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1 Intensivo II Flávio Tartuce Ver: Blog de Flávio Tartuce professorflaviotartuce.blogspot.com; http://www.flaviotartuce.adv.br/; email: [email protected] AULA 01 – 20/01/14 CAPÍTULO 1. DIREITO DE FAMÍLIA 1. PARENTESCO. CONCEITO, MODALIDADES E REGRAS GERAIS 1.1. Conceito É uma expressão que vem do latim parire, que é parir ou gerar. É o vínculo jurídico existente entre pessoas que possuem mesma origem biológica; entre um cônjuge ou companheiro e os parentes do outro cônjuge ou companheiro ; bem como entre pessoas que mantém um elo civil (natureza privada). 1.2. Modalidades Existem três modalidades de parentesco: Parentesco consanguíneo ou natural – é o existente entre pessoas que mantém entre si um vínculo biológico ou “de sangue”, provado via exame de DNA. Parentesco por afinidade – é aquele que existe entre um cônjuge ou companheiro e os parentes do outro cônjuge ou companheiro. Ex.: em relação a sogra, mãe ou pai da sogra, sogro, mãe ou pai do sogro, enteado, enteada e cunhados. Parentesco civil – é aquele que tem outra origem que não seja a consanguinidade (art. 1593, CC), é o elo civil. Tradicionalmente, decorre dos casos de adoção, porém, segundo doutrina contemporânea, existem duas outras modalidades de parentesco civil aprovadas na jornada de direito civil, são elas: Enunciado 103 aquela decorrente de técnica de reprodução assistida heteróloga (com material genético de terceiro). Enunciado 256 parentalidade socioafetiva . Esta tese da parentalidade socioafetiva surgiu em 1979, em Minas Gerais, de um trabalho do professor João Baptista Vilela (UFMG), denominado “da desbiologização da paternidade”. A conclusão do trabalho é que o vínculo que une pais e filhos é mais do que um dado biológico, é um dado cultural (“pai é quem cria”). A tese só começou a ser aplicada pela jurisprudência no final da década de 90 (TJRS). Hoje tem grande prestígio, sendo citada por todos os manuais de direito de família e sendo aplicada por toda a jurisprudência, inclusive do STJ. Ex.: adoção à brasileira: alguém registra um filho como seu, sabendo não sê- lo. Três verdades devem ser levadas em conta para a determinação do vínculo parental: a) Verdade registral ; b) Verdade biológica (provada pelo DNA); c) Verdade socioafetiva (que está relacionada à posse de estado de filho). Há três critérios para esta determinação: tratamento (tractatus), reputação (reputatio) e nome (nomem).

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Intensivo II

Flávio Tartuce

Ver: Blog de Flávio Tartuce professorflaviotartuce.blogspot.com; http://www.flaviotartuce.adv.br/; email: [email protected]

AULA 01 – 20/01/14

CAPÍTULO 1. DIREITO DE FAMÍLIA1. PARENTESCO. CONCEITO, MODALIDADES E REGRAS GERAIS

1.1. Conceito É uma expressão que vem do latim parire, que é parir ou gerar. É o vínculo jurídico existente entre pessoas que possuem mesma origem biológica; entre um cônjuge ou companheiro e os parentes do outro cônjuge ou companheiro; bem como entre pessoas que mantém um elo civil (natureza privada).

1.2. Modalidades Existem três modalidades de parentesco:

Parentesco consanguíneo ou natural – é o existente entre pessoas que mantém entre si um vínculo biológico ou “de sangue”, provado via exame de DNA.

Parentesco por afinidade – é aquele que existe entre um cônjuge ou companheiro e os parentes do outro cônjuge ou companheiro.

Ex.: em relação a sogra, mãe ou pai da sogra, sogro, mãe ou pai do sogro, enteado, enteada e cunhados.

Parentesco civil – é aquele que tem outra origem que não seja a consanguinidade (art. 1593, CC), é o elo civil. Tradicionalmente, decorre dos casos de adoção, porém, segundo doutrina contemporânea, existem duas outras modalidades de parentesco civil aprovadas na jornada de direito civil, são elas:

Enunciado 103 aquela decorrente de técnica de reprodução assistida heteróloga (com material genético de terceiro).

Enunciado 256 parentalidade socioafetiva. Esta tese da parentalidade socioafetiva surgiu em 1979, em Minas Gerais, de um trabalho do professor João Baptista Vilela (UFMG), denominado “da desbiologização da paternidade”. A conclusão do trabalho é que o vínculo que une pais e filhos é mais do que um dado biológico, é um dado cultural (“pai é quem cria”). A tese só começou a ser aplicada pela jurisprudência no final da década de 90 (TJRS). Hoje tem grande prestígio, sendo citada por todos os manuais de direito de família e sendo aplicada por toda a jurisprudência, inclusive do STJ.

Ex.: adoção à brasileira: alguém registra um filho como seu, sabendo não sê-lo.

Três verdades devem ser levadas em conta para a determinação do vínculo parental:

a) Verdade registral;b) Verdade biológica (provada pelo DNA);c) Verdade socioafetiva (que está relacionada à posse de estado de filho). Há três critérios para esta determinação:

tratamento (tractatus), reputação (reputatio) e nome (nomem).

Jurisprudência e casos de adoção à brasileira: a ação proposta pelo pai será julgada parcialmente procedente, somente para declarar que o autor não é pai biológico. Porém, o vínculo jurídico é mantido para todos os fins, inclusive alimentares e sucessórios.

1.3. Regras da contagem de parentesco:

Parentesco consanguíneo:

Linha reta: é aquela que existe entre ascendentes e descendentes (art. 1591, CC).

Eu e meu pai = primeiro grau na linha reta ascendente; eu e meu avô = segundo grau; eu e meu bisavô = terceiro grau, e assim vai até o infinito.

Filho = primeiro grau; neto = segundo grau, e assim continua, até o infinito.

Linha colateral ou transversal: são aqueles sujeitos que são provenientes do mesmo tronco, sem serem ascendentes e descendentes. Segundo o CC 2002, vai até o quarto grau (art. 1592, CC).

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Na linha reta a contagem de parentesco é muito simples, de acordo com o número de gerações na medida em que se sobe ou se desce na “escada parental”.

Na linha colateral ou transversal é necessário subir ao máximo, até o ascendente comum, para depois descer e encontrar o parente procurado (art. 1594, CC).

Col 4º grau desigual BISAVÔ

3º grau

TIO AVÔ AVÔ col 3º grau desigual

2º grau

PAI TIO

Col 2º grau igual 1º grau col 4º grau igual

Linha reta ascendente

IRMÃO EU PRIMO

Col 3º grau desigual

SOBRINHO Linha reta descendente

1º grau

FILHO

2º grau

NETO

3º grau

BISNETO

Não existe colateral de 1º grau, o grau mínimo é segundo grau, pois tem que subir até o pai para ir até o irmão.

O parentesco colateral pode ser igual ou desigual. No igual a medida da subida é igual a medida da descida, já no desigual a medida da subida é desigual a da descida.

Parentesco por afinidade: art. 1595

Na linha reta:

Ascendente: sogra, mãe da sogra, avó da sogra, bisavó da sogra e assim sucessivamente.

Enteada, filha da enteada, neta da enteada e assim sucessivamente.

Este é um vínculo perpétuo (“sogra é para sempre”). Aqui há impedimento matrimonial.

Na linha colateral: irmãos do cônjuge ou companheiro (cunhados)

O vínculo pode ser extinto, não há impedimento matrimonial.

OBS.: Diante da parentalidade socioafetiva há uma valorização constante do parentesco por afinidade na linha reta descendente (padrasto, madrasta e enteados). A lei Clodovil (lei 11.924) passou a possibilitar que o enteado ou enteada inclua o sobrenome do padrasto ou madrasta, havendo justo motivo para tanto (art. 57, lei de registro público). Isso abre a possibilidade de reconhecimento da multiparentalidade, com o amparo de efeitos jurídicos plenos em relação a dois pais, duas mães, seis avós, e assim sucessivamente. Nesse sentido existem sentenças em RO, PR, RS, SC e julgado do TJSP.

TJSP Apelação nº 0006422-26.2011.8.26.0286

EMENTA: MATERNIDADE SOCIOAFETIVA Preservação da Maternidade Biológica Respeito à memória da mãe biológica, falecida em decorrência do parto, e de sua família - Enteado criado como filho desde dois anos de idade Filiação socioafetiva que tem amparo no art. 1.593 do Código Civil e decorre da posse do estado de filho, fruto de longa e estável convivência, aliado ao afeto e considerações mútuos, e sua manifestação pública, de forma a não deixar dúvida, a quem

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não conhece, de que se trata de parentes - A formação da família moderna não-consanguínea tem sua base na afetividade e nos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade Recurso provido.

2. FILIAÇÃO

É a relação jurídica existente entre ascendentes e descendentes de 1º grau (pais + filhos).

Princípio fundamental Igualdade entre os filhos (art. 227, §6º, CF e art. 1596, CC): Todos os filhos são iguais perante a lei, mesmo os havidos fora do casamento, sendo vedada qualquer forma de distinção ou discriminação. Portanto, não são admitidas expressões como: filhos ilegítimos, espúrios, bastardos, incestuosos, adulterinos, etc.

Existe uma antiga máxima do direito civil, que remonta ao direito romano e que afirma: “maternidade é sempre certa, paternidade é presunção que decorre do estado de casado” (pater is est). Na atualidade esta máxima está muito enfraquecida:

1.º. Maternidade nem sempre é certa, ex.: maternidade de substituição (barriga de aluguel) e troca de bebês em maternidades.

2.º. O exame de DNA enfraqueceu muito a presunção de paternidade que decorre da situação de casado (art. 1597, CC). Este artigo 1597 trata dessas antigas presunções e inclui presunções decorrentes de técnicas de reprodução assistida (R.A.).

Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:

I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal; Presunção relativa ou iuris tantum, que admite prova em contrário (DNA).

II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento; Presunção iuris tantum.

Segundo o entendimento majoritário, o inciso II tem aplicação para união estável, desde que provado o seu término (Resp 1.194.059/SP - 2012). O raciocínio deve ser o mesmo para os demais incisos do art. 1597.

III - havidos por fecundação artificial homóloga (com material genético dos cônjuges ou companheiros), mesmo que falecido o marido ou companheiro;

IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;

V - havidos por inseminação artificial heteróloga (aquela com material genético de terceiro), desde que tenha prévia autorização do marido ou companheiro.

Nos incisos III e IV também há necessidade de autorização do marido ou companheiro (enunciado 106, III Jornada de Direito Civil). No mesmo sentido a resolução 2013/2013 do CFM que trata das técnicas de R.A, esta resolução possibilita a reprodução assistida post mortem. Há quem entenda que a reprodução assistida post mortem (art. 1597, III) viola o princípio da paternidade e da maternidade responsável, e, portanto, seria inconstitucional (neste sentido: José de Oliveira Ascensão e Guilherme Camon).

Outras observações importantes sobre a R.A.

I) Os arts. III, IV, V tratam, em regra, de presunções relativas, porém, se houver autorização do marido ou companheiro, e não há dúvida de utilização do seu material genético, a presunção passa a ser absoluta (enunciado 258, III Jornada).

II) Segundo o entendimento majoritário, o art. 1597, III, IV e V tem aplicação para união estável, inclusive, homoafetiva, nesse sentido: enunciado 570, VI Jornada (2013), Resp 1.281.093/SP, Res 2013/2013 CFM.

AULA 02 – 28/01/14

III) É possível a criação de “cardápios de material genético”, com a escolha das características gerais do doador? Não. Trata-se de uma prática que remonta ao nazi-facismo, pela busca de uma espécie perfeita (MHD). A resolução 2013/2013 CFM (item 4), tem o mesmo sentido, mas há uma exceção: quando se trate de evitar doenças ligadas ao sexo do filho que venha a nascer.

IV) No caso do inciso V do art. 1597, havendo autorização do marido ou do companheiro, e sendo efetivada a técnica, poderá o marido ou companheiro afastar a paternidade? Não. Senão, vejamos os seguintes argumentos: 1) Quando a técnica é efetivada, há aqui uma presunção absoluta; 2) Princípio da igualdade entre os filhos (art. 227, §6º, CF); 3) Vedação do comportamento contraditório (é a máxima do venire contra factum proprium).

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V) No caso de técnica de reprodução heteróloga, falecendo tanto o pai quanto a mãe da criança, e estando totalmente desamparado o filho, é possível quebrar com o sigilo do doador, inclusive para fins alimentares e sucessórios? Não é possível, segundo o entendimento majoritário, todavia, esta questão não é pacífica. Enunciado 111, da I Jornada. Não se pode confundir reprodução assistida com adoção. Na técnica de RA não há vínculo entre o doador do material genético e a criança, na técnica de RA vale a máxima do planejamento. Neste mesmo sentido, a resolução 2013/2013 (item IV, 4), e o único caso em que o sigilo poderá ser quebrado é no caso de motivação médica.

VI) Gestação de substituição: não existe no Brasil, atualmente, a possibilidade de “barriga de aluguel” remunerada. Fala-se em doação temporária de útero ou “barriga de comodato”. Existem duas figuras: a gestatrix (a mulher que gera) e a genetrix (que é a doadora do material genético). O vínculo é estabelecido com a pessoa que planejou a técnica. Resolução 2013/2013, item VII, item 1 = a maioria da doutrina diz que só podem ser estas pessoas, mas há quem diga que esse rol poderá ser ampliado.

OBS.: Art. 1599, CC Há dois tipos de impotência: a impotência generandi (para ter filho) e a impotência coeundi (instrumental). Segundo o entendimento majoritário, este dispositivo só se aplica a impotência generandi (Paulo Lobo, Mário Delgado e Jones Figueiredo Alves), pois para a impotência coeundi há várias soluções hoje em dia.

OBS.: Art. 1600 “Não basta o adultério da mulher, ainda que confessado, para ilidir a presunção legal da paternidade”. Adultério = infidelidade.

Art. 1.602. “Não basta a confissão materna para excluir a paternidade”.

Como bem pontua Rolf Madaleno, os dispositivos são frágeis (diante do exame de DNA) e representam clara discriminação da mulher. Além disso, os dispositivos podem criar problemas em casos de mulheres separadas de fato que engravidam, e que muitas vezes já vivem uma união estável.

Ações judiciais relativas à filiação:

Quais são as ações judiciais relativas à filiação? São basicamente três:

1. Ação investigatória de paternidade ou maternidade: visa a prova do vínculo de filiação. Esta ação compete ao filho (personalíssima), passando a legitimidade aos seus herdeiros, se morrer menor ou incapaz (art. 1606). Já existem julgados no TJRS e no TJMG visando a reconhecer o vínculo de filiação somente pela parentalidade socioafetiva (ação declaratória de vínculo socioafetivo);

2. Ação negatória de paternidade ou de contestação do vínculo de filiação: art. 1601. Cabe ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos de sua mulher, sendo tal ação imprescritível. Contestada a filiação, os herdeiros do impugnante têm direito de prosseguir na ação. Essa ação deve ser vista com ressalvas nos casos de técnica de RA heteróloga ou de parentalidade socioafetiva.

3. Ação vindicatória de filho: art. 1604, 2ª parte. É a ação proposta por terceiro que pretende haver para si o vínculo de filiação, nos casos das “Capitus Contemporâneas”. Essa ação também deve ser vista com ressalvas nos casos de parentalidade socioafetiva.

3.RECONHECIMENTO DE FILHOS

CC de 2002 e lei 8560/92 (lei de investigação de paternidade)

Existem duas modalidades: voluntário e judicial.

3.1. Reconhecimento voluntário ou perfilhação

Suas hipóteses estão tratadas no art. 1609, CC.

Art. 1.609. O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável e será feito:

I - no registro do nascimento;

II - por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em cartório;

III - por testamento (legado ou codicilo), ainda que incidentalmente manifestado;

IV - por manifestação direta e expressa perante o juiz (investido no cargo), ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém. Ex.: declaração feita como testemunha em uma ação de despejo.

Parágrafo único. O reconhecimento pode preceder o nascimento do filho ou ser posterior ao seu falecimento, se ele deixar descendentes. É possível o reconhecimento de nascituro (confirmação da teoria concepcionista). É possível também o reconhecimento post mortem. O nascituro tem direito sucessório desde a concepção (posição de Tartuce e Zeno Veloso).

Art. 1610 – “O reconhecimento não pode ser revogado, nem mesmo quando feito em testamento”. O reconhecimento de filho é sempre irrevogável, mesmo quando constar em testamento.

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O reconhecimento do filho é tido como um ato jurídico strictu sensu, pois os efeitos decorrem de lei e não da manifestação das partes. Art. 1613: “São ineficazes a condição e o termo apostos ao ato de reconhecimento do filho”. Condição = evento futuro e incerto. Termo= evento futuro e certo.

Os elementos acidentais são ineficazes, preservando-se o reconhecimento. Ex.: Reconheço Pablo como meu filho, quando Rodolfo morrer (caso de termo). É válido e eficaz o ato de reconhecimento e ignorada a parte “quando Rodolfo morrer”. O reconhecimento de filho é um ato jurídico unilateral e formal.

Polêmica = reconhecimento de filho maior, pois este tem que concordar com o reconhecimento (art. 1614, 1ª parte). Se o filho precisa concordar, seria então um ato bilateral, todavia, não é, porque não cabe iniciativa do filho e sim do pai, seria assim, um ato unilateral receptício.

Segundo o entendimento majoritário, o reconhecimento de filho maior é ato unilateral receptício, que depende do consentimento do filho, e não um ato bilateral ou negócio jurídico (Silvio Rodrigues, Francisco Cahali, Paulo Lobo e José Fernando Simão).

Art. 1.614. “O filho maior não pode ser reconhecido sem o seu consentimento, e o menor pode impugnar o reconhecimento, nos quatro anos que se seguirem à maioridade, ou à emancipação.”

A segunda parte do dispositivo, reconhece legitimidade do filho em contestar a paternidade, tendo o prazo decadencial de 4 anos, a contar da maioridade ou da emancipação. A jurisprudência do STJ tornou esse prazo letra morta, pois a ação do filho é imprescritível (Resp 765479/RJ). Envolve estado da pessoa (filiação) e dignidade humana. Ressalve-se a parentalidade socioafetiva.

Art. 1611 – Esta redação demonstra uma flagrante discriminação contra o filho havido fora do casamento, devendo ser reputado inconstitucional (Guilherme Calmon Nogueira da Gama). Para parte da doutrina o dispositivo não é inconstitucional, mas deve ser aplicado na ponderada medida (modus in rebus), tendo como parâmetro o princípio do maior interesse da criança e do adolescente, retirado do art. 1612, CC (Paulo Lobo, Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona).

3.2. Reconhecimento judicial

É uma forma de reconhecimento forçado, e se dá por meio da ação investigatória: de paternidade ou de maternidade.

Pontos principais da ação investigatória:

Prazo: é imprescritível (não sujeita à prescrição ou decadência). Ver art. 27, ECA (o reconhecimento de filho é imprescritível). No mesmo sentido, estabelece a súmula 149, STF: É imprescritível a ação de investigação de paternidade, mas não o é a ação de petição de herança (vai incluir o filho que foi reconhecido posteriormente). A ação de petição de herança prescreve no prazo geral de 10 anos (art. 205, CC).

Foro competente: em regra, não havendo cumulação com nada, será competente o foro de domicílio do réu, pois a ação é pessoal (art. 94, CPC). Se houver cumulação com alimentos, será competente o foro de domicílio ou residência do autor da ação (súmula 1, STJ). Se a ação estiver cumulada com petição de herança, será competente o mesmo juiz do inventário, antes da partilha, ou domicílio de qualquer herdeiro, após a partilha (STJ, CC 28535/PR). Se a ação for cumulada com alimentos e petição de herança, será competente o foro de residência ou domicílio do autor da ação (STJ, CC 51061/GO).

Legitimidade ativa: Como se trata de ação personalíssima, a legitimidade, em regra, é do filho (devidamente representado, assistido ou por si só). O MP também pode atuar como substituto processual (lei 8560/92). Existem julgados que, adotando a teoria concepcionista, reconhecem legitimidade ao nascituro (TJSP, Apl. Cível 340.115-4, 2004). O STJ também reconhece legitimidade do neto contra o avô em caso de falecimento de seu pai, na chamada ação avoenga, ela tem por objetivo estabelecer o vínculo entre avô e pai, e ,sucessivamente, entre avô e neto (Resp 269/RS).

A ação avoenga é proposta diretamente do neto contra o avô, e isso quebra com o caráter personalíssimo da ação, pois quem deveria entrar com a ação era meu pai, e como ele faleceu entro com a ação no lugar dele.

Avô

Vínculo não reconhecido

Ação avoenga Pai

Vínculo já reconhecido

Neto

Legitimidade passiva: a ação é proposta contra o suposto pai ou suposta mãe. Em caso de falecimento deste ou desta a ação será proposta contra os herdeiros do falecido, e não contra o espólio, pois a ação é pessoal e o

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espólio não tem personalidade jurídica. Se não houver herdeiros, a ação será proposta contra o município ou União, que irá receber os bens vagos. Por fim, se reconhece a legitimidade passiva do avô na ação avoenga.

Alimentos: súmula 277, STJ: “Julgada procedente a investigação de paternidade, os alimentos serão devidos a partir da citação”. Essa súmula tem aplicação nos casos de não fixação de alimentos provisionais. Trata-se da aplicação do princípio da igualdade entre os filhos e também do art. 1616, CC :“A sentença que julgar procedente a ação de investigação produzirá os mesmos efeitos do reconhecimento voluntário; mas poderá ordenar que o filho se crie e eduque fora da companhia dos pais ou daquele que lhe contestou essa qualidade.”

Prova: todos os meios admitidos pelo direito são aplicáveis, porém, o principal meio de prova na atualidade é o exame de DNA, que traz certeza quase absoluta quanto ao vínculo biológico. Esse exame veio a substituir a nefasta prova do relacionamento plúrimo da mãe (exceptio plurium concubentium), que não é recomendável no momento (Maria Berenice Dias). O STF, no HC 71.373/RS, entendeu pela primeira vez que não há obrigatoriedade na realização do exame de DNA, não cabendo condução coercitiva em casos tais (votação foi 6x5, julgado de 1994). A integridade biológica e o segredo prevaleceram em relação ao direito à verdade biológica. Porém, concluiu-se que a negativa ao exame geraria a presunção relativa de paternidade, o que influenciou os arts. 231 e 232, CC e a súmula 301, STJ. Mais recentemente, ver a lei 12.004/2009.

Os civilistas admitem amplamente a relativização da coisa julgada de ações investigatórias de paternidade julgadas improcedentes por ausência de prova em momento que não existia o exame de DNA (enunciado 109, I Jornada de direito civil). O direito à verdade biológica, como direito inerente à dignidade humana, prevalece sobre a coisa julgada (STJ, Resp 226436/PR – 2001 e STF, RE 363889/DF – 2011).

Parentalidade socioafetiva: deve ser considerada em todos os casos envolvendo ação investigatória. Aliás, quebrando com a valorização desse conceito, o STJ tem entendido, mais recentemente, que o filho pode buscar o pai biológico desfazendo o vínculo socioafetivo (Resp 1.167.993/RS). O direito à verdade biológica é um direito fundamental. Por isso, foi levantada repercussão geral a respeito da prevalência do vínculo socioafetivo ou do biológico no STF (ARE 692.186 de 2012).

AULA 03 – 04/02/14

4. ALIMENTOS

4.1. Conceito e pressupostos

Veremos aqui os alimentos familiares, que são fundados em um vínculo de família, e não devem ser confundidos com os alimentos indenizatórios, que são fundados em ato ilícito (art. 948, II, CC).

Os alimentos familiares são prestações devidas a quem não pode provê-las pelo trabalho próprio (Orlando Gomes e MHD).

Fundamentos dos alimentos familiares: dignidade humana (art. 1º, III, CF), solidariedade (art. 3º, I, CF) e tese do patrimônio mínimo (desenvolvida por Luis Edson Fachin – deve-se assegurar as pessoas o mínimo de direitos patrimoniais para que tenha sua promoção digna).

Parâmetros constitucionais art. 6º, CF: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 64, de 2010)

O conteúdo dos alimentos familiares deve englobar tudo que for necessário para o livre desenvolvimento da pessoa humana, servindo como base os conceitos do art. 6º, CF. Os alimentos não dizem respeito apenas à alimentação, mas aos demais direitos que foram sublinhados acima.

Pressupostos dos alimentos familiares (art. 1694 e 1695, CC): não se pode impor o pagamento das verbas alimentares sem que hajam esses pressupostos. São eles:

I. Relação de parentesco, casamento ou união estável (também cabe a relação homoafetiva); II. Necessidade do alimentando ou credor;III. Possibilidade do alimentante ou devedor.

OBS.: Os dois últimos alimentos formam o binômio alimentar (necessidade/possibilidade). Para alguns doutrinadores e julgadores haveria um trinômio alimentar:

Maria Berenice Dias: necessidade, possibilidade e proporcionalidade; Paulo Lôbo: necessidade, possibilidade e razoabilidade (Tartuce prefere esse).

A mudança do binômio para o trinômio gerou mudança na jurisprudência – principalmente superior -, a respeito dos alimentos entre os cônjuges. O STJ tem entendido que tais alimentos têm o caráter excepcional e transitório como

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regra, diante da plena inclusão da mulher no mercado de trabalho. O principal precedente é o caso da psicóloga dos Jardins – Resp 933.355/SP – Rel. Nancy Andrighi (2008). O pagamento de alimentos não pode gerar “dondoquismo jurídico” e nem “pagamento de cerveja indiretamente”.

OBS1.: Tornou-se comum na prática jurisprudencial a fixação dos alimentos em 1/3 dos rendimentos do devedor. Esse parâmetro não consta de lei, não sendo obrigatório.

OBS2.: A lei 11.804/08 reconhece os alimentos gravídicos, na linha do que já entendia a doutrina e a jurisprudência. Os concepcionistas criticam essa expressão. Parece que são os alimentos da mulher grávida, apenas (art. 1º), mas no art. 2º pode se perceber que é também para o nascituro. A legitimidade é de quem? Existe um debate na jurisprudência estadual para o ingresso dessa ação, se é da mulher (prevalece mais) ou do nascituro representado pela mulher.

OBS3.: Alimentos compensatórios – foram desenvolvidos no direito espanhol, e quem a trouxe para o Brasil foi Rolf Madaleno (TJDF, TJSC, TJRS e o STJ). Os alimentos compensatórios são valores fixados a mais para afastar o desequilíbrio econômico e financeiro decorrente do divórcio (alimentos entre os cônjuges). A situação típica de sua fixação envolve os casamentos celebrados pelo regime da separação convencional de bens (separação absoluta em que nada se comunica). Como apontam Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald, a boa-fé objetiva seria um fundamento para a sua fixação (justas expectativas). Também pode ser utilizado como argumento a vedação da onerosidade excessiva no divórcio. Muitos julgados têm admitido a sua fixação (STJ, RHC 28.853/RS).

Existe um grande debate na doutrina e na jurisprudência a respeito da natureza dos alimentos compensatórios. Caráter alimentar ou meramente indenizatório? Tartuce e Rolf Madaleno acham que tem um pouco de cada um, mas que não cabe prisão. Jose Fernando Simão entende que o caráter é meramente indenizatório.

4.2. Características da obrigação alimentar

Atenção: A obrigação de alimentos familiares é única ou sui generis, apresentando características que nenhuma outra obrigação tem. Ex.: possibilidade de prisão civil

4.2.1. Direito personalíssimo (em relação ao credor)

Tem um caráter intuitu personae, sendo assim, no caso de falecimento do credor, a obrigação é extinta.

4.2.2. Reciprocidade

Art. 1694. “uns aos outros” – é a reciprocidade entre cônjuges e companheiros.

Art. 1696. “entre pais e filhos”; 1697- há uma ordem em relação ao parentesco:

1.º. Ascendentes (incluindo o socioafetivo) – o grau mais próximo exclui o mais remoto;2.º. Descendentes (incluindo o socioafetivo) – o grau mais próximo exclui o mais remoto;3.º. Irmãos – primeiro os irmãos germanos (bilaterais – mesmo pai e mesma mãe) e depois unilaterais (mesmo pai ou

mesma mãe).

A lei não revê pagamento de alimentos entre colaterais de 3º e 4º graus (tios, sobrinhos, primos, sobrinhos-netos e tios-avôs). REsp 1.032.846/RS.

Também não há alimentos entre parentes por afinidade, por ex.: sogra, sogro, genro, nora e cunhados. Porém, nas relações com os enteados o tema está em debate nos casos de socioafetividade. Há polêmico julgado do TJSC impondo total obrigação (AI 2012.073740-3, de 2013).

4.2.3. Irrenunciabilidade – art. 1707: pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar aos alimentos.

Art. 11, CC – os direitos da personalidade, como regra, são irrenunciáveis. Os alimentos tem caráter mais de direito da personalidade de que patrimonial.

Enunciado 263, III Jornada – Tartuce é contra este enunciado. Parte considerável da doutrina admite a renúncia aos alimentos pelo cônjuge ou companheiro (Rolf Madaleno, Silvio Rodrigues, Francisco Cahali, Pablo Stolze, Rodolfo Pamplona, Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald). A jurisprudência do STJ também admite tal renúncia (súmula 336, STJ).

Súmula 336, STJ – onde lê separação, leia-se divórcio.

4.2.4. Obrigação divisível (como regra) e solidária (como exceção)

Divisível = art. 1698, CC. “Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide”.

Solidária = somente se o credor for idoso (art. 12, estatuto do idoso). Neste caso, pode escolher contra quem irá propor a ação.

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Da divisibilidade como regra é retirada a responsabilidade subsidiária dos avós. Ex.: Entra com ação contra o pai, e ele não pode pagar tudo, ai chama o avô.

Um filho ingressou com ação de alimentos contra o pai e é provado que ele não pode suportar totalmente o encargo. Como serão convocados os avós? E quem convoca? Existem 4 correntes sobre esta questão.

1) O caso é de litisconsórcio sucessivo passivo ulterior (Rodrigo Mazzei, Fredie Didier e Tartuce). A convocação será feira pelo próprio autor da ação. Há julgado no TJSP.

2) A convocação será feita pelo réu por meio de uma intervenção de terceiro sui generis (Daniel Assumpção Neves, Venosa e Luz Felipe Brasil Santos). Há julgado no TJRS.

3) A convocação será feita pelo réu por chamamento ao processo (Cássio Scarpinella Bueno e julgado do STJ – Resp 658.139/RS).

4) A convocação pode ser feita pelo autor, pelo réu ou pelo MP, o que for melhor para o credor (enunciado 523, V Jornada de Direito Civil).

OBS.: No caso de ser o credor idoso, como a obrigação é solidária, caberá chamamento ao processo. Ex.: responsabilidade dos netos.

4.2.5. Obrigação imprescritível (não sujeita à prescrição)

A ação de alimentos é imprescritível, pois: é declaratória, envolve estado de pessoas, e envolve ordem pública. Porém, prescreve em dois anos, a partir dos respectivos vencimentos, a pretensão para cobrança de alimentos já fixados em acordo ou sentença (art. 206, §2º, CC).

Art. 198, I, mas tem que se observar o art. 197, II,. E o poder familiar, em regra, acaba aos 18 anos, então é 18 anos + 2 = 20.

Se o credor for menor, o prazo de pretensão para cobrança dos alimentos terá início quando este completar 18 anos. Isso porque não corre a prescrição entre ascendentes e descendentes durante o poder familiar (197, II, CC). Sendo assim, a pretensão prescreverá quando o credos completar 20 anos de idade.

4.2.6. Obrigação incessível e inalienável

Art. 1707, CPC: a obrigação alimentar não pode ser objeto de cessão de crédito, de débito (assunção de dívida) ou de contrato. Também não pode ser “vendida” ou “doada”.

4.2.7. Obrigação incompensável

A obrigação de alimentos não pode ser objeto de compensação.

Obrigação moral – Pontes de Miranda e Cahali, não é possível a compensação.

Porém, parte da doutrina (Rolf Madaleno) e a jurisprudência do TJSP, admitem a compensação de alimentos pagos a mais. O fundamento é a vedação do enriquecimento sem causa. TJSP, AI 394691-4/7.

4.2.8. Obrigação impenhorável

É absolutamente impenhorável, pelos seus próprios fundamentos, art. 1707, CC e 649, IV, COC

4.2.9. Irrepertível

Como há uma obrigação moral, não cabe repetição de indébito (actio in rem verso – Não se pode pegar de volta o que foi pago.

Em sentido contrário: Rolf Madaleno.

Como ficam as situações dos maridos e homens enganados quanto à prole, que pagaram alimentos por muitos anos? A jurisprudência do STJ tem entendido que os alimentos são irrepetíveis, mas caberá indenização por danos morais em face da mulher que provocou o ato de engano (Res. 922463 e REsp 412.684/SP. Logo pegar os alimento de volta não pode, mas poderá conseguir danos morais.

4.2.10. Obrigação transmissível aos herdeiros do devedor

Art. 1700, CC –“A obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, na forma do art. 1.694”

É até as forças da herança (entendimento de muitos julgados estaduais e do enunciado 343, IV Jornada).

Há necessidade de condenação prévia do devedor para que o espólio responda (STJ, REsp 775.180/MT).

4.3. Extinção da obrigação de alimentos

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a) Morte do credor;b) Alteração substancial no binômio/trinômio ou seu desaparecimento (art. 1699, CC);c) Em caso de filhos menores, com a maioridade em regra. Exceção = filho universitário (Ag Rg 655184/SP), até o

encerramento da graduação, pós não está abrangida (REsp 1.218.510/SP). A extinção da obrigação com a maioridade não é automática (súmula 358, STJ).

d) Dissolução do casamento ou da união estável (regra). Cuidado = a sentença de divórcio pode fixar alimentos

Art. 1.708. Com o casamento, a união estável ou o concubinato do credor, cessa o dever de prestar alimentos.

Parágrafo único. Com relação ao credor cessa, também, o direito a alimentos, se tiver procedimento indigno em relação ao devedor.

Art. 1.709. O novo casamento do cônjuge devedor não extingue a obrigação constante da sentença de divórcio. (Alimento pós-divórcio)

e) Comportamento indigno do credor em relação ao devedor: art. 1708, parágrafo único, CC.

O que é comportamento indigno? É um conceito aberto, mas o enunciado 264, III Jornada abre a possibilidade de aplica os mesmos casos de indignidade sucessória do art. 1814, I e II, CC.

Enunciado 345, IV Jornada – o comportamento indigno pode gerar a redução do valor alimentar.

Alimento provisórios e provisionais = Aquele há prova pré-constituída da relação (certidão de casamento ou nascimento) provisionais não há prova pré constituída. Escritura pública de união estável? Há julgados nos dois sentidos, de alimentos provisório e provisionais.

AULA 04 – 13/03/14

TEORIA GERAL DOS CONTRATOS (arts. 421 a 480, CC)

1. Conceito de contrato

Tanto o CC de 1916 quanto o de 2002 não definiram contrato, deixando esta tarefa para a doutrina.

Parte da doutrina, na tarefa de conceituação, utiliza o conceito clássico que está no art. 1321 do CC italiano (Darcy Bersone, MHD e Álvaro Villaça de Azevedo).

Conceito clássico: O contrato é um negocio jurídico bilateral ou plurilateral que visa a criação, a modificação ou a extinção de direitos e deveres com conteúdo patrimonial.

Todo contrato é negocio jurídico pelo menos bilateral, por envolver duas pessoas ou duas vontades, pelo menos.

Ex.: doação é negócio jurídico bilateral = CERTO, pois é contrato que envolve duas pessoas (duas vontades): doador e donatário. Porém, trata-se de um contrato unilateral como regra, pois traz deveres para apenas uma das partes (no caso, o doador).

O contrato é um negócio jurídico inter vivos por excelência, não se confundindo com os negócios mortis causa. A divisão entre atos inter vivos e mortis causa consta do art. 426, CC (ex. de negócio jurídico mortis causa: testamento).

“Art. 426. Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva”.

Teremos a nulidade absoluta do pacto sucessório (pacta corvina) – art. 166, VII, CC. Ex.: transação feita pelo marido que inclui herança não recebida.

Na visão clássica, o contrato exige um conteúdo patrimonial (patrimonialidade). Assim, com essa visão, o casamento, por exemplo, não é contrato (o pacto antenupcial é contrato). Todavia, parte da doutrina contemporânea contesta essa ideia de patrimonialidade estrita, pois o contrato também pode envolver valores existenciais relativos à tutela da pessoa humana. Surge, assim, o conceito contemporâneo ou pós-moderno de contrato (Paulo Nalin).

Conceito pós-moderno de contrato de Paulo Nalin: Contrato é uma relação intersubjetiva (entre pessoas), baseada no solidarismo constitucional e que traz efeitos existenciais e patrimoniais não somente em relação às partes contratantes, mas também em relação a terceiros. De fato, existem contratos que envolvem valores relativos à dignidade humana (ex.: plano de saúde, contratos de aquisição da casa própria e contratos de direitos de autor).

Enunciado 411, V Jornada de Direito Civil – “art. 186: o descumprimento de contrato pode gerar dano moral quando envolver valor fundamental protegido pela CF/88” (ex.: saúde e moradia).

2. Princípios contratuais no CC 2002

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Enunciado 167, III JDC (2004) – teoria do diálogo das fontes.

“167 – Arts. 421 a 424: Com o advento do Código Civil de 2002, houve forte aproximação principiológica entre esse Código e o Código de Defesa do Consumidor, no que respeita à regulação contratual, uma vez que ambos são incorporadores de uma nova teoria geral dos contratos”.

Essa aproximação principiológica se deu com os princípios sociais contratuais: autonomia privada, boa-fé objetiva e função social do contrato. E, além disso, essa aproximação propicia a aplicação concomitante das duas leis (CC e CDC) a determinados contratos (seguro, transporte, compra e venda), por meio da teoria do diálogo das fontes, desenvolvida pelo alemão Erick Jayme e trazida ao Brasil por Cláudia Lima Marques.

2.1. Autonomia privada

Esse princípio substituiu o modelo liberal da autonomia da vontade (Enzo Roppo e Francisco Amaral).

Três razões para a substituição da autonomia da vontade pela autonomia privada:

1ª “Crise da vontade”, “crise do contrato”, “morte do contrato” (Grant Gilmore); 2ª Dirigismo contratual: intervenção do Estado e da lei nos contratos; exemplos de leis dirigistas: CDC, CC/2002.3ª “Império dos contratos modelo”, é a chamada estandardização/padronização contratual. Há a prevalência de

contratos Standards, ou seja, prevalecem, na prática, os contratos de adesão.

OBS.: Contrato de adesão: é aquele que tem o conteúdo imposto por uma das partes. O estipulante impõe o conteúdo ao aderente.

Cuidado: o contrato de adesão não necessariamente é de consumo (enunciado 171, III JDC). Ex.: contrato de franquia. O oposto de contrato de adesão é contrato paritário ou contrato negociado.

A autonomia privada é o direito que a pessoa tem de regulamentar os próprios interesses, o que decorre dos princípios constitucionais da liberdade e da dignidade humana.

No plano contratual desdobra-se em:

Liberdade de contratar – quando se contrata e com quem se contrata. Ex.: quero celebrar contrato agora com o Bradesco.

Liberdade contratual – o que e como se contrata, é o conteúdo do contrato.

A autonomia privada não é absoluta, devendo ser mitigada pelas normas de ordem pública e ponderada/sopesada com outros princípios.

“Art. 425. É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas nesse Código”.

Regulamenta os contratos atípicos e encontra limites no próprio CC. Os contratos atípicos são aqueles sem regulamentação legal mínima. Devem ser respeitadas as normas de ordem pública e outros princípios. Ex. de contrato atípico: contrato de estacionamento, porém, é nula a cláusula de não indenizar. Súmula 130, STJ – “A empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo ocorridos em seu estacionamento”. E no caso de roubo? Não responde, quem responde por roubo armado é o estacionamento de banco.

2.2. Função social do contrato

Segundo Orlando Gomes, função = finalidade; social = coletiva;

Miguel Reale = o contrato não deve atender apenas aos interesses das partes, mas de toda a coletividade.

Conceito: Princípio contratual de ordem pública, pelo qual o contrato deve ser, necessariamente, interpretado e visualizado de acordo com o contexto da sociedade (art. 2095, CC).

Principal impacto = mitigação ou relativização da autonomia privada e da força obrigatória do contrato (pacta Sun servanda).

Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.

Quais os dois erros técnicos do art. 421, CC? Esses dois erros foram observados pelos professores Junqueira e Villaça e constam do projeto de lei 699/2011.

1.º. A função social do contrato não limita a liberdade de contratar, mas a liberdade contratual. 2.º. Função social não é a razão do contrato, mas limite ao conteúdo. A razão do contrato é a autonomia privada.

O certo seria: a liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato.

Segundo o entendimento majoritário da doutrina e da jurisprudência nacionais, a função social do contrato tem dupla eficácia: interna ou intersubjetiva – entre as partes, enunciado 360, IV JDC; externa ou transubjetiva – além das partes, enunciado 21, I JDC.

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a) Eficácia interna

a.1.) Proteção da dignidade humana no contrato: enunciado 23, I JDC. “23 - Art. 421: a função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana.”

É nula a cláusula que viola a dignidade humana.

Ex.: Canotilho: “cláusula de celibato” – ex.: a funcionária é contratada pela empresa e tem uma cláusula que diz que ela não pode se casar e nem ficar grávida por 5 anos, se isso acontecer tem que pagar 5 mil reais a empresa.

a.2.) Vedação da onerosidade excessiva (desequilíbrio contratual)

a.3.) Nulidade de cláusulas antissociais. Ex.: súmula 302, STJ que prevê que no contrato de plano de saúde é nula a cláusula que limita a internação do segurado.

a.4.) Conservação contratual (enunciado 22, I JDC): a extinção do contrato é a ultima ratio (última medida a ser tomada).

Ex.: teoria do adimplemento substancial (substantial performance): quando o contrato for quase todo cumprido, sendo a mora insignificante, não caberá sua extinção, mas apenas outros efeitos como a cobrança. REsp 1.200.105, inf. 500, é o caso das carretas

a.5.) Proteção do vulnerável contratual: CC/2002 = protege o aderente, art. 423 e 424.

“Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente.” Prevê a interpretação pro aderente.

Art. 424. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio.” Nos contratos de adesão são nulas as cláusulas de renúncia a direito inerente ao negócio.

AULA 05 – 21/03/14

b) Eficácia externa –

o contrato também gera efeitos externos, ou seja, tem repercussões para fora da relação contratual.

o contrato também gera efeitos perante terceiros. Trata-se de uma exceção ao princípio da relatividade dos efeitos contratuais (E. 21, I Jornada). Existem 2 aplicações:

b.1) Tutela dos direitos difusos e coletivos. Ex.: a função socioambiental do contrato.

b.2)Tutela externa do crédito. Ex.: teoria do terceiro cúmplice (art. 608, CC).

Art. 608. Aquele que aliciar (Brahma) pessoas obrigadas em contrato escrito (Zeca) a prestar serviço (nova Schin) a outrem pagará a este a importância que ao prestador de serviço, pelo ajuste desfeito, houvesse de caber durante dois anos.

2.3. Força obrigatória do contrato (pacta sunt servanda)

Continua tendo aplicação o princípio pelo qual o contrato faz lei entre as partes. Porém, esse princípio é fortemente relativizado pelos princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato.

2.4. Princípio da boa-fé objetiva

Trata-se de uma evolução do conceito de boa-fé que saiu do plano intencional (boa fé subjetiva) para o plano da conduta de lealdade das partes (boa fé objetiva).

A boa-fé objetiva é a exigência de um comportamento de lealdade das partes contratuais.

Temos duas modalidades de boa-fé no campo do direito privado:

Subjetiva = é a boa intenção, é o estado psicológico. Ex.: posse (art. 1201, CC), casamento putativo.

Objetiva = é a boa conduta, é uma concreção da boa-fé. Ex.: contrato (art. 442, CC).

A boa-fé objetiva é relacionada aos deveres anexos laterais ou secundários. Que foi bem desenvolvida no direito alemão por Staub e Larenz. Tais deveres são aqueles inerentes a qualquer contrato, sem a necessidade de previsão no instrumento. Ex.: dever de cuidado com a outra parte, dever de respeito, dever de informação, dever de lealdade, dever de colaboração (cooperação), dever de transparência, dever de confiança, etc.

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A quebra desses deveres gera uma terceira modalidade de inadimplemento (além do inadimplemento absoluto ou relativo) denominado violação positiva do contrato. Enunciado 24, I jornada: independentemente de culpa, ou seja, responsabilidade objetiva. É uma terceira modalidade de inadimplemento por duas razões: porque pode ocorrer nas fases pré e pós contratual, e porque a parte pode cumprir os deveres principais e violar os deveres anexos. Ex.: locatário que devolveu o imóvel pintado de preto.

No CC de 2002, a boa-fé objetiva tem três funções:

1ª Função de interpretação (art. 113, CC) – os contratos devem ser interpretados da maneira mais favorável a quem esteja de boa-fé.

2ª Função de controle (art. 187, CC) – aquele que viola a boa-fé objetiva no exercício de um direito comete abuso de direito.

3ª Função de integração (art. 422, CC) – a boa-fé objetiva deve integrar todas as fases contratuais, desde a fase pré-contratual, passando na fase contratual e chegando à fase pós-contratual. Enunciados 25 e 170, I e III Jornada. O art. 422 não fala da fase contratual, mas é aplicável a esta fase também!

Exemplos de integração:

Fase pré-contratual: caso dos tomates. Julgado do TJRS na década de 90, envolvendo a empresa CICA. Nele os agricultores foram indenizados pela quebra da confiança na fase pré-contratual.

Fase contratual: súmula 308, STJ – “a boa-fé objetiva vence a hipoteca”.

Fase pós-contratual: diante do dever de colaboração temos as seguintes consequências: o credor tem o dever de retirar o nome do devedor de cadastro negativo no prazo de 5 dias úteis após acordo ou pagamento da dívida, sob pena de responsabilidade pós-contratual, nesse sentido REsp 1.149.998/RS).

Conceitos parcelares da boa-fé objetiva (Menezes Cordeiro), são os seguintes:

a) Supressio – é a perda de um direito ou de uma posição jurídica pelo seu não exercício no tempo (haveria aqui uma perda por renúncia tácita).

b) Surrectio – é o surgimento de um direito diante de práticas, usos e costumes. Segundo José Fernando Simão “é o outro lado da moeda”. Uma parte perde pela supressio e a outra ganha pela surrectio. Art. 330, CC: O pagamento reiteradamente feito em outro local faz presumir renúncia do credor relativamente ao previsto no contrato. Reconhece uma supressio em relação ao credo e uma surrectio em beneficio do devedor quanto ao local de pagamento. Ver: inf. 478, STJ – aplicou supressio no caso de mandato, entendendo que houve renúncia tácita a correção monetária.

c) Tu quoque – quer dizer “até tu!?”. É a frase de Júlio César a seu filho Brutus, que o traiu. Traduz a regra de ouro da boa-fé: “não faça contra o outro o que você não faria contra si mesmo”.

d) Exceptio doli – é a defesa contra o dolo alheio. Ex.: exceção de contrato não cumprido (art. 476, CC). e) Venire contra factum proprium non potest – é a vedação do comportamento contraditório (REsp 95.539/SP).

Anderson Scheiber aponta 4 requisitos fundamentais para o venire: Comportamento anterior (geralmente positivo); Comportamento posterior (positivos) em contradição com o primeiro; Ausência de justa causa na contradição; Dano ou receio de dano nessa contradição.

Ex.: O marido vendeu imóvel sem a outorga da esposa (na vigência do CC de 1916, era ato nulo). A esposa, como testemunha em uma ação, disse que concordava com a venda. Depois a esposa entrou com ação de nulidade

f) Duty to mitigate the loss – está na convenção de Viena sobre compra e venda (art. 77). Enunciado 169, III Jornada diz que a boa-fé objetiva impõe ao credor o dever de mitigar o próprio prejuízo.

Ex.: TJRS e TJMS – Vigente um mútuo bancário, o banco não ingressa imediatamente com a ação de cobrança, para que a dívida cresça como bola de neve (tendo em vista os altos juros contratuais). Como o banco violou a boa-fé, os juros podem ser reduzidos.

2.5. Princípio da relatividade dos efeitos contratuais

Em regra, o contrato gera efeitos entre as partes contratantes (inter partes). Todavia, há exceções:

1ª Função social do contrato (eficácia externa);2ª Estipulação em favor de terceiro (arts. 436 a 438, CC), os efeitos são de dentro para fora do contrato (exógenos).

Ex.: seguro de vida. 3ª Promessa de fato de terceiro. Ex.: promessa de um show de um cantor que não comparece. São efeitos

endógenos, são efeitos de fora para dentro.

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3. Formação dos contratos no CC

Existem quatro fases: Darcy Bessone e Pablo Stolze/Rodolfo Pamplona)

1ª Negociações preliminares (puntuação);2ª Proposta (policitação ou oblação);3ª Contrato preliminar;4ª Contrato definitivo.

Os efeitos jurídicos são crescentes nestas quatro fases.

3.1. Fase de negociações preliminares ou puntuação

Nesta primeira fase ocorrem os debates prévios, visando ao contrato definitivo.

Ex.: carta de intenções, acordo de cavalheiros – não tem força vinculativa, não obriga ao contrato.

Essa fase não tem força vinculativa, não havendo tratamento específico no CC. É uma proposta não formalizada.

Porém, havendo quebra da boa-fé nessa fase poderá surgir uma responsabilização pré-contratual nessa fase.

Prevalece o entendimento doutrinário, de que essa responsabilidade (na fase das tratativas) tem natureza extracontratual (MHD, Caio Mario, Junqueiro, Bittar e Zanetti).

3.2. Fase de proposta (policitação ou oblação).

Está tratada co CC (art. 427 a 435, CC).

É a fase de proposta formalizada. Tem força vinculativa.

Quem são as partes?

1ª Proponente, policitante, solicitante – é aquele que faz a proposta estando a ela vinculada. 2ª Oblato, solicitado, policitado – ele recebe a proposta, se concordar com ela torna-se aceitante.

OBS.: Se a proposta originária é substancialmente alterada pelo oblado, há uma contraproposta e os papeis se invertem (art. 431, CC).

Art. 427 = regra; 428 = exceções.

Art. 427. A proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio, ou das circunstâncias do caso.

Art. 428. Deixa de ser obrigatória a proposta:

I - se, feita sem prazo a pessoa presente, não foi imediatamente aceita (contrato com declaração consecutiva). Considera-se também presente a pessoa que contrata por telefone ou por meio de comunicação semelhante;

II - se, feita sem prazo a pessoa ausente, tiver decorrido tempo suficiente para chegar a resposta ao conhecimento do proponente; (contrato com declarações intervaladas)

III - se, feita a pessoa ausente, não tiver sido expedida a resposta dentro do prazo dado;

IV - se, antes dela (proposta), ou simultaneamente, chegar ao conhecimento da outra parte (oblato) a retratação do proponente.

O contrato pode ser formado de duas maneiras: entre presentes (inter praesentes) ou entre ausentes (inter absentes – ex.: é o caso do contrato epistolar, é aquele formado por carta). O entre presentes está formado quando o oblato aceita a proposta (encontro de vontades). Já o entre ausentes, quanto a sua formação, o CC de 2002, totalmente ultrapassado, adota duas teorias:

Art. 433. Considera-se inexistente a aceitação, se antes dela ou com ela chegar ao proponente a retratação do aceitante.

Art. 434. Os contratos entre ausentes tornam-se perfeitos desde que a aceitação é expedida (regra: teoria da agnição, na subteoria da expedição). Exceto (exceção: teoria da agnição, na subteoria da recepção):

I - no caso do artigo antecedente;

II - se o proponente se houver comprometido a esperar resposta; (convencionada pelas partes)

III - se ela não chegar no prazo convencionado.

Enunciado 173 – Art. 434: A formação dos contratos realizados entre pessoas ausentes, por meio eletrônico (por email), completa-se com a recepção da aceitação pelo proponente. (teoria da recepção)

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Registro de reforma do CDC (PL 281/2013) = é a teoria da confirmação (“duplo-clique”).

OBS.: O art. 429 prevê a possibilidade de oferta ao público, e essa oferta tem força vinculativa.

OBS.: Art. 435 = o local de celebração do contrato é o local da proposta. Na LINDB o local do contrato é o lugar em que residir o proponente (art. 9º, §2º). E ai aplica-se qual deles? O art. 435 serve para contratos nacionais, realizados aqui. Já para contratos internacionais, realizados fora do Brasil usa-se a LINDB.

3.3. Fase de contrato preliminar (art. 462 a 466, CC)

É uma fase preparatória do contrato definitivo, com força vinculante e efeitos jurídicos maiores do que a fase anterior.

Ex.: efeitos em relação a arras ou sinal (art. 417 a 420).

O contrato preliminar, exceto quanto à forma (solenidade, por ex.) deve ter todos os requisitos de validade do contrato definitivo (art. 462, CC).

Para MHD, o contrato preliminar, também chamado de compromisso de contrato, admite duas modalidades básicas:

AULA 06 – 28/03/14

Compromisso unilateral de contrato (opção) – As duas partes compões o negócio jurídico, sendo certo que apenas uma delas assume o compromisso de celebrar o contrato definitivo. A outra parte tem uma opção (art. 466, CC). Ex.: Promessa de doação – tem o promitente e . Existe polêmica quanto a sua validade e eficácia:

Caio Mario – não seria possível a promessa de doação.

Washington Barros Monteiro (Tartuce) – possui entendimento contrário, seria possível a promessa de doação.

O entendimento majoritário, atualmente, é o seguinte: enunciado 549, VI jornada, pela viabilidade da promessa de doação, com fundamento na boa-fé, com as justas expectativas que são geradas.

Compromisso bilateral de contrato – as duas partes compõem o negócio jurídico, assumindo ambas, o compromisso de celebrar o contrato definitivo. Pode estar relacionado a bem móvel ou imóvel. Ex.: compromisso de compra e venda – tem o promitente vendedor e o compromissário comprador.

No compromisso de compra e venda do imóvel existem duas figuras distintas, o que depende do registro ou não do compromisso na matrícula do imóvel.

ATENÇÃO: art. 463, parágrafo único, CC – “O contrato preliminar deverá ser levado ao registro competente”. Enunciado 30, I Jornada –“ A disposição do parágrafo único do 463 deve ser interpretada como fator de eficácia perante terceiros”. Ou seja, onde se lê deverá, leia-se poderá.

Compromisso de compra e venda de imóvel não registrado na matrícula – nesse caso haverá um contrato preliminar, com efeitos obrigacionais interpartes, que geram uma obrigação de fazer o contrato definitivo. Se o promitente vendedor não celebrar o contrato definitivo, o compromissário comprador tem três opções (art. 463, 464 e 465, CC).

Art. 463. Obrigação de fazer, desde que o preço seja pago.

Art. 464. Adjudicação compulsória inter partes, já reconhecido pela súmula 239, STJ, desde que o preço já esteja pago. O juiz supre a vontade.

Art. 465. Possibilidade de se pedir as perdas e danos.

Compromisso de compra e venda de imóvel registrado na matrícula – nesse caso haverá o direito real de aquisição do compromissário comprador (art. 1225, VII, CC), com efeitos reais erga omnes, gerando obrigação de dar (não é pacífico, mas nesse sentido: MHD, Orlando Gomes e José Osório de Azevedo).

Se o promitente vendedor não celebrar o contrato definitivo caberá ação de adjudicação compulsória erga omnes (art. 1417 e 1418, CC).

Quando é registrado há a opção de exigir de terceiro, já quando não registrado não existe essa opção.

3.4. Contrato definitivo

Aperfeiçoado o contrato pelo encontro de vontades, os seus efeitos são plenos. Assim, haverá responsabilidade civil contratual nos casos de seu inadimplemento (art. 389 a 391, CC).

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4. Revisão judicial dos contratos no CC de 2002

Essa revisão está tratada nos arts. 317 (por fato superveniente, ou seja, fato novo) e 478 (para Tartuce esse artigo não é de revisão e sim de resolução), segundo a doutrina majoritária.

Segundo a doutrina majoritária, o CC de 2002 adotou a teoria da imprevisão, que remonta a antiga cláusula rebus sic stantibus (cláusula de alteração das circunstâncias – as coisas permanecem como estão). Neste sentido: Álvaro Vilaça, MHD, Paulo Lôbo, Silvio Venosa e Carlos Roberto Gonçalves, portanto, doutrina majoritária.

Na Itália não tem um artigo especifico para revisão, ai eles usam o mesmo da resolução, por isso entendem que se aplica o art. 478 para revisão. Enunciado 176, III jornada: o art. 478 também serve para revisão.

Requisitos para a revisão dos contratos civis:

a. Contrato bilateral, em regra (ou seja, traz direitos e deveres para ambas as partes); Exceção: art. 479, CC – possibilita a revisão de contratos unilaterais;

b. Contrato oneroso, ou seja, aquele que tem prestação + contraprestação;c. Contrato tem que ser de execução diferida ou execução continuada. No primeiro caso, o cumprimento ocorre

de uma vez só no futuro. O segundo é aquele contrato de trato sucessivo, cumprimento periódico;d. Contrato comutativo, ou seja, prestações conhecidas, as partes já sabem o que têm que cumprir. Em regra, não

é possível rever contrato aleatório quanto ao risco contratado. Entretanto, é possível rever a parte comutativa de negócios aleatórios (aqueles em que o risco é causa do contrato, ex.: prêmio do seguro saúde);

e. Fator imprevisibilidade, é o motivo imprevisível e/ou extraordinário. Esse requisito torna a revisão praticamente impossível, pois na atualidade quase tudo é previsível. Crítica formulada por Villaça e Ney Jr.: a imprevisibilidade deve ser analisada tendo como parâmetro o contratante.

Enunciado 17 e 175, - o fator imprevisibilidade deve ser analisado tendo como parâmetro o contratante. Ex.: se o sujeito pudesse prever aquilo, ele celebraria o contrato com aquelas circunstâncias?

OBS.: ver julgados do STJ sobre revisão de contratos de safra – segundo ele, pragas, problemas climáticos, oscilações de preço, enfim, tudo isso é previsível. Tartuce acha isso um absurdo, pois se o contratante previsse aquilo, ele celebraria esse contrato? Não. Ver o AgRg no REsp 884.066/GO.

f. Onerosidade excessiva, ou seja, o desequilíbrio contratual.

Art. 478 coloca como requisito a extrema vantagem para a outra parte.

Enunciado 365, IV jornada – é preciso mostrar a extrema vantagem? Não. Ela deve ser interpretada como elemento acidental da alteração das circunstâncias. Por isso, a extrema vantagem não é requisito essencial para a revisão do contrato, basta provar que o de baixo desceu, não precisa mostrar que o de cima subiu (é a gangorra).

OBS.: STJ – requisito a mais para a revisão do contrato: ausência de mora (súmula 380, STJ), que as alegações do autor sejam verossímeis (ex.: perícia contábil), deposito da parte incontroversa. Esses requisitos foram incluídos no CPC, art. 285-B.

OBS.: O CDC não adotou a teoria da imprevisão. O art. 6º, V, CDC adotou a teoria da base objetiva, não exigindo o fator imprevisibilidade. Basta um fato novo que causou a onerosidade excessiva (Nelso Nery Jr., Rizzatto Nunes, Claudia Lima Marques). Ex.: STJ – Leasing atrelados à variação cambial (REsp 374.351/RS).

O STJ tem dividido proporcionalmente a onerosidade excessiva entre empresas de leasing e consumidores.

5. Vícios redibitórios no CC 2002 (art. 441 a 446, CC)

São os vícios ocultos que atingem a coisa, objeto de contrato civil, desvalorizando-a ou tornando-a imprópria para o uso.

Vícios redibitórios ≠ Vícios do consentimento

Os vícios redibitórios atingem a coisa, são vícios objetivos. Resolução/abatimento (plano da eficácia).

Os vícios do consentimento atingem a vontade, são vícios subjetivos. Anulação (plano da validade).

Vícios redibitórios ≠ Vícios do produto

Ambos atingem a coisa, todavia, os redibitórios estão presentes em contratos civis, já os do produto estão presentes em contratos de consumo.

Existe uma garantia legal contra os vícios redibitórios em determinados contratos: bilaterais, onerosos, comutativos. A garantia legal também vale para doações onerosas (art. 441, parágrafo único). Ex.: doação modal ou por encargo.

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O adquirente prejudicado pelo vício redibitório poderá fazer uso das ações edilícias (origem romana). Pleiteando o que?

1.º. Abatimento proporcional no preço (ação quanti minoris ou estimatória);2.º. Resolução + devolução do valor pago + despesas contratuais + má-fé do alienante (perdas e danos). Uma ação

para isso tudo é a ação redibitória.

Art. 443.Cabe a resolução mesmo se o alienante não souber do vício. A sua má-fé somente influencia nas perdas e danos.

Art. 445. Prevê prazos decadenciais para a ligação do fisco rebiditor.

Prazos:

I. Art. 445, caput, CC – vícios que podem ser percebidos imediatamente. Ex.: comprou imóvel com problema de infiltração de água de chuva pela janela. O prazo é de 30 dias para móveis e 1 ano para imóveis, contados da entrega efetiva (tradição real).

Se o adquirente já estiver na posse do bem, os prazos são reduzidos à metade e contados da alienação. Ex.: locatário que compra imóvel

II. Art. 445, §1º, CC – vícios que, por sua natureza, somente podem se percebidos mais tarde. O prazo é de 180 dias para móveis e 1 ano para imóveis, contados da ciência do vício.

Enunciado 174, III jornada – Outras interpretações (posição de Tepedino). O vício não pode ser eterno. É uma combinação do caput com o §1º.

Art. 446. Trata do prazo de garantia contratual (decadência convencional) – Não correrão os prazos da lei na constância de cláusula de garantia. Porém, o adquirente deve denunciar o defeito ao alienante nos 30 dias seguintes ao seu descobrimento, sob pena de decadência. Decadência do que?

Corrente 1 – essa decadência só atinge a garantia contratual (MHD); esta é a majoritária para concursos;

Corrente 2 – essa decadência atinge a garantia contratual e também a legal.

6. Evicção (art. 447 a 457, CC)

É a perda da coisa diante de uma decisão judicial (não precisa ser sentença) ou ato administrativo de apreensão que atribui a um terceiro a perda da coisa.

O STJ admite a apreensão de veículo pelo DETRAN (REsp 259.726/RJ). E mais, ainda segundo o STJ, não há necessidade de trânsito em julgado da decisão (Resp 133211/GO).

Evicção prescinde de sentença. Prescinde quer dizer dispensa, então, esta afirmação está CERTA.

Existe uma garantia legal contra evicção nos contratos bilaterais, onerosos e comutativos. Ex.: compra e venda.

Isso também vale se o bem for arrematado/adquirido em hasta pública, portanto, bem arrematado pode sofrer evicção.

São partes da evicção:

a. Alienante – aquele que transmitiu a coisa viciada;b. Adquirente ou evicto – perde a coisa.c. Terceiro ou evictor – aquele que consegue por sentença ou não, a coisa para si.

O alienante transmite o bem para o adquirente.

O terceiro pleiteia o bem do adquirente, geralmente por meio de uma ação reivindicatória, e o terceiro passa a ser chamado evictor e o alienante evicto.

O adquirente evicto poderá denunciar à lide o alienante (art. 70, I, CPC).

AULA – 04/04/14

Art. 448, CC – As partes = alienante e adquirente. O mais comum é o reforço, em concurso cai mais exclusão.

Art. 449, CC – A cláusula excludente não é tão excludente assim. Tem que constar a cláusula de ciência para que haja a exclusão. A cláusula excludente da responsabilidade pela evicção não é totalmente exonerativa da responsabilidade do alienante. Se constar somente esta cláusula o adquirente Poe cobrar o preço da coisa. Há a vedação do enriquecimento sem causa.

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Art. 448. Podem as partes, por cláusula expressa, reforçar, diminuir ou excluir a responsabilidade pela evicção.

Art. 449. Não obstante a cláusula que exclui a garantia contra a evicção, se esta se der, tem direito o evicto a receber o preço que pagou pela coisa evicta, se não soube do risco da evicção, ou, dele informado, não o assumiu.

Para que o alienante não tenha qualquer responsabilidade, do contrato devem constar duas clausulas (Washington Barros Monteiro): a cláusula excludente de responsabilidade pela evicção (ex.: se a coisa se perde e o alienante não responde) + cláusula de ciência ou assunção de risco pelo adquirente. Se constar apenas a primeira o adquirente pode pleitear o preço que pagou pela coisa.

A evicção pode ser total ou parcial.

I) Evicção total

Ex.: Comprei uma fazenda e toda a fazenda foi atribuída a terceiro.

Se houver evicção total, pode o adquirente pleitear do alienante (art. 450 e 453, CC):

1.º. O preço que pagou pela coisa, levando-se em conta o valor da perda; 2.º. Pode-se pleitear os frutos. Diz respeito aos frutos que tiver sido obrigado a restituir ao evictor;3.º. Benfeitorias necessárias e uteis não abonadas pelo evictor;4.º. Despesas contratuais (ex.: despesas de escritura e registro);5.º. Custas judiciais e honorários advocatícios;6.º. Perdas e danos em geral.

II) Evicção parcial (art. 455)

Evicção for parcial considerável – o adquirente pode optar entre a recisão do contrato ou indenização pela parte perdida.

Evicção não considerável – cabe apenas indenização pela parte perdida.

Cuidado: está é uma análise quantitativa e qualitativa.

Cabe a denunciação da lide (art. 70, I, CPC). Para os civilistas e para o STJ não é obrigatória essa denunciação da lide, se quiser poderá exercer em ação autônoma (Enunciado 434, V Jornada e REsp. 132.258/RJ).

Pelo CC/2002 é possível a denunciação da lide por saltos ou per saltum, o que é polêmico entre os processualistas. O novo CPC acaba com isso. É graças a função social do contrato que pode ser feita a denunciação por salto.

7. Extinção dos contratos (art. 472 a 480, CC)

Existem quatro formas básicas de extinção dos contratos:

I. Extinção normal;II. Extinção por fatos anteriores à celebração;III. Extinção por fatos posteriores à celebração;IV. Extinção por morte.

7.1. Extinção normal – ocorre com o cumprimento

7.2. Extinção por fatos anteriores

São causas relacionadas a autonomia privada ou por problemas de formação. São três hipóteses:

a) Invalidade contratual

a.1.) Contrato nulo (art. 166)

a.2) Contrato anulável (art. 171)

b) Previsão de cláusula de arrependimento

Cláusula contratual que dá as partes um direito potestativo de extinção do contrato (eu posso me arrepender e a outra parte também).

O direito potestativo é aquele que se contrapõe a um estado de sujeição, encurralando a outra parte.

Cláusula de arrependimento decorre de contrato, da autonomia privada, diferente do direito de arrependimento que decorre da lei, como por exemplo, o art. 49, CDC, que dá o prazo de 7 dias para contratos realizados fora do estabelecimento.

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c)Cláusula resolutiva expressa

É uma previsão contratual que associa a extinção do contrato a um evento futuro e incerto (condição).

Art. 474 – ela opera de pleno direito, ou seja, de forma automática, sendo por isso chamada também de cláusula de segurança. Ex.: compra e venda: “se até o dia 05/05/14, o vendedor não entregar a coisa e o comprador não pagar o preço, o contrato estará extinto e resolvido”.

Cuidado: Em alguns casos, mesmo constando a cláusula, há necessidade de interpelação ou notificação da outra parte para o contrato ser extinto, não necessariamente judicial. Ex.1: o compromisso de compra e venda não registrado: súmula 76, STJ, que também vale para o compromisso registrado (DL 58/1937 e lei 6766/1979). Ex2: leasing: súmula 369, STJ, que é o contrato de arrendamento mercantil. Tudo isso decorre do dever de informação relacionado à boa-fé objetiva.

7.3. Extinção por fatos posteriores à celebração

Existem duas categorias básicas da qual decorrem outras: resolução e resilição.

Resolução é inadimplemento, descumprimento.

Resilição é direito potestativo, ou seja, vontade da(s) parte(s).

E rescisão? Os clássicos diziam que rescisão seria invalidade (Orlando Gomes e Caio Mário). Já os contemporâneos afirmam que rescisão é gênero, sendo resolução e resilição espécies (Villaça e MHD).

No art. 455 rescisão tem sentido de resolução. No art. 607 rescisão tem sentido de resilição.

a) Resolução = são 4 hipóteses

a.1) Inexecução voluntária, ou seja, com dolo ou com culpa

A parte lesada pelo inadimplemento pode exigir a execução (forçada) do contrato ou a sua resolução, nos dois casos com perdas e danos (art. 475, CC).

a.2) Inexecução involuntária = sem dolo, sem culpa

Resolução do contrato sem perdas e danos.

Ex.: caso fortuito (evento totalmente imprevisível); força maior (evento previsível, mas inevitável) art. 393, CC.

a.3) Resolução por onerosidade excessiva

Trata-se da consagração da teoria da imprevisão (origem: cláusula rebus sic stantibus) para a resolução do contrato.

Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação. (ex tunc)

A extrema vantagem não é requisito essencial para aplicar o artigo (enunciado 365, IV jornada).

Na ação de resolução, é possível rever o contrato aplicando-se os arts. 479 e 480, CC.

O art. 479 possibilita a revisão do contrato por oferecimento do réu. Para Daniel Assumpção, esse oferecimento se dá por pedido contraposto (sempre). Enunciado 367, IV jornada confirma isso pois o autor da ação de resolução deve concordar com a revisão do contrato (se fosse reconvenção o autor não precisaria concordar).

Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato.

Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.

O art. 480 possibilita a revisão de contratos unilaterais por pedido sucessivo do autor da ação. Ex.: mútuo oneroso (unilateral e oneroso) que é o empréstimo de dinheiro a juros, chamado também de mútuo feneratício.

a.4) Cláusula resolutiva tácita

Previsão legal que associa a extinção do contrato a uma condição somada ao inadimplemento. Art. 474 – não opera de pleno direito, depende de interpelação judicial.

Ex.: exceção de contrato não cumprido (exceptio non adimpleti contractus). Art. 476. Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro.

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Efeito resolutivo: Se em um contrato bilateral, ambas as partes não cumprirem com suas obrigações, o contrato estará extinto, desde que isso seja alegado em processo judicial (pois a cláusula resolutiva tácita depende de interpelação judicial).

Art. 477. Se, depois de concluído o contrato, sobrevier a uma das partes contratantes diminuição em seu patrimônio capaz de comprometer ou tornar duvidosa a prestação pela qual se obrigou, pode a outra recusar-se à prestação que lhe incumbe, até que aquela satisfaça a que lhe compete ou dê garantia bastante de satisfazê-la.

Temos no art. 477 exceptio non rite adimpleti contractus. O rite diz respeito à parcialidade, é o descumprimento parcial (de uma das partes ou sua iminência).

Leitura melhor do art. 477: Se em um contrato bilateral, uma parte perceber que há risco de que a outra parte não cumpra sua obrigação, poderá exigir o cumprimento antecipado ou garantias, sob pena de resolução (quebra antecipada do contrato).

OBS.: Cláusula solve et repete (é a cláusula paga e depois pede). É uma cláusula de renuncia aos arts. 476 e 477. Ela será válida se for num contrato civil (que não seja de consumo) e negociado. Será nula se for imposta a vulnerável, se o contrato for de consumo ou de adesão (art. 51/art. 424, CC).

b) Resilição: são duas hipóteses

b.1) Bilateral = as duas partes, de comum acordo, querem a extinção do contrato, o que se dá pelo distrato.

Art. 472. O distrato faz-se pela mesma forma exigida para o contrato.

b.2) Unilateral = nos casos previstos em lei de forma expressa ou implícita , mediante notificação judicial ou extrajudicial da outra parte (art. 473, CC).

Ex.: denúncia vazia (locação e prestação de serviços); revogação (mandante); renúncia (mandatário); exoneração unilateral (fiança sem prazo determinado).

Art. 473. A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte.

Parágrafo único. Se, porém, dada a natureza do contrato, uma das partes houver feito investimentos consideráveis para a sua execução, a denúncia unilateral só produzirá efeito depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos.

O parágrafo único é uma evolução, pois obriga a manter o contrato. Dá a ideia de continuidade compulsória do contrato, que tem relação com a boa-fé objetiva e com a função social do contrato. A resilição será postergada diante de investimentos consideráveis realizados no contrato (caso Nokia: AI 7.148.853-4, 2007).

7.4. Extinção por morte (de um ou ambos os contratantes)

Só ocorre nos contratos personalíssimos, ou seja, intuitu personae. É a cessação contratual (Orlando Gomes)

Ex.: prestação de serviços, art. 607, CC; fiança, art. 836, CC.

8. COMPRA E VENDA (ART. 481 a 532, CC)

8.1. Conceito e natureza jurídica

Pelo contrato de compra e venda, o vendedor compromete-se a transmitir ao comprador o domínio (propriedade) de certa coisa, mediante uma remuneração (preço).

Trata-se de um contrato translativo, pois traz o comprometimento de transmissão da propriedade. Mas, cuidado: a compra e venda, por si só não transmite a propriedade, o que se dá pelo registro ou tradição (transmissão derivada).

Portanto, ATENÇÃO: Compra e venda transmite a propriedade = ERRADO. Ela traz o comprometimento, a transmissão se dá com registro ou tradição.

Quanto à natureza jurídica (características):

a) Contrato bilateral, afinal, traz direitos e deveres para ambas as partes. b) b) Contrato oneroso, pois traz prestação + contraprestação. c) Contrato consensual, pois tem o aperfeiçoamento com a manifestação das partes (art. 482, CC). d) Contrato comutativo, em regra. Segundo ele, as partes já conhecem as prestações.

Exceção: contrato aleatório: é aquele em que o risco é causa do contrato – art. 458 a 461, CC. Tem duas modalidades básicas:

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Venda da esperança – tem-se o emptio spei, o risco diz respeito à existência da coisa e a sua quantidade, aqui o risco é maior.

Venda da esperança com coisa esperada – dá mais segurança, é o contrato aleatório emptio rei speratae, o comprador espera a coisa. O risco aqui é somente quanto a quantidade, o risco é menor.

e) Quanto às formalidades e solenidades (art. 107 e 108, CC)

Forma é diferente de solenidade. Forma é gênero (ex.: forma escrita), solenidade é espécie, ato público (ex.: escritura).

Venda de imóvel com valor superior a 30 salários mínimos: o contrato é solene e forma, precisa de escritura.

Venda de imóvel com valor inferior ou igual a 30 salários mínimos: o contrato é não solene e formal, pois não há necessidade de escritura, mas sim de forma escrita, para que se possa fazer o registro.

Venda de móvel, não importa o valor: o contrato é não solene e informal, não precisa nem ter a forma escrita.

11/04/14

8.2. Elementos constitutivos da compra e venda

a) Partes (havendo o consenso entre elas – consensus)

As partes devem ser capazes, sob pena de invalidade do negócio jurídico da compra e venda. Será nula se celebrada por absolutamente incapaz sem representante e anulável se celebrada por relativamente incapaz sem representação.

Além disso, devem ser observadas as regras de legitimação da compra e venda. Legitimação é uma capacidade especial para o ato ou negócio jurídico.

Ex.: art. 1647, I do CC – necessidade de outorga conjugal (uxória ou marital) para a venda (e não compra) de imóvel, com exceção do regime convencional de bens (separação absoluta).

O art. 1649 prevê que a falta de outorga gera anulabilidade da compra e venda. Há um prazo decadencial de dois anos para a ação anulatória, contados de dois anos da dissolução da sociedade conjugal.

Há polêmica sobre a aplicação do art. 1647 do CC/02 para a união estável. O STJ entendia pela aplicação. Porém, julgado de 2014 seguiu o outro entendimento, ou seja, pela não aplicação (desnecessidade de assinatura do companheiro para validade de contrato de fiança; não aplicação da súmula 332 para união estável). Informativo 535.

Ex.: art. 496 – que tratava da venda de ascendente para descendente.

Como se vê o parágrafo único dispensa a outorga do cônjuge quando o regime de bens for o da separação obrigatória de bens. Tartuce entende que houve um erro do legislador, pois deveria ser previsto separação convencional. Isso porque, conforme a súmula 377 do STF no regime de separação obrigatória há comunicação de bens.

OBS.: Se houver doação não é necessária a autorização, pois consiste em adiantamento da herança.

Art. 496. É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido.

Art. 496, CC – “em ambos os casos” – segundo o enunciado 177, III JDC, esta expressão deve ser desconsiderada por erro de tramitação legislativa, pois foi retirada do caput a venda de descendente para ascendente.

Esta regra não se aplica para união estável, pois o companheiro não é herdeiro necessário.

Qual o prazo para anular a venda de ascendente para descendente?

Súmula 494, STF – prevê o prazo prescricional de 20 anos, a contar do ato. Esta súmula ainda se aplica? Esta súmula está prejudicada, segundo doutrina e jurisprudência majoritárias. Para anular negocio jurídico o prazo não pode ser prescricional, tem que ser decadencial. Enunciado 368, IV JDC – “O prazo para anular venda de ascendente para descendente é decadencial de dois anos”, estando cancelada a súmula 494, STF. STJ, REsp 771.736/SC, entendeu neste mesmo sentido do enunciado.

b) Coisa (res)

Coisa equivale a bem copóreo, bem material. Se houver cessão onerosa de bem imaterial (ex.: direito de autor), o contrato é de cessão de direitos, e não compra e venda.

A coisa deve ser lícita, possível, determinada (ou pelo menos determinável), sob pena de nulidade absoluta da compra e venda (art. 166, II, CC).

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Ex.: comprei maconha, comprei areia de plutão, comprei txucatxu. Nesses casos não pode ser considerado compra e venda.

A compra e venda pode ter como objeto coisa atual ou futura (venda sob encomenda, ex.: o vestido de noiva que vai ser feito ainda). Se a venda for de coisa futura, e essa vier a não existir, a venda será ineficaz, a não ser que o contrato seja aleatório (art. 483, CC). Atenção: na prova costumam colocar nula ou inexistente para errarmos!!!!

Art. 483. A compra e venda pode ter por objeto coisa atual ou futura. Neste caso, ficará sem efeito o contrato se esta não vier a existir, salvo se a intenção das partes era de concluir contrato aleatório.

Art. 484. Essas vendas funcionam sob condição suspensiva, ou seja, a coisa deve ser entregue conforme prometido. Se a coisa não for entregue conforme o prometido teremos a inexecução do contrato.

Parágrafo único – A oferta prevalece sobre o conteúdo do contrato (art. 30, CDC).

Protótipo – primeiro exemplar de uma edição. Modelo – ex.: uma fotografia em folheto.

c) Preço (pretium)

É a remuneração da compra e venda. Ela deve ser expressa em moeda nacional corrente pelo valor nominal (R$), sob pena de nulidade do contrato (art. 315 e 318, CC). É o princípio do nominalismo. Ex.: venda por 1 milhão de dólares não pode, mas pode venda por 1 milhão de dólares na cotação do dia tal a tanto (preço por cotação).

Modalidades especiais de preço:

Preço por cotação (art. 486 e 487, CC) – é aquele fixado conforme índices e parâmetros, inclusive por taxa de mercado ou de bolsa (ex.: de valores).

Preço por arbitramento ou por avaliação (art. 485, CC) – é aquele arbitrado por terceiro que tenha confiança das partes.

Preço tabelado e preço médio (art. 488, CC) – se não houver preço estipulado pelas partes, tem que definir uma ordem para chegar ao preço: 1º preço tabelado, 2º preço de costume, 3º preço médio (fixado pelo juiz).

Preço unilateral (art. 489, CC) – é nulo o contrato de compra e venda quando se deixa o preço ao arbítrio exclusivo de uma das partes. Esse dispositivo está totalmente desatualizado frente à realidade de prevalência dos contratos de adesão em que o preço é imposto. MHD diz que esse artigo serve para o caso de cartel.

8.3. Venda de coisa comum, ou venda de bem individual em condomínio (art. 504, CC)

É reconhecido um direito de preempção, preferência ou prelação legal, a favor do condomínio de bem indivisível, seja móvel ou imóvel. Esta preempção se dá em igualdade de condições (“tanto por tanto”).

O condômino preterido poderá ingressar com ação adjudicatória (Villaça) ou anulatória (MHD), inclusive contra terceiros (é a chamada ação de preferência, que tem natureza real). Tem que depositar o preço.

A lei estabelece um prazo decadencial de 180 dias para esta ação. E o inicio do prazo? Há 3 correntes:

1) Da ciência da venda (MHD); esta é a majoritária;

2) Data da venda (Venosa);

3) Registro imobiliário (Villaça).

Parágrafo único. Sendo muitos os condôminos, preferirá o que tiver benfeitorias de maior valor e, na falta de benfeitorias, o de quinhão maior. Se as partes forem iguais, haverão a parte vendida os comproprietários, que a quiserem, depositando previamente o preço.

Pluralidade de condôminos com preferência – 1º quem tem benfeitorias de maior valor tem a preferência; 2º quem tem o quinhão maior; 3º quem depositar primeiro o preço.

8.4. Venda por medida ou por extensão – venda ad mensuram (art. 500, CC)

Na venda de imóveis é possível estabelecer que a sua área não é simplesmente enunciativa, ou seja, trata-se de um fator determinante do negócio jurídico.

Ex.: venda de imóvel por m2.

O oposto da ad mensuram é a venda ad corpus, nesta o imóvel interessa de corpo inteiro, e não pela metragem ou área que ele tem. A área é simplesmente enunciativa.

Art. 500, §1º - é tolerável, em regra, uma variação de área de até 1/20 (5%). Porém, o STJ entendeu que uma cláusula de admissão dessa variação é abusiva quando inserida, em larga escala, em contratos de consumo (REsp 436.853/DF). Fere a boa-fé objetiva e o equilíbrio econômico do contrato (função social).

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Na venda ad mensuram, se houver uma variação considerável da área, estará presente o vicio redibitório especial.

a) Se faltar área, o comprador prejudicado poderá pleitear:

1.º. Complementação da área (ação ex empto);2.º. Abatimento do preço (ação quanti minoris);3.º. Resolução do contrato com devolução de quantias. Se houver má-fé do alienante caberá perdas e danos (ação

redibitória).

b) Se houver excesso de área e o vendedor provar que tinha motivos para ignorar a variação da área poderá ingressar em juízo. Nessa ação o comprador tem duas opções:

1.º. Completar o preço; 2.º. Devolver o excesso.

Art. 501. Prazo decadencial para todas essas ações: 1 ano, a contar do registro do título.

O prazo de decadência é impedido ou suspenso se houver invasão do imóvel. Trata-se de exceção à regra segundo a qual a decadência não pode ser impedida, suspensa ou interrompida (art. 207, CC).

8.5. Cláusulas especiais da compra e venda ou pactos adjetos

Elas devem ser expressas, ou seja, decorrem da autonomia privada, e assim, não se confundem com as regras especiais da compra e venda que estão implícitas (art. 500 e 504, CC).

a) Cláusula de retrovenda, recompra ou retrato (art. 505 a 508, CC)

É uma cláusula inserida na venda de imóveis que dá ao vendedor um direito potestativo de recomprar o bem no prazo máximo decadencial de 3 anos.

Propriedade = comprador = resolúvel (condição)

Como aponta Jose Osório de Azevedo Jr., geralmente a retrovenda é utilizada com fins de fraudes e de usura (agiotagem). Em casos tais, deve-se reconhecer a nulidade absoluta do negocio, por simulação (art. 167) e ilicitude do objeto (art. 166, II). Resp 285.296/MT.

Art. 505 – na recompra, o vendedor deve pagar o preço recebido, reembolsando despesas ao comprador e benfeitorias necessárias. Se o comprador se negar a vender a coisa caberá a ação de resgate (art. 506).

Art. 507 – o direito pode ser exercido contra o terceiro adquirente do imóvel. A ação de resgate tem natureza real, erga omnes, podendo ser proposta por terceiro adquirente (propriedade resolúvel).

É transmissível inter vivos? MHD – não, pois tem natureza personalíssima. Paulo Lôbo – sim, é possível, pois a lei fala em cessível, então, é transmissível inter vivos. Para concursos Paulo Lôbo.

b) Venda a contento e venda sujeita à prova (arts. 509 a 512, CC)

São cláusulas especiais, mas na pratica, no dia a dia, são regras especiais que estão implícitas nas vendas de vinhos, alimentos e perfumes.

Essas cláusulas funcionam como condição suspensiva, pois a venda somente será plenamente eficaz se houver a aprovação pelo comprador (móveis ou imóveis).

Venda a contento x Venda sujeita a prova. Na primeira a coisa ainda não é conhecida (ex.: está tomando aquele vinho pela a primeira vez), no segundo a coisa já é conhecida, só é preciso a comprovação de que tem aquelas qualidades. Os efeitos são os mesmos, para ambos (art. 509 a 511, CC).

Art. 511 – nos dois casos, antes da aprovação o comprador equivale a um comodatário. A ação para reaver o bem, se não devolver o bem no prazo estipulado, é a ação de reintegração de posse.

c) Cláusula de preempção, preferência ou prelação convencional (art. 513 a 520, CC)

cláusula inserida na venda de bens móveis ou imóveis, que da ao vendedor um direito de preferência, se o comprador pretender vender a coisa para terceiros, tanto por tanto (ou seja, em igualdade de condições).

Art. 513, p; único – temos os prazos de cobertura da preempção.

Se é móvel, da data da venda até 180 dias depois, há preferência. Depois dos 180 dias não há mais preferência.

Se for imóvel, da data da venda até 2 anos depois há preferência.

Prazo para manifestação quanto à preferência (art. 516, CC)

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Prazo para manifestação quanto à preferência – prazos decadenciais para manifestação do vendedor quanto à preferência, após notificação pelo comprador. Art. 516, CC – traz os prazos mínimos.

3 dias para móveis e 60 dias para imóveis = prazos mínimos.

Art. 516. Inexistindo prazo estipulado, o direito de preempção caducará, se a coisa for móvel, não se exercendo nos três dias, e, se for imóvel, não se exercendo nos sessenta dias subseqüentes à data em que o comprador tiver notificado o vendedor.

Se o vendedor for preterido, os efeitos são meramente obrigacionais e não reais. Não cabe adjudicação da coisa

Art. 518. Responderá por perdas e danos o comprador, se alienar a coisa sem ter dado ao vendedor ciência do preço e das vantagens que por ela lhe oferecem. Responderá solidariamente o adquirente, se tiver procedido de má-fé.

Art. 520. O direito de preferência não se pode ceder nem passa aos herdeiros.

A cláusula de preferência é personalíssima, intuito persone (≠retrovenda)

d) Cláusula de venda com reserva de domínio (art. 521 a 528, CC)

Cláusula inserida na venda de bens móveis infungíveis (art. 523) pela qual o vendedor mantém a propriedade da coisa até que o preço seja integralmente pago (propriedade resolúvel).

Quando o comprador paga integralmente o preço deixa de ter posse direta e passa a ter a propriedade plena.

Art. 522. A cláusula de reserva de domínio será estipulada por escrito (requisito formal de validade) e depende de registro no domicílio do comprador para valer contra terceiros (efeitos erga omnes).

Art. 524. A transferência de propriedade ao comprador dá-se no momento em que o preço esteja integralmente pago. Todavia, pelos riscos da coisa responde o comprador, a partir de quando lhe foi entregue. Há ai o res perit emptoris, é uma exceção ao res perit domino.

Se houver inadimplemento do comprador, o vendedor tem duas opções:

1ª Cobrar as parcelas vencidas e vincendas;2ª Recuperar a posse do bem (ação de busca e apreensão).

Nos dois casos se exige a constituição em mora mediante protesto do título ou interpelação judicial. É uma mora ex persona.

No caso de busca e apreensão, cuidado com a regra do art. 527.

Neste caso, é nula a cláusula de perda de todas as parcelas pagas, seja o contrato de consumo ou de adesão, portanto, se houver relação de consumo (art. 53, CDC) ou sem relação de consumo (art. 421 e 422, CC).

Art. 526. Verificada a mora do comprador, poderá o vendedor mover contra ele a competente ação de cobrança das prestações vencidas e vincendas e o mais que lhe for devido; ou poderá recuperar a posse da coisa vendida.

Art. 525. O vendedor somente poderá executar a cláusula de reserva de domínio após constituir o comprador em mora, mediante protesto do título ou interpelação judicial.

Art. 527. Na segunda hipótese do artigo antecedente, é facultado ao vendedor reter as prestações pagas até o necessário para cobrir a depreciação da coisa, as despesas feitas e o mais que de direito lhe for devido. O excedente será devolvido ao comprador; e o que faltar lhe será cobrado, tudo na forma da lei processual.

08/05/14

DIREITO DAS COISAS

1. Introdução

Direito das coisas X Direitos reais

Direito das coisas – É um ramo do direito civil (livro do CC de 2002) que tem por objeto as relações de domínio entre pessoas e coisas.

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Na relação de domínio tem-se dois tipos de domínio: fático e jurídico. O domínio fático é a posse, e o domínio jurídico é a propriedade.

Na relação de domínio temos uma pessoa que é o sujeito ativo dessa relação, essa pessoa exerce uma relação de soberania privada sobre uma coisa. Coisa é um bem corpóreo, tangível. E quem é o sujeito passivo? É o sujeito passivo universal, é toda a coletividade que está submetida a esta relação.

Os efeitos deste tipo de relação, tendo em vista esta estrutura, é erga omnes.

OBS1.: Coisa tem o sentido de bem corpóreo, bem material, bem tangível. Para os civilistas não existe posse ou propriedade sobre bens imateriais (incorpóreo). Portanto, eles não admitem a ideia de propriedade intelectual.

Neste sentido a súmula 228, STJ: não cabe interdito proibitório para defender direitos autorais. Ou seja, não há posse sobre direitos autorais.

OBS2: O esquema anterior explica a essência da teoria realista ou clássica do direito das coisas. Ou seja, ideia de submissão da coisa e de sujeito passivo universal. Foi superada a teoria personalista, que afirmava ser a relação de domínio uma relação entre pessoas intermediada por coisas.

Direitos reais – Parte do conteúdo do direito das coisas. Significa um conjunto de institutos relacionados à propriedade, seja plena ou limitada.

Direitos reais equivale à expressão domínio jurídico.

Art. 1.225. São direitos reais:

I - a propriedade; (plena)

II - a superfície;

III - as servidões;

IV - o usufruto; direitos reais de gozo ou fruição

V - o uso;

VI - a habitação;

VII - o direito do promitente comprador do imóvel; é o compromisso de compra e venda registrado na matrícula, temos um direito real de aquisição

VIII - o penhor;

IX - a hipoteca; direitos reais de garantia

X - a anticrese.

XI - a concessão de uso especial para fins de moradia; (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007)

XII - a concessão de direito real de uso. (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007)

Mas uso e habitação não já estão elencados nos incisos V e VI? Estes novos institutos são direitos reais de gozo ou fruição. São concessões especiais feitas pelo Estado (geralmente sobre bens públicos), visando a “regularizar” áreas favelizadas.

A concessão de direito real de uso está no decreto-lei 271/1967. Já a concessão de uso especial para fins de moradia está na MP 2220/2001. Isso ocorre quando o poder público tem uma área e é ocupada por uma favela, por exemplo, ai eles fazem a concessão, porque a área, como é publica, não pode ser objeto de usucapião.

O rol do art. 1225, CC é taxativo (numerus clausus) ou exemplificativo (números apertus)?

Visão clássica, entendimento ainda majoritário para ser adotado na 1ª fase: o rol é taxativo (Caio Mário, Orlando Gomes, MHD, Carlos Roberto Gonçalves).

Visão contemporânea, mais atual e que é tendência: o rol é exemplificativo. Mas ela se divide em duas correntes.

A doutrina que entende ser o rol exemplificativo divide-se em duas correntes: visão de Gustavo Tepedino = não há taxatividade, mas sim tipicidade, ou seja, existe a possibilidade de criação de outros direitos reais por lei específica. Para Tartuce é a mais prevalente hoje. Para Cristiano Chaves e Rosenval, que são mais audaciosos: a autonomia privada pode criar novos direitos reais, ex.: direito de laje.

Realmente, existem direitos reais previstos em lei que não estão no rol do art. 1225. Ex1.: alienação fiduciária em garantia (DL 911/69 e lei 9514/97). Ex2: legitimação de posse (lei 11.977/2009).

Art. 59 – legitimação de posse = direito real (lei 11.977/2009).

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Atenção: art. 60: temos uma usucapião administrativa, quer dizer, sem ação judicial, onde? No cartório de registro de imóveis, decorrente da posse (lei 11.977/2009). Portanto, se na prova disser que toda usucapião depende de ação judicial está errado, pois esta possibilidade admite a usucapião administrativa.

2. Diferenças entre os direitos reais e os direitos pessoais patrimoniais

Direitos pessoais patrimoniais Direitos reais

1) Ex.: contratos;2) Relações entre pessoas: sujeito ativo + passivo;3) Princípio regente: princípio da autonomia privada; 4) Rol exemplificativo;5) O patrimônio do devedor responde; 6) Caráter transitório; 7) Geram efeitos interpartes (em regra).

1) Ex.: propriedade;2) Relação entre pessoa e coisa (apenas com sujeito

ativo);3) Princípio regente: princípio da publicidade, que é

efetivado pelo registro ou pela tradição;4) Rol taxativo (entendimento majoritário);5) A coisa responde pela dívida;6) Caráter permanente;7) Geram efeitos erga omnes (em regra).

OBS1: Há uma tendência de aproximação entre os direitos pessoais e reais, o que representa uma volta à teoria personalista (seria uma espécie de “contratualização” dos direito das coisas – Luciano de Camargo Penteano).

Os contratos, em alguns casos, geram efeitos perante terceiros. Ex.: a função social do contrato.

Os direitos reais, também em alguns casos, geram efeitos inter partes. Ex.: súm. 308, STJ.

Súmula 308, STJ – A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel.

Promessa de compra e venda – é compromisso registrado.

A boa-fé vence a hipoteca, que passa a ter efeitos inter partes. É o efeito “escudo” da boa-fé. Há inadimplemento por parte da construtora.

OBS2: Existem conceitos que são híbridos, estão “no meio” do quadro comparativo. Ex.: obrigação propter rem, mista, híbrida, ambulatória ou reipersecutória. Estas obrigações têm parte em direito real, parte em direito pessoal, são obrigações próprias da coisa e que seguem a coisa com quem quer que esteja.

Ex.: obrigação propter rem = caso das dívidas de condomínio, art. 1345, CC.

3. Posse (arts. 1196 a 1224, CC)

3.1. Conceito, natureza jurídica e teorias justificadoras

Conceito: A posse é o domínio fático que a pessoa exerce sobre uma coisa (bem corrpóreo).

Considera-se possuidor aquele que tem pelo menos um dos atributos da propriedade (art. 1196). São quatro os atributos da propriedade:

Gozar/Fruir

Reaver/Buscar

Usar/utilizar

Dispor/Alienar

Quem tem os quatro tem propriedade plena. Quem tem algum deles tem propriedade limitada. Quem tem apenas um tem posse.

Todo proprietário é possuidor = certo.

Todo possuidor é proprietário = errado.

Natureza jurídica:

Moreira Alves: dilema histórico: posse é um fato ou um direito.

A posse é um fato e um direito de natureza especial ou sui generis (não é nem direito pessoal nem real)

Pela concepção da teoria tridimensional do direito chega-se a mesma conclusão. Direito é fato, valor e norma. Se a posse entra no domínio do fato dele

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Teorias justificadoras da posse (existem 3 teorias):

a) Teoria subjetiva – Savigny

P (posse) = C (corpus domínio fático) + AD (animus domini intenção de ser proprietário)

Por essa teoria, o locatário, comodatário, o depositário entre outros, não são possuidores. Essa teoria não foi adotada no Brasil, nem no CC de 1016 e nem no CC de 2002, pois os sujeitos acima são possuidores.

A teoria subjetiva, no Brasil, somente é relevante para a usucapião.

b) Teoria objetiva – Ihering

P (posse) = C (domínio fático que inclui uma intenção de explorar a coisa economicamente)

Essa teoria, entre as clássicas, foi a adotada pelas codificações (art. 1196 e 1197, CC/02).

c) Teoria sociológica ou da função social da posse – Saleilles, Perozzi e Hernandez Gil

P (posse) = C (corpus) + FS (função social; se não houver uma função social, não há posse)

Essa teoria foi adotada implicitamente pelo CC/2002, ao valorizar a “posse-trabalho” (art. 1238, p. único = o prazo da usucapião extraordinária cai de 15 para 10 anos se houver posse-trabalho (moradia ou atividade produtiva; art. 1242, p. único = o prazo da usucapião ordinária cai de 10 para 5 anos se houver posse-trabalho; art. 1228, §§4º e 5º = desapropriação judicial privada por posse-trabalho.

Posse X Detenção

Detenção também é conhecida como fâmulo ou servidor da posse.

O detentor tem a coisa não em nome próprio, mas em nome de quem está subordinado (seguindo ordens e instruções – art. 1198).

Art. 1.198. Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas.

Parágrafo único. Aquele que começou a comportar-se do modo como prescreve este artigo, em relação ao bem e à outra pessoa, presume-se detentor, até que prove o contrário.

Ex.: parei o meu carro em um estacionamento privado. A empresa de estacionamento é possuidora (depositária). O manobrista é detentor.

Ex.: No caso de ocupação irregular de bens públicos não haverá posse, mas detenção, segundo o STJ (REsp 556.721/DF).

Ex.: A hipótese do caseiro é de detenção. Porém, se houver cessão de um imóvel para sua moradia, haverá posse (comodatário ou locatário). STJ, CC 105.134/MG

Como ele é comodatário, isso gera posse, ele é possuidor em relação a sua casa (casa de colono, em que ele mora), mas em relação a casa de fazenda ele é detentor.

16/05/14

OBS.: Tença – A pessoa tem a coisa em situação totalmente precária (no sentido de que não haverá maior prolongamento de tempo – é uma “mini-detenção”). Não está tratada em nosso sistema legal.

3.2. Principais classificações da posse e seus efeitos

3.2.1. Quanto ao desdobramento (paralelismo ou relação pessoa-coisa)

a) Posse direta – É aquela em que há o contato imediato e corpóreo entre a pessoa e a coisa. Ex.: locatário, comodatário e depositário.

b) Posse indireta – É aquela relacionada ao contato mediato com a coisa (ou seja, decorre de exercício de direito). Ex.: locador, comodante e depositante.

Art. 1197 – a posse direta não anula (afasta) a indireta, podendo o possuidor direito defender sua posse contra o indireto e vice versa.

Art. 1.197. A posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder, temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real, não anula a indireta, de quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto defender a sua posse contra o indireto.

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Ex.: Vigente uma locação, o locatário viaja e, quando retorna, o imóvel foi invadido pelo locador. O locatário, então, ingressa com ação de reintegração de posse contra o locador. O locador, em matéria de defesa, somente alega que é proprietário do bem (exceptio proprietatis – defesa de alegação de propriedade). Como juiz, decida.

Nesse caso, a ação de reintegração de posse deve ser julgada procedente. A alegação de domínio não vence a posse. Art. 1210, §2º, CC: § 2 o Não obsta à manutenção ou reintegração na posse a alegação de propriedade, ou de outro direito sobre a coisa.

Enunciado 78 e 79 da I JDC. A exceptio proprietatis foi abolida pelo CC de 2002, que estabeleceu a separação entre os juízos possessório e petitório. O primeiro discute posse, o segundo discute propriedade.

3.2.2. Classificação da posse quanto aos vícios objetivos (art. 1200, CC)

a) Posse justa – É a posse “limpa”, sem os vícios objetivos.

b) Posse injusta – Apresenta-se com pelo menos um dos vícios objetivos. Que são os seguintes:

b.1.) Posse violenta – Vis – Há o uso de violência física e/ou psicológica. Seria o roubo da posse, segundo Carlos Roberto Gonçalves.

b.2) Pose clandestina – Clam – É a posse “na calada da noite”, aproveitando-se de um descuido do possuidor. Seria o furto da posse, segundo CRG.

b.3) Posse precária – Precario – É aquela obtida com o abuso de confiança. Seria o estelionato da posse ou a apropriação indébita da posse para CRG. Ex.: locador da um prazo para o locatário abandonar o imóvel.

Todavia, há muita controvérsia nesta classificação, a posse violenta não seria posse, para alguns doutrinadores, pois violência e clandestinidade não induzem posse e sim detenção.

Para alguns doutrinadores a posse injusta não é posse, mas detenção (Fiúza, Cristiano Chaves, Rosenvald). Porém, essa afirmação nega a classificação da posse em justa e injusta. Pode-se afirmar que o possuidor injusto é possuidor, pois tem ação possessória contra terceiro. Entretanto, o possuidor injusto não tem ação possessória contra o possuidor justo (análise da melhor posse). Mas isso é controverso.

Art. 1208 – Não haveria na posse justa uma posse e sim detenção. Cessada a violencia ou clandestinidade, ai sim, ela passaria a ser justa. A posse precária não poderia ser convalidada, mas as demais podem.

Art. 1.208. Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade.

Segundo o entendimento majoritário, somente as posses violenta e clandestina podem ser curadas, sanadas ou convalidadas, passando a ser justas (isso se chama interversio possessionis). A precária não, pois ela não esta na lei. Neste sentido MHD, CRG e WBM. Em sentido contrário: Aurélio Bezerra de Melo (TJRJ) e Tartuce, para eles a precária deveria ser convalidada, pois a violência seria o pior dos vícios, e até ela se convalida, por que a precária não?

Segundo o entendimento majoritário a posse injusta passa a ser justa depois de um ano e um dia, tendo em vista o art. 924, CPC (MHD e Casal Nery). Para Marco Aurélio Bezerra de Melo o parâmetro deve ser a função social da posse (e aqui pode ser antes ou depois de um ano e um dia).

Consequências da presente classificação:

Elas dizem respeito à usucapião – somente tem posse usucapível o possuidor justo; E às ações possessórias.

3.2.3. Classificação quanto aos vícios subjetivos ou quanto à boa-fé (art. 1201, CC)

Segundo a doutrina majoritária, tem-se, em regra a boa-fé subjetiva ou intencional.

a) Posse de boa-fé – Presente quando o possuidor ignora um obstáculo para a aquisição da propriedade (boa-fé real) ou tem um justo título (boa-fé presumida). Ex.: justo título – contratos válidos e eficazes, pode ser uma locação, comodato, compromisso de compra e venda, registrado ou não.

Enunciado 303, II JDC.

b) Posse de má-fé – A pessoa sabe que não pode ser proprietária e não tem o justo título.

Cuidado! Em regra, há equivalência entre posse justa e posse de boa-fé; posse injusta e posse de má-fé. Mas não necessariamente.

Ex.: roubei um iphone, no dia seguinte vendo, e A compra – a posse de A será injusta e de boa-fé.

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A posse pode ser injusta e de boa-fé, ex.: alguém que compra o bem roubado, desconhecendo o fato, um dia após sua ocorrência.

A classificação da posse em justa e injusta não se confunde com posse de boa e má-fé.

Posse justa e injusta Posse de boa e má-féCritérios objetivos Critérios subjetivosEfeitos: usucapião e ações possessórias Efeitos: frutos, benfeitorias e responsabilidades (1214 a

1220)

Frutos Benfeitorias Responsabilidade (pela perda ou deterioração da

coisa)

Boa-fé (ex.: locatário) Tem direito aos frutos, com exceção dos frutos pendentes. 1

Tem direito as benfeitorias necessárias e úteis (indenização + retenção) 2. Pode levantar as voluptuárias (sem prejuízo do principal). 3

Só responde por culpa.

Má-fé (ex.: invasor) Não tem direito aos frutos e responde por eles, pelos que colheu e pelos que deixou de colher.

Tem direito as benfeitorias necessárias (indenização).

Responde ainda que a perda seja acidental (em regra).

1Possuidor de boa-fé tem direito aos frutos (saem do principal sem diminuir sua quantidade). Ele também tem direito aos produtos (sai do principal diminuindo)? Não, pois o regime dos frutos é diferente. Entendimento de Orlando Gomes e Francisco Loureiro.

2No caso da locação admite-se a renúncia as benfeitorias por força do contrato (art. 35, lei 8245/91; sum. 335, STJ). Se a locação for um contrato de adesão, muitos entendem que a renúncia é nula. Enunciado 433, VI, JDC.

3O tratamento das benfeitorias devem ser equivalente as acessões (construções e plantações)? Sim, enunciado 81, I JDC; TJSP, apelação cível 5319974/00, Des. Gavião de Almeida, 2009.

3.2.4. Quanto à presença de título

Título é uma causa representativa da posse, documentada ou não (Caio Mário).

a) Posse com título – Posse causal ou ius possidendi. Ex: Uma posse fundada em contrato.

b) Posse sem título – Posse natural ou ius possessionis. Ex.: achado de um tesouro sem querer.

3.2.5. Classificação quanto ao tempo

a) Posse nova – Tem menos de um ano e um dia.

b) Posse velha – Tem pelo menos um ano e um dia. Repercussão processual art. 924, CPC.

Ameaça, turbação e esbulho – Se forem novos, caberá a ação de força nova, seguindo rito especial e cabe liminar. Se forem velhos, caberá ação de força velha, o rito é ordinário e não cabe liminar (cabe tutela antecipada – enunciado 238, III JDC; REsp 1.194.649/RJ, 2012).

3.2.6. Quanto aos efeitos:

a) Posse ad interdicta – É aquela que possibilita o manejo das ações possessórias (é a regra – art. 1210). Temos os interditos possessórios, que são as ações possessórias diretas.

No caso de ameaça – interdito proibitório.

Turbação – ação de manutenção da posse. A turbação é um atentado temporário a ação de manutenção da posse.

Esbulho – caberá ação de reintegração da posse. É um atentado definitivo.

Existe uma fungibilidade total entre todas essas ações.

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§ 1o O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse.

Além de medidas judiciais, a lei assegura medidas extrajudiciais de autotutela da posse: no caso de esbulho = desforço imediato; ameaça ou turbação = legítima defesa da posse.

Essas medidas de autotutela devem ser proporcionais/razoáveis, imediatas (in continenti), e possível o uso de prepostos. Enunciado 493, V JDC.

b) Posse ad usucapionem – É a posse usucapível, que possibilita a aquisição do bem por usucapião. Ela não é a regra, é exceção. Ela tem que ser

Mansa/pacífica; Com animus domini (Savigny); Com determinado tempo (2 a 15 anos); Ininterrupta.

3.2.7. Composse ou compossessão (art. 1199, CC)

Temos o condomínio da posse, onde duas ou mais pessoas exercem a posse de modo pro diviso, ou seja, existe uma fração real, ou de modo pro indiviso, que é a fração ideal. Sabe-se qual é a área da posse, na pro diviso, já na pro indiviso a área da posse não é definida.

Art. 1.199. Se duas ou mais pessoas possuírem coisa indivisa, poderá cada uma exercer sobre ela atos possessórios, contanto que não excluam os dos outros compossuidores.

O STJ entende que qualquer herdeiro pode ingressar com ação possessória contra terceiro. Porém, também cabe ação possessória de um herdeiro contra o outro, se houver o esbulho praticado entre ambos (REsp 537.363/RS, inf. 431, STJ).

3.3. Aquisição, transmissão e perda da posse

a) Aquisição – Pode ser originária ou derivada. Aquela se dá com o contato direto entre pessoa e coisa, esta se dá com intermediação pessoal.

O art. 1204, CC adota o modelo aberto de aquisição. Segundo ele, adquire-se a posse quando se torna possível o exercício de um dos poderes da propriedade. Em contradição ao art. 493 do CC de 1916, que elencava hipóteses, falava em apreensão da coisa, disposição da coisa (tradição) e qualquer outra aquisição do direito. Estas hipóteses ainda são exemplos de aquisição da posse.

Tradição – Classificação da tradição não visão de:

WBM Orlando Gomes

A tradição pode ser real. Há o ato de entrega efetiva.

Pode ser simbólica. É um ato representativo. Ex.: traditio longa manu (a coisa é disponibilizada a outra parte).

Ficta/presumida – decorre de presunção. Ex.: traditio breve manu e constituto possessório.

Real

Ficta ou presumida – ex.: traditio longa manu

Consensual – ex.: traditio breve manu e constituto possessório.

Traditio breve manu é diferente de constituto possessório (ou cláusula constituti)

TBM – possuía em nome alheio, agora possui em nome próprio. Ex.: Locatário que compra o bem.

CP – possuía em nome próprio, agora possui em nome alheio com posse direta. Ex.: Vendeu o imóvel e o locou.

22/05/14

Art. 1205, CC – a posse pode ser adquirida pela própria pessoa, ou por seu representante (ex.: mandatário), ou por terceiro, sem mandato dependendo da ratificação (ex.: gestor do negócio – alguém que está atuando em nome do dono do negócio).

b) Transmissão

Art. 1203, CC – princípio sucessório: é o princípio da continuidade do caráter da posse.

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Salvo prova em contrário, entende-se manter a posse o mesmo caráter com que foi adquirida. Ao dizer o salvo em contrário, temos uma presunção relativa (iuris tantum).

Tem exceção? Sim, é a alteração da posse injusta para a justa, é a convalidação da posse injusta por meio da intervesio possessionis. Art. 1208.

Art. 1206, CC – herdeiros = sucessor universal, ou legatário no caso de sucessão singular (especifica o bem e a coisa, ex.: deixo meu carro volvo para meu sobrinho José).

Art. 1207, CC – o sucessor universal (ex.: herdeiro legítimo ou testamentário) continua de direito a posse de seu antecessor) e ao sucessor singular (ex.: legatário) temos a união da posse.

Portanto, no caso do sucessor universal, tem-se a continuidade da posse, que é obrigatória, tendo em vista o princípio da saesine. Já no caso da sucessão singular tem-se a união da posse, o legatário une a sua posse àquela que tinha anteriormente, esta união é facultativa.

Na união da posse, os vícios objetivos desaparecem? Enunciado 494, V Jornada: a posse segue com os mesmos caracteres da anterior, se era uma usucapião, terá, o sucessor, uma usucapião também. “A faculdade conferida ao sucessor singular de somar ou não o tempo da posse de seu antecessor não significa que, ao optar por nova contagem, estará livre do vício objetivo que maculava a posse anterior”. Este enunciado visa afastar a má-fé do sucessor singular, que quer tirar os vícios objetivos pela união da posse.

c) Perda

Art. 1223, CC – adotou um modelo aberto, ao dizer que perde-se a posse quando cessa, embora contra a vontade do possuidor, os atributos relativos à propriedade (ideia do art. 1196).

O art. 520 do CC de 1916 elencava hipóteses de perda da posse que ainda servem como exemplos hoje em dia:

Abandono da coisa = derrelição, que gera a res derelictae, ou seja, coisa abandonada; Tradição; Perda do bem ou destruição (ex.: deixou a joia cair em alto-mar ou foi destruída); Posse de outrem; Constituto possessório (cláusula constituti).

4. Propriedade

4.1. Conceito e atributos da propriedade

A propriedade é o direito real por excelência. Trata-se do domínio jurídico que uma pessoa exerce sobre uma coisa (bem corpóreo), relacionada com os quatro atributos previstos no art. 1228, CC (gozar, reaver, usar, dispor).

A propriedade é um direito fundamental condicionado a sua função social (art. 5º, XXII e XXIII, CF).

Atributos da propriedade: Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

Em regra, esses atributos são faculdades jurídicas. Já no CC de 1916, eram direitos. E por que isso aconteceu?

Sentido de abrandamento da propriedade. A palavra direito é mais forte que faculdade; Segundo Karl Larrenz a propriedade é um “grande” direito subjetivo do qual se destacam as faculdades.

Estudo dos atributos da propriedade:

a) Gozar ou fruir (é o antigo ius fruendi) – este atributo significa retirar os frutos do principal. Os frutos são os acessórios que saem do principal sem diminuir sua quantidade. Os frutos podem ser de três origens: naturais, industriais ou civis. Aqui nós temos uma faculdade jurídica.

Os frutos naturais decorrem da essência. Ex.: frutos – maçã da macieira;

Os industriais decorrem da atividade humana efetiva. Ex.: cimento produzido pela fábrica;

Os civis são os rendimentos. Ex.: aluguel de imóvel, juros de capital, dividendos, ações.

b) Reaver ou buscar a coisa de quem injustamente a possua ou detenha. Continua sendo direito, é o único que não é faculdade. É chamado de ius vindicandi (ou ius reivindicandi). Ele é exercido por ação petitória, sendo a principal a ação reivindicatória.

c) Usar ou utilizar a coisa – é dar uma destinação a coisa como bem quer que se entenda. O antigo ius utendi não é mais direito, e sim faculdade. Esse atributo de usar encontra fortes limitações na CF de 1988 (ex.: função social da propriedade), na legislação administrativa (ET) e no próprio CC de 2002.

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Art. 1277, CC – trata do uso anormal da propriedade dentro do direito da vizinhança, adotando a regra dos três “S”: segurança, sossego e saúde.

d) Dispor ou alienar – é o antigo ius disponendi, que hoje é faculdade. Tem-se a possibilidade de transmissão gratuita ou onerosa do bem. Ex.: vender, doar, hipotecar, empenhar, testar.

Gozar/fruir +

Reaver/buscar +

Usar/utilizar +

Dispor/alienar

Quem tem os quatro atributos tem a propriedade plena.

Porém, esses atributos podem ser distribuídos para outras pessoas, como acontece nos direitos reais de gozo ou fruição, e também nos direitos reais de garantia.

Usufruto: divisão igualitária dos atributos da propriedade

Gozar Reaver

Usar Dispor

Usufrutuário nu-proprietário

G e U = domínio útil

Nu-proprietário = está despido do domínio útil. Tem apenas o R e D.

O nu-proprietário pode locar o bem em usufruto? Locar tem haver com o G. Resposta: Não, somente o usufrutuário pode, pois é ele que tem o atributo de gozar.

O usufrutuário pode vender o bem em usufruto? Não, somente o nu-proprietário, por ter o atributo de dispor.

O nu-proprietário pode residir no imóvel? Residir é o U, logo: não, somente o usufrutuário por ter o atributo de usar.

Quem pode entrar com ação reivindicatória do bem? Somente o nu-proprietário, pois ele tem o atributo de reaver o bem (R).

Quem pode entrar com ação possessória? Ambos, pois basta ter um atributo para ter a posse.

4.2. Principais características do direito de propriedade

a) Afirma-se que a propriedade é um direito absoluto, no sentido de eficácia erga omnes.

Porém, a propriedade não é absoluta no sentido de prevalência em relação a qualquer outro direito. A propriedade é direito fundamental e deve ser ponderada com outros direitos fundamentais (ex.: dignidade humana, solidariedade, meio ambiente).

b) É um direito exclusivo de uma pessoa, como regra, salvo os casos de condomínio.

Art. 1231, CC – A propriedade presume-se plena e exclusiva, até prova em contrário.

Esta presunção é relativa (iuris tantum).

OBS.: No condomínio duas ou mais pessoas têm todos os atributos completos (GRUD).

c) É um direito elástico (Orlando Gomes), pois a propriedade é estendida e distendida de acordo com os atributos.

Plena = tem todos os atributos, então o elástico está todo esticado, estendido.

Usufruto = só tem dois atributos, está “menos esticado”.

Uso = um, está “menos esticado” que no usufruto.

Habitação = está quase nada esticado. P U Uso H

d) É um direito perpétuo, ou seja, é continua ate que surja um fato modificativo ou extintivo (moto contínuo). Não é transitório, tal como os contratos.

e) É um direito complexo, tendo em vista sua estrutura com quarto atributos.

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f) É um direito fundamental tutelado na CF/88 (art. 5º, XXII)

4.3. Função social da propriedade

Inclui a função socioambiental da propriedade. Está presente nos seguintes arts. da CF: 5º, XXIII; 186, 170 e no CC: 1228, §1º.

Segundo Orlando Gomes, função social quer dizer finalidade coletiva.

Quem desenvolveu a função social da propriedade foi Leon Duguit, ele trazia a ideia de que a propriedade é função social, pois traz deveres ao proprietário. A primeira norma a adotar isso foi a constituição de Weimar, da Alemanha de 1919, e ainda é trabalhada a seguinte ideia: a propriedade obriga, ela propõe limites ao proprietário e impõe determinadas condutas a este.

A função social da propriedade tem uma dupla função, como observa Jose de Oliveira Ascensão:

Função limitadora: limita direitos. Ex.: a propriedade não pode se exercida em abuso do direito (art. 1228, §2º, CC) – vedação dos atos emulativos ou chicaneiros.

Função impulsionadora: impõe condutas. A coisa cumpre sua função social quando é utilizada em um sentido positivo. “Usar o bem para o bem” (Lucas Abreu Barroso).

O art. 186 da CF traz parâmetros para a função social da propriedade rural ou agrária, parâmetros estes que são simultâneos, devendo estar todos presentes ao mesmo tempo. Tais parâmetros também servem para a propriedade urbana (Tepedino).

Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:

I - aproveitamento racional e adequado; É o desenvolvimento sustentável

II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; Tutela do bem ambiental (art. 225, CF)

III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho; Tutela dos trabalhadores (art. 7º, CF)

IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. É o bem estar geral, de todos, wellness, todavia, isso é uma utopia, sendo impossível agradar a todos.

Uma propriedade produtiva necessariamente atende à função social? Não, pois devem ser observados sempre os requisitos do art. 186, CF. Ex.: Uma usina de cana de açúcar onde tem queima da palha, condição análoga a de escravo com seus trabalhadores.

Principal julgado brasileiro sobre a função social da propriedade É o caso da favela Pullman, prolatado pelo TJSP, Des. José Osório, e STJ no REsp 75.659/SP.

1955 – loteamento; 1973 – área adquirida (invasão); 1985 – os proprietários entraram com reivindicatória; 1995 – TJSP reverteu a decisão de 1ª instância, dizendo que os proprietários não tinha legitimidade para propor a reivindicatória; 2005 – STJ confirma a decisão do TJSP.

A leitura de todos os textos do CC só pode se fazer à luz dos preceitos constitucionais vigentes. Não se concebe um direito de propriedade que tenha vida em confronto com a Constituição Federal, ou que se desenvolva paralelamente a ela.

As regras legais, como se sabe, se arrumam de forma piramidal.Ao mesmo tempo em que manteve a propriedade privada, a CF a submeteu ao princípio da função social (arts. 5º, XXII e XXIII; 170, II e III; 182, 2º; 184; 186; etc.).

Esse princípio não significa apenas uma limitação a mais ao direito de propriedade, como, por exemplo, as restrições administrativas, que atuam por força externa àquele direito, em decorrência do poder de polícia da Administração.

O princípio da função social atua no conteúdo do direito. Entre os poderes inerentes ao domínio, previstos no art. 524 do CC (usar, fruir, dispor e reivindicar), o princípio da função social introduz um outro interesse (social) que pode não coincidir com os interesses do proprietário. Veja-se, a esse propósito, José Afonso da Silva, Direito Constitucional Positivos, 5ª ed., p. 249⁄0, com apoio em autores europeus).

Assim, o referido princípio torna o direito de propriedade, de certa forma, conflitivo consigo próprio, cabendo ao Judiciário dar-lhe a necessária e serena eficácia nos litígios graves que lhe são submetidos.

No caso dos autos, o direito de propriedade foi exercitado, pelos autores e por seus antecessores, de forma anti-social. O loteamento - pelo menos no que diz respeito aos nove lotes reivindicandos e suas imediações - ficou praticamente abandonado por mais de 20 (vinte) anos; não foram implantados equipamentos urbanos; em 1973, havia árvores até nas

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ruas; quando da aquisição dos lotes, em 1978⁄9, a favela já estava consolidada. Em cidade de franca expansão populacional, com problemas gravíssimos de habitação não se pode prestigiar tal comportamento de proprietários.

O jus reivindicandi fica neutralizado pelo princípio constitucional da função social da propriedade. Permanece a eventual pretensão indenizatória em favor dos proprietários, contra quem de direito.

Conclusão: quem não atende a função social em sua eficácia limitadora e impulsionadora, não tem propriedade, não havendo sequer legitimidade para ação reivindicatória. PROPRIEDADE É FUNÇÃO SOCIAL!!!

Art. 1228, §1º, CC e art. 186 e 225, CF – A função social da propriedade engloba a sua função socioambiental.

§ 1o O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.

Ideia de precaução. Este artigo é muito difícil de ser concretizar, mas veio a se concretizar com o seguinte entendimento o STJ: o novo proprietário do imóvel é obrigado a fazer sua recuperação ambiental, mesmo não sendo o causador do dano. Fundamentos: 1) a responsabilidade civil, neste caso, é objetiva pelo risco integral, ou seja, sem excludente de responsabilidade; 2) a função socioambiental; 3) e que haveria ai uma obrigação propter rem. REsp 263383/PR. Este 3 foi incluído no código florestal (12651/12, art. 2º, parágrafo 2º).

29/05/14

4.4. Desapropriação judicial privada por posse-trabalho (art. 1228, §4º e §5º, CC)

Ela foi “criada” por Miguel reale, e não consta de qualquer outra codificação.

§ 4o O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante.

§ 5o No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores.

Requisitos:

Imóvel reivindicado: ação reivindicatória proposta pelo proprietário; Extensa área; Posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos; Considerável número de pessoas; Posse-trabalho: função impulsionadora, é usar o bem para o bem; Justa indenização devida ao proprietário.

Ao contrário do que afirma Pablo Stolze, não se trata de uma usucapião, diante do pagamento da indenização. Aliás, este aspecto serve para diferenciar o instituto da usucapião coletiva. Nosso sistema jurídico não admite a usucapião onerosa (estatuto da cidade).

Trata-se de uma desapropriação privada, pois no interesse direto de determinadas pessoas. Porém, há também o interesse indireto coletivo, diante da concretização da função social da posse e da propriedade.

Não há jurisprudência consolidada quanto a este tema, e sim vários enunciados a respeito:

82 – Art. 1.228: É constitucional a modalidade aquisitiva de propriedade imóvel prevista nos §§ 4º e 5º do art. 1.228 do novo Código Civil.

Há quem diga que é inconstitucional, é o caso de Dalrus Maluf (USP). 83 – Art. 1.228: Nas ações reivindicatórias propostas pelo Poder Público, não são aplicáveis as disposições

constantes dos §§ 4º e 5º do art. 1.228 do novo Código Civil. (Alterado pelo Enunciado 304 – IV Jornada) Essa categoria não se aplica aos bens públicos, pois estes não são usucapíveis, e, portanto, não pode ser

objeto de desapropriação privada (art. 183 e 191, CF). 304 – Art. 1.228: São aplicáveis as disposições dos §§ 4º e 5º do art. 1.228 do Código Civil às ações

reivindicatórias relativas a bens públicos dominicais, mantido, parcialmente, o Enunciado 83 da I Jornada de Direito Civil, no que concerne às demais classificações dos bens públicos.

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Os bens públicos dominicais podem ser objeto de desapropriação privada. Isso é um “revival” de uma antiga tese defendida por Silvio Rodrigues, dentre outros, no seguinte sentido: os bens dominicais são alienáveis, e, portanto, usucapíveis. É entendimento minoritário.

84 – Art. 1.228: A defesa fundada no direito de aquisição com base no interesse social (art. 1.228, §§ 4º e 5º, do novo Código Civil) deve ser argüida pelos réus da ação reivindicatória, eles próprios responsáveis pelo pagamento da indenização.

Os réus alegam matéria de defesa e são responsáveis pelo pagamento da indenização.

308 – Art. 1.228: A justa indenização devida ao proprietário em caso de desapropriação judicial (art. 1.228, § 5º) somente deverá ser suportada pela Administração Pública no contexto das políticas públicas de reforma urbana ou agrária, em se tratando de possuidores de baixa renda e desde que tenha havido intervenção daquela nos termos da lei processual. Não sendo os possuidores de baixa renda, aplica-se a orientação do Enunciado 84 da I Jornada de Direito Civil.

310 – Art. 1.228: Interpreta-se extensivamente a expressão “imóvel reivindicado” (art. 1.228, § 4º), abrangendo pretensões tanto no juízo petitório quanto no possessório.

Visa afastar a má-fé do autor da ação, ele ingressa com uma possessória para afastar a aplicação do instituto, é uma “malandragem”.

309 – Art. 1.228: O conceito de posse de boa-fé de que trata o art. 1.201 do Código Civil não se aplica ao instituto previsto no § 4º do art. 1.228.

Essa boa-fé do art. 1201 é a subjetiva. Geralmente são áreas que foram invadidas, e a invasão é um ato de má-fé subjetiva, mas ele entra no imóvel e age bem, com boa-fé objetiva, e ai sua posse é melhor que a do antigo proprietário.

A boa-fé do art. 1228, §2º, é a objetiva (conduta), é a “melhor posse”. Logo, objeto invadido pode ser objeto de desapropriação privada.

4.5. Formas de aquisição da propriedade

Pode ser originária ou derivada.

Na originária há o contato direto entre a pessoa e a coisa. Já na derivada existe uma intermediação pessoal.

Na originária a propriedade é “zerada”, logo, os seus acessórios (ex.: tributos, dívidas de condomínio, hipoteca) serão extintos. RE 94.586-6/RS, de 1984.

Na aquisição derivada não será, pois há solução de continuidade.

A posse trabalho é o que? Há quem diga que é originaria porque há contato direito com a coisa, mas há quem diga que pode ser derivada, pois se contata com pessoal.

Formas de aquisição da propriedade imóvel:

Originárias: Acessões: são incorporações naturais ou artificiais. Ex.: aluvião, ilhas, avulsão, álveo abandonado,

plantações e construções. Usucapião

Derivadas: Registro; Sucessão

4.5.1. Usucapião imobiliária

Seria uma prescrição aquisitiva (Caio Mário).

É “a” ou “o” usucapião? Tartuce sugere que se use “a”. O CC de 2002 e o Estatuto da Cidade falam em “a”.

É uma forma originária de aquisição da propriedade decorrente de uma posse prolongada e qualificada. É a chamada posse ad usucapionem.

Requisitos da posse ad usucapionem:

Posse mansa ou pacífica, ou seja, sem perturbações, sem contestação; Posse com animus domini (intenção de dono) (Savigny). Se vigente um contrato não haverá esse requisito, a não

ser nos casos de desaparecimento da causa contratual (TJSP – julgado de Francisco Loureiro);

É possível usucapião em favor de um locatário ou comodatário? Em regra não, pois ele não tem o animus domini. São poucos os julgados que reconhecem isso, Tartuce é a favor.

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Posse justa: sem os vícios objetivos; Posse com justo título e boa-fé: só vale para a modalidade ordinária (em regra); Posse contínua, duradoura e com determinado tempo;

Art. 1243 – Accesio possessionis: soma das posses para fins de usucapião, é a continuidade das posses para fins de usucapião. Se aplica para usucapião especial agrário ou urbano?

317 – Art. 1.243: A accessio possessionis de que trata o art. 1.243, primeira parte, do Código Civil não encontra aplicabilidade relativamente aos arts. 1.239 e 1.240 do mesmo diploma legal, em face da normatividade do usucapião constitucional urbano e rural, arts. 183 e 191, respectivamente.

Entendimento majoritário: art. 1243 não se aplica para usucapião constitucional agrária e nem para usucapião constitucional urbano. No primeiro caso, ela tem que ser pessoal, exercida pela própria pessoa. Na segunda, tem um tratamento específico no art. 9º, §3º, Estatuto da Cidade (lei 10257/2001).

Atos de mera tolerância não geram posse ad usucapionem. EXCEÇÃO: aplicou a supressio (REsp 214680/SP), que é a perda do direito pelo seu não exercício pelo tempo.

Art. 1.244. Estende-se ao possuidor o disposto quanto ao devedor acerca das causas que obstam, suspendem ou interrompem a prescrição, as quais também se aplicam à usucapião.

É uma confirmação de que a usucapião é realmente uma prescrição aquisitiva.

O possuidor é equiparado ao devedor quanto às regras do arts. 197 a 199 quanto a impedimento e suspensão da prescrição e também do art. 201 quanto a interrupção da prescrição.

Modalidades de usucapião imobiliária:

a) Usucapião ordinária = art. 1242, CC.

Regular ou comum: caput

Posse ad usucapionem por 10 anos; Justo título (causa representativa lícita que pode ser documentada ou não), ex.: contrato, compromisso de

compra e venda; Boa-fé subjetiva (art. 1201, CC).

Por posse-trabalho: parágrafo único

Além desses requisitos acima tem que ter uma destinação positiva dada a coisa. Entra o estabelecimento da moradia ou a realização de investimentos de interesse social e econômico relevante. Neste caso, o prazo cai para 5 anos.

Também cairá para 5 anos se houver um requisito formal: aquisição onerosa que foi cancelada, ex.: compromisso de compra e venda que foi registrado e que foi cancelado. Tartuce acha que este é um requisito dispensável. Quando este requisito está presente há o chamado usucapião tabular.

b) Usucapião extraordinária = art. 1238, CC

Como o prazo é maior, não se exige a boa-fé e nem o justo título.

Regular ou comum: caput

Posse ad usucapionem por 15 anos. A boa-fé e o justo título presumem-se de forma absoluta, é presunção iure et de iure

Posse-trabalho: parágrafo único

O prazo cai para 10 anos se houver estabelecimento da moradia ou a realização de investimentos de caráter produtivo. Não há o requisito formal.

c) Usucapião constitucional ou especial rural (usucapião agrária ou pro labore) = art. 191, caput, CF; art. 1239, CC; lei 6969/1981

Requisitos:

Imóvel rural de até 50 hectares; Posse ad usucapionem de até 5 anos; Utilização do imóvel para subsistência ou trabalho, pelo possuidor ou sua família com estabelecimento de

moradia – exercer atividade agrária: agricultura, pecuária, extrativismo, agroindústria; Não pode ser proprietário de outro imóvel rural ou urbano.

ATENÇÃO: art. 191, parágrafo único, CF: os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.

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Art. 1º, lei 6969/81 – não foi recepcionado pela CF/88.

Art. 2º - terras devolutas: são terras sem dono, são bens públicos dominicais. Não foi recepcionado pela CF/88.

Súmula 340, STF: Desde a vigência do CC (1916), os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião.

Art. 3º - áreas indispensáveis à segurança nacional = fronteiras; ou se tem o indigenato ou cabe usucapião indígena – este artigo foi recepcionado pela CF/88. Tem aplicabilidade.

E se a área passar um pouquinho do previsto, poderá haver usucapião? Não, enunciado 313 – Arts. 1.239 e 1.240: Quando a posse ocorre sobre área superior aos limites legais, não é possível a aquisição pela via da usucapião especial, ainda que o pedido restrinja a dimensão do que se quer usucapir. Os agraristas não concordam com este entendimento (Lucas Barroso e Benedito Marques).

d) Usucapião constitucional ou especial urbana (urbana individual ou pro misero) = art. 183, CF; art. 1240, CC; art. 9º, Estatuto da Cidade

Atenção: foi incluída uma submodalidade no art. 1240-A, relacionada ao abandono do lar conjugal ou vivencial.

Requisitos:

Área urbana não superior a 250 m2; Posse ad usucapionem por 5 anos; Imóvel destinado para moradia do possuidor ou de sua família; Não pode ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural; Só pode ser reconhecido uma vez.

Pode atingir área do condomínio (unidades autônomas do condomínio). Enunciado 85 – Art. 1.240: Para efeitos do art. 1.240, caput, do novo Código Civil, entende-se por "área urbana" o imóvel edificado ou não, inclusive unidades autônomas vinculadas a condomínios edilícios.

Usucapião especial urbana por abandono do lar: requisitos

Posse ad usucapionem por 2 anos; Posse direta; Imóvel urbano com até 250m2; Em codomínio com cônjuge ou companheiro, ou seja, co-propriedade com cônjuge ou companheiro; Abandono do lar; Utilização para moradia sua ou de sua família; Não pode ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural; Só é possível uma vez.

Esta ação corre na vara cível e não na de família.

498 – A fluência do prazo de 2 (dois) anos previsto pelo art. 1.240-A para a nova modalidade de usucapião nele contemplada tem início com a entrada em vigor da Lei n. 12.424/2011.

Logo, não pode usar o prazo que há para trás (06/2011).

500 – A modalidade de usucapião prevista no art. 1.240-A do Código Civil pressupõe a propriedade comum do casal e compreende todas as formas de família ou entidades familiares, inclusive homoafetivas.

502 – O conceito de posse direta referido no art. 1.240-A do Código Civil não coincide com a acepção empregada no art. 1.197 do mesmo Código

e) Usucapião especial urbana coletiva = art. 10, lei 10.257/01

Área urbana de no mínimo 250 m2; Posse ad usucapionem por 5 anos; Famílias de baixa renda (considerável número de pessoas); Imóvel utilizado para moradia com impossibilidade de reconhecimento da área de cada possuidor; Não pode ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

f) Usucapião indígena = art. 33, lei 6001/1973

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Posse ad usucapionem mansa e pacífica por 10 anos; Exercida por indígena; Área de até 50 hectares.