis efeitos fitotóxicos.

Mesmo nas poucas situações em que houve redução da pro-dutividade, essa redução, do ponto de vista econômico, foi compensada pela economia da não aplicação do herbicida pós-emergente. A competição com a braquiária é minimizada quanto maior for a fertilidade do solo, pois nessa condição é

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maior o desenvolvimento do milho e do sorgo. A maioria das forrageiras tropicais apresenta crescimento lento até, aproxi-madamente, 50 dias, que é o período crítico de competição para as culturas anuais.

Sistemas de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (iLPF): estratégia para a “neutralização” da emissão de metano pelo rebanho bovinoCom a crescente restrição para acessar madeiras de florestas na-turais, as áreas de floresta plantada existentes passarão a sofrer pressões de mercado, especialmente de preços que tenderão a aumentar, e mais madeira juvenil será processada para painéis reconstituídos1 que vêm substituindo a madeira serrada na fa-bricação de móveis. Com isso, pouca quantidade de árvores se-rão conduzidas para a indústria madeireira2, o que provocará também aumento de preços, principalmente para produto de maior valor agregado (PMVA).

Tanto móveis (de painéis reconstituídos como de madeira serrada), como PMVAs são produtos essencialmente imobiliza-dores de carbono. Os sistemas de integração lavoura-pecuária-floresta poderão colaborar para menor pressão e regularização de oferta de produtos madeiráveis ao mesmo tempo em que promove a adequação ambiental da pecuária nacional ao cons-tituir sistemas de produção capazes de neutralizar a emissão de metano pelo rebanho de ruminantes.

O potencial de mitigação de GEEs em sistemas intensivos com árvores de rápido crescimento (menos de 2,2 cm de diâmetro ao ano) no Brasil é de, aproximadamente, 5,0 Mg de Ceq . ha-1 . ano-1 (média para 11 anos) fixado na madeira (tronco) das árvores. Isto equivale à neutralização por ano da emissão de 13 bois adultos (450 kg PV). O gráfico ilustra a evolução de um sistema iLPF intensivo com 250 árvores por hectare no Bioma Cerrado.

Os sistemas iLPF que contemplam os componentes madei-reiro e pecuário, além da produção de madeiras e de ser uma tecnologia para mitigar emissões de GEEs, atende à necessidade de bem-estar animal ao proporcionar proteção contra estresse térmico, promove a biodiversidade em sistemas produtivos e, incrementa o uso eficiente da terra com agregação de valor e renda para as áreas de pastagens.

A iLPF permite ainda o desenvolvimento de madeira de quali-dade, um recurso que complementa em vez de concorrer com os produtos da floresta tradicionalmente produzidos/explorados. É importante para produzir madeiras que possam substituir as madeiras extraídas de florestas naturais, que se tornarão cada vez mais escassas e de acesso limitado. As áreas concernentes ao cultivo agrícola no País são vastas e poderiam proporcionar in-

1. Painéis reconstituídos incluem: MDP (Medium Density Particleboard), MDF(Medium Density Fiberboard), OSB (Oriented Srand Board) e chapa de fibra. 2. Indústria madeireira inclui: maderia serrada, laminação, faqueado e PMVA (piso, porta, janela, moldura, ferramentas, painel colado lateralmente (EGP – Edge Glued Panel) e outros.

cremento substancial na oferta de madeira de maior valor agre-gado. Espécies de árvores que são pouco utilizadas nos plantios comerciais tradicionais, mas que possuem elevado valor, pode-riam ser plantadas em iLPF.

iLPF nos BiomasAs áreas de lavouras temporárias no Brasil superam os 45 mi-lhões de hectares e as de pastagens naturais e plantadas alcançam cerca de 180 milhões de hectares. Diante dessas grandes exten-sões de áreas e da ampla diversidade de ecossistemas e situações socioeconômicas que caracterizam a agricultura brasileira, os desafios a ser enfrentados tornam-se multifacetados e comple-xos, com particularidades que dependem da região focada e do tipo de sistema agrícola.

A estratégia de iLPF, nas suas diferentes modalidades, está sendo adotada em graus diversos de intensidade nos biomas brasileiros, podendo ser estimada em 1,6 Mha. De modo ge-ral, a utilização de sistemas de integração ainda é incipiente na maioria das regiões brasileiras, embora no Centro-Oeste e Sul exista um número significativo de propriedades rurais que empregam a iLPF. Contudo, a taxa de aceitação e adoção pelos proprietários rurais, principalmente nos últimos cinco anos, tem evidenciado que essa estratégia proporcionará avanços na agricultura nacional.

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Segundo estimativa baseada nos dados do Probio (2002), as áreas de culturas agrícolas, pastagens e agropecuária (áreas cujos polígonos não permitiram distinguir entre cultura e pastagem pelas imagens de satélite) perfazem um total de 224,9 Mha. Po-demos estimar como áreas aptas para os diversos modelos de iLPF cerca de 67,8 Mha, ou seja, a superfície disponível para ser utilizada, sem a necessidade de incorporação de novas áreas.

De acordo com a Empresa de Pesquisa Energética, a expansão de área para a cana-de-açúcar, prevista até 2017, será de 6,7 Mha. Plantios florestais, em sua maioria com eucalipto para atender à demanda neste mesmo período, exigiriam o plantio adicional de 6,0 Mha. Assim, respeitando essa necessidade futura teríamos uma superfície de cerca de 55 Mha com potencial para ser utili-zada com iLPF, nas suas diferentes modalidades.

Pressupondo uma taxa de incorporação em média de 2% dessa área nos próximos 20 anos, atingir-se-ia uma área da or-dem de 20Mha. Tal premissa pressupõe a existência de políticas públicas de crédito e fomento direcionadas à implantação da estratégia da iLPF.

AmazôniaNa região amazônica, o potencial de adoção da iLPF está con-dicionado a diversos fatores de ordem econômica e ambiental, característicos. Em particular, existem alguns requisitos que de-vem ser considerados pelos produtores como condicionantes

à sua adoção. Alguns desses requisitos, listados por Dias-Filho (2007), Kichel e Miranda (2002) e Vilela et al (2001), são (a) solos favoráveis para a produção de grãos, com boa drenagem e aptos a mecanização; (b) infraestrutura para produção e ar-mazenamento da produção (equipamentos, máquinas e instala-ções); (c) recursos financeiros próprios ou acesso a crédito para os investimentos na produção; (d) domínio da tecnologia para produção de grãos e pecuária; (e) acesso a mercado para com-pra de insumos e comercialização da produção, com preços que justifiquem economicamente a adoção dessa prática; (f) acesso a assistência técnica; e (g) possibilidade de arrendamento da ter-ra ou de parceria com produtores tradicionais de grãos.

CerradoCompreendendo uma área total de 207 milhões de hectares, equivalente a 24% da área do território brasileiro, a região do Cerrado, pela sua posição estratégica entre o leste desenvolvido e a região amazônica, vem adquirindo cada vez mais importân-cia no cenário nacional. O Bioma Cerrado ocorre no Distrito Federal e nos estados de Goiás, do Tocantins, de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, do Maranhão, Piauí, da Bahia, de Minas Gerais, São Paulo, áreas disjuntas no norte do Amapá, Amazo-nas, Pará, de Roraima e ao sul em pequenas “ilhas” no Paraná.

Uma perspectiva é incorporar sistemas agropastoris (50%), silvipastoris (20%) e agrossilvipastoris (20%). Os 10% restan-

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tes ficam para o sistema silviagrícola. Basicamente isso está acontecendo, e vai continuar, em áreas de pastagens degra-dadas (cerca de 50 milhões de hectares). A velocidade dessa adoção será dependente de políticas governamentais facilita-doras de acesso ao crédito direcionado às atividades iLPF, de incentivos fiscais e de programas de capacitação técnica para transferi-las aos produtores.

PampaO Bioma Pampa ocupa a metade meridional do Rio Grande do Sul abrangendo uma superfície de 176.496 km² – 63% do ter-ritório gaúcho. Constitui a porção brasileira dos Pampas Sul-Americanos, que se estendem pelo Uruguai e pela Argentina.

Existem várias opções de sistemas de iLPF no Bioma Pampa. Na metade sul do RS o sistema mais comum é o agropastoril com o plantio de arroz irrigado e bovinocultura de corte ou leite. As principais pastagens perenes incluem o azevém anual, o trevo branco, a aveia, cornichão e pensacola, ou revegetação com espécies nativas.

Na metade norte outra versão do sistema agropastoril é uti-lizado com o plantio de soja-milho (verão) / trigo-pastagem (inverno) e bovinocultura de corte e leite. As pastagens anuais de inverno são implantadas com o cultivo de aveia preta e/ou azevém. No verão, milheto e sorgo, mas aumentando muito as perenes para sistemas de produção leiteira, destacando-se: bermudas, panicum, braquiárias, pangola, elefante, quicuio e pensacola.

Na zona de planalto o sistema de integração predominante é o silviagrícola com plantio de erva-mate, soja-milho, pastagem anual de inverno (aveia preta, azevém, ervilhaca, milheto, etc.). O plantio de citros/pêssego, grãos ou forrageiras é uma forma de integração silviagrícola ou silvipastoril encontrada na meta-de sul do RS.

Já a integração agrossilvipastoril prevê, nos primeiros dois a três anos, lavouras cultivadas nas entrelinhas de espécies flores-tais e, do terceiro/quarto anos até o sexto/oitavo anos, consór-cio/sucessão de lavouras com pastagens (pecuária) e floresta. Esse sistema ocorre nas diversas regiões do Bioma Pampa.

As pastagens naturais constituem a mais importante fonte de alimento para aproximadamente 17 milhões de ruminantes. Os remanescentes da vegetação de campo nativo e de florestas per-fazem 41% da área total. Estudo da cobertura vegetal do Pampa (MMA, 2007), tendo por base o ano de 2002, mostrou que os remanescentes da vegetação natural (campos, floresta e mosaico campo/floresta) ocupam apenas 41% de sua superfície.

A expansão dos cultivos agrícolas anuais nos campos, como a soja, o reflorestamento e o plantio de pastagens – somada ao excesso de lotação, normalmente empregados na exploração das pastagens naturais – é apontada como as principais causas para a degradação dos recursos naturais do bioma. A invasão dos campos pelo capim anonni, gramínea de origem sul-africana de baixa palatabilidade e alta produção de sementes, introduzida

inadvertidamente nos anos 60, é um dos fenômenos de degra-dação mais importantes.

CaatingaNesse bioma, os problemas de sustentabilidade dos sistemas de produção de alimentos, aliados aos constantes efeitos negativos do clima, como as secas, dificultam sua manutenção e desenvol-vimento, levando à deterioração do solo, da água, à diminuição da biodiversidade, desencadeando processos de degradação am-biental. As atividades de produção com agricultura e pecuária no bioma têm provocado sua degradação, com área alterada de aproximadamente 45% da vegetação nativa, que em parte tem sido atribuída às atividades agrícolas, à intensa extração de le-nha e de estacas, ao pastoreio excessivo e ao uso de queimadas (Castelletti et al, 2004).

Nesse contexto, a estratégia iLPF apresenta-se como uma al-ternativa de melhor convivência com o Semiárido. Devido às limitações climáticas do bioma, a possibilidade de adoção do Sistema de Integração Lavoura-Pecuária (agropastoril) apresen-ta restrições, sendo mais adequado na região do Agreste, que apresenta índices pluviométricos melhores e mais regulares. Estão sendo propostos sistemas de integração lavoura-pecuária envolvendo palma forrageira, milho, gramíneas e leguminosas forrageiras adaptadas ao Semiárido, que contribuam com a sus-tentabilidade dos sistemas de produção de leite (Sá e Sá, 2006).

Atualmente o sistema agrossilvipastoril é o mais utilizado e de maior aplicabilidade nas regiões semi-áridas. São indi-cados para a região como resposta às pressões por produção de alimentos, tanto para a população humana, como para os rebanhos. Os sistemas Agrossilvipastoril Embrapa Capri-nos (Araújo et al, 2006) e Embrapa Semiárido de Integração Lavoura-Pecuária para o Agreste e Sertão” (Guimarães Filho 1999 e Sá e Sá 2006) vêm sendo difundidos como opções sus-tentáveis para o Semi-Árido.

Os sistemas silvipastoris vêm sendo adotado em duas modali-dades nas regiões do Bioma Caatinga: (i) Introdução de animais em lavouras de espécies arbóreas comerciais permanentes, favo-recendo a manutenção dessas áreas por meio do controle da ve-getação herbácea e da adição de esterco. Essa prática vem sendo adotada por produtores de áreas irrigadas (exemplos: culturas de manga, goiaba, acerola e pinha) e dependentes de chuva na região semiárida (caju, olicuri e algaroba) (Pereira et al, 2009); (ii) introdução ou manutenção do componente arbóreo (nativo ou exótico) em pastagens cultivadas adaptadas ao Semi-Árido (Pereira et al, 2009).

Os sistemas silviagrícolas são representados pela integração de espécies arbóreas (nativas ou exóticas) com culturas adaptadas a região, como a mandioca, sorgo e feijão caupi, prática que vem sendo realizada com o intuito de amortizar os investimentos fei-tos para a implantação do componente arbóreo, como alternati-va para substituição do uso da madeira extraída do bioma como fonte energética.

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Mata AtlânticaNa Região Sul, encontram-se extensas áreas cultivadas em ro-tação, caracterizando-se como um dos mais antigos sistemas de ILP. No verão, as principais culturas são soja e milho; no inverno, forrageiras e culturas de cobertura, que servem tanto para a formação de palhada para SPD como para a alimentação animal. Existem áreas que permanecem ociosas, sem geração de renda durante o período de inverno, que representam o grande potencial para iLPF.

O SPD está consolidado como forma predominante de ma-nejo do solo no cultivo de grãos, e a pecuária de corte e leite em pastagens de inverno são opções disponíveis. Como princi-pais resultados de pesquisa podem ser apontados os sistemas de produção de grãos com pastagens anuais de inverno sob SPD e forrageiras para integração lavoura-pecuária (ILP).

O consórcio do milho com espécies do gênero braquiária tem mostrado potencial, especialmente nas regiões de inverno me-nos rigoroso. Existem ainda áreas de reflorestamento com fins madeireiros. Há oportunidades para a integração lavoura-pe-cuária nas áreas agrícolas e para sistemas de integração pecu-ária-floresta e lavoura-pecuária-floresta. Outros arranjos pro-dutivos também encontrados na região incluem arborização de pastagens, associação entre erva-mate, culturas agrícolas e ou-tras arbóreas, fruteiras com ovinos/bovinos; acácia-negra com lavouras e pastagens.

Na Região Sudeste predominam as culturas da cana-de-açú-car, citros, reflorestamento e pastagens, embora de maneira menos abrangente existam áreas de culturas anuais nas quais o SPD é empregado. Assim a utilização de espécies do gênero braquiária e panicum em consórcio com culturas anuais, no es-quema iLPF, podem fornecer a palhada para o sistema.

Além disso, a iLPF também vem sendo utilizada na renovação ou recuperação de pastagens degradadas utilizadas tanto na pe-cuária de corte como leiteira. As espécies arbóreas utilizadas são nativas e exóticas, tanto para fins madeireiros como para fixação biológica de nitrogênio atmosférico. Nas áreas de solos de bai-xa fertilidade e relevo acidentado foram desenvolvidos sistemas silvipastoris. Além das atividades agrícolas e pecuárias existe ainda no sudeste do bioma grandes projetos de reflorestamento industriais com forte potencial para iLPF.

Nos tabuleiros costeiros da Região Nordeste há condições fa-voráveis de topografia e clima, mas existem restrições para culti-vo de grãos por problemas físicos e químicos de solo. A cana-de-açúcar é a cultura mais expressiva seguida da atividade pecuária de corte e reflorestamento com eucalipto. Como estratégia para recuperação de pastagens degradadas existem tecnologias e experiências bem-sucedidas com sistemas de iLPF, usando-se principalmente leguminosas arbustivas e arbóreas e espécies do gênero braquiária, com cultivo de culturas anuais (milho e/ou feijão) no primeiro ano. O consórcio de soja/eucalipto/braquiá-ria é um sistema promissor e está em fase de validação. Na zona do Agreste, atualmente produzem-se grãos, com predominância das culturas de milho e feijão em regime de sequeiro.

Pesquisas em andamentoEmbora o princípio que norteie a iLPF seja simples e os resulta-dos já obtidos justifiquem o entusiasmo de produtores, gover-nos e organizações ambientalistas, a sua adoção em larga escala em âmbito nacional exigirá o suporte de políticas públicas. E mais, dadas as características biodiversas do território nacional, o potencial de uso do sistema precisa ser aprofundado por bio-ma como vem sendo feito pela Embrapa.

Para atender a essa demanda, a empresa já colocou em campo um batalhão de 130 empregados, entre técnicos e pesquisadores, de 30 Centros de Pesquisa que atuam em rede tanto para ações de pesquisa como de transferência de tecnologia.

As equipes já montaram 128 campos de demonstração, de-nominados Unidades de Referência Tecnológica, que contam com a participação de produtores e num só tempo servem de observatórios e vitrines do sistema. Com isso, a expectativa é de que num futuro próximo a iLPF esteja presente em um número cada vez maior de propriedades rurais, viabilizando assim o aumento da produção aliado à conservação dos recur-sos naturais, chave para o desenvolvimento de uma economia sustentável no século 21.

Grupo de Trabalho Responsável pela Elaboração do Marco Referencial iLPF

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